DOIS FUNCIONALISTAS FRANCESES EM CONFRONTO Rafael Eugênio HOYOS-ANDRADE1 • RESUMO: Comparamos, neste artigo, de modo aproximativo e provisório, dois modelos de análise sintática e dois métodos de representação gráfica dessas análises: trata-se dos modelos e métodos de André Martinet e Lucien Tesnière. Depois de algumas considerações introdutórias relativas ao funcionalismo dos autores em causa, arrolamos um conjunto de características que aproximam ou opõem os seus respectivos modelos. Apresentamos, em seguida, no intuito de beneficiar os estudantes universitários de sintaxe, as representações gráficas de um mesmo enunciado segundo o método estemático de Tesnière e segundo o método de visualização das relações sintáticas de Martinet, para concluir que os dois modelos/métodos, embora diferentes, poderiam eventualmente ser integrados num único sistema de análise e representação. • PALAVRAS-CHAVE: sintaxe funcional; funções gramaticais; análise sintática; modelo tesnièriano; modelo martinetiano; estemas; visualização das relações sintáticas. 1. Ninguém que conheça razoavelmente bem, tanto a lingüística funcional de André Martinet quanto a sintaxe estrutural de Lucien Tesnière pode deixar de interrogar-se sobre as notáveis semelhanças que existem entre esses dois modelos funcionalistas de origem francesa. Num momento como o nosso, em que o(s) funcionalismo(s) em lingüística está(ão) em voga, a comparação entre os modelos mencionados afigura-se como pertinente, na medida em que, graças a ela, poderá tornar-se pelo menos um pouco menos confuso o delicado tecido das eventuais influências entre os dois lingüistas mencionados e/ou entre eles e outros lingüistas e/ou modelos que hoje se proclamam cultores de uma lingüística funcional. 2. Que Martinet seja funcionalista ninguém duvida, e o seu funcionalismo é mundialmente conhecido. Ele é o fundador e presidente de honra da SILF, Sociedade Internacional de Lingüística Funcional, com sede em Paris. Não é necessário agora insistir nesse ponto. 1. Departamento de Lingüística - Faculdade de Ciências e Letras - UNESP - 19800-000 - Assis - SP. Alfa, São Paulo, 38: 97-107, 1994 97 2.1 Também não se pode negar, parece-me, que Lucien Tesnière tenha sido um autêntico funcionalista, apesar de ter chamado sua sintaxe de "sintaxe estrutural". Com efeito, o seu estruturalismo prende-se ao fato, por ele constatado no estudo e análise da língua francesa especialmente, de que as frases funcionam como unidades estruturadas de "pensamento organizado", graças às relações (funções) que se estabelecem entre as palavras, ou seja, entre núcleos regentes e núcleos subordinados. Noutros termos, Tesnière estuda as estruturas sintáticas mais do ponto de vista funcional do que formal, e, neste sentido, podemos, com pleno direito, afirmar que ele foi um autêntico funcionalista. Com efeito, é o critério funcional que preside a divisão da sua sintaxe estrutural em três partes: a conexão, a junção e a translação. A conexão é a alma da função estrutural na frase: é a relação que se estabelece entre as palavras; a junção é a ligação de elementos que possuem a mesma função na frase; por fim, a translação permite que palavras de diferente natureza gramatical venham a desempenhar a mesma função sintática no enunciado. 2.2 Mais ainda, a sintaxe tesnièriana - chamada muitas vezes translativa - fundamenta-se justamente no fato - também exaustivamente observado, analisado e descrito pelo próprio Tesnière - de que, na linguagem humana, as palavras, que formalmente pertencem a determinadas categorias, podem mudar de categoria ao mudarem de função, com a ajuda das partículas (chamadas por Martinet fundonais) que ele chamou translativos porque permitem a transferência, a transformação de uma categoria em outra. 2.3 São, pois, problemas funcionais os que Tesnière estuda minuciosamente na sua sintaxe e representa graficamente de forma clara com os seus estemas. Para ele, portanto, e para qualquer funcionalista de inspiração praguense, a noção de estrutura é inseparável da noção de função, como bem explica Mounin no seu pequeno mas esclarecedor manual Cieis pourla linguistique: a estrutura de uma mesa é a que lhe é exigida pela função essencial que cabe a toda e qualquer mesa, ou seja, a de servir de móvel para seres humanos que nelas (nas mesas) comem, bebem, escrevem, jogam baralho etc. (1971, p. 92-3). 2.4 Pode-se ser funcionalista por diferentes razões e de diferentes pontos de vista relacionados com as várias noções de função (Hoyos-Andrade, 1992, p. 11-2). Se alguém, preocupado com as funções, com os papéis, com as tarefas que a linguagem humana desempenha no convívio humano, procura verificar como ela os realiza na construção dos seus enunciados, é, com toda certeza, e nesse sentido preciso, um lingüista funcionalista. 2.5 Outro estudioso pode, por sua vez, dedicar-se a descrever e analisar as unidades que as línguas possuem e utilizam no seu funcionamento, assim como as tarefas particulares que essas unidades realizam no processo da comunicação lingüís­ tica. Esse estudioso também terá direito a considerar-se funcionalista. 2.6 Mas há um terceiro tipo de funcionalismo e é o dos autores que se especializam no estudo das relações que se estabelecem entre os elementos signifi­ cativos dos enunciados lingüísticos e as maneiras como essas relações podem ser 98 Alfa, São Paulo, 38: 97-107, 1994 reconhecidas pelos usuários das diferentes línguas. Essas relações, annal, não são outra coisa senão as funções gramaticais ou sintáticas da gramática tradicional, mas estudadas a partir de como as línguas naturais funcionam de fato e não a partir de apriorismos de qualquer natureza, sejam eles lógicos, psicológicos ou semânticos. 2.7 A que grupo pertence o modelo de André Martinet? Ele próprio encarrega-se de responder-nos, no seu artigo "Qu'est-ce que la linguistique fonctionnelle", publi­ cado neste mesmo número da revista Ai/a: " 'fonctionnel' n'a, pour les linguistes, de sens qu 'en léféience au rôle que joue la langue, pour les hommes, dans la communi­ cation de leur expérience des uns aux autres".2 Neste sentido, o funcionalismo de Martinet pertence ao primeiro grupo mencionado. Dada, porém, a importância que ele concede ao estudo das funções sintáticas (valendo-se, é claro, da "pertinência comunicativa"), parece-nos que o seu funcionalismo participa também do terceiro grupo. O modelo de Lucien Tesnière, por sua vez, poderia ser colocado igualmente neste último grupo, não obstante o seu pendor para classificar as partes da oração segundo critérios semânticos (palavras cheias, palavras vazias) e para identificar a natureza das palavras com a sua função. O fato, porém, de a preocupação principal de Tesnière ser a de descrever as relações ou dependências sintáticas que se estabelecem entre os elementos da frase permite-nos considerá-lo como funcionalista do terceiro grupo. 3. Vejamos agora os pontos que, em nossa opinião, aproximam e separam os dois autores que neste ensaio pretendemos confrontar. Não se trata de uma confron­ tação exaustiva, pois, obviamente, não teríamos condições de fazê-la, mas de uma listagem de algumas características que autorizam uma aproximação entre os dois modelos, no que se refere especificamente à sintaxe, seguida de uma apresentação de aspectos em que os dois lingüistas se distanciam e se opõem. 3.1 Semelhanças Martinet Tesnière 3.1.1 A relação sintática entre Alfredo e canta, na frase Alfredo canta é também um signo tanto quanto os signos lexicais Alfredo e canta. 3.1.1 Numa frase como Alfredo canta haveria três elementos, sendo o terceiro a conexão entre Alfredo e canta. 3.1.2 Distingue entre nível sintático (o das relações gramaticais que se estabelecem entre os elementos do enunciado) e nível axiológico, ou dos valores significativos desses mesmos elementos. 3.1.2 Dintingue entre função estrutural, asse­ gurada pela conexão, princípio organizador da frase, e função semântica, típica das palavras cheias, que como núcleo veiculam a idéia central. 2. O termo "'funcional' não tem sentido, para os lingüistas, a não ser em relação ao papel que a língua desempenha, para os homens, na comunicação mútua de sua experiência". Alfa, São Paulo, 38: 97-107, 1994 99 Martinet Tesnière 3.1.3 Considera que, graças à sintaxe, a comunicação linguística consegue superar a inevitável linearidade da fala. A sintaxe permite reconstruir as relações que existem entre o núcleo predicativo e suas expansões. 3.1.3 Considera como problema essencial da gramática e do seu ensino a antinomia que existe entre ordem linear e ordem estrutural dos enunciados (observemos aqui uma antecipação da oposição chomskiana entre deep e suriace structures). 3.1.4 0 sujeito é uma expansão do núcleo predicativo, único elemento independente da frase. 0 fato, porém, de tratar-se de um elemento sempre presente, com algumas poucas exceções, é salientado na visualização do mesmo com a seta dupla, indicadora de suposição mútua. 3.1.4 Supera a concepção tradicional e bipolar da frase concebida como a combinação de um sujeito e um predicado, com igualdade de direitos: o sujeito é, segundo Tesnière, um complemento como os outros. 3.1.5 Distingue entre elementos em função primária - ligados diretamente ao núcleo predicativo - e elemento em função não primária. 3.1.5 Distingue entre elementos diretamente subordinados ao verbo (actantes e ckcunstantes), ou seja, elementos que no estema figuram no nível imediatamente inferior ao nó verbal, e elementos pertencentes a outros níveis. 3.1.6 Chama funcionais as preposições e as conjunções de subordinação, porque essas partículas marcam as relações que determinados elementos do enunciado mantém com o núcleo predicativo (ou com o centro de algum sintagma). Graças a elas, os sintagmas e os enunciados dependentes adquirem autonomia sintática. 3.1.6 Chama translativos as preposições e as conjunções de subordinação, porque, graças a elas, uma classe de palavras é transferida para outra. Desse modo, um substantivo, por exemplo, passa a funcionar como adjetivo ou como advérbio. 3.1.7 Considera errado supor que as partes do discurso devam ser as mesmas nas diferentes línguas. 3.1.7 Considera que a classificação tradicional das partes do discurso é defeituosa e deve ser abandonada. 3.1 8 Dá importância à visualização das fun­ ções gramaticais ou sintáticas, mas não utiliza representações de tipo arbóreo, como Tesnière. 3.1.8 Dá grande importância à apresentação gráfica das conexões, das junções e das translações, utilizando para tanto representações arbóreas que ele chama estemas e que supõem todo um método. 3.1.9 Resumindo e generalizando, podemos, pois, afirmar que os modelos destes dois autores são de natureza funcional porque se centram na perspectiva funcional da frase como unidade de comunicação. O funcionalismo deles não se baseia na noção de função como "papel que desempenha a linguagem humana", mas na noção de função como relação que se estabelece entre os elementos da frase para permitir que esta funcione como veículo de informação. Observe-se, porém, que a noção de frase não é a mesma para ambos. Tesnière define-a como "conjunto organizado cujos elementos constitutivos são as palavras" (1966, p. 11). Martinet, por sua vez, como "o enunciado cujos elementos se ligam todos a um predicado único ou a vários predicados coordenados" (1970, 4.33); esses elementos são, porém, para ele, os monemas e não as palavras. 100 Alfa, São Paulo. 38: 97-107, 1994 3.2 Diferenças Martinet Tesnière 3.2.1 Não trabalha com palavras mas com monemas, sintemas e sintagmas, sem atribuir muita importância à natureza morfológica desses elemen­ tos e sim à função gramatical que exercem no enunciado. Classifica os monemas a partir da auto­ nomia sintática e não a partir da sua natureza formal. 3.2.1 Trabalha com palavras, distinguindo entre palavras cheias (substantivo, verbo, adjetivo e advérbio) e palavras vazias ( juntivos e translativos). 0 critério classificatório afigura-se mais semântico do que funcional. 3.2.2 Não limita o número de funções sin­ táticas; classifica-as, segundo as línguas, com base em critérios mais funcionais do que formais. Distingue entre funções primárias e não primárias; entre funções obrigatórias e facultativas e também entre monemas unifuncionais3 e plurifuncionais. 3.2.2 Limita as funções sintáticas a três tipos genéricos: actantes (com um número máximo de três funções específicas: sujeito/agente da passiva, complemento de objeto, complemento de atribuição), circunstantes (que não classifica) e adjetivos. 3.2.3 Classifica como categorias diferentes de monemas os adjetivos e outros determinantes nominais, que ele denomina modalidades, a saber: os artigos, os possessivos, os demonstrativos. 3.2.3 Chama adjetivos todos os determinantes do substantivo, iiíclusive os artigos, os possessi­ vos, os demonstrativos. Estes últimos são adjetivos gerais, enquanto os epítetos (ou qualificativos) são adjetivos particulares. 3.2.4 Distingue cuidadosamente entre nature­ za (forma) e função dos monemas. Um mesmo monema pode desempenhar diferentes funções (sem mudar de natureza). Classifica os monemas a partir das suas compatibilidades funcionais. 3.2.4 Considera que as funções são inerentes à natureza das palavras: "funciona como um adjetivo". Ao mudarem de categoria as palavras mudam de função. 3.2.5 Ao considerar que as relações gramati­ cais são também signos, Martinet estuda os significantes sintáticos, ou seja, as maneiras que as línguas utilizam para marcar perceptivelmente as relações, e os significados sintáticos, ou funções em sentido estrito. 3.2.5 Embora diga que o objetivo da sintaxe é o estudo da frase e que as conexões constituem a estrutura da frase, afirma também que estas conexões são perceptíveis unicamente ao espírito (1966, p. 11), como se não houvesse marcas lingüísticas das relações (conexões) estabelecidas entre as palavras. 3.2.6 Seus critérios fundamentais na descrição e analise de uma língua são o da pertinência co­ municativa e o da autonomia sintática. A oposição entre o que é pertinente e o que não o é, em termos informacionais, substitui vantajosamente a precária - porém geralmente aceita - oposição saussuriana entre langue e parole. 0 critério da autonomia sintática (comparável em certos aspectos ao da dependência estrutural ensinada por Tesnière) permite-lhe classificar, com clareza e elegância, as unidades sintáticas e é o princípio que guia as suas análises e visualizações. 3.2.6 0 eixo em tomo do qual gira o seu sistema é a dependência estrutural que existe entre as palavras da frase. Dependência essa que, aplicada ao sistema verbal, leva à fecunda teoria das valências: um verbo é bivalente, por exemplo, quando possui dois complementos, ou seja, duas palavras que dependem imediatamente dele como predicado. Essa teoria permite uma classificação funcional dos verbos das diferentes línguas, muito válida na elaboração de gramáticas descritivas e/ou contrastivas. 3. Monemas unifuncionais são aqueles que desempenham um único tipo de função, como, por exemplo, os artigos, cuja função é sempre a mesma, a de determinar um nome. Alfa, São Paulo, 38: 97-107,1994 101 4. No intuito de mostrar, de modo gráfico e visível, como as análises sintáticas dos dois modelos confrontados se assemelham e se diferenciam, apresentamos agora análises - seguindo os sistemas de ambos os autores - de um mesmo enunciado, acompanhadas das respectivas representações gráficas ou visualizações. 4.1 Seja o seguinte enunciado tirado do próprio texto de Tesnière, (1966, p. 637 e 652): "J'aime à regarder de ma fenêtre la Seine et ses quais par un de ces matins d'un gris tendre qui donnent aux choses une douceur infinie" (Anatole France). 4.2 O estema apresentado por Tesnière para esse enunciado em francês é o seguinte: aime une infinie tendre 4.2.1 Traduzindo-o para o português, o enunciado e o seu estema podem apresentar-se assim: "Gosto de olhar de minha janela o Sena e seus cais, numa dessas manhãs de um cinza suave que dão às coisas uma doçura infinita". 102 Alfa, São Paulo, 38: 97-107, 1994 gosto de um cinza suave ' q u e l dão -.An (que) doçura coisas / \ J I uma infinita as 4.2.2 Observações: a) No topo do estema figura o predicado GOSTO, "clef de voûte" de toda a construção. b) No estema português é preferível considerar que OLHAR é objeto ou comple­ mento direto (preposicionado) do verbo "gostar de"; daí que a preposição figure ao lado da conexão e não constitua, como no estema francês, o translativo do infinitivo. OLHAR, por natureza "infinitivo", transfere-se em substantivo (O)4 em virtude do seu uso nominal como complemento do verbo GOSTAR DE: o translativo, neste caso, é zero, daí a marca de um O com um ponto no meio. c) O primeiro circunstante de OLHAR, "NUMA DESSAS MANHÃS", apresenta três translações sucessivas: MANHÃS (O) transforma-se em adjetivo, graças ao translativo DE; UMA (adjetivo), com translativo zero, vira primeiro substantivo (O), graças ao uso nominal aqui constatado, e, depois, advérbio (E), em virtude do translativo EM. 4. Tesnière designa as palavras cheias utilizando as seguintes letras: O = Substantivo, A = Adjetivo, I = Verbo, E = Advérbio. Alfa, São Paulo, 38: 97-107,1994 103 d) O relativo da subordinada "QUE DÃO UMA DOÇURA INFINITA ÀS COISAS" aparece repetido (como Tesnière o aconselha no seu Esquisse), pois possui uma função dupla: é um translativo, ao fazer com que uma oração passe a funcionar como adjetivo (A), e é sujeito pronominal do verbo DÃO. A linha pontilhada ou linha "anafórica", destaca que MANHÃS é o antecedente semântico desse QUE. e) Finalmente, parece-nos que, no que se refere à representação estemática do objeto indireto ou complemento de atribuição (fr. AUX CHOSES, port. ÀS COISAS), Tesnière não se mostra coerente com os ensinamentos do Esquisse, segundo o qual esse complemento é o actante nº 3, que, mesmo precedido de preposição, não se con­ sidera como uma translação: eis o exemplo que ele fornece nessa obra (1953, p. 5): donne Alfred ie5 iívre â Charles 1 2 3 No estema em foco (ver acima 4.2), a preposição "À" é simplesmente a marca lingüística da conexão entre o nó DÃO (fr. DONNENT) e o substantivo em função de complemento de atribuição, COISAS (fr. CHOSES). Daí que nos afastemos, na nossa versão portuguesa, da representação do mestre nesse ponto, achando que o estema francês deveria ser assim: donnent 1 2 3 (qu)-i douceur à choses u n e infinie les 4.2.3 Explicado e completado o estema (segundo o espírito de Tesnière), podemos agora verificar que, nessa análise estrutural, destacam-se sempre as funções gramaticais. Com efeito, os nós (ligados pelas conexões) correspondem aos actantes 5. No Esquisse, Tesnière não separa o artigo do seu núcleo. 104 Alia, São Paulo, 38: 97-107,1994 (1= sujeito, 2= complemento de objeto, 3= complemento de atribuição), aos circuns­ tantes - no caso, expressões circunstanciais produto de uma translação e marcadas com um E - e aos adjetivos, sejam eles originários (caso de O, SEUS, ESSAS, MINHA, SUAVE, AS) ou transferidos, marcados pela letra A. 4.2.4. A visualização das funções, segundo o modelo de André Martinet, oferece, por sua vez, a seguinte forma: 4.2.5 Observações sobre a visualização segundo o modelo martinetiano: . / (1) < > GOSTAR (D /êanela/ /uma/ A def. t I sena / III /kafe/ < 1- (3) í pl. / d l / (DN) dem. H > / maná / < pl. A A (DN) / d l / REL. < - indef. ^ / sinza / t (E) / suavl/ A / a / (D) /koiza/ í t def. pl. Indef. X DAR:< (O) /dosuia/ A (E) /infinita/ Alfa, São Paulo, 38: 97-107, 1994 105 a) A seta indica a direção da determinação. Seta dupla é utilizada para marcar a função sujeito, dada a pressuposição mútua de sujeito e predicado e a obrigatorie­ dade do sujeito como atualizador preferido do predicado. b) O predicado aparece dentro de um retângulo e sob a forma infinitiva, sendo que a forma (conjugada ou não) que figura no enunciado analisado pode ser recons­ tituída a partir do sujeito (no caso, representado pelo número 1 entre parênteses; estes significam que a forma pronominal correspondente não foi expressamente utilizada). Os predicados das orações subordinadas representam-se dentro de um retângulo pontilhado; Martinet chama-os predicatóides por terem a forma de predicados. c) As modalidades nominais,6 a saber, plural, artigos definidos e indefinidos, demonstrativos, possessivos, visualizam-se com abreviaturas: pl. , def., indef., dem., 3 (pronome e/ou adjetivo de 3a pessoa). d) REL. indica pronome relativo, e as setas que o ligam ao contexto marcam a duplicidade característica desse pronome, que remete a seu antecedente e é, ao mesmo tempo, sujeito do predicatóide. e) As funções sintáticas indicam-se mediante letras maiúsculas entre parênte­ ses: (O), objeto direto; (D), dativo; (OI), objeto indireto; (C), complemento circunstan­ cial; (DN), determinante nominal; (E), epíteto. f) É patente como a visualização deste modelo dá prioridade às funções dos monemas que constituem o enunciado: os monemas unifuncionais são identificados com o nome da sua função: def., indef., pl. etc. As funções desempenhadas pelos monemas plurífuncionais são apresentadas uma a uma (com as iniciais corresponden­ tes: veja-se supra) e o sistema de setas e linhas utilizado destaca e visualiza a complexidade das relações gramaticais entre os elementos da frase como um todo. 5. Concluindo, podemos dizer que, no domínio específico da descrição e análise sintática e, mais especificamente, ainda, nas apresentações gráficas ou visualizações das análises sintáticas propostas pelos autores confrontados: 5.1 Ambos apresentam adequadamente a centralidade do núcleo predicativo com relação aos outros elementos do enunciado. 5.2 Martinet destaca melhor as funções sintáticas ao identificá-las claramente mediante o uso de iniciais e/ou abreviaturas. 5.3 O sentido ou direção das determinações fica, talvez, mais notório nos estemas de Tesnière, em virtude da apresentação das conexões em níveis ou camadas sucessivas. As setas de Martinet, porém, desempenham com eficiência essa mesma tarefa. 5.4 Martinet dá mais relevo às funções do que às formas dos elementos lingüísticos. A preocupação com as formas leva Tesnière a enfatizar as mudanças de 6. As modalidades verbais, como, por exemplo, o tempo, são indicadas por Martinet mediante abreviaturas do tipo: imp., pret.. fut. No exemplo utilizado não figura, porém, nenhuma marca de modalidades verbais, pois os verbos conjugados estão no presente do indicativo (gosto, dão), e este tempo, segundo Martinet, não constitui uma unidade significativa ou monema, mas simplesmente uma ausência... 106 Alfa, São Paulo, 38: 97-107, 1994 categoria das palavras no desempenho de funções diferentes, mediante o recurso às translações que caracterizam a sua sintaxe estrutural. 6. Nem todo lingüista considera válida a utilização de sistemas de representação gráfica das análises sintáticas, como as que aqui tentamos confrontar. A prática docente, todavia, tem-nos ensinado que ambos modelos (aqui sumariamente apre­ sentados e comparados) estimulam os estudantes universitários a entender melhor a estruturação e funcionamento dos elementos (monemas ou palavras) que entram na constituição dos enunciados lingüísticos. Parece-nos, inclusive, que os dois modelos se complementam e que se poderia eventualmente pensar na integração destes num único sistema de representação mais completa e mais de acordo com a riquíssima realidade funcional da linguagem humana. HOYOS-ANDRADE, R. E. Two French functionalists in contrast. Alfa. São Paulo, v. 38, p. 97-107, 1994. • ABSTRACT: Two models of syntactic analysis and two methods of graphic representation of these analyses are compared in this paper: the models and methods of André Martinet and Lucien Tesnière. After some introductory remarks concerning the functionalism of both linguists we present a list of features which emphasize the similarities and the differences between the models in contrast. Then, in order to strengthen the study of syntax at the university level, we reproduce the graphical representa­ tions of the same sentence according to Tesnière's "stemma" and to Martinet's "visualization of the syntactic relations", to conclude that both models and methods, even if different, could eventually be integrated in one only system of analysis and representation. • KEYWORDS: Functional syntax; grammatical functions; syntactic analysis; Tesnière's model; Martinet's model; stemma; visualization of the syntactic relations. Referências bibliográficas 1 HOYOS-ANDRADE, R. E. Introduction a la linguística funcional. Santafé de Bogotá: Instituto Caro y Cuervo, 1992. 2 MARTINET, A. EJementos de linguistica geral. 2. ed. Lisboa: Sá da Costa, 1970. 3 . Conventions pour une visualisation des rapports syntaxiques. La linguistique, Paris, v. 9, n. 1, p. 5-16, 1973. 4 . Studies in functional syntax. München: Wilhelm Fink Verlag, 1975. 5 . Syntaxe générale. Paris: Armand Colin, 1985. 6 MOUN1N, G. Clefs pour la linguistique. Paris: Seghers, 1971. 7 TESNIÈRE, L. Éléments de syntaxe structurale. 2. ed. Paris: Klincksieck, 1966. 8 . Esquisse d'une syntaxe structurale. Paris: Klincksieck, 1953. Alfa, São Paulo, 38: 97-107, 1994 107 categoria das palavras no desempenho de funções diferentes, mediante o recurso às translações que caracterizam a sua sintaxe estrutural. 6. Nem todo lingüista considera válida a utilização de sistemas de representação gráfica das análises sintáticas, como as que aqui tentamos confrontar. A prática docente, todavia, tem-nos ensinado que ambos modelos (aqui sumariamente apre­ sentados e comparados) estimulam os estudantes universitários a entender melhor a estruturação e funcionamento dos elementos (monemas ou palavras) que entram na constituição dos enunciados lingüísticos. Parece-nos, inclusive, que os dois modelos se complementam e que se poderia eventualmente pensar na integração destes num único sistema de representação mais completa e mais de acordo com a riquíssima realidade funcional da linguagem humana. HOYOS-ANDRADE, R. E. Two French functionalists in contrast. Alfa, São Paulo, v. 38, p. 97-107, 1994. • ABSTRACT: Two models of syntactic analysis and two methods of graphic representation of these analyses are compared in this paper: the models and methods of André Martinet and Lucien Tesnière. After some introductory remarks concerning the functionalism of both linguists we present a list of features which emphasize the similarities and the differences between the models in contrast. Then, in order to strengthen the study of syntax at the university level, we reproduce the graphical representa­ tions of the same sentence according to Tesnière's "stemma" and to Martinet's "visualization of the syntactic relations", to conclude that both models and methods, even if different, could eventually be integrated in one only system of analysis and representation. • KEYWORDS: Functional syntax; grammatical functions; syntactic analysis; Tesnière's model; Martinet's model; stemma; visualization of the syntactic relations. Referências bibliográficas 1 HOYOS-ANDRADE, R. E. Introducción a la linguística funcional. Santafé de Bogotá: Instituto Caro y Cuervo, 1992. 2 MARTINET, A. Elementos de linguística geral. 2. ed. Lisboa: Sá da Costa, 1970. 3 . Conventions pour une visualisation des rapports syntaxiques. La linguistique, Paris, v. 9, n. 1, p. 5-16, 1973. 4 . Sludies in functional syntax. München: Wilhelm Fink Verlag, 1975. 5 . Syntaxe générale. Paris: Armand Colin, 1985. 6 MOUNIN, G. Clefs pour la linguistique. Paris: Seghers, 1971. 7 TESNIÈRE, L. Éléments de syntaxe structurale. 2. ed. Paris: Klincksieck, 1966. 8 . Esquisse d'une syntaxe structurale. Paris: Klincksieck, 1953. Alla, São Paulo, 38: 97-107, 1994 107