UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Os Espaços de Medo e os de Castigo nas Pequenas Cidades do Estado de São Paulo: o Caso Itirapina. Érico Soriano Orientador: Prof. Dr. Odeibler Santo Guidugli Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia - Área de Concentração em Organização do Espaço, para obtenção do Título de Mestre em Geografia Rio Claro (SP) 2007 303.6 Soriano, Érico. S714e Os espaços de medo e os de castigo nas pequenas cidades do estado de São Paulo: avaliação geral e o caso Itirapina / Érico Soriano. – Rio Claro: [s.n.], 2007 157 f. : il., mapas, tabs., gráfs., fots. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Odeibler Santo Guidugli 1. Violência – Aspectos sociológicos. 2. Criminalidade. 3. Medo. 4. Presídios. Geografia. I. Título. Ficha Catalográfica elaborada pela STATI – Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP Comissão Examinadora Prof. Dr. Odeibler Santo Guidugli (orientador) Profa. Dra. Sueli Andruccioli Felix Prof. Dr. José Sílvio Govone Aluno (a) Érico Soriano Rio Claro, 17 de dezembro de 2007. Resultado: Aprovado Dedico este trabalho a minha família (meus pais, meus irmãos e minha avó), por toda sustentação recebida ao longo dos anos, e pelo apoio incondicional em todos os momentos. A minha namorada Camila, por seu apoio constante em todos os momentos, companheira nesta trajetória. Agradecimentos Prof. Dr. Odeibler Santo Guidugli, pela orientação, pela confiança e pela paciência em diversos momentos do trabalho. Ao Prof. Dr. José Sílvio Govone, amigo que sempre me incentivou e ajudou em vários momentos de minha vida acadêmica. Ao grupo de professores e colaboradores do Gestafuv, em especial: o delegado Dr.Gustavo, e o Coronel Stein, pelo apoio constante. A Prof. Dr. Sueli Andruccioli Felix, juntamente com o amigo Márcio, que contribuíram de forma significativa com este trabalho. Ao desenhista Gilberto Donizeti Henrique, pelo apoio com as figuras e em outras partes do trabalho. Aos funcionários do IBGE-Rio Claro, em especial a Aurora, por toda a ajuda com os dados. Ao Leo e a Mari, pela amizade e pelo apoio nos momento difíceis. Aos amigos: Pedro (BH), Francisco, Ivo, Dante e Ricardo, por todo o companheirismo nos melhores e piores momentos, sempre compartilhados. Aos amigos Fábio Paiva (Cidão), Fábio Nunes (SBO) e Maurício, pela amizade sincera e todos os momentos de alegria ao longo dos anos, sem os quais a caminhada não valeria a pena. A todos que direta ou indiretamente colaboraram com a pesquisa. SUMÁRIO ÍNDICE DE FIGURAS ..............................................................................................................7 ÍNDICE DE TABELAS .............................................................................................................8 RESUMO ...................................................................................................................................9 ABSTRACT .............................................................................................................................10 INTRODUÇÃO........................................................................................................................11 1. O MEDO DO CRIME E A GEOGRAFIA.......................................................................13 1.1. VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE: ALGUMAS PERCEPÇÕES ATRAVÉS DA LITERATURA ...13 1.2. O MEDO EM SI E O MEDO DO CRIME............................................................................20 1.3. AS ESTATÍSTICAS OFICIAIS E A CRIMINALIDADE.........................................................26 1.4. O MEDO DO CRIME E A GEOGRAFIA ...........................................................................30 1.5. A LITERATURA DE MÍDIA IMPRESSA ..........................................................................35 2. OS ESPAÇOS DE CASTIGO..........................................................................................41 2.1. O MEDO DO CRIME E OS ESPAÇOS DE CASTIGO ...........................................................44 2.2. OS PEQUENOS MUNICÍPIOS........................................................................................51 2.3. PEQUENAS CIDADES TAMBÉM COMO ESPAÇOS DE MEDO............................................57 2.4. OS ESPAÇOS DE CASTIGO E AS PEQUENAS CIDADES....................................................61 3. ITIRAPINA: CARACTERIZAÇÃO E ESTUDO DE CASO .........................................70 3.1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................70 3.2. TRANSFORMAÇÕES ESPACIAIS E TEMPORAIS DO MUNICÍPIO DE ITIRAPINA.................70 3.3. A DINÂMICA DEMOGRÁFICA.....................................................................................76 3.4. OS PROCESSOS MIGRATÓRIOS NOS PEQUENOS MUNICÍPIOS ........................................88 3.5. A MIGRAÇÃO EM ITIRAPINA.......................................................................................91 3.6. A MIGRAÇÃO E AS UNIDADES PRISIONAIS ..................................................................95 3.7. DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO POR SEXO E IDADE.....................................................95 3.8. O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL .....................................................................100 3.9. RAZÃO DE DEPENDÊNCIA ........................................................................................104 3.10. A ESPACIALIZAÇÃO DA POPULAÇÃO DE ITIRAPINA .................................................105 3.11. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................125 BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA E CONSULTADA.....................................................130 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 - Valores Absolutos de Homicídios Dolosos no Estado (2000-2005) .......................29 Figura 2 - Manifestações contrárias aos novos presídios em municípios paulistas..................40 Figura 3 - A Evolução da população carcerária do estado de São Paulo .................................48 Figura 4 - Número de Óbitos ocorridos nas Unidades Prisionais de 1999 a 31/12/2005........62 Figura 5 - Freqüência anual de rebeliões nas unidades prisionais entre 1998 e 2005..............67 Figura 6 -Crescimento Populacional de Itirapina, entre 1970 e 2006 ......................................81 Figura 7 - Crescimento populacional de Analândia, Brotas, Itirapina e Torrinha, entre os anos de 1970 e 2003..........................................................................................................................82 Figura 8 - Variação do total de nascidos vivos, óbitos gerais e a Taxa de fecundidade em Itirapina, no período entre 1980 e 2005....................................................................................85 Figura 9 - Fecundidade no município de Itirapina ...................................................................88 Figura 10 - População por Gênero e Razão de Sexos. Estado de São Paulo- 1980-2006 ........96 Figura 11 - Evolução da População masculina e feminina de Itirapina, entre 1970 e 2000.....97 Figura 12 - Pirâmide de Idade do Município de Itirapina do ano de 1991...............................98 Figura 13 - Pirâmide de Idade do Município de Itirapina do ano de 2000..............................99 Figura 14 - Pirâmide de Idade do Município de Itirapina do ano de 2005...............................99 Figura 15 - População com menos de 15 e mais de 60 anos e Índice de envelhecimento. Estado de São Paulo- 1980-2006............................................................................................101 Figura 16 - Índice de envelhecimento de Itirapina, Região de Governo de Rio Claro e do estado de São Paulo, no ano de 2000......................................................................................101 Figura 17 - Setores Censitários de Itirapina para o ano de 1991............................................106 Figura 18 - Setores Censitários de Itirapina para o ano de 2000............................................108 Figura 19 - Densidade Demográfica da cidade de Itirapina,segundo os setores Censitários, para o ano de 2000..................................................................................................................109 Figura 20 - Estrutura etária da população entrevistada ..........................................................114 Figura 21- Localidade de origem da população entrevistada .................................................115 Figura 22 - Criminalidade e medo na cidade de Itirapina ......................................................117 Figura 23 - Natureza da violência sofrida pelos entrevistados...............................................117 Figura 24 - Classificação dos entrevistados quanto a violência em Itirapina.........................118 Figura 25 - As principais causas para a criminalidade em Itirapina.......................................119 Figura 26- Insegurança e presídios em Itirapina ....................................................................120 Figura 27- Insegurança e presídios, para os residentes nos setores 8, 9 e 10 ........................123 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 - Categorias de espaço que as mulheres associam com medo de ataques em Helsinque e Edimburgo............................................................................................................................................. 33 Tabela 2 - Pesquisas de Vitimização no Brasil ..................................................................................... 34 Tabela 3- Totais de municípios, divididos em categorias, até 50 mil habitantes. censo 2000 .............. 52 Tabela 4 - Os quinze menores municípios do estado de São Paulo em 2000 e 2005, segundo os totais de suas populações ................................................................................................................................ 52 Tabela 5- Perfis Municipais de uma amostra de pequenos municípios do estado de São Paulo........... 53 Tabela 6 - Totais de cidades, segundo as categorias dimensionais. São Paulo-1940/1980................... 60 Tabela 7 - Unidades Prisionais em pequenas cidades (até 20 mil habitantes). Perfil municipal Seade, 2005....................................................................................................................................................... 62 Tabela 8- Evolução da população de Itirapina ...................................................................................... 79 Tabela 9 - Medidas demográficas e não demográficas do município de Itirapina ................................ 80 Tabela 10 - População total, nascimentos, óbitos e valores decorrentes do município de Itirapina, entre 1970 e 2006........................................................................................................................................... 83 Tabela 11 - Evolução de alguns grupos de idade e de gênero, entre os anos de 1980, 1991, 2000 e 2005 ............................................................................................................................................................... 86 Tabela 12 - Os quinze maiores municípios do estado de São Paulo ..................................................... 89 Tabela 13 - Os quinze menores municípios do estado de São Paulo .................................................... 90 Tabela 14 - Procedência dos Não naturais do município de Itirapina, segundo as unidades da Federação, com destaque para o Estado de São Paulo .......................................................................... 91 Tabela 15 - Procedência dos não-naturais no município de Itirapina ................................................... 93 Tabela 16 - Pessoas não naturais em Itirapina segundo o tempo de residência no município .............. 94 Tabela 17 - População residente e por sexo, no município ................................................................... 96 Tabela 18 - Razão de Sexos de Itirapina, Torrinha, Analândia, Região de governo de Rio Claro e estado de São Paulo em 2006................................................................................................................ 98 Tabela 19- Evolução dos totais de população de 60 a 69 e de mais de 70 anos para o município de Itirapina, nos anos de 1980, 1985, 1990, 1995, 2000 e 2005 .............................................................. 102 Tabela 20- Projeções de população para as faixas etárias de 0 a 14; 15 a 59; 60 mais, para os anos de 2005, 2010, 2015 e 2020 ..................................................................................................................... 103 Tabela 21-Grupos de idade de Itirapina e Razão de dependência....................................................... 104 Tabela 22- Setores censitários IBGE- Itirapina para o ano de 1991: População e domicílios ............ 106 Tabela 23- Setores censitários IBGE- Itirapina para o ano de 2000: População e domicílios ............ 107 Tabela 24 - Ocorrências criminais em Itirapina .................................................................................. 111 Tabela 25- Perfil dos entrevistados no trabalho de campo.................................................................. 113 Tabela 26- Percepção dos entrevistados durante o trabalho de campo, em relação a insegurança e ao medo em Itirapina ............................................................................................................................... 113 Tabela 27 - Totais das principais causas da criminalidade em Itirapina, em função das áreas de insegurança.......................................................................................................................................... 120 Tabela 28- Perfil dos entrevistados dos setores 9, 10 e 11.................................................................. 121 Tabela 29- Percepção dos entrevistados durante o trabalho de campo, em relação a insegurança e ao medo dos setores 9, 10 e 11................................................................................................................. 122 Resumo Os índices de criminalidade vêm alcançando níveis acima do tolerado, sendo o crime uma forma perversa que se apropria do espaço da vida física e psicológica das pessoas. A criminalidade vêm apresentando contornos graves e o sentimento de medo e de insegurança da população também vêm crescendo significativamente, deixando de ser um “privilégio” das grandes cidades e atingindo, cada vez mais as pequenas. Neste trabalho, buscou-se relacionar o medo com as estatísticas criminais e, em seguida, com a geografia, através nas modificações espaciais que o medo é capaz de provocar e nos valores e percepções das pessoas. Além dos espaços de medo que as cidades, cada vez mais, apresentam, há também os espaços de castigo. A multiplicação do crime impõe penalidades que acabam sendo cumpridas de forma coletiva e confinada. Disto resultam os espaços de detenção que representam locais de punição para os criminosos. Porém, de forma controversa, representam grande apreensão e insegurança para a população das cidades onde estão inseridos. A primeira etapa do trabalho se caracterizou por um embasamento teórico acerca dos temas, através da apreciação de trabalhos geográficos e não geográficos, face a abertura conceitual e a diversidade de obras sobre a temática, predominando os não geográficos. A segunda correspondeu ao desenvolvimento do perfil de Itirapina e, da pesquisa de campo. Esta última contemplou empiricamente o estudo do medo, com a aplicação de questionários para uma amostra da cidade, que atingiram, proporcionalmente, a totalidade dos setores censitários da mesma. O campo teve a finalidade de medir a percepção da população com respeito à criminalidade e ao medo na localidade, principalmente, a sua relação com as unidades prisionais. A análise dos questionários e as impressões de campo, permitiram a conclusão de que o medo é uma constante na cidade. Embora isto não seja constatado, de forma incisiva, através da análise dos índices de criminalidade, o medo se tornou uma constante que atinge percentagem expressiva da população de Itirapina. PALAVRAS CHAVE: MEDO, CRIME, PRESÍDIOS E GEOGRAFIA. Abstract The crime indices come reaching levels above of the tolerated, being the crime a perverse form that appropriates of the space of the physical and psychological life of the people. Crime are presenting serious contours and the sense of fear and insecurity of the population are also growing significantly, leaving to be a “privilege” of the large cities and reaching, each time more the small ones. In this work, sought to link the fear with the criminal statistics, and then with the geography, through changes in the space that is capable of causing fear in values and perceptios of people. Beyond the fear spaces that the cities, each time more, present, there is also the spaces of punishment. The multiplication of the crime imposes penalties that have just been completed on a collective and confined form. Of this the detention spaces result that represent places of punishment for the criminals. However, also, they represent great apprehension and insecurity for the population of the cities where they are inserted. The first stage of the work was characterized for a theoretical basement concerning the subject, through the appreciation of geographic and non-geographic works, face the conceptual opening and the diversity of conceptual works on this subject, mainly the non- geographics. The second stage corresponded to the development of the profile of Itirapina and, of the field research. This last one, empiricaly contemplated the study of the fear, with the application of questionnaires for a sample of the city, reaching all the tax sectors of the same one. The field had the purpose to measure the perception of the population about crime and to the fear in the locality, mainly, its relationship with the prison units. The analysis of the questionnaires and th impressions from the field, had allowed the conclusion that the fear is a constant in the city. Althought this is not evidenced, so incisively, through analysis of rates of crime, the fear has become a constant that reaches significant percentage of the population of Itirapina. KEY WORDS: FEAR, CRIME, PENITENTIARIES AND GEOGRAPHY. 11 Introdução “A vida é maravilhosa quando não se tem medo dela” (Charles Chaplin) A Geografia, através de sua visão holística do espaço, apresenta subsídios suficientes para o estudo de questões do cotidiano, principalmente, considerando a relação entre o espaço e a sociedade. Desta forma, questões atuais relevantes como a violência e a criminalidade deveriam ser, e são, objetos de estudo desta ciência. Este trabalho teve por objetivo contribuir para a Geografia no que concerne aos estudos da violência, da criminalidade e, de forma mais especifica, o medo. De forma complementar, buscou-se relacionar estas temáticas com as unidades prisionais, como elementos da paisagem que contribuem para a difusão da insegurança e do medo para as cidades em que estão inseridos. Em se tratando de ambiente urbano, muitos são os aspectos que, direta ou indiretamente, afetam a maioria dos habitantes - pobreza, violência, criminalidade etc. Baseada numa visão humanística da geografia, a percepção do medo da violência, e do crime modificam, de forma significativa, o cotidiano das pessoas. Desta forma, o capitulo 1 abordou, como temática, as questões do medo do crime e da geografia, através da obtenção da bibliografia referente às mesmas e as pequenas cidades. Neste sentido, buscou-se obter e utilizar os trabalhos geográficos mas, pela abertura epistemológica proporcionada pelo tema, assim como pela escassez de trabalhos geográficos, foram utilizadas, também, referencias de pesquisadores de outras áreas já citadas do conhecimento, com as quais esta ciência dialoga. A partir desta base teórica, relacionou-se o medo com as estatísticas criminais e, com a Geografia, através das modificações espaciais que as conseqüências do mesmo são capazes de provocar. Estas caracterizadas por alterações urbanísticas provocadas em função do sentimento de insegurança da população. O capitulo seguinte teve como base a questão dos espaços de castigo, ou seja, as unidades prisionais e, de forma constante, sua relação com o medo do crime. Constatou-se que estas unidades acabaram se tornando centros difusores deste sentimento para a população de muitos lugares, em especial para este trabalho, nas cidades pequenas. Desta forma, foram obtidos dados e foi feita uma caracterização do sistema penal paulista. Ainda no referido capítulo, abordou-se a temática dos pequenos municípios e das pequenas cidades, desde a sua definição e diferenciação, até as suas significâncias sócio espaciais no contexto do estado de São Paulo. 12 No capitulo 3, o cerne teve como base o estudo de caso da cidade de Itirapina, através de sua história, análise demográfica, socioeconômica, etc. Desta forma, teve como referência a questão da existência de dois grandes presídios como potenciais de geração de problemas na localidade. Este aspecto serviu como fundamentação para a elaboração e a aplicação do questionário sobre parte da população urbana, que revelou o perfil demográfico de Itirapina, assim como a relação da população com a criminalidade e com as unidades prisionais. Os dados produzidos e utilizados no capítulo 3 serviram de base para o fechamento do trabalho e a elaboração das considerações finais. 13 1. O medo do crime e a Geografia 1.1. Violência e criminalidade: Algumas percepções através da literatura A temática da violência é extremamente variada e diversificada. Por isto, apresenta vários significados, podendo ser física ou psicológica, em diferentes graus de intensidade. Estes podem apresentar diferenciações de acordo com as pessoas, suas formações, seus valores e percepções, e o contexto em que o ato violento está inserido. Por ser tão diversa, tem sido estudada pelos diferentes ramos da ciência e por um amplo espectro de especialistas, tais como: sociólogos, advogados, psicólogos, economistas, estatísticos, demógrafos, assim como pelos geógrafos. A atuação criminosa decorre de leis que a define. Neste sentido, a amplitude das ações criminosas é muito grande e a sociedade apresenta respostas diferentes para cada crime. Por exemplo, um crime de pequeno porte, como um furto de algum produto num supermercado, em todas as suas dimensões, é bastante diverso daquele envolvendo, por exemplo, o assalto a um banco. A percepção da violência e do crime está mais relacionada aos delitos mais violentos, como a utilização de força física e armas de fogo. No âmbito da temática da violência, busca-se estudar a criminalidade por se tratar de uma problemática crescentemente significativa na sociedade atual e que algumas modalidades podem provocar modificações, especialmente no espaço urbano e no comportamento das pessoas. Porém, há também outras como o estelionato que é crime e sua prática não provoca modificações no espaço. Qualquer que seja o tema escolhido para a pesquisa científica, a avaliação do “estado da arte” é importante. No caso, a temática da criminalidade, do medo e do castigo já são linhas de trabalho tradicionais, tomando como exemplo Foucault que já trabalha nesta área há décadas. Porém, mais ainda pelo seu caráter relativamente recente na Geografia, embora o estudo sobre esta temática já tenha 35 anos, o tema é inovador pela sua contundência sobre a vida e sua qualidade nas cidades. Assim, uma etapa relevante foi a de buscar o referencial bibliográfico, bem como o material qualitativo sobre a temática das cidades pequenas, buscando, inicialmente, trabalhos mais recentes. Assim, a partir de 1980, iniciou-se a busca visando inventariar e avaliar a literatura produzida sobre um tema ainda controverso, principalmente considerando os fatores relativos à qualidade de vida e à criminalidade. 14 Devido à escassez de bibliografia que abordasse, especificamente, a temática das cidades pequenas (principalmente em idioma nacional), procedimentos particulares tiveram que ser adotados. Assim utilizamos, para a ampliação do conjunto, obras de referência como: o Geographical Abstracts: Séries Human Geography; a base de dados DOCPOP/DOCPAL1, gerenciada pela Fundação SEADE e pelo CEPAL, e o Population Index (Pop Index) da Universidade de Princeton (USA). E também alguns sítios como: o da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP); o Scientific Electronic Library On Line (SCIELO Brazil); a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); e o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) este, principalmente, através da Revista Brasileira de Administração Municipal especializada em Administração Pública, foram contributivos. Além destas fontes foram utilizadas outras referências em pesquisas populacionais e urbanas como: a própria Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), gerenciada pela Organização das Nações Unidas; a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE); e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma significativa parcela da pesquisa sobre obras relativas às cidades pequenas se deu durante os trabalhos do Projeto para Iniciação Científica, bem como o Trabalho de Conclusão de Curso (SORIANO 2004), este último, ao mesmo tempo em que se mantém na linha de pesquisa das cidades pequenas, a qualifica de acordo com as temáticas do crime, medo e castigo. Para a bibliografia referente à criminalidade e aos espaços do medo buscou-se utilizar o mesmo procedimento de busca realizado para as pequenas cidades, aproveitando as bases e textos de referência que também abordassem a violência e a criminalidade urbanas. Para complemento da bibliografia foram utilizados, além dos trabalhos relacionados ao GESTAFUV2, o acervo presente na Biblioteca do IGCE da Unesp, Campus de Rio Claro, com obras de referência, dissertações, teses e periódicos, principalmente: Urban Geography, Landscape and Urban Planninig, The Professional Geographer, Geoforum, Applied Geography e Progress in Human Geography. Deve-se destacar que o número de publicações sobre os temas em língua portuguesa é reduzido, daí a importância da utilização das bases já referidas. Da mesma forma, esta temática relacionada à criminalidade e ao medo do crime, como já foi dito, não é uma 1DOCPOP: Sistema de Documentação sobre População no Brasil. DOCPAL: Documentos sobre población en América Latina y el Caribe. 2 Grupo de Estudos e Análise dos Fenômenos Urbanos e da Violência do Departamento de Estatística, Matemática Aplicada e Computação. Unesp Rio Claro. 15 exclusividade da ciência geográfica, portanto há a necessidade da busca por autores de outras áreas como; a Sociologia, a Psicologia, o Direito, etc. Destaca-se a rarefação de obras nacionais sobre este tema, principalmente no que tange à Geografia. Há sim, grande quantidade de artigos e livros no idioma inglês, principalmente oriundos do Reino Unido. Por envolver o estudo da população, o sítio da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), é muito rico em trabalhos, da mesma forma que a base de dados DOCPOP/DOCPAL da Fundação SEADE e o Centro Latino Americano e Caribenho de Demografia (CELADE). A questão da violência e do crime vem se tornando um grande alvo de pesquisas por muitas áreas do conhecimento, não apenas científico, mas também por outros meios de comunicação como a televisão, o rádio, a internet e, principalmente, a mídia impressa, que sempre aborda questões do cotidiano relacionadas ao crime e ao medo. Desta forma, buscou- se analisar os jornais de maior expressão e importância no estado: o Estado de São Paulo, através do caderno Cidades, e a Folha de São Paulo, através do caderno Cotidiano. Porém, pelo fato do estudo ter como referência a análise do município e cidade de Itirapina, também foi necessário buscar nos periódicos regionais e locais como: o Jornal Cidade e o Diário de Rio Claro, ambos sediados no município de Rio Claro, assim como o Jornal Regional que abrange, dentre outros municípios, Itirapina, local do estudo. A questão do crime também se mostra muito variada e diversificada, apresentando várias formas e pesos para cada sociedade. Tanto pode ser considerado como crime o tráfico de drogas quanto os chamados crimes de colarinho branco, assim como uma agressão física. Desta forma, trata-se de uma definição com significados amplos. De acordo com Kowarick e Ant (1982, p. 31): “... é também necessário deixar explicito que, não obstante o aumento do crime nas suas várias manifestações, quando se fala em violência urbana, geralmente se tem em mente a delinqüência das camadas pobres, a assim chamada criminalidade de rua, ao mesmo tempo em que se esquecem outras expressões de violência que afetam rotineiramente milhões de pessoas.” De acordo com Peet (1975, p. 277/8), a geografia do crime tem como objetivo o estudo dos crimes cometidos com ou em classes mais baixas. Desta forma, deixa de lado os crimes com um nível de sofisticação maior como crimes de colarinho branco. 16 Os índices de criminalidade vêm alcançando níveis acima do tolerado3, sendo o crime uma forma perversa que se apropria do espaço e modifica a sua feição. Através da consideração do crime em si mesmo ou, pelos seus efeitos, a complexidade do estudo da criminalidade permite várias facetas em sua análise. Uma delas está no medo crescente daqueles que vivem nos espaços onde ela ocorre. Assim, a criminalidade vem apresentando contornos graves, e o sentimento de medo e insegurança da população vem crescendo significativamente. Trata-se de uma realidade que atinge muitos países e grande percentagem da população mundial. Mesmo nos chamados países desenvolvidos, cidades importantes como Nova Iorque e Paris também apresentam altos índices de criminalidade e elevado grau de insegurança, principalmente no período noturno. Portanto, trata-se de um problema mundial e de difícil solução. Deve-se levar em conta também a relação entre crimes e civilizações diferentes. Os crimes apresentam pesos e penas diferenciados entre as diferentes culturas. O que é passível de penalidade num país não é, necessariamente, em outro. Em alguns países islâmicos é permitido matar em nome da honra da família, sem que este ato seja considerado ilícito e merecedor de punição. Porém, o consumo de bebidas alcoólicas é proibido, pois representa uma afronta à religião islâmica. Em outros países como a Holanda, é permitido o consumo de maconha sem a necessidade de receita médica, o que justifica o seu uso em outros países. Até pouco tempo podia-se afirmar que a insegurança era uma exclusividade das capitais e das grandes cidades. Porém, o que se observa na atualidade é uma migração dos crimes e da violência, principalmente para as cidades de médio porte. Entretanto, com certa perplexidade, verifica-se que eles atingem também e, cada vez mais, as pequenas cidades. De acordo com Guidugli (1985, p. 31), “Um fato é inegável – o crime urbano é um dos sérios problemas sociais das cidades e o interesse da geografia pelo seu estudo deve, antes de qualquer coisa, vincular-se a uma reorientação da própria ciência que busca, à luz de teorizações diversas, explicar as múltiplas desigualdades espaciais.” Deve-se levar em consideração a migração do comportamento violento, principalmente quando o mesmo alcança as pequenas e médias cidades. Este fenômeno pode ser observado nas cidades que se localizam próximas a um centro de maior porte. Devido à 3 Não há uma tolerância explícita para a criminalidade. Só a partir de um certo número de ocorrências é que se começa a considerar um grupo como violento. Trata-se de uma análise comparativa. 17 proximidade, embora continuem demograficamente pequenas, apresentam maior dinamismo, um fluxo maior de pessoas e negócios e, de forma negativa, tornam-se mais vulneráveis a situações novas e podem registrar acréscimos nos índices de violência e criminalidade. Conforme os trabalhos produzidos pelo Núcleo de Estudos sobre a Violência da USP (NEV), deve ser enfatizado ainda, que a sensação de insegurança da população não é determinada apenas pelas estatísticas policiais ou pela sua percepção das taxas de crimes. Sinais de decadência urbana, de desorganização social e de incivilidade também produzem medo e insegurança. Segundo Felix (2002, p.138), que trabalha especificamente com a geografia do crime: “A manifestação espacial do crime modifica os valores e as percepções espaciais, deteriora os espaços urbanos, altera os níveis de concentração ou esvaziamento e cria espaços de medo. A relação crime/insegurança (medo de se tornar vítima) determina uma geometria sócio-espacial que ultrapassa as classes sociais e as condições físicas do ambiente, relacionando-se especialmente ao modo como as pessoas sentem o ambiente urbano com as suas contradições.” Igualmente, Doeksen (1997, p. 243) afirma que: “Está crescendo o sentimento de que o mundo em frente a sua porta é um mundo de vandalismo e agressão, onde nós nos sentimos mais ameaçados do que em casa, o que pode ser fatal para o planejamento urbano”. De acordo com Caldeira (2003), a vida cotidiana e a cidade sofreram alterações devido ao crescimento do crime violento e do medo. Esta realidade se reflete nas conversas diárias da população, o que faz esta realidade se proliferar e circular na cidade. Em todos os lugares, estes são os assuntos mais comentados e difundidos pela população, o que mostra o seu nível de preocupação em relação à insegurança e ao medo nas cidades. O sentimento de insegurança da população pode, em alguns lugares, gerar alterações no cotidiano da sociedade, como: mudança para horários mais “seguros” para se relacionar, evitando transitar por locais mais “perigosos”, entre outros, além de minar as relações sociais e depreciar a vitalidade das cidades. Nos locais onde esta realidade é observada, este fator acelera os processos de modificações no uso dos espaços, que através do abandono e da degradação, tornam-se áreas repulsivas. Desta maneira, ao mesmo tempo, no espaço urbano ocorrem transformações territoriais para mitigar as causas originárias de violência e de 18 criminalidade. Como exemplo, temos o incremento dos sistemas de segurança e a fortificação das residências. Um exemplo desta realidade é o município de Vinhedo, que devido à proximidade com a região metropolitana de Campinas, importa a sua violência e sua criminalidade. Porém, este município com população de 56.062 habitantes (Fundação Seade, 2005) apresenta 31 condomínios e loteamentos fechados, alguns de grande porte, atendendo a uma população urbana4 de alta renda de toda a região, que se muda para estes complexos sob a suposição de que nestes espaços os índices de criminalidade podem tender a zero. De acordo com Caldeira (op. cit1 p.267), “Apenas com ‘segurança total’ o novo conceito de moradia está completo. Segurança significa cercas e muros, guardas privados 24 horas por dia e uma série infindável de instalações e tecnologias - guaritas com banheiro e telefone, portas duplas na garagem, monitoramento por circuito fechado de vídeo, etc. Segurança e controle são as condições para manter os outros de fora, para assegurar não só exclusão, mas também ‘felicidade’, ‘harmonia’ e até mesmo ‘liberdade’.” Apesar disso, esta infra-estrutura não nos dá a garantia de que estamos a salvo do crime e do medo por ele provocado. O que mais impressiona nesta situação é que não se trata de uma questão hodierna. As cidades européias não deixaram de ser fortificadas pela ausência do medo e do perigo, e sim pela ineficácia dos muros em relação a bombardeios aéreos. Portanto, a idéia de enclaves medievais que ocorriam em tempos remotos se reproduz de forma semelhante na atualidade, mas sem a ameaça de “povos bárbaros”. Hoje os “bárbaros” seriam outros. Porém, mesmo enclausurados em condomínios fechados ou em locais mais seguros, não existe este conceito de segurança total. Além do risco de crimes bem planejados, há uma outra modalidade de medo, que são as ameaças que podem ser recebidas via telefone fixo, celular, mensagens eletrônicas, etc. É uma situação potencial de perigo que pode ocorrer mesmo dentro de nossas casas ou em qualquer lugar em que possamos ser localizados. Há alguns aspectos demográficos que devem ser considerados em face à violência e à criminalidade: 4 População rurbana corresponde àquela que reside em municípios que não são nem urbanos nem rurais, sendo uma categoria intermediária. 19 1. Quanto à população rural e urbana, deve-se destacar que a freqüência de crimes ocorridos nas cidades é muito superior à registrada no campo. Não estamos negando a violência no campo, assim como em qualquer aglomerado populacional. Apenas, que o Brasil apresenta uma urbanização de mais de 80%, o que significa a imensa maioria da população vivendo nas cidades e, aliados ao fenômeno da metropolização, o crime e o medo ocorrem, principalmente, no meio urbano. Deve-se destacar a tipologia criminal rural e urbana, as quais apresentavam características diferentes umas das outras, porém hoje não apresentam mais as mesmas características, principalmente pelo fato de que o nível de vida, de recursos e de bens de quem vive na zona rural também mudou muito. Na área urbana temos os índices mais elevados de concentração de população jovem, o que significa uma outra dimensão na questão da criminalidade; 2. Uma outra relação que chama a atenção, do ponto de vista demográfico, é a questão do gênero. Considerando a maior incidência da prática criminosa entre a população masculina, verifica-se que a imensa maioria dos detentos são homens. De acordo com a reportagem do Estado de São Paulo, publicada em 06/05/20025, 95,6% dos presos eram homens. Esta especificidade deve ser remetida não apenas à quantidade de crimes cometidos por uns e outros, mas também aos tipos de crime que, regra geral, as mulheres cometem. Deve-se destacar que a grande maioria dos crimes hediondos e/ou violentos são cometidos pela população masculina, embora este perfil já tenha começado a dar sinais de mudança. Entretanto, até o momento, a população carcerária masculina é maior do que a feminina. 3. Quanto à distribuição de renda, a desigualdade social e econômica é geralmente associada à emergência de atos violentos e criminosos. De acordo com Coelho (1980), associar a pobreza à criminalidade é uma tese “metodologicamente frágil, politicamente reacionária, e sociologicamente perversa”. 4. Por outro lado, é preocupante o crescimento de crimes cometidos por pessoas de classe média, já que não é justificado pela pobreza material. Os grandes atos criminosos necessitam de um nível de sofisticação e de recursos, o que inviabiliza o criminoso mais humilde de certas ocorrências. Nesta categoria criminal, face à ausência de violência explícita que não o qualifica como um crime que gere insegurança à população, e o acesso a mecanismos legais de defesa, como bons advogados, as penas são, regra geral, mais brandas e reduzidas. 5 “Brasil tem 235 mil presos e apenas 170 mil vagas” 20 5. Também devem ser feitas algumas considerações sobre a migração e o comportamento de parte da população das pequenas cidades. Nesta categoria devem-se avaliar as pequenas cidades desprovidas de presídios e aquelas que os têm. Algumas cidades com mais de um, como é o caso de Itirapina. Nestas pequenas cidades, o crescimento demográfico deve ser debitado à migração compulsória dos presos e à complementar de seus familiares. Isto transtorna a vida social urbana, fazendo com que sejam mais facilmente percebidas as diferenças entre quem é nativo e quem não é. Nestas condições, os nativos conhecem a maior parte da população desta cidade e observam, atentamente, os comportamentos, costumes e intenções da própria população e, principalmente, daqueles que vêm de fora. Esta é uma perspectiva na qual o “outro” perturba a realidade social de determinada localidade. Este é um elemento que dificulta a prática criminosa de um indivíduo em uma cidade de porte reduzido, face ao seu caráter alienígena em relação à cidade. De acordo com Jacobs (2003), em coletividades pequenas todo mundo sabe sobre a vida de todo mundo. É uma questão conflitante em relação à análise de uma grande cidade, na qual o outro se torna uma possível ameaça, e a privacidade na zona urbana se torna preciosa: “... se trata de uma das dádivas da vida nas grandes cidades mais intensamente apreciadas e zelosamente preservadas”. Desta forma, o sentimento generalizado de insegurança da população em geral, num estágio mais elevado, torna-se uma fobia caracterizada pelo medo da violência e da criminalidade. 1.2. O medo em si e o medo do crime O aumento elevado dos índices de criminalidade no Brasil como um todo, aliado aos meios de comunicação que, cada vez mais, exibem violência e criminalidade explícitas em qualquer horário, provocam o conseqüente aumento do sentimento de insegurança da população. O crime em si já é uma questão desafiadora para a sociedade, uma vez que ele vem crescendo em níveis preocupantes, principalmente, nos países que apresentam grande desigualdade social e econômica. Tão problemático quanto à criminalidade em si, o seu efeito é correspondente ao medo do crime. Ele é hoje uma realidade que não pode ser pormenorizada, uma vez que atinge, em graus diferenciados, todos os níveis da sociedade. O medo independe da classe social, do local de residência, do município em que se reside, etc, 21 configurando-se num grande problema hodierno, uma vez que a insegurança é uma realidade cada vez mais comum. Da mesma forma que o crime em si passou a ser objeto de estudo, o medo do crime também. O medo é um problema tão antigo quanto o homem, esta percepção em relação ao crime vem se configurando num tema de grande relevância atual, e que é explorado pelas chamadas ciências humanas e pelas sociais, principalmente pela sociologia, antropologia e geografia. Geograficamente as grandes cidades vão multiplicando seus espaços de medo. É analisado também em outros ramos do conhecimento como a filosofia, o conhecimento crítico (meios de comunicação), o senso comum, dentre outros. De acordo com Masci (1998, p. 12), “Medo é um sentimento universal e muito antigo. Pode ser definido como uma sensação de que você corre perigo, de que algo de muito ruim está para acontecer, em geral acompanhado de sintomas físicos que incomodam bastante. Quando esse medo é desproporcional à ameaça, por definição irracional, com fortíssimos sinais de perigo, e também seguido de evitação das situações causadoras de medo, é chamado de fobia.” Também relacionado ao medo, Smith (1987, p.2) afirma: “Surveys usually measure fear by asking how safe people feel in different circumstances and how much they worry about different types of crime. Broadly, what is being tapped is an emotional response to a threat: an admission to self and others that crime is intimidating; and an expression of one’s sense of danger and anxiety at the prospect of being harmed.” Estas formas de medo marcam, de forma crescente, os espaços urbanos, especialmente dos países menos desenvolvidos. Também se observa esta realidade em países mais ricos e/ou com melhor distribuição de renda e de cidadania para sua população. Basta observar verdadeiras barbáries e o grande sentimento de medo em que vivem os norte-americanos que se isolam em seus subúrbios, cada vez mais fortificados. Da mesma forma, o medo gerado pelos descendentes de imigrantes na França que incendiaram centenas de carros em 2005. Embora nascidos em território francês, não são assim considerados e nem gozam dos mesmos direitos que os franceses. 22 De acordo com Rico e Salas (1992, p. 1), “Medo do crime é, desde alguns anos, um fenômeno social que merece um exame detalhado. Por si mesmo, ele representa um perigo para o bem-estar coletivo. Em muitos casos ele ainda produz mudanças importantes nas condutas dos cidadãos, algumas das quais podem pôr diretamente em perigo a segurança da população (aquisição de armas, cachorros, com fins defensivos) e de certa forma contribuir ainda para o aumento da criminalidade. Assim, pois, o medo do crime pode ser tão ou mais danoso para a sociedade do que o próprio crime.” Atualmente as pessoas apresentam um crescente sentimento de insegurança ao saírem de casa, vendo ao seu redor pessoas consideradas “estranhas”. Até mesmo dentro de casa isso se passa, onde ocorre a maior parte das agressões, ou seja, a violência doméstica. Isto ocorre principalmente nas grandes cidades que registram altos índices de criminalidade. Neste sentido, muitas pessoas evitam sair de casa no período noturno, o que significa um decréscimo na circulação e na qualidade de vida da população, bem como na economia das cidades. Porém, esta realidade já deixou de ser exclusiva das grandes cidades, ocorrendo até em algumas pequenas. Embora os homicídios ocorram com uma freqüência bem maior na população masculina, principalmente na faixa etária dos 15 aos 24 anos, deve-se destacar ainda a população idosa, pois ela se tornou um alvo relativamente fácil para a criminalidade e, da mesma forma, em relação à insegurança e ao medo do crime. De acordo com Smith, op. cit, os idosos apresentam um medo grande de assaltos, assim como de crimes residenciais. Ele afirma também que os idosos norte-americanos consideram o crime como o mais sério problema social. Segundo Stafford e Galle (1984), o medo desproporcional que a população idosa apresenta resulta da inabilidade de resistir aos ataques. Também, Berg e Johnson (1979) sugerem que o medo do crime entre a população idosa é conseqüência da sua relativa falta de força em relação à sociedade, bem como sua impotência no controle do crime. Segundo Evans e Fletcher (2000), o medo do crime é um problema muito maior do que o crime propriamente dito, uma vez que ele afeta uma quantidade muito maior de pessoas. Assim, ele se converte em uma boa justificativa para a realização deste estudo. Em todas as pesquisas de opinião, a violência e a criminalidade são a grande preocupação da população e sempre envolvem um grande discurso político para as promessas de campanha eleitoral. 23 Segundo Kowarick e Ant (op. cit. 1 p. 33), “pode-se constatar que o fenômeno da violência urbana tornou-se fato cotidiano para os habitantes da cidade e, em contrapartida, o medo passou a ser uma difusa e poderosa sensação que a todos acompanha”. Esta idéia se identifica com a de Maxfield (1984) apud Smith (op. cit, p. 5), que afirma: “Distressing though the direct effect of crime can be, it is important to recognize that is not only (or even) recent, victims who are fearful. In Britain, for instance, people who never been assaulted are as likely to express anxiety about their personal safety as are those who have been attacked.” Esta é uma constatação relevante, uma vez que o medo ao se tornar coletivo e contagioso, se converte num significativo instrumento de mudanças sociais e espaciais. Ainda de acordo com Kowarick e Ant (op. cit. 2, p. 33), “... parece agudizar-se uma rotinização do medo no sentido de este não ser mais um fenômeno episódico e extraordinário, tornando-se elemento cotidiano, com o qual as pessoas precisam conviver: o medo tornou-se fato corriqueiro, alastrando profunda insegurança na medida em que os indivíduos se sentem desprovidos dos meios para controlar aspectos essenciais de sua sobrevivência.” Este sentimento de insegurança que a população sente nos dias de hoje é amplamente alimentado e ampliado pelas notícias e pela mídia. Exemplos para tal situação não são raros, uma vez que motins e rebeliões de presos estão quase que, diariamente, nas manchetes dos jornais ou nos noticiários das televisões. Pode-se observar o aumento do número de programas jornalísticos sensacionalistas em todos os meios de comunicação, que mostram a violência e a criminalidade indiscriminada em tempo real. Esta relação entre a mídia e o medo do crime também deve ser considerada, devido à possibilidade da intencionalidade da violência explícita nos meios de comunicação, como elemento de controle e consumo. A questão da mídia e da violência explícita na televisão também se mostra como um grande agente intimidador para a população em geral, principalmente para aqueles que moram nos grandes centros. De acordo com Queiroz (2002, p.34), “O medo desencadeado pela situação de violência que se registra de forma mais intensa nas grandes cidades brasileiras, em particular Rio de Janeiro e São Paulo, ganhou status de problema nacional. Isso porque, além da gravidade e intensidade 24 com que atinge os grandes centros urbanos, essa situação, quando noticiada, recobre o território nacional de forma instantânea e homogênea – circulando inclusive em nível mundial. Faz-se, portanto, presente de forma generalizada, no espaço urbano. Sejam grandes, médias ou pequenas, as cidades brasileiras vêm, paulatinamente e sistematicamente, internalizando o medo da violência urbana como elemento indissociável da vida na cidade.” De acordo com Neves (2000, p. 2), “Vivemos uma verdadeira paranóia coletiva, amplificada e retroalimentada pelas notícias e pelas interpretações dadas a elas pela mídia. Em muitos casos, pode-se perceber uma completa inversão de valores, configurada por críticas e reprovações que atingem inclusive aqueles que cumprem seu dever. Parece que nossos órgãos policiais sentem-se acuados diante de tantas ocorrências e tantas reclamações, que transmitem à população uma sensação ainda maior de insegurança e medo. A constatação de tal situação não é difícil, uma vez que, por exemplo, temos o elevado aumento de violência dos policiais por causas externas.” Ainda relacionado aos policiais, destaca-se a grande quantidade de trabalhos referentes à violência urbana que desqualificam os policiais, quase sempre relacionados à corrupção e à própria violência policial no Brasil. Esta situação, relacionada à corrupção e à violência, é responsável por uma quantidade excessiva de mortes. De forma semelhante, reflete-se outra modalidade do medo: o da população em relação aos policiais, quando estes deveriam representar exatamente o inverso. Trata-se de um resquício do período da ditadura militar, no qual, em alguns casos, a polícia era de fato repressora e temida por parte significativa da população, principalmente no caso dos policiais da ROTA6. Os policiais, como em qualquer ramo de atividade, apresentam uma parcela do seu efetivo despreparada e/ou corrupta. Qualquer país que não pague dignamente sua polícia provocará corrupção. E a realidade brasileira se mostra muito complicada, por exemplo, devido à baixa remuneração muitos policiais vivem em habitações humildes e próximos a delinqüentes que eles deveriam prender. Porém, todos convivem no mesmo espaço, o que gera um grande problema, pois o policial e sua família estão em constante perigo devido ao dever imposto pelo seu trabalho. O sociólogo Kahn (2002) revela que a percepção de insegurança das pessoas não é gerada, necessariamente, pelo fato de terem presenciado ou sido vítimas de violência. "As 6 ROTA: Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar. 25 pessoas, hoje, têm maior contato com os casos de violência, pois os meios de comunicação estão divulgando mais o assunto. A televisão e o rádio contribuem para o agravamento do medo", analisa o sociólogo. Dados de sua pesquisa confirmam esse fenômeno. Embora cerca de 80% das pessoas entrevistadas consideram que a violência esteja crescendo no país e no estado, apenas 41% delas acreditam que ela tenha aumentado na sua vizinhança. "Quase sempre a violência nos 'outros locais' é percebida pelos respondentes como pior do que no local em que se vive. Os dados evidenciam que se trata de um fenômeno uniformemente distribuído pelas regiões analisadas.” Este fenômeno de percepção da criminalidade e da violência que se observa em outro lugar é interessante. A identidade com o lugar faz com que o “outro” seja pior, em condições mais precárias, sempre pior que o nosso. Desta forma, o excesso de violência explícita banaliza a questão a ponto de parte da população considerar que a criminalidade excessiva existe, mas em outro lugar que não o seu bairro. Destaca-se que, embora a grande mídia se concentre nos grandes centros urbanos, principalmente nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, seus efeitos intimidadores relacionados ao medo têm um alcance muito maior, transmitindo o medo do crime para praticamente todo o país. Esta exposição exagerada destas duas cidades retrata, de forma acentuada, os índices reais de violência e criminalidade que apresentam. Isto gera uma repulsa nos moradores de outros estados ou mesmo do interior de São Paulo e Rio de Janeiro, que apresentam medo de morar nestas cidades, assim como de atravessá-las, face à avalanche de notícias negativas registradas diariamente pela mídia. Ainda de forma simplificada, esta relação entre o medo e os meios de comunicação foi explorada pelo documentário “Tiros em Columbine”, de Michael Moore que, analisando a violência nos Estados Unidos, fez um paralelo com a violência no Canadá. O diretor relaciona fatores como a migração, a heterogeneidade, o tamanho das cidades, os totais de população, a música e o cinema, e conclui que a principal diferença que marca de forma incisiva o sentimento de insegurança da população é a mídia norte-americana, principalmente a televisiva. Enquanto isto, o modelo sensacionalista, também adotado pelo Brasil, mostra muita violência e criminalidade explícitas em horário nobre. Por outro lado, o modelo canadense aborda questões de cunho mais social e político, realçando elementos positivos do país. Um detalhe interessante foi a comparação dos índices de violência entre duas cidades vizinhas, sendo uma localizada nos Estados Unidos e outra no Canadá, e a diferença foi imensa. Ele constatou que os canadenses simplesmente não trancam portas, pois embora os 26 cidadãos saibam que existe criminalidade, e muitos dos entrevistados já haviam sofrido crimes contra o patrimônio, eles simplesmente não vivem com constante medo dela. No outro extremo, uma parcela significativa dos norte-americanos vive em constante alerta e com medo da violência. Moore, conforme o mencionado, sugere que os Estados Unidos vivem sob a égide do medo, opção adotada e patrocinada pelo próprio Estado, pela mídia e pela indústria armamentista. Esta sua afirmação está baseada no fato de que esta realidade promove crescimento no consumo em geral daquele país, principalmente de artifícios de segurança e armas de fogo, o que o torna um dos mais violentos países do mundo. Esta realidade perversa gera grande sentimento de insegurança na sua população, que vive em constante ansiedade. 1.3. As estatísticas oficiais e a criminalidade No Brasil, as estatísticas oficiais relacionadas à criminalidade são de responsabilidade de órgãos e secretarias como: Delegacias de Polícia, Secretaria de Segurança Pública, e, no caso do estado de São Paulo, a Secretaria de Administração Penitenciária e a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade. Porém, o Brasil apresenta dificuldades na disponibilidade dos dados que poderiam ser acessíveis; seja pela subnotificação dos mais variados crimes, provocada pela desinformação e também pelo medo; seja pela recente informatização de parte dos distritos policiais, cuja morosidade permitiu a perda de grande quantidade de documentos originais em papel pela ação de traças, ratos, incêndios, etc; seja pela publicação de pequena parcela dos dados criminais oficiais, o que obriga a quem estiver interessado em desenvolver um trabalho sobre a violência e a criminalidade, a fazer um grande levantamento histórico das ocorrências criminais nos arquivos dos distritos policiais. De acordo com Vasconcelos (1998), a qualidade das estatísticas de óbitos, assim como a disponibilidade das mesmas no Brasil limita os estudos sobre mortalidade. A autora afirma que, somente a partir de 1974 o Brasil desenvolveu um sistema de estatísticas de registro civil como o definido pelas Nações Unidas. Ela também aborda o grau de confiabilidade dos dados de óbitos utilizados para pesquisas, uma vez que no caso particular do Brasil temos dois sistemas de informações independentes e que registram números diferentes: o Sistema Oficial de Registro Civil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e o Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. Embora os dados referentes ao Ministério da Saúde apresentem um 27 número maior de informações para os estudos de mortalidade, os mesmos são descentralizados e dependem da organização dos estados, enquanto os dados do IBGE, mesmo apresentando menos variáveis principalmente relacionadas à causa da morte, se mostram com maior qualidade. Porém, no estado de São Paulo as estatísticas de mortalidade da Secretaria de Saúde ficam sob a responsabilidade da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) e as informações conflitantes neste caso relacionam-se mais a diferenças metodológicas do que à qualidade das estatísticas. A freqüência de crimes registrados em determinada localidade é dada pelas estatísticas oficiais do governo, fornecidas pelos cartórios e demais órgãos oficiais. São estas estatísticas que determinam o quanto um município se mostra seguro ou violento. Porém, deve-se destacar que estes dados não condizem com a realidade do município. A subnotificação é um problema que ocorre em praticamente todos os países. Uma porcentagem muito grande de crimes não é relatada às autoridades por vários fatores como: fatores culturais, pois muitas pessoas não entendem a importância de registrar as ocorrências, mesmo as de reduzida importância; medo das autoridades, principalmente nas periferias das grandes cidades; vergonha e indisposição, principalmente nos casos de crime doméstico que são, infelizmente, muito comuns; etc. Neste sentido, Massena (op. cit. p. 290) enumerou as principais limitações que os dados registrados nas delegacias de polícia podem apresentar: 1. Há uma grande subestimação, uma vez que os crimes por diversas razões são poucos registrados; 2. Conforme as características do tipo de crime, ele será mais ou menos registrado; 3. Em algumas áreas os crimes são mais registrados do que em outras; 4. Uma distribuição desigual de delegacias no espaço pode provocar um desvio estatístico; 5. O levantamento dos dados do crime ainda é feito de forma muito rudimentar; 6. O grau de confiança que a população tem na polícia pode influenciar o maior ou menor número de registros, este último o mais importante em relação à subnotificação destes dados. Esta autora destaca também que os dados estatísticos oficiais são sempre uma opção na abordagem de estudos sobre a violência e a criminalidade. Porém, como não representam o 28 volume total dos crimes cometidos, não permitem a confiabilidade necessária do registro, sendo assim, eles devem ser utilizados como meros indicadores ou valores relativos. De acordo com a pesquisa de vitimização coordenada por Kahn (2002), apenas uma em cada três pessoas que sofreram algum tipo de violência notifica a ocorrência para as autoridades, e poucas vítimas de crimes de menor gravidade prestam queixas, ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos. De acordo com Dantas (2002, p. 2) “A desinformação gera medo, medo muitas vezes infundado. O antídoto para esse medo, boa informação pública sobre o crime, é um tema ainda bastante controvertido no Brasil, mormente quando se trata de divulgar estatísticas criminais oficiais. Voltando da Europa e dos Estados Unidos, é interessante refletir, com as referências de lá, sobre a realidade daqui... Tanto no Brasil, quanto em qualquer outro lugar do mundo, as conseqüências da criminalidade podem ser extremamente graves: mortes, lesões, traumas, etc. Conseqüentemente, a maioria das pessoas, na dúvida, imagina o pior, o que pode gerar angústia, stress e muito medo. A materialização dessa situação trouxe para o cotidiano brasileiro os vigilantes de domicílios, cães de guarda, grades, alarmes, cercas, etc. Toda essa parafernália já caracteriza uma espécie de redesenho medieval da arquitetura das grandes cidades brasileiras. Com a retração da comunidade, amedrontada, para espaços privados cada vez mais fortificados, os espaços públicos vão ficando vazios e desertos e, por isso mesmo, cada vez mais perigosos. Ganham os delinqüentes, ao mesmo tempo em que perde a comunidade, já que seu lugar de socialização e articulação - o espaço público - passa a estar abandonado em função do medo e do isolamento social que ele produz. A desinformação talvez contribua para tudo isso.” A sensação de segurança ou a ausência do medo do crime não dependem, diretamente, do aumento ou da queda dos índices de violência e criminalidade oficiais. O medo está arraigado em muitas pessoas e pode ser mais prejudicial que o crime em si. A sua intensidade pode alterar os hábitos de vida, modificar os espaços, reduzir as atividades cotidianas e a circulação das pessoas, etc. Estudos recentes da Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo vêm registrando quedas sucessivas no número de homicídios cometidos na capital do estado, o que aparentemente não vem surtindo efeito sobre o medo e a insegurança dos moradores da capital e de quem a freqüenta. Isto se explica pelo fato de que o medo do crime não é uma exclusividade do item homicídio, embora seja o que se evidencia. 29 Da mesma forma esta situação pode ser observada pelos números apresentados em relação ao estado. Quanto aos homicídios dolosos, provocados com intenção, os valores absolutos apresentados nas figuras 1 e 2 abaixo mostram que neste referencial o total de homicídios do estado exibe uma importante queda. Comparando-se os anos de 2004 e 2005 houve uma diminuição de 1658 homicídios, o que corresponde a 18,6% dos casos. Comparando-se com os valores absolutos de 2000, há uma diferença de 5362 homicídios, ou seja, uma redução de 42,4%. Figura 1 - Valores Absolutos de Homicídios Dolosos no Estado (2000-2005) Fonte: Secretaria de Segurança Pública de São Paulo Organização: Secretaria de Segurança Pública de São Paulo A figura 1 permite a visualização do total de homicídios dolosos anuais ocorridos no estado. Pode-se observar uma expressiva queda nos índices. Comparando-se os anos de 2005 e 2000, há uma queda de mais de 5 mil ocorrências. São valores expressivos, principalmente pelo fato de que a população do estado também apresentou crescimento no período. Porém, considerando as estatísticas criminais, Soares (2006) demonstrou que os homicídios “intencionais” são fenômenos estruturais que tendem a apresentar mudanças graduais e representam um padrão bastante estável e sem mudanças dramáticas de valor no tempo, nas quais, havendo estatísticas confiáveis, sua quantidade pode ser prevista com alguma precisão, baseando-se na freqüência dos anos anteriores. Ainda, de acordo com o autor, em uma cidade, estado ou país, os números absolutos de homicídios em um ano são 30 quase sempre semelhantes aos do ano anterior. Isto, tanto em escala local quanto regional e nacional, o que deveria facilitar a adoção de políticas públicas eficientes para a redução do número de mortes. No caso dos gráficos, embora haja a variação há uma certa estabilidade. Há uma redução gradual, mas não há grandes variações. 1.4. O medo do crime e a Geografia O medo embora represente um objeto de estudo mais específico de pesquisadores de outras áreas do conhecimento como psicólogos e sociólogos, provoca alterações na circulação e no cotidiano das pessoas, na arquitetura das casas e nas cidades como um todo. Desta forma causa modificações no espaço urbano e na percepção da população, o que o qualifica como um objeto de estudo, também, para os geógrafos. Ademais, segundo Adorno (1993, p. 22), “Tudo leva a crer que a dramatização da violência urbana está a dizer algo além do mero crime. Parece dizer respeito à mudança de hábitos cotidianos, à exacerbação dos conflitos sociais, à adoção de soluções que desafiam o exercício democrático do poder, à demarcação de novas fronteiras sociais, ao esquadrinhamento de novos espaços de realização pessoal e social, ao sentimento de desordem e caos que se espelha na ausência de justiça social.” De acordo com Smith (op. cit 1, p. 2) “Anthropological studies (e.g. Merry, 1981a; Smith, 1984b) indicate further that fear is an experience that is not discrete or clearly bounded: unlike crime itself, anxiety about crime is not so much an event as a persistent or recurring sense of malaise. Consequently, the effects of crime can extend beyond the population of victims to impinge on more general aspects of public well-being. As such, fear must be regarded as a social phenomenon rather than a facet of individuals personalities. There is a psychology of fear, but there is also a sociology and (most importantly for the concerns of this paper) a geography.” De acordo com Pain e Koskela (2000), o medo do crime se relaciona diretamente com o abandono dos locais, principalmente aqueles mais degradados e carentes de infra-estrutura. Embora as autoras também afirmem que o medo do crime está tão arraigado nas pessoas que 31 melhorias estruturais nas cidades beneficiam apenas alguns aspectos da qualidade de vida. Seus efeitos, entretanto, seriam pequenos na redução do medo do crime. Na mesma linha, há o trabalho de Wilson e Kelling (1982) sobre o medo, a desordem e o crime. A teoria se chama “Broken Windows”, segundo a qual, se uma janela é quebrada e não é consertada, as outras janelas serão quebradas como um sinal de que ninguém se importa. De acordo com esta analogia, o comportamento desordeiro, se não for controlado, em pouco tempo conduzirá para a promoção de distúrbios e, eventualmente, de crimes sérios. Para Doran e Lees (2005), que estudaram a relação entre o medo do crime, expressado pelo desvio de comportamento e a distribuição espacial da desordem física, com atenção especial para o crescimento dos grafites, deve haver uma intervenção estratégica inicial no ciclo das janelas quebradas para que ocorram ações mais efetivas num estágio inicial e não nos últimos estágios como é mais comum. Na mesma linha de raciocínio, Nasar et al. (1993) apud Doeksen op. cit afirmam que a presença de incivilidades, caracterizadas pelo abandono de espaços públicos e privados, facilita o desenvolvimento do medo do crime, assim como a atividade criminal. De acordo com os autores, a maneira pela qual a vizinhança se organiza pode influenciar o comportamento de uma comunidade, inclusive o criminal. Koskela e Pain (op. cit) afirmam através da conclusão de outros atores, que o medo pode diminuir consideravelmente através de melhorias na infra-estrutura urbana e nas iniciativas políticas. Segundo Smith (op.cit. 2, p. 1), “Crimiminological research has always embraced the spatial perspective. A geographical dimension pervades most major trends in the study of deviance, from Europe’s nineteenth-century ‘cartographic criminologists though Chicago’s early twentieth-century ecologists to the ‘environmental criminologists’ of the present day (these schools of thought are variously reviewed in Davidson, 1981; Herbert, 1982; Smith 1986a). Only recently, however, have the effects of crime been recognized as significant in their own right (Clemente and Kleiman, 1977), and the challenge of assessing a ‘geography’ of fear must now be confronted.” De acordo com Felix (op.cit. 1, p. 78), “A escola geográfica da criminalidade está consciente de que os processos espaciais não se explicam por si mesmos, mesmo a despeito dos seus estudos estarem assentados em um modelo estatístico de comportamento, com preocupações com a 32 identificação dos lugares de ocorrência dos crimes e de residência dos criminosos. Nenhum estudo sério de criminalidade pode desconsiderar os processos sociopolíticos, os conflitos de classes, os comportamentos e as formas de percepção social, política e econômica do espaço.” Neste sentido em que as incivilidades e os locais abandonados facilitam o desenvolvimento da insegurança para determinadas áreas, Doeksen (op.cit 1, p. 12) relaciona algumas medidas tomadas para a diminuição do medo e para a revitalização de áreas que não foram bem sucedidas, como por exemplo: o embelezamento de locais públicos para que as pessoas permaneçam ali por mais tempo, o que pode tornar estes locais como áreas potenciais de assaltos; o acréscimo de iluminação pública também deve ser observado com cuidado, pois se alguns lugares são perigosos, a circulação não deve ser encorajada à noite devido à iluminação; a questão de ir e retornar ao trabalho a pé para aumentar a circulação nas ruas também não é eficaz se o lugar for perigoso, aumentando a probabilidade dos crimes; da mesma forma, a mistura das residências com o comércio para evitar o crime também se mostra ineficiente pois os comerciantes encerram seus expedientes após o horário comercial e a circulação de pessoas fica muito reduzida. De acordo com o autor, mais pessoas nem sempre significa mais segurança. Porém, em relação à revitalização de locais públicos, há os casos de Bogotá, assim como os do centro de São Paulo, que contradizem as idéias de Doeksen. De acordo com Jacobs (2000), deve ficar claro que a ordem pública (paz nas ruas) não é mantida basicamente pela polícia, sem com isso negar sua necessidade. “É mantida, fundamentalmente pela rede intrincada, quase inconsciente, de controles e padrões de comportamentos espontâneos presentes em meio ao povo e por ele aplicados”. (JACOBS, 2003, p. 32) De forma complementar, Jacobs (2003) afirma o contrário de Doeksen afirmando que a função variada é muito eficaz no combate à violência e à percepção do medo, pela simples presença da população, o que pode significar um agente inibidor para a criminalidade. “Não é preciso haver muitos casos de violência numa rua ou num distrito para que as pessoas temam as ruas. E, quando temem as ruas, as pessoas as usam menos, o que torna as ruas ainda mais inseguras”. (JACOBS, 2003, p. 30) Na mesma linha de Jacobs, Painter (1996) apud Doran e Lees, ao tratar da escuridão e da desordem, considera que a iluminação pública de qualidade pode se traduzir numa importante contribuição para a estratégia de reduzir o medo. Em sua pesquisa, 90% dos pedestres entrevistados em todos os lugares apresentaram medo do crime numa área escura. 33 Da mesma forma, Doran e Lees afirmam que encorajar os negócios a fechar em intervalos de tempo alternativos ou promovendo atividades de lazer relevantes como cafés ao ar livre, podem ser meios apropriados para incrementar a vigilância natural e a percepção da segurança. Uma realidade que se observa no contexto urbano é a refuncionalização dos locais em horários diversos num mesmo dia, como praças e locais públicos, por exemplo. De acordo com Pain e Koskela (2000), numa pesquisa realizada com a população feminina sobre lugares seguros, foi constatado que a maior parte delas apresentava medo ou pavor de transitar por florestas, parques, áreas de recreação, estações, shopping centers, túneis, pontes, etc, especialmente durante a noite. Por exemplo, os centros das cidades embora cheios de “estranhos” apresentam muito mais segurança durante o dia do que no período noturno. Painter (1996, p. 193) afirma que os tipos de crime que causam mais ansiedade estão principalmente em áreas urbanas, especialmente ao anoitecer. “A maioria substancial de mulheres, idosos e homens evita sair à noite simplesmente como uma precaução contra a possibilidade de se tornar a vítima de um crime”. Os centros, em geral, se tornam verdadeiros desertos no período noturno, já que a maior parte da população evita transitar por ali devido à insegurança. Neste sentido, medidas de revitalização e incentivos à vida noturna poderiam mitigar esta realidade. Tabela 1 - Categorias de espaço que as mulheres associam com medo de ataques em Helsinque e Edimburgo Ambientes Vazios Cheios Abertos Parques, praças, colinas. Estações ônibus / trem, centros das cidades. Fechados Viadutos, pontes, ruas sem saída, alguns parques e florestas, vielas, escadarias. Restaurantes, alguns túneis, centros de compras, estações de metrô. Desenvolvido por Koskela e Tuominem, 1995, p.69. Organizado pelo autor O medo do crime pode modificar os espaços e gerar mudanças de comportamento. Esta problemática torna-se um desafio aos prefeitos e planejadores urbanos. Trata-se de um problema ainda maior que a criminalidade em si, pois mesmo quem nunca foi alvo de algum crime e/ou ato violento está constantemente sujeito a isto, convivendo diariamente com o sentimento de insegurança. Embora o medo do crime tenha se tornado uma realidade que acompanha praticamente todas as pessoas, independente dos grupos sociais e dos países a serem considerados, é inegável que a questão espacial influi sim de forma incisiva nesta situação. O 34 medo apresenta maior influência e maiores conseqüências em determinadas localidades e determinados grupos demográficos. De acordo com Smith (op. cit 3, 1987), isto tem um efeito no estilo de vida, que os geógrafos urbanos e aqueles que analisam a mobilidade espacial da população nunca consideraram. Áreas centrais e zonas periféricas representam, regra geral, grande insegurança para seus moradores e transeuntes. De acordo com Pickenhayn (2004), que analisou os delitos na Província de San Juan, na Argentina, foi constatado que a população apresenta uma angústia generalizada, queixando-se que não há mais lugares seguros e que o problema cresce a cada dia, sem perspectiva otimista de melhora. Também devem ser considerados os dois grupos demográficos que mais sofrem as conseqüências da insegurança e do medo, que são os idosos, devido à sua vulnerabilidade e ao seu isolamento e solidão, e as mulheres, que são as principais vítimas de ataques e, inclusive, de forma surpreendente, de violência doméstica. De acordo com Felix (op. cit 2, 1996), estes dois grupos são os mais atingidos pelos efeitos do medo de crimes, este responsável pelo isolamento social. Devem-se destacar as pesquisas de vitimização que possibilitam aos pesquisadores e aos demais interessados a obtenção de informações desta natureza. Catão (2000, p.19) produziu uma tabela sobre pesquisas de vitimização no Brasil. Em seus registros ela considera aspectos como: detalhes acerca do crime; características do infrator; opinião em relação à polícia e ao sistema de segurança; confiança nas instituições, etc. A tabela 2 registra até o ano de 1996 os inventários por ela elaborados. A partir deles esta autora complementou até 2004. Tabela 2 - Pesquisas de Vitimização no Brasil Pesquisas Ano Região Período Referência População Alvo PNAD 1988 Brasil 1 ano 81.628 domic. ILANUD 1992 RJ-Município. 5 anos 1000 entrev. ILANUD 1996 RJ-Município. 5 anos 1000 entrev. ILANUD 1997 SP-Município. 5 anos 2469 entrev. ISER/PAHO 1996 RJ-Município. 1 ano 1126 entrev. ISER/FGV 1996 RJ - RM 1 ano 1578 entrev. SEADE 1998 SP RM e Munic.>50000 hab 1 ano 14000 domic. USP 1999 SP - RM 6 meses 1000 entrev. UNESP/GUTO 2001 SP-Marilia 5 anos 828 entrev. UFMG/CRISP 2002 BH-Município. 1 ano 4000 domic. ILANUD USP/NEV 2002 SP, Rj, Vitória e Recife - RM. 1 ano 2.800 entrev. UNESP/GUTO 2004 SP-Marilia 5 anos 1.300 entrev. Fonte: Catão Modificada e complementada: pelo autor 35 Uma outra conseqüência do medo do crime para a sociedade é o seu efeito sobre a qualidade de vida urbana, que se torna reduzida. De forma geral, a qualidade de vida se traduz numa série de fatores que possibilitam o desenvolvimento cotidiano satisfatório da população, embora seja um tema controverso, pois ela envolve muitas variáveis subjetivas que podem ser opostas devido a opiniões diferentes. Neste sentido, o medo do crime facilita o isolamento e a quase inexistência do conceito de comunidade e de coesão social. Isto torna difícil o desenvolvimento dos satisfatores básicos que significam a qualidade de vida, facilitando o isolamento e o individualismo da população. Desta forma, a falta de segurança, a criminalidade e a violência são elementos que minam a qualidade de vida de forma intensa. Esta realidade se mostra mais comum a cada dia. Nós achamos normal evitar certos locais da cidade por serem mais perigosos, assim como demandamos sistemas defensivos nas casas como: cercas eletrificadas, cacos de vidro nos muros, captadores de imagem, etc. Vivemos numa paranóia constante de que ao passarmos pelo portão de casa já nos tornamos alvos potenciais de algum ato violento, como já foi dito, depreciando a vida nas cidades. Há alguns anos a rua era uma extensão das casas, onde as crianças podiam brincar despreocupadas sem a supervisão dos pais. Infelizmente hoje a leitura da questão é outra, sendo esta uma realidade cada vez mais rara nas cidades. 1.5. A Literatura de mídia impressa A questão da violência e do crime vem se tornando um grande alvo de pesquisas por muitas áreas do conhecimento, principalmente as das chamadas ciências sociais. Da mesma forma, a perspectiva do medo começa a se converter em tema relevante no meio científico, não se restringindo apenas às ciências sociais, mas também a outras como a medicina. Por exemplo, consultórios psiquiátricos têm, cada vez mais, pacientes portadores da doença do medo e do pânico. Porém, como é a freqüência do evento que provoca o aumento do interesse no âmbito científico, também no cotidiano esta questão está na ordem do dia. Assim é que, nesta perspectiva, vem crescendo a difusão do medo por meio de jornais, revistas e outros meios impressos. De maneira geral os meios de comunicação vêm discutindo a temática. Desta forma, deve-se levar em conta a importância do material que fornece elementos interessantes para a pesquisa. Como questão inicial ele pode também sugerir novas idéias e hipóteses, assim como destacar a importância do fato ocorrido e descrito. Além disto, através dele é possível observar as reações da comunidade e a questão do medo. 36 As áreas vazias que passam a maior parte do dia sem utilidade representam espaços potenciais de criminalidade. Como exemplo, em matéria publicada no Estado de São Paulo em 10/10/2005, temos o texto “Área cotada para arena é reduto de assaltos”. Segundo o jornal, a prefeitura pretende criar uma arena para shows na desativada Federação Universitária Paulista de Esporte (FUPE), em Santana. Porém, trata-se de uma área que se caracteriza pela insegurança. Assaltos a pedestres, roubos e furtos de carros e de aparelhos de som são freqüentes na região, principalmente à noite. O que mais chama a atenção é que a área se localiza a 600 metros do prédio do Departamento de Investigações Criminais (DEIC). A exposição de violência de todos os tipos, pelos meios de comunicação, torna-se cada vez mais rotineira. No caso desta pesquisa, destacam-se os textos sobre rebeliões e fugas das instituições penais, as quais, de forma lamentável, se tornaram corriqueiras e geram grande apreensão para a comunidade. As notícias a elas relacionadas sempre retratam cenários dramáticos e contribuem de forma negativa para a insegurança da população. Elas detalham barbáries ocorridas, imagens de extrema violência, os motivos das ações das facções criminosas, planos de resgate, etc, mostrando um quadro sobre a criminalidade que é diferente da realidade. Foucault (1987, p.208) afirma que “conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa quando não é inútil. E, entretanto, não vemos o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão”. Baseado no conceito de que o medo pode ser tão ou mais prejudicial do que o evento em si, o editorial do Estado de São Paulo em 26/10/05 abordou a questão do pânico gerado pela potencialidade da pandemia da gripe aviária entre populações humanas. De acordo com Siegel, da Universidade de Nova Iorque, o que há de mais concreto nessa grande ameaça é o puro medo que se alastra. Este sim, como verdadeira pandemia, e destacando diferentes fontes. Os Institutos Penais, regra geral, representam espaços de medo para os moradores próximos. Em muitos casos são verdadeiros caldeirões em ebulição. A sensação de insegurança é ainda maior com as constantes rebeliões ocorridas. Principalmente considerando-se a extrema violência que se observa nos motins. São horas e, às vezes, dias de tensão, em situações com reféns, fugas e mortes. Muitas vezes, os que morrem nas rebeliões são de facções criminosas diferentes e rivais. De acordo com reportagem de 18/10/2005, do Estado de São Paulo, dos três mortos na rebelião da penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos, um deles fazia parte do Comando Vermelho, rival do Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade, que comandou a rebelião. 37 De acordo com a mesma reportagem, o refém foi degolado, hábito comum dos desafetos no sistema prisional brasileiro. Este ato terrível criado pelo PCC7 em 1991 tem continuidade nos dias atuais. Na rebelião de 1999, que destruiu o CRP8 de Taubaté, três integrantes de facções rivais foram decapitados. Em junho de 2005, em Presidente Venceslau, presos do PCC decapitaram cinco desafetos na Penitenciária I do município. Estes exemplos nos permitem constatar o nível de violência e o medo de se viver próximo às unidades prisionais, principalmente nas pequenas cidades, cujas conseqüências marcam a população de forma mais incisiva. Em matéria publicada pelo Jornal Regional de Rio Claro, em 09 de Fevereiro de 1996, preso morre durante fuga do presídio. Durante um dia de visitas aos presos, 15 detentos escaparam e um faleceu na tentativa. Este trecho explicita o sentimento de insegurança que alguns moradores dos presídios apresentam, especialmente nos dias de visitas. De maneira mais detalhada, podemos indicar alguns exemplos de como a qualidade de vida da população de determinada área é alterada com a construção das unidades prisionais, como: a questão dos indultos que os detentos de bom comportamento recebem em algumas datas comemorativas do calendário, como no Natal, na Páscoa, no Dia das Mães, etc., ou aqueles que cumprem suas penas em regime semi-aberto. O mais impressionante é que aproximadamente 10% dos detentos não retornam aos presídios. Uma outra questão diz respeito à crescente onda de seqüestros relâmpagos que vem ocorrendo na cidade de Itirapina. Apesar de ser um crime característico principalmente de cidades de grande e médio porte, se faz presente também naquela cidade. Em notícia registrada pela Folha de São Paulo em 24/12/2001, pelo menos 1.230 detentos de Campinas, Hortolândia e Itirapina haviam deixado as celas na última sexta-feira para passar as festas de fim de ano com a família, beneficiados com o indulto de Natal, devendo retornar no dia 2. Segundo a SAP, no ano de 2000 em Campinas, 87 dos 907 detentos que saíram não retornaram à unidade em 2000. Em Itirapina, no mesmo ano, 14 dos 200 detentos liberados no ano passado não retornaram. Em 23/12/2005, o jornal Cidade de Rio Claro noticiou: “Indulto de Natal beneficia 411 detentos da região de Rio Claro”. De acordo com a reportagem, 411 presos que cumpriam pena nos dois presídios de Itirapina e nos Centros de Ressocialização Masculino e Feminino de Rio Claro foram liberados para passar o fim de ano em suas casas. O mesmo ocorreu em todo o estado, envolvendo pelo menos 10 mil detentos. A expectativa da SAP é de que cerca de 8% deles não retornassem no tempo previsto. Este contingente representava cerca de 800 7 Primeiro Comando da Capital 8 Centro de Ressocialização Penitenciária. 38 condenados que não retornariam às suas respectivas unidades prisionais, no estado. Além do Natal e Ano Novo, os presos também recebem este benefício na Páscoa, Dia das Mães, Dia das Crianças e Finados. O beneficio é concedido aos detentos de bom comportamento no regime semi-aberto. Deve-se destacar também, que recentemente foi aprovada a mudança na Lei de Crimes Hediondos, segundo a qual criminosos que cometeram tráfico de drogas, homicídio qualificado, seqüestro e estupro não teriam mais as penas cumpridas integralmente em regimes fechados de reclusão, o que teoricamente facilitaria a sua fuga da unidade. Outro registro de grande importância é a recusa dos prefeitos em aceitar a construção de uma nova unidade prisional ou de uma Febem no seu município. De acordo com a reportagem do Jornal Cidade de Rio Claro de 20/03/2005, devido a promessas de campanha o governador Geraldo Alckmin anunciou a construção de 41 novas unidades da Febem em 10 municípios paulistas. Porém, a maior parte dos prefeitos das cidades do interior (estas já escolhidas pelo governo para abrigarem as unidades) se posicionou contrária e/ou afirmou que nem foi consultada sobre esta situação. Na mesma reportagem, o prefeito de Getulina - Rogério Miotello do PSDB - do mesmo partido do governador, afirmou que se dependesse da vontade dele o município não teria uma Febem. Da mesma forma, o prefeito de Tupi Paulista, cidade para onde estavam sendo enviados 700 internos da capital, afirmou que fora avisado de que o município receberia apenas 100 jovens. Igualmente, em Neves Paulista, o Chefe de Gabinete da Prefeitura também vê a medida como um problema para o município e se diz contrário à instalação de uma unidade da Febem. O município de Rio Claro também já passou por situação semelhante. Na década de 90, o então governador Mário Covas determinou a construção de nove unidades da Febem para a região administrativa de Rio Claro e suas localizações foram definidas através de uma sentença judicial de agosto de 2001, após inúmeras ações na justiça. Naquela ocasião, devido ao grande apelo popular e de vários segmentos da sociedade, o projeto de construção foi retirado da Câmara Municipal e arquivado. A Fundação para o Bem-Estar do Menor (Febem), regra geral, apresenta um cenário desolador, representando também espaços de medo e de castigo. Ela reproduz, em menor escala, os problemas e a realidade das demais unidades prisionais. Nesta instituição também são comuns motins e rebeliões, além de fugas e grande insegurança para a população que vive próxima. Pode-se afirmar, que para a população vizinha, a unidade da Febem apresenta 39 “status” de unidade prisional quanto à insegurança que provoca, e não é vista como uma unidade adequada para a recuperação de menores. Quanto à instalação de uma unidade prisional em um município pequeno, esta é uma situação que vem dividindo opiniões. Alguns municípios descartam veementemente a construção de um presídio em sua área. Por isto acabam criando leis municipais que inviabilizam o processo. Há também municípios que foram inicialmente favoráveis à construção e depois se arrependeram. Porém, há municípios extremamente favoráveis a este processo. De acordo com o periódico ‘Cidades do Brasil’, a reação de parte da população de vários pequenos municípios chega a ser surpreendente e variada. Cita o caso de Irapuru, região de Adamantina cuja população durante a construção do presídio já comemorava o fato, uma vez que ela era encarada como alavanca de crescimento econômico para os pequenos municípios, além de ocasionar um acréscimo no policiamento da cidade, o que também minimiza a insegurança. No mesmo periódico é retratado que o município de Irapuru, que dista 640 quilômetros da capital e é essencialmente agropecuário, apresentou grande interesse na instalação de uma unidade desta natureza, devido à melhora na qualidade de vida e da economia que as cidades vizinhas de Pacaembu e Junqueirópolis apresentaram em conseqüência das unidades prisionais inauguradas no ano de 1988. De acordo com o prefeito, “Tanto é que já temos interesse de ter outra penitenciária em nosso município”. A região oeste do estado de São Paulo exibe a maior concentração de penitenciárias do estado, com um total de 20 presídios. O que se pode observar é que se formou um verdadeiro aglomerado de unidades prisionais. Nelas as populações vivem com medo daquilo que passam a conhecer através da imprensa, com a preocupação constante de uma rebelião. É justamente nesta região que estão confinados os presos mais perigosos do país. A unidade de Presidente Bernardes já abrigou o traficante Luis Fernando da Costa, conhecido como Fernandinho Beira-Mar. Um outro caso relevante, relacionado aos institutos penais, é o município mineiro de Ribeirão das Neves, conhecido como “cidade cadeia”. Trata-se de um município de porte médio com população estimada para 2005 de 311.372 habitantes, e que atualmente, conta com cinco unidades prisionais. Nele estão instaladas duas penitenciárias, um presídio, uma cadeia pública e um hospital penitenciário, recebendo um total de 2.800 presos. Porém, é prevista a construção de mais cinco penitenciárias e três presídios para abrigar outros 2.800 presos. Se efetivados, estes 5.600 presos representariam 30% da população carcerária do estado. Esta 40 mesma proporção também nos permite perceber o exagerado contingente de presos no estado de São Paulo. São quase 140 mil e representam praticamente a metade da população carcerária nacional. Neste município, a Aciben - Associação dos Cidadãos Pelo Bem Nevense, se uniu com várias lideranças locais para criar um movimento visando impedir a construção das novas unidades. Ela se fundamentou na Lei Estadual nº 12936/98, que proíbe a construção de presídios de qualquer natureza em todo o estado de Minas Gerais, com capacidade superior a 170 vagas. Também a entidade indica que o município não tem como receber os familiares dos detentos, o que geraria um caos social para esta categoria de cidade. Pode-se dizer que o caos acima referido já ocorre em pequenas cidades que apresentam alguma unidade prisional. Neste sentido, os prefeitos de Presidente Prudente, Teodoro Sampaio, Taciba, Tarabai e Nantes foram contrários à instalação de unidades prisionais em seus municípios. De acordo com o editorial do Oeste Notícias, de 13/08/2005, há uma campanha intitulada “Diga não aos presídios”. O movimento não é contrário aos presídios, mas sim é contra a sua concentração na região. Segundo o editorial, estas cadeias recebem criminosos de grandes centros urbanos, principalmente após a desativação do Complexo do Carandiru, em 2002. O mesmo editorial reconhece que muitos municípios, “de pires nas mãos”, solicitaram ao estado a construção de penitenciárias nos seus territórios, vislumbrando nisto a possibilidade de geração de emprego e renda. Porém, se esqueceram dos prejuízos sociais que virão logo mais à frente. Figura 2 - Manifestações contrárias aos novos presídios em municípios paulistas Fonte: http://www.oestenoticias.com.br/imgs/noticias/charge_130805.jpg 41 A figura 2 é uma charge publicada no periódico Oeste Notícias sobre a recusa dos prefeitos de Presidente Prudente, Teodoro Sampaio, Taciba, Tarabai e Nantes, em receber unidades prisionais em seus municípios. Esta política acelerada de construção de unidades prisionais se faz necessária pelo déficit de vagas no sistema carcerário paulista. Porém, deve-se refletir sobre os motivos destas localizações mais acentuadas em algumas regiões do estado, principalmente nas pequenas cidades. Segundo o jornal Estado de São Paulo, de 06 de Maio de 2002, há um déficit de vagas nas unidades prisionais, que em 2002 totalizava 65 mil. Porém, pelo excessivo crescimento da população carcerária, este déficit é hoje bem maior. De acordo com o texto, o delegado José Carlos Gambarini da Divisão de Capturas da Polícia Civil, a polícia paulista tem 127 mil mandatos de prisão para cumprir. Se todos eles fossem cumpridos não teria onde colocar os presos. Na mesma linha, o jornal ‘O Imparcial’ de Presidente Prudente, em reportagem de 15/05/2003, divulgou afirmativa do secretário estadual de assuntos penitenciários, Nagashi Furukawa. Segundo ele, “por enquanto, o sistema está relativamente tranqüilo, mas em breve enfrentaremos problemas seríssimos com fugas e rebeliões”. Afirmou ainda, “...o futuro nessa área é negro. Não posso pintar de outra cor. Logo, teremos fugas e rebeliões, pois os presos já estão sentindo isso e não irão suportar a superlotação por muito tempo”. Sendo esta justamente a opinião da autoridade responsável pelas unidades prisionais, temos uma situação bastante preocupante. Em nível federal esta questão também é motivo de preocupação. De acordo com o então ministro Márcio Thomas Bastos, há um aumento de 3.500 presos por dia no sistema carcerário brasileiro, para os quais seriam necessários sete novos presídios por mês. O ministro defende medidas urgentes para evitar o caos. A notícia registrada no Diário de Tupã, de 30 de Outubro de 2003, intitulada: “Estudos negam vínculo entre novos presídios e o aumento da violência”, reproduz as conclusões de trabalhos do professor Luiz Carlos da Rocha, do Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar, da Faculdade de Ciências e Letras (FCL) da Unesp de Assis e da professora Eda Góes, docente de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Unesp de Presidente Prudente. O primeiro conclui que a criminalidade não aumentou em Assis em função da construção do presídio. Da mesma forma, Góes afirma que a realidade das unidades prisionais não apresenta a violência freqüente e excessiva que é mostrada pelos meios de comunicação. Esta situação decorre do desconhecimento da realidade cotidiana das unidades prisionais, que só se tornam notícias quando ocorrem as rebeliões. 42 Em 21/10/2004, o jornal ‘Oeste Notícias’, de Presidente Prudente, publicou seu editorial criticando o secretário Furukawa devido sua afirmação de que o elevado número de presos da região (18.000) não se reflete no aumento da violência na área. De acordo com o periódico, há várias ocorrências policiais de assaltos à mão armada que registram a participação de ex-detentos que vieram transferidos, ganharam liberdade e por ali ficaram. Há também a delinqüência de parentes e amigos de presidiários, que é comum nestes casos. Destaca também que a região se torna cada dia mais violenta, principalmente com o seu crescimento nas cidades pequenas da região. Retrata o caso de Presidente Bernardes, que registrou um crime de extrema violência e abriga os bandidos mais perigosos do país, além de outra penitenciária comum. Como já foi dito, uma unidade da Febem pode significar tanto medo e apreensão quanto qualquer outra instituição penal. Embora se confunda com as unidades prisionais, a Febem abriga jovens e crianças que ficam sujeitos ao Estatuto da criança e do Adolescente, e pelos seus delitos não respondem pelo código penal. De acordo com Iwakura e Kenski (2006), as Febens se confundem com as prisões, pois também sofrem com a superlotação, com as rebeliões e fugas freqüentes, a arquitetura dos prédios dá feição de prisão às unidades (algumas vezes construídas com a finalidade de abrigar adultos), não permitem atividades educativas, de lazer e de esporte e, muitas vezes, são as portas de entrada para as prisões. Em matéria publicada no caderno ‘Folha Cotidiano’, de 20 de março de 2005, o título: “Febem deixa nervos de vizinhos à flor da pele” se referia ao Bairro do Tatuapé marcado por um estado de rebelião permanente. De acordo com moradores, a imprensa só noticia fugas quando fogem centenas, mas as fugas são quase que diárias. Outra moradora descreveu o cenário do bairro como um misto de São Silvestre e Vietnã, devido à correria dos meninos para fugirem da Febem, a dos moradores para fugirem dos meninos, e os tiros e helicópteros. No mesmo texto temos a afirmação de outra moradora: “Eu tenho três filhos adolescentes que não deixo mais saírem à noite. Não levo mais meu cachorro para passear. Nem coragem para colocar o lixo na rua eu tenho. Para sair de casa, eu subo até a janela, olho se a rua está tranqüila e só então abro a porta. Até a festa do largo do Belém os menores invadiram. Já teve até inclusive tiroteio dentro da igreja”. Desta forma, a qualidade de vida e o sentido de comunidade foram seriamente comprometidos. A pequena cidade de Tupi, a 663 km da capital paulista, com 13.480 habitantes prepara-se para receber 700 jovens que serão transferidos da Febem do Tatuapé. O prefeito da cidade, Osvaldo José Benetti afirma: “Perdemos qualidade de vida, perdemos população que 43 migrou (a cidade chegou a ter 30 mil habitantes nos anos 70). Agora ficamos até alegres em receber os menores infratores. Por causa deles foram gerados 200 empregos e a cidade faturará R$ 700 mil a mais por ano do Fundo de Participação dos Municípios, já que nossa população aumentou”. Este caso nos mostra que a estagnação dos pequenos municípios chega a tal ponto, que abrem mão de sua tranqüilidade em função de um montante adicional de receita e um maior dinamismo de suas economias. Neste sentido, a instalação de uma unidade prisional apresenta aspectos positivo