UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CAMPUS DE ARARAQUARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA WILLIAN CAMPOS RIBEIRO INVESTIGAÇÃO DA CONDUÇÃO ELÉTRICA EM FITAS DUPLAS DE DNA IMOBILIZADAS EM ELETRODOS DE OURO POR MEDIDAS ELETROQUÍMICAS Araraquara 2014 WILLIAN CAMPOS RIBEIRO INVESTIGAÇÃO DA CONDUÇÃO ELÉTRICA EM FITAS DUPLAS DE DNA IMOBILIZADAS EM ELETRODOS DE OURO POR MEDIDAS ELETROQUÍMICAS Tese apresentada ao Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Doutorado em Química Orientador: Dr. Paulo Roberto Bueno Coorientadora: Dra. Maria Célia Bertolini Araraquara 2014 FICHA CATALOGRÁFICA Ribeiro, Willian Campos R484i Investigação da condução elétrica em fitas duplas de DNA imobilizadas em eletrodos de ouro por medidas eletroquímicas / Willian Campos Ribeiro. – Araraquara : [s.n], 2014 110 p. : il. Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Química Orientador: Paulo Roberto Bueno Coorientadora: Maria Célia Bertolini 1. Físico-química. 2. Espectroscopia de impedância. 3. Condutividade elétrica. 4. Filmes semicondutores. 5. Reação de oxidação-redução. I. Título. Elaboração: Diretoria Técnica de Biblioteca e Documentação do Instituto de Química de Araraquara Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação Este trabalho é dedicado à minha Família: Silvia, Junior, Wellington e Àngela. Também ao Jorge, que considero da Família, por me ajudar nestes últimos 2 anos e meio e ao amigo fiel de 11 anos Tom. Agradeço a Dora e Mauro pelo lindo presente que me deram e por isso dedico minha Tese. Este trabalho ainda possui uma dedicatória para todos aqueles que não alcançaram seus objetivos ao iniciar o projeto de pesquisa, não porque o projeto mudou no desenvolvimento da pesquisa, todavia pela impossibilidade de terminá-la. Portanto, dedico-o para aqueles que continuaram suas pesquisas de uma outra maneira: Dilton Gonçalves Teixeira, Grazielle de Oliveira Setti, Fabiana Antonia Arena, Elsa Maria Materón Vásquez e Anayza Bittencourt de Aragão. Dedico ainda para aqueles que não tiveram a oportunidade de finalizar: Ailton Massaiti Watanabe e Rafael Giusti de Castro Araújo; também para aqueles que mal iniciaram e que não tive contato. Desejo boa sorte a todos e que sejam muito felizes!!! AGRADECIMENTOS Ao Ser iluminado onipresente por me fortalecer todos os dia e me tornar cada vez mais persistente em busca de meus sonhos; Aos meus Familiares por me dar todo o apoio necessário para finalizar esta Tese de doutorado; Aos professores por me instigarem a ter mais vontade de aprender e por acreditarem em meu potencial; Ao Prof. Dr. Paulo Roberto Bueno pela oportunidade de realizar o doutorado no grupo de pesquisa Nanobionics e pelas discussões e correções de trabalhos científicos. Ressalto aqui um grande agradecimento à Fabiana Arena (pela parceria ao iniciar o doutorado), Ailton M. Watanabe (pelas discussões de imobilização de biomoléculas, arquivos de tratamento de dados e pelas dicas de como melhorar minha Tese), Carla e Márcio Santos (pelas dicas iniciais de ensaio de imobilização do DNA e pela sugestões no decorrer da pesquisa), Anayza B. Aragão (pela parceria na pesquisa em buscar soluções para o polimento do eletrodo, melhorar o sinal das medidas de tiol modificado com ferroceno, por me incentivar a continuar meu trabalho mesmo dando errado), Tiago A. Benites (pela parceria realizada para solucionar os problemas de polimento do eletrodo de ouro), Fernanda Cesar dos Santos, Flávio C. Bedatty Fernandes, Adriano dos Santos e Eucarlos de Lima Martins (pelas boas discussões científicas) e Márcio Góes (pelas discussões de imobilização do DNA, oferecimento de protocolos de imobilização e de medidas eletroquímicas empregando DNA); À mestre Àngela M. A. Velásquez, pela recuperação das alíquotas de fita simples de DNA contaminadas com solução salina e pelas inúmeras revisões desta tese de doutorado; Ao pesquisador português Dr. Luís Moreira Gonçalves, pela parceria na escrita de trabalhos científicos e na resolução de problemas experimentais; À Profa. Dra. Maria Célia Bertolini por acreditar em meu trabalho e oferecimento de toda infraestrutura para a obtenção e manipulação do DNA usado no início desta pesquisa. Agradeço também a todo seu grupo de pesquisa (Fernanda Cupertino, principalmente, Tiago, Rodrigo, Fernanda e todos os outros que me ajudaram); Ao Prof. Dr. Assis V. Benedetti pelas discussões e dicas a respeito do uso de circuito elétrico equivalente e ajustes de curvas de impedância; Ao Prof. Dr. Cecílio S. Fugivara pelas boas discussões, oferecimento da infraestrutura e grande atenção para resolver os problemas de polimento do eletrodo de ouro e disponibilização da placa de conversão de sinal da Microquímica. Agradeço também ao Dr. Adriano Akita por me ajudar a realizar alguns experimentos no laboratório em que desenvolve seu pós-doutoramento; Ao Prof. Mário pela ajuda na sonda de eletrodos de platina; À Porfa. Dra. Maria Isabel Pividori Gurgo pela oportunidade de estagiar em seu laboratório, ter disponibilizado a infraestrutura e reagentes para o desenvolvimento desta Tese. Agradeço também pelas enriquecedoras discussões para solucionar a imobilização do DNA e não posso esquecer de todos os integrantes do Grup Sensors & Biosensors da grande parte desta Tese, para não dizer a sua totalidade, foi realizada graças à esta colaboração. Um agradecimento especial à Susana L. Girona por me ajudar em todo o meu estágio na UAB, desde as instalações até a liofilização das soluções de DNA para o transporte. Agradeço também a Delfina, Tamara, Soledad, Jose e a todos os outros membros do grupo; Aos funcionários do Instituto de Química por fornecer-me as condições adequadas para realizar esta Tese de Doutorado. Destaco aqui a Seção Técnica de Pós-Graduação, à Biblioteca, à Secretaria do departamento de Físico-Química, ao Almoxarifado, à Seção de Conservação e Manutenção, ao Terceirizado da Limpeza, ao Setor de Vigilância, a Seção de Materiais, ao STAEPE, à Seção de Apoio Técnico Químico (Depósito de Resíduos, Oficina de Eletrônica, Oficina de Vidraria), ao Posto FAPESP e ao Setor de Transportes; À FAPESP pelo apoio financeiro em que compreende a bolsa e a reserva técnica. Agradeço também ao meu irmão pelo apoio financeiro na realização do estágio na Espanha e pelos 10 meses que fiquei sem bolsa; Ao Instituto de Química por fornecer-me infraestrutura adequada para o desenvolvimento de minha Tese e a oportunidade de realizar este doutorado; À UNESP cuja Universidade vem investindo na minha formação como pesquisador desde minha graduação. Agradeço, por fim, ao Governo Brasileiro por me fornecer uma educação gratuita e de elevada qualidade. “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo” NELSON MANDELA “Inauguram o desamor, não os desamados, mas os que não amam, porque apenas se amam.” PAULO FREIRE, Pedagogia do Oprimido RESUMO A molécula de DNA imobilizada sobre um substrato metálico possui uma infinidade de aplicações: inspeção de alimentos, autenticação pessoal, combate ao bioterrorismo, taxonomia, entre outras. Contudo, nos dispositivos que utilizam as propriedades elétricas desta biomolécula, ainda existem muitas dúvidas, haja vista que nem mesmo a literatura específica chegou a um consenso se o DNA possui características de um material elétrico condutor, semicondutor, isolante ou ainda supercondutor. Neste contexto, a investigação da condução elétrica de fitas duplas de DNA imobilizadas em eletrodos de ouro e sua caracterização por medidas eletroquímicas é bastante atraente. O uso do azul de metileno (MB), um agente intercalante, e a modificação da biomolécula com um grupo ferroceno, com propriedades redox, foram os dois tipos de abordagens utilizados para estudar o comportamento elétrico de fitas duplas e curtas de DNA com conteúdo distinto de bases nitrogenadas: uma rica em guanina e citosina e outra em adenina e timina, denominadas de DNA condutor (ds-DNAc) e DNA isolante (ds-DNAi), respectivamente. Para a primeira abordagem, a caracterização voltamétrica e impedimétrica não permitiu uma diferenciação da resistência elétrica dos sistemas de ds-DNAc e ds-DNAi, pois a transferência eletrônica do MB para o DNA ocorria em paralelo ao processo redox do MB com a superfície do eletrodo, inviabilizando a análise. Deste modo, a modificação do DNA com uma molécula redox foi necessária. Nesta segunda abordagem foi possível diferenciar os sistemas de ds-DNA. Primeiramente, a monocamada de tiol foi caracterizada usando o 6-ferrocenil- hexano-1-tiol. A área do pico de oxidação no voltamograma forneceu um valor de densidade de moléculas igual a 7,5x1012 moléculas/cm2 e, após o tratamento dos espectros de capacitância eletroquímica, o perfil de densidade de estados foi obtido (2,9x1013 estados/cm2). A razão entre estes valores foi de 4:1 estados/molécula que, como hipótesem, corresponde a 4 diferentes formas do elétron ocupar os orbitais moleculares do ferroceno com a oxidação do Fe2+ a Fe3+. Por voltametria cíclica foi evidenciado um par de picos ao redor de 0,25V (vs Ag|AgCl) para o ds-DNAc que é pouco perceptível para o ds-DNAi, o que mostra a maior acessibilidade do grupo ferroceno no ds-DNAc pela menor resistência da biomolécula rica em GC. Os espectros de impedância não forneceram muita informação, mas os espectros de capacitância foram conclusivos, apresentando um aumento de 2,5 vezes para ds- DNAc da resposta na região redox em comparação àquela na região capacitiva. A comparação dos perfis de densidade de estados confirmam uma transferência eletrônica indireta para os ds-DNAs. Palavras-chave: DNA, imobilização, condução elétrica, impedância, quântica, circuito elétrico equivalente ABSTRACT Immobilization of DNA on metallic substrate has an infinity of applications: food inspection, personal authentication, combating bioterrorism, taxonomy and so on. However, there are still some questions about devices based on the electrical properties of this biomolecules because specific literature did not reach consensus if the DNA possesses electric characteristics of conductor, semiconductor, insulator or superconductor. In this context, we were interested to investigate electrical conduction of double-strands DNA immobilized on gold surface and to analyze this system by electrochemical techniques. Two methodologies were used to distinguish electrical behavior of shorts double-strands DNAs with different content of nitrogen bases: one double-strand rich in guanine and cytosine (conductive DNA or ds-DNAc) and another rich in adenine and thymine (non-conductive DNA or ds-DNAi). Intercalating agent methylene blue (MB) was used to characterize the electrical resistance of ds-DNAc and ds-DNAi by cyclic voltammetry and electrochemical impedance spectroscopy. Nevertheless, this methodology was not good enough because the electronic transfer between MB and DNA occurs simultaneously to the MB redox process on electrode surface. Therefore, modification of DNA with a redox group was necessary. In the second approaches we used the ferrocene-modified DNA monolayer. This approach was effective to discern ds-DNAc and ds-DNAi electric properties. Firstly, 6-ferrocenyl-1-hexanethiol molecule was assembled on gold electrode to find out the response of thiol film on ds-DNA systems. Voltammogram curves showed a narrow and intense oxidation peak and the surface density of molecule was obtained by integrating curve (7.5x1012 molecules/cm2). After, the density of states (DOS) profile was calculated from capacitance spectra and the integrating curve results on 2.9x1013 states/cm2. The quotient DOS/surface density was 4:1 states/molecule and it was suggested that this value corresponds to 4 different forms of electrons occupy the molecular orbital of ferrocene when ferrocene group changes from Fe2+ to Fe3+. Cyclic voltammetry showed a clear couple of redox peaks to ds-DNAc and inconspicuous peaks to ds-DNAi. Differences on peak current are related to the most accessibility of ds-DNAc ferrocene group and lower electrical resistance. Impedance spectrum do not offer information about differences on electrical resistance, but capacitance spectra analysis were very important. In redox region ds-DNAc capacitance is 2.5 times higher than in capacitive region. Density of state profile of ds-DNAs were compared to Tiol-Fc DOS profile to confirm indirect electron transfer to ds-DNAs. Keywords: DNA, immobilization, electric conduction, impedance, quantum, electric equivalent circuit http://www.dojindo.com/store/p/390-6-Ferrocenyl-1-hexanethiol.html LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Evolução dos equipamentos eletrônicos. a) Primeiro computador datado de 1946 e b) o smart watch, o menor computador pessoal do mundo. ..................................................................................................... 20 Figura 2 - Ilustração de alguns fios moleculares existentes. a) ferroceno entre contatos de alumínio, b) condução por fulerenos, c) fio inorgânico. ........ 22 Figura 3 - Modelo do DNA a) na forma bidimensional para explicitar as ligações de hidrogênio entre os pares de bases complementares. Note que as fitas simples de DNA são formadas na região externa da dupla hélice por grupos fosfatos alternados por moléculas de desoxirribose. A parte interna da dupla hélice é constituída das bases nitrogenadas púricas e pirimídicas empilhadas muito próximas e perpendiculares ao longo do eixo da molécula. Devido a estas interações e ligações, a molécula de DNA possui uma b) geometria tridimensional de dupla hélice em que o empilhamento das bases nitrogenadas podem ser observadas na vista superior da biomolécula. ......................................... 24 Figura 4 - Diversas conformações da molécula de DNA: A-DNA, B-DNA, Z-DNA e grampo. ................................................................................................. 25 Figura 5 - Mecanismo de transporte de carga a curto (superexchange) e longo alcance (hopping) de buracos e elétrons. Note que o mecanismo é definido pela posição dos níveis de energia da ponte como, por exemplo, a molécula de DNA. .................................................................. 30 Figura 6 - Mecanismo de transporte via hopping de buracos e elétrons e sua eficiência de transporte. ........................................................................... 31 Figura 7 - Ilustração dos modos de transferência eletrônica em função da espessura do filme sobre o eletrodo metálico: (a) transferência direta por efeito túnel e (b) transferência indireta em que as propriedades elétricas do filme definem o processo. ..................................................... 34 Figura 8 - Densidade de estados eletrônicos no eletrodo metálico , no filme semicondutor e nas espécies redox em solução e a corrente de troca redox na transferência de carga em equilíbrio em função da energia dos estados. A corrente de troca apresentada é referente ao eletrodo metálico nu, M, e ao eletrodo coberto com um filme fino................................................................................................... 36 Figura 9 - Reação de transferência eletrônica de espécies redox solvatadas em equilíbrio em um eletrodo metálico coberto com um filme espesso (F, linha sólida) e com um filme fino (F’, linha pontilhada). ............................ 37 Figura 10 - Esquemático do mecanismo “liga/desliga” do eletrodo modificado com DNA marcado com ferroceno na extremidade 5’. A marca de ferroceno está representada por um círculo preto. ................................... 39 Figura 11 - Ilustração (a) do modelo clássico de capacitor de placas metálicas planas e paralelas e (b) do processo de polarização do dielétrico com o campo elétrico ligado. ............................................................................ 44 Figura 12 - Ilustração de modelos de dupla camada elétrica para realçar o acúmulo de cargas na região próxima ao eletrodo. .................................. 45 Figura 13 - Ilustração de um sistema de capacitância redox envolvendo mediadores biológicos no processo faradaico. ......................................... 46 Figura 14 - Curva de capacitância em função do potencial. Esta representação permite associar a área da curva com DOS da espécie redox ancorada sobre o eletrodo metálico. ........................................................ 48 Figura 15 - Perfil voltamétrico do último ciclo de limpeza eletroquímica em H2SO4 0,5 mol/L com velocidade de varredura igual a 100 mV/s. A área sombreada foi integrada para obter a área eletroativa do eletrodo. O fator de rugosidade para o eletrodo com o perfil de limpeza apresentado foi de 1,5. ............................................................................. 58 Figura 16 - Esquema da preparação experimental de monocamadas de DNA modificadas com um grupo ferroceno. (a) Modificação das fitas simples de DNA com um grupo ferroceno, (b) hibridização da fita simples modificada com a fita simples complementar, (c) imobilização da fita dupla de DNA/bloqueio com 6-mercaptohexan-1-ol e (d) medidas eletroquímicas e tratamento dos dados. .................................... 61 Figura 17 - Concentração da fita simples de DNA condutor e isolante (ss-DNAc e ss-DNAi, respectivamente) modificada com ferroceno nas diferentes alíquotas do processo de purificação por coluna de separação molecular. Cada alíquota possuía um volume de 0,5mL. O valor de concentração está relacionado com a absorbância de cada alíquota em comprimento de onda de 260nm. ....................................................... 63 Figura 18 - Gráfico de contorno de precisão típico de um modo potenciostático PGSTAT302N/FRA2, com amplitude AC 350mV (rms), em que a máxima impedância mensurável é de 1011 ; a capacitância mínima mensurável não é apresentada, mas um cálculo aproximado segundo o gráfico de contorno de precisão apresentado abaixo permite estimar que está compreendido no intervalo 10-100nF; a região de baixa impedância em alta frequência é de aproximadamente 10 em 1MHz e 10-3 em 10mHz; e a menor impedância mensurável é de 10-3 . Para que a medida tenha uma boa precisão, os valores de impedância devem estar compreendidos na área branca destacada no gráfico. ........ 66 Figura 19 - Curva de contorno de precisão real do equipamento em que se realizaram as medidas de espectroscopia de impedância eletroquímica. Amplitude do potencial AC usada foi de 350 mV. ............. 67 Figura 20 - Curvas do módulo de impedância em diferentes frequências em função da amplitude AC, utilizando como referência a medida realizada em amplitude de 1mV. O sistema eletroquímico usado nas medidas foi em solução tampão fosfato salino (PBS) 0,1mol/L, pH=7,4, e aplicando um potencial DC de 0,10 V vs Ag|AgCl.. ................. 68 Figura 21 - Curvas do módulo de impedância em diferentes frequências em função da amplitude AC, utilizando como referência a medida realizada em amplitude de 1mV. O sistema eletroquímico usado nas medidas foi em solução tampão fosfato salino (PBS) 0,1mol/L, pH 7,4, e aplicando um potencial DC de 0,25V vs Ag|AgCl. ................................ 70 Figura 22 - Curvas do módulo de impedância em diferentes frequências em função da amplitude AC, utilizando como referência a medida realizada em amplitude de 1mV. O sistema eletroquímico usado nas medidas foi em solução NaClO4 0,5mol/L e aplicando um potencial DC de 0,10V vs Ag|AgCl. ......................................................................... 71 Figura 23 - Curvas do módulo de impedância em diferentes frequências em função da amplitude AC, utilizando como referência a medida realizada em amplitude de 1mV. O sistema eletroquímico usado nas medidas foi em solução NaClO4 0,5 mol/L e aplicando um potencial DC de 0,25V vs Ag|AgCl. ......................................................................... 72 Figura 24 - Voltamogramas cíclicos do eletrodo de ouro limpo em PBS 0,1mol/L (pH 7,4) (Au) e do eletrodo modificado com o (a) DNA condutor e (b) DNA isolante e bloqueados com 6-mercapto-hexan-1-ol 20mmol/L em PBS 0,1mol/L (ds-DNAc e ds-DNAi) e em uma mistura de PBS 0,1mol/L (pH=7,4) com azul de metileno 100µmol/L (ds-DNAc_MB e ds-DNAi_MB). Medidas realizadas com velocidade de varredura de 100mV/s. Os potenciais E1 e E2 em destaque nas curvas representam os potenciais de circuito aberto e redox do azul de metileno, respectivamente. Estes valores foram usados para realizar as medidas de espectroscopia de impedância eletroquímica. ...................... 74 Figura 25 - Espectros de (a) impedância e (b) capacitância complexas no plano de Nyquist e espectros de capacitância (c) real e (d) imaginária no plano de Bode do eletrodo de ouro limpo (Au) e eletrodos modificados com DNA e bloqueados com 6-mercapto-hexan-1-ol 20mmol/L em solução tampão fosfato salino (PBS) 0,1mol/L (ds-DNAi e ds-DNAc) e em uma mistura de PBS 0,1mol/L com azul de metileno 100µmol/L (ds-DNAi_MB e ds-DNAc_MB). Os dados foram obtidos em intervalo de frequência de 1MHz a 10mHz, potencial de oscilação de 10mV (rms), 12 pontos por década e tempo de estabilização de 300s. Medidas realizadas em pH=7,4. Os espectros para o eletrodo de ouro limpo foram obtidos apenas em 0,10 V vs Ag|AgCl (E1) enquanto que os espectros do eletrodo modificado com ds-DNAi ou ds-DNAc foram obtidos em 0,10V vs Ag|AgCl (E1) e em -0,19V vs Ag|AgCl (E2), que é o potencial redox do azul de metileno. Os valores destacados para alguns pontos nos espectros de impedância e capacitância correspondem aos valores de frequência linear. OBS: Onde se lê C'', leia-se - C''. ............................................................................................... 77 Figura 26 - Espectros da razão entre a capacitância imaginária pela real no plano de Bode do eletrodo de ouro limpo (Au) e eletrodos modificados com DNA em solução tampão fosfato salino (PBS) 0,1mol/L (ds-DNAi e ds-DNAc) e em uma mistura de PBS 0,1mol/L com azul de metileno 100µmol/L (ds-DNAi_MB e ds-DNAc_MB). Os dados foram obtidos em intervalo de frequência de 1MHz a 10mHz, potencial de oscilação de 10 mV (rms), 12 pontos por década e tempo de espera de 300s. Medidas realizadas em pH=7,4. Os espectros para o eletrodo de ouro limpo foram obtidos apenas em 0,10V vs Ag|AgCl (E1) enquanto que os espectros do eletrodo modificado com ds-DNAi ou ds-DNAc foram obtidos em 0,10V vs Ag|AgCl (E1) e em -0,19V vs Ag|AgCl (E2), que é o potencial redox do azul de metileno. OBS: Onde se lê C'', leia-se - C''. ............................................................................................................ 80 Figura 27 - Voltamogramas cíclicos em PBS 0,1mol/L (pH 7,4) do eletrodo de ouro antes (Au) e depois (tiol) da modificação com 6-mercapto-hexan- 1-ol e também em PBS 0,1mol/L (pH 7,4) com azul de metileno 100µmol/L (MB) (tiol_MB). Há a resposta redox do MB em monocamadas auto-organizadas de 6-mercapto-hexan-1-ol de acordo com o par de picos na curva tiol MB. ........................................................ 82 Figura 28 - Representação esquemática dos sistemas ds-DNAc (à esquerda) e ds-DNAi (à direita) modificados com ferroceno e imobilizados na superfície do eletrodo de ouro. A tese levantada é exemplificada neste esquema com a maior quantidade de elétrons que atravessam o DNA no sistema ds-DNAc. O comprimento de cada molécula também é apresentado. ............................................................................................ 84 Figura 29 - Voltamogramas cíclicos em NaClO4 0,5M do eletrodo de ouro antes (Au) e depois (Tiol-Fc) da modificação com 6-ferrocenil-hexano-1-tiol. A separação entre picos redox do tiol com ferroceno de 7mV demonstra a reversibilidade do sistema estudado. Apresentado o último voltamograma cíclico de uma série de 3 ciclos. A área hachurada em azul corresponde à oxidação do ferro de todos os grupos ferroceno na superfície do eletrodo. Em outras palavras, a integral desta área se refere à densidade superficial de moléculas no eletrodo, que é igual a 7,5x1012 moléculas/cm2. ...................................... 85 Figura 30 - Espectros de (a) impedância e (b) capacitância complexas no plano de Nyquist e espectros de capacitância (c) real e (d) imaginária no plano de Bode do eletrodo de ouro limpo (Au) e eletrodos modificados com Tiol-Fc, ou simplesmente Fc, em solução aquosa de NaClO4 0,5mol/L. Os dados foram obtidos em intervalo de frequência de 100kHz a 10mHz, potencial de oscilação de 10mV (rms), 12 pontos por década e tempo de espera de 300s. Os espectros de impedância e capacitância para o eletrodo de ouro limpo foram obtidos em 0,10V vs Ag|AgCl (E1), fora da janela da reação redox do ferroceno, enquanto que os espectros do eletrodo modificado com Tiol-Fc foram obtidos também no potencial de meia onda de 0,36V vs Ag|AgCl (E2). Os valores destacados para alguns pontos nos espectros de impedância e capacitância correspondem aos valores de frequência linear. ....................................................................................................... 87 Figura 31 - Ilustração da oxidação do grupo ferroceno e a formação do par iônico na monocamada autoorganizada de 6-ferrocenil-hexano-1-tiol imobilizada em eletrodo de ouro. ............................................................. 88 Figura 32 - Capacitância redox, obtida a 1kHz, em função do potencial DC para o sistema 6-ferrocenil-hexano-1-tiol em meio aquoso de NaClO4. A área da curva Gaussiana foi usada para calcular a densidade de estados, sendo de 2,9x1013 estados/cm2. O ajuste da curva Gaussiana apresentou 2 igual a 0,99. .................................................... 89 Figura 33 - Diagrama de orbital molecular do ferroceno com o ferro no estado de oxidação Fe2+. .......................................................................................... 91 Figura 34 - Voltamogramas cíclicos do ds-DNAc e ds-DNAi em solução aquosa de 0,5mol/L de NaClO4, realizadas entre -0,1 e +0,7V vs Ag|AgCl e em velocidade de varredura de 500mV/s. O ferroceno é reversivelmente oxidado quando uma varredura de potencial anódica é aplicada no caso do ds-DNAc e tal processo não ocorre com o ds- DNAi. Os potenciais E1 e E2 em destaque nas curvas representam os potenciais de circuito aberto e redox do ferroceno ligado ao DNA, respectivamente. Estes valores foram usados para realizar as medidas de espectroscopia de impedância eletroquímica. A área hachurada é proporcional à densidade de carga fornecida para reduzir os grupos ferroceno oxidados e, consequentemente, o número de moléculas de DNA na superfície do eletrodo. De acordo com as áreas dos picos de oxidação, ds-DNAc e ds-DNAi possuem, respectivamente, 4,8 x1012 e 7,2 x 1011 moléculas/cm2. .......................... 93 Figura 35 - A curva de densidade de corrente do pico catódico do ds-DNAc em função da velocidade de varredura indica um processo de transferência de carga controlado por adsorção conforme indicado pela relação direta entre os parâmetros. .................................................. 94 Figura 36 - Espectros de (a) impedância e (b) capacitância complexas no plano de Nyquist e espectros de capacitância (c) real e (d) imaginária no plano de Bode do eletrodo de ouro limpo (Au) e eletrodos modificados com ds-DNAi e ds-DNAc em solução aquosa de NaClO4 0,5mol/L. Os dados foram obtidos em intervalo de frequência de 100kHz a 10mHz, potencial de oscilação de 10mV (rms), 12 pontos por década e tempo de espera de 300s. Os espectros de impedância e capacitância para o eletrodo de ouro limpo foram obtidos apenas em 0,10V vs Ag|AgCl (E1), fora da janela da reação redox do ferroceno, enquanto que os espectros do eletrodo modificado com ds-DNAi ou ds-DNAc foram obtidos também no potencial de meia onda de 0,25V vs Ag|AgCl (E2). Os valores destacados para alguns pontos nos espectros de impedância e capacitância correspondem aos valores de frequência linear e as linhas são os ajustes das curvas realizadas pelo programa Zview. ....................................................................................................... 96 Figura 37 - Capacitância redox em função do potencial DC. O valor de Cr (refletindo o DOS da molécula de ferroceno ancorado ao DNA) foi calculado seguindo os procedimentos previamente descritos [64, 132] e a área da curva Gaussiana foi usada para obter a densidade de estados. Para melhor resolução os dados foram corrigidos considerando os termos parasíticos não faradaicos [64, 128, 132]. Os ajustes das curvas Gaussianas para estes dados são bons (2 = 0,99). A maior área da Gaussiana para ds-DNAc em comparação ao ds-DNAi é reflexo de elevada transmitância eletrônica e maior quantidade de DOS ocupados. ................................................................ 97 Figura 38 - Comparação dos perfis de capacitância redox (Tiol-Fc e ds-DNAs) em função do potencial DC. ..................................................................... 98 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Valores médios de |Z|/|Z|ampl. = 1mV (rms) em função da amplitude do potencial AC, obtidos para eletrodos de ouro em solução solução tampão fosfato salino (PBS) 0,1mol/L, pH 7,4, e aplicando um potencial DC de 0,1 V vs Ag|AgCl. ...................................................... 69 Tabela 2 - Valores médios de |Z|/|Z|ampl. = 1mV (rms) em função da amplitude do potencial AC, obtidos para eletrodos de ouro em solução de PBS 0,1mol/L e aplicando um potencial DC de 0,25V vs Ag|AgCl. ............. 70 Tabela 3 - Valores médios de |Z|/|Z|ampl. = 1mV (rms) em função da amplitude do potencial AC, obtidos para eletrodos de ouro em solução de NaClO4 0,5mol/L e aplicando um potencial DC de 0,10V vs Ag|AgCl................................................................................................ 72 Tabela 4 - Valores médios de |Z|/|Z|ampl. = 10mV (rms) em função da amplitude do potencial AC, obtidos para eletrodos de ouro em solução de NaClO4 0,5mol/L e aplicando um potencial DC de 0,25V vs Ag|AgCl................................................................................................ 73 Sumário 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 20 1.1 DNA: Estrutura e Propriedades ...................................................................... 23 2 ESTADO DA ARTE NA CONDUÇÃO ELÉTRICA DE FITAS DUPLAS DE DNA ................................................................................................................ 26 2.1 Condução elétrica do DNA: pensamentos que não convergem ..................... 26 2.1.1 Mecanismos de condução .............................................................................. 29 2.2 Uso de medidas elétricas para explorar erros no pareamento e mudanças na conformação do DNA ................................................................................. 32 2.3 Transferência eletrônica em eletrodos metálicos revestidos por filmes .......... 33 2.4 Transferência eletrônica em moléculas imobilizadas com um sítio redox....... 37 2.5 Espectroscopia de Impedância eletroquímica ................................................ 40 2.5.1 Capacitância: eletrostática, redox, química e quântica ................................... 43 2.5.2 Imobilização de Moléculas de DNA ................................................................ 51 3 OBJETIVOS .................................................................................................... 54 4 PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL .............................................................. 54 4.1 Monocamadas de tiol e de DNA em solução de azul de metileno .................. 55 4.1.1 Materiais ......................................................................................................... 55 4.1.2 Preparação do eletrodo de trabalho ............................................................... 56 4.1.3 Imobilização das moléculas ............................................................................ 58 4.1.4 Medidas Eletroquímicas .................................................................................. 59 4.2 Monocamadas de DNA modificadas com um grupo ferroceno ....................... 60 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................... 65 5.1 Testes preliminares de EIS para delimitar o intervalo de frequência e a escolha da amplitude de potencial AC. ........................................................... 65 5.2 Monocamadas de tiol e de DNA: resposta eletroquímica em solução de azul de metileno .............................................................................................. 73 5.3 Monocamadas de DNA modificadas com um grupo ferroceno ....................... 83 6 CONCLUSÃO ................................................................................................. 99 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 100 20 1 INTRODUÇÃO Na atualidade os computadores possuem dimensões bastante reduzidas quando comparados com os computadores de décadas anteriores, devido aos avanços da nanotecnologia. Em 1936, o computador Z-1, construído pelo engenheiro alemão Konrad Zuse, fazia os cálculos e lia os dados em fitas perfuradas. Contudo, na Figura 1a é mostrada a conhecida fotografia do primeiro computador desenvolvido pelo exército dos Estados Unidos, o computador ENIAC, que tinha por objetivo calcular as trajetórias de mísseis com maior precisão. Este computador ocupava várias salas, pesava 30 toneladas, consumia 0,25 MW/h de energia e fazia centenas de operações por segundo [1-3]. Figura 1 - Evolução dos equipamentos eletrônicos. a) Primeiro computador datado de 1946 e b) o smart watch, o menor computador pessoal do mundo. a) b) Fonte: ref. [3] para Figura 1a e ref. [4] para Figura 1b. Agora os computadores do século XXI pesam poucos quilos, consome alguns W/h e realizam bilhões de operações por segundo. Para exemplificar este processo rápido de miniaturização decorrente dos avanços da nanotecnologia, recentemente http://pt.wikipedia.org/wiki/Konrad_Zuse http://pt.wikipedia.org/wiki/Konrad_Zuse http://pt.wikipedia.org/wiki/Ex%C3%A9rcito_dos_Estados_Unidos http://pt.wikipedia.org/wiki/Ex%C3%A9rcito_dos_Estados_Unidos http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%ADssil 21 várias empresas estão fabricando o relógio inteligente (do inglês, Smart Watch) com diversas funções de um computador, o que seria o menor computador pessoal do mundo conforme ilustrado na Figura 1b. Observando-se que este aparelho eletrônico ocupa um espaço de poucos centímetros quadrados contra dezenas de metros quadrados do mais antigo devido à diminuição dos componentes eletrônicos. Com esta diminuição do tamanho, é preciso também o desenvolvimento de conexões cada vez menores, atingindo-se um limite na tecnologia de confecção de fios metálicos ultrafinos. O problema com este tipo de fios está relacionado com o manuseio, pois seriam rompidos com a aplicação de uma pequena tensão. A nanolitografia, um ramo da nanotecnologia que estuda e aplica conceitos de fabricação de estruturas nanométricas, poderia resolver o problema de contato entre dispositivos com estas dimensões, contudo o efeito quântico de tunelamento poderia curto-circuitar os dispositivos pela falta de isolamento da conexão. Desta maneira, o uso de fios moleculares, que são objetos com dimensões de moléculas que conduzem a corrente elétrica, é a estratégia mais vantajosa para realizar as conexões [5]. Assim, existe um interesse crescente por fornecer ferramentas que descrevam os efeitos relacionados com a transferência de elétrons a nível molecular em sistemas biológicos e/ou sintéticos [6]. Os fios moleculares mais comuns baseiam-se em moléculas orgânicas. Como principais exemplos descritos na literatura encontram-se os nanotubos de carbono, diversos polímeros e vários fios moleculares inorgânicos, como ilustrado na Figura 2 [7]. 22 Figura 2 - Ilustração de alguns fios moleculares existentes. a) ferroceno entre contatos de alumínio, b) condução por fulerenos, c) fio inorgânico. a) b) c) Fonte: ref. [8], [9] e [10] referentes as Figuras 2 a), 2b) e 2c), respectivamente. Um exemplo de uma biomolécula que possui característica de fio molecular é o DNA [11]. O DNA é composto por unidades repetitivas, os nucleotídios. Estes últimos possuem três componentes característicos: uma base nitrogenada (púricas ou pirimídicas), uma pentose e um fosfato. Os nucleotídios são unidos covalentemente por meio de ligações de grupos fosfatos, em que o grupo fosfato do carbono 5' do nucleotídio está ligado ao grupo hidroxila do carbono 3' do nucleotídio seguinte, criando uma ligação fosfodiéster [12]. Este esqueleto de açúcar e fosfato do DNA serve como isolamento do fio condutor. O uso desta biomolécula limita o diâmetro dos fios, também chamados de fios quânticos, em 2 nm. Além do uso como fio molecular, a condução elétrica da molécula de DNA visa o entendimento dos danos e reparos à biomolécula por processos redox. Alterações nas bases por reações químicas ou fotoquímicas podem vir a causar mudanças permanentes na a ) c ) b ) 23 informação genética codificada. Ainda não foi comprovado que estes processos, chamados de mutações genéticas, são os prováveis responsáveis pelo envelhecimento e doenças associadas ao câncer. Este aspecto é importante para o desenvolvimento de biossensores baseados no reconhecimento de genes e defeitos genéticos, também chamados de genossensores [13-14]. A imobilização de uma fita simples de DNA sobre um suporte que tem como objetivo identificar/quantificar o processo de hibridização de acordo com o sinal do transdutor é a definição mais precisa de um genossensor. Nota-se que o entendimento da transferência eletrônica através do DNA pode melhorar o desempenho dos genossensores e desenhar conectores moleculares cada vez mais eficientes. Contudo, a verificação do comportamento elétrico de fitas duplas de DNA não é algo trivial, pois a literatura ainda não chegou a um consenso se esta biomolécula é um material isolante [15-18], semicondutor [19-20], condutor [21-23] ou um supercondutor [24], isto porque a configuração experimental não é variada em um único trabalho. Com o intuito de complementar o conhecimento já descrito na literatura, neste trabalho de Doutorado realizou-se o estudo da condução elétrica em fitas duplas de DNA por espectroscopia de impedância eletroquímica, pois são poucos os trabalhos que utilizam de modo mais aprofundado esta técnica no contexto em questão. Antes de descrever a técnica e como aplicá-la para estudar a condução da referida molécula, é importante contextualizar de maneira geral a estrutura e propriedades do DNA, a biomolécula da vida. 1.1 DNA: Estrutura e Propriedades O estudo do DNA ficou marcado com a revelação de sua estrutura tridimensional em 1953 por James Watson e Francis Crick, como ilustrado na Figura 3 [25]. O ácido desoxirribonucleico é um polímero constituído de duas fitas de desoxirriboses (açúcar) e grupos fosfatos intercalados formando uma cadeia principal e bases púricas (Guanina-G ou Adenina-A) ou pirimídicas (Timina-T ou Citosina-C) fazendo uma ligação β glicosídica no carbono 1’ do açúcar. As fitas ficam coesas por interações entre as bases de cada fita de modo que o pareamento das bases dá-se por ligações de hidrogênio de G com C (3 ligações) e de A com T (2 ligações). Esta interação provoca a rotação da molécula e a formação de uma dupla 24 hélice com o sentido da mão direita. As bases nitrogenadas de ambas as fitas estão empilhadas dentro da dupla hélice, com suas estruturas hidrofóbicas de anéis praticamente planares muito próximos e perpendiculares ao longo do eixo. As fitas da dupla hélice são antiparalelas, o que significa que as ligações 5’, 3’-fosfodiéster de cada fita ocorrem em sentidos opostos [25]. Figura 3 - Modelo do DNA a) na forma bidimensional para explicitar as ligações de hidrogênio entre os pares de bases complementares. Note que as fitas simples de DNA são formadas na região externa da dupla hélice por grupos fosfatos alternados por moléculas de desoxirribose. A parte interna da dupla hélice é constituída das bases nitrogenadas púricas e pirimídicas empilhadas muito próximas e perpendiculares ao longo do eixo da molécula. Devido a estas interações e ligações, a molécula de DNA possui uma b) geometria tridimensional de dupla hélice em que o empilhamento das bases nitrogenadas podem ser observadas na vista superior da biomolécula. a) b) Fonte: a) autor e b) referência [26]. A molécula de DNA apresentada na Figura 3 é chamada de forma B do DNA (B-DNA), para este tipo de DNA uma volta completa de rotação ocorre a cada 10,5 pares de bases, no entanto esta não é a única que pode ser formada. Devido à livre 25 rotação de diferentes ligações, a variação de temperatura pode provocar curvaturas, estiramento ou até o não pareamento das fitas (processo chamado de fusão ou desnaturação). Outra forma é o Z-DNA que possui como principal característica a dupla hélice com o sentido da mão esquerda. Sequências de purinas e pirimidinas alternadas favorecem este tipo de estrutura. Outras sequências de nucleotídios adotam estruturas não convencionais como grampos, alças, cruzes ou são destacadas por apresentarem certa simetria como no caso de palíndromos ou repetições em espelho [12]. As conformações discutidas estão ilustradas na Figura 4. Estas diferenças na conformação são importantes na regulação gênica. Alterações nas bases por reações químicas ou fotoquímicas podem vir a causar mudanças permanentes na informação genética codificada. Acredita-se que estes processos, chamados de mutações genéticas, são os prováveis responsáveis pelo envelhecimento e doenças associadas ao câncer [12]. Figura 4 - Diversas conformações da molécula de DNA: A-DNA, B-DNA, Z-DNA e grampo. Fonte: referências [27-28]. Estudos com diversas sequências de nucleotídios reportaram que a condutividade do DNA depende da sequência de nucleotídios [29-31]. As bases púricas ou pirimídicas estão empilhadas na fita de modo que os elétrons π de uma 26 base interagem com os elétrons π da base superior e/ou inferior. Portanto, qualquer modificação relacionada aos nucleotídios e/ou a conformação do DNA acarreta na variação do recobrimento dos orbitais π e, como consequência do rearranjo eletrônico, o comportamento elétrico é alterado [32-35]. 2 ESTADO DA ARTE NA CONDUÇÃO ELÉTRICA DE FITAS DUPLAS DE DNA 2.1 Condução elétrica do DNA: pensamentos que não convergem O comportamento elétrico do DNA até o momento ainda é um grande alvo de debate. Existem trabalhos para cada tipo de característica: isolante [15-18], semicondutor [19-20], condutor [21-23] e supercondutor [24], tanto para aqueles que realizam trabalhos teóricos quanto experimentais. Em 1986, Bakhshi e colaboradores [34] estudaram a densidade de estados eletrônicos (DOS, do inglês, Density of States, é a descrição do número de estados, ou níveis de energia dos elétrons incluindo o momento de spin, por unidade de energia no intervalo disponível da amostra) em DNA de fita simples com as 4 bases nitrogenadas dispostas periodicamente, de maneira aleatória e em fragmentos de gene humano (gene da família Alu isolada do DNA de fígado fetal). Explicaram também a relação entre as curvas de DOS obtidas pela metodologia de contagem de fator negativo (NFC, do inglês, Negative Factor Counting method) ab initio e as propriedades de condução elétricas do DNA. Assim, quando a fita do ácido nucleico possui as bases ordenadas de modo periódico, as densidades de estados aparecem como bandas bastante estreitas na região da banda de valência e de condução. Isto significa que a energia dos estados são restritas a um intervalo pequeno de energia. Na medida em que o sistema perde a periodicidade, o ambiente químico, que era o mesmo para cada base nitrogenada, é alterado e, como consequência, há um alargamento das bandas do DOS de sistemas aperiódicos e uma pequena diminuição da energia de band gap (região compreendida entre as bandas de valência e de condução) [34]. Os sistemas aperiódicos possuem praticamente o mesmo perfil de DOS e podem ser identificados em uma sequência qualquer de um gene. As bandas largas do DOS destes sistemas poderiam transportar carga efetiva via hopping, porém um conjunto de dados considerando o efeito da água, do meio 27 ambiente de íons e de outros fatores como interações com proteínas ainda seriam necessários para definir a possibilidade de condução por hopping. Esta conclusão é obtida a partir da análise de dados de transferência de carga descritos na literatura, podendo descobrir a posição do nível de Fermi e as propriedades locais dos estados de energia ao redor e identificando assim a maior probabilidade de transporte de carga via hopping. Song e colaboradores [35] propuseram que o DNA pode possuir características elétricas de um condutor, semicondutor ou isolante após analisar a banda de energia e a densidade de estados dos elétrons no DNA, assim como também a variação da energia do band gap em função do número de elétrons itinerantes (elétrons de valência ou também chamados de elétrons de fronteira). Três casos foram estudados: a molécula de ácido nucleico com duas formas de parear as bases nitrogenadas (G/C e A/T), com quatro formas de pareamento (G/C, A/T, C/G e T/A) dispostas periodicamente e a terceira em que o pareamento era desordenado. No primeiro caso, a molécula de DNA tende a se comportar como um condutor ou semicondutor dependendo da razão (Ne/N) entre elétrons itinerantes (ou deslocalizados, Ne) e elétrons totais (N). No segundo caso, a molécula possui um comportamento que, majoritariamente, será de um semicondutor. Já para o último caso, na cadeia de DNA desordenada, a tendência é ser um semicondutor ou um isolante [35]. Para os trabalhos experimentais, o comportamento isolante pode ser destacado pelos trabalhos de Storm et al. [16] e Zhang et al. [15], a característica semicondutora ressaltada por Porath et al. [20] e a alta condutividade das fitas de DNA mostradas nos resultados de Fink et al. [22] e Kelley et al. [21], como segue. O trabalho de Storm et al. [16] consistiu em realizar medidas elétricas do DNA de fita dupla usando nanoeletrodos e fora de um meio aquosa. Uma resistência de 10T foi obtida para fitas de DNA de comprimento superior a 40nm, indicando que o DNA é um material isolante. Kleine-Ostmann e colaboradores [36] apresentaram resultados que mostravam o efeito da quantidade de água na condutividade de fitas simples ou duplas de DNA, encontrando que a condutividade cresce exponencialmente com o aumento da umidade e estando em concordância com o 28 estudo teórico de Zhang e Wang [37] a respeito da mudança da estrutura do DNA em função do solvente. Como comentado anteriormente, a conformação do DNA é crucial para descrever a sua condutividade, haja vista que ela está relacionada com o empilhamento das bases nitrogenadas. Desta maneira, deve-se ter em mente que não se pode afirmar nada a respeito da condução elétrica desta molécula biológica sem que sejam destacadas as condições nas quais foram realizados os estudos, pois o meio em que são feitas as medidas são determinantes para o comportamento elétrico. Porath et al. [20] e Storm et al. [16], caracterizaram o DNA como um material semicondutor, pois uma pequena região não-linear (em intervalo de potencial de -2V a +2V) foi notada na resposta de corrente em função do potencial. Entretanto, as medidas foram feitas a vácuo de 10-6mbar, evaporando qualquer água que houvesse mesmo em baixas temperaturas (abaixo de -20oC). A diferença entre os dois trabalhos em questão está no tamanho da fita de DNA. Porath e colaboradores utilizaram uma fita de 10,4nm, enquanto que Storm et al. uma fita de comprimento superior a 40nm. O aumento da cadeia de DNA também pode contribuir para a caracterização de um comportamento isolante. O artigo de Zhang et al. [15] corrobora esta tendência em que se mediu valores elevados de resistividade (maiores do que 106 cm) para um tipo de DNA com comprimento de aproximadamente 16m. Quanto maior a cadeia de DNA, maior é a sua flexibilidade, menor o recobrimento entre os orbitais  de bases adjacentes e menor condução elétrica, consequentemente. O comportamento condutor do DNA foi relatado no artigo de Kelley e colaboradores [21] em que as medidas foram realizadas em meio aquoso e na presença do composto intercalante daunomicina (DM). Os voltamogramas apresentados mostraram a importância do empilhamento das bases nitrogenadas para a condutividade do DNA a longo alcance. O pico de óxido-redução presente no sistema totalmente complementar desaparece ao inserir um erro no pareamento do oligonucleotídios, indicando a interrupção do fluxo de elétrons através do DNA. Pode ser notado que os debates sobre o comportamento elétrico do DNA nunca irão cessar, pois as condições experimentais em que se pode realizar as 29 medidas é muito ampla. Todavia, parece que a conformação do DNA é um dos pontos chaves para a pesquisa nesta área. Não se pode esquecer que existem outras peculiaridades do sistema que devem ser consideradas e que não foram discutidas nesta seção como, por exemplo, o conteúdo de cada base nitrogenada, além da disposição delas, a qual foi brevemente discutida. Para maior entendimento e esclarecimento do comportamento elétrico, os mecanismos de condução propostos para o DNA serão abordados. A hipótese de que moléculas de DNA com maior conteúdo de GC são mais condutoras é suportada pela literatura, em que o transporte de carga em ds-DNA (termo em inglês, double-stranded DNA) é uma função da distância entre os pares de bases GC, na que a velocidade de transferência eletrônica diminui cerca de uma ordem de grandeza com cada par de base AT adicionado [38-39]. O aumento da quantidade de adenina e timina causa um decréscimo exponencial da resposta elétrica e, portanto, os sítios AT são conhecidos como barreiras de condução [40- 42]. Então, é esperado que o fluxo de carga seja facilitado em poli(dG)-poli(dC) (ds- DNAc ou DNA condutor) comparado com poli(dA)-poli(dT) (ds-DNAi ou DNA isolante). Dentre as sequências de DNA com maior conteúdo de GC, aquelas em que uma fita simples é composta apenas de G e a outra de C é a que possui maior condução elétrica [43]. 2.1.1 Mecanismos de condução O processo de transferência eletrônica é influenciado pelo acoplamento eletrônico dos grupos aceitador/doador com a ponte de DNA, a força motriz do processo de transferência eletrônica e a energia de reorganização. De maneira geral, o primeiro e segundo parâmetro levantado são resumidos no trabalho de Gorodetsky, Buzzeo e Barton [44], no qual o acoplamento entre o DNA e uma sonda redox por ligações insaturadas e conjugadas permite a transferência eletrônica enquanto que o uso de ligações saturadas resulta em mau acoplamento. Os diferentes tipos de sondas com propriedades redox fornecem respostas eletroquímicas em potenciais distintos. No último ponto destacado, a polarização dos grupos aceitador/doador e a constante dielétrica do meio em que o sistema está inserido são alguns dos pontos importantes [45]. A forma como o transporte das 30 cargas é efetuada depende dos níveis de energia do orbital de fronteira do grupo doador ou aceitador de carga e dos níveis de energia da molécula de DNA, o qual serve de ponte para transferir esta carga para o grupo aceitador, como apresentado na Figura 5. Isto vai definir se a condução será de curto alcance, por mecanismo envolve um único passo (superexchange), ou longo alcance envolvendo um mecanismo de múltiplos passos (hopping). Figura 5 - Mecanismo de transporte de carga a curto (superexchange) e longo alcance (hopping) de buracos e elétrons. Note que o mecanismo é definido pela posição dos níveis de energia da ponte como, por exemplo, a molécula de DNA. Fonte: adaptado da ref. [46]. No superexchange, os estados de energia da ponte de DNA estão acima daqueles apresentados pelo grupo doador e a carga é transferida por um salto coerente desde o grupo doador para o grupo aceitador e nunca está localizado na ponte. Já para o hopping, devido às semelhanças energéticas dos estados de energia entre o doador e a ponte, o elétron está localizado dentro do DNA e move-se incoerentemente até o grupo aceitador. A designação de longo alcance é utilizada para transferências de cargas que ultrapassem distâncias de 4 bases nitrogenadas e que, segundo alguns trabalhos da literatura, podem chegar a 20nm [47]. 31 Pensando em cargas, o transporte pode ser efetuado por cargas negativas (elétrons) ou positivas (buracos, que significa a falta de um elétron), dependendo da natureza do grupo doador de carga. Estas espécies podem ser criadas no DNA com o uso de agentes redutores [48] ou oxidantes [49-51], respectivamente, e algumas vezes com o auxílio de luz para a ação dos compostos fotoinduzidos. A transferência de cargas pode ser feita por buracos (principalmente pelas bases púricas guanina e adenina) e elétrons (majoritariamente pelas bases nitrogenadas pirimídicas citosina e timina). O transporte de cargas a longa distância, via hopping, pode ser realizada por buracos ou elétrons, cujo mecanismo está ilustrado na Figura 6. Figura 6 - Mecanismo de transporte via hopping de buracos e elétrons e sua eficiência de transporte. Fonte: adaptado da ref. [46]. O primeiro tipo, que é por buracos, pode ocorrer por meio da transferência de carga entre guaninas ou entre adenosinas. Pelo mais baixo potencial de oxidação da guanina dentre as bases nitrogenadas, existe maior probabilidade de condução dos buracos pelas guaninas. Contudo, caso haja a oxidação da adenina, a transferência de carga via hopping é um processo rápido, podendo ocorrer através de várias adeninas consecutivas [52]. A transferência de cargas entre fitas acontece na mesma velocidade da transferência de H entre os pares de bases e, como consequência, pode influenciar na eficiência do transporte pelo DNA. Isto depende 32 da constante de acidez de cada base, em que a diferença de pKa entre A e T é maior do que em G e C, promovendo um transporte via hopping mais eficiente por A [53] em relação à G e provocando danos ao DNA pela oxidação da guanina. O transporte por elétrons não é completamente entendido na literatura e os mecanismos e processos de transporte usados para descrevê-lo são emprestados do transporte de cargas por buracos [46]. No transporte via hopping de elétrons os carreadores intermediários são os ânions radicalares pirimídicos de citosina e timina devido aos menores potenciais de redução entre as 4 bases nitrogenadas do DNA [54]. A transferência de H também interfere no processo de transporte de elétrons através do DNA, fazendo com que o íon radical de timina possua um transporte mais eficiente em comparação ao ânion radical de citosina. Os grupos doadores/aceitadores podem ser diversos, como moléculas de transferência eletrônica fotoinduzida [49] ou com propriedades eletroquímicas [1] (moléculas eletroativas ou moléculas redox). No caso em que elas possuam um centro redox, as moléculas podem ser do tipo intercalador [26, 55-56] (livre em solução) ou estar acoplado [44,57] ao DNA por ligações covalentes insaturadas e conjugadas. Ainda existe a possibilidade do grupo estar ligado ao DNA, mas ser um centro redox intercalante [58]. 2.2 Uso de medidas elétricas para explorar erros no pareamento e mudanças na conformação do DNA Sabe-se que o DNA possui uma forma helicoidal desde a descoberta de sua estrutura tridimensional por James Watson e Francis Crick [25], como descrito na Seção 1.1. Todavia, a forma helicoidal pode ter diferentes conformações, as quais já foram identificadas na literatura e podem exibir um papel importante na regulação da expressão gênica [59]. A identificação das diferentes conformações pode ser feita pelo uso de complexos quirais [59]. No caso da hibridização em biologia molecular normalmente utiliza marcadores, sejam eles radioativos ou não [48,60]. No entanto, ensaios livres de marcadores são bastante interessantes, pois diminuem os custos nas análises. Neste contexto, a empresa Toshiba criou um sistema para monitorar o processo de hibridização e sua identificação pelo método eletroquímico feito pelo DNA Detection System GenelyzerTM [61]. Conforme relatado, os chips de DNA 33 podem ser aplicados em diagnósticos de doenças infecciosas, previsão da eficácia de drogas e efeitos colaterais e diagnóstico/prognóstico de doenças com o intuito de “realizar um tratamento médico personalizado”. Além disso, eles também podem ser usados em inspeções de alimentos, autenticação pessoal e contra o bioterrorismo. O princípio usado envolve a medida da corrente com a aplicação de uma diferença de potencial sobre o chip de DNA. A aplicação da diferença de potencial permite a intercalação de uma espécie eletroativa à fita dupla de DNA, que surge pela hibridização da fita totalmente complementar à fita simples de DNA imobilizada no chip. Por ser um produto de mercado, não está descrita qual a técnica eletroquímica usada na análise nem maiores detalhes do seu funcionamento. Uma metodologia similar foi apresentada por Kafka e colaboradores [62]. O trabalho visa diferenciar os processos de hibridização em moléculas pequenas de DNA com o pareamento totalmente complementar daquele com erros no pareamento por espectroscopia de impedância eletroquímica. Os autores introduzem, primeiramente, a necessidade de testes de reconhecimento de sequências específicas de DNA que sejam simples, rápidas e sensíveis, para a aplicação na área forense, indústria de alimentos e em análises clínicas para a detecção/identificação de patógenos ou doenças geneticamente conhecidas. Eles comentam que tal tipo de teste é atualmente realizado pela hibridização de fitas complementares de DNA em que a análise pode ser feitas por diversas técnicas, sendo destacadas as técnicas eletroquímicas devido às características relatadas anteriormente. Como comentado no sistema comercializado pela Toshiba, sistemas eletroquímicos comumente requerem espécies eletroativas, sejam compostos orgânicos ou complexos metálicos, para detectar o processo de hibridização. O uso dos indicadores redox complica a detecção do processo e encarece a análise. Assim, técnicas que não utilizam marcadores para tal finalidade são mais vantajosas e, neste contexto, a espectroscopia de impedância foi escolhida para ser usada neste trabalho de doutorado devido à capacidade de avaliar fenômenos de interface. 2.3 Transferência eletrônica em eletrodos metálicos revestidos por filmes Ao adicionar ou formar um filme de um material semicondutor sobre a superfície do eletrodo metálico, a transferência de elétrons para as espécies em 34 solução ocorrerá de modo diferenciado dependendo da espessura deste filme. Quando o filme é bastante fino (até 2nm), a transferência eletrônica acontece diretamente entre o eletrodo e a espécie eletroativa por meio do mecanismo de tunelamento. Na medida em que a espessura do filme aumenta, a probabilidade de transferência eletrônica por tunelamento diminui. Desta maneira, há uma transferência indireta em que os níveis de energia do filme na superfície do eletrodo irão determinar este processo [63]. A Figura 7 ilustra as duas situações descritas acima. Figura 7 - Ilustração dos modos de transferência eletrônica em função da espessura do filme sobre o eletrodo metálico: (a) transferência direta por efeito túnel e (b) transferência indireta em que as propriedades elétricas do filme definem o processo. Fonte: Adaptado da ref. [63]. A adição da monocamada autoorganizada de tiol sobre a superfície de ouro é semelhante a um filme fino em que ocorre o mecanismo de tunelamento. Porém, quando este filme de tiol possui também fragmentos de DNA ou oligonucleotídios, o filme sobre o eletrodo tem dimensão superior a 2nm. Isto significa que há transferência eletrônica indireta neste último caso e o processo dependerá dos níveis de energia da molécula de DNA. Desta maneira, modificações físico-químicas da molécula de DNA (troca de base nitrogenada, erros de pareamento, interação 35 com proteínas entre outros) que acarretam na mudança de sua condutividade podem ser avaliadas [63]. Considerando o primeiro caso, a transferência direta, a probabilidade de tunelamento () depende da espessura do filme sobre a superfície do metal, seguindo a seguinte relação: (1) em que é a espessura do filme, é a massa efetiva do elétron, é a altura da barreira de energia para o tunelamento do elétron e é a constante de Planck (6,63x10-34 m2kg/s). Analisando esta equação, tem-se que a probabilidade de haver tunelamento diminui exponencialmente com o aumento da espessura do filme, lembrando que a dimensão deste filme deve ser inferior a 2nm [63]. Em um processo redox, a medida da velocidade da reação pode ser acompanhada pela corrente catódica ou anódica do sistema. Considerando a corrente catódica de transferência de elétrons, tem-se a seguinte relação: (2) em que é a carga fundamental do elétron, é a constante velocidade, é a densidade de estados ocupados por elétrons no metal e é a densidade de estados vacantes de elétrons redox nas espécies oxidadas hidratadas. Como pode observar, além da densidade dos estados, a velocidade com que este processo ocorre é determinada pela constante de velocidade , dada por: (3) sendo, a velocidade de tunelamento sem o filme sobre o eletrodo. Sendo que a constante de velocidade é proporcional a probabilidade de tunelamento (). Desta relação, pode-se concluir que a corrente de troca anódica/catódica diminui com o aumento da espessura do filme [63]. A Figura 8 ilustra o perfil de corrente em função da energia dos elétrons para um filme fino. 36 Figura 8 - Densidade de estados eletrônicos no eletrodo metálico , no filme semicondutor e nas espécies redox em solução e a corrente de troca redox na transferência de carga em equilíbrio em função da energia dos estados. A corrente de troca apresentada é referente ao eletrodo metálico nu, M, e ao eletrodo coberto com um filme fino. Fonte: Adaptado da ref. [63]. No caso de um filme espesso, as energias das bandas de valência e de condução devem ser consideradas no processo de transferência de carga. Desta maneira, tem-se a corrente de troca referente à banda de condução, iBC, a corrente de troca associada a banda de valência, iBV, e a corrente de troca proveniente do tunelamento dos elétrons pela barreira de cargas espaciais, iCCE [63]. A Figura 9 ilustra esta situação, deixando clara a diferença do perfil de corrente de troca entre os filmes finos e espessos. 37 Figura 9 - Reação de transferência eletrônica de espécies redox solvatadas em equilíbrio em um eletrodo metálico coberto com um filme espesso (F, linha sólida) e com um filme fino (F’, linha pontilhada). Fonte: Adaptado da ref. [63]. O conceito de transferência eletrônica em filmes vem sendo estudado na literatura para moléculas imobilizadas com um sítio redox [64]. 2.4 Transferência eletrônica em moléculas imobilizadas com um sítio redox A transferência de carga pelo DNA acontece pela troca de elétrons/buracos entre um grupo doador e um aceitador destas cargas, configurando a biomolécula como a ponte entre eles. Há várias pesquisas na área que interpretam os resultados em termos da Teoria microscópica de Marcus [65-66], em que a constante de velocidade de transferência eletrônica não adiabática é descrita por: (4) 38 em que é o acoplamento eletrônico, a energia de reorganização e a força motriz do processo de transferência eletrônica. Esta equação pode ser mais simplificada considerando os mecanismos de transferência de carga individualmente. Se o processo de transferência de carga é via tunelamento, mediado pelo mecanismo de superexchange, a constante de velocidade decai exponencialmente [67] e proporcialmente com a distância entre os grupos doador/aceitador pelo fator como se segue: (5) em que torna-se menor com a diminuição da energia livre de injeção da carga e é a distância entre os grupos doador/aceitador. Conforme discutido anteriormente, quando a energia dos estados eletrônicos da ponte é próxima da energia do grupo doador, o tipo de mecanismo passa de superexchange para hopping. Com isso, a relação da constante de velocidade de transferência eletrônica com a distância decai algebricamente [67] com o número de passos do mecanismo e pelo parâmetro (6) no qual é o número de passos e é um valor entre 1 e 2. No artigo de Ihara e colaboradores [68] a identificação de oligonucleotídios modificados com ferroceno é realizada com estas moléculas livres em solução. Se for analisado o sinal voltamétrico apresentado nesse trabalho fica claro que os picos redox observados são provenientes de uma transferência eletrônica direta do ferroceno com o eletrodo. Da mesma forma, Navarro e colaboradores [69] utilizam soluções de oligonucleotídios modificados com ferroceno. Por outro lado, no trabalho de Mearns e colaborados [70], utilizou-se a fita simples de DNA, marcadas com ferroceno, ligadas ao eletrodo de ouro por um braço extensor com o grupo tiol na extremidade para fixá-la. Ao adicionar a fita de DNA alvo complementar ao sistema, o sinal eletroquímico desaparecia. Isto acontecia porque a fita simples de DNA possui flexibilidade de modo que a molécula de ferroceno possa se aproximar do eletrodo, permitindo a transferência eletrônica entre o eletrodo e o ferroceno. Ao 39 adicionar a fita complementar, o DNA se torna rígido e, como consequência, a longa distância impossibilita a ocorrência do processo redox, como pode ser observado no esquema da Figura 10. O artigo de Rai e colaboradores [71] e o trabalho de Anne, Bouchardon e Moiroux [72] utilizam do mesmo princípio para a detecção de DNA. Figura 10 - Esquemático do mecanismo “liga/desliga” do eletrodo modificado com DNA marcado com ferroceno na extremidade 5’. A marca de ferroceno está representada por um círculo preto. Fonte: modificado de Mearns e colaboradores [70]. Como assinalado, não há relatos na literatura até o momento que descrevem o uso do DNA modificado com ferroceno para estudar a transferência de carga através do DNA. Atualmente, há somente trabalhos de monocamadas autoorganizadas de tiol com ferroceno que discutem a transferência eletrônica como é o caso do artigo de Chidsey [73]. A transferência de carga através do DNA é realizada utilizando outros tipos de moléculas. Para as moléculas ligadas covalentemente ao DNA, tem-se estudos com a daunomicina [21, 74], a qual é um intercalador redox ativo e que faz ligação cruzada com o átomo N2 da guanina. Este fato é importante, pois a localização exata de intercalação dentro de um DNA de fita dupla afeta a velocidade de transferência de elétrons através do DNA. Existem também estudos usando o azul do Nilo como sonda redox ou ainda o azul de metileno, o qual é comumente utilizado livre em solução, todavia ele foi utilizado ligado covalentemente a extremidade 5’ no artigo de Pänke, Kirbs e Lisdat [75]. 40 Mesmo não havendo relatos na literatura do estudo da transferência de carga através do DNA marcado com a molécula de ferroceno, este tipo de marcação possui a vantagem de ser independente do pH [76], propriedade que não possuem as moléculas intercalantes discutidas neste parágrafo. A forma como o ferroceno deve estar ligado covalentemente ao DNA é muito importante se a finalidade é utilizá-lo como uma sonda no estudo da transferência de carga através da biomolécula. No artigo de Gorodetsky e colaboradores [77] foram testados para 2 moléculas sonda (antraquinona e 2,2,6,6-tetrametilpiperidina 1-oxil) duas formas de ligação (acetileno ou saturada) ao DNA e avaliado o sinal voltamétrico de onda quadrada para o sistema sem e com um erro no pareamento das bases nitrogenadas. Quanto maior o acoplamento (uso da ligação acetileno) entre o DNA e a molécula sonda, maior é a conjugação da ligação e, consequentemente, maior o sinal eletroquímico. Desta maneira, a distinção entre o DNA com e sem erro no pareamento é mais evidente, ficando clara a importância do acoplamento da sonda redox com o oligonucleotídio. 2.5 Espectroscopia de Impedância eletroquímica O termo impedância foi cunhado por Oliver Heaviside em 1872 para o tratamento de circuitos elétricos [78] e pode ser definido como a resistência ao fluxo de corrente alternada. Dependendo do elemento de circuito, ela pode ser uma resistência (resistor), reatância capacitiva (capacitor) ou ainda uma reatância indutiva (indutor). A espectroscopia de Impedância eletroquímica (EIE) é uma técnica na qual a aplicação de uma perturbação senoidal de potencial ou corrente gera um sinal também senoidal de corrente ou potencial, respectivamente, e a razão entre o potencial e a corrente, na mesma frequência, é definida como impedância. O tratamento dos resultados da EIE está baseado na teoria de sistemas lineares, em que a resposta frente à perturbação senoidal é linear. Além desta condição para a realização das medidas de EIE, a linearidade, tem-se ainda que existir estabilidade do sistema. Durante todo o intervalo de medida, o sistema não pode estar fora do equilíbrio ou do estado estacionário. Em adição, a medida deve 41 ser realizada de tal maneira que não exista variação de impedância causada por fatores externos não controlados (ex: interferência da luz proveniente da iluminação artificial). Desta maneira, a causalidade, a terceira condição para ter confiabilidade dos dados obtidos, diz que o espectro de impedância não deve variar mesmo com a mudança no sentido de varredura de frequência (da maior para a menor ou vice- versa) [79]. Esta técnica não é unívoca. Isto quer dizer que somente ela não é capaz de reconhecer entidades elétricas ou identificar tipos de mecanismos, necessitando do auxílio de outras técnicas para vislumbrar amplamente um sistema elétrico/eletroquímico [80-81]. Contudo, ela fornece uma grande riqueza de detalhes em estudos de fenômenos de interface. Com diferenças de resistência entre as fases devido às mudanças de natureza química e/ou estrutural, há o acúmulo de cargas nas interfaces que podem ser polarizadas. Os diferentes tipos de dipolos que são cargas espaciais (provenientes de acúmulo de cargas em interfaces), dipolar (que tem origem de momentos de dipolo permanente), iônico (da polarização do par cátion-ânion) ou eletrônico (associado ao efeito de polarizabilidade em sistemas pontuais - átomos e íons - ou às distribuições de densidade de estados em sistemas mais extensos - moléculas e sólidos) [82]. Devido à natureza do dipolo, a resposta frente a um campo elétrico senoidal será diferente para cada um, sendo os primeiros citados os que mais demoram em responder. Com esta técnica pode-se estudar materiais dielétricos, baterias, células a combustível e muitos outros dispositivos elétricos ou eletroquímicos [81]. Para cada tipo de sistema, um parâmetro elétrico está em maior evidência. A capacitância para os materiais dielétricos, a condutividade em células a combustível e a resistência em varistores [83]. Diante deste fato, observa-se que às vezes a resistência, ou impedância quando aplicado uma perturbação senoidal, não é a melhor abordagem para investigar um dado sistema. A EIE, uma técnica de resposta em frequência, é expressa por uma função cuja forma complexa é dada por: ZjZZ  (7) 42 que é denominada de maneira geral como função de imitância. Existem outras três funções típicas relacionadas com a impedância [80, 83]. A admitância Y é uma delas e é igual ao inverso da função de impedância Z , portanto: YjYjBGj Z Y      1 (8) sendo G e B denominados condutância e susceptância, respectivamente, e 'Y e ''Y representam, nesta ordem, a parte real e imaginária da admitância. A partir da equação anterior é possível definir a capacitância complexa como sendo:         YjC 1 (9)   CjC Y j Y C                  (10) em que  é freqüência angular e 'C e ''C representam a parte real e imaginária da capacitância complexa. E o módulo elétrico M é dado por: MjMZjM    (11) tal que M  e M  representam a parte real e imaginária do módulo elétrico, respectivamente. Além dos espectros de impedância, neste trabalho foram bastante utilizados os espectros de capacitância complexa nos planos de Nyquist (parte imaginária em função da parte real) e Bode (parte imaginária ou real em função da frequência). Além da descrita anteriormente, a relação entre estas funções de imitância pode ser dada por: Z   1 j  C (12) em que é a frequência angular e o número complexo. Da mesma maneira, a capacitância complexa pode ser dada pela relação: 43 Neste caso, é usa no lugar de devido ao fato de poder possuir uma componente resistiva além da componente capacitiva e não haver uma componente indutiva. Portanto, . Substituindo esta equação naquela anterior, tem-se: Rearranjando-a, o resultado pode ser expresso em termos da parte real e imaginária: Desta maneira, tem-se que: e (13) no qual é o módulo de . Os detalhes estão apresentados em Adendo. O uso capacitância ao invés da impedância em alguns trabalhos na literatura pode referenciar a espectroscopia como espectroscopia de capacitância [64, 84] ou ainda espectroscopia dielétrica [85]. 2.5.1 Capacitância: eletrostática, redox, química e quântica A capacitância é uma grandeza que mede a energia elétrica acumulada em um capacitor. Ela é igual à quantidade de carga acumulada por unidade de potencial aplicado, sendo a unidade de capacitância o Faraday, F. O modelo clássico de capacitor é descrito por um par de placas metálicas planas e paralelas a uma dada distância uma da outra e o acúmulo de cargas é obtido pela aplicação de uma diferença de potencial elétrico entre as placas, conforme ilustrado na Figura 11a. A capacitância deste caso é denominada de capacitância eletrostática. 44 Figura 11 - Ilustração (a) do modelo clássico de capacitor de placas metálicas planas e paralelas e (b) do processo de polarização do dielétrico com o campo elétrico ligado. a) b) Fonte: ref. [86] para Figura 11a e ref. [87] para Figura 11b. A capacitância de um capacitor pode ser alterada sem qualquer mudança na diferença de potencial e isto é obtido pela adição de um dielétrico entre as placas do capacitor. Ao ser adicionado, as entidades polarizáveis são polarizadas com o campo elétrico ligado, conforme mostra a Figura 11b, o que resulta em um campo elétrico induzido dentro do dielétrico. Desta maneira, o campo elétrico resultante dentro do capacitor diminui e, consequentemente, a relação carga/potencial aumenta, i.e., a capacitância do capacitor aumenta. Além da inserção do dielétrico, a variação da geometria do capacitor provoca mudança de capacitância pela seguinte relação: (14) em que é a constante dielétrico, a permissividade no vácuo, e são a área e a distância entre as placas do capacitor, respectivamente. Em um sistema eletroquímico, a capacitância pode surgir de diferentes fontes. Ao adicionar um eletrodo sólido em uma solução aquosa, por exemplo, a anisotropia de forças na região interfacial conduz a uma redistribuição das espécies eletrolíticas nas proximidades do eletrodo, carregando a região de interface e induzindo uma carga no eletrodo. Desta maneira, tem-se uma camada com cargas no eletrodo e 45 outra na solução, constituindo o que se denomina de dupla camada elétrica [88]. A estrutura da dupla camada elétrica pode ser descrita por diferentes modelos, os quais estão ilustrados na Figura 12. O modelo de Helmholtz-Perrin descreve a dupla camada elétrica como um capacitor de placas paralelas, em que as cargas (íons solvatados) estão fixas a uma dada distância do eletrodo, estando elas localizadas no Plano Externo de Helmholtz [89]. Figura 12 - Ilustração de modelos de dupla camada elétrica para realçar o acúmulo de cargas na região próxima ao eletrodo. Fonte: Autor. O modelo de Helmholtz-Perrin foi exemplificado para mostrar o comportamento clássico de um capacitor. Contudo, quando o acúmulo de carga tem origem de uma reação eletroquímica, ou faradaica (eletroadsorção, processos de intercalação ou reações redox), o sistema eletroquímico é denominado de pseudocapacitor, como descrito na literatura [90-91]. Os dispositivos de armazenamento de energia como os polímeros condutores e os óxidos metálicos são exemplos de pseudocapacitores [92-93]. Trabalhos na literatura descrevem este 46 tipo de capacitância como capacitância redox, sendo ilustrado na Figura 13 um sistema cujo processo faradaico envolve mediadores biológicos [94]. Figura 13 - Ilustração de um sistema de capacitância redox envolvendo mediadores biológicos no processo faradaico. Fonte: Referência [95]. Recentemente, Bueno e colaboradores [64] descreveram, para uma camada autoorganizada com um centro eletroativo ancorado nela (denominada de camada eletroativa), como separar a contribuição de capacitância redox da capacitância eletrostática por medidas de EIE. Vários trabalhos vêm utilizando deste tratamento de dados na aplicação de biossensores [96-98] e os seus detalhes foram apresentados logo a seguir. O carregamento da monocamada eletroativa ocorre quando um potencial é aplicado dentro da janela redox da espécie eletroativa adsorvida. Elétrons são injetados do metal na monocamada e a densidade de estados redox da espécie eletroativa ficam ocupados, em que esta ocupação depende da distribuição do nível de Fermi no metal [64]. Assim sendo, a capacitância redox pode ser expressa por: (15) 47 tal que é igual ao grau de cobertura molar (mol/cm2), é a carga elétrica fundamental e é a função de distribuição de Fermi-Dirac dos elétrons do metal, dada por: (16). A equação diferencial anterior pode ser equacionada como: (17). O processo redox somente acontece quando existe um acoplamento (sobreposição) das bandas de valência/condução com a densidade dos estados (por definição, a densidade de estados (DOS ou quando é uma função do potencial) é o número de estados por unidade de energia e por unidade de volume) eletrônicos s da espécie redox: (18), resultando na equação de capacitância redox por área (19) ou (20). Desta maneira, a integral da curva de em função do potencial será diretamente proporcional a DOS da molécula redox, como ilustrado na Figura 14. Esta curva pode ser ajustada como uma distribuição de Gauss por: (21) 48 Figura 14 - Curva de capacitância em função do potencial. Esta representação permite associar a área da curva com DOS da espécie redox ancorada sobre o eletrodo metálico. Fonte: referência [99]. Dos tipos de capacitância, ainda pode ser citada a capacitância eletroquímica ou também chamada de capacitância quântica. O termo capacitância quântica foi primeiramente utilizado por Serge Luryi [100]. Por definição, ela é expressa por: (22) sendo a carga elétrica fundamental e a densidade de estados eletrônicos, DOS. Este tipo de capacitância tem origem na distribuição da densidade eletrônica do material. Em capacitores metálicos a contribuição é somente eletrostática quando há injeção ou drenagem de elétrons. Todavia, para capacitores com características semicondutoras, além da contribuição eletrostática, existe um aumento ou diminuição da densidade eletrônica da banda (preenchimento ou retirada de elétrons dos orbitais moleculares de fronteira). Estas são carregadas com velocidade diferente do capacitor puramente eletrostático e, como consequência, há o surgimento da capacitância química (ou quântica) em série com a capacitância eletrostática. Em dispositivos elétricos, a capacitância quântica possui o nome de 49 capacitância parasita, pois é indesejada para as aplicações ao qual foram projetadas [101]. De acordo com Bueno e Davis [102], em sistemas de filmes moleculares com um centro redox imobilizado, a capacitância redox (discutida na seção anterior) possui uma contribuição relacionada com a separação de carga advinda da reação eletroquímica, a capacitância eletrostática , e outra que surge do acoplamento entre os estados quantizados de energia da molécula com o DOS do eletrodo metálico, a capacitância quântica . Desta maneira, a capacitância do sistema possui duas contribuições que estão em série: (23) Em nível molecular, a capacitância eletrostática é muito maior do que a quântica e, como consequência, a capacitância equivalente (capacitância redox) é praticamente a capacitância quântica. Esta está associada com a redistribuição eletrônica dos elétrons e com a DOS, sendo definida como [103]: (24) em que e são as densidades de estados do eletrodo metálico e do grupo redox acoplado à monocamada (ferroceno), respectivamente. Como >> , a equação anterior reduz a: (25). Todavia, conforme os autores do trabalho, ao invés de níveis de estados discretos, uma situação mais realística de estados de energia são distribuídos, dada por uma Gaussiana: (26) com a distribuição de , que é a energia dos estados aceitadores A, e o desvio padrão . Uma vez que a dependência de sobre as energias (i.e., , o potencial 50 eletroquímico dos estados doadores) é experimentalmente obtida, consequentemente a densidade eletrônica é obtida com a integração da curva de Gauss do DOS sobre todo o intervalo de energias [64]. O filme molecular é similar a um canal quântico, o qual liga os reservatórios de elétrons do eletrodo metálico e do grupo ferroceno. O transporte do elétron pelo canal começa com a transmissão por um dos reservatórios, chamado de fonte. Ao passar para o condutor quântico, outro nome dado ao canal, a resistência elétrica é dada pela forma de condução. Em uma condição ideal, o transporte eletrônico é balístico (também chamado de transporte coerente), i.e. o elétron atravessa o canal com resistência elétrica desprezível, caracterizando-o como um sistema adiabático. Na realidade, contudo, existe um sistema não adiabático, em que existe espalhamento da onda (na descrição ondulatória do elétron). Ao transferir elétrons de um reservatório para outro, existe um acúmulo de cargas em um dos reservatórios, descrito por uma capacitância, e a velocidade de transferência dada pela resistência/condutância do canal quântico. Conforme as relações das funções de imitância pode-se relacionar a capacitância imaginária e a condutividade real pela frequência angular : (27) mostrando que são diretamente proporcionais. Rolf Landauer, em 1957, foi o primeiro a sugerir uma fórmula, a fórmula de Landauer, que relacionasse a resistência elétrica com as propriedades de espalhamento do condutor quântico [104] (27) em que é a condutância quântica, é o quantum de condutância e os autovalores de transmissão do canal quântico. Há trabalhos que discutem o transporte quântico do DNA em meio ambiente dissipativo [105-106]. Existem vários conceitos da área quântica para descrever os mecanismos de condução pelo DNA como, por exemplo, o mecanismo superexchange em que ocorre o tunelamento do elétron do grupo doador para o grupo aceitador através do DNA [107]. Além disso, 51 há trabalhos que buscam entender a condução elétrica desta biomolécula estudando sua densidade de estados eletrônicos [108] ou coeficiente de transmissão [31, 109] para identificar a influência da sequência de bases nitrogenadas [110-111] ou a conformação da estrutura [112]. No trabalho de Bueno e Davis [102] um filme molecular com um sítio redox foi descrito por um modelo de capacitância quântica em que se pode associar a resistência à transferência de carga das medidas de EIE com a resistência de um canal quântico , definido como: (28) sendo a constante de Planck e a carga fundamental do elétron. 2.5.2 Imobilização de Moléculas de DNA A primeira etapa da confecção de um genossensor baseado em DNA é a imobilização do fragmento do DNA alvo. Na imobilização, é importante saber o grau de recobrimento desta biomolécula na superfície, pois ele pode ser adequado para proporcionar maior sinal elétrico (elevado grau de recobrimento) ou para facilitar a interação com proteínas (baixo grau de recobrimento). Steel, Herne e Tarlov [113] monitoraram o processo de imobilização de DNA por métodos eletroquímicos. Os resultados de cronocoulometria do trabalho forneceram dados para calcular o grau de recobrimento de fitas simples e duplas de DNA e também para associar a eficiência do processo de hibridização das fitas de DNA com o grau de recobrimento. O princípio da técnica cronocoulométrico consiste em contar a quantidade de carga fornecida para a reação de óxido-redução de uma espécie eletroativa marcadora que foi trocada pelo contra íon dos resíduos fosfatos do ácido nucléico. Após a imobilização do DNA modificado com um grupo tiol em uma de suas extremidades, ainda restarão espaços no eletrodo para que ocorram reações eletroquímicas, pois o grau de recobrimento em qualquer situação será sempre menor do que 100% (na prática, sempre menor que aproximadamente 75%). Neste contexto, é interessante ter conhecimento de como as espécies químicas em solução permeiam esta monocamada autoorganizada de DNA. Li et al. [114] fizeram 52 o estudo de permeabilidade em monocamadas autoorganizadas de DNA obtidas em diferentes concentrações de NaCl, todavia os resultados indicaram que o sistema não era sensível a mudança de concentração do sal. O que acontecia era apenas a diminuição da capacitância do sistema com a imobilização do DNA. Contudo, o grau de recobrimento do DNA mostrou ser maior com o aumento da concentração de NaCl. Isto ocorre devido à neutralização dos grupos fosfatos por íons Na+, possibilitando maior aproximação entre as moléculas de DNA e possibilitando um número maior de moléculas imobilizadas por área. No estudo da condutividade elétrica do DNA, a superfície do eletrodo em que a biomolécula está ancorada não pode sofrer processos redox, pois, caso contrário, o sinal eletroquímico não será dado exclusivamente pelo DNA. Desta maneira, a superfície do eletrodo deve ser bloqueada para evitar a transferência eletrônica. Os trabalhos nesta área de pesquisa normalmente utilizam moléculas de tiol, como o 6- mercapto-1-hexanol, por exemplo, para tal finalidade. Arinaga e colaboradores [115] estudaram o que acontecia com uma monocamada de DNA simples fita sobre uma superfície de ouro quando era adicionada uma solução de 6-mercapto-1-hexanol (MHO). Na adição do MHO ao eletrodo com a monocamada de DNA ocorre um efeito de mudança de conformação do ácido nucleico. Com a imobilização de MHO, elétrons são injetados no substrato pela formação da ligação entre o grupo SH do MHO com o ouro. A carga negativa injetada no eletrodo provoca a repulsão dos grupos fosfatos do DNA da superfície e, assim, a molécula dessorve e fica na posição normal em relação ao eletrodo. Após 30 h de imobilização de MHO, uma parte das moléculas de DNA retornam a sua orientação inicial que é paralela a superfície do substrato. Uma segunda adição de MHO ao sistema induziu novamente o aparecimento de cargas negativas à superfície do eletrodo e, portanto, a reorientação das moléculas de DNA. No entanto, após a segunda imobilização não foi observada a reorientação do DNA. Contudo existiu uma variação da carga superficial na segunda imobilização do MHO, indicando a presença de espaços não preenchidos que poderiam ter sido formados pela dessorção de moléculas durante a estocagem. Em suma, a conformação das moléculas de DNA é governada pelas interações elétricas com o eletrodo que suporta estas moléculas, sendo que 53 mudanças na carga da superfície, seja por adsorção de moléculas ou por potencial externo aplicado, alteram a adsorção da biomolécula [115]. A conformação dos desoxirribonucleicos suportados em eletrodos também foi discutida por Gorodetsky, Buzzeo e Barton [44]. No artigo discute-se a caracterização da superfície por diferentes técnicas: marcação radioativa, microscopias de tunelamento de varredura e de força atômica. As técnicas de microscopia trazem informações detalhadas sobre a orientação da biomolécula com o potencial do eletrodo em que a aplicação de potenciais negativos as moléculas ficam perpendiculares à superfície, potenciais positivos as moléculas permanecem “deitadas” sobre o eletrodo e em potenciais de circuito aberto as moléculas são orientadas em aproximadamente 45o. Este processo de orientação da molécula de DNA foi descrito com base no artigo de Kelley e colaboradores [116] que mostraram também o efeito do potencial aplicado à monocamada com um excelente grau de cobertura (100%) e com grau de cobertura mediano (60%). Como anteriormente comentado, a molécula de tiol serve para bloquear a superfície do eletrodo exposta de maneira que a resposta eletroquímica deste seja suprimida, obtendo apenas o sinal eletroquímico do material biológico que, nesta pesquisa, é o DNA. No entanto, nos artigos científicos é mais comum referir-se a espaçador ao invés da denominação de bloqueador. Só se pode colocar a palavra espaçador em um dado contexto caso haja a imobilização simultânea da biomolécula e a molécula espaçadora. Por exemplo, em uma solução utilizada para modificar uma superfície de ouro contendo 6-mercaptohexan-1-ol e moléculas de DNA modificados com um grupo tiol, a molécula de tiol pode ser considerada uma molécula espaçadora. Levando em consideração a diferença entre molécula bloqueada e espaçadora, discernida no parágrafo acima, o trabalho de Keighley e colaboradores [117] é um exemplo do uso de moléculas de tiol como espaçador. O objetivo desse trabalho foi otimizar a imobilização de DNA fita simples (ss-DNA) para identificar o processo de hibridização por espectroscopia de impedância eletroquímica sem qualquer uso de marcadores, visando a eficiência do processo de hibridização. Para tal, a razão da concentração entre o DNA e o tiol foi variada. O aumento desta razão 54 provoca um incremento na densidade superficial (também denominado de grau de recobrimento) de ss-DNA imobilizada, sendo que este incremento é praticamente linear de baixas razões até razão igual a 0,5. Este valor fornece o maior grau de recobrimento da superfície com o ss-DNA e acima dele o grau de recobrimento diminui. A eficiência no processo de hibridização diminui com o aumento da densidade superficial, existindo uma região intermediária em que a eficiência é praticamente igual mesmo havendo aumento na densidade superficial da fita simples de DNA. Um gráfico de porcentagem da variação da resistência à transferência de carga durante o processo de hibridização em função da razão de concentrações entre DNA e tiol forneceu um valor ótimo de 20% de DNA na fração de concentrações molares, correspondendo a uma densidade superficial de 5,4 x 1012 moléculas/cm2 [117]. 3 OBJETIVOS Mostrar a possibilidade de diferenciar a condutividade elétrica de moléculas de DNA imobilizadas em eletrodos metálicos por meio dos espectros de impedância e capacitância eletroquímica, apoiando-se nos voltamogramas cíclicos. Como objetivo específico, aplicar duas metodologias para realizar as medidas de impedância. A primeira foi baseada no agente intercalante azul de metileno (MB), comumente usado na literatura para obter diferenças de condução elétrica para os DNAs com distinta propriedade elétrica. A segunda metodologia foi focada na modificação da fita dupla de DNA com o grupo ferroceno para distinguir a resistência elétrica de cada fita dupla de DNA. 4 PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL A metodologia encontra-se dividida em duas partes: a primeira corresponde àquela utilizada para investigar a resposta eletroquímica da monocamada de DNA e de tiol em solução de azul de metileno e a segunda refere-se às medidas eletroquímicas em monocamadas de DNA modificadas com um grupo ferroceno. 55 4.1 Monocamadas de tiol e de DNA em solução de azul de metileno 4.1.1 Materiais O sistema eletroquímico de 3 eletrodos utilizado neste trabalho consistiu em: eletrodo de trabalho de disco rotativo de ouro da Metrohm (diâmetro de 2mm); contra-eletrodo de fio, em espiral, de Pt (área igual a 1,89cm2); e eletrodo de referência Ag|AgCl (KCl 3mol/L). A célula eletroquímica usada foi um béquer de vidro (volume total de aproximadamente 10mL) contendo uma tampa plástica com furos correspondentes às posições de cada eletrodo, fixando, assim, as distâncias entre eles. Este sistema foi usado em todas as medidas eletroquímicas. Todas as soluções aquosas utilizadas em todos os experimentos foram desaeradas pelo borbulhamento de N2 por 5 min antes de qualquer medida eletroquímica. Os materiais utilizados foram: água ultra pura (H2O Milli-Q, Simplicity® UV, Millipore, resistividade ≥ 18.2MΩ cm a 298K), etanol absoluto puro sem aditivos (Fluka® Analytical), NaCl ≥ 99,5% (Sigma®), KH2PO4 (Sigma-Aldrich), Na2HPO4.12H2O ≥ 99,0% (Sigma-Aldrich), 6-mercapto-hexan-1-ol 97% (Sigma- Aldrich) e azul de metileno > 82% (Sigma-Aldrich). Os oligonucleotídios que foram utilizados possuem 20 bases nitrogenadas. Os oligonucleotídios purificados por HPLC (sigla em inglês de cromatografia líquida de alta eficiência – High- Performance Liquid Cromathography), com as seguintes sequências de bases nitrogenadas, foram adquiridos da empresa Sigma-Aldrich: - HS(C6)5’-AAA AAA AAA AAA AAA AAA AA-3’ - 5’-TTT TTT TTT TTT TTT TTT TT-3’ - HS(C6)5’-CGG GGC GGG GCG GGG CGG GG-3’ - 5’CCC CGC CCC GCC CCG CCC CG-3’ Cada fita simples de DNA será denominada de ss-DNA (termo em inglês, single-stranded DNA) e a fita dupla de ds-DNA (termo em inglês, double-stranded DNA). A sequência de DNA com adenina e timina será chamada doravante DNA 56 isolante (ds-DNAi) e a aquela com guanina e citosina será denominada de DNA condutor (ds-DNAc). A hibridização da fita de ss-DNA tiolada com a sua fita simples complementar foi realizada no termociclador PTC-100TM Programmable Thermol Controller, de MJ Research, Inc., a 72oC e resfriada lentamente. Para isto, uma alíquota de 5-10L da solução de DNA foi adicionada a um tubo de 0,5mL e adicionada solução de MgCl2 0,5mol/L para obter uma solução de ds-DNA final de concentração igual a 300nmol/L pelo processo de hibridização. 4.1.2 Preparação do eletrodo de trabalho Antes da imobilização de qualquer tipo de molécula na superfície de eletrodos de disco de ouro (2mm de diâmetro, Metrohm), a superfície deve ser polida manualmente com suspensões de Al2O3 de maior para menor granulometria (1μm; 0,3μm e 0,05μm) e lavada em banho ultrassônico por 10min em água ultrapura. Os eletrodos então foram tratados eletroquimicamente em solução de NaOH 0,5mol/L (intervalo de 0 a -1,5V vs Ag|AgCl em velocidade de varredura de 100mV/s, 200 ciclos) e em solução de H2SO4 0,5mol/L (intervalo de -0,2 a 1,5V Ag|AgCl em velocidade de varredura de 100mV/s, 25 ciclos), sendo este também chamado de limpeza eletroquímica [118]. A descrição detalhada dos fenômenos que ocorrem no tratamento eletroquímico está apresentada logo a seguir e podem ser encontrada em livros de eletroquímica [88]. Na dessorção redutiva (tratamento eletroquímico em NaOH) é um procedimento utilizado para remover espécies da superfície pela redução eletroquímica desta espécie. As espécies contendo o grupo tiol (-SH) que estão imobilizadas na superfície do eletrodo de ouro são agentes de transferência de prótons na evolução catódica de hidrogênio e é descrita pelas seguintes etapas de reação: e no qual a molécula contendo o grupo tiol é consumida. Contudo, ela pode ser regenerada a partir da reação química de doação de prótons por ou [2]. 57 (meio ácido) (meio neutro