Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Biociências – Câmpus de Botucatu Programa de Pós-graduação em Biometria Modelagem fracionária da dinâmica de células tumorais mamárias e imunes Eliana Aya Sasaki Botucatu 2023 Eliana Aya Sasaki Modelagem fracionária da dinâmica de células tumorais mamárias e imunes Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa Pós-graduação em Biometria da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Biometria. Orientador: Prof. Dr. Rubens de Figueiredo Camargo Coorientador: Prof. Dr. Paulo Fernando de Arruda Man- cera Botucatu 2023 Palavras-chave: Cálculo fracionário; Câncer de mama; Modelagem fracionária; Modelagem matemática; Sistema imune. Sasaki, Eliana Aya. Modelagem fracionária da dinâmica de células tumorais mamárias e imunes / Eliana Aya Sasaki. - Botucatu, 2023 Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Instituto de Biociências de Botucatu Orientador: Rubens de Figueiredo Camargo Coorientador: Paulo Fernando de Arruda Mancera Capes: 90100000 1. Mama - Câncer. 2. Sistema imune. 3. Doenças imunológicas. 4. Cálculo fracionário. DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CÂMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE-CRB 8/5651 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Botucatu ATA DA DEFESA PÚBLICA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DE ELIANA AYA SASAKI, DISCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOMETRIA, DO INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - CÂMPUS DE BOTUCATU. Aos 31 dias do mês de março do ano de 2023, às 14:00 horas, no(a) Laboratório de Informática do Departamento de Biodiversidade e Bioestatística do Instituto de Biociências de Botucatu, realizou-se a defesa de DISSERTAÇÃO DE MESTRADO de ELIANA AYA SASAKI, intitulada Modelagem fracionária da dinâmica de células tumorais mamárias e imunes. A Comissão Examinadora foi constituida pelos seguintes membros: Prof. Dr. RUBENS DE FIGUEIREDO CAMARGO (Orientador(a) - Participação Presencial) do(a) Departamento de Matematica / Faculdade de Ciencias de Bauru UNESP, Profa. Dra. DANIELA RENATA CANTANE (Participação Presencial) do(a) Departamento de Biodiversidade e Bioestatistica / Instituto de Biociencias de Botucatu UNESP, Profa. Dra. DANIELA DOS SANTOS DE OLIVEIRA (Participação Virtual) do(a) Departamento de Matemática / Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Câmpus São José dos Campos. Após a exposição pela mestranda e arguição pelos membros da Comissão Examinadora que participaram do ato, de forma presencial e/ou virtual, a discente recebeu o conceito final:_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Nada mais havendo, foi lavrada a presente ata, que após lida e aprovada, foi assinada pelo(a) Presidente(a) da Comissão Examinadora. Prof. Dr. RUBENS DE FIGUEIREDO CAMARGO Instituto de Biociências - Câmpus de Botucatu - Rua Doutor Antonio Celso Wagner Zanin, s/nº, 18618970 http://www.ibb.unesp.br/#!/pos-graduacao/biometria/CNPJ: 48031918002259. A P R O V A D A Aos que contribuíram e contribuem com a completude do meu inacabamento e a todas as pessoas que enfrentam a batalha contra o câncer, dedico-lhes este trabalho. Agradecimentos A minha mãe por todo o amor e incentivo que foi fundamental para que eu conseguisse seguir em frente, superando os obstáculos que surgiram no decorrer desta caminhada e ao meu pai, que acredita incondicionalmente em mim. Aos meus amigos que até hoje me acompanham e àqueles que tive o prazer de conhecer na pós-graduação. Obrigada pela amizade, suporte afetivo e encorajamentos. Valorizo as trocas e os momentos que juntos compartilhamos, foram imprescindíveis para o meu crescimento. A Maria Eliza Antunes e Milena Rodrigues Maciel que colaboraram com este estudo. Ao meu orientador Prof. Dr. Rubens de Figueiredo Camargo, pelos conhecimentos e paciência que sempre teve comigo. Obrigada pela confiança depositada neste trabalho e pelas oportunidades de crescimento para além do ramo acadêmico. Ao meu coorientador Prof. Dr. Paulo Mancera pelo empenho e atenção. Suas criativas sugestões e valiosas contribuições foram fundamentais para o desenvolvimento do presente estudo. A todos os professores que de algum modo participaram além da minha formação como matemática. À CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pelo apoio financeiro. Ao Programa de Pós-Graduação em Biometria, por todo o acolhimento e oportunidade para aprender e me desenvolver na área. A todos aqueles que me motivaram e contribuíram para a realização deste trabalho que marcaram o meu percurso pessoal e acadêmico. O meu profundo agradecimento pela possibilidade de aprender e contribuir. What distinguishes a mathematical model from, say, a poem, a song, a portrait or any other kind of "model,"is that the mathematical model is an image or picture of reality painted with logical symbols instead of with words, sounds or watercolors. John L. Casti Resumo Todos os anos, milhares de mulheres são diagnosticadas com câncer de mama, que é a principal causa de morte por câncer na população feminina em todas as regiões do Brasil. Modelos matemáticos são importantes para a pesquisa do câncer, permitindo a projeção e análise de diferentes cenários. Este trabalho discute a modelagem via equações diferenciais de ordem não inteira, baseada na teoria do Cálculo Fracionário. Para tanto, realiza-se o estudo de um modelo matemático de linhagem celular de câncer de mama MCF-7, a fim de descrever o crescimento tumoral, bem como as interações tumor-imune e tumor-estradiol. Com esse modelo matemático de ordem inteira, uma versão fracionária é apresentada e a análise de estabilidade do ponto de equilíbrio livre do tumor é realizada. Por fim, a simulação numérica através do método numérico de Adams Bashforth-Moulton generalizado para modelos fracionários mostrou que uma diminuição na ordem da derivada fracionária exibe, em alguns casos, uma mudança na dinâmica de células tumorais e imunes. Palavras-chave: Câncer de Mama, Sistema Imune, Modelagem Matemática, Modelagem Fracio- nária, Cálculo Fracionário. Abstract Every year, thousands of women are diagnosed with breast cancer, which is the leading cause of cancer death in the female population in all regions of Brazil. Mathematical models are important for cancer research, allowing the projection and analysis of different scenarios. This work discusses modeling via non integer differential equations, based on the theory of fractional calculus. To this end, a mathematical model of MCF-7 breast cancer cell line is studied in order to describe tumor growth, as well as tumor-immune and tumor-estradiol interactions. With this integer mathematical model, a fractional version is presented and the stability analysis of the free equilibrium point of the tumor is performed. Finally, numerical simulation using the generalized Adams Bashforth-Moulton numerical method for fractional models showed that a decrease in the order of the fractional derivative exhibits, in some cases, a change in the dynamics of tumor and immune cells. Keywords: Breast Cancer, Immune System, Mathematical Modeling, Fractional Modeling, Fractional Calculus. Lista de figuras Figura 1 – Taxas de incidência do câncer de mama padronizadas por idade em todo o mundo por 100.000 pessoas-ano (GLOBOCAN, 2020). . . . . . . . . . . . 2 Figura 2 – Taxas de mortalidade do câncer de mama padronizadas por idade em todo o mundo por 100.000 pessoas-ano (GLOBOCAN, 2020). . . . . . . . . . . . 2 Figura 3 – Taxas de mortalidade do câncer de mama no Brasil, ajustadas por idade e regiões no período de 1980 até 2020 (INCA, 2020b). . . . . . . . . . . . . . 3 Figura 4 – Taxas de mortalidade do câncer de mama no Brasil, ajustadas por faixa etária e por cem mil mulheres, de 1980 a 2020 (INCA, 2020b). . . . . . . . . . . . 4 Figura 5 – Hallmarks do câncer (HANAHAN; WEINBERG, 2000; HANAHAN; WEIN- BERG, 2011). Criado com BioRender.com. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 Figura 6 – Reprodução da figura apresentada no estudo de Wei (2019) usando uma função E(t) encontrada em (2.1). Os níveis de estradiol são mostrados ao longo do período menstrual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Figura 7 – Captura de tela da figura produzida por Wei (2019) para fins de comparação. A figura mostra as concentrações de estradiol ao longo do ciclo menstrual. . 19 Figura 8 – Tumor de 106 células e população de células imunes saudáveis com valores de parâmetro listados na Tabela 2 e condições iniciais dadas na Tabela 3. . . 34 Figura 9 – Tumor de 2×106 células e população de células imunes saudáveis com valores de parâmetro listados na Tabela 2 e condições iniciais dadas na Tabela 3. . . 35 Figura 10 – Tumor de 4×106 células e população de células imunes saudáveis com valores de parâmetro listados na Tabela 2 e condições iniciais na Tabela 3. . . . . . 36 Figura 11 – Segunda resposta imune contra um tumor de 2 × 106 células. Valores de parâmetro listados na Tabela 2 e condições iniciais dadas na Tabela 3. . . . . 37 Figura 12 – Tumor de 4 × 106 células sob influência da citotoxicidade dos CTLs, com valores de parâmetro e condições iniciais dadas na Tabela 3. . . . . . . . . . 39 Figura 13 – Tumor de 3 × 107 células sob influência da citotoxicidade dos CTLs com valores de parâmetros e condições iniciais dadas na Tabela 3. . . . . . . . . 40 Figura 14 – Tumor de 2 × 105 células e população de células imunes com linfopenia leve de NK. Condições iniciais dadas na Tabela 3. . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Figura 15 – Tumor de 106 células e população de células imunes com linfopenia leve de NK. Condições iniciais dadas na Tabela 3. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Figura 16 – Tumor de 2 × 105 células e população de células imunes com linfopenia grave de NK. Condições iniciais dadas na Tabela 3. . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Figura 17 – Tumor de 2×105 células e população de células imunes enfraquecidas usando valores de parâmetro e condições iniciais, dados na Tabela 3. . . . . . . . . 45 Figura 18 – Tumor de 106 células e população de células imunes enfraquecidas usando valores de parâmetro e condições iniciais, dados na Tabela 3. . . . . . . . . 46 Figura 19 – Tumor de 2×106 células e população de células imunes enfraquecidas usando valores de parâmetro e condições iniciais, dados na Tabela 3. . . . . . . . . 47 Figura 20 – Tumor de 4×106 células e população de células imunes enfraquecidas usando valores de parâmetro e condições iniciais, dados na Tabela 3. . . . . . . . . 48 Figura 21 – Tumor de 106 células e população de células imunes com um aumento de 10 vezes no nível de estradiol circulante e condições iniciais dadas na Tabela 3. 49 Figura 22 – Tumor de 2 × 106 células e população de células imunes com um aumento de 10 vezes no nível de estradiol circulante e condições iniciais dadas na Tabela 3. 50 Figura 23 – Tumor de 4 × 106 células e população de células imunes com um aumento de 10 vezes no nível de estradiol circulante e condições iniciais dadas na Tabela 3. 51 Figura 24 – Tumor de 2 × 106 células e população de células imunes com um aumento de 100 vezes no nível de estradiol circulante e condições iniciais dadas na Tabela 3. 52 Lista de tabelas Tabela 1 – Quadro comparativo com as principais diferenças entre tumores benignos e malignos, com base na revista brasileira de cancerologia do Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2020b). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Tabela 2 – Valores dos parâmetros, descrição e unidades segundo (WEI, 2020). . . . . 21 Tabela 3 – Valores das condições iniciais e diferentes valores de certos parâmetros. . . 33 Lista de abreviaturas e siglas CTL Cytotoxic T lymphocyte (Linfócito T citotóxico) CTLA-4 Cytotoxic T lymphocyte associated protein 4 (Proteína 4 associada ao linfócito T citotóxico) ER Estrogen Receptor (Receptor de estrogênio) ER+ Receptor de estrogênio positivo E2 Estradiol HER2 Human Epidermal growth factor Receptor-type 2 (Receptor tipo 2 do fator de crescimento epidérmico humano) INCA Instituto Nacional do Câncer MCF-7 Michigan Cancer Foundation-7 (Linhagem celular de tumor de mama femi- nino humano) mm Milímetro NK Natural Killer (Célula assassina natural) PD-1 Programmed cell death protein 1 (Proteína de morte celular programada 1) PD-L1 Programmed cell death ligand 1 (Ligante de morte celular programada 1) PNPS Política Nacional de Promoção da Saúde PR Receptor de progesterona WBC White blood cell (Glóbulo branco) Sumário 1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.1 Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 2 CONCEITOS PRELIMINARES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.1 Câncer: Origem e Aspectos Biológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.2 Câncer de Mama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2.2.1 Linhagem Celular de Câncer de Mama MCF-7 . . . . . . . . . . . . . . 13 2.2.2 A Relação do Estradiol com o Câncer de Mama . . . . . . . . . . . . . . 14 2.3 O Sistema Imune e o Câncer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 2.4 Modelagem Matemática na Linhagem Celular MCF-7 . . . . . . . . . . 18 3 CÁLCULO FRACIONÁRIO E MÉTODOS NUMÉRICOS . . . . . 22 3.1 Operadores Fracionários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 3.1.1 Função Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 3.1.2 Função Gel’fand Shilov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 3.1.3 Integral Fracionária de Riemann-Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 3.1.4 Derivada Fracionária de Caputo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 3.2 Método de Adams Bashforth-Moulton Generalizado para Equações Dife- renciais Fracionárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 4 MODELAGEM FRACIONÁRIA NA LINHAGEM CELULAR MCF- 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 4.1 Análise de Estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 4.2 Resultados e Discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 4.2.1 Parâmetros e Condições Iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 4.2.2 Sistema Imune Saudável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 4.2.2.1 Caso I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 4.2.2.2 Caso II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 4.2.2.3 Caso III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 4.2.2.4 Caso IV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 4.2.3 O Efeito da Citotoxicidade do CTL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 4.2.3.1 Caso I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 4.2.3.2 Caso II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 4.2.4 Linfopenia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 4.2.4.1 Caso I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 4.2.4.2 Caso II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 4.2.4.3 Caso III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 4.2.5 Sistema Imune Enfraquecido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 4.2.5.1 Caso I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 4.2.5.2 Caso II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 4.2.5.3 Caso III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 4.2.5.4 Caso IV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 4.2.6 Efeito do Estradiol . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 4.2.6.1 Caso I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 4.2.6.2 Caso II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 4.2.6.3 Caso III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 4.2.6.4 Caso IV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 5 CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Apêndices 64 APÊNDICE A – ANÁLISE DIMENSIONAL DO MODELO FRACIO- NÁRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 1 1 Introdução A palavra “câncer” traz consigo uma conotação negativa e em um passado não muito distante, carregava a crença de ser um mal incurável e inevitável. Significava mais do que apenas um diagnóstico, era o recebimento do veredicto de seu julgamento: a sentença de morte. No entanto, os avanços científicos e tecnológicos nos tratamentos e o maior compreendimento sobre a doença proporcionou aos pacientes uma melhor qualidade de vida, firmando uma nova postura no combate ao câncer, principalmente se forem diagnosticados precocemente (SILVA; ALBUQUERQUE; LEITE, 2010). Dentre os diversos fatores associados à aparição do câncer, grande parte é atribuída ao prolongamento da expectativa de vida humana (MUKHERJEE, 2011). Este fator pode resultar em sérias implicações, visto que o risco de desenvolver a doença aumenta quanto mais se vive devido à exposição a alguns fatores de risco e as alterações biológicas que sucede com o envelhecimento (SILVA; ALBUQUERQUE; LEITE, 2010). Em consequência, constata-se que nas últimas duas décadas, o número total de casos de câncer quase dobrou (cerca de 10 milhões em 2000 para 19,3 milhões em 2020). Em 2018 ocorreram 18 milhões de novos casos da doença, o que ocasionou em 9,6 milhões de mortes no mundo. Isso corresponde que uma em cada seis mortes são relacionadas à doença. As estimativas para o Brasil indicam que serão 704 mil novos casos anuais de câncer detectados entre 2023 e 2025, sendo o câncer de pele não melanoma o mais incidente, seguido pelos cânceres de mama e próstata, cólon e reto, pulmão e estômago (WHO, 2020; INCA, 2023). Conforme o levantamento divulgado pelo Global Cancer Observatory (GCO, ), é possível perceber o cenário mundial se modificando em 2020, com o tumor de mama sendo responsável por mais de 2,26 milhões dos novos casos e quase 685 mil mortes. Com esses resultados, ultrapassou o câncer de pulmão e se tornou o câncer mais diagnosticado no mundo (WHO, 2022). A cada ano há um aumento na incidência por câncer de mama, sendo este considerada uma das principais causas de mortalidade na população feminina (WHO, 2020; WHO, 2021). As taxas de incidência de câncer de mama estão convergindo em todo o mundo e podem ser observadas na Figura 1, com altas taxas na América do Norte, Europa, Oceania e Argentina, tal qual em países asiáticos, como Japão e República da Coreia, onde os índices são historicamente baixos (SUNG et al., 2021). https://gco.iarc.fr https://gco.iarc.fr Capítulo 1. Introdução 2 < 30.3 30.3–41.1 41.1–53.0 53.0–69.2 ≥ 69.2 No data Not applicable ASR (World) per 100 000 Estimated age-standardized incidence rates (World) in 2020, breast, females, all ages All rights reserved. The designations employed and the presentation of the material in this publication do not imply the expression of any opinion whatsoever on the part of the World Health Organization / International Agency for Research on Cancer concerning the legal status of any country, territory, city or area or of its authorities, or concerning the delimitation of its frontiers or boundaries. Dotted and dashed lines on maps represent approximate borderlines for which there may not yet be full agreement. Data source: GLOBOCAN 2020 Map production: IARC (http://gco.iarc.fr/today) World Health Organization © International Agency for Research on Cancer 2020 All rights reserved Figura 1 – Taxas de incidência do câncer de mama padronizadas por idade em todo o mundo por 100.000 pessoas-ano (GLOBOCAN, 2020). Em termos de mortalidade, as maiores taxas estão espalhadas de forma mais heterogênea pelo globo de acordo com a Figura 2, por exemplo em países como o Brasil, Argentina, Colômbia, Chifre da áfrica, Egito, Chade, Nigéria, Sudão e grande parte dos países do Oriente Médio e sul da ásia. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o número de mortes registrados é menor em regiões com IDH mais baixos, pois a maior parte dos registros são de diagnósticos de pacientes em estágios avançados da doença. À vista destes dados alarmantes, parece natural se perguntar por quanto tempo o câncer continuará sendo um flagelo para a humanidade e o que se pode fazer a respeito. >= 11th (0) 6th - 10th (3) 5th (4) 4th (7) 3rd (50) 2nd (69) 1st (52) No data Not applicable Ranking (Breast), estimated age-standardized mortality rates (World) in 2020, all ages (excl. NMSC) All rights reserved. The designations employed and the presentation of the material in this publication do not imply the expression of any opinion whatsoever on the part of the World Health Organization / International Agency for Research on Cancer concerning the legal status of any country, territory, city or area or of its authorities, or concerning the delimitation of its frontiers or boundaries. Dotted and dashed lines on maps represent approximate borderlines for which there may not yet be full agreement. Data source: GLOBOCAN 2020 Map production: IARC (http://gco.iarc.fr/today) World Health Organization © International Agency for Research on Cancer 2020 All rights reserved Figura 2 – Taxas de mortalidade do câncer de mama padronizadas por idade em todo o mundo por 100.000 pessoas-ano (GLOBOCAN, 2020). Capítulo 1. Introdução 3 Conforme as Figuras 1 e 2, o Brasil é o que registra a maior taxa de incidência e mor- talidade relativo aos países da América Latina. Estimativas apontaram 66.280 casos anuais de câncer de mama no Brasil, com incidência de 61,61 por 100.000 mulheres, para os anos de 2020 a 2022 (INCA, 2020b). De acordo com os dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o câncer de mama é a neoplasia mais comum em mulheres em todas as regiões do país. Em termos de mortalidade proporcional por câncer de mama de 2016 a 2020 representavam 16,3% de todos óbitos femininos. Com exceção da região Norte, onde os óbitos por câncer de mama ocupam o segundo lugar, esta doença ocupa a primeira posição em mortalidade nas regiões brasileiras: Sudeste (17,2%) e Centro-Oeste (16,8%), seguidos pelo Nordeste (15,6%) e Sul (15,5%) (INCA, 2022b). Nas últimas décadas, é possível observar que as taxas de mortalidade por câncer de mama diminuíram e se estabilizaram nas regiões Sul e Sudeste, enquanto aumentaram nas demais regiões (Figura 3). é possível reduzir a mortalidade por câncer de mama com detecção precoce e tratamento adequado (BRASIL, 2019). O ideal é que todas as mulheres entre 50 e 69 anos façam mamografia a cada 2 anos, conforme orientação do Ministério da Saúde. No entanto, apenas 30% das 16 milhões de mulheres brasileiras nessa faixa etária fizeram mamografia pelo sistema público de saúde em 2017 e 2018. Fornecer testes de triagem para a população de risco assintomática e conscientizar os profissionais médicos, bem como o público em geral abre caminho para a detecção precoce de lesões pré-cancerosas e tumores (BUZAID et al., 2020). Além disso, outros fatores relacionados às condições socioeconômicas e oferta e acesso aos serviços de saúde afetam as desigualdades em saúde quanto ao diagnóstico e à mortalidade por câncer de mama. No Brasil, há grandes desigualdades sociais, de renda e uma significativa extensão territorial que contribuem para a distribuição irregular de serviços e tecnologias de saúde no espaço geográfico brasileiro. Assim, o mapeamento dos padrões geográficos de diagnóstico tardio e mortalidade no cenário territorial brasileiro é uma forma de favorecer o planejamento e implementação de políticas públicas voltadas para o controle do câncer de mama (OLIVEIRA et al., 2021). Figura 3 – Taxas de mortalidade do câncer de mama no Brasil, ajustadas por idade e regiões no período de 1980 até 2020 (INCA, 2020b). Capítulo 1. Introdução 4 A mortalidade por câncer de mama aumenta progressivamente com a idade, como pode ser visto na Figura 4. Observa-se que mulheres mais jovens possuem as taxas menores devido ao menor risco de desenvolver a doença. Figura 4 – Taxas de mortalidade do câncer de mama no Brasil, ajustadas por faixa etária e por cem mil mulheres, de 1980 a 2020 (INCA, 2020b). Com a grande quantidade de variáveis apresentadas é difícil descrever a realidade atra- vés de uma equação diferencial (VARALTA; GOMES; CAMARGO, 2014). Através dessas equações, é possível construir modelos matemáticos e assim, traduzir e estruturar o conheci- mento do fenômeno real para a linguagem matemática. Para Altrock, Liu e Michor (2015a), tais modelos admitem extrapolar as situações que foram originalmente analisadas, possibilitando previsões quantitativas, dedução de mecanismos, falsificação de hipóteses biológicas e descrição quantitativa das relações entre os diferentes componentes de um sistema. A modelagem matemática aplicada ao câncer aumenta em importância conforme surgem novas estratégias e técnicas experimentais de tratamento, sendo utilizada como recurso para elucidar e interpretar os efeitos de tais descobertas. Cirurgia, quimioterapia e radioterapia foram os pilares do tratamento do câncer por diversos anos (SIAMOF; GOEL; CAI, 2020). Embora o evidente sucesso dessas estratégias na redução do volume tumoral e na destruição das células cancerosas, especialmente em tumores previamente descobertos, grande parte dos pacientes vão enfrentar a presença de efeitos colaterais intensos, altas chances de recorrência e/ou progressão da doença (RIUS; LYKO, 2012; MITTAL et al., 2014; MIN; LEE, 2021). Neste contexto, é notória a necessidade de novas terapias com menor toxidade e mais eficientes. Mais recentemente, a imunoterapia surgiu como uma estratégia promissora para combater a propagação do câncer. As respostas do sistema imunológico a diversos patógenos são bem estudadas e consistentes, no entanto, muito sobre a interação tumor-imune permanece desconhecido, tanto do ponto de vista biológico quanto do quantitativo (GIL et al., 2019; LI et al., 2016). Frente à diversidade de trabalhos que consideram modelos matemáticos de crescimento Capítulo 1. Introdução 5 tumoral em resposta à influência do sistema imunológico, alguns deles podem ser referenciados e resumido aqui. Para responder algumas das questões relacionadas aos mecanismos envolvidos na resposta imune a um desafio tumoral, o artigo de Pillis e Radunskaya (2003) discute um sistema de equações diferenciais aplicadas ao crescimento de tumores. Dois anos depois, um modelo matemático que descreve as interações tumor-imunes, com o uso de parâmetros estimados através de dados experimentais para propor e validar diferentes formas funcionais é publicado (PILLIS et al., 2005). O estudo de Afolabi e Maan (2019) fornece um modelo de interação tumor-imune em que a validade dos resultados é garantida pela análise numérica, que também fornece detalhes sobre se o tumor é maligno ou benigno. Considerando a heterogeneidade intratumoral nas respostas imunes, Alvarez, Barbuto e Venegeroles (2019) propõem um modelo matemático de imunovigilância do câncer para descrever fenômenos que são vistos in vivo, como dormência tumoral, robustez, imunoseleção sobre a heterogeneidade tumoral (também chamada de "imunoedição do câncer"), entre outros. Uma abordagem diferente é proposta por Maddali et al. (2018), em que um modelo tridimensional caótico de crescimento de câncer é analisado. O estudo considera as interações entre células tumorais, células de tecidos saudáveis e células do sistema imunológico, que resultam em um comportamento caótico. No caso do câncer de mama, diversos estudos envolvendo modelos matemáticos foram desenvolvidos nas últimas décadas, investigando o crescimento tumoral (OLEA et al., 1994; TYURYUMINA; NEZNANO, 2018), tamanho do tumor (VERSCHRAEGEN et al., 2005; NAVI, 2020) e tratamento (PANETTA, 1997; ROE-DALE; ISAACSON; KUPFERSCHMID, 2011a; MCKENNA et al., 2017; JARRETT et al., 2019; YOUSEF; BOZKURT; ABDELJAWAD, 2020). Quanto aos modelos relacionados à dinâmica tumoral imune, o estudo de Mufudza, Sorofa e Chiyaka (2012) propõe dois modelos matemáticos de competição, com e sem estrogênio, para analisar o seu impacto no tumor, considerando a população de células normais, cancerosas e imunes. Além disso, Roe-Dale, Isaacson e Kupferschmid (2011b), Knútsdóttir, Pálsson e Edelstein-Keshet (2014), Mehdizadeh et al. (2021) propuseram modelos matemáticos de células cancerígenas de mama e investigam as relações entre células imunes, células tumorais e alguns tratamentos. é indispensável que exista interações entre a modelagem matemática e a prática clínica e experimental, visto que o poder preditivo de um modelo está diretamente ligado aos seus parâmetros, que necessitam ser cuidadosamente atribuídos e calibrados (ALTROCK; LIU; MICHOR, 2015b). Modelos matemáticos tornaram-se ferramentas úteis para uma melhor compreensão do câncer, adicionando novas camadas de complexidade e completando lacunas de conhecimento ao que se conhece sobre a doença. Dado que o câncer é um problema da realidade, há a necessidade de encontrar soluções mais próximas do mundo real. Nas últimas décadas, foi demonstrado que alguns operadores fracionários descrevem melhor alguns problemas físicos complexos (AREA; LOSADA; NIETO, 2016), permitindo que os modelos de ordem não inteira contemplem comportamentos e propriedades que o cálculo usual não considera. O uso de integrais e derivadas de ordem não inteira, tradicionalmente conhecido como Cálculo Fracionário, ganhou força Capítulo 1. Introdução 6 ao se mostrar uma ferramenta mais precisa para refinar a descrição de fenômenos naturais, especialmente aqueles que possuem dependência temporal (CAMARGO, 2009). Isso porque o estado atual de um sistema de derivadas fracionárias no tempo carrega informações de seus diferentes estados anteriores, sendo relacionado a processos com efeito de memória (SUN et al., 2018). Entre as mais diversas aplicações dos referidos modelos, a proposta deste estudo é operacionalizá-lo no caso do câncer de mama. Wei (2019) realizou um estudo para investigar o crescimento tumoral da linhagem MCF-7, com interação entre células do sistema imunológico - natural killer (NK), linfócitos T citotóxicos (CTLs) e glóbulos brancos (WBCs) - e avaliar se existe uma associação entre o nível de estradiol circulante e o risco de câncer. Neste estudo, uma abordagem desse problema é proposta por meio da modelagem fracionária, utilizando a derivada de Caputo. As soluções foram obtidas através do método de Adams Bashforth-Moulton generalizado para modelos fracionários para verificar as diferenças entre os resultados alcançados pelo modelo de ordem inteira e pelo modelo de ordem não inteira. Sendo assim, o presente trabalho está estruturado da seguinte forma: • No Capítulo 2 aborda sobre os conceitos básicos do câncer e, em específico, o câncer mama, a interação entre o sistema imune e o câncer e por fim, um modelo matemático do crescimento tumoral mamário. • O Capítulo 3 apresenta uma revisão da literatura sobre o Cálculo Fracionário, seguido pelas definições da Função Gama e Função de Gel’fand-Shilov que são essenciais para a definir os operadores de integração fracionária de Riemann-Liouville e derivação fracionária de Caputo. Além disso, uma versão generalizada do método Adams-Bashforth-Moulton para modelos de ordem fracionária é apresentada. • No Capítulo 4 foi proposta a versão fracionária do modelo visto no Capítulo 2 e em seguida, a estabilidade do ponto de equilíbrio livre do tumor é analisada. Através da aplicação do método numérico, o estudo visa comparar as soluções obtidas tanto para ordem de derivada inteira quanto para as não inteiras, e os resultados são apresentados. • No Capítulo 4, as considerações finais do modelo são expostas. • O apêndice A mostra o ajuste e a análise dimensional propostos na generalização fracionária. 1.1 Objetivos Estudar a modelagem matemática por meio de equações diferenciais de ordem não inteira, visando a sua utilização para descrever o crescimento das células tumorais mamárias MCF-7, a interação entre o tumor e o sistema imunológico e por fim, interação entre o tumor e o estradiol. Além disso, analisar a estabilidade do ponto de equilíbrio livre de tumor do Capítulo 1. Introdução 7 modelo fracionário proposto e simular numericamente a variação de suas soluções no tempo. As simulações numéricas vão permitir a descrição e comparação dos resultados obtidos via Cálculo Fracionário com aquelas oriundas do cálculo de ordem inteira. 8 2 Conceitos Preliminares Neste capítulo apresentam-se conceitos básicos sobre o câncer e seus aspectos biológicos, o câncer de mama e suas principais características, a relação entre o sistema imune o câncer de mama e o modelo matemático na linhagem celular MCF-7. 2.1 Câncer: Origem e Aspectos Biológicos Embora o termo câncer seja utilizado de forma repetida na contemporaneidade como uma doença atual, estudos comprovam que sua existência é remetida antes de Cristo, quando foi encontrado em múmias no Egito Antigo. A palavra “câncer” tem origem grega e significa caranguejo, devido ao fato de que suas patas se assemelham à rede de veias ao redor de um tumor, sendo utilizada pela primeira vez pelo pai da medicina, Hipócrates (INCA, 2020a). Um entendimento comum deste conceito relaciona-se ao fato de que o câncer é uma patologia oriunda de descontrole na divisão celular humana. Segundo a própria Organização Mundial da Saúde, o câncer é um grupo grande de doenças caracterizadas pelo crescimento celular descontrolado, que podem surgir em quase qualquer órgão ou tecido do corpo (WHO, 2020). Existem mais de 200 tipos diferentes de câncer, cada um classificado de acordo com a região afetada e o tipo de célula que a deu origem (ALFONSE; AREF; SALEM, 2014). No organismo humano, as células do corpo estão em frequente processo de renovação por meio da divisão celular contínua e, em média, são produzidas e eliminadas 60 bilhões de células por dia. Dado que o corpo é submetido a uma quantidade enorme de divisões celulares todos os dias e pelo fato de que o comportamento das células cancerosas é caracterizado pelo crescimento desordenado, o resultado é a possibilidade de um erro de duplicação a cada divisão. Isso acaba determinando a formação de tumores ou neoplasias malignas, que podem invadir tecidos e órgãos vizinhos ou distantes. A soma das grandes chances do aparecimento de um tumor aos fatores de riscos externos como as mudanças provocadas no meio ambiente pela ação humana, os hábitos e os comportamentos presentes no cotidiano, influenciam para que o câncer continue sendo uma das patologias mais prevalentes do mundo (PEREIRA, 2019). Os tumores podem ser classificados em relação ao seu comportamento (maligno e be- nigno) e seu tecido de origem (papiloma, adenoma, etc). Os tumores benignos consistem em Capítulo 2. Conceitos Preliminares 9 massas expansivas de crescimento lento que comprimem o tecido circundante ao invés de invadir. Sendo assim, esses tumores em sua grande maioria representam pouca ameaça, exceto quando crescem em um espaço confinado, e geralmente podem ser facilmente retirados. Já os tumores malignos crescem rapidamente, colonizando órgãos distantes e invadindo o tecido circundante. Essas informações podem ser visualizadas com mais clareza na Tabela 1. Em relação ao tecido de origem do tumor, o sufixo “oma” geralmente denota um tumor benigno, sendo os tumores dos epitélios glandulares chamados de “adenomas” e os tumores dos epitélios da superfície chamados de “papilomas”. Porém, existem muitas exceções a esta nomenclatura sistemática. Por exemplo, leucemias e linfomas são tumores malignos da medula óssea e tecido linfoide, respectivamente, e o melanoma maligno deriva das células da pele produtoras de melanina (ALISON, 2001). Tabela 1 – Quadro comparativo com as principais diferenças entre tumores benignos e malignos, com base na revista brasileira de cancerologia do Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2020b). Tumor benigno Tumor maligno Células bem diferenciadas Células anaplásicas e pouco diferenciadas Estrutura típica do tecido de origem Estrutura atípica do tecido de origem Crescimento progressivo Crescimento rápido Mitoses normais e raras Mitoses anormais e numerosas Massa bem delimitada e expansiva Massa pouco delimitada e localmente invasiva Invade tecidos adjacentes Invade tecidos adjacentes Não desenvolve metástase Metástase presente de forma frequente Os tumores se desenvolvem em microambientes complexos e dinâmicos que influenciam seu crescimento, invasão e metástase. Nesse espaço, as células tumorais e seus microambientes adjacentes estão em comunicação frequente para garantir sua sobrevivência (SILVA et al., 2012). As capacidades bioquímicas, moleculares e celulares comuns à maioria dos cânceres humanos são conhecidas como hallmarks do câncer, que foram propostas por Hanahan e Weinberg em dois artigos de referência (HANAHAN; WEINBERG, 2000; HANAHAN; WEINBERG, 2011). Segundo Hanahan e Weinberg (2000), há um resumo do conhecimento reunido em 25 anos de pesquisa sobre o câncer, na qual são apresentadas seis características adquiridas que fazem com que células normais se transformem e se tornem cancerosas. Após 11 anos, duas novas características foram identificadas por Hanahan e Weinberg (2011) como potencialmente cruciais para o desenvolvimento do câncer. Estes estudos sintetizam propriedades do câncer que promovem a progressão maligna e a disseminação metastática, diferindo uma célula cancerosa de uma célula normal. São marcas que constituem um princípio organizador para fundamentar a complexidade dos cânceres humanos, resumidas na Figura 5 e que serão descritas brevemente em seguida. Capítulo 2. Conceitos Preliminares 10 Figura 5 – Hallmarks do câncer (HANAHAN; WEINBERG, 2000; HANAHAN; WEINBERG, 2011). Criado com BioRender.com. • Autossuficiência em sinais de crescimento: para se proliferarem, as células normais de- pendem de estimulação por fatores de crescimento. No entanto, as células cancerosas são capazes de desregular esses sinais e produz muitos dos seus próprios, adquirindo significativa autonomia de crescimento. De forma alternativa, é possível que elas enviem sinais para estimular as células normais dentro do estroma associado ao tumor, que por sua vez fornecem uma variedade de fatores de crescimento às células tumorais. • Insensibilidade a sinais anticrescimento: em um tecido normal, muitos sinais antiproli- ferativos atuam no controle da multiplicação das células para manter sua integridade e preservar seu equilíbrio. As células recebem esses sinais do ambiente ao seu redor, seja de células vizinhas ou da matriz extracelular e escolhem entre se proliferar, permanecer quiescentes ou entrar em um estado pós-mitótico. Para seguir o caminho que eventualmente faz com que uma célula se torne cancerosa, ela deve ser capaz de contornar tais mecanismos de inibição dos sinais de crescimento. Ao inativar as ações de genes supressores de tumor, as células tumorais se tornam insensíveis à inibição de crescimento e contribuem para o crescimento celular descontrolado. • Evasão de apoptose: a resistência adquirida à apoptose, que indica o processo de morte celular programada, é uma marca registrada do câncer. O programa apoptótico serve como uma barreira natural ao desenvolvimento do câncer, desencadeada em resposta a vários estresses fisiológicos que as células cancerosas suportam durante a tumorigênese ou como Capítulo 2. Conceitos Preliminares 11 resultado da terapia anticancerosa. Dentre uma variedade de estratégias que as células tumorais desenvolvem para limitar ou contornar a apoptose, o meio mais comum é a perda da função da P53, uma proteína supressora de tumor. • Potencial de replicação ilimitado: as células normais possuem capacidade limitada de passar por ciclos sucessivos de crescimento e divisão celular. Essa limitação está relacionada ao estado de interrupção da divisão, conhecida como senescência. Para que se tornem cancerosas, as células pré-malignas necessitam contornar o mecanismo de senescência, adquirindo potencial replicativo ilimitado. • Angiogênese sustentada: os tumores, assim como os tecidos normais, requerem suprimento de nutrientes e oxigênio para manter a função celular e a sobrevivência. Apesar das vantagens de crescimento discutidas anteriormente, os tumores não podem crescer mais do que 1-2 mm de diâmetro, a menos que sejam vascularizados (HARMAN et al., 2020). Por isso, é necessário que o tumor induza o organismo a expandir a rede de vasos sanguíneos - angiogênese - com o objetivo de suprir suas demandas e crescer. Historicamente, a angiogênese só era considerada significativa quando se formavam tumores macroscópicos de crescimento rápido, porém evidências recentes sugerem que essa capacidade também contribui para o fase pré-maligna microscópica da progressão tumoral, solidificando assim seu papel como uma marca intrínseca do câncer. • Invasão de tecidos e metástase: há mais de duas décadas, pouco se sabia sobre os me- canismos subjacentes à invasão e à metástase. As massas tumorais primárias produzem células pioneiras que se deslocam, invadem os tecidos adjacentes e eventualmente viajam para locais distantes no intuito de formar de um novo tumor. Denominada como metás- tase, 90% das mortes por câncer podem ser atribuídas a essa capacidade. Além disso, é constituída por várias etapas e seu sucesso depende de todas as outras cinco hallmarks mencionadas anteriormente. O tumor primário pode liberar fatores supressores sistêmicos, que se tornam dormentes por um longo período de tempo enquanto se ajustam de forma lenta a seus novos ambientes. é por isso que os tumores metastáticos levam anos para se desenvolver. Embora seja um campo em desenvolvimento com muitas perguntas ainda sem respostas, um progresso significativo foi realizado na definição de aspectos fundamentais dessa característica. • Reprogramação do tecido energético: através da capacidade de modificar ou reprogramar o metabolismo energético, os tumores conseguem proliferar de forma mais eficaz e contínua. As células cancerosas podem, mesmo na presença de oxigênio, reprogramar sua produção de energia, limitando seu metabolismo energético em grande parte à glicose e levando a um estado chamado “glicólise aeróbica”. Parece que o metabolismo energético alterado é tão difundido nas células cancerosas quanto muitas das outras características que foram aceitas como hallmarks do câncer. Capítulo 2. Conceitos Preliminares 12 • Evasão ao ataque e à destruição pelo sistema imunológico: o sistema imunológico pode desempenhar resistência ou erradicação da formação e progressão do tumor. As células e os tecidos são constantemente monitorados pelo sistema imune e é responsável por identificar e eliminar a grande maioria das células tumorais nascentes. No entanto, há tumores que conseguem se desenvolver através do sistema imune, pelo processo de eliminação de células com potencial oncogênico. Isso ocorre especialmente em indivíduos imunocomprometidos, visto que não há a erradicação total das células cancerosas imunogênicas e podem prosperar junto com as que são fracamente imunogênicas. Cada uma das hallmarks apresentadas acima pode caracterizar tanto traços da fisiologia de células cancerosas, quanto ser categorizada de acordo com sua terapia direcionada. Tais terapias inibem as vias de sinalização específicas do tumor e assim, mostram menor toxicidade às células saudáveis. A compreensão de cada uma dessas características ajuda a direcionar a busca e o desenvolvimento de novos fármacos que possam maximizar a eficácia das abordagens terapêuticas atuais (MIRANDA; SILVA; FORONES, 2019). 2.2 Câncer de Mama O câncer de mama é causado pelo crescimento descontrolado de células anormais ma- márias, com potencial de invadir outros órgãos. Os primeiros registros de tumores nas mamas manifestaram na antiguidade por egípcios e gregos, que tratavam a doença com amputações e remédios como miolos de vaca e excremento de vespa (INCA, 2018). Rastros antigos da rainha da Pérsia, Atossa, que exausta pela dor e pelo incômodo, pediu a um escravo que extirpasse seu seio com uma faca, evidenciando o sofrimento que a humanidade convive desde os tempos antigos (MURHERJEE, 2012). A complexidade desta doença verifica-se pela alta heterogeneidade clínica, morfológica e biológica. Essa heterogeneidade tumoral mamária tem sido estudada há muito tempo pelas diferenças na histologia e no resultado clínico, servindo como base para classificá-la (POLYAK et al., 2011). Embora tenha sido uma ferramenta valiosa, dado que tumores com o mesmo grau, estágio e tipo histológico podem revelar diferentes prognósticos e respostas terapêuticas variadas, o atual sistema de classificação morfológica é incapaz para caracterizar os carcinomas de mama com eficiência. Essas variações podem ser parcialmente explicadas pelo fato de existirem inúmeros subtipos moleculares de câncer de mama, cada um dos quais apresenta fatores prognósticos e requer alvos terapêuticos específicos (CIRQUEIRA et al., 2011). Em virtude do limitado poder prognóstico e preditivo das classificações tradicionais, novas abordagens para desvendar as bases moleculares da heterogeneidade do câncer de mama resultaram em profundas implicações para a compreensão da biologia da doença, o que levou à identificação de subtipos intrínsecos de câncer de mama. Os subtipos moleculares podem ser identificados através de uma análise de expressão gênica, revelando ser um método com valor Capítulo 2. Conceitos Preliminares 13 prognóstico. Outra tentativa aproximada de obter a classificação molecular do câncer de mama para a prática clínica envolveu identificar marcadores biológicos substitutos que permitiriam a identificação dos subtipos moleculares (VIALE, 2012). Os marcadores biológicos (ou biomarcadores) são importantes na classificação e definição do tratamento do câncer de mama e definem os quatro principais subgrupos da doença. Os três principais biomarcadores são o receptor de estrogênio (ER), o receptor de progesterona (PR) e o fator de crescimento epidérmico humano (HER2). Desses subtipos, os tumores mamários positivos para receptores de estrogênio (ER+) são os mais comuns, com incidência mais alta em mulheres na pós-menopausa do que na pré-menopausa. Essas neoplasias positivas representam de 70% a 80% de todos os casos de câncer de mama (HARICHARAN; BROWN, 2015; DESANTIS et al., 2019). No geral, o câncer de mama ER+ apresenta um bom prognóstico e responde bem à terapia hormonal. Entretanto, um terço dos pacientes com câncer de mama ER+ demonstrará resistência à terapia hormonal, e muitos desenvolverão recorrência e morrerão 5 a 10 anos após ser diagnosticado com a doença (SATO; AKIMOTO, 2017). Entre os diversos fatores de risco que contribuem para o desenvolvimento do câncer de mama, o mais significativo é o envelhecimento. Aproximadamente quatro em cada cinco casos ocorrem após os 50 anos (INCA, 2019). Quanto aos outros fatores, pode-se citar aqueles relacionados à vida reprodutiva da mulher (menarca precoce, nuliparidade, idade da primeira gestação a termo acima dos 30 anos, anticoncepcionais orais, menopausa tardia e terapia de reposição hormonal), genéticos/hereditários, teor de gordura corporal e hábitos de consumo regular de álcool (INCA, 2019; INCA, 2020a). A amamentação prolongada, a prática de atividade física e o controle de peso são, por outro lado, escolhas e intervenções comportamentais que reduzem o risco da progressão da doença. No entanto, mesmo que todos os fatores de risco pudessem ser controlados, a chance de desenvolver este tipo de câncer seria reduzido em não mais de 30% (WHO, 2021). Diante de sua enorme relevância como problema de saúde pública no Brasil, o controle do câncer de mama permanece como prioridade da Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), que incluem estratégias para a detecção precoce, isto é, diagnóstico precoce e o rastreamento como medidas a serem planejadas e tomadas (INCA, 2022a). 2.2.1 Linhagem Celular de Câncer de Mama MCF-7 A compreensão da diversidade molecular do câncer de mama foi significativamente apoiada pela análise do perfil de expressão gênica. Além disso, as linhagens celulares parecem ser uma ferramenta crucial para o diagnóstico molecular no câncer mamário em razão de sua diversa aplicabilidade em laboratórios e em particular, como modelos in vitro no estudo do câncer. Quando se trata de câncer de mama, as células MCF-7 são apropriadas pelo seu uso frequente em experimentos envolvendo células cancerosas da mama de receptores de estrogênio positivos (ER+). (COMŞA; CIMPEAN; RAICA, 1957). Capítulo 2. Conceitos Preliminares 14 Nascida em 1901, a Irmã Catherine Frances estudou no Convento do Imaculado Coração de Maria em Monroe, Michigan. No ano de 1963, Catherine havia sido submetida a uma mastecto- mia para um tumor benigno na mama direita e uma mastectomia radical para um adenocarcinoma maligno na mama esquerda quatro anos depois. Dado o relatório de Bernardino Ramazzini, o pai da medicina industrial, constatou que "os tumores de mama são encontrados com mais frequência em freiras do que em qualquer outra mulher", levantando a hipótese de o desenvolvimento da doença se devia ao seu estilo de vida celibatário (KATZ et al., 2015). No entanto, pesquisas subsequentes descobriram que mulheres nulíparas, isto é, mulheres que nunca tiveram filhos, têm um risco maior de desenvolver câncer de mama. Três anos de radioterapia e terapia hormonal foram capazes de manter as recorrências locais sob controle (LEE; OESTERREICH; DAVIDSON, 2015). Com o desenvolvimento da doença metastática na pleura e na parede toráxica, as células MCF-7 foram isoladas do líquido pleural da paciente 3 anos depois pelo Dr. Soule e colegas da Michigan Cancer Foundation, da qual as células receberam o nome (COMŞA; CIMPEAN; RAICA, 1957). Desde então, as células MCF-7 tornaram-se a linhagem celular de câncer de mama humano mais estudada no mundo. Como resultado, suas descobertas tiveram um impacto fundamental no estudo do câncer de mama e nos resultados dos pacientes, que produziu mais dados de conhecimento prático do que qualquer outra linhagem celular relacionada a essa doença (COMŞA; CIMPEAN; RAICA, 1957). 2.2.2 A Relação do Estradiol com o Câncer de Mama Juntamente com a progesterona, o estrogênio faz parte de uma classe de hormônios esteroides sexuais femininos. Os estrogênios endógenos, que são produzidos naturalmente pelo corpo humano, têm efeitos significativos em uma ampla gama de processos fisiológicos de mamíferos, como reprodução, saúde cardiovascular, integridade óssea, cognição e comportamento (DEROO; KORACH et al., 2006). Tendo em vista a sua função generalizada na fisiologia humana, também está relacionado ao aparecimento ou na progressão de inúmeras doenças (DEROO; KORACH et al., 2006). A forma mais potente de estrogênio natural (BENNINK, 2004), conhecida como estradiol ou E2, é um regulador chave das funções reprodutivas femininas e sua concentração predomina na fase anterior à menopausa, caindo para um décimo na pós-menopausa (ZHANG et al., 2020). Alterações nos níveis de E2 geralmente estão relacionadas ao sexo, idade e estágio do ciclo menstrual (ZHANG et al., 2020). Vários estudos descobriram que um nível elevado de E2 é frequentemente considerado um fator de risco para o desenvolvimento e progressão de vários cânceres relacionados ao sistema endócrino (mama, próstata, ovário e endométrio) (ZHANG et al., 2020; SAMAVAT; KURZER, 2015). Há evidências consistentes de que o estradiol circulante demonstrou estar positivamente associado ao risco de câncer de mama em mulheres na pós-menopausa, parcialmente em de- corrência de grandes variações nas concentrações hormonais durante o ciclo menstrual, bem Capítulo 2. Conceitos Preliminares 15 como ao fato de que poucos estudos foram feitos em mulheres antes da menopausa (KEY, 2011; SAMAVAT; KURZER, 2015; HORMONES; GROUP et al., 2015). Assim, níveis relativamente altos de estradiol nessas mulheres estão associados a um aumento de mais de duas vezes no risco deste tipo de câncer (KEY, 2011). Enquanto em mulheres na pré-menopausa, os dados disponíveis são mais escassos e difíceis de interpretar em razão de grandes variações nos estrogênios endógenos durante o ciclo menstrual (KEY, 2011). Alguns estudos prospectivos encontraram uma relação entre o estradiol e o risco de câncer de mama em mulheres na pré-menopausa (ELIASSEN et al., 2006), enquanto em outros estudos, nenhuma associação foi identificada (KAAKS et al., 2005; BROWN; HANKINSON, 2015). No geral, a influência do estradiol na carcinogênese da mama não é totalmente compreendida e uma conclusão definitiva não pode ser obtida neste momento (KEY, 2011). 2.3 O Sistema Imune e o Câncer Mecanismos naturais de proteção no organismo, como o sistema imunológico, desempe- nham um papel importante na defesa contra patógenos e atuam como barreira à disseminação de infecções que habitualmente estão associadas a altas taxas de mortalidade. Quando se trata de combater o câncer, o sistema imunológico também é crucial. O sistema imune foi conceitualmente dividido em imunidade inata e adaptativa. Enquanto operam em conjunto para combater um patógeno, os dois tipos de respostas do sistema imu- nológico desempenham funções distintas (CRUVINEL et al., 2010). O sistema imune inato é evolutivamente antigo, presente em quase todas as formas de vida, de esponjas do mar a moscas das frutas e seres humanos. é caracterizada pela sua rápida e estereotipada resposta a um grande, mas limitado número de estímulos e pode ocorrer mesmo antes da infecção de forma não especí- fica. Seus mecanismos incluem defesas mecânicas, químicas e celulares que atuam para impedir que os patógenos se instalem no corpo. Macrófagos, neutrófilos, células dendríticas e células natural killer são as principais células efetoras da imunidade inata. O sistema imune adaptativo é mais recente, na qual evoluiu apenas 500 milhões de anos atrás. Distingue-se pela sua especificidade, sua diversidade de reconhecimento e memória. Em resposta ao estímulo de agentes infecciosos, desenvolve respostas específicas a cada ameaça. Devido à sua diversidade de reconhecimento, pode identificar bilhões de alvos diferentes, sendo capaz de lembrar-se dos invasores anteriores por possuir a memória. As células T e B são os principais componentes do sistema imune adaptativo e ambas expressam receptores de antígenos altamente específicos (CRUVINEL et al., 2010; O’DONNELL-TORMEY; TONTONOZ, 2016). Diversos tipos de células imunes infiltram-se no microambiente do tumor, e a interação dinâmica tumor-imune pode promover um rico meio de citocinas e fatores de crescimento. Assim, a fim de compreender melhor seus papéis no combate ao câncer, algumas dessas células serão Capítulo 2. Conceitos Preliminares 16 descritas abaixo. As células natural killer (NK) foram primeiramente descritas como grandes linfócitos granulares com citotoxicidade natural contra células tumorais, isto é, com capacidade de matar células alvo sem a necessidade de uma exposição prévia a elas (VIVIER et al., 2008; VIVIER, 2006). Posteriormente, foram identificadas como um tipo peculiar de linfócitos, com citotoxici- dade e funções efetoras produtoras de citocinas, que circulam por todo o organismo e podem ser encontrados no sangue e até mesmo em alguns órgãos e tecidos (VIVIER, 2006; VIVIER et al., 2008). Como parte essencial da imunovigilância tumoral, as células NK são capazes de reconhecer tumores em estágio inicial por meio de sinais de estresse ou perigo (LIU et al., 2021; CHU et al., 2022). Além disso, agem rapidamente ao secretar citocinas imorreguladoras e inúmeras quimiocinas que destrói direta e efetivamente as células tumorais (LIU et al., 2021). Já as células T se dividem em duas categorias: os linfócitos T auxiliares e os linfócitos T citotóxicos (CTLs). Com o papel de serem precursoras de subconjuntos de linfócitos T, os linfócitos T citotóxicos naive são considerados células imaturas que, ao contrário dos linfócitos T ativados, não encontraram o antígeno apropriado (EAGAR; MILLER, 2019). Após a ativação dos CTLs naive, os CTLs sofrem expansão com a produção de citocinas, como a interleucina-2 (IL-2) (TEIXEIRA et al., 2019). Ao final da resposta imune, os CTLs passam por uma fase de contração na qual mais de 90% dos CTLs morrem. As poucas que conseguem evitar a morte celular programada, processo chamado de apoptose, tornam-se células de memória para uma rápida resposta secundária a um antígeno (WEI, 2019). As células T citotóxicas são responsáveis por monitorar todas as células do corpo, pre- paradas para destruir qualquer estrangeiro que seja considerado uma ameaça à integridade do indivíduo hospedeiro (ANDERSEN et al., 2006). Para uma eficácia ideal contra o câncer, o sistema imunológico deve contar com os CTLs, considerado uma célula defensiva que está na linha de frente no combate à progressão de tumores (FARHOOD; NAJAFI; MORTEZAEE, 2019). Como estratégia para escapar da vigilância imunológica, várias células cancerosas podem criar um microambiente que inibe a atividade, a sobrevivência e a migração dos CTLs, evitando assim a sua detecção. A imunoterapia, por outro lado, permite a manipulação dos CTLs para reconhecer antígenos específicos do tumor. As células T citotóxicas, quando infundidas em um paciente, atacam e destroem ativamente os tumores que produzem os antígenos correspondentes (LIU; LI, 2014). Desse modo, pela sua capacidade de reconhecer e eliminar as células tumorais, são cruciais na imunoterapia (CAETANO, 2018). Relativo aos leucócitos ou glóbulos brancos (WBCs), estes também fazem parte da resposta imune adaptativa e constituem um grupo heterogêneo de células circulantes nucleadas e são classificadas em granulócitos, linfócitos e monócitos. Sua concentração normal no sangue varia entre 4.000 e 10.000 células por microlitro. Os WBCs desempenham um papel crucial na fagocitose e na imunidade e, portanto, na defesa do organismo contra infecções (KIM et al., 2013). A contagem de leucócitos tornou-se um preditor útil de certas doenças e um marcador Capítulo 2. Conceitos Preliminares 17 de infecção. Uma contagem elevada de leucócitos, mesmo dentro da faixa normal, tem sido associada à incidência e mortalidade por câncer (PARK et al., 2019). Para contagens mais baixas, a relação com o câncer ainda é inconsistente. A ligação entre o sistema imune e o câncer foi apresentada pela primeira vez por Rudolf Virchow há 150 anos, quando constatou a prevalência de leucócitos em tecidos neoplásicos (PANDYA et al., 2016). Assim, a concepção de que o sistema imunológico pode ajudar na luta contra o câncer tem raízes históricas profundas. Em 1909, Paul Ehrlich propôs a hipótese de que a ação do sistema imunológico em reconhecer e eliminar as células malignas nascentes pode prevenir a formação de câncer (GICOBI; BARHAM; DONG, 2020) e mais tarde, foi formalizada em uma teoria de imunovigilância do câncer por Burnet e Thomas no final da década de 1950. Essa teoria consiste na ideia de que as células do sistema imune patrulham ativamente o corpo em busca de células cancerosas a fim de eliminá-las à medida que aparecem. Pela sua relevância, tornou-se um princípio fundamental no campo da imunologia em câncer (O’DONNELL-TORMEY; TONTONOZ, 2016). Desde a introdução formalizada do conceito de imunovigilância do câncer, estudos forneceram novas evidências que sustentam a ideia central de que o sistema imunológico pode, de fato, prevenir a formação de tumores. Ao mesmo tempo, descobriu-se que os processos imunológicos poderiam promover ou selecionar tumores de menor imunogenicidade, fornecendo aqueles em desenvolvimento um mecanismo para escapar da detecção e eliminação do sistema imune. Esses duplos efeitos imunológicos levaram ao desenvolvimento da teoria da imunoedição do câncer, a qual é composta por três fases, denominadas "os três Es da imunoedição": eliminação, equilíbrio e escape do tumor (DUNN et al., 2002; DUNN; OLD; SCHREIBER, 2004). Inicialmente, ocorre a fase de eliminação que corresponde ao conceito original de imu- novigilância, na qual o sistema imune se mobiliza em reconhecer e eliminar as células tumorais. As respostas inata e adaptativa cooperam um com o outro nesta etapa regulatória. Assim que os tumores atingem um determinado tamanho, eles começam a crescer de forma invasiva e exigem um maior suprimento sanguíneo que surge como efeito da produção de substâncias angiogênicas (DUNN et al., 2002). Uma vez que um tumor foi detectado, a ação imune é geralmente marcada por uma ruptura no tecido circundante em razão da remodelação estromal. Essa remodelação do estroma é consequência de duas das seis hallmarks do câncer: angiogênese e crescimento invasivo do tecido (DUNN; OLD; SCHREIBER, 2004). Sinais inflamatórios são acionados durante esse processo, que levam ao recrutamento de células do sistema imune inato para a nova fonte de ameaça local. Na etapa de equilíbrio, as células tumorais que sobreviveram à fase de eliminação e o sistema imunológico entram em uma condição de equilíbrio dinâmico. Algumas células imunes e seus mediadores exercem uma forte pressão seletiva sobre o tumor, mantendo-o contido, mas incapazes de extingui-lo totalmente devido a sua heterogeneidade e instabilidade genética. À vista disso, subclones neoplásicos cada vez menos imunogênicos são selecionados, o que pode Capítulo 2. Conceitos Preliminares 18 estimular a progressão da doença. Estima-se esse período de equilíbrio seja a mais longa dentre as três fases, podendo durar anos ou mesmo toda a vida do hospedeiro (DUNN et al., 2002; DUNN; OLD; SCHREIBER, 2004; GIACOMO, 2017). Por fim, na fase de escape, as variantes tumorais selecionadas na etapa de equilíbrio não são mais bloqueadas pela imunidade. Elas adquiriram resistência à detecção e/ou eliminação imunológica por meio de alterações genéticas e epigenéticas na célula tumoral. Isso permite que os tumores se expandam, tonando-se malignos e clinicamente detectáveis (DUNN et al., 2002; DUNN; OLD; SCHREIBER, 2004). 2.4 Modelagem Matemática na Linhagem Celular MCF-7 Nesta seção, um modelo matemático do crescimento tumoral mamário na linhagem celular MCF-7, com interação tumor-imune e tumor-estradiol é considerado. Este modelo foi descrito por Wei (2019), supondo que o crescimento da população de células cancerosas segue uma curva logística, com três fases: uma fase exponencial, uma fase linear e uma fase de platô. Ao passo que os tumores crescem, a disponibilidade de recursos (nutrientes, oxigênio e espaço) diminui, resultando na desaceleração do crescimento tumoral até que eventualmente atinja seu tamanho máximo (SUTHERLAND; HALL; TAYLOR, 1983). Esse valor limite da população que os recursos podem suportar é um termo logístico também denominado como capacidade de suporte do tumor. As células MCF-7 contêm receptores de estrogênio e são responsivas ao estrogênio. O estradiol, um tipo de estrogênio que está envolvido no período menstrual da mulher, é conhecido por ter um efeito notável na promoção do crescimento de células MCF-7 de câncer de mama. Os dados experimentais do estradiol foram extraídos a partir da figura exposta no referido trabalho com o auxílio de uma ferramenta online disponível em WebPlotDigitizer (). Ao utilizar a ferramenta cftool, disponível no MATLAB, a função que melhor se ajustou aos dados foi uma série Fourier de oito termos, dada por: E(t) = 401,8 − 203,3 cos(0,2094t) − 52,27 sen(0,2094t)− 34,59 cos(2t× 0,2094) + 14,62 cos(3t× 0,2094) + 72,3 sen(3t× 0,2094)− 54,33 sen(4t× 0,2094) + 55,08 cos(5t× 0,2094) + 51,87 sen(5t× 0,2094)− 25,8 cos(6t× 0,2094) − 39,86 sen(6t× 0,2094) + 13,82 cos(7t× 0,2094)+ 19,17 sen(7t× 0,2094) − 8,492 cos(8t× 0,2094) − 15,36 sen(8t× 0,2094). (2.1) https://apps.automeris.io/wpd/ https://apps.automeris.io/wpd/ Capítulo 2. Conceitos Preliminares 19 Figura 6 – Reprodução da figura apresentada no estudo de Wei (2019) usando uma função E(t) encontrada em (2.1). Os níveis de estradiol são mostrados ao longo do período menstrual. Para comparar com a Figura 6, inclui-se a Figura 7 elaborada por Wei (2019), na qual o autor utilizou uma função periódica para representar os níveis de estradiol no período de 29 dias. Figura 7 – Captura de tela da figura produzida por Wei (2019) para fins de comparação. A figura mostra as concentrações de estradiol ao longo do ciclo menstrual. Como pode ser visto nas Figuras 6 e 7, resultados semelhantes foram encontrados ao utilizar diferentes funções E(t). Dessa forma, o modelo matemático irá considerar a função E(t) encontrada em (2.1). O modelo é descrito em cinco variáveis de estado, em que T é a população de tumor MCF-7,E é o nível circulante de estradiol,N é a população de células NK, L é a população CTLs Capítulo 2. Conceitos Preliminares 20 e C é a população de WBCs, expresso pelo seguinte sistema não-linear de equações diferenciais ordinárias:  dT dt = T ( a+ cET 1 + α1E + β1T 2 ) (1 − T/K) − p1TN 2 1 + α2T + β2N 2 − p6T 2L 1 + α6T 2 + β6L dN dt = eC − fN − p2NT + p3NT 1 + α3T + β3N dL dt = ( p4LN + p5I α4 + I L ) (1 − L/KL) T α5 + T − dL dC dt = α− βC , (2.2) em que E(t) é dada pela Equação (2.1) e t está em dias. Os parâmetros a e K são as taxas de crescimento e a capacidade de transporte das células tumorais, respectivamente; c está relacionado com a taxa de crescimento de células tumorais induzidas pelo nível circulante de estradiol e p3 está relacionado com a taxa de recrutamento de células NK; I é a concentração de interleucina 2(IL-2) e p5 é a taxa máxima de crescimento de CTLs induzida por IL-2; LN , p4, KL e d representam a população de CTL naive, a fração de CTL naive que se tornam ativados, a capacidade de transporte dos CTLs e a taxa de mortalidade dos CTLs, respectivamente; e, f e p2 indicam a fração de leucócitos que se tornam células NK, a taxa de morte de células NK e a taxa de inativação de células NK por células tumorais, respectivamente; αi para i = 1 . . . 6 e βi para i = 1, 2, 3, 6 estão relacionados a constantes de meia saturação; p1 e p6 são taxas de morte tumoral induzida por NK e CTL, respectivamente; α e β são a taxa de produção e a taxa de mortalidade de leucócitos, respectivamente. Os parâmetros são os mesmos utilizados em (WEI, 2019) e podem ser consultados na Tabela 2. Capítulo 2. Conceitos Preliminares 21 Tabela 2 – Valores dos parâmetros, descrição e unidades segundo (WEI, 2020). Parâmetro Valor Descrição Unidade a 0, 3 Taxa de crescimento intrínseca do tumor dia−1 c 1, 93 × 10−6 Constante de interação entre MCF7 e E2 L(célula−1·dia−1·pmol−1) α1 0, 507 Constante de interação entre MCF7 e E2 L ·pmol−1 β1 7, 08 × 10−8 Constante de interação entre MCF7 e E2 célula−2 K 109 Capacidade de suporte do tumor célula p1 8, 7 × 10−4 Constante de citólise das células NK L2(célula−2·dia−1) α2 7 × 106 Constante de citólise das células NK célula−1 β2 5, 4 × 10−5 Constante de citólise das células NK L2·célula−2 β 6, 3 × 10−3 Taxa de mortalidade de leucócitos (WBCs) dia−1 α 3, 6 × 107 Taxa de natalidade de leucócitos célula ·L−1·dia−1 e 0, 00486 Taxa de crescimento de células NK dia−1 f 0, 0693 Taxa de mortalidade de células NK dia−1 p2 3, 42 × 10−6 Taxa média de inativação de células NK célula ·dia−1 p3 1, 87 × 10−8 Constante de interação entre MCF7 e células NK célula−1·dia−1 α3 1, 6 × 10−5 Constante de interação entre MCF7 e célula NK célula−1 β3 3, 27 Constante de interação entre MCF7 e célula NK L ·célula−1 p6 2, 04 × 10−3 Constante de citólise de CTLs L (célula−2·dia−1) α6 0, 268 Constante de citólise de CTLs célula−2 β6 4343 Constante de citólise de CTLs L ·célula−1 LN 2, 3 × 108 Número de CTLs naive célula ·L−1 KL 8 × 108 Capacidade de carga de CTLs célula ·L−1 p4 9 × 10−5 Proliferação constante de CTLs dia−1 I 2, 3 × 10−11 Concentração de IL-2 gL−1 α4 2, 3 × 10−11 Ativação de CTLs pela presença de IL-2 gL−1 5 4, 14 Taxa média de inativação de CTLs dia−1 d 0, 41 Taxa de mortalidade de CTLs dia−1 α5 1000 Ativação de CTLs pela presença do tumor célula 22 3 Cálculo Fracionário e Métodos Numéricos O cálculo de ordem não inteira, denominado popularmente como Cálculo Fracionário, manteve-se relativamente desconhecido da comunidade científica até cerca de 1970. (CAMARGO; OLIVEIRA, 2015; GOMES, 2014). O Cálculo Fracionário pretende ser o cálculo da era moderna (OTTONI, 2018), no qual as limitações e o distanciamento desta área começou a mudar de pura formulação matemática para aplicações com o uso de derivadas fracionárias em equações diferenciais de ordem inteira para refinar a descrição de fenômenos naturais nas mais variadas esferas do conhecimento; seja na probabilidade, na física, na biologia, na engenharia, assim como na economia, na psicologia, sociologia e outras diversas disciplinas (ATANGANA, 2025; CAMARGO, 2009). As origens do Cálculo Fracionário remontam a uma questão formulada em uma troca de cartas entre Leibniz e l’Hôpital no século XVII, tornando-o quase tão antigo quanto o cálculo de ordem inteira usual (CAMARGO, 2009). Em uma das correspondências, Leibniz elaborou uma questão envolvendo a generalização da derivada de ordem inteira para uma ordem supostamente arbitrária. De imediato, l’Hopital devolveu a pergunta, interrogando-o qual seria o significado no caso em que a ordem da derivada fosse 1 2 , isto é, qual deveria ser a interpretação de derivar uma função y(x) meia vez. A resposta de Leibniz, assegurava que, para y(x) = x, D 1 2y(x) = d 1 2x = x √ dx x , (3.1) e que “algum dia gerará muitas consequências frutíferas.” Sua resposta abriu caminho para as primeiras definições de derivadas e integrais de ordens não-inteira. Desde então, grandes matemáticos da história, como Euler, Laplace, Fourier, Abel, Liouville, Riemann, Grünwald e Letnikov, dedicaram esforços para definir derivadas e integrais fracionárias e aplicá-las na solução de problemas físicos (CAMARGO, 2009). 3.1 Operadores Fracionários Na literatura, existe uma ampla variedade de operadores fracionários que foi definida, dos quais Riemann-Liouville, Caputo, Hadamard, Hilfer, Katugampola, Riesz, Erdélyi-Kober são apenas alguns para citar. No Brasil, há contribuições enriquecedoras no que se diz respeito Capítulo 3. Cálculo Fracionário e Métodos Numéricos 23 ao avanço de novos operadores de ordem não inteira, como a chamada integral ψ-fracionária e a derivada ψ-fracionária, desenvolvida por Sousa e Oliveira (2017), ambas motivadas pela derivada fracionáriaψ-Riemann-Liouville e pela derivada fracionária tradicionalψ-Hilfer. Essas definições podem ser agrupadas em categorias de acordo com suas propriedades e comportamentos, em que cada uma tem suas próprias condições e propriedades, e muitas delas não são equivalentes entre si. Na prática, o sistema real considerado determinará qual operador de ordem fracionária será o mais apropriado e as demais variadas definições não equivalentes são úteis em seus respectivos contextos (FAHAD et al., 2021). Para a compreensão do presente trabalho, os conceitos de derivada e integral de ordem não inteira serão discutidos nesta seção. Entre as inúmeras definições para o operador fracioná- rio, a Integral Fracionária de Riemann-Liouville é adequada porque permite a identificação de uma extensão natural da integral iterada como é normalmente apresentada na matemática usual, enquanto a derivada fracionária de Caputo é considerada a mais conveniente para abordar um problema físico envolvendo condições iniciais e/ou de contorno (TEODORO; OLIVEIRA; OLI- VEIRA, 2017). Para introduzir essas primeiras definições do cálculo fracionário, essa seção foi dividida em quatro subseções. As duas primeiras contêm a Função Gama e a Função de Gel’fand Shilov, conceitos preliminares importantes para as duas outras subseções, que compreende o estudo da Integral e Derivada Fracionária. 3.1.1 Função Gama A Função Gama desempenha um papel importante no cálculo de ordem inteira para derivações múltiplas e integrações repetidas. Por isso, é considerada uma das mais importantes ferramentas combinatórias, com igual importância no cálculo de ordem fracionária. Pode-se definir a Função Gama a partir de uma integral imprópria (CAMARGO, 2009) Γ(z) = ∫ ∞ 0 e−ttz−1dt, (3.2) com Re(z) > 0 de modo que a integral convirja. Note que a principal propriedade do fatorial é (n + 1)n! = (n + 1)!. Através de uma integração por partes e uma mudança de variável em (3.2), obtém-se que a propriedade do fatorial é análoga a da Função Gama Γ(z + 1) = zΓ(z), (3.3) isto é, essa função consiste em uma generalização do conceito de fatorial. 3.1.2 Função Gel’fand Shilov A Função de Gel’fand-Shilov consiste em uma das funções fundamentais do Cálculo Fracionário, extremamente crucial para definir a Integral Fracionária de Riemann-Liouville. Capítulo 3. Cálculo Fracionário e Métodos Numéricos 24 Sejam n ∈ N e ν /∈ N, define-se a Função de Gel’fand-Shilov de ordem n e ν respectiva- mente como ϕn(t) :=  tn−1 (n− 1)! se t ≥ 0 0 se t < 0 e ϕν(t) :=  tν−1 Γ(ν) se t ≥ 0 0 se t < 0 . (3.4) 3.1.3 Integral Fracionária de Riemann-Liouville Previamente, a definição do operador integral de ordem n é apresentada e então, usando a generalização do fatorial pela Função Gama, é formalmente definida a Integral Fracionária de Riemann-Liouville. Definição 3.1. Sejam n ∈ N e f(t) : R → R uma função integrável. Define-se o Operador Integral, I, de ordem 1 e n, respectivamente, como: If(t) = ∫ t 0 f (t1) dt1 e Inf(t) = ∫ t 0 ∫ t1 0 . . . ∫ tn−1 0 f (tn) dtn dtn−1 . . . dt1. Com base na definição dada acima, sejam X ∈ R+ e f uma função contínua por partes em [0, X] e n ≥ 1. A seguinte integral de Riemann de ordem n de f(t), para todo t ∈ [0, X] é obtida mediante os resultados do cálculo de ordem inteira (CAMARGO, 2009): Inf(t) = ϕn(t) ∗ f(t) = ∫ t 0 ϕn(t− τ)f(τ)dτ = ∫ t 0 (t− τ)n−1 (n− 1)! f(τ)dτ t > 0. (3.5) Definição 3.2. Sejam Re(α) > 0, f contínua por partes e integrável em (0,∞), então para t > 0 a Integral Fracionária de Riemann-Liouville de ordem α é definida como a seguinte integral, utilizando a generalização do fatorial como a Função Gama, ou seja, (n− 1)! = Γ(n), Iαf(t) := 1 Γ(α) ∫ t 0 (t− τ)α−1f(τ)dτ, t > 0, α ∈ R+. 3.1.4 Derivada Fracionária de Caputo A derivada fracionária no sentido de Caputo é uma integral de ordem arbitrária de uma derivada de ordem inteira. O estudo sobre Cálculo Fracionário (CAMARGO, 2009) mostra que esta derivada é bastante semelhante à de Riemann-Liouville: os dois diferem apenas pela ordem das operações. A derivada de Caputo é mais conveniente quando utilizada em aplicações que envolvam equações diferenciais ordinárias com condições iniciais (CAMARGO, 2009). Nessa formulação, a derivada de qualquer constante é sempre nula; isso se torna relevante ao tentar interpretar as derivadas como taxas de variação (OTTONI, 2018). O método utilizado para implementar as soluções do modelo fracionário requer a definição de derivada de Caputo (THEODORO, 2022). Desse modo, as considerações acima evidenciam a sua preferência no presente trabalho. Capítulo 3. Cálculo Fracionário e Métodos Numéricos 25 Para definir a de derivada fracionária de ordem α (α > 0), é introduzido o inteiro positivo m tal que m − 1 < α ≤ m. Nestas condições, a derivada de ordem α de f(x), no sentido de Caputo, denotada por Dα, é definida da seguinte maneira (GORENFLO; MAINARDI, 2008): Dαf(x) = Im−αDmf(t), x > 0, (3.6) isto é, Dαf(t) := Im−α d m dtm f(t) = 1 Γ(m− α) ∫ t 0 f (m)(τ) (t− τ)α+1−m dτ. (3.7) Para α = m ∈ N é possível definir Dα = Dm, ou seja, Dαf(t) := Im−m dm dtm f(t) = I0 d m dtm f(t) = dm dtm f(t), (3.8) retornando a derivada de ordem inteira. Logo, pode-se escrever Dαf(t) :=  1 Γ(m− α) ∫ t 0 f (m)(τ) (t− τ)α+1−m dτ, m− 1 < α < m, dm dtm f(t), α = m. (3.9) 3.2 Método de Adams Bashforth-Moulton Generalizado para Equações Diferenciais Fracionárias Será descrito aqui uma generalização fracionária do método clássico de Adams-Bashforth- Moulton devido à sua eficiência em termos de memória e tempo computacional (HO; YAN, 2022). Será utilizado o software MATLAB por ser de fácil utilização e por já ter este método implementado no programa. O método generalizado de Adams–Bashforth–Moulton, é um algoritmo numérico para resolver um sistema de equações diferenciais ordinárias fracionárias. Desse modo, considera-se o problema de valor inicial de ordem não inteira, sendo Dα t0 a derivada fracionária de Caputo de ordem m− 1 < α ≤ m, em que m é o menor inteiro maior que α: Dα t0 [y(t)] = f(t, y(t)), (3.10) com valores iniciais, y(k)(0) = yk 0 , k = 0, 1, ...,m− 1. (3.11) é possível compor os operadores integral e diferencial de ordem não inteira e assim, transformar a equação (3.10) em uma integral de Volterra do segundo tipo: y(t) = m−1∑ k=0 yk 0 k! t k + 1 Γ(α) ∫ t t0 (t− τ)α−1f(τ, y(τ))dτ. (3.12) Capítulo 3. Cálculo Fracionário e Métodos Numéricos 26 Para o caso em que 0 < α ≤ 1, assume-se que m = 1 e a equação pode ser reescrita da seguinte forma (CAMARGO; OLIVEIRA, 2015; DIETHELM; FREED, 1998): y(t) = y0 + 1 Γ(α) ∫ t t0 (t− τ)α−1f(τ, y(τ))dτ. (3.13) Semelhante à construção do método clássico, na versão fracionária o método pode ser formulado aproximando a integral de Volterra com o uso de uma quadratura apropriada. Para tanto, a regra da quadratura trapezoidal se aplica melhor para a resolução deste problema, a fim de que os nós tj , com j = 0, 1, . . . , n+ 1, são determinados de acordo com a função (tn+1 − τ)α−1, isto é,∫ tn+1 t0 (tn+1 − τ)α−1 g(τ)dτ ≈ ∫ tn+1 t0 (tn+1 − τ)α−1 gn+1(τ)dτ, (3.14) sendo g o interpolador linear por partes para g, cujos nós são escolhidos em tj, com j = 0, 1, · · · , n + 1. Com uso das técnicas padrão da teoria da geometria, o lado direito de uma integral pode ser escrito como ∫ tn+1 t0 (tn+1 − τ)α−1 gn+1(τ)dτ = n+1∑ j=0 aj,n+1g (tj) , (3.15) em que aj,n+1 = ∫ tn+1 t0 (tn+1 − τ)α−1 ϕj,n+1(τ)dτ, (3.16) e ϕj,n+1(τ) =  τ−tj−1 tj−tj−1 , se tj−1 < τ < tj, tj+1−τ tj+1−tj , se tj < τ < tj+1, 0, caso contrário. (3.17) No caso em que os nós são igualmente espaçados, de passo h, com tj = t0 + jh, então a equação (3.16) se reduz a aj,n+1 =  hα α(α+1) (nα+1 − (n− α)(n+ 1)α, se j = 0, hα α(α+1) , se j = n+ 1. (3.18) Para 1 ≤ j ≤ n, segue que o valor aj,n+1 é igual a aj,n+1 = hα α(α + 1) ((n− j + 2)α+1 − 2(n− j + 1)α+1 + (n− j)α+1) , (3.19) resultando na fórmula de correção, que consiste em uma variante fracionária do método de Adams-Moulton de uma etapa: ym+1 = y0 + 1 Γ(α)  m∑ j=0 aj,n+1f (tj, yj) + an+1,n+1f ( tm+1, y P n+1 ) . (3.20) Capítulo 3. Cálculo Fracionário e Métodos Numéricos 27 O preditor para determinar o valor de yP n+1 é apresentado a seguir. A estratégia utilizada para generalizar o método de Adams-Bashforth de uma etapa é a mesma para a técnica de Adams- Moulton, que consiste na substituição da integral do lado direito da equação (3.13), por uma quadradura conveniente. Neste caso, a regra da quadratura retangular é adotada:∫ tm+1 ϕ0 (tm+1 − τ)a−1 g(τ)dτ ≈ m∑ j=0 bj,∞+1g (tj) , (3.21) em que bj,∞+1 = ∫ tj+1 tj (tm+1 − τ)α−1 dτ = 1 α ((tm+1 − tj)α − (tm+1 − tj+1)α) , (3.22) Se os nós são equiespaçados, a expressão matemática se torna mais simples: bj,∞+1 = hα α ((n+ 1 − j)α − (n− j)α) . (3.23) O preditor yP n+1 é, portanto, dado por: yP n+1 = y0 + 1 Γ(α) n∑ j=0 bk+1f (tj, yj) , (3.24) que totaliza em todas as expressões do algoritmo numérico desejado. Note que a versão fracionária do método Adams-Bashforth-Moulton de uma etapa é completamente descrita pelas equações (3.20) e (3.24). 28 4 Modelagem Fracionária na Linhagem Celular MCF-7 A modelagem fracionária tem sido apresentada em muitos trabalhos (EL-SAYED; EL- MESIRY; EL-SAKA, 2007; MAINARDI, 1996; KURODA et al., 2017; VEERESHA; PRA- KASHA; BASKONUS, 2017; KUMAR; DAS; ONG, 2021). Dentre aqueles utilizados para estudar o câncer, Ahmed, Hashish e Rihan (2012) mostram um modelo de ordem fracionária com interação tumor-imune mediante dois mecanismos efetores imunes. Além disso, um modelo de ordem não inteira de crescimento tumoral e suas interações com o sistema imune é utilizado em Arshad, Sohail e Javed (2015). Um ano depois, Arshad et al. (2016) investiga um modelo de ordem fracionária da resposta dos CTLs a uma população crescente de células tumorais para analisar o comportamento do tumor a longo prazo e as possíveis condições para a sua erradicação. Com a derivada de Caputo-Fabrizio, Dokuyucu et al. (2018) modelam o uso da radioterapia no tratamento da câncer. A versão fracionária de um modelo matemático pode ser encontrada através da substi- tuição da derivada inteira por um derivada fracionária de Caputo de ordem 0 < α < 1. Nesse processo, as dimensões e unidades inerentes ao modelo original são desbalanceadas e portanto, requer devida atenção. Ao substituir a derivada inteira por uma derivada fracionária de Caputo de ordem 0 < α < 1 para obter a versão fracionária de um modelo matemático, as dimensões e unidades do modelo original são desbalanceadas, tornando necessária a devida atenção e cuidado na análise e interpretação dos resultados obtidos. Esse processo de conversão é especialmente útil em sistemas que exibem comportamentos complexos e não-lineares, nos quais a adição de uma ordem fracionária pode melhorar a precisão e a compreensão da dinâmica do sistema. Vale notar que o operador diferencial d dt tem dimensão de tempo−1, em que o tempo é analisado em dias. No entanto, uma vez que a modelagem fracionária é alcançada, sua dimensão se torna tempoγ , sendo que o parâmetro arbitrário γ, em que 0 < γ ≤ 1, caracteriza a estrutura fracionária do operador não inteiro. A ausência desta preocupação torna a descrição do modelo menos precisa, e para manter a consistência com a dimensionalidade dos parâmetros, é possível introduzir um novo parâme- Capítulo 4. Modelagem Fracionária na Linhagem Celular MCF-7 29 tro τ (GóMEZ-AGUILAR J.J. ROSALES-GARCíA; GUZMáN-CABRERA, 2011), de forma que 1 τ 1−γ dγ dtγ tenha dimensão 1 tempo . Assim, se γ = 1, a expressão (4.1) retorna ao operador derivativo ordinário clássico d dt sem perda de generalidade. À vista do acima exposto, um modelo na versão fracionária com este procedimento simples pode ser construído, que consiste na substituição a derivada ordinária pelo operador de derivada fracionária e no acréscimo do parâmetro auxiliar τ da seguinte forma: d dt → 1 τ 1−γ dγ dtγ 0 < γ ≤ 1. (4.1) Desse modo, a Equação (4.1) é dimensionalmente consistente se, e somente se, o novo parâmetro τ tem dimensão de tempo dado por dias. Diante do acima exposto, é possível fazer o ajuste dimensional incluindo o τ na versão fracionária do modelo do crescimento tumoral mamário (2.2):  1 τ 1−γ dγT dtγ = T ( a+ cET 1 + α1E + β1T 2 ) (1 − T/K) − p1TN 2 1 + α2T + β2N 2 + − p6T 2L 1 + α6T 2 + β6L 1 τ 1−γ dγN dtγ = eC − fN − p2NT + p3NT 1 + α3T + β3N 1 τ 1−γ dγL dtγ = ( p4LN + p5I α4 + I L ) (1 − L/KL) T α5 + T − dL 1 τ 1−γ dγC dtγ = α− βC , (4.2) em que E(t) é dado por (2.1). Ao fazer a verificação do ajuste dimensional, pode-se verificar que no sistema (4.2) ambos os lados da primeira equação possuem a mesma dimensão célula dia , enquanto que as demais, possuem dimensão célula dia.L . Agora, multiplicando o fator τ 1−γ em ambos os lados das equações diferenciais fracioná- rias foi obtido o seguinte sistema: Capítulo 4. Modelagem Fracionária na Linhagem Celular MCF-7 30  dγT dtγ = τ 1−γ [ T ( a+ cET 1 + α1E + β1T 2 ) (1 − T/K) − p1TN 2 1 + α2T + β2N 2 + − p6T 2L 1 + α6T 2 + β6L dγN dtγ = τ 1−γ [ eC − fN − p2NT + p3NT 1 + α3T + β3N ] dγL dtγ = τ 1−γ [( p4LN + p5I α4 + I L ) (1 − L/KL) T α5 + T − dL ] dγC dtγ = τ 1−γ [α− βC] , (4.3) em que E(t) é dado por (2.1). As dimensões são verificadas novamente e constata-se que no sistema (4.3) os dois os lados da primeira equação possuem dimensão célula dia . Para as demais equações, obtém-se célula dia.L . Portanto, as análises dimensionais dos sistemas (4.2) e (4.3) comprovam a consistência das unidades do modelo. Mais informações sobre a análise dimensional e as unidades dos parâmetros podem ser encontradas no Apêndice A. Assim, será utilizado o modelo (4.3) como a versão fracionária para fins de simulação. 4.1 Análise de Estabilidade A estabilidade é um aspecto essencial da análise de um sistema dinâmico. Um sistema linear de ordem inteira e invariante no tempo é considerado estável se as raízes do polinômio característico, denominado de polos, são negativas ou têm partes reais negativas se forem conju- gados complexos. Isso indica que a estabilidade fica localizada no semiplano esquerdo do plano complexo. Entretanto, diferente de um sistema linear ordinário, a região de estabilidade de um sistema linear fracionário tende a incluir todo o plano complexo (CAMPOS, 2019). Ademais, o uso de derivadas fracionárias pode alterar ou manter a estabilidade em modelos de ordem inteira quando analisada a ordem não inteira (SILVA, 2020). Apesar de muitas contribuições e intensas pesquisas, a estabilidade de sistemas de ordem não inteira continua sendo um problema em aberto e a análise da localização dos polos ainda é, em geral, uma tarefa desafiadora (SABATIER; MOZE; FARGES, 2010). Dentre os critérios que foram propostos para sistemas fracionários, o primeiro a ser desenvolvido e o mais conhecido dos resultados é o teorema de estabilidade de Matignon (1996) apresentado a seguir: Teorema 4.1. (MATIGNON, 1996) Considere o seguinte problema de valor inicial de ordem fracionária, com γ ∈ [0, 1): Capítulo 4. Modelagem Fracionária na Linhagem Celular MCF-7 31  CD γx(t) = f(x, y, z, w) CD γy(t) = g(x, y, z, w) CD γz(t) = h(x, y, z, w) CD γw(t) = i(x, y, z, w) x(0) = x0, y(0) = y0, z(0) = z0, w(0) = w0 . (4.4) Um ponto de equilíbrio deste sistema é localmente assintoticamente estável se, todos os autovalores λ da matriz Jacobiana avaliada no ponto de equilíbrio, satisfazem que | arg(λ)| > γπ 2 . (4.5) Antes de aplicar o Teorema (4.1), um ponto E0 pode ser encontrado ao igualar a zero cada taxa de variação no modelo (4.3). Assim, obtém-se: E0 = (T,N, L, C) = ( 0, eα fβ , 0, α β ) , que é o ponto de equilíbrio livre de doença. Seja Cp = α β . Então, Np = eCp f é obtido. Logo, a matriz jacobiana de E0 é dada por: J (E0) =  a− p1N2 p 1+β2N2 p 0 0 0 −p2Np + p3Np 1+β3Np −f 0 e p4/α5 0 −d 0 0 0 0 −β  . (4.6) Associado ao ponto de equilíbrio livre do tumor E0, tem-se o polinômio característico (−d− λ) ( −N 2 pp1 + α ( N 2 pβ2 + 1 ) − λ ( N 2 pβ2 + 1 )) (−f − λ) (−β − λ) N 2 pβ2 + 1 = 0. Desse modo, os seguintes autovalores são obtidos: λ1 = −β, (4.7) λ2 = −d, (4.8) λ3 = −f, (4.9) λ4 = a− p1N 2 p 1 + β2N 2 p . (4.10) Capítulo 4. Modelagem Fracionária na Linhagem Celular MCF-7 32 Agora, o Teorema (4.1) é aplicado para cada autovalor da matriz Jacobiana, avaliada no ponto de equilíbrio E0. Sejam os três primeiros autovalores dado por λi, em que 1 ≤ i ≤ 3. Se σ > 0 tal que λi = −σ, então | arg(λi)| = π > γπ 2 , 1 ≤ i ≤ 3, (4.11) mostrando o que se pretendia. Disso, para o autovalor λ4, se a < p1N 2 p 1 + β2N 2 p , então | arg(λ4)| = π > γπ 2 , (4.12) e portanto, E0 é assintoticamente estável de acordo com o Teorema (4.1). Caso contrário, λ4 se torna um número real e positivo, de forma que | arg(λ4)| = 0. À vista disso, não houve alterações na estabilidade do ponto de equilíbrio livre de tumor ao utilizar a derivada fracionária. 4.2 Resultados e Discussão Os comportamentos do modelo de ordem não inteira (4.3) foram simulados numerica- mente usando o Método de Adams Bashforth-Moulton Generalizado para Equações Diferenciais Fracionárias apresentado na Seção 3.2. O método numérico baseia-se no sentido de Caputo para derivada fracionária e foi considerado o passo h = 0, 0001, 0 < γ ≤ 1 e valores de parâmetros na Tabela 2. Assim como no modelo de ordem inteira de (WEI, 2019), quatro cenários foram considerados: um sistema imune saudável (Subseção 4.2.2), a influência do efeito da citotoxici- dade de CTL (Subseção 4.2.3), um indivíduo com linfopenia de células NK (Subseção 4.2.4), um sistema imune enfraquecido (Subseção 4.2.5) e por fim, o efeito do estradiol (Subseção 4.2.6). Para cada cenário, foram considerados diferentes casos particulares. Através da modelagem fracionária foi possível realizar uma comparação da ordem inteira γ = 1 e ordens fracionárias, simulando diversas situações a fim de analisar a dinâmica das células tumorais sob a ação do sistema imune. Quando se trata de câncer, uma dificuldade identificada é encontrar dados verídicos em pacientes. Então, o presente estudo baseou-se em conhecimentos de trabalhos já desenvolvidos e de estudos que representem os comportamentos obtidos. 4.2.1 Parâmetros e Condições Iniciais Aqui serão apresentadas as condições iniciais e os valores de alguns parâmetros utilizados nas simulações computacionais. Considerando que cada cenário apresenta casos particulares distintos, é necessário realizar alteração do valor de alguns parâmetros da Tabela 2 para a análise de determinados cenários. Os demais parâmetros podem ser consultados na Tabela 2, enquanto os parâmetros que foram alterados e as condições iniciais utilizadas foram organizadas na Tabela 3. Capítulo 4. Modelagem Fracionária na Linhagem Celular MCF-7 33 Tabela 3 – Valores das condições iniciais e diferentes valores de certos parâmetros. Sistema Imune Saudável (T0, N0, L0, C0) Parâmetros Caso I (106, 4 × 108, 0, 4 × 109) Tabela 2 Caso II (2 × 106, 4 × 108, 0, 4 × 109) Tabela 2 Caso III (4 × 106, 4 × 108, 0, 4 × 109) Tabela 2 Caso IV (2 × 106, 4 × 108, 4 × 107, 4 × 109) Tabela 2 Citotoxicidade do CTL (T0, N0, L0, C0) Parâmetros Caso I (4 × 106, 4 × 108, 0, 4 × 109) p6 = 4 × 10−3 e Tabela 2 Caso II (3 × 107, 4 × 108, 0, 4 × 109) p6 = 2, 04 × 10−2 e Tabela 2 Linfopenia de NK (T0, N0, L0, C0) Parâmetros Caso I (2 × 105, 8 × 107, 0, 4 × 109) Tabela 2 Caso II (106, 8 × 107, 0, 4 × 109) Tabela 2 Caso III (2 × 105, 2 × 107, 0, 4 × 109) Tabela 2 Sistema Imune Enfraquecido (T0, N0, L0, C0) Parâmetros Caso I (2 × 105, 5 × 107, 0, 4 × 109) α = 1, 575 × 107, e = 8, 32 × 10−4, p4 = 3 × 10−5 e Tabela 2 Caso II (106, 5 × 107, 0, 2, 5 × 109) α = 1, 575 × 107, e = 8, 32 × 10−4, p4 = 3 × 10−5 e Tabela 2 Caso III (2 × 106, 5 × 107, 0, 2, 5 × 109) α = 1, 575 × 107, e = 8, 32 × 10−4, p4 = 3 × 10−5 e Tabela 2 Caso IV (4 × 106, 5 × 107, 0, 2, 5 × 109) α = 1, 575 × 107, e = 8, 32 × 10−4, p4 = 3 × 10−5 e Tabela 2 Efeito do E2 (T0, N0, L0, C0) Parâmetros Caso I (106, 4 × 108, 0, 4 × 109) Tabela 2 Caso II (2 × 106, 4 × 108, 0, 4 × 109) Tabela 2 Caso III (4 × 106, 4 × 108, 0, 4 × 109) Tabela 2 Caso IV (2 × 106, 4 × 108, 0, 4 × 109) Tabela 2 Capítulo 4. Modelagem Fracionária na Linhagem Celular MCF-7 34 4.2.2 Sistema Imune Saudável Muitos estudos in vitro mostraram que as células do sistema imunológico são capazes de matar rapidamente as células tumorais (HELLSTRÖM; HELLSTRÖM, 1974; AMES et al., 2015). Os tumores expressam antígenos e, geralmente, os CTLs são capazes de reconhecer a presença de tais antígenos no corpo. Há evidências de os CTLs podem eliminar tumores pequenos (VACCA et al., 2018; IDREES; SOHAIL, 2021). As células NK também desempenham uma função crucial na supressão do tumor em estágios iniciais. Sendo assim, é provável que o sistema imunológico elimine certos tumores antes mesmo de serem descobertos (ROBERTSON-TESSI; EL-KAREH; GORIELY, 2012). 4.2.2.1 Caso I No primeiro experimento numérico, assume-se, com base em Wei (2019), que o tumor escapou da vigilância imunológica e cresceu até atingir um nível populacional de T (0) = 106 células, que tem um tamanho de 2 mm de diâmetro. Supondo que esta seja a primeira resposta imune contra o tumor, não deve haver células efetoras nos gráficos apresentados a seguir, isto é, L(0) = 0. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) 0 1 102 104 106 T (c él ul as ) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (a) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) N (c él ul as /L ) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (b) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) 0 1 102 104 106 108 L( cé lu la s/ L) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (c) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) C (c él ul as /L ) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (d) Figura 8 – Tumor de 106 células e população de células imunes saudáveis com valores de parâ- metro listados na Tabela 2 e condições iniciais dadas na Tabela 3. é possível ver que as Figuras 8(a) e 8(b) mostram que as células NK atuam como linha de frente da defesa no combate ao câncer e são capazes de erradicá-lo completamente para γ = 1, retratando a fase de eliminação da imunoedição do câncer e representando o ponto de equilíbrio livre do tumor. Capítulo 4. Modelagem Fracionária na Linhagem Celular MCF-7 35 Para menores ordens de derivada, a Figura 8(a) apresenta um cenário em que o tumor diminui de forma mais lenta e, no período de 90 dias, não vai para zero conforme o de ordem inteira. O mesmo ocorre de forma similar com os CTLs na Figura 8(c), que ficam em torno de 104 células/L e não se encaminham para zero, visto que não houve a eliminação tumoral. Mesmo assim, pode-se notar que a população de CTLs e NK cresce rapidamente no início, fazendo as células tumorais diminuírem para um nível populacional de cerca de 102 a 104 células, isto é, um tumor menor que 1 mm de diâmetro. Este tumor microscópico pode permanecer em um estado assintomático, não detectável e oculto ao longo da vida de uma pessoa. Há evidências clínicas e experimentais que sugerem que muitos tumores humanos po- dem persistir por longos períodos de tempo como lesões microscópicas que estão em estado de dormência e nunca progridem para se tornarem invasivos. Este fenômeno é denominado câncer sem doença, onde o tumor em questão permanece pequeno e aproximadamente constante (FOLKMAN; KALLURI, 2004; FEHM et al., 2008). A respeito da Figura 8(d), é possível observar que a população de WBCs aumenta à medida que a ordem da derivada aumenta. Esse crescimento pode indicar uma resposta imunológica contra algum agente infeccioso ou patológico. 4.2.2.2 Caso II Assim como no trabalho de Wei (2019), supõe-se neste caso que um tumor crescerá até um nível populacional de 2 × 106 células, se o sistema imune não for ativado contra ele. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) 106 T (c él ul as ) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (a) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) 108 N (c él ul as /L ) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (b) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) 0 1 102 104 106 108 L( cé lu la s/ L) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (c) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) C (c él ul as /L ) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (d) Figura 9 – Tumor de 2 × 106 células e população de células imunes saudáveis com valores de parâmetro listados na Tabela 2 e condições iniciais dadas na Tabela 3. Capítulo 4. Modelagem Fracionária na Linhagem Celular MCF-7 36 As Figuras 9 de (a) a (d) mostram que o modelo de ordem fracionária não apresentou diferença significativa nos fenômenos biológicos apresentados no modelo de ordem inteira. O tumor de 2 × 106 células, que corresponde a um tamanho inferior a 3 mm de diâmetro, diminui para uma densidade populacional menor que 6 × 105 células, o que indica um tumor menor que 2 mm de diâmetro. Um tumor com esse tamanho é considerado microscópico e estável (WEI, 2019; NAUMOV; AKSLEN; FOLKMAN, 2006). Dessa forma, um sistema imunológico saudável é capaz de controlar o tumor e a sua dormência pode resultar de um equilíbrio entre a resposta imune e o crescimento do tumor, representando a segunda fase da imunoedição do câncer. Quando o sistema imunológico está lutando contra um tumor, o número de células NK diminui inicialmente, conforme mostrado na Figura 9(b). Como não houve eliminação tumoral, a Figura 9(c) ilustra que a população de CTLs não diminuem e não se encaminham para zero. Na Figura 9(d), os WBCs crescem ao passo que a ordem da derivada aumenta. Esse comportamento é parecido neste e nos próximos dois cenários, mesmo com as variações no tamanho do tumor. 4.2.2.3 Caso III Para este caso, o sistema imunológico também não foi ativado contra o tumor e cresceu até um tamanho maior de 3,2 mm de diâmetro, que corresponde a 4 × 106 células (WEI, 2019). 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) 108 T (c él ul as ) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (a) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) 104 106 108 N (c él ul as /L ) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (b) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) 0 1 102 104 106 108 L( cé lu la s/ L) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (c) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 t (dias) C (c él ul as /L ) = 0.90 = 0.94 = 0.98 = 1 (d) Figura 10 – Tumor de 4 × 106 células e população de células imunes saudáveis com valores de parâmetro listados na Tabela 2 e condições iniciais na Tabela 3. As Figuras 10 de (a) a (d) exibem um caso de um sistema imunológico saudável que não é capaz de controlar o tumor em questão. Na Figura 10(a), a derivada de ordem γ = 1 mostra que o tumor eventualmente crescerá até a sua capacidade de carga, isto é, convergirá para o seu Capítulo 4. Modelagem Fracionária na Linhagem Celular MCF-7 37 tamanho máximo que o mesmo pode atingir com os nutrientes disponíveis e para menores ordens de derivada, o crescimento das células cancerígenas para o valor de suporte é mais devagar. Segundo Varalta, Gomes e Camargo (2014), todos os modelos logísticos usuais têm a desvantagem de se encaminharem para a capacidade de suporte mais rápido do que o desejado. Por outro lado, é uma das vantagens do modelo logístico fracionário, visto que ao passo que a ordem da derivada diminui, a quantidade de convergência para a capacidade de suporte torna-se mais lenta. é possível que essa desaceleração apresentada na Figura 10(a) esteja relacionada com o termo logístico presente no modelo em questão (4.3). As Figuras 10(b) e 10(c) mostram que tanto para a ordem inteira quanto para a fracionária, as células NK permanecem em um nível baixo após o tumor atingir sua capacidade de carga e os CTLs são incapazes de suprimir o tumor, o que significa que tratamentos complementares, como quimioterapia ou imunoterapia, são essenciais para o tratamento da doença (IDREES; SOHAIL, 2021). é possível que esta etapa represente a a fase de escape da imunoedição do câncer, que se refere ao crescimento do tumor ao adquirir habilidades que impedem o ataque do sistema imune. 4.2.2.4 Caso IV As simulações deste caso serão analisadas para a segunda resposta imune. Supõe-se a condição inicial L(0) = 4 × 107, que equivale aproximad