SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 73 COSTSA/PRAd/Unesp INTERAÇÕES METODOLÓGICAS E INTERRELAÇÕES HUMANAS: ALICERÇANDO A TRANSDISCIPLINARIDADE NO CAMPO DA SAÚDE NO TRABALHO Maria Luiza Gava Schmidt1 1 Psicóloga, Psicodramatista, Membro da Coordenadoria de Saúde e Segurança do Trabalhador e Sustentabilidade Ambiental da Pró-Reitoria da Administração- Unesp. Resumo: Este artigo traz reflexões e discussões acerca da importância das interações metodológicas e interrelações humanas para alicerçar a integralidade no processo de transdisciplinaridade em equipes que atuam no campo da saúde no trabalho. Toma-se como referência a Teoria da Complexidade de Edgar Morin, a lógica transdisciplinar de Basarab Nicolescu e os princípios de constituição de grupo da Teoria Socionômica de Jacob Levy Moreno. Conclui-se que a complexidade das metodologias do campo da saúde no trabalho, são influenciadas por fatores que se entrecruzam entre as interações científicas e as interrelações humanas, que permitem a construção transdisciplinar. No entanto, essa construção requer o desenvolvimento dos profissionais nos seus papéis bem como na sua relação com o outro, como forma de alicerçar a perspectiva da transdisciplinaridade, ou seja, uma ação interprofissional, na qual diferentes sujeitos se intersubjetivam, interagem metodologias, permitem articulações e co-construções e dessa co-construção efetivam as transformações. SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 74 Palavras-chave: Saúde no Trabalho, Integralidade, Transdisciplinaridade, Teoria Socionômica, Teoria da Complexidade. Methodological Interaction and Inter Human Relations: Basis the Transdisciplinarity in the Health Field at Work. Abstract: This article provides reflections and discussions about the importance of human interactions and methodological interrelations to substantiate the integrity in the transdisciplinary process in teams that operate in health area. Should be taken as reference the Complexity Theory of Edgar Morin, the logic transdisciplinary of Basarab Nicolescu and the formation groups principles based on the Socionomic Theory of Jacob Levy Moreno. It was concluded that the complexity of the methodologies in the field of workplace health, are influenced by factors that intersect between the scientific interaction and human interrelationships, which allow the transdisciplinary construction. However, the constructions requires the development of professionals in their areas and in their relationship with others as a way of supporting the perspective of transdisciplinarity, ie, inter- action, in which different individuals are interrelated with the methodologies and providing articulations and co- constructions from which actualize the transformations. Keywords: Health at Work, Integrality, Transdisciplinarity, Socionomic Theory, Complexity Theory. O campo da Saúde no Trabalho é compreendido como sendo uma área da Saúde Pública, "que tem como objeto de estudo e intervenção as relações entre trabalho e saúde" (BRASIL, 2001), sendo assim, um “campo” concebido pela coexistência de fatos e muitas teorias que alicerçadas em seus objetos de estudo e metodologias, fundamentam a compreensão e buscam explicações para natureza da complexidade desta relação homem-trabalho bem como, a articulação com o processo saúde- doença nesta relação. De acordo com Mendes & Dias (1991, p. 347) “o objeto da saúde do trabalhador pode ser definido como o processo saúde e doença dos grupos humanos, em sua relação com o trabalho”. A Saúde do Trabalhador constitui-se então num “conjunto de atividades que se destina a prevenir e proteger o trabalhador dos riscos de doenças próprias de ambientes de trabalho, bem como recuperar sua saúde quando submetida a qualquer agravo ocasionado pelo trabalho, SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 75 mediante o estabelecimento de normas de saúde e segurança" (LIMA, 2003, p. 159). Mendes & Dias (1991) ao realizarem uma reflexão e discussão a respeito da construção da saúde do trabalhador, descreveram que o surgimento desta área decorre da insuficiência da saúde ocupacional. Na opinião deles, A insuficiência do modelo da saúde ocupacional não constitui fenômeno pontual e isolado. Antes, foi e continua sendo um processo que, embora guarde uma certa especificidade do campo das relações entre trabalho e saúde, tem sua origem e desenvolvimento determinados por cenários políticos e sociais mais amplos e complexos. (MENDES; DIAS, 1991, p. 344). A nosso ver, essa maneira como o campo foi constituído, caracteriza sua complexidade, além de alicerçar a transversalização das disciplinas e a prática pautada na multiplicidade de lógicas. Isto posto, observa-se que, a prática da saúde do trabalhador, busca ativar o processo da integralidade, mas os profissionais deparam-se com a complexidade de integrar sujeito-objeto, teoria-prática, saber- fazer, pessoal-político, privado-público, local-global, individual-coletivo (SEVERO; SEMINOTTI, 2010). ...o primeiro mal-entendido consiste em conceber a complexidade como receita, como resposta, em vez de considerar como um desafio e como incitamento para pensar... o problema da complexidade é, antes de mais, o esforço para conceber um desafio inevitável que o real lança ao nosso espírito (MORIN, 1990, p. 137) Embora os avanços pela busca da integralidade em saúde do trabalhador tenham se instalado por meio da constituição de equipes multidisciplinares e partir delas para interdisciplinaridade, o que se observa é que “a ausência de reflexão e diálogo nas equipes multiprofissionais favorece a repetição de lógicas embasadas na separação entre as disciplinas e seus diferentes objetos de estudo e intervenção. Esta prática gera no trabalhador e, consequentemente no usuário, sentimentos de dissociação e desagregação, pois o discurso é da integralidade, mas a prática é fragmentada e fragmentadora de processos e de sujeitos” (SEVERO; SEMINOTTI, 2010, p. 1687). Ressalte-se que a concretização da integralidade implica na recusa ao reducionismo em prol da abertura para o diálogo na busca da compreensão do SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 76 “indivíduo como um sistema dinâmico que envolve padrões fisiológicos e psicológicos interdependentes e está inserido nos mais amplos sistemas interdependentes de dimensões físicas, sociais e culturais” (CAPRA, 2006). Esse sujeito complexo do campo da saúde no trabalho, necessita ser compreendido numa abordagem multi-inter-trans-disciplinar, para ser atendido em sua integralidade. Para que isto se concretize é necessário articular os níveis epistemológicos e metodológicos, como vistas à apreensão e interpretação da relação de significações de fenômenos desse sujeito bem como sua relação com o trabalho envidando esforços no sentido de unir concepções para visualizar o indivíduo como um todo, assegurando por meio de seus métodos e conceitos teóricos a concepção integral do trabalhador. Essa proposta associa-se à significação das práticas científicas na pós-modernidade. Tradicionalmente, a ciência, para compreender os fenômenos, necessitou decompor o conjunto em seus elementos básicos, num processo analítico, gerando um olhar que dissocia os contextos históricos, ecológicos, políticos e culturais dos fenômenos estudados. Assim, fragmenta-se o próprio objeto de estudo em diferentes partes a serem analisadas isoladamente. Na prática da saúde coletiva, a integralidade, a visão sistêmica/complexa e o modelo de atenção psicossocial propiciam a dialógica entre as contradições e a emergência de um sujeito complexo (SEVERO; SEMINOTTI, 2010, p. 1686). No mundo contemporâneo pautado pelas intensas transformações nos contextos de trabalho, a necessidade da transdisciplinariade se impõe não só como uma forma de compreender e modificar a relação homem trabalho, como também por uma exigência interna das ciências, que buscam o restabelecimento da promoção da saúde no contexto laboral. O “desafio da transdisciplinaridade lança-nos ao desafio da complexidade”. E esse processo encaminha-nos a pensar que a integralidade exige que o sujeito trabalhador exercite um movimento de auto eco-organização, concebendo-se como sujeito, produto e produtor de si e da saúde, conforme apontado por Morin (1990). A intersecção das trocas de saberes e práticas das diferentes especialidades que trabalham dentro de sua especificidade de forma complementar, para compreender esse sujeito complexo, necessitam ir além do interprofissionalismo, avançar nas trocas de saberes ou práticas, bem como na construção de novos saberes, uma reforma do pensamento, conforme descreveu Morin (1990, 2003). Embora o interprofissionalismo produza reciprocidade nos intercâmbios e enriquecimentos mútuos, ressaltamos que há necessidade SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 77 da construção de um sistema total que transcenda uma intervenção integrada havendo uma abertura de todas as disciplinas, naquilo que as atravessa e as ultrapassa, ou seja, é necessário transdisciplinar. Lembrando que o “prefixo - trans: respeito àquilo que se encontra ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das disciplinas e além de qualquer disciplina.” (FLEURY; MARRA, 2008) (ALVARENGA; SOMMERMAN; ALVAREZ, 2005). A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir da confrontação das disciplinas dados novos que as articulam entre si - oferece-nos uma nova visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa, ou seja, busca uma nova visão da realidade que transcenda as fronteiras das disciplinas, alicerçada ciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais (CAPRA, 2006). Nesta perspectiva, a transdisciplinaridade não nega o disciplinar uma vez que parte do disciplinar, mas o relativiza, constituindo-se num saber que organiza diferentes saberes necessita e propões o encontro entre o teórico e o prático, entre o filosófico e o científico, apresentando-se assim, como um saber que é da ordem do saber complexo (ALVARENGA; SOMMERMAN; ALVAREZ, 2005, p. 16). Cabe assim, aos profissionais da saúde, atuantes no campo da saúde no trabalho, descobrir as interrelações possíveis existentes entre disciplinas próximas e disciplinas mais distantes, tendo em vista instituir práticas interdisciplinares – que signifiquem um chamado à ordem do humano – e alarguem o processo de conhecimento, nas diferentes áreas do saber. Conhecimento este que somente será possível de ocorrer se os profissionais se desprenderem das correntes de pensamento, das linhas de atuação, convergindo métodos, superando “a antiga dicotomia metodológica qualitativo versus quantitativo, aceitando que o “qualitativo” está contido no quantitativo” (MORENO, 1999) e, se permitindo à práxis na busca de sentidos, e de transformação social. Nesta perspectiva a transdisciplinaridade, surge como uma ação interprofissional, na qual diferentes sujeitos se intersubjetivam, interagem suas metodologias, permitem articulações e co-construções e dessa co- construção se efetivam as transformações. SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 78 Assim sendo, a nosso ver, a transdisciplinaridade surge da fusão das interações metodológicas e das relações humanas que a perpassam na esfera das intersubjetividades. Segundo Costa & Conceição (2008, p. 57), o conceito de intersubjetividade tem mostrado “sua importância atual para orientação de trabalhos comunitários e de construção de novas práticas sociais”. Como parâmetro para discutir as relações humanas, a intersubjetividade tem alcançado cada vez mais as relações humanas um espaço de reflexão que envolve autores de diferentes áreas e campos teóricos: Boaventura de Sousa Santos, Edgard Morin, Fernando González Rey, Humberto Maturana” (COSTA; CONCEIÇÃO, 2008, p. 59). Dentre os quais insere-se Moreno, “por sua contribuição na criação de uma epistemologia que coloque o pesquisador com todas as dimensões físicas e metafísicas do indivíduo.” A intersubjetividade constrói e re-constrói o pesquisador, conforme pontuou Merleau Ponty (1971): Tudo o que sei do mundo, mesmo devido à ciência, o sei a partir de minha visão pessoal ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência nada significam. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido e se quisermos pensar na própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido, e seu alcance, convém despertarmos primeiramente esta experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda (MERLEAU PONTY, 1971, p. 6). A Socionomia, ciência onde se insere a abordagem de Moreno, possui um vasto acervo de conceitos científicos e técnicas fundamentados teórico-metodológicamente, que favorecem a práxis dos profissionais e a pesquisa, nas diversas áreas das ciências humanas, sociais e da saúde, em vista de possuir um corpo teórico consistente sobre o funcionamento dos grupos, o que nos ampara na leitura das interações grupais e na formulação das hipóteses bem definidas acerca de fatos sociais e da realidade grupal. (RAMOS, 2008, p. 45). Nesta perspectiva, focamos nossa atenção nas interações entre os sujeitos trabalhadores e a equipe interprofissional, posto que, embora o trabalho com grupo seja uma estratégia recomendada e intensamente utilizada nos programas e serviços em saúde, muitos profissionais não têm conhecimentos sobre os fundamentos básicos de como realizar esta tarefa coletiva e/ou gerar tecnologias de reflexão sobre o processo de trabalho, como no caso da educação permanente. (SEVERO; SEMINOTTI, 2010, 1694). SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 79 Na opinião dos autores, o desconhecimento de maneiras para lidar com tarefas coletivas, além de ser fonte de desconforto e ansiedade, dificulta a interação dos indivíduos bem como as reflexões sobre o processo saúde/doença (SEVERO; SEMINOTTI, 2010). Isto posto, focamos então na importância das interações entre os profissionais das equipes de saúde, uma vez que essas interações solidificam a transdisciplinaridade. Tomando como referência a leitura socionômica, deve-se considerar que a relação indivíduo/grupo, decorre, sobretudo, da superação de etapas, sendo estas necessárias para que a relação se concretize. Seguindo a ótica Moreniana, há necessidade da passagem pelas seguintes etapas: 1. Etapa de identidade: relação eu-tu bem como do sujeito com os objetos circunvizinhos; 2. Etapa do reconhecimento do eu, de sua singularidade como pessoa; 3. Etapa de reconhecimento do tu e do reconhecimento dos outros. Considerando-se essas etapas, no direcionamento das atividades que envolvem a metodologia socionômica, parte-se da concepção do homem em relação, consigo mesmo, com o outro e com o mundo. Moreno (1978), concebe-se que todo grupo inicia-se caótico indiferenciado chegando numa constituição da identidade grupal, mediante um processo denominado por ele de rematrização. O conceito de rematrização, advém do conceito de matriz foi utilizado por Moreno para explicar o lugar de acontecimentos fundantes. Neste sentido, Moreno definiu matriz como sendo o locus nascendi, é uma verdadeira área de vínculos, um universo de ações e interações fundamentais e constituintes, ou seja, um locus peculiar, o lócus nascendi. (...) matriz é, em si, o próprio conceito de vínculo em sua acepção mais exata. Esse conceito de matriz não deve ser considerado no sentido de um mero molde, mas como um universo de ações e interações fundamentais e constituintes; uma área onde o homem desempenha papéis protagônicos, deuteragônicos e antagônicos que determinam e marcam, no momento mesmo em que emergem originalmente, as características fundamentais de um determinado indivíduo, no processo evolutivo em que vai se constituindo (MENEGAZZO; TOMASINI; ZURETTI, 1995, p. 124). No que tange ao complexo/transdisciplinar, nos deparamos com pessoas centradas em si mesmas, muitas vezes moldada pelo pensamento cartesiano/racionalista, produzindo de forma fragmentada uma visão específica da realidade, imerso em uma cegueira paradigmática, SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 80 relacionada ao referencial que utiliza para enfrentar o mundo (SEVERO; SEMINOTTI, 2010). O trabalho em equipes multiprofissionais requer a saída para uma relação eu-tu, bem como do sujeito com os objetos circunvizinhos. Vencida esta etapa, o indivíduo estará preparado para a etapa do reconhecimento do eu, de sua singularidade como profissional, permitindo-se manter o que é seu do que é do outro e interdisciplinar. Para que a transdisciplinaridade se efetue há necessidade da passagem para etapa de reconhecimento do tu, e somente conseguindo considerar a visão do outro, será possível melhorar o desempenho dos papéis de cada um e certamente a qualidade das ações. Afinal, muito bem apontado por Moscovici (1994) um grupo somente poderá se tornar equipe quando: os papéis dos membros estiverem bem definidos; os participantes compreenderem seus objetivos e estiverem engajados em alcançá-los de forma compartilhada; quando a comunicação entre os membros for verdadeira havendo a incorporação das habilidades de diagnose e de resolução de problemas, e, sobretudo, quando o respeito, mente aberta e cooperação forem estimulados. A preocupação com a integração dos saberes sempre esteve presente na Teoria Socionômica, para seu precursor: Uma ciência de ação começa com dois verbos, ser e criar e com três substantivos, atores, espontaneidade e criatividade. Um coletivo de atores não é o mesmo que uma coletividade de organismos, é um ‘nós’ e não um ‘eles’, é uma ‘criatocracia’ e não um universo de organismos interagindo (MORENO, 1992). Essa interação requer vontade de aprender com outro, e ensinar também ao outro, outrar-se, ou seja, deixar-se contagiar por algo de sentido novo e diferente (por exposição a idéias, metodologias, conceitos, pensamentos...), deixando-se transformar num ser novo, distinto, que veste uma nova forma de estar no mundo. Nas relações profissionais, acadêmicas e de pesquisa as pessoas devem entender-se e perceber-se interdisciplinarmente. É importante dar uma parada afim de observar os aspectos em que cada um caminhou... É um processo de compartilhar diferenças, de se colocar no lugar do outro, a desejada empatia nas relações humanas (VARGAS, 2000, p. 153). É nesse processo grupal, interprofissional e interdisciplinar que a intercomunicação entra nas relações humanas, vai sendo construída como num mosaico caleidoscópico de vivências que desafiam à complexidade SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 81 (MORIN, 2003), surpreendendo os profissionais com as formas e cores em movimento de cada disciplina, e com a beleza dos resultados ao interagi- las. Contudo, “não é possível ser membro verdadeiro e, ao mesmo tempo, ‘agente secreto’ do Método Experimental. A saída é dar a cada membro do grupo o ‘status de pesquisador’, fazendo de todos pesquisadores.” (MORENO, 1972, p. 166). Conforme descreveu Heidegger (1966), O poder-aprender supõe o poder-investigar. Investigar é o querer-saber esclarecido acima: a re-solução de abrir-se a um poder-suportar a manifestação do ente. (HEIDEGGER, 1966, p. 60-61). Quando nos deparamos com a busca pela transdisciplinaridade no campo da saúde no trabalho, verificamos que a avaliação de relações interpessoais, bem como a produção experimental de interação social nunca foram tratados com seriedade. O que resta a ser investigado em uma sociedade, se os próprios indivíduos que a compõe e seus relacionamentos forem considerados de modo fragmentado ou por atacado? Para expressar isto de modo mais positivo, os próprios indivíduos e sua inter-relações devem ser tratados como estrutura nuclear de toda situação social (MORENO, 1992, p. 157). O campo da saúde no trabalho na contemporaneidade encontra-se mediado por grandes alterações no cenário político, econômico, social e cultural primando por interações metodológicas que alicercem as práticas transdisciplinares em prol da prevenção de doenças e promoção da saúde nos contextos laborais. Se vivenciamos a complexidade das ações neste campo fica evidente que há necessidade de quebrar esferas fechadas, para auxiliar na compreensão da multidimensionalidade, para pensarmos com a singularidade, com a localização, com a temporalidade, sem que nos esqueçamos as totalidades integradoras. É a tensão em direção ao saber total e, ao mesmo tempo, a consciência antagônica que, como disse Adorno, ‘a totalidade é a não verdade’... é isso a complexidade: a conjunção de conceitos que se combatem entre si... o imperativo da complexidade é a utilização estratégica daquilo que chamo a dialógica... o imperativo da complexidade é também pensar organizadamente; é compreender que a organização não se resume a alguns princípios de ordem, a algumas leis... um pensamento de organização que não compreenda a relação auto-eco-organizadora, isto é a relação profunda e íntima com o meio ambiente... a relação hologramática entre as partes e o todo... o princípio da recursividade, tal pensamento está condenado à chateza, à trivialidade, quer dizer ao erro...” (MORIN, 1990, p. 150). SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 82 Nesta abertura para o diálogo metodológico, os atores (profissionais da saúde) conduzem a atividade de maneira intersubjetiva sobre um objeto - realidade que os mediatiza -, tendo como objetivo a humanização dos homens (FREIRE, 1974, p. 9) e, partir dela a promoção da saúde no contexto laboral. Na medida em que a ciência que envolve o estudo do homem é sempre também outro homem quem a formula, este se coloca num vínculo consigo mesmo ou com o outro e aí vive a experiência, observa e conclui. Este vínculo não pode estar desligado das conclusões a que chega... Um cientificismo que converta o método à observação, estará somente traindo a essência do método inter-humano que é por definição falível, inexato, variável.... A pseudo-objetividade do homem não é mais que uma subjetividade mecanizada (MORENO,1978). A título de conclusão, vale destacar que a complexidade das metodologias do campo da saúde no trabalho são influenciadas por fatores que se entrecruzam entre as interações científicas e as interrelações humanas, que permitem a construção transdisciplinar. A Teoria Socionômica, em sua interface com a transciplinaridade, apresenta pontos de intersecção, posto que se localizam nas interações e intervenções. A transdisciplinaridade faz-se mister a intercomunicação entre as disciplinas, de modo que resulte uma modificação entre elas, através de diálogo compreensível. Contudo, uma vez a simples troca de informações entre organizações disciplinares não constitui a transdisiciplinaridade, é necessário a interrelação humana, tendo como características fundamentais o rigor, a abertura e a tolerância como características fundamentais, conforme descrito por Morin e Nicolescu. O rigor na argumentação, que leva em conta todos os dados, é a barreira às possíveis distorções. A abertura comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às idéias e verdades contrárias às nossas. (MORIN; NICOLESCU, Artigo 14, 1994). Por isso, é fundamental:  Reconhecimento da importância do papel de cada profissional;  Exercício de um olhar unificado diante das necessidades assistenciais do trabalhador;  Identificação dos problemas e busca conjunta de soluções;  Atitude de respeito ao outro;  Valorização da intersubjetividade;  Conscientização e respeito às limitações para o desenvolvimento de trabalho coletivo;  Desprendimento de uma verdade absoluta;  Humildade. SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 83 Para que estes apontamentos se efetuem, os espaços para o diálogo são relevantes para a troca na diferença, a ajuda perante o não-saber, a co-construção e compreensão ampliada, que só existe a partir da junção de pontos de vista distintos, que se complementam. A transdisciplinaridade em saúde no trabalho está constantemente afetada pela insegurança que os profissionais têm, e que os leva a querer impor um saber que precisam acreditar que têm. Vale ressaltar que “O ponto de sustentação da transdisciplinaridade reside na unificação semântica e operativa das acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta por um novo olhar, sobre a relatividade definição e das noções de “definição” e "objetividade”. O formalismo excessivo, a rigidez das definições e o absolutismo da objetividade comportando a exclusão do sujeito levam ao empobrecimento” (MORIN; NICOLESCU, Artigo 4 , 1994). Mediante isto, consideramos relevante o investimento na preparação da equipe na atenção à saúde do trabalhador, para que os profissionais possam desenvolver uma visão operativa exeqüível que permita atingir os resultados pretendidos. A Teoria dos Papéis foi considerada por Moreno (1978), como parte da estrutura integrante das inter-relações, para tanto a definição dos papéis numa equipe interdisciplinar é de vital importância para favorecer a transciplinaridade. Além disto, a teoria Socionômica possui uma variedade de técnicas que aplicadas em grupos propicia a intensidade das reações humanas, à medida que gera laços entre os indivíduos e favorece a dinâmica relacional e grupal, resultando a troca de experiências, bem como de conteúdos co–conscientes e co-inconscientes (MORENO, 1972). Em suma, esta abordagem auxilia no fortalecimento de “uma autêntica relação dialógica que por sua vez propicia a produção de novos saberes, que, no interjogo da conversação de distintas subjetividades, recria o antigo (COSTA; CONCEIÇÃO, 2008, p.67). Levando em conta as concepções do tempo e da história, posto que, “a transdisciplinaridade não exclui a existência de um horizonte trans-histórico (MORIN; NICOLESCU, Artigo 6 , 1994). REFERÊNCIAS ALVARENGA, A. T; SOMMERMAN, A; ALVAREZ, A. M. S. Congressos Internacionais sobre Transdisciplinaridade: reflexões sobre emergências e convergências de idéias e ideais na SCHMIDT, M. L. G. Interações Metodológicas e Interrelações Humanas: Alicerçando a Transdisciplinaridade no Campo da Saúde no Trabalho. R. Laborativa. V. 1, n. 1, p. 73-85, out./2012. http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa 84 direção de uma nova ciência moderna. Revista Saúde e Sociedade v. 14, n. 3, p. 9-29, set-dez 2005. BRASIL. Ministério da Saúde. 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