UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO" Faculdade de Engenharia e Ciências de Guaratinguetá VITOR BENTES MENDROT Simetrias do movimento relativístico planar: bósons e férmions Guaratinguetá 2023 Vitor Bentes Mendrot Simetrias do movimento relativístico planar: bósons e férmions Dissertação apresentada ao Conselho de Curso do Programa de Pós-Graduação em Física da Fa- culdade de Engenharia e Ciências do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estatual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do tí- tulo de Mestre em Física. Orientador: Prof. Dr. Antonio Soares de Castro Coorientador: Prof. Dr. Pedro Almeida Vieira Alberto Guaratinguetá 2023 M539s Mendrot, Vitor Bentes Simetrias do movimento relativístico planar: bósons e férmions / Vitor Bentes Mendrot - Guaratinguetá, 2023. 105 f : il. Bibliografia: f. 89-91 Dissertação (Mestrado em Física) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Engenharia e Ciências de Guaratinguetá, 2023. Orientador: Prof. Dr. Antonio Soares de Castro Coorientador: Prof. Dr.: Pedro Almeida Vieira Alberto 1. Simetria (Física). 2. Bósons. 3. Férmions. 4. Modelos de interação boson-fermion. I. Título. CDU 539.12 Luciana Máximo Bibliotecária/CRB-8 3595 unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CAMPUS DE GUARATINGUETÁ VÍTOR BENTES MENDROT ESTA DISSERTAÇÃO FOI JULGADA ADEQUADA PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE “MESTRE EM FÍSICA” PROGRAMA: FÍSICA CURSO: MESTRADO APROVADA EM SUA FORMA FINAL PELO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO Prof. Dr. Ernesto Vieira Neto Coordenador B A N C A E X A M I N A D O R A: Prof. Dr. ANTONIO SOARES DE CASTRO Orientador - UNESP Prof. Dr. ELIAS LEITE MENDONÇA UNESP Prof. Dr. LUIS RAFAEL BENITO CASTRO UFMA/CCET MARÇO de 2023 AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar à minha família, em especial aos meus pais Eduardo e Léa por me proporcionarem irrestrita liberdade e incondicional apoio para perseguir os meus objetivos acadêmicos. Aos amigos do grupo ‘Rocks’n Roses’ pelo companheirismo e camaradagem em todos os momentos, em especial à minha querida Thaynara, sempre disposta a ouvir minhas elucubrações sobre o processo de confecção desta dissertação. Aos meus colegas de departamento, desde os que me acompanham desde o primeiro dia da graduação até os que pude de fato conhecer pessoalmente apenas após a pandemia. A todos os funcionários e colaboradores da Universidade por proporcionarem a infraestrutura e conforto. A todos os professores com quem tive o prazer de estudar, por todo o conhecimento transmi- tido. Aos membros da banca avaliadora Prof. Dr. Elias Leite Mendonça e Prof. Dr. Luis Rafael Benito Castro, a quem sou grato pelas considerações e sugestões sobre o trabalho. Agradeço em especial ao meu orientador Prof. Dr. Antonio Soares de Castro e ao meu coorientador Prof. Dr. Pedro Almeida Vieira Alberto, pela dedicação e paciência em integrar um jovem pesquisador ao mundo acadêmico, além de todos os conhecimentos gastronômicos e gramaticais adquiridos. Agradeço especialmente à CAPES pelo suporte financeiro para a realização não apenas deste trabalho, mas do projeto de pesquisa que o engloba. Agradeço também ao Programa de Pós-Graduação em Física da Faculdade de Engenharia e Ciências do campus de Guaratinguetá da Unesp, pelos suportes financeiros para que eu pudesse participar de eventos científicos. Agradeço a todos os brasileiros cujos impostos se direcionam ao financiamento da formação do corpo técnico-científico brasileiro. Espero poder retribuir em meu tempo de vida. Esta pesquisa foi realizada durante um período extremamente nefasto para a Ciência e para a Educação, portanto deixo meus agradecimentos a todos que lutaram pela sua valorização neste ínterim. Por fim, agradeço a todos que colaboram com projetos como Sci-Hub, Library Genesis, etc., pelo seu esforço em criar redes de compartilhamento irrestrito de conhecimento, fornecendo a necessária democratização ao maior bem da humanidade, o conhecimento, cuja apropriação nunca deveria ser privada mas sempre social. O presente trabalho foi realizado com apoio da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, processo CAPES-DS. “Symmetry, as wide or narrow as you may define its meaning, is one idea by which man through the ages has tried to comprehend and create order, beauty, and perfection.“ (Hermann Weyl) RESUMO A dinâmica das partículas sem spin é modelada pela teoria de Klein-Gordon, enquanto a de partículas com spin-1/2 é modelada pela teoria de Dirac. Estamos particularmente interessados no comportamento de tais partículas quando imersas em misturas de potenciais de diversas naturezas sob transformações de Lorentz, de sorte que elas se mantenham restritas ao movimento em um plano fixo. Apresentamos o estudo completo de sistemas circularmente simétricos, identificando simetrias capazes de nos orientar quanto à construção de autoestados pertinentes, empregando o sistema de coordenadas cilíndricas. Particularmente à teoria de Dirac, demonstra-se que com certas condições para os potenciais, simetrias adicionais são encontradas: as simetrias de spin e pseudospin. É realizada a análise de diversos sistemas e o confronto dos resultados com os disponíveis na literatura é avaliado. Perspectivas para o avanço na pesquisa deste tipo particular de movimento são discutidas. PALAVRAS-CHAVE: Simetrias; bósons de spin-0; teoria de Klein-Gordon; férmions de spin-1/2; teoria de Dirac; simetria de spin; simetria de pseudospin. ABSTRACT The dynamics of spinless particles is modeled by the Klein-Gordon theory, while the Dirac theory is adequate for spin-1/2 particles. We are specifically interested in such particles constrained to move in a plane when immersed in a mix of potentials with different properties under Lorentz transformations. The full treatment of circularly symmetric systems is shown, identifying sym- metries which indicate how to build relevant eigenstates, using the cylindrical coordinate system. Particularly for the Dirac theory, in some specific conditions for the potentials, new symmetries arise: the spin and pseudospin symmetries. The analysis of a number of configurations is made and the results are compared with the ones found in the literature. Perspectives for further development of research about this particular type of motion are adressed. KEYWORDS: Symmetries; spin-0 bosons; Klein-Gordon theory; spin-1/2 fermions; Dirac theory; spin symmetry; pseudospin symmetry. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Onda viajando no sentido positivo de x à velocidade c nos instantes t e t+∆t, em que se destaca o ponto de mesma amplitude e derivada primeira em relação à x (fase). Nesta ilustração, c∆t < λ/2. . . . . . . . . . . . . 14 Figura 2 Lado esquerdo de (2.38) em termos de ϵ . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 Figura 3 Argumento de χ em função de A tomando a raiz cúbica principal. . . . . 38 Figura 4 Módulo de χ em função de A. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Figura 5 Valores reais de χ em função de A. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Figura 6 Valores reais de χ+ χ−1 em função de A. . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Figura 7 Espectro para os “três mais baixos níveis de energia”. A linha fina é o nível n = 0, a linha grossa é o nível n = 1, a linha tracejada é n = 2. . . . . . . 42 Figura 8 A região em azul indica os pares (αΣ, α∆) cujas intensidades dos potenci- ais não possuem limitação, enquanto a região cinza indica os pares cuja intensidade possui uma limitação e a região vazia os pares impossíveis de formarem estados ligados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Figura 9 ε/m em função de α∆/αΣ. Em laranja, temos a área em que αΣ < 0 e em turquesa, αΣ > 0. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Figura 10 ε/m em função da razão α∆/αΣ, com αΣ = 0, 05 (abaixo da linha traço- ponto αΣ > 0 e vice-versa), para as seis primeiras energias válidas. A linha pontilhada espaçada é para n = 2, |l| = 1; a linha tracejada longa é para n = 3, |l| = 1; a linha tracejada espaçada é para n = 3, |l| = 2. . . . . . . 47 Figura 11 ε/m em função da razão α∆/αΣ, com αΣ = −1, 8 (acima da linha traço- ponto αΣ < 0 e vice-versa), para as seis primeiras energias válidas. As linhas sólidas são para n = 1, |l| = 0; as linhas pontilhadas são para n = 2, |l| = 0; as linhas pontilhadas espaçadas são para n = 2, |l| = 1; as linhas tracejadas são para n = 3, |l| = 0; as linhas tracejadas longas são para n = 3, |l| = 1; as linhas tracejadas espaçadas são para n = 3, |l| = 2. . . . 48 Figura 12 Versão ampliada da Figura 11. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Elementos da base do espaço das matrizes 4×4. . . . . . . . . . . . . . . . 25 Tabela 2 – Número de soluções físicas para os intervalos de interesse . . . . . . . . . . 37 SUMÁRIO 1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA QUÂNTICA NÃO- RELATIVÍSTICA E RELATIVÍSTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 1.1 A transição de uma descrição não-relativística para uma descrição relativística 17 1.1.1 A equação de Klein-Gordon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 1.1.2 A equação de Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 1.2 O movimento circularmente simétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 1.3 Simetrias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 2 A EQUAÇÃO DE KLEIN-GORDON RESTRITA AO MOVIMENTO PLANAR CIRCULARMENTE SIMÉTRICO . . . . . . . . . . . . . . . 30 2.1 Simetrias do movimento circularmente simétrico de bósons de spin-0 . . . . 30 2.2 Equações radiais da teoria de Klein-Gordon para o movimento circularmente simétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.3 Oscilador harmônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.4 Problema de “Coulomb” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 2.4.1 Interação puramente vetorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 2.4.2 Interação puramente escalar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 2.4.3 α∆ = 0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 3 A EQUAÇÃO DE DIRAC RESTRITA AO MOVIMENTO PLANAR CIRCULARMENTE SIMÉTRICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.1 Geradores de simetria para o movimento circularmente simétrico para férmi- ons de spin-1/2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.1.1 Geradores de simetrias contínuas da teoria de Dirac . . . . . . . . . . . 56 3.1.1.1 O operador de “spin” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 3.1.1.2 O operador “momento angular orbital” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 3.1.1.3 O terceiro componente do operador momento angular total . . . . . . . . . 60 3.1.1.4 O operador spin-órbita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 3.1.2 Geradores de simetrias discretas da teoria de Dirac: paridade . . . . . . 61 3.1.3 Uma nova simetria dinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 3.1.3.1 A conexão com a Física . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 3.1.3.2 O par da simetria de spin: a simetria de pseudospin . . . . . . . . . . . . . . 71 3.2 Equações radiais da teoria de Dirac para o movimento circularmente simétrico 72 3.3 Problema de “Coulomb” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 3.3.1 Interação puramente vetorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 3.3.2 Interação puramente escalar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 3.3.3 Simetria de spin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 4 OS PRÓXIMOS PASSOS DO PRESENTE ESTUDO . . . . . . . . . . . 87 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 APÊNDICE A – O SISTEMA DE COORDENADAS CILÍNDRICAS . 89 APÊNDICE B – AS MATRIZES DE PAULI . . . . . . . . . . . . . . . 92 APÊNDICE C – A CONJUGAÇÃO DE CARGA . . . . . . . . . . . . 94 APÊNDICE D – OS POLINÔMIOS DE LAGUERRE GENERALIZA- DOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 APÊNDICE E – SOLUÇÕES ANALÍTICAS DE EQUAÇÕES RADI- AIS DA TEORIA NÃO-RELATIVÍSTICA . . . . . . 98 E.1 Potencial harmônico em coordenadas esféricas . . . . . . . . . . . . . . . . 98 E.2 Potencial de Coulomb em coordenadas esféricas . . . . . . . . . . . . . . . 99 APÊNDICE F – A REGRA DOS SINAIS DE DESCARTES . . . . . . 100 APÊNDICE G – A EQUAÇÃO DE KUMMER . . . . . . . . . . . . . . 101 13 1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA QUÂNTICA NÃO- RELATIVÍSTICA E RELATIVÍSTICA Erwin Schrödinger, ao buscar desenvolver uma teoria ondulatória para a matéria no primeiro quartel do século XX, inspirado pelo postulado de de Broglie e amparado pelos avanços realiza- dos por Einstein na compreensão da natureza da luz assim como os de Planck no entendimento da radiação de corpo negro, se defrontou com a equação que hoje é conhecida como equação de Klein-Gordon, seguidamente abandonando-a, visto que esta possuía aparentes problemas contra- ditórios com as observações físicas da época (????). Em fato, isso se dava pelo desconhecimento do momento angular de spin do elétron. A busca por uma teoria de natureza ondulatória para partículas é sustentada pelas relações de Planck-Einstein (??) ε = hν, (1.1) p = h λ , (1.2) em que se conectam a energia ε e o momento linear p de uma partícula material com a frequência ν e comprimento de onda λ da onda associada, respectivamente. a constante de proporcionalidade h é a constante de Planck. Faremos uma breve digressão sobre a teoria eletromagnética de Maxwell, que nos fornece uma equação de onda para descrever o campo eletromagnético, nos indicando como talvez encontrar algo equivalente para partículas com massa 1. Da teoria eletromagnética, nomeadamente as equações de Maxwell, é possível extrair a equação de onda do campo eletromagnético (??). Vamos considerar, por simplificação do argumento, mas sem afetar a generalidade do resultado, a equação de onda para apenas uma dimensão ( ∂2 ∂x2 − 1 c2 ∂2 ∂t2 ) y(x, t) = 0, (1.3) em que y(x, t) é a amplitude da onda e c é a velocidade da luz, conforme o diagrama abaixo. Supondo uma solução da forma de uma onda senoidal viajando no sentido positivo de x, como mostrado na Figura 1 1 Deve-se enfatizar que esse paralelo entre a teoria eletromagnética e a mecânica quântica não é plenamente realizado, mas apenas nos indica uma pista de como construir uma equação de onda adequada para a mecânica quântica. 14 Figura 1 – Onda viajando no sentido positivo de x à velocidade c nos instantes t e t+∆t, em que se destaca o ponto de mesma amplitude e derivada primeira em relação à x (fase). Nesta ilustração, c∆t < λ/2. Fonte: Autor (2022). y(x, t) = ym sin[k(x− ct)], (1.4) em que ym é a amplitude máxima. Identificamos o chamado número de onda k = 2π λ , (1.5) definido em termos do comprimento de onda λ, que é determinado a partir da periodicidade espacial de y(x, t) y(x+ λ, t) = y(x, t). (1.6) Também definimos, por conveniência, a frequência angular ω, determinada em termos da frequência ν da onda 15 c = λν ⇒ kc = 2πν = ω. (1.7) Portanto, a amplitude da onda pode ser reescrita como y(x, t) = ym sin(kx− ωt), (1.8) e as relações (1.1) e (1.2) podem ser escritas da forma ε = ℏω, (1.9) p = ℏk. (1.10) em que ℏ = h/2π. O cerne do argumento aqui apresentado se dá no seguinte ponto: a substituição de (1.8) em (1.3) nos leva à igualdade ε2 = p2c2. (1.11) É pertinente portanto afirmar que a equação de onda nada mais é do que a equação de energia em forma de operadores aplicados em uma função que descreve o estado da grandeza estudada, neste caso a amplitude da onda. Isso nos permite corresponder as grandezas energia e momento linear com operadores diferenciais. Para isso, entendemos a potência em (1.11) como a dupla aplicação da grandeza — ou operador —: ε× ε = p× pc2. (1.12) Dessa forma, podemos fazer a correspondência com a equação de onda, resultando em ε −→ iℏ ∂ ∂t , (1.13) p −→ −iℏ ∂ ∂x . (1.14) É de simples observação que o operador equivalente em três dimensões para o momento linear é 16 p −→ −iℏ∇, (1.15) em que o operador ∇, em coordenadas cartesianas, é ∇ = ı̂ ∂ ∂x + ȷ̂ ∂ ∂y + k̂ ∂ ∂z . (1.16) Para buscar uma equação de onda para uma partícula com massa, executamos o mesmo raciocínio na ordem inversa: substituímos os operadores na equação de energia para obter uma equação envolvendo operadores, que por sua vez agem em uma função que descreve o estado doo sistema. Aplicando este procedimento à equação de energia clássica, obtemos a equação de Schrödinger ε = p2 2m + V (r, t) ⇒ iℏ ∂Ψ(r, t) ∂t = − ℏ2 2m ∇2Ψ(r, t) + V (r, t)Ψ(r, t), (1.17) em que V (r, t) é a energia potencial2 do sistema e Ψ(r, t) é chamada de função de onda, e contém as informações sobre o sistema estudado. As analogias entre a teoria eletromagnética e a teoria quântica, entretanto, se encerram por aqui, pois estamos lidando agora com uma equação cuja solução pode ser — e na verdade é — complexa. A conexão entre a função de onda Ψ e a partícula associada é dada pela chamada interpretação de Born (??). A interpretação se baseia na ideia de que, se o movimento da partícula está relacionado com a propagação de uma onda associada, ambos devem estar conectados no espaço. Em outras palavras, a “posição” da partícula e as regiões de alta amplitude da onda estão ligadas. Matematicamente, podemos enunciar essa ideia formulando uma equação de continuidade a partir de (1.17) — considerando que o potencial V (r, t) seja real — e identificando a densidade de probabilidade J0, que especifica a probabilidade por unidade de volume de se encontrar a partícula em uma posição r em um momento t. A equação de continuidade obtida é ∇ · J + ∂J0 ∂t = 0, (1.18) em que a densidade de probabilidade é J0(r, t) = Ψ∗(r, t)Ψ(r, t), (1.19) 2 Usalmente referido apenas como “potencial”, aderiremos ao jargão. 17 tal que Ψ∗(r, t) é o conjugado complexo da função de onda, e portanto J0 é real e não-negativo, como é de se esperar de uma probabilidade. A função J(r, t) por sua vez, deve corresponder à densidade de corrente de probabilidade, que especifica como a probabilidade flui no espaço e no tempo, e é dada por J(r, t) = iℏ 2m [Ψ(r, t)∇Ψ∗(r, t)−Ψ∗(r, t)∇Ψ(r, t)] . (1.20) A teoria de Schrödinger pode nos fornecer dois tipos de estados: estados ligados e estados de espalhamento. No presente trabalho nos interessa o primeiro, estados que devido à sujeição a um potencial externo, restringem a partícula em certas regiões do espaço. Ademais, estes estados são tais que as funções de onda podem ser normalizadas em todo o espaço V de forma que a probabilidade total seja a unidade ∫ V d3r J0 = 1. (1.21) Esta condição restringe as formas permitidas para as funções de onda, que deverão ser do tipo quadrado integrável, i.e., tais que J0 = |Ψ(r, t)|2 seja integrável. Isto impõe severas condições sobre a forma da função na origem e em seu comportamento assintótico. Em suma, a conjunção da equação de Schrödinger com a interpretação de Born nos oferece uma teoria quântica da matéria que une seus aspectos ondulatórios e de partícula em um regime não-relativístico, a chamada teoria de Schrödinger. 1.1 A TRANSIÇÃO DE UMA DESCRIÇÃO NÃO-RELATIVÍSTICA PARA UMA DESCRI- ÇÃO RELATIVÍSTICA A teoria da relatividade especial se baseia em dois postulados: 1. A velocidade da luz c é a mesma em qualquer referencial inercial; 2. As leis físicas são igualmente válidas em todos os referenciais inerciais. Para melhor descrição de eventos físicos que contemplem os axiomas da teoria da relatividade especial, introduzimos um espaço-tempo quadridimensional em que a grandeza ct aparece como uma nova dimensão, adjunta às tradicionais três dimensões espaciais, formando o espaço de Minkowski. Neste espaço, o vetor posição — ou quadrivetor posição — pode ser representado por um objeto denominado “contravariante” ou “covariante”, dados respectivamente por 18 xµ = {ct, x, y, z} = {ct, r} , (1.22) xµ = {ct,−x,−y,−z} = {ct,−r} , (1.23) que se relacionam por xµ = gµνxν , (1.24) em que gµν é o tensor métrico de Minkowski, que caracteriza o espaço-tempo, definido como gµν =  1 0 0 0 0 −1 0 0 0 0 −1 0 0 0 0 −1  . (1.25) A relação entre dois vetores posição em dois referenciais inerciais diferentes, dados por xµ = {ct, r} e x′µ = {ct′, r′}, respectivamente, é construída por intermédio de uma transformação de Lorentz (??) 3 xµ → x′µ = Λµ νx ν , (1.26) onde Λµ ν representam os elementos da matriz transformação de Lorentz, e estão condicionados pela restrição que mantêm o elemento de espaço-tempo ds2, definido como o produto escalar da posição consigo mesmo — ou norma da posição —, invariante ds2 = dx · dx = dxµdxµ = dx′µdx′ µ = c2dt2 − dr · dr = c2dt′2 − dr′ · dr′, (1.27) o que produz a condição 3 Pode-se adicionar a essa transformação uma translação no espaço-tempo, constituindo a chamada transformação de Poincaré. 19 Λα γΛ β δgαβ = gγδ. (1.28) O quadrivetor posição constitui o protótipo de todos os vetores deste espaço, de tal forma que para dois quadrivetores quaisquer aµ = {a0,a} e bµ = {b0, b}, o elemento aµbµ = a0b0 − a · b (1.29) também será um escalar de Lorentz. A introdução dos princípios da relatividade especial, particularmente o segundo, colocam a teoria de Schrödinger em sério risco, pois ela os viola. Em primeiro lugar, a equação de Schrödinger não é invariante sob transformações de Lorentz — ou covariante de Lorentz —, o que fisicamente corresponde à equação não possuir a mesma forma em diferentes referenciais inerciais. Em segundo lugar, o fato de o tempo perder seu caráter privilegiado de dimensão inalterada ao se mudar de referencial na teoria relativística nos faz ter que revisitar o conceito de densidade de probabilidade. Além desses problemas profundos, ainda é fato notório que a teoria não-relativística falha em descrever certos fenômenos tais como a criação de pares, a polarização de vácuo, e outras formas de violação da conservação de probabilidade em regimes de altas energias (??). Na verdade, todas essas aparentes limitações se devem ao fato de a teoria de Schrödinger não ser covariannte. 1.1.1 A equação de Klein-Gordon É indispensável então que haja uma generalização relativística da teoria de Schrödinger, para que os problemas supracitados possam ser superados. O passo natural a se tomar é considerar a expressão relativística de energia, que pode ser escrita em termos do quadrimomento, grandeza do espaço-tempo que unifica energia e momento4 pµ = {ε,p} = i { ∂ ∂t ,−∇ } , (1.30) produzindo ε2 = m2 + p2 ⇒ pµpµ = m2. (1.31) Vamos utilizar as relações entre as grandezas e os operadores diferenciais para obter uma equação de operadores, que aplicadas em uma função de onda, nos forneça uma equação 4 A partir daqui, recorreremos ao uso do sistema de unidades naturais em que ℏ = c = 1. 20 covariante. Deste processo surge a equação de Klein-Gordon, cuja forma manifestamente covariante é (pµpµ −m2)Ψ(r, t) = 0. (1.32) Expressamos portanto uma equação de segunda ordem que fornece uma função de onda. Essa equação, como dito anteriormente, foi descartada por Schrödinger em 1926, mas foi estudada mais a fundo por Klein e Gordon (??), que a propuseram como adequada à descrição relativística do elétron. Embora a covariância da equação seja autoevidente, ela (aparentemente) exibe dois problemas relacionados à sua interpretação como equação de estado de uma partícula (livre) por ser uma equação de segunda ordem. Em primeiro lugar, a equação admite soluções com energia negativa. Esse fato está intima- mente relacionado com a ordem da equação no tempo, o que pode ser observado ao realizar a separação das variáveis temporal e espaciais via o Ansatz Ψ(r, t) = φ(r)e−iεt, (1.33) de forma que a equação independente do tempo será ( ∇2 + ε2 −m2 ) φ = 0, (1.34) em que ε é a constante de separação e corresponde à energia total do sistema. A solução de onda plana é φ = Aeip·r, (1.35) onde p e r representaram os vetores momento e posição, respectivamente. Substituindo o Ansatz na equação (1.34), obtetmos −p2 + ε2 −m2 = 0 ∴ ε = ± √ p2 +m2, (1.36) em que fica evidente a inevitabilidade de soluções negativas. Essa possibilidade acarreta um segundo problema: não é possível definir uma densidade de probabilidade. A equação de continuidade 21 ∂J0 ∂t +∇ · J = 0 (1.37) só é satisfeita se J0 e J forem definidos, a menos de uma constante multiplicativa comum aos dois, como J0 = i 2m ( Ψ∗∂Ψ ∂t −Ψ ∂Ψ∗ ∂t ) (1.38) e J = − i 2m (Ψ∗∇Ψ−Ψ∇Ψ∗). (1.39) Já que Ψ e ∂Ψ/∂t podem assumir valores arbitrários em algum instante, a expressão para J0 não é necessariamente não-negativa. Isso já se torna aparente para o caso livre, em que ela assume a forma J0 = ε m Ψ∗Ψ. (1.40) Assim sendo, J0 não pode ser interpretada como uma densidade de probabilidade. Contudo, Pauli e Weisskopf (??) demonstraram que se (1.38) e (1.39) forem interpretadas como densidade e corrente de carga, respectivamente, esse problema seria resolvido, o que já aponta para as limitações da interpretação de partícula única da teoria. De fato, a tentativa de interpretar as teorias relativísticas como descrições de partícula única são essencialmente problemáticas. Essas teorias são salvas apenas pela reinterpretação fornecida pelo novo paradigma da teoria quântica de campos, que trata as teorias como teorias de campos tais que a sua quantização determina uma interpretação de partícula adequada (??). Quanto à primeira patologia, demonstra-se que na verdade esta possibilidade de energias negativas está relacionada à descrição de antipartículas (??), cuja existência à época carecia de evidência experimental. É possível por meio de uma simples mudança estender a equação de Klein-Gordon para o caso em que a partícula não é mais livre, mas sujeita a um campo eletromagnético externo minimamente acoplado descrito por um potencial vetorial V µ = (Vv,Vv). Para isso, deve-se transmutar o operador quadrimomento de forma análoga ao que se transforma o momento na mecânica quântica não relativística, i.e., (??) pµ → pµ − V µ. (1.41) 22 Desta forma, a equação de Klein-Gordon para uma interação eletromagnética minimamente acoplada será [(pµ − V µ)(pµ − Vµ)−m2]Ψ = 0. (1.42) Podemos ainda acoplar um potencial escalar Vs (no sentido de Lorentz) à massa do sistema, obtendo [(pµ − V µ)(pµ − Vµ)− (m+ Vs) 2]Ψ = 0. (1.43) Assim como na teoria não-relativística, a equação de continuidade nos fornece uma expressão que nos permite normalizar as autofunções. Dispondo da notação covariante, escrevemos a equação de continuidade ∂µJ µ(x) = 0, (1.44) em que Jµ(x) = i 2m (Ψ∗∂µΨ−Ψ∂µΨ∗)− 1 m V µΨ∗Ψ. (1.45) Identificamos então que a integral de normalização das autofunções é ∫ V d3rJ0 = ±1, (1.46) em que o sinal do lado direito da equação é utilizado para partículas de carga positiva (+) e negativa (−). A discordância da equação de Klein-Gordon com a descrição do espectro do hidrogênio foi o golpe final para que ela fosse inicialmente descartada como candidata à contraparte relativística da equação de Schrödinger para o elétron. Efetivamente, a equação de Klein-Gordon não modela o elétron, visto que ela não contempla o grau de liberdade do spin da partícula. Ela na verdade fornece a descrição relativística adequada de bósons de spin 0. Isto posto, podemos afirmar ainda que a equação de Schrödinger descreve bósons de spin 0 no regime de baixas energias, visto que a equação é obtida ao se tomar o limite não-relativístico da equação de Klein-Gordon. Contudo, é possível também incorporar o grau de liberdade de spin na teoria não-relativística. Para isso, basta rescrever o termo de energia cinética da equação de Schrödinger com acoplamento mínimo em termos de matrizes de Pauli (??), o que por sua vez requer que o estado seja descrito 23 por um espinor de duas componentes, sendo um para cada estado possível de spin. Esta adaptação da equação de Schrödinger, conhecida como equação de Pauli, é obtida ao se tomar o limite não-relativístico da equação que realmente descreve o elétron: a equação de Dirac, tópico da próxima seção. 1.1.2 A equação de Dirac Visto que a teoria de Klein-Gordon não é capaz de contemplar o grau de liberdade de spin da partícula, outra teoria é necessária para descrever as partículas que possuem essa característica. Buscando na verdade uma generalização relativística da teoria de Schrödinger que não possuísse as aparentes patologias da teoria de Klein-Gordon, Paul Dirac encontrou a equação adequada para descrever partículas de spin-1/2, tal como o elétron (??). Para uma partícula de spin-1/2 com massa m em um espaço-tempo de 3+1 dimensões, a equação de Dirac é (γµpµ −m)Ψ(x) = 0, (1.47) em que γµ são um conjunto de matrizes que obedecem à álgebra de Clifford {γµ, γν} = 2gµν , (1.48) dada em termos do tensor métrico do espaço-tempo de Minkowski (1.25). A função de onda Ψ é um espinor de quatro componentes, tal que cada componente obedece à equação de Klein- Gordon. A teoria de Dirac, como dito acima, foi buscada na intenção de se construir uma interpretação probabilística aos moldes da teoria de Schrödinger. De fato, podemos determinar uma equação de continuidade em que é possível definir uma densidade de probabilidade. Seja o chamado espinor adjunto Ψ̄ ≡ Ψ†γ0, (1.49) a quadricorrente de densidade que satisfaz à equação de continuidade (1.44) é Jµ(x) = Ψ̄γµΨ, (1.50) com a imposição de que as matrizes γµ sejam hermitianas com respeito à γ0: 24 (γ0γµ)† = γ0γµ. (1.51) Identificamos portanto a densidade J0 = Ψ̄γ0Ψ, (1.52) que é sempre não-negativa. Para a teoria de Dirac portanto, a condição de normalização assumirá uma forma muito similar à da teoria não-relativística: ∫ V d3rΨ†Ψ = 1. (1.53) Embora o tratamento estatístico da teoria de Dirac seja mais simples do que o da teoria de Klein-Gordon, aqui também surge a inevitabilidade de soluções com energia negativa. As matrizes γµ são linearmente independentes, mas elas não formam uma base do espaço vetorial das matrizes 4×4, pois são necessários dezesseis elementos matriciais linearmente independentes para que qualquer matriz 4×4 possa ser escrita como uma combinação linear dessas dezesseis matrizes. Com as matrizes γµ, e a matriz identidade 14, já dispomos de cinco elementos. Outra matriz linearmente independente às citadas é a matriz γ5, definida por γ5 ≡ iγ0γ1γ2γ3. (1.54) Com essas seis matrizes, é possível construir uma base de 16 elementos Γ(m), que podem ser categorizados em termos de como se comportam sob transformações de Lorentz as formas bilineares covariantes Ψ̄Γ(m)Ψ. Assim, identificamos um elemento escalar Γ(S), quatro elementos vetoriais Γ(V ), seis elementos tensoriais Γ(T ), quatro elementos pseudovetoriais (ou axiais) Γ(A), e um elemento pseudoescalar Γ(P ), dispostos na Tabela 1. 25 Tabela 1 – Elementos da base do espaço das matrizes 4×4. Notação nº Forma explícita Γ(S) = 1 1 1 Γ(V ) = γµ 4 γ0, γ1, γ2, γ3 Γ(T ) = i 2 [γµ, γν ] 6 γ0γ1, γ0γ2, γ0γ3, γ1γ2, γ1γ3, γ2γ3 Γ(A) = γµγ5 4 iγ0γ2γ3, iγ0γ3γ1, iγ0γ1γ2, iγ1γ2γ3 Γ(P ) = γ5 1 iγ0γ1γ2γ3 Fonte: Wachter, A. Relativistic Quantum Mechanics Existem diversos conjuntos de matrizes, relacionadas por transformações unitárias entre si, as chamadas representações, que satisfazem tanto à álgebra de Clifford quanto à propriedade (1.51). Ao longo deste trabalho, será utilizada a representação de Dirac, também chamada de representação padrão γ0 = ( 12 0 0 −12 ) , γ = ( 0 σ −σ 0 ) , (1.55) em que 12 é a matriz identidade 2×2, γ = (γ1, γ2, γ3), e σ = (σ1, σ2, σ3) são as matrizes de Pauli (vide Apêndice B). Nesta representação, os componentes inferiores do espinor são suprimidos em relação aos componentes superiores no limite não-relativístico, e a matriz γ5 possui a forma γ5 = ( 0 12 12 0 ) . (1.56) Da mesma forma que na seção anterior, podemos incluir interações de diversas naturezas na equação de Dirac. Nos interessa no presente trabalho as interações vetoriais V µ = (Vv,Vv), introduzidas pela prescrição pµ → pµ − V µ, (1.57) e as interações de natureza escalar Vs, sob a prescrição m → m+ Vs, (1.58) 26 resultando em [γµ (pµ − Vµ)− (m+ Vs)] Ψ = 0. (1.59) Para os nossos intentos, é conveniente rescrever a equação de Dirac em sua formulação hamiltoniana, facilmente derivada de (1.59). Já na forma independente do tempo, HΨ = εΨ, (1.60) em que ε é a energia total do sistema e H é o operador hamiltoniano H = α · p+ β(m+ Vs) + Vv, (1.61) onde tomamos a parte espacial da interação vetorial como nula, pois ela vai além do escopo de interesse deste trabalho. As matrizes α = γ0γ e β = γ0 satisfazem às seguintes propriedades αiαj = δij + iϵijkΣk , i = 1, 2, 3 (1.62) {αi, αj} = 2δij (1.63) {αi, β} = 0, (1.64) e são escritas na representação padrão como α = ( 0 σ σ 0 ) , β = ( 12 0 0 −12 ) . (1.65) 1.2 O MOVIMENTO CIRCULARMENTE SIMÉTRICO No presente trabalho, nos interessa especificamente os regimes de estados ligados tais que a partícula esteja restrita a um plano de movimento, que por simplicidade, escolheremos como o plano xy do sistema de coordenadas cartesianas. Em termos da dinâmica do problema, isto implica em as soluções serem autoestados do componente z do momento linear, ou em termos da equação de autovalor, −i ∂ ∂z Ψpz = pzΨpz , (1.66) 27 sendo pz o autovalor do componente z do momento linear e Ψpz o respectivo autoestado. No caso da teoria de Klein-Gordon, isto nos permite fatorar diretamente a dependência em z da função de onda. Empregando o sistema de coordenadas cilíndricas — vide Apêndice A —, escrevemos Ψpz(r, t) = φ(ρ, ϕ, t)e−izpz . (1.67) Ademais, fixamos o autovalor pz = 0, o que restringe a dinâmica do problema a um plano fixo e torna a função de onda independente de z. Para a teoria de Dirac, dada a estrutura espinorial do estado, tal fatoração não pode ser simplesmente realizada. Para este caso, procederemos como a referência (??), ao observar que se não há momento ou forças em z, o espinor pode ser construído com a restrição pzΨ = 0, (1.68) que efetivamente reduz um grau de liberdade do problema. Isto posto, faremos ainda a restrição ao movimento circularmente simétrico, ou seja, todos os potenciais do problema dependerão apenas da distância à origem do sistema no plano de movimento, para o qual o sistema de coordenadas cilíndricas é muito conveniente de utilizar. 1.3 SIMETRIAS O último preparativo necessário para que iniciemos a discussão são algumas considerações sobre o conceito de simetria na mecânica quântica. A busca por essas propriedades de um sistema físico são fundamentais para determinarmos soluções adequadas, visto que elas revelam invariâncias do sistema, o que na prática reduz o reino de possibilidades de soluções para aquelas em que essa invariância é respeitada. Segundo Roman : “First of all, the symmetries give a guide for solving the dynamical equations: they restrict the forms the solution can take. Thus all admissible solutions will be classified by their symmetry character, to speak loosely”5.(??) A invariância, em termos matemáticos, pode ser entendida como a característica do sistema físico ser insensível à transformação de certas quantidades, i.e., o estado do sistema não é afetado pela variação dessa quantidade. A existência dessas transformações “irrelevantes” apontam por sua vez para o surgimento de um conjunto de simetrias que as equações que descrevem o sistema obedecem. Devemos ser capazes de determinar uma lei de transformação que conecta estados que possuem especificações diferentes dessa propriedade, mas representam estados equivalentes, e por sua vez caracterizar explicitamente a simetria. Na teoria quântica, sabemos que para conectar dois estados fisicamente equivalentes, uma transformação U unitária, i.e., tal que 5 Tradução simples: “Em primeiro lugar, as simetrias dão um guia para se resolver as equações dinâmicas: elas restringem as formas que a solução pode ter. Logo todas as soluções admissíveis serão classificadas pela característica da simetria, para falar não rigorosamente.” 28 U † = U−1, (1.69) é adequada, visto que ela preserva o produto escalar (??) — em outras palavras, as características físicas do sistema 6. Seja um estado Ψ e um observável O, uma simetria do sistema será descrita pelo operador U tal que Ψ(U) = UΨ, (1.70) O(U) = UOU †, (1.71) correspondem ao estado e ao observável transformado, respectivamente. A forma de U dependerá dos parâmetros da simetria em questão, de tal forma que este operador constitui o “código de translação” entre duas descrições permitidas pela simetria (??). Ao considerarmos grupos de simetria, distinguimos dois casos: simetrias contínuas e discretas. Para as simetrias contínuas, podemos construir a lei de transformação a partir de transformações infinitesimais partindo da operação identidade U = 1− iϵG, (1.72) de forma que a transformação infinitesimal será δΨ = Ψ(U) −Ψ = −iϵGΨ, (1.73) em que o parâmetro ϵ é infinitesimal e G é o chamado gerador da simetria. Construímos a transformação nesta forma específica, pois a unitariedade de U implica em G ser hermitiano, o que nos permite associá-lo à grandeza conservada associada à simetria. G é portanto o observável físico adequado. Sabendo que o operador que representa a simetria comuta com o hamiltoniano, [U , H] = 0 (1.74) decorre obviamente que [G, H] = 0. (1.75) 6 A transformação, conforme (??), também pode ser antiunitária, caso que não será necessário neste trabalho. 29 Para simetrias discretas, não podemos realizar tal processo de encontrar um observável que seja o análogo quântico a grandezas clássicas, portanto utilizaremos o próprio operador unitário, sem buscar identificar na teoria clássica uma contraparte. Para o escopo deste trabalho, não nos interessam os detalhes sobre as simetrias e as ferra- mentas matemáticas para descrevê-las, sendo este breve resumo apenas uma contextualização para o que virá na frente. Nos interessa especificamente a relação das simetrias com os números quânticos e as degenerescências. Seja um estado Ψ que satisfaça à equação dinâmica HΨ = εΨ. (1.76) Seja também uma simetria do sistema, em que (1.75) é satisfeita. Disto decorre que GHΨ = εGΨ (1.77) H (GΨ) = ε (GΨ) . (1.78) Então GΨ também é autoestado de H com mesmo autovalor ε. Se Ψ e GΨ forem linearmente independentes, diz-se que o autovalor será degenerado. Com um conjunto completo de observáveis mutuamente comutantes (??), i.e., um conjunto de operadores que caracterize todos os graus de liberdade do sistema, podemos determinar sem ambiguidade os estados rotulando-os pelos autovalores, aos quais associaremos os números quânticos. Esta dissertação tem por objetivo investigar simetrias e suas propriedades no regime do movimento planar, e mais especificamente, de sistemas circularmente simétricos. Iniciaremos o estudo abordando a teoria de Klein-Gordon, discutindo as simetrias pertinentes e avaliando sistemas físicos específicos. Adiante, estudaremos configurações semelhantes na teoria de Dirac, realizando também um estudo dos diversos geradores de simetrias encontrados para sistemas circularmente simétricos, onde identificaremos o surgimento de duas simetrias adicionais em condições específicas dos potenciais: as simetrias de spin e pseudospin. Nos capítulos seguintes, desenvolveremos em detalhes argumentos relativos às características particulares de sistemas sujeitos às misturas de um potencial escalar e da componente temporal de um potencial vetorial (faremos Vv = 0) que permitam a formação de estados ligados em termos de funções analíticas. No caso da teoria de Dirac, também discutiremos a natureza e as particularidades das simetrias adicionais mencionadas acima. 30 2 A EQUAÇÃO DE KLEIN-GORDON RESTRITA AO MOVIMENTO PLANAR CIR- CULARMENTE SIMÉTRICO O nosso caso de interesse é em sistemas cuja expressão das equações no sistema de coorde- nadas cilíndricas (ρ,ϕ,z) é mais vantajoso, devido às suas simetrias geométricas (veja Apêndice A). Vamos então desenvolver a equação (1.43) considerando que Vv = 0 e os demais potenciais são independentes do tempo e circularmente simétricos. Isso consiste em dizer que os potenciais são da forma Vv = Vv(ρ) , Vs = Vs(ρ). (2.1) Considerando (1.67), dispomos do Ansatz Ψ(r, t) = φ(ρ, ϕ)ei(zpz−εt), (2.2) em que ε é a energia total do sistema. Portanto obtemos a equação para os estados estacionários1 φ(r) [(ε− Vv) 2 +∇2 − (m+ Vs) 2]φ = 0. (2.3) Explicitando o operador laplaciano em coordenadas cílindricas, a equação (2.3) torna-se [ ∂2 ∂ρ2 + 1 ρ ∂ ∂ρ − L2 z ρ2 + (ε− Vv) 2 − (m+ Vs) 2 ] φ = 0, (2.4) em que identificamos o operador momento angular (A.18). 2.1 SIMETRIAS DO MOVIMENTO CIRCULARMENTE SIMÉTRICO DE BÓSONS DE SPIN-0 O único termo da equação (2.4) que envolve a coordenada polar é justamente o termo de momento angular, o que nos sugere que podemos propor um Ansatz que separa as partes radial e angular da equação recorrendo às autofunções de Lz, dadas por (A.21), visto que Lz comuta com o operador que atua no estado φ. Vamos propor a seguinte forma conveniente 1 por simplicidade, foi escolhido o autovalor pz = 0. 31 φl(ρ, ϕ) = Ul(ρ)√ ρ Φl(ϕ), (2.5) o que nos conduz diretamente à equação radial do problema − 1 2m d2Ul dρ2 + ( −V 2 v − V 2 s 2m + εVv +mVs m + l2 − 1/4 2mρ2 ) Ul = ε2 −m2 2m Ul. (2.6) O Ansatz construído relaciona-se com a invariância do sistema sob rotações no plano, cuja simetria relacionada tem por gerador o operador Lz (??), constituindo uma transformação contínua. Retomando (1.67), as autofunções também são autoestados do componente z do momento linear, com autovalor pz, que foi fixado em pz = 0. Assim, com estes dois números quânticos, mais um número quântico que será determinado a partir da equação radial, temos rótulos o suficiente para dar conta de todos os graus de liberdade do problema. Para a teoria de Klein-Gordon também interessará a transformação de paridade, ou reversão espacial, que é a transformação discreta que reverte o sinal das coordenadas espaciais e mantém o sinal da coordenada temporal r −→ −r (2.7) t −→ t. (2.8) Esta transformação, aplicada em (2.4), nos leva a uma equação para φ(−r). A paridade constituirá uma transformação de simetria do sistema se a função φ(−r) também for solução de (2.4). Para isso ser verdadeiro, os potenciais envolvidos devem ser invariantes sob (2.7) e (2.8), de forma que a equação para φ(−r) seja idêntica à (2.4). Em coordenadas cilíndricas, a reversão (2.7) não afeta a componente radial ρ, de forma que os potenciais (2.1) de fato não se alteram após reversão espacial. Portanto, concluímos que a transformação de paridade constitui uma transformação de simetria para sistemas circularmente simétricos na teoria de Klein-Gordon. 2.2 EQUAÇÕES RADIAIS DA TEORIA DE KLEIN-GORDON PARA O MOVIMENTO CIRCULARMENTE SIMÉTRICO A equação (2.6) já nos permite inferir certas propriedades: claramente a solução Ul depende apenas de |l|, o que implica em uma degenerescência essencial; a equação não gera estados ligados para uma interação puramente vetorial com lim ρ→∞ |Vv| = ∞, mas com a introdução de uma interação escalar, isto passa a ser possível se a seguinte condição for satisfeita 32 lim ρ→∞ |Vs| ≥ lim ρ→∞ |Vv| ; (2.9) para uma interação puramente escalar, as autoenergias serão simétricas em relação à ε = 0. Por a mistura dos potenciais escalares e vetoriais ser determinante para o surgimento de estados ligados, sugerimos as seguintes redefinições VΣ = Vv + Vs e V∆ = Vv − Vs, (2.10) que levam à seguinte mudança na equação radial − 1 2m d2Ul dρ2 + [ (ε+m)VΣ + (ε−m)V∆ − VΣV∆ 2m + l2 − 1/4 2mρ2 ] Ul = ε2 −m2 2m Ul. (2.11) Definindo a energia não relativística εNR ± ≡ ε∓m, em que o índice + corresponde à partícula e o índice − corresponde à antipartícula, obtemos os limites não-relativísticos da equação (2.11) − 1 2m d2Ul dρ2 + [ εNR + 2m V∆ + VΣ ( 1− V∆ 2m ) + l2 − 1/4 2mρ2 ] Ul = εNR + Ul (2.12) e − 1 2m d2Ul dρ2 + [ εNR − 2m VΣ − V∆ ( 1 + VΣ 2m ) + l2 − 1/4 2mρ2 ] Ul = −εNR − Ul. (2.13) É interessante observar que, se o potencial for muito fraco na região análoga à região classi- camente permitida — em outras palavras, regiões de alta densidade de carga — de maneira que possamos afirmar que a intensidade dos potenciais é muito menor que m, a aproximação não-relativística se reduz para uma forma muito mais simples − 1 2m d2Ul dρ2 + ( VΣ + l2 − 1/4 2mρ2 ) Ul = εNR + Ul (2.14) e − 1 2m d2Ul dρ2 + ( −V∆ + l2 − 1/4 2mρ2 ) Ul = −εNR − Ul. (2.15) 33 A condição de normalização da teoria de Klein-Gordon para uma mistura de interações vetorial e escalar, conforme (1.46), é ε ∫ ∞ 0 dρ |Ul|2 − ∫ ∞ 0 dρ Vv |Ul|2 = ±m. (2.16) A estratégia geral neste capítulo será buscar mapear nosso problema da teoria relativística nos problemas não-relativísticos apresentados no Apêndice E. Para este fim é necessário que as autofunções aqui estudadas satisfaçam às condições (E.2) e (E.3). Mediante avaliação das condições impostas pela teoria de Klein-Gordon em relação àquelas da teoria não-relativística, podemos determinar se a estratégia proposta será exequível. Para tanto, convém estudar (2.16) avaliando a finitude do lado esquerdo da equação — recorrendo à desigualdade triangular —, o que nos conduz a ∫ ∞ 0 dρ |Ul|2 < ∞, (2.17)∫ ∞ 0 dρ |Vv| |Ul|2 < ∞. (2.18) A condição (2.17), tão presente na mecânica quântica não-relativística, que demanda que Ul seja quadrado integrável, poderá ser satisfeita se lim ρ→0 |Ul| ∝ ρ−1/2+ϵ , ϵ > 0 (2.19) e lim ρ→∞ |Ul| = 0. (2.20) Se Vv se comportar como lim ρ→0 |Vv| ∝ ρd2 , (2.21) sendo d2 um parâmetro qualquer, observamos que a inequação (2.18) imporá novas condições sobre Ul na vizinhança da origem: lim ρ→0 |Ul| ∝ ρ−1/2−d2/2+ϵ , ϵ > 0. (2.22) 34 Na prática a situação será a de que se o potencial for tal que d2 > 0, a condição (2.19) será mais forte, e no caso contrário (2.22) será a mais forte. Basta verificar a condição mais forte para que ambas sejam satisfeitas, e desta forma, poderemos avaliar finalmente se o mapeamento será possível. Com a equação radial (2.11) e a equação de normalização (2.16) em mãos, assim como suas condições de normalizabilidade, poderemos ver isso de forma explícita para alguns sistemas de interesse. Aproveitaremos também para apontar uma inconsistência disponível na literatura (????), em que a discussão sobre a normalização é inadequada, haja vista que se considera a mesma normalização usada na teoria não-relativística. 2.3 OSCILADOR HARMÔNICO O primeiro caso que iremos estudar são os dos potenciais do tipo oscilador harmônico, descritos por VΣ = 1 2 KΣρ 2 e V∆ = 1 2 K∆ρ 2, (2.23) nos fornecendo a equação, que para fins de análise, será disposta na forma de uma equação tipo Schrödinger d2U dρ2 + { 1 4 KΣK∆ρ 4 − 1 2 [KΣ(ε+m) +K∆(ε−m)] ρ2− l2 − 1/4 ρ2 + ε2 −m2 } U = 0. (2.24) Não é possível construir regimes de estados ligados em termos de funções analíticas devido à presença do termo de quarta potência na equação. Logo, uma restrição adicional que imporemos ao sistema modelado por osciladores harmônicos, se quisermos obter estados em termos de funções convencionais, é KΣK∆ = 0, (2.25) o que nos leva a duas possibilidades de configurações dos potenciais escalar e vetorial — excetuando o caso livre, que não nos interessa —, Vv = ±Vs, já denotando como a relação entre estes potenciais de diferentes naturezas de Lorentz é muito estreita para a realização de estados ligados descritos por soluções analíticas. Avaliemos então o caso em que K∆ = 0 e KΣ ̸= 0, o que em conformidade com o Apêndice C, também nos fornecerá os resultados para o caso em que K∆ ̸= 0 e KΣ = 0, com a substituição KΣ → −K∆ e ε → −ε no resultado obtido. Para este caso particular, a equação radial se torna 35 d2U dρ2 + [ −1 2 KΣ(ε+m)ρ2 − l2 − 1/4 ρ2 + ε2 −m2 ] U = 0. (2.26) Para o oscilador harmônico a condição (2.19) deverá ser satisfeita. Em conjunto com a condição (2.20), identificamos portanto que é possível mapear este problema na equação radial para um potencial harmônico na teoria não-relativística, conforme Apêndice E. Iniciamos nossas investigações identificando o mapeamento dos parâmetros das duas equa- ções: ( Mω ℏ )2 = 1 2 KΣ(ε+m) (2.27) S2 − 1 4 = l2 − 1/4 (2.28) 2ME ℏ2 = ε2 −m2, (2.29) em que M > 0, ω > 0, S ≥ 0 e E > 0. Com o mapeamento definido, podemos determinar o espectro e as autofunções do problema. Com a definição do número quântico principal n = 2nr + |l| (2.30) e a identificação da constante auxiliar γ = √ KΣ(ε+m) 2 , (2.31) teremos Un|l|(ρ) = Cn|l|ρ 1/2+|l|e− 1 2 γρ2L (|l|) (n−|l|)/2 ( γρ2 ) , (2.32) ± √ 2KΣ(ε+m) (n+ 1) = ε2 −m2, (2.33) tal que os números quânticos podem tomar os valores n = 0, 1, 2, 3, ... e |l| = 0, 1, ..., n, e Cn|l| é uma constante arbitrária. As funções radiais são proporcionais aos polinômios de Laguerre generalizados (vide Apêndice D). Das relações de mapeamento (2.27), (2.28) e (2.29) — em conjunto com as condições dos parâmetros —, podemos estudar o espectro e determinar sua forma explícita. Da relação (2.27), 36 certificamos que KΣ(ε+m) > 0 ∴ KΣ ≷ 0 ⇒ ε ≷ −m, (2.34) e da relação (2.29) encontramos que |ε| > m. (2.35) Da condição (2.35), eliminamos a possibilidade do sinal negativo no lado esquerdo da equação (2.33). Convém analisar o espectro quadrando esta equação e fazendo as seguintes mudanças de variáveis: ϵ = 3 ε m , |ϵ| > 3 (2.36) A = 27 16 KΣ (n+ 1)2 m3 , (2.37) fornecendo ( ϵ 3 − 1 )2 ( ϵ 3 + 1 ) = 32 27 A. (2.38) O processo de quadrar a equação do espectro leva a uma equação de terceiro grau, que possui mais soluções do que a equação original, e portanto precisamos estudar essa nova equação, além de resolvê-la, para extrair a solução que também satisfaz (2.33). De (2.38), inferimos que se ϵ ≷ −3, então A ≷ 0. Ademais, em conjunto com a definição (2.36), os intervalos de interesse serão ϵ ≷ ±3. A Figura 2 demonstra isto graficamente, além de evidenciar como os dois intervalos do espectro não são simétricos entre si. Ainda resta determinar quantas soluções existem, i.e., quantas raízes existem em cada intervalo de A. A regra dos sinais de Descartes (veja Apêndice F) nos orienta quanto a isso. Dado os intervalos de interesse, conforme (2.34), o que na redefinição das variáveis se torna ϵ > 3 e ϵ < −3, como demonstra a Figura 2, podemos deduzir as condições sobre A. Teremos, para ϵ > 3, definindo a variável auxiliar ϵ̃, para que possamos empregar diretamente a regra dos sinais, que ϵ̃ = ϵ 3 − 1 ⇒ ϵ̃3 + 2ϵ̃2 − 32 27 A = 0. (2.39) Avaliamos que se A < 0, não existem raízes reais positivas, e se A > 0, existe uma única raiz real positiva. Para ϵ < −3, definindo ϵ̂, realizamos a mesma análise 37 Figura 2 – Lado esquerdo de (2.38) em termos de ϵ Fonte: Autor (2022). ϵ̂ = − ( ϵ 3 + 1 ) ⇒ ϵ̂3 + 4ϵ̂2 + 4ϵ̂+ 32 27 A = 0. (2.40) Nota-se que se A < 0, há uma raiz real positiva, e nenhuma se A > 0. A tabela a seguir sumariza o resultado das análises. Tabela 2 – Número de soluções físicas para os intervalos de interesse A + − ϵ > 3 1 0 ϵ < −3 0 1 Concluímos que, conforme a Tabela 2, há uma e apenas uma solução real com ϵ > 3 para A > 0 e outra com ϵ < −3 para A < 0. De todas as soluções de (2.38), para extrairmos aquela adequada para o problema, resolvemos a equação de terceiro grau e escrevemos ϵ da seguinte forma ϵ = 1 + 2 ( χ+ χ−1 ) , χ = [ 2A− 1 + 2 √ A(A− 1) ]1/3 . (2.41) Resta executar a análise de χ, para o qual recorreremos à visualização gráfica, disposta na Figura 3 e na Figura 4: 38 Figura 3 – Argumento de χ em função de A tomando a raiz cúbica principal. Fonte: Autor (2022). Figura 4 – Módulo de χ em função de A. Fonte: Autor (2022). O argumento de χ possui três valores por ser uma raiz cúbica, cujos argumentos diferem de 2π/3. A Figura 3 mostra o argumento da raiz principal. Para A < 0, o argumento é exatamente π/3. Plotando os três valores possíveis de χ em função de A, apresentado na Figura 5, obtemos: 39 Figura 5 – Valores reais de χ em função de A. Fonte: Autor (2022). O trecho no semi-intervalo positivo de A na Figura 5 corresponde à raiz principal, enquanto a parte negativa corresponde à segunda raiz (arg(χ) = π). A terceira raiz não possui valores reais em nenhum ponto da reta real. Na Figura 6, plotamos a soma que aparece em (2.41). O trecho em preto corresponde à raiz principal, o trecho azul à segunda raiz e o trecho em magenta à terceira raiz. Figura 6 – Valores reais de χ+ χ−1 em função de A. Fonte: Autor (2022). Conforme a Figura 3 e a Figura 4, podemos subdividir a análise em três intervalos de A: A ≥ 1, 0 ≤ A < 1 e A < 0. Avaliando o intervalo do semieixo positivo tal que A ≥ 1, o 40 argumento das três raízes — rotularemos a primeira, segunda e terceira raízes por j = 0, j = 1 e j = 2, respectivamente — é arg(χ) = 2j π 3 , j = 0, 1, 2, (2.42) e o módulo é tal que |χ| ≥ 1 (2.43) para todas as raízes. Como já esperado ao observar a Figura 5, ϵ é, para o intervalo A ≥ 1, escrito em termos da raiz principal de χ, o que pode ser simplificado para ϵ = 1 + 2 ( |χ|+ |χ|−1) . (2.44) O segundo caso, em que 0 ≤ A < 1, é tal que arg(χ) ∈ ] 2j π 3 , (1 + 2j) π 3 ] (2.45) e |χ| = 1. (2.46) Embora neste intervalo χ não seja real, a Figura 5 demonstra que a soma com seu inverso resulta em número real. Isto posto, ϵ será, neste intervalo, dado por ϵ = 1 + 4 cos(arg(χ)). (2.47) Considerando o intervalo (2.45), apenas para j = 0 a condição |ϵ| > 3 é satisfeita, e portanto o valor de arg(χ) deve ser relativo à raiz principal neste caso. Para o último caso que resta estudar, A < 0, o argumento é dado por arg(χ) = (1 + 2j) π 3 , j = 0, 1, 2, (2.48) e 41 0 < |χ| < 1. (2.49) Conforme Figura 6, para este intervalo devemos tomar a segunda raiz (j = 1), e portanto, conforme (2.48), arg(χ) = π (2.50) A solução será, portanto, ϵ = 1− 2 ( |χ|+ |χ|−1) (2.51) Em suma, as soluções podem ser escritas em uma única expressão: ϵ = 1 + 2 sgn(A)(χ1/3 + χ−1/3) (2.52) χ = sgn(A) [ 2A− 1 + 2 √ A(A− 1) ] , (2.53) sempre tomando a raiz principal de χ. Portanto, o espectro é dado por: εn m = 1 3 + 2 3 sgn(KΣ)(χ 1/3 n + χ−1/3 n ) (2.54) χn = sgn(KΣ) [ 2An − 1 + 2 √ An(An − 1) ] (2.55) An = 27 16 KΣ (n+ 1)2 m3 (2.56) em que n = 0, 1, 2, 3, ... É evidente que o espectro, por não depender do número quântico l, apre- senta degenerescências essenciais, exceto para os estados com l = 0. O grau de degenerescência dos estados com número quântico principal n, conforme (2.30), é 2n+ 1. Na Figura 7 apresentamos a visualização do espectro como função da intensidade da intera- ção. Para concluir a solução do problema, vamos escrever os autoestados normalizados. Conforme (2.16), resgatando (2.2), (2.5), (2.32), e nos referindo a (D.4) e (D.5), teremos 42 Ψ(r, t) = √√√√√ 8mγ|l|+2 π[4γε−KΣ(n+ 1)] Γ ( n−|l| 2 + 1 ) Γ ( n+|l| 2 + 1 )ρ|l|e− 1 2 γρ2L (|l|) (n−|l|)/2 ( γρ2 ) ei(lϕ−εt). (2.57) Figura 7 – Espectro para os “três mais baixos níveis de energia”. A linha fina é o nível n = 0, a linha grossa é o nível n = 1, a linha tracejada é n = 2. Fonte: Autor (2022). Podemos agora obter as expansões para acoplamentos pequenos, i.e., |KΣ| << m3, que são: KΣ > 0 : ε−m ≈ (n+ 1) √ |KΣ| m , (2.58) KΣ < 0 : ε+m ≈ −(n+ 1)2 |KΣ| 2m2 . (2.59) Observamos que o espectro para KΣ > 0, relativo a estados de partículas reproduz o espectro conhecido para o oscilador harmônico simples bidimensional não-relativístico (??), enquanto o caso KΣ < 0, que vale para estados de antipartículas, apresenta um comportamento diferente que carece de analogia com a teoria não-relativística. Estes resultados são esperados, o que pode ser respaldado analisando as equações (2.12) e (2.13). Para o caso da interação repulsiva, o potencial efetivo é dado pelo termo de barreira centrífuga mais um termo de oscilador harmônico com constante de intensidade KΣ. Para o caso do potencial atrativa, por outro lado, o termo de oscilador harmônico no potencial efetivo tem como constante de intensidade εNR − KΣ. 43 2.4 PROBLEMA DE “COULOMB” Outro caso de clássico interesse é aquele dos potenciais inversamente radiais, usualmente chamado de problema de Coulomb, embora façamos a distinção de que aqui não há simetria esférica, como na genuína interação coulombiana, mas simetria circular. Os potenciais são dados por VΣ = αΣ ρ e V∆ = α∆ ρ . (2.60) Mais uma vez, escreveremos a equação radial no formato tipo Schrödinger d2U dρ2 + [ − l2 − 1/4− αΣα∆ ρ2 − αΣ(ε+m) + α∆(ε−m) ρ + ε2 −m2 ] U = 0. (2.61) Aqui não temos a mesma patologia encontrada no caso do oscilador harmônico, de maneira que tanto αΣ quanto α∆ podem ser não-nulos. Para o potencial de Coulomb, as autofunções, no caso mais extremo, podem ser tais que, conforme (2.22), tenhamos na vizinhança da origem que lim ρ→0 |U | = 0. (2.62) Identificamos portanto que é possível mapear este problema na equação radial para um potencial de Coulomb na teoria não-relativística, conforme Apêndice E, haja vista que a forma das autofunções (2.62) são suficientes para satisfazer a condição (E.2). Iniciamos nossas investigações com os dois casos particulares: ε = m e ε = −m. Para o primeiro caso, convém avaliar o comportamento assintótico da solução. Para ρ → ∞, a equação (2.61) é tal que a solução é dada por U = Aρ+B. (2.63) A única forma desta solução ser apropriada à condição de normalização é se A = B = 0, uma solução claramente inapropriada. Portanto, descartamos a possibilidade de estados com ε = m. O caso ε = −m conduz à uma equação da mesma forma que o caso anterior, de forma que a sua solução também deverá ser descartada. Para os demais casos, em vez de estudar as equações na forma (2.61), faremos uma mudança de variável para tornar a equação mais simples: 44 ρ̃ = 2λρ , λ = √ m2 − ε2. (2.64) A equação resultante será d2U dρ̃2 + [ − l2 − 1/4− αΣα∆ ρ̃2 − αΣ(ε+m) + α∆(ε−m) λρ̃ − 1 4 ] U = 0. (2.65) O mapeamento fornece as seguintes relações: S2 − 1 4 = l2 − 1 4 − αΣα∆ (2.66) 2MZ ℏ2 = αΣ(ε+m) + α∆(ε−m) λ (2.67) 2ME ℏ2 = −1 4 , (2.68) em que M > 0, Z < 0, S ≥ 0, E < 0 e γ = 1/2. Definindo o número quântico principal n = nr + |l|+ 1 , { n = 1, 2, 3, ... |l| = 0, 1, ..., n− 1 (2.69) e identificando as constantes auxiliares n̄ = n− 1/2 + l̄ − |l| (2.70) l̄ = √ l2 − αΣα∆, (2.71) somos capazes de determinar os autoestados e suas respectivas autoenergias Un|l|(ρ̃) = Cn|l|ρ̃ 1/2+l̄e−ρ̃/2L (2l̄) n−|l|−1 (ρ̃) , (2.72) ε±n|l| m = α2 ∆ − α2 Σ ± 4n̄ √ αΣα∆ + n̄2 (α∆ + αΣ)2 + 4n̄2 , (2.73) em que Cn|l| é uma constante arbitrária. As funções radiais envolvem os polinômios de Laguerre generalizados (vide Apêndice D). Notemos que a operação conjugação de carga (vide Apêndice C) faz a transformação ε± −→ ε∓. 45 As relações de mapeamento fornecem algumas restrições: de (2.66), obtemos |l|2 ≥ αΣα∆; (2.74) de (2.67) αΣ(ε+m) + α∆(ε−m) < 0; (2.75) e de (2.68), extraímos |ε| < m. (2.76) As três condições acima, após breve análise, nos permitem realizar afirmações sobre os possíveis sistemas formados pela combinação dos potencias. A restrição (2.74) implica que se o produto αΣα∆ > 0, deve-se excluir o autovalor l = 0, e a depender da magnitude do produto, autovalores seguintes também podem ter que ser excluídos. Se αΣ > 0 e α∆ < 0, a segunda e terceira condições acima são mutuamente excludentes. Se αΣ e α∆ tiverem o mesmo sinal, as três condições vinculam a intensidade dos potenciais ao momento angular, tal que |l|2 > m+ ε m− ε α2 Σ e |l|2 > m− ε m+ ε α2 ∆. (2.77) Se αΣ < 0 e α∆ > 0, as condições não geram restrições. Representamos essa análise grafica- mente na Figura 8. Outra forma de estudar essas limitações graficamente é plotando ε/m em função de α∆/αΣ a partir de (2.75). Rescrevendo essa relação na forma ε m + 1 + α∆ αΣ ( ε m − 1 ) ≶ 0 , αΣ ≷ 0, (2.78) podemos determinar as seguintes desigualdades ε m  ≶ α∆/αΣ − 1 α∆/αΣ + 1 , α∆ αΣ > −1 ≷ α∆/αΣ − 1 α∆/αΣ + 1 , α∆ αΣ < −1 , αΣ ≷ 0. (2.79) 46 Figura 8 – A região em azul indica os pares (αΣ, α∆) cujas intensidades dos potenciais não possuem limitação, enquanto a região cinza indica os pares cuja intensidade possui uma limitação e a região vazia os pares impossíveis de formarem estados ligados. Fonte: Autor (2022). Este desenvolvimento está ilustrado na Figura 9. Figura 9 – ε/m em função de α∆/αΣ. Em laranja, temos a área em que αΣ < 0 e em turquesa, αΣ > 0. Fonte: Autor (2022). As autoenergias plotadas em termos da razão α∆/αΣ são 47 Figura 10 – ε/m em função da razão α∆/αΣ, com αΣ = 0, 05 (abaixo da linha traço-ponto αΣ > 0 e vice-versa), para as seis primeiras energias válidas. A linha pontilhada espaçada é para n = 2, |l| = 1; a linha tracejada longa é para n = 3, |l| = 1; a linha tracejada espaçada é para n = 3, |l| = 2. Fonte: Autor (2022). 48 Figura 11 – ε/m em função da razão α∆/αΣ, com αΣ = −1, 8 (acima da linha traço-ponto αΣ < 0 e vice-versa), para as seis primeiras energias válidas. As linhas sólidas são para n = 1, |l| = 0; as linhas pontilhadas são para n = 2, |l| = 0; as linhas pontilhadas espaçadas são para n = 2, |l| = 1; as linhas tracejadas são para n = 3, |l| = 0; as linhas tracejadas longas são para n = 3, |l| = 1; as linhas tracejadas espaçadas são para n = 3, |l| = 2. Fonte: Autor (2022). 49 Figura 12 – Versão ampliada da Figura 11. Fonte: Autor (2022). Para concluir a solução do problema, vamos escrever os autoestados normalizados. Conforme (2.16), resgatando (2.2), (2.5), (2.72), e nos referindo a (D.4) e (D.5), teremos Ψ(r, t) = √ 1 π mλ 2n̄ε− (αΣ + α∆)λ Γ(n̄+ 1/2− l̄) Γ(n̄+ 1/2 + l̄) ρ̃1/2+l̄e−ρ̃/2L (2l̄) n−|l|−1 (ρ̃) e i(lϕ−ε±t). (2.80) Nas referências (????) o mesmo problema foi abordado, porém a normalização está equivocada, ao não considerar a parte que envolve o potencial na integral (2.16). Expandindo o espectro (2.73) para acoplamentos fracos, i.e., com αΣ e α∆ pequenos, respec- tivamente, temos: 50 ε+n|l| m = 1− α2 Σ 2 (n− 1/2)2 + |l| − 2 (n− 1/2) 4 |l| (n− 1/2)4 α3 Σα∆ + α4 Σ 8 (n− 1/2)4 +O(αa Σα b ∆, a+ b > 4) (2.81) ε−n|l| m = −1 + α2 ∆ 2 (n− 1/2)2 − |l| − 2 (n− 1/2) 4 |l| (n− 1/2)4 α3 ∆αΣ − α4 ∆ 8 (n− 1/2)4 +O(αa Σα b ∆, a+ b > 4). (2.82) Identificamos destas expressões que ε+(−) é a energia de estados ligados com energia positiva (negativa) para α∆ (αΣ) pequeno. A simetria entre essas duas expressões ilustra a transformação de conjugação de carga (vide Apêndice C). Em relação às degenerescências, vemos que o espectro original (2.73) é duplamente degenerado para todo l, exceto l = 0. Já a expansão para acoplamentos fracos mostra que as degenerescências do momento angular só são quebradas na ordem de αa Σα b ∆, com a + b = 4. Ademais, é notório que, em primeira aproximação, o espectro coincide com o potencial de Coulomb não-relativístico (??), mesmo com interações de diferentes naturezas (escalar e vetorial), o que já é esperado, visto que a teoria não-relativística não distingue as naturezas das interações. Vamos avaliar agora o espectro (2.73) para casos particulares do problema resolvido acima. 2.4.1 Interação puramente vetorial Se tomarmos o caso particular em que α∆ = αΣ ≡ −α, o que corresponde à supressão da interação escalar, o espectro é, conforme (2.75), tal que sgn(ε) = sgn(α) (2.83) Isto nos permite identificar as duas soluções possíveis (2.73), relacionando o sinal na expressão com o sinal de α. Logo εn|l| m = sgn(α)√ 1 + (α n̄ )2 , l̄ = √ l2 − α2 , |α| ≤ |l| . (2.84) Este caso particular apresenta dupla degenerescência decorrente da dependência em |l| do espectro. O resultado aqui apresentado é extremamente semelhante ao problema esfericamente simétrico, como demonstram as referências (????), com a diferença de que no caso aqui apresentado, temos |l| no lugar do autovalor de J2. 51 Expandindo o espectro para acoplamentos fracos, temos: εn|l| m = −sgn(α) [ 1− α2 2(n− 1/2)2 + 3 |l| − 4(n− 1/2) 8 |l| (n− 1/2)4 α4 +O(α6) ] (2.85) Notamos que a única influência do sinal de α no espectro é em um sinal global da expressão, visto que a expansão só apresenta potências pares em α. Identificamos a segunda parcela como correspondente ao espectro não-relativístico do problema de “Coulomb” bidimensional, já conhecido na literatura (??). Identificamos também que a degenerescência do módulo do momento angular, assim como no caso geral, só é quebrada no termo de potência α4, embora a degenerescência referente à troca do sinal do autovalor de momento angular seja preservada. 2.4.2 Interação puramente escalar Agora vejamos o caso em que α∆ = −αΣ ≡ α, extinguindo portanto a interação vetorial. Teremos aqui ε±n|l| m = ± √ 1− (α n̄ )2 , l̄ = √ l2 + α2 , α > 0. (2.86) Como já esperado, as energias para partículas e antipartículas são simétricas em torno de ε = 0. Além disso, ainda estão presentes as duplas degenerescências decorrentes da dependência do espectro em |l|. Por fim, a condição (2.75) impõe que α > 0. O espectro aqui obtido se assemelha em forma com o caso do potencial de Coulomb esfe- ricamente simétrico acoplado tal que m2 −→ m2 + V 2 s (??). A diferença reside no termo n̄, que abriga o número quântico principal n. Enquanto o acoplamento mais simples realizado na referência citada resulta em o espectro independer do número quântico do momento angular orbital, l, no nosso caso, conforme a definição (2.70), o espectro agora depende explicitamente dele, resultando no desaparecimento das degenerescências apresentadas no caso mais simples. Realizando a expansão do espectro considerando acoplamentos fracos, produzimos ε±n|l| m = ± [ 1− α2 2(n− 1/2)2 − |l| − 4(n− 1/2) 8 |l| (n− 1/2)4 α4 ] +O(α6) (2.87) Mais uma vez, a degenerescência do módulo do momento angular só é quebrada na ordem de α4, mas a dupla degenerescência relativa ao sinal de l se mantém. 2.4.3 α∆ = 0 É conveniente realizar também o estudo deste caso particular, que corresponde a uma sistema em que as interações escalar e vetorial são exatamente iguais. Neste caso, um resultado muito 52 interessante surge ε+n|l| m = −α2 Σ + 4(n− 1/2)2 α2 Σ + 4(n− 1/2)2 , αΣ < 0 (2.88) ε−n|l| m = −1. (2.89) Aqui as degenerescências são ainda mais fortes, visto que não há dependência direta em l. Por- tanto, para os estados com número quântico principal n, há 2n−1 estados degenerados, conforme (2.69). É notável também que existem muitas restrições aos estados ligados. Antipartículas não podem se ligar nesta configuração (a conjugação de carga nos ensina que haverão estados ligados se αΣ > 0), e partículas só podem estar ligadas se αΣ < 0. Realizando a expansão para acoplamentos fracos, chegamos em ε+n|l| m = 1− α2 Σ 2 (n− 1/2)2 + α4 Σ 8 (n− 1/2)4 +O(α6 Σ) e ε−n|l| m = −1, (2.90) em que observamos como a não dependência em l já no espectro exato leva a uma degenerescência maior do que aos outros casos particulares estudados no regime de baixas energias. Para compreender melhor este resultado, vamos estudar a expansão do espectro (2.73) na vizinhança desse caso extremo, i.e., |α∆| << 1. A expansão resulta em ε+n|l| m = 1− 2α2 Σ α2 Σ + 4 (n− 1/2)2 + 4α3 Σ [ |l|2 − 2 (n− 1/2) |l| ] |l|2 [ α2 Σ + 4 (n− 1/2)2 ]2 α∆ − 4α4 Σ (n− 1/2)3 |l| { α2 Σ + 4 [ (n− 1/2)2 − 4 |l|2 ]} 2 |l|4 (n− 1/2)2 [ α2 Σ + 4 (n− 1/2)2 ]2 α2 ∆ − α4 Σ |l|2 { α2 Σ [ |l|2 − 4 (n− 1/2)2 ] + 20 |l|2 (n− 1/2)2 + 48 (n− 1/2)4 } 2 |l|4 (n− 1/2)2 [ α2 Σ + 4 (n− 1/2)2 ]2 α2 ∆ +O(α3 ∆) (2.91) ε−n|l| m = −1 + α2 ∆ 2 (n− 1/2)2 − αΣ [ |l|2 − 2 (n− 1/2) |l| ] 4 |l|2 (n− 1/2)4 α3 ∆ +O(α4 ∆) (2.92) Entendemos portanto que a energia de ligação para partículas e antipartículas é intimamente relacionada com a relação entre os potencias escalar e vetorial. A diferença relativa entre as intensidades das interações define a capacidade ligante deste sistema para antipartículas. Para partículas é a soma das intensidades das interações que determina a capacidade ligante. Para esta situação particular, a função se onda se reduz para 53 Un|l|(ρ̃) = Cn|l|ρ̃ 1/2+|l|e−ρ̃/2L (2|l|) n−|l|−1 (ρ̃) . (2.93) A realização da operação conjugação de carga (vide Apêndice C) nos resultados desta seção nos fornecem as conclusões para o caso em que αΣ = 0. 54 3 A EQUAÇÃO DE DIRAC RESTRITA AO MOVIMENTO PLANAR CIRCULAR- MENTE SIMÉTRICO Sejam as restrições ao movimento planar (pzΨ = 0) usando o sistema de coordenadas cilíndricas (ρ, ϕ, z), caso de nosso interesse. Em primeiro lugar, identificamos propriedades do operador Lz (A.18), em relação ao operadores αi em coordenadas cilíndricas [Lz, αρ] = αρΣz [Lz, αϕ] = αϕΣz ⇒ [Lz,α · p] = α · p Σz. (3.1) Observamos também que é possível escrever o hamiltoniano (1.61) em termos de apenas uma matriz α, pois αϕ = iαρΣz. (3.2) Restringindo os potenciais para formas circularmente simétricas VΣ = VΣ(ρ) , V∆ = V∆(ρ), (3.3) temos H = iαρ ( − ∂ ∂ρ − 1 2ρ + βK ρ ) + β(m+ Vs) + Vv. (3.4) Identificamos aqui o operador spin-órbita K = β ( LzΣz + 1 2 ) , (3.5) cuja relevância será melhor discutida quando tratarmos dos geradores de simetria na próxima seção. 3.1 GERADORES DE SIMETRIA PARA O MOVIMENTO CIRCULARMENTE SIMÉ- TRICO PARA FÉRMIONS DE SPIN-1/2 Iremos apresentar agora um método sucinto e elegante de se encontrar geradores de simetria do sistema, que nos orientará sobre a construção de autoespinores convenientes para a solução 55 da equação de Dirac em diversas configurações de potenciais. Em primeiro lugar, iremos definir operadores que projetam o componente superior ou inferior do espinor de Dirac. Sejam os projetores P± = 1± β 2 , (3.6) que satisfazem as seguintes propriedades: (P±) 2 = P± (3.7) P±P∓ = 0 (3.8) P+ + P− = 1 (3.9) P±β = ±P± (3.10) [P±, β] = 0 (3.11) P± α = α P∓. (3.12) Aplicados ao espinor de Dirac, identificamos seus componentes superior e inferior, respectiva- mente P+Ψ = Ψ+ = ( φ 0 ) , P−Ψ = Ψ− = ( 0 χ ) . (3.13) Assim como no capítulo anterior, rescreveremos os potenciais em termos de sua soma e de sua diferença. Recapitulamos aqui as definições VΣ = Vv + Vs e V∆ = Vv − Vs. (3.14) A aplicação dos projetores na equação de Dirac nos permite convertê-la em duas equações acopladas α · p Ψ+ = (ε− V∆ +m)Ψ− (3.15) α · p Ψ− = (ε− VΣ −m)Ψ+ (3.16) 56 Multiplicando (3.15) por α ·p e considerando ε−V∆ +m ̸= 0, podemos construir uma equação de segunda ordem desacoplada para Ψ+ 1 HΨ+ = 0, (3.17) em que H = p2 + 1 ε− V∆ +m ∂V∆ ∂ρ ( LzΣz ρ − ∂ ∂ρ ) − (ε− VΣ −m) (ε− V∆ +m) . (3.18) Como discutido no primeiro capítulo, devemos agora dividir nossa abordagem em simetrias contínuas e simetrias discretas. 3.1.1 Geradores de simetrias contínuas da teoria de Dirac Podemos encontrar geradores de simetrias contínuas ao descobrir operadores O que satisfa- çam às relações [H,O] = 0 e O† = O, (3.19) o que nos permite escrever transformações relacionadas a geradores de simetria para Ψ+, δΨ+ = −iϵOΨ+, (3.20) em que δΨ+ é a variação de Ψ+ após uma transformação, com parâmetro infinitesimal ϵ: Ψ+ −→ Ψ ′ + ⇒ δΨ+ = Ψ ′ + −Ψ+. (3.21) Por ser uma transformação infinitesimal, os espinores transformados também devem obedecer às equações (3.15) e (3.16). Desta forma, poderemos encontrar a partir de δΨ+ a forma de δΨ−, e recorrendo à propriedade (3.9) somos habilitados à determinar a transformação do espinor completo, δΨ = δΨ+ + δΨ−, (3.22) 1 Retornaremos ao caso em que ε− V∆ +m = 0 mais adiante. 57 e por sua vez, o gerador de simetria do sistema. Distinguimos dois casos de análise, conforme (3.15) e (3.16): se ε− VΣ −m ̸= 0, podemos extrair da segunda equação a igualdade α · p δΨ− = (ε− VΣ −m)δΨ+; (3.23) e se ε− V∆ +m ̸= 0, obtemos δΨ− = 1 ε− V∆ +m α · p δΨ+. (3.24) Veremos que para os geradores de interesse, ambas as igualdades serão satisfeitas pelo mesmo operador. Antes de investigarmos os geradores de simetria em si, cabe fazer uma breve observação do desenvolvimento apresentado acima: se estivermos estudando operadores O que não possuam operadores diferenciais em sua composição, essa análise se reduz a algo muito mais simples. Em primeiro lugar devemos averiguar se o operador comuta com β, i.e., se [O, β] = 0. Se satisfeito, só haverão duas possibilidades de geradores de simetria, dispostos resumidamente abaixo δΨ− = −iϵO , se [O, αi] = 0 ⇒ δΨ = −iϵOΨ iϵO , se {O, αi} = 0 ⇒ δΨ = −iϵβOΨ , (3.25) em que identificamos os geradores de simetria como O ou βO, respectivamente. Finalmente, passemos ao estudo dos candidatos a geradores de simetrias. 3.1.1.1 O operador de “spin” Antes de nos restringirmos ao movimento circularmente simétrico, identificamos que o operador Σz — definido em (B.13) — constitui um gerador de simetria do movimento planar mais geral possível para o componente superior do espinor de Dirac, exemplificando a simplificação sumarizada em (3.25), mais especificamente o segundo caso. Observamos em primeiro lugar que, em conformidade com (3.19), [H,Σz] = 0, (3.26) Σ† z = Σz. (3.27) Consequentemente, podemos escrever 58 δΨ+ = −iϵΣzΨ+, (3.28) e como {Σz, αi} = 0, concluímos que δΨ− = iϵΣzΨ+, e portanto, δΨ = −iϵβΣzΨ. (3.29) Este operador possui flagrante semelhança com o verdadeiro operador de spin, e portanto, definindo o que chamaremos de operador de “spin” S = βΣ, (3.30) identificamos o gerador de simetria como Sz = βΣz. (3.31) Quanto aos autoestados e autovalores de (3.31), uma simples manipulação algébrica nos revela que SzΨ (s) = sΨ(s) , s = +1,−1. (3.32) Podemos realizar um estudo preliminar das propriedades desses novos operadores Si. Visto que S se assemelha ao operador de spin, podemos realizar a análise aos moldes da teoria geral do momento angular (??). Descobrimos então que sua álgebra é dada por [Si,Sj] = 2iϵijkΣk (3.33) {Si,Sj} = 2δij (3.34) SiSj = δij + iϵijkΣk. (3.35) Vemos que embora possua semelhança com o operador de spin, S não possui uma álgebra de momento angular. Avancemos agora sobre o estudo dos geradores de simetria particulares ao movimento circularmente simétrico. 59 3.1.1.2 O operador “momento angular orbital” O aparecimento do operador Lz em (3.18) nos convida a avaliar se apenas ele, assim como Σz, nos conduz a um novo gerador de simetria do sistema. Um breve exame nos certifica que para potenciais circularmente simétricos Lz é gerador de simetria do componente superior do espinor de Dirac, então mais uma vez podemos realizar o processo descrito acima para identificar um novo gerador de simetria do sistema. Deduzimos descomplicadamente que δΨ = −iϵ(LzP+ + ΣzP− + LzP−)Ψ = −iϵ ( Lz + Σz 2 − βΣz 2 ) Ψ = −iϵ (Lz + P−Σz)Ψ ≡ −iϵLzΨ, (3.36) em que identificamos esse novo operador, que é semelhante a uma espécie de momento angular orbital Lz = Lz + P−Σz. (3.37) Se denotarmos por l o autovalor de Lz (vide Apêndice A) para Ψ+, podemos escrever LzΨl = lΨl , l = 0,±1,±2, ... (3.38) Ressaltamos que embora l denote os autovalores tanto de Lz quanto de Lz, eles de forma alguma podem ser tomados como a mesma coisa. O componente superior de Ψ — um objeto de dois componentes não-nulos denotado por Ψ+ — é autoestado de Lz com autovalor l. O espinor completo Ψ — um objeto de quatro componentes — é autoestado de Lz com autovalor l. Generalizando-o para o vetor, L = L+ P−Σ, (3.39) vemos que os componentes não possuem exatamente uma álgebra de momento angular, o que demonstra o comutador [Li,Lj] = iεijkLk. (3.40) 60 3.1.1.3 O terceiro componente do operador momento angular total Com os dois geradores de simetria encontrados, fazemos a seguinte observação: o compo- nente perpendicular ao plano de movimento do operador momento angular total J = L+ S, (3.41) i.e., Jz = Lz + Σz 2 , (3.42) também pode ser escrito da seguinte forma: Jz = Lz + Sz 2 , (3.43) o que garante que Jz é um gerador de simetria. Isto pode ser facilmente confirmado repetindo o processo descrito no início desta subseção, considerando Jz como gerador de simetria de Ψ+. Conforme (3.32) e (3.38), identificamos que os autovalores de Jz são tais que JzΨmj = mjΨmj , mj = l + s 2 = ±1 2 ,±3 2 ,±5 2 , ... (3.44) 3.1.1.4 O operador spin-órbita Já descobrimos dois geradores de simetrias empregando o método descrito no início desta subseção. Com a combinação linear deles, encontramos um terceiro gerador. Agora recorreremos ao produto de geradores conhecidos para se construir mais um gerador. Seja o chamado operador spin-órbita — este operador já foi previsto em (3.5) —, construído com o produto dos geradores K = SzJz = β ( LzΣz + 1 2 ) . (3.45) Por simples inspeção, nos asseguramos que de fato este novo operador satisfaz às condições de um gerador de simetria. Os autovalores dos autoestados são dados em termos dos autovalores de Sz e Jz KΨk = kΨk , k = mjs = ±1 2 ,±3 2 ,±5 2 , ... (3.46) 61 Nota-se que em discussões para sistemas esfericamente simétricos, a simetria adicional relacionada ao operador spin-órbita K envolve o chamado operador BJL, conforme (??), KBJL = β(L ·Σ+ 1). (3.47) 3.1.2 Geradores de simetrias discretas da teoria de Dirac: paridade O processo apresentado na subseção anterior se destina exclusivamente às transformações contínuas. Contudo, a teoria de Dirac também abarca as ditas simetrias discretas, que não podem ser construídas pela sucessão de transformações infinitesimais. Abordaremos aqui a chamada transformação de paridade, que será conveniente para os nossos estudos seguintes. A transformação de paridade, ou reversão espacial, conforme estudado na seção 2.1, é a transformação que reverte o sinal das coordenadas espaciais e mantém o sinal da coordenada temporal (vide (2.7) e (2.8)). Para se determinar uma transformação de simetria relacionada à reversão espacial, é preciso encontrar um operador P , dado por P = PP0, (3.48) em que P0 é o operador que realiza a transformação correspondente às mudanças (2.7) e (2.8), e P é um operador que compensa essa transformação de forma a satisfazer à relação [P,H] = 0. (3.49) Além disso, conforme (??), as leis de rotação de espinores indicam que uma rotação de 4π transforma um espinor em si mesmo, e não 2π. Isto posto, exigimos então que a transformação P seja tal que P 4 = 1. (3.50) Conforme as prescrições (2.7) e (2.8), as grandezas que compõem o hamiltoniano (1.61) se trans- formam da seguinte forma ao serem afetadas por P0, considerando os potenciais circularmente simétricos: 62 P0 ⇒  p −→ −p Vs(r) −→ Vs(−r) = Vs(r) Vv(r) −→ Vv(−r) = Vv(r). (3.51) Por conseguinte, escrevemos P0H = −α · p+ β(m+ Vs) + Vv. (3.52) Uma simples inspeção nos conduz a identificar que, para satisfazer (3.49) e (3.50), o operador P = λPβ , λ4 P = 1, (3.53) é adequado pra construção do operador de simetria. Finalmente, identificamos a transformação de simetria de paridade, dada pelo operador P = λβP0. (3.54) Evidentemente, os autovalores deste operador são ±1, e são eles denominados de “paridade” do estado, o que nos será útil adiante para determinar a estrutura do espinor. Para que o espinor possua paridade definida, seus componentes superior e inferior devem ser tais que, operados por P0, resultem em ±1. Sejam p e p′ os rótulos dos componentes superior e inferior, respectivamente, Ψ = ( φp(r, t) χp′(r, t) ) (3.55) Se Ψ for autoestado da paridade, teremos 63 PΨ = λβ ( P0φp(r, t) P0χp′(r, t) ) = λ ( P0φp(r, t) −P0χp′(r, t) ) = λ ( pφp(r, t) −p′χp′(r, t) ) . (3.56) Concluímos portanto que para o espinor ser de fato autoestado de P , devemos ter p′ = −p, e portanto, φ e χ possuem paridades opostas. 3.1.3 Uma nova simetria dinâmica Até agora, nos deparamos apenas com simetrias cujas origens residem na geometria do problema. Nos debruçaremos agora em um caso particular, intimamente relacionado com o grau de liberdade de spin da teoria. Ao observar (3.18), notamos uma característica muito pertinente da segunda parcela do operador: se V∆ for uma constante, a segunda parcela se anula, resultando na supressão da interação spin-órbita para o componente superior do espinor de Dirac, fornecendo a equação H = p2 − (ε− VΣ −m) (ε− V∆ +m) , (3.57) o que nos permite inferir um gerador de simetria para o componente superior do espinor de Dirac mais geral do que o apresentado na subsubseção (3.1.1.1). Reiteramos aqui que esta nova candidata à simetria não é particular ao regime de movimento circularmente simétrico. De fato, excluída a parcela que envolve Σz em (3.18), podemos determinar uma transformação infinitesimal mais geral do que (3.28): δΨ+ = −iϵ ·ΣΨ+, (3.58) em que ϵ é um vetor constante com componentes de magnitudes infinitesimais. Como já demonstrado para os geradores anteriores, procederemos mais uma vez analisando (3.23) e (3.24) para determinar a transformação correspondente para Ψ−. Apresentaremos explicitamente a análise do segundo caso, por mérito de exposição. Desenvolvendo (3.24): 64 δΨ− = 1 ε− V∆ +m α · p (−iϵ ·ΣΨ+) = −i ε− V∆ +m α · p ϵ ·Σ ( α · p α · p p2 ) Ψ+ = −iα · pϵ ·Σ p2 α · p ( α · p ε− V∆ +m Ψ+ ) . (3.59) Utilizando (3.15), substituímos o termo entre parênteses e obtemos o gerador do componente inferior δΨ− = −iϵ · ( α · pΣ p2 α · p ) Ψ−. (3.60) Finalmente, determinamos o novo gerador de simetria do espinor de Dirac δΨ = −iϵ ·OΨ, (3.61) em que O = ΣP+ +α · pΣ p2 α · pP−. (3.62) Podemos observar que há uma outra forma de escrever o gerador, recorrendo ao operador (3.30): O = S − 2p S · p p2 P− = S − 2p̂(S · p̂)P− . (3.63) Esta nova simetria é chamada de simetria de spin no caso esfericamente simétrico (veja, e.g., (??)), mas deve-se notar que seu gerador não é o operador de spin, e portanto não nos referiremos a O como tal, para não confundir o leitor, mantendo qualquer referência pela menção explícita de O. Vamos estudar as propriedades deste novo operador. Escrevendo os componentes do vetor: Oi = Si − 2pi S · p p2 P− , (3.64) podemos estudá-los individualmente — lembrando que o componente z coincide com o operador 65 (3.31). Cada componente elevado ao quadrado é igual à identidade: O2 i = S2 i + 4 p2i p4 (S · p)2P− − 2Sipi S · p p2 P− − 2pi S · p p2 P−Si = S2 i + 4 p2i p4 (S · p)2P− − 2Sipi ∑ k Skpk p2 P− − 2pi ∑ k Skpk p2 P−Si = S2 i + 4 p2i p4 (S · p)2P− − 2 pi p2 ∑ k pk {Si,Sk}P− = 1 + 4 p2i p2 P− − 4 p2i p2 P− = 1 (3.65) Notemos que no desenvolvimento acima, não se soma em i. Vejamos agora os comutadores e anticomutadores dos componentes: [Oi,Oj] = [Si,Sj]− 2pj p2 [Si,S · pP−]− 2pi p2 [S · pP−,Sj] + 4pipj p4 [S · pP−,S · pP−] = [Si,Sj]− 2pjpa p2 [Si,Sa]P− − 2pipa p2 [Sa,Sj]P− = 2iϵijkΣk − 4i p2 (pjϵial − pjϵjal) paΣlP− . (3.66) Vamos trabalhar a segunda parcela para que fique em uma forma mais conveniente (pjϵial − pjϵjal) paΣl = pj(ϵialpaΣl)− pi(ϵjalpaΣl) = (p×Σ)ipj − (p×Σ)jpi = ϵijk[(p×Σ)× p]k = ϵijk(Σkp 2 − pkΣ · p), (3.67) o que nos leva a [Oi,Oj] = 2iϵijk ( Σk − 2ΣkP− + 2pk Σ · p p2 P− ) = 2iϵijkOk. (3.68) Quanto ao anticomutador: 66 {Oi,Oj} = {Si,Sj} − 2pj p2 {Si,S · pP−} − 2pi p2 {S · pP−,Sj}+ 4pipj p4 {S · pP−,S · pP−} = {Si,Sj} − 2pjpa p2 {Si,Sa}P− − 2pipa p2 {Sa,Sj}P− + 4pipjpapb p4 {Sa,Sb}P− = 2δij − 8 pipj p2 P− + 8 pipj p2 P− = 2δij (3.69) Podemos estudar agora as relações de comutação destes componentes com os outros geradores de simetria discutidos acima. Para o gerador discutido em 3.1.1.1, observamos que ele coincide, como afirmado acima, com Oz, logo seu comutador já está contemplado em (3.68): [Oi,Sz] = [Oi,Oz] = 2iϵizkOk. (3.70) Para o terceiro compontente do “momento angular orbital”, estudado em 3.1.1.2, temos [Oi,Lz] = [ Si − 2pi S · p p2 P−, Lz + Σz 2 ] = 2iP− ( ϵizj − 2 pipk p2 ϵkzj ) Sj − 2SkP− p2 (pi[pk, Lz] + [pi, Lz]pk) . (3.71) Desenvolvendo os comutadores da segunda parcela — explicitemos apenas o segundo por mérito de demonstração — temos [pi, Lz] = [pi, xpy]− [pi, ypx] = [pi, x]py − [pi, y]px = −iδixpy + iδiypx, (3.72) o que no permite escrever [Oi,Lz] = 2iP− ( ϵizj − 2 pipk p2 ϵkzj ) Sj −+ 2iSkP− p2 [py(δkxpi + δixpk)− px(δkypi + δiypk)]. (3.73) Da expressão acima é muito difícil determinar uma expressão compacta, então procederemos para avaliar os três casos particulares para identificar essa expressão. Concluímos que 67  [Ox,Lz] = 0 [Oy,Lz] = 0 [Oz,Lz] = 0 ⇒ [Oi,Lz] = 0. (3.74) Prosseguindo, agora estudaremos as relações de comutação do gerador Jz, estudado em 3.1.1.3. Este gerador é uma combinação linear dos dois geradores estudados anteriormente, conforme (3.43), portanto das relações de comutação deles decorre que [Oi, Jz] = [ Oi,Lz + Sz 2 ] = [Oi,Lz] + 1 2 [Oi,Sz] = iϵizjOj. (3.75) Finalmente, avaliamos agora o gerador estudado em 3.1.1.4. Este operador também pode ser decomposto em operadores cujas relações de comutação foram obtidas acima. Logo, [Oi, K] = [Oi,SzJz] = [Oi,OzJz] = [Oi,Oz]Jz +Oz[Oi, Jz] = [Oi,Oz]Jz +Oz[Oi, Jz] = iεizk(2OkJz +OzOk). (3.76) Sumarizando os resultados, a álgebra dos Oi é dada por O2 i = 1, (3.77) [Oi,Oj] = 2iϵijkOk, (3.78) {Oi,Oj} = 2δij, (3.79) OiOj = δij + iϵijkOk, (3.80) e suas relações de comutação com os outros geradores são 68 [Oi,Sz] = 2iϵizkOk, (3.81) [Oi,Lz] = 0, (3.82) [Oi, Jz] = iϵizjOj, (3.83) [Oi, K] = iεizk(2OkJz +OzOk). (3.84) 3.1.3.1 A conexão com a Física Resta agora entender a consequência física desta nova simetria. O termo suprimido em (3.18) é justamente o termo de acoplamento spin-órbita do componente superior, então já temos um indício de que, em termos físicos, esta simetria age modificando a interação spin-órbita. Para entender as implicações disso, construíremos os operados auxiliares Os ≡ Ox + isOy, (3.85) em que o rótulo s corresponde aos autovalores de (3.32). Duas relações de comutação pertinentes a estes operadores, de fácil dedução, são [Oz,Os] = 2sOs, (3.86) [Os,O−s] = 4sOz. (3.87) Reconhecemos em (3.85), e na álgebra acima, formalismo semelhante ao de operadores escada da teoria geral do momento angular (??), o que nos convida a proceder no mesmo espírito para esses operadores tendo em vista estudar os números quânticos do sistema. Vamos agora determinar como agem Os nos autoestados (3.32). Para tanto, estudaremos como atua Oz nos espinores OsΨ (s′). Comecemos pelo caso em que s′ = s, onde empregaremos uma manipulação algébrica para determinar uma equação de autovalor: Oz ( OsΨ (s) ) = (OsOz − [Os,Oz])Ψ (s) = (sOs + 2sOs)Ψ (s) = 3s ( OsΨ (s) ) . (3.88) Comparando a equação de autovalor acima com (3.32), determinamos que ela é satisfeita se e apenas se 69 OsΨ (s) = 0, (3.89) o que já era esperado, visto que construímos operadores escada com apenas “dois degraus”, s = +1 e s = −1. Tratando da mesma forma o caso em que s ̸= s′, ou seja, s = −s′, concluímos que Oz ( OsΨ (−s) ) = (OsOz − [Os,Oz])Ψ (−s) = (−sOs + 2sOs)Ψ (−s) = s ( OsΨ (−s) ) , (3.90) e portanto, por comparação, OsΨ (−s) ∝ Ψ(s). (3.91) O próximo passo é avaliar os autoestados dos operadores estudados na subseção 3.1.1, além do operador hamiltoniano (1.61) para compreender exatamente quais são os números quânticos que rotulam o espinor — s, l, mj e k —, que são independentes dois a dois. Para que possamos executar a manipulação algébrica como a que fizemos acima, calcularemos os comutadores de Os com os operadores em questão, para assim determinar a equação de autovalor do estado O−sΨ (s), que sabemos por (3.91) ser proporcional à Ψ(s). Comecemos pelo operador hamiltoniano. Sendo O um gerador de simetria do sistema, é tomado por óbvio que H comuta com cada componente Oi, logo [Os, H] = 0. (3.92) Isto posto, é de simples conclusão que, da equação de autovalor de energia HΨ(−s) = εΨ(−s), deduzimos que H(OsΨ (−s)) = ε(OsΨ (−s)). (3.93) Em seguida, avaliemos o gerador (3.31), que coincide com o operador Oz, cuja relação de comutação com Os já foi dada em (3.86) e a equação de autovalor dada em (3.90). Repetindo o resultado, 70 Oz ( OsΨ (−s) ) = s ( OsΨ (−s) ) . (3.94) Em seguida, avaliemos o gerador Lz, dado por (3.37). De (3.82) decorre que [Os,Lz] = 0, (3.95) e portanto Lz ( OsΨ (−s) l ) = l ( OsΨ (−s) l ) . (3.96) Adiante, temos o gerador Jz, cuja equação de autovalor é (3.44). A relação de comutação com Os pode ser determinada utilizando o resultado (3.83): [Os, Jz] = [Ox, Jz] + is [Oy, Jz] = −iOy + is (iOx) = −s (Ox + isOy) = −sOs. (3.97) Decorre que Jz ( OsΨ (−s) mj ) = (OsJz − [Os, Jz])Ψ (−s) mj = (mjOs + sOs)Ψ (−s) mj = (mj + s) ( OsΨ (−s) mj ) . (3.98) Por fim, estudemos agora o operador spin-órbita K, cuja equação de autovalor é (3.46). Podemos deduzir a relação de comutação de forma mais simples empregando os resultados (3.86) e (3.97), o que resulta em 71 [Os, K] = [Os,SzJz] = [Os,OzJz] = Oz [Os, Jz] + [Os,Oz] Jz = Oz (−sOs) + (−2sOs) Jz = −s (OsOz − [Os,Oz])− 2sOsJz = −sOs (Oz + 2s+ 2Jz) . (3.99) Identificamos então a equação de autovalor K ( OsΨ (−s) k ) = (OsK − [Os, K])Ψ (−s) k = [kOs + sOs (Oz + 2s+ 2Jz)] Ψ (−s) k = [ kOs + sOs ( −s+ 2s+ 2 k −s )] Ψ (−s) k = (−k + 1) ( OsΨ (−s) k ) , (3.100) onde recorremos ao fato de que mj = k/(−s) para Ψ (−s) k . Finalmente somos capazes de interpretar que, compilando (3.93), (3.94), (3.96), (3.98), (3.100), e relembrando (3.91), a simetria de spin implica o surgimento de uma dupla degeneres- cência essencial de dois estados: Ψ(−s) k,mj e OsΨ (−s) k,mj ∝ Ψ (s) −k+1,mj+s, (3.101) ambos possuindo energia ε = ε(k,mj). 3.1.3.2 O par da simetria de spin: a simetria de pseudospin Assim como a simetria de spin se relaciona com a supressão da interação spin-órbita no componente superior do espinor de Dirac, decorrente de V∆ = constante, semelhante simetria surge no caso em que VΣ = constante, a chamada simetria de pseudospin, caso em que a supressão da interação spin-órbita ocorre para o componente inferior. O estudo dessa outra simetria pode ser realizado da mesma forma que o apresentado acima para a simetria de spin, de maneira que seria exaustivo repetir aqui. O gerador de simetria encontrado neste caso será (??) Õ = γ5O, (3.102) 72 em que a matriz γ5 representa o operador quiralidade, dado por γ5 = ( 0 12 12 0 ) . (3.103) Corresponde também um gerador semelhante à Lz, onde agora encontramos L̃z = γ5Lz. (3.104) 3.2 EQUAÇÕES RADIAIS DA TEORIA DE DIRAC PARA O MOVIMENTO CIRCULAR- MENTE SIMÉTRICO Para determinar a solução da equação de Dirac, devemos em primeiro lugar determinar a estrutura do espinor adequado para o sistema circularmente simétrico. Para atender a isso, devemos dispor de um conjunto completo de observáveis mutuamente comutantes (??), que no presente problema, deve ter três elementos, pois recordamos que para o movimento planar, já escolhemos convenientemente soluções tais que (1.68) seja respeitada, o que elimina um grau de liberdade do sistema. Por outro lado, diferente da teoria de Klein-Gordon, aqui temos que considerar o grau de liberdade adicional do spin, resultando portanto em três graus de liberdade. Como dito anteriormente, os geradores de simetria contínuos já construídos são independentes dois a dois, de forma que junto ao hamiltoniano (1.61), escolheremos mais dois operadores cujos observáveis associados rotularão as soluções. A presença do operador spin-órbita K em (3.4) obviamente justifica sua escolha imediata como um dos operadores. A aparição do termo LzΣz em (3.4) indica que utilizar o terceiro componente do momento angular total, Jz = Lz +Σz/2 também é conveniente. Precisamos verificar se esses observáveis comutam entre si, haja vista que todos comutam com o hamiltoniano. Verificamos que, de acordo com (3.83), [K, Jz] = [SzJz, Jz] = [OzJz, Jz] = Oz[Jz, Jz] + [Oz, Jz]Jz = 0. (3.105) Concluímos que H , K e Jz de fato constituem um conjunto completo de observáveis comutantes, e podemos escrever portanto um autoestado simultâneo de todos esses operadores. Isto posto, temos 73 HΨ = εΨ, (3.106) KΨ = kΨ, (3.107) JzΨ = mjΨ. (3.108) Retomando a subseção (3.1.2), escolhemos adicionalmente que o espinor seja um autoestado da paridade — que comuta com todos os operadores citados acima —, o que nos orienta sobre a sua parte angular. Conforme (3.56), deveremos ter os componentes superior e inferior com paridades opostas, de forma que já explicitaremos esses componentes para determinar a estrutura do autoespinor. Conforme (??), esperamos que esses componentes sejam um produto de duas funções, uma de ρ e outra de ϕ. Escrevemos, já considerando alguns fatores convenientes relativos à condição de normalização (1.53), Ψ = ΨS ΨI  = 1 √ ρ ig(ρ)h1(ϕ) f(ρ)h2(ϕ)  . (3.109) Da forma em que o produto LzΣz aparece no hamiltoniano — vide (3.5) —, h1 e h2 serão construídos como produtos dos autoestados de Lz e σz (versão 2×2 do operador Σz), de forma que a paridade de ambas as funções sejam opostas. Verificamos primeiro que, de acordo com (A.21), as autofunções de Lz são autoestados da paridade, tal que P0Φl = (−1)lΦl. (3.110) E para os autoestados de σz, nos referimos à (B.12). Com estes autoestados, devemos construir dois espinores de duas componentes tais que: 1) suas paridades sejam opostas; 2) seus autovalores do operador spin-órbita de duas componentes K(2) = Lzσz + 1 2 , K(2)h = kh, (3.111) sejam opostos; e 3) o autovalor do operador jz = Lz + σz 2 , jzh = mjh, (3.112) seja o mesmo para ambos. Construímos o chamado harmônico circular espinorial 74 hkmj = Φlχs, (3.113) tal que l = mj − k 2mj , (3.114) s = k mj . (3.115) Conforme (3.42) e (3.46), podemos determinar duas propriedades pertinentes de (3.113): ∫ 2π 0 dϕ h† k′m ′ j hkmj = δk′kδm′ jmj (3.116) σρhkmj = h−kmj . (3.117) Além disso, nos detenhamos por um momento ao ponto 2, que é o menos óbvio. Ele se torna claro se pensarmos o operador spin-órbita como K = β K(2) 0 0 K(2)  (3.118) e o espinor (3.109) como Ψ = 1 √ ρ ig(ρ)h1(ϕ) 0 +  0 f(ρ)h2(ϕ)  . (3.119) Aplicando (3.118) neste espinor, se torna óbvio que h1 e h2 devem ter autovalores opostos, para que o fator β compense a diferença de sinal que surge da aplicação de K(2) neles. Os três pontos elencados acima são satisfeitos se h1 = hkmj , (3.120) h2 = h−kmj , (3.121) e portanto, o espinor de Dirac terá a estrutura final 75 Ψkmj = 1 √ ρ  igkmj (ρ)hkmj (ϕ) fkmj (ρ)h−kmj (ϕ)  . (3.122) A condição de normalização para essa estrutura espinorial é, conforme (1.53), dada por ∫ dρ (∣∣gkmj ∣∣2 + ∣∣fkmj ∣∣2) = 1. (3.123) Portanto, as funções radiais devem ser quadrado integráveis, uma condição muito mais simples do que aquela da teoria de Klein-Gordon. Enfim estamos prontos para construir as equações radiais. Substituindo (3.122) em (1.61) ou (3.4), obtemos dg dρ − k ρ g = (ε− V∆ +m)f, (3.124) df dρ + k ρ f = −(ε− VΣ −m)g. (3.125) Diferenciando as duas equações e substituindo o termo de derivada primeira, temos d2g dρ2 − k(k − 1) ρ2 g = −dV∆ dρ f − [ ε2 −m2 − (ε+m)VΣ − (ε−m)V∆ + VΣV∆ ] g, (3.126) d2f dρ2 − k(k + 1) ρ2 f = dVΣ dρ g − [ ε2 −m2 − (ε+m)VΣ − (ε−m)V∆ + VΣV∆ ] f, (3.127) onde já ressalta aos olhos que a condição de simetria de spin, V∆ = 0, propicia imediatamente o desacoplamento da equação para g, como esperado, visto que a supressão da interação spin-órbita do componente superior corresponde à eliminação do caráter matricial da equação (3.17), e por sua vez, o acoplamento das equações. Notamos também que as duas equações acima se relacionam entre si pela transformação de conjugação de carga (vide Apêndice C). O mesmo vale para o par (3.124) e (3.125). Finalmente estamos aptos a estudar um problema concreto: o potencial de “Coulomb” para o movimento planar. 3.3 PROBLEMA DE “COULOMB” Vamos agora avaliar o mesmo sistema estudado na seção 2.4, mas dessa vez na teoria de Dirac. Repetindo, os potenciais são 76 VΣ = αΣ ρ e V∆ = α∆ ρ . (3.128) As equações radiais de primeira e segunda ordem do problema são dg dρ = k ρ g + ( ε+m− α∆ ρ ) f, (3.129) df dρ = −k ρ f − ( ε−m− αΣ ρ ) g, (3.130) e d2g dρ2 + [ −k(k − 1)− αΣα∆ ρ2 − (ε+m)αΣ + (ε−m)α∆ ρ + ε2 −m2 ] g = α∆ ρ2 f, (3.131) d2f dρ2 + [ −k(k + 1)− αΣα∆ ρ2 − (ε+m)αΣ + (ε−m)α∆ ρ + ε2 −m2 ] f = −αΣ ρ2 g. (3.132) Iniciamos nossa investigação avaliandos dois casos particulares: ε = m e ε = −m. Para o primeiro, as equações de primeira ordem se reduzem para dg dρ = k ρ g + ( 2m− α∆ ρ ) f, (3.133) df dρ = −k ρ f + αΣ ρ g. (3.134) A análise do comportamento assintótico das equações nos mostra que ou as funções não poderão ser normalizadas, ou temos uma solução trivial, pois no limite tendendo a infinito, elas serão tais que g = 2m(Aρ+B), (3.135) f = A, (3.136) em que A e B são constantes arbitrárias. Semelhante análise para o caso ε = −m nos leva a mesma conclusão, portanto esses dois casos são descartados. Em vez de estudar as equações para os demais casos na forma acima, faremos uma mudança de variáveis conveniente: 77 ρ̃ = 2λρ , λ = √ m2 − ε2 , (3.137) que nos conduz às equações dg dρ̃ = k ρ̃ g + ( ε+m 2λ − α∆ ρ̃ ) f, (3.138) df dρ̃ = −k ρ̃ f − ( ε−m 2λ − αΣ ρ̃ ) g, (3.139) d2g dρ̃2 + [ −k(k − 1)− αΣα∆ ρ̃2 − (ε+m)αΣ + (ε−m)α∆ 2λρ̃ − 1 4 ] g = α∆ ρ̃2 f, (3.140) d2f dρ̃2 + [ −k(k + 1)− αΣα∆ ρ̃2 − (ε+m)αΣ + (ε−m)α∆ 2λρ̃ − 1 4 ] f = −αΣ ρ̃2 g. (3.141) Nossa estratégia será avaliar o comportamento das equações de primeira ordem nos limites ρ̃ → ∞ e ρ̃ → 0 para extrair o comportamento da função nos extremos, propondo um Ansatz para fatorá-las da solução, nos conduzindo a uma equação diferencial mais simples. Para ρ̃ → ∞, as equações se reduzem para dg dρ̃ = m+ ε 2λ f, (3.142) df dρ̃ = m− ε 2λ g. (3.143) Uma breve inspeção nos sugere que uma solução pertinente seja da forma g = βe−δρ̃, (3.144) f = αe−δρ̃, (3.145) que, substituídas na equação diferencial, leva ao sistema de equações algébricas −δβ = ε+m 2λ α, (3.146) −δα = −ε−m 2λ β. (3.147) 78 Resolvendo para δ, encontramos δ = ±1/2, mas a condição δ > 0 deve ser respeitada para a função satisfazer à condição de normalização (3.123). Portanto δ = 1 2 . (3.148) Para ρ̃ → 0, temos as equações dg dρ̃ = k ρ̃ g − α∆ ρ̃ f, (3.149) df dρ̃ = −k ρ̃ f + αΣ ρ̃ g. (3.150) As soluções apropriadas g = βρ̃γ1 , (3.151) f = αρ̃γ2 , (3.152) substituídas nas equações, geram o sistema de equações algébricas β(γ1 − k) + αα∆ρ̃ γ2−γ1 = 0, −βαΣ + α(γ2 + k)ρ̃γ2−γ1 = 0. (3.153) Aqui, podemos analisar três casos diferentes dos Ansatz (3.151) e (3.152): (1) γ1 > γ2; (2) γ1 < γ2; (3) γ1 = γ2 ≡ γ, em que γ = ± √ k2 − αΣα∆. Como demonstraremos, apenas o caso (3) fornece soluções pertinentes. Tratando do caso (1), teremos duas possibilidades embutidas nele: (1.a) α = 0, que implica f = 0; (1.b) α∆ = 0 e γ2 = −k. Para a possibilidade (1.a), com f = 0 a equação (3.150) nos leva à relação 79 αΣ ρ̃ g = 0, (3.154) e a equação (3.139) se torna ( ε−m 2λ − αΣ ρ̃ ) g = 0. (3.155) Só existem duas formas de satisfazer ambas as equações. Tomando αΣ = 0, devemos também impor que ε = m, o que não é permitido para as equações estudadas, pois elas decorrem de equações que foram sujeitas à mudança de variável (3.137), o que tacitamente exclui estes casos. Além disso, já foi estudado o caso em que ε = m, em que se verificou que não existem soluções adequadas. A outra forma de satisfazer (3.154) e