GABRIELLE CRISTINA BECA ALESSANDRO ROCHA SENSIBILIDADE AMBIENTAL FLUVIAL A DERRAMES DE ÓLEO E BIOCOMBUSTÍVEL: VULNERABILIDADE E IMPACTOS À MASTOFAUNA Rio Claro 2014 ECOLOGIA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Alessandro Rocha SENSIBILIDADE AMBIENTAL FLUVIAL A DERRAMES DE ÓLEO E BIOCOMBUSTÍVEL: VULNERABILIDADE E IMPACTOS À MASTOFAUNA Orientador: Milton Cezar Ribeiro Co-Orientador: Décio Luis Semensatto Jr. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Rio Claro, para obtenção do grau de Ecólogo Rio Claro 2014 599 R672s Rocha, Alessandro Sensibilidade ambiental fluvial a derrames de óleo e biocombustível: vulnerabilidade e impactos à mastofauna / Alessandro Rocha. - Rio Claro, 2014 103 f. : il., figs., gráfs., tabs., fots., mapas Trabalho de conclusão de curso (Ecologia) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Milton Cezar Ribeiro Coorientador: Décio Luis Semensatto Júnior 1. Mamífero. 2. Mamíferos médio e grande porte. 3. Mata Atlântica Interior. 4. Ecologia Ficha Catalográfica elaborada pela STATI -Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP . 3 Aos meus pais, professores, amigos e amantes da natureza... AGRADECIMENTOS À minha família, principalmente aos meus pais, por todo apoio incentivo e carinho. Aos amigos (as) e companheiros (as) que compartilharam algum momento da vida e no caminho trocaram sentimentos, idéias e ideais, ainda que de forma passageira, mas marcante; a intensidade dos momentos vividos muitas vezes se sobrepõe ao tempo. Foram muitas dúvidas, incertezas, encontros e desencontros até chegar aqui. As pessoas que sempre me apoiaram e estiveram do meu lado foram: meus pais (mais uma vez minha gratidão e respeito, por mais que agradeça nunca será suficiente!), à minha tia e avó pelo apoio e carinho, à Kelly (minha melhor amiga), à Lillian (minha querida prima), ao casal Éder & Juliana (meus irmãos de coração)... Aos amigos da Unesp: Gabrielle (Pampers), Rafael (Urucum), Stéfani, Dani, Royal, Abraão e Maurício... Aos camaradas da República Saci: Bruno, Dácio, Théo, Renan e Machichu... Aos estimados tenistas Unespianos: Prof.Dr.Wilson, Rafael, Caio, Thiago, Camila, Bia, Caenga e Silvana. Aos meus estimados professores: José Chaud Netto, Mauro Galetti, Maria Inez Pagani, David Lapolla, Flávio Schlittler... aos técnicos do departamento Carlinhos e Sean (ex-técnico). Ao Programa de Formação de Recursos Humanos em Geociências e Ciências Ambientais Aplicadas ao Petróleo – PRH 05/UNESP, ao PFRH/Petrobrás e ao PRH/ANP – FINEP/MCT, pelo apoio acadêmico e financeiro, indispensáveis à realização deste trabalho de conclusão de curso. À Unespetro pelo apoio, aos professores: Dr. Dimas Dias-Brito e Dra. Paulina Setti Riedel, aos funcionários José Cazonatto e Rodrigo Goya. Ao Laboratório de Ecologia Espacial e Conservação (LEEC) pelo apoio técnico-científico com destaque para o Rodrigo e principalmente ao John responsável pelo mapeamento, sempre prestativo no uso com o Arc-Gis e o Q-Gis, ao Calebe e Felipe pela ajuda com as análises estatísticas, ao LABIC (Laboratório de Biologia da Conservação) em especial ao José (o guatemalteco), ao NUPECCE pela ajuda na confirmação das espécies do gênero Mazama. E à Casa da Floresta pela compreensão e apoio, meus agradecimentos ao Elson, Daniel, Carol e Raisa. Aos meus orientadores, Décio L.Semensatto Jr. e Milton C. Ribeiro. Em especial ao orientador e amigo Milton Cezar Ribeiro que, desde o segundo ano me orientou com maestria no campo das ciências e da vida. Muito grato por todo aprendizado, discussões, apoio, vivência e pelo companheirismo! Aos anos da minha vida que deixarão saudades... ... e aos que virão...rs 4 RESUMO GERAL A ECOLOGIA COMO FERRAMENTA APLICÀVEL PARA COMPREENSÃO, MANEJO E CONSERVAÇÃO DA BIOTA O trabalho apresentado é constituído de dois capítulos distintos, ambos com preocupação recorrente de realizar uma ciência que tenha interface com a realidade, uma Ecologia aplicável às questões e demandas da sociedade contemporânea como ferramenta para compreender a realidade, mediar conflitos. No capítulo I - "Integrando o meio físico, biológico e sócioeconômico na proposição de novos Índices de Sensibilidade Ambiental (ISA) propomos o desenvolvimento de índices que combinem aspectos bióticos, socioeconômicos e ecológicos como: a) Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAB), pautado na comunidade de mamíferos de médio e grande porte; b) Índice de Sensibilidade Ambiental Socioeconômico (ISASE), composto pelo tipo de atividade econômica e pelas características da comunidade do entorno e c) Índice de Sensibilidade Ambiental Ecológico (ISAEc). No capítulo II - " Contribuição da área do fragmento e dos corredores ecológicos para a comunidade de mamíferos de médio e grande porte das matas ciliares", ressaltamos a importância da Ecologia da Paisagem para a presença/ausência de espécies de mamíferos de médio e grande porte. Quais correlações são relevantes e como as métricas da paisagem têm influência sobre a comunidade da mastofauna. Há a clara intenção de compreender a realidade e propor soluções para as problemáticas modernas visando o bem estar da sociedade e a conservação e preservação da biota. 5 SUMÁRIO CAPÍTULO I - Integrando o meio físico, biológico e socioeconômico na proposição de novos índices de sensibilidade ambiental RESUMO........................................................................................................................ 08 1.INTRODUÇÃO........................................................................................................... 09 1.1 Óleos & biocombustíveis - história e cenário atual................................................. 09 1.2 Cartas e Índice de Sensibilidade Ambiental Fluvial................................................ 10 1.3 Hidrovia Tietê-Paraná............................................................................................... 14 1.4 Mamíferos de Médio e Grande Porte........................................................................ 18 1.5 Importância das Matas Ciliares................................................................................. 19 2.OBJETIVOS................................................................................................................ 20 3.MÉTODOS.................................................................................................................. 21 3.1 Área de estudo............................................................................................... 21 3.2 Dados biológicos (mastofauna)..................................................................... 23 3.2.1Área Controle - Barreiro Rico (atual Fazenda Bacury)............................... 24 3.3 Categorização dos meios físico, biológico e social para elaboração dos índices de sensibilidade ambiental fluvial........................................................... 25 3.3.1 Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAB).................... 25 3.3.2 Índice de Sensibilidade Ambiental Socioeconômico (ISASE)...... 25 3.3.3 Índice de Sensibilidade Ambiental Ecológico (ISAEc).................. 26 3.3.4 Índice de Vulnerabilidade Ambiental (IVA).................................. 27 4.RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................................. 28 4.1 Comunidade de mamíferos das matas ciliares.............................................. 28 4.2 Grupos mais suceptíveis à possíveis derrames............................................. 36 6 4.3 Proposta de novos ícones para mastofauna.................................................. 39 4.4 Proposta de Novos Índices de Sensibilidade Ambiental ............................. 40 4.4.1 Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAB).................. 41 4.4.2 Índice de Sensibilidade Ambiental Socioeconômico (ISASE)... 42 4.4.3Índice de Sensibilidade Ambiental Ecológico(ISAEc)................ 43 4.5 Índice de Vulnerabilidade Ambiental...................................................... 44 5. CONCLUSÃO.......................................................................................................... 45 6. REFERÊNCIAS....................................................................................................... 46 CAPÍTULO II - Contribuição da área do fragmento e dos corredores ecológicos para a comunidade de mamíferos de médio e grande porte das matas ciliares RESUMO........................................................................................................................ 52 1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 53 1.1 Fragmentação e a Ecologia da Paisagem...................................................... 53 1.2 Mata Atlântica de Interior............................................................................. 54 1.3 Mamíferos de médio e grande porte e a paisagem.......................................... 56 2. OBJETIVOS.................................................................................................................. 57 3. HIPÓTESES E RESULTADOS ESPERADOS............................................................. 57 4. MÉTODOS.................................................................................................................... 62 4.1 Área de estudo............................................................................................... 62 4.2 Características da paisagem............................................................................ 64 7 4.3Dados biológicos (mastofauna)..................................................................... 66 4.3.1 Grupos funcionais com base na mastofauna.................................. 67 4.4 Análises estatísticas....................................................................................... 68 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................................. 69 5.1 Interferência da paisagem na ocorrência da mastofauna............................... 69 5.2 Paisagem e roedores frugívoros-herbívoros.................................................. 71 5.3 Paisagem, felinos pequeno e médio porte e mamíferos arborícolas.............. 72 5.4 Classificação ambientes de acordo com a área e conectividade estrutural... 72 6. CONCLUSÃO............................................................................................................. 73 7. REFERÊNCIAS........................................................................................................... 74 APÊNDICE........................................................................................................................ 78 APÊNDICE I (Fotos das espécies visualizadas e fotografadas).............................. 78 APÊNDICE II (Fotos das espécies registradas em câmera-trap)............................ 80 APÊNDICE III (Fotos de vestígios - fezes, esqueletos e arranhões)....................... 90 APÊNDICE IV (Fotos de pegadas)......................................................................... 93 APÊNDICE V (Fotos das espécies atropeladas)..................................................... 99 8 CAPÍTULO I - INTEGRANDO O MEIO FÍSICO, BIOLÓGICO E SOCIOECONÔMICO NA PROPOSIÇÃO DE NOVOS ÍNDICES DE SENSIBILIDADE AMBIENTAL (ISA) RESUMO A caracterização da sensibilidade ambiental aos derrames de combustíveis é amplamente empregada em ambientes costeiros, mas ainda é incipiente em ambientes fluviais. Pautada apenas em características geomorfológicas e hidrodinâmicas. Há necessidade de desenvolvimento de novos protocolos com enfoque nos ecossistemas fluviais que contemplem na construção do ISA aspectos biológicos e socioculturais; esta é a motivação do nosso estudo. Portanto, propomos o desenvolvimento de índices que combinem aspectos bióticos, socioeconômicos e ecológicos como: a) Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAB), o qual é pautado nas características da comunidade de mamíferos de médio e grande porte; b) Índice de Sensibilidade Ambiental Socioeconômico (ISASE), que é composto pelo tipo de atividade econômica e pelas características da comunidade do entorno e c) Índice de Sensibilidade Ambiental Ecológico (ISAEc), o qual considera o atual Índice de Sensibilidade Ambiental (que chamaremos em nossos estudos de ISAF pela sua composição essencialmente física) e os índices propostos,ISAB e ISASE de modo a estruturar em um único índice o meio físico, biológico e socioeconômico em relação à sensibilidade ambiental fluvial à derrames de óleo ou biocombustível. Por fim, foi também desenvolvido um Índice de Vulnerabilidade Ambiental (IVA), o qual é definido levando-se em conta o ISAEc e a proximidade com áreas de maior probabilidade à derrames (os portos intermodais). O estudo foi realizado em paisagens com matas ciliares da Sub-Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba e Tietê, Estado de São Paulo, as quais fluem em direção ao Reservatório de Barra Bonita. Em relação à fauna silvestre de mamíferos de médio e grande porte, foram registradas 27 espécies, sendo quatro delas ameaçadas de extinção. As paisagens foram categorizadas pelos índices: 1) Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAEc) e 2) pelo Índice de Vulnerabilidade Ambiental Biológica (IVA). Consideramos que estes novos índices podem contribuir de forma significativa para a consolidação de uma nova proposta integrada para elaboração de cartas de sensibilidade ambiental (cartas SAO). Com isto estaremos ampliando os horizontes para o diagnóstico prévio de áreas que devem receber especial atenção em relação a riscos potenciais de acidentes com derramamento de óleo e biocombustível em áreas fluviais continentais. Palavras-chaves: Mata Atlântica de Interior e mastofauna 9 1 INTRODUÇÃO 1.1 Óleos & biocombustíveis - história e cenário atual Biocombustíveis são derivados de biomassa renováveis que podem substituir, parcial ou totalmente, combustíveis derivados do petróleo e gás natural em motores à combustão (ANP, 2012). São amplamente utilizados no Brasil como combustível para o setor automobilístico em substituição aos derivados petrolíferos, diesel e gasolina, sendo inclusive incorporado na formulação destes. O Pró-Álcool foi o programa governamental de biocombustível de maior sucesso já implantado no País, instituído pelo governo brasileiro em 1975, assumiu papel de fonte renovável de energia, alcançando repercussão internacional. Embora muito promissor, do ponto de vista de geração alternativa de energia, há problemas com riscos de acidentes que podem prejudicar o meio ambiente, a biodiversidade e a populações das proximidades onde tais acidentes possam vir a ocorrer. Casos como a explosão da plataforma da British Petroleum, no Golfo do México em 2010, considerado o maior vazamento da história, reascende a discussão sobre os aspectos relacionados à exploração petrolífera, suas fragilidades e limitações. Tal fato, combinado a inúmeros acidentes já ocorridos, chama a atenção da sociedade para a importância de propostas mais sustentáveis, uma alternativa seria o biocombustível. Porém, tanto derivados de petróleo como biocombustíveis apresentam impactos, independente da matriz energética, os quais podem ser identificados desde o processo de produção, até o momento em que são transportados para os pólos consumidores. Durante o transporte por meio dutoviário, rodoviário ou hidroviário é possível ocorrer eventos de derramamento. Uma das questões mais importantes sobre o tema é saber: quais seriam seus impactos na biota? Para antever e mitigar esses efeitos, devemos avaliar a sensibilidade ambiental dos ecossistemas susceptíveis, dando especial atenção à biodiversidade associada à região. Segundo a TRANSPETRO (2009), o território nacional apresenta 7.500 km de oleodutos, sendo esses responsáveis pelo transporte de 676 milhões de m3 de petróleo, derivados e biocombustíveis. No ano de 2000, aconteceu a maior catástrofe de vazamento no Brasil: 1,3milhão de litros de óleo vazaram de um duto da Refinaria Duque de Caxias (REDUC),transformando a Baía de Guanabara em um mar espesso e sem vida. A atual conjectura econômica aponta para a expansão das atividades do Pré-Sal, e das fronteiras agrícolas para cultivo de cana-de-açúcar e produção de etanol. Sendo assim, o volume de combustível a ser explorado e transportado também aumentará expressivamente, acarretando em um incremento significativo na infraestrutura associada à extração, refino e transporte do 10 petróleo, seus derivados e biocombustíveis e, consequentemente, aumentando a probabilidade de acidentes. 1.2 As Cartas de Sensibilidade Ambiental ao Óleo (Cartas SAO) O Ministério do Meio Ambiente (MMA) é o órgão governamental que regulamenta as atividades que podem oferecer algum nível de impacto ao meio ambiente e à biodiversidade. O MMA tem desenvolvido estudos nas regiões da zona costeira brasileira, formulando documentos orientadores, como as “Especificações e Normas Técnicas para Elaboração de Cartas de Sensibilidade Ambiental a Derramamentos de Óleo” – Cartas SAO. Tal documento é a referência máxima para orientar a tomada de medidas emergenciais no caso de vazamento de petróleo, subsidiando tomadas de decisões em caráter emergencial, possibilitando direcionar eficientemente recursos e ações. Também contribui para a indicação de áreas prioritárias de proteção e os procedimentos mais adequados de limpeza das áreas afetadas.Os efeitos do derramamento de óleo sobre a biota dependem de uma série de características físicas e químicas dos componentes do óleo, da biodiversidade e variabilidade do ecossistema, e de sua sensibilidade ao óleo (CARVALHO, 2003 apud FERREIRA & BEAUMORD, 2008).As características físicas, biológicas, humanas e estruturais da região e suas interações são as bases para elaboração das Cartas SAO para ambientes costeiros. Para esses ambientes foram normatizados os padrões de registro das informações biológicas representadas por simbologias (BRASIL, 2002), as quais são constituídas: por ícones das espécies ou grupos de espécies (Fig. 1), de áreas que representam sítios de distribuição, de reprodução, alimentação ou repouso (Fig. 2). Dois novos ícones foram criados por Ágata Romero e utilizados por WIECZOREK 2006 & ROMERO 2009, para representar grupos de espécies importantes (sem representação iconológica pelo MMA): um único ícone para felinos e cachorro-do-mato e outro ícone para mamíferos voadores, referindo-se a espécies de morcego (Fig. 3). 11 Figura 1. Exemplos de ícones de para mamíferos aquáticos: cetáceos (baleias e golfinhos), pinípedes (focas, leões e elefantes marinhos, lobos do mar) sirênios (peixes-bois) e mustelídeos (lontras, ariranhas e iraras) e terrestres (roedores) utilizados nas Cartas SAO (MMA,2002). Por último, em destaque, exemplo para representação de espécies que encontram-se em alguma categoria de proteção Internacional, Nacional ou Estadual, apresentando o ícone da espécie (no caso uma baleia) emoldurada em destaque com a cor vermelha (WIECZOREK ,2006). Figura 2. Padronização de preenchimento de área de atividade aplicada pelas Cartas SAO a todos os grupos para sítios de reprodução, nidificação e repouso (BRASIL, 2002). Obs: o exemplo mostrado acima se refere ao grupo de mamíferos (cor marrom). 12 Figura 3. Ícones para mamíferos voadores (morcegos) e para carnívoros (felinos/ cachorro- do-mato) (WIECZOREK, 2006 & ROMERO,2009). As informações socioeconômicas são representadas também com simbologias indicadas pelo MMA (BRASIL, 2002), as quais são constituídas por ícones em preto e branco que representam áreas de recreação, recursos, gestão especial, cultura e limites (Fig. 4). Figura 4. Ícones socioeconômicos referentes à recreação, áreas sob gestão especial, recursos, cultura e limites. • Felinos e cachorro-do- mato 13 O mapeamento da sensibilidade ambiental para questões relacionadas a derramamentos de biocombustíveis, com raras exceções, restringe-se aos ecossistemas marinhos e costeiros. Considerando o avanço da economia nacional e a expansão da construção de oleodutos, hidrovias e redes intermodais, faz-se necessário também desenvolver protocolos para se realizar os mapeamentos da sensibilidade ambiental com enfoque nos ecossistemas fluviais que ocorrem no interior do continente. Outro fator de suma importância na elaboração dos Índices de Sensibilidade Ambiental (ISA) é considerar na sua elaboração não apenas critérios físicos, pautados basicamente em aspectos geomorfológicos e hidrodinâmicos, mas também em critérios socioculturais e biológicos, fatores que atualmente são resumidos aos ícones (quando representados). No caso dos ambientes aquáticos e alagadiços continentais (Fig. 5), a lógica de atribuição do ISA é a mesma aplicada aos ambientes marinhos e costeiros, a qual é passível de aprimoramentos tais como os propostos no presente trabalho. Entretanto, essa lógica tem sido adotada na elaboração das cartas SAO para os ambientes fluviais, com o intuito de disciplinar as atividades de movimentação de óleo e orientar as ações de resposta a eventuais eventos de derramamento (Fig. 6). Figura 5. Índice de Sensibilidade Ambiental para ambientes aquáticos e alagadiços continentais (PETROBRÁS/CENPES, 2006) utilizado atualmente, pautado principalmente em características geomorfológicas e hidrodinâmicas. Esta classificação foi proposta e adotada originalmente para os ambientes aquáticos da bacia hidrográfica do Rio Amazonas, em função da movimentação de óleo do campo de Urucu, no interior do Amazonas. 14 Figura 6. Exemplo de Carta SAO Fluvial no Rio Canhanduba, em Itajaí (SC), com a representação do ISA e dos ícones referentes aos recursos socioeconômicos e biológicos (FERREIRA & BEAUMORD, 2008). 1.3 Hidrovia Tietê-Paraná A Hidrovia Tietê-Paraná iniciou sua operação em 1981, como transporte de cana pela Usina Diamante (sucroalcooleira), no município de Jaú-SP. Entretanto, a hidrovia e o transporte intermodal no Estado de São Paulo se expandiram somente a partir da segunda metade da década de 1990, com a instalação de eclusas, barragens, canais fluviais e terminais modais. A intermodalidade consiste no uso demais de um modo de transporte na movimentação de cargas e ou pessoas, com conexões intermodais (hidro-rodo-ferroviárias), aproveitando-se dos aspectos favoráveis de cada modal, contribuindo para o aumento do volume de cargas escoadas, essenciais para a interligação dos centros produtores (principalmente do Centro-Oeste) ao porto de Santos-SP (FELIPE JÚNIOR, 2008). Do ponto de vista ambiental, o planejamento da malha intermodal deve considerar o balanço entre a capacidade de carga, emissão de carbono, consumo de combustíveis, eficiência energética e custo logístico (Fig. 7), de forma a orientar o melhor tipo de modal para cada cenário existente nas regiões que serão integradas pelo sistema de transporte. 15 Figura 7. Comparação entre modais extraído da apresentação “II Seminário Internacional Sobre Hidrovias, da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquáticos), em 03 de Abril de 2012. A Hidrovia Tietê-Paraná é uma alternativa ao desenvolvimento, potencializando a infraestrutura e logística disponível (Fig. 8), contribuindo como desenvolvimento socioeconômico regional. Atualmente, as empresas realizam o transporte fluvial de soja, farelo de soja, sorgo, açúcar e milho, o transbordo e a condução das mercadorias por esteiras até os caminhões com destino ao porto de Santos-SP, interligando economicamente os estados de Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo. A hidrovia se estende pelo Rio Tietê, em São Paulo, até o Rio Paraná, na divisa entre São Paulo e Mato Grosso do Sul e na fronteira do Paraná com o Paraguai e a Argentina (Fig. 9). 16 Figura8.Intermodais: A) Terminal da Sartco/ADM em Santa Maria da Serra-SP; B) Terminal da Torque/Caramuru Alimentos em Anhembi; e C) Terminal de Conchas. Figura 9. Hidrovia Tietê-Paraná.Em destaque, os portos intermodais (quadrados laranjas), as barragens sem eclusa (cruzes em preto) e as barragens com eclusa (losangos verdes) (FELIPE JR., 2008). A Hidrovia Tietê-Paraná está contemplada no Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal (PAC), nos planos da expansão da fronteira energética e de produção de combustíveis no Brasil como uma das principais vias de transporte de biocombustível para abastecimento nacional e exportação (Fig. 10).Segundo a Transpetro, em seu relatório anual de 2010: A B C 17 “Realizaremos o projeto de ampliação do Corredor do Etanol. Os investimentos previstos chegarão a US$ 2,5 bilhões nos próximos quatro anos, em um sistema intermodal de transporte rodoviário, dutoviário e aquaviário. A terceira etapa prevê a operação, até o segundo semestre de 2013, do trecho referente à Hidrovia Tietê-Paraná (4 terminais fluviais e um duto de 117 km entre Anhembi e Replan, além dos comboios do Promef Hidrovia) e de uma ligação exclusiva entre a REPLAN e a Refinaria do Vale do Paraíba (REVAP), em São José dos Campos. Estas etapas estão incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ao fim do período de investimentos, o sistema será capaz de movimentar 21 milhões de m³/ano de etanol, mercado interno e exportação, possibilitando uma logística integrada”. Figura 10.Mapa de logística proposta para viabilizar a exportação de produtos brasileiros utilizando hidrovias. Fonte: II Seminário internacional Sobre Hidrovias, da ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquáticos (03 de Abril de 2012). Além da intervenção planejada pela Transpetro, também está prevista a construção de uma barragem no município de Santa Maria da Serra (SP) com o intuito de aumentar a lâmina d’água e possibilitar a navegação no Rio Piracicaba na região meândrica, conhecida atualmente como região do Tanquã. De acordo com o Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo, no 3º Seminário Técnico Sobre a Hidrovia Tietê-Paraná, ocorrida em 16 de Junho de 2012 em Santa Maria da Serra, o Governo Estadual projeta concluir as obras da barragem de Santa Maria da Serra em 2016, ampliando o trecho navegável da Hidrovia Tietê-Paraná em 55 km, até o distrito de Artemis, em Piracicaba (SP). 18 1.4 Mamíferos de médio e grande porte Mamíferos de médio e grande porte (> 1 kg, segundo Chiarello 1999) desempenham o papel ecológico de organismos-chave na estruturação das comunidades biológicas (DOTTA & VERDADE, 2007). Estão envolvidos em processos ecológicos fundamentais para a manutenção da biodiversidade, como herbivoria, predação (CUARÓN, 2000) e dispersão de sementes por ungulados (FRAGOSO, 1997; FRAGOSO e HUFFMANN, 2000; GALETTI et al., 2001), primatas (PERES e VAN ROOSMALEN, 2002) e roedores (GUIMARÃES et al., 2006). Os mamíferos carnívoros de topo de cadeia ainda regulam populações de herbívoros e frugívoros (EMMONS 1987; TERBORGH 1988,). Atuam nos processos ecológicos na estruturação e recomposição de áreas em estágios iniciais de sucessão ecológica e contribuindo para seu restabelecimento; tendo um importante papel na manutenção e regeneração das florestas tropicais. Portanto é um grupo chave para definição de áreas prioritárias para conservação, bem como, para a elaboração dos índices de sensibilidade ambiental a derrames de óleo e biocombustível. Figura 11.Fatores relevantes da comunidade de mamíferos que ressaltam sua importância ecológica como animais de topo de cadeia (controlando outras populações), possuem ampla distribuição trófica e elevado apelo emotivo para fins conservacionista funcionando como espécie guarda-chuva (TERBORGH et al. 2001;DOTTA & VERDADE,2007;ROBERGE & ANGELSTAM,2004). 19 1.5 Matas ciliares Mata ciliar é uma classificação genérica dada à vegetação arbórea que sofre interferência direta dos rios, independentemente de sua região de ocorrência ou composição florística (SABER, 2009). Também conhecidas como florestas beiradeiras ou matas ripárias, apresentam diferentes tipos de estrutura e composição da vegetação e estão presentes em todos os biomas nacionais. Na Mata Atlântica tem como fitofissionomia característica a Floresta Estacional Semidecidual. Segundo LIMA e ZAKIA (2009), as áreas de matas ciliares desempenham uma série de funções ecológicas vitais para a estabilidade da estrutura e dinâmica do ecossistema (Fig. 12), como: - área de recarga (aumento da capacidade de armazenamento de água na microbacia); - melhora e manutenção da qualidade da água (filtragem superficial de sedimentos); - ciclagem de nutrientes; - interação direta com o ecossistema aquático (estabilização das margens e fonte nutricional para a biota aquática). Figura 12. Esquema conceitual de mata ciliar e os processos hídricos e de matéria orgânica (LIKENS,1992). Em relação aos mamíferos, segundo GASTAL & MARINHO-FILHO(2009), as matas ciliares possuem importância fundamental no provimento de água, alimento e abrigo (principalmente em períodos de seca) e servindo como corredores (especialmente em áreas abertas e fragmentadas). 20 2 OBJETIVO As cartas de sensibilidade ambiental (Cartas SAO) e os índices de sensibilidade ambiental (ISA) são fundamentais para a tomada de decisões preventivas e corretivas associadas aos derrames de óleo e biocombustíveis. Portanto, é de suma importância que na elaboração conceitual dos índices sejam levados em diretamente em consideração aspectos referentes não apenas às características físicas (como é o índice atual), mas também os aspectos socioeconômicos e bióticos. Nosso objetivo é propor três índices de sensibilidade ambiental:1) Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAB), pautado na comunidade de mamíferos de médio e grande porte devido relevância ecológica destes organismos para manutenção dos processos ecossistêmicos, levando em consideração a sua riqueza de espécies, singularidade (grau de ameaça das espécies) e nicho ecológico ocupado (modo de vida) para caracterizar a sensibilidade ambiental biológica (adaptado de MENDOZA-CANTÚ et al., 2011); 2) Índice de Sensibilidade Ambiental Socioeconômico (ISASE), caracterizado pela atividade econômica e sua relação de dependência em relação ao rio e sustentabilidade; e 3)Índice de Sensibilidade Ambiental Ecológico (ISAEc) o qual integrará o meio físico, biológico e socioeconômico. A vulnerabilidade, que consiste na sensibilidade associada à suceptibilidade de vazamento, também será avaliada, e nesse caso o contexto em que o trecho hidroviário está envolvido será considerado. Objetivos gerais e específicos A) Caracterizar a comunidade de mamíferos quanto à sua riqueza e grupos funcionais; B) Caracterizar e propor um índice biológico de sensibilidade ambiental; C) Caracterizar e propor um índice socioeconômico de sensibilidade ambiental; D) Analisar os possíveis impactos para os diferentes grupos funcionais e táxons; E) Propor novos ícones para representação de mamíferos nas Cartas SAO, quando pertinente; F) Propor um índice geral ou ecológico de sensibilidade e vulnerabilidade ambiental que contemple em conjunto os aspectos biológicos, físicos e socioeconômicos; 21 Isto nos permitirá responder às seguintes perguntas: A) Qual a riqueza e abundância relativa de mamíferos de médio e grande porte nas paisagens estudadas? B) Quais paisagens analisadas têm maior sensibilidade e vulnerabilidade a derrames de óleo e biocombustíveis com impacto para a mastofauna? 3 MÉTODOS 3.1 Área de estudo O RioTietê nasce no município de Salesópolis (SP) e segue em direção ao interior, recebendo a afluência do Rio Piracicaba no município de Barra Bonita, onde existe uma barragem. A partir dessa confluência segue até afluir com Rio Paranaíba, formando o Rio Paraná. A união dos dois cursos fluviais constitui a Hidrovia Tietê-Paraná (Fig 13), possuindo 2.400km de extensão, dos quais 800 km abrangem os rios Piracicaba e Tietê (FELIPE JR & SILVEIRA, 2008). Figura 13.Mapa da Hidrovia Tietê-Paraná e suas infra-estruturas, com destaque à área de estudo na região de Barra Bonita em vermelho (adaptado do Departamento Hidroviário de São Paulo, 2007). 22 A área de estudo limita-se à Sub-Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba e Tietê, no Estado de São Paulo, abrangendo os municípios de Piracicaba, Artemis, Águas de São Pedro, São Pedro, Santa Maria da Serra, Anhembi, Barra Bonita, Anhumas, Conchal e o Distrito de São Sebastião de Laras, em Laranjal Paulista (Fig. 14).O uso e ocupação do solo evidenciam uma alta antropização de suas margens, com remanescentes de matas ciliares e mata paludosa, floresta estacional semidecidual e cerrado que ainda persistem. O principal reduto de biodiversidade naquela região é a Reserva Florestal da Fazenda Bacury, antiga Fazenda Barreiro Rico (Fig. 15), área prioritária para preservação de mamíferos em na Mata Atlântica (MMA, 2002; BIOTA-FAPESP, 2008).Os ambientes de mata ciliar, encontram-se em zonas de transição entre Mata Atlântica de Interior e Cerrado. Figura 14. Pontos de referência das 13 paisagens analisadas em matas ciliares dos rios Piracicaba e Tietê no interior do Estado de São Paulo 23 Figura 15.Mapa de Áreas Prioritárias à Conservação de Mamíferos no bioma Mata Atlântica e Campos Sulinos (MMA 2002 – adaptado;destaque da região na qual está inserida a área estudada, a Fazenda Barreiro Rico). 3.2 Dados biológicos: mastofauna Para desenvolvimento deste estudo caracterizamos a riqueza de mamíferos de médio e grande porte (incluindo algumas espécies significativas com menos de 1Kg), que poderá ser afetada, direta e indiretamente, pelo derrame de biocombustível e derivados de petróleo. A obtenção das informações biológicas referentes à mastofauna ocorreu por meio de levantamento em campo (dados primários) e pesquisas bibliográficas (dados secundários).Nos levantamentos dos dados em campo foram amostradas mensalmente 11 paisagens, sendo cada uma delas definida por uma área de 2km de raio no entorno de fragmentos de mata ciliar definidas como foco de análise. Além de amostrar os habitats, foram também consideradas suas matrizes. Por matriz, para este estudo, considera-se os ambientes de uso do solo associados à práticas antrópicas, monoculturas, como a cana-de-açúcar, pastagem, citrus e silvicultura (LIMA,2012). Foram utilizados os seguintes métodos para identificação e quantificação das espécies: i) transecto linear, normalmente utilizado em estudos na Mata Atlântica (CULLEN et al., 2006); ii) identificação de vestígios (pegadas, carcaças, pêlos, fezes); iii) vocalização e iv) armadilhamento fotográfico (câmera-trap), para maximizar a amostragem de espécies crípticas e noturnas. Para avaliar a comunidade de mamíferos de médio e grande porte utilizamos categorias funcionais, classificando-a em grupos tróficos: carnívoros, frugívoros-herbívoros, frugívoros-onívoros, gomívoro-onívoro, insetívoro-onívoro e herbívoro-pastador. Também foram considerados grupos funcionais associados à Barreiro Rico/Lençóis Paulista 24 locomoção: aquático, arborícola, escansorial, semi-aquático, terrestre e terrestre associado à água. Além da utilização dos dados de mamíferos para a composição do ISAB, sugerimos a criação de novos ícones para representar grupos de mamíferos que atualmente não têm representação iconológica nos modelos apresentados pelo MMA e que, portanto, não são capazes de representar a complexidade da comunidade presente nas matas ciliares. 3.2.1 Área controle: Barreiro Rico (atual Fazenda Bacury) A antiga Fazenda Barreiro Rico, atual Bacury, é formada pela reserva legal de 15 propriedades unificadas em uma área de aproximadamente 1500 ha, dos quais uma pequena porção (239 ha) são referentes à Estação Ecológica do Barreiro Rico. O local abriga o maior primata nativo das Américas, o muriqui-do-sul, espécie que pode chegar a 1,5 m de comprimento e pesar 15 kg. Ambas as áreas citadas são consideradas prioritárias para conservação de mamíferos no interior do Estado de São Paulo (MMA, 2002). A comunidade de primatas tem destaque com cinco espécies: Brachyteles arachnoides (muriqui-do-sul), Alouatta guariba clamitans (bugio), Callicebus nigrifrons (sauá), Sapajus nigritus (macaco- prego) e o Callithrix aurita (sagui-escuro-da-serra). Como essa área é prioritária para a conservação e por estar em uma região interfluvial, a mesma foi utilizada como área controle para nosso estudo. Entretanto, face a dificuldade de obter autorização para amostragem, utilizamos dados secundários obtidos por ANTUNES & ESTON (2009) como fonte de dados. Portanto, as duas paisagens selecionadas e inseridas na área de Barreiro Rico, uma paisagem na mata ciliar margeando o Rio Piracicaba e a outra mata ciliar nas margens do Rio Tietê, tiveram sua riqueza dimensionada por este estudo. Em 20 de Setembro de 2012 houve um incêndio de grandes proporções, sendo queimada uma área expressiva da fazenda. Na ocasião uma usina vizinha à área forneceu suporte para combater as chamas, em que foram usados 11 tanques de caminhão-pipa. Testemunhas apontaram que o fogo foi iniciado no acostamento da Rodovia Geraldo de Barros (SP-191), no trecho que liga Santa Maria da Serra a São Manuel, e se alastrou por brotos de cana-de-açúcar até chegar à área de conservação. 25 3.3 Categorização dos meios físico, biológico e socioeconômico para elaboração dos índices de sensibilidade ambiental fluvial 3.3.1 Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAB) O ISAB proposto é pautado em critérios como a composição da comunidade de mamíferos de médio e grande porte, singularidade das espécies encontradas (grau de ameaça) e sua afinidade/dependência em relação ao rio, que expressa uma das dimensões do nicho ecológico. Esse último fator citado está associado à resiliência das espécies, ou seja, a capacidade de a população retomar o seu patamar estrutural e dinâmico anterior a uma perturbação, no nosso caso, ao derramamento de óleo e biocombustível nos rios. Portanto, conceitualmente entendemos que a associação entre o grau de ameaça de uma espécie-chave (como o caso da mastofauna de médio e grande porte) e a dimensão de seu nicho ecológico constitui uma possível forma de expressar a sensibilidade intrínseca dos recursos biológicos de uma área ao impacto por óleo e biocombustíveis (Fig. 16). Quanto maior for o seu grau de ameaça e maior sua dependência em relação ao ambiente fluvial (dimensão do nicho ecológico), maior será a sensibilidade intrínseca da biota associada a uma área de mapeamento. Figura 16. Esquematização da composição do Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAB). 3.3.2 Índice de Sensibilidade Ambiental Socioeconômico (ISASE) O ISASE é constituído pela atividade econômica e integridade sociocultural. A sua elaboração tem como base: i) o grau de dependência da atividade em relação ao rio e ii) a sustentabilidade da atividade, ou seja, a possibilidade de permanência na área sem esgotamento dos recursos explorados. Assim, para o conjunto de atividades sociais, 26 econômicas e culturais, quanto maior for a dependência da comunidade em relação ao ambiente fluvial e quanto maior for a probabilidade da interrupção das atividades em função da ocorrência do impacto, maior será o ISASE. No extremo de maior sensibilidade, pode-se considerar uma comunidade ribeirinha cuja atividade econômica e de subsistência, transporte e captação de água para abastecimento dependem exclusivamente do rio a que essa comunidade está associada, sendo que a presença de um derrame de óleo ou biocombustível irá interromper temporalmente a execução dessas atividades, podendo conduzir essa comunidade a uma grave situação de fragilidade de sua organização social e econômica ou até mesmo ao seu colapso. 3.3.3 Índice de Sensibilidade Ambiental Ecológico (ISAEc) O ISAEc é formado pela integração de três componentes: i) sensibilidade do meio físico (ora denominado ISAF), expresso pelo ISA atual (CENPES/Petrobrás,2002);ii) ISAB; e iii) ISASE, estes dois últimos propostos no presente trabalho (Fig. 17). Figura 17. Modelo esquemático-conceitual de composição do Índice de Sensibilidade Ecológico (ISAEc). Admitindo-se que todos os aspectos (físico, biológico e socioeconômico) estão interligados e que são de suma importância para a composição do ISAEc, optou-se por não ISAEc 27 atribuir pesos a cada componente. A resultante se dá de acordo com a maior sensibilidade apresentada por um dos componentes que constituem o ISAEc. Figura 18. Definição do ISAEc: seu valor é definido de acordo com o maior valor estabelecido entre os três componentes de sensibilidade analisados (ISAF, ISAB e ISASE). 3.3.4 Índice de Vulnerabilidade Ambiental (IVA) O IVA leva em consideração a proximidade de uma área/ponto de interesse para análise da sensibilidade ambiental com as áreas de maior probabilidade a possíveis derrames de biocombustível e óleo, que para efeito de classificação são as áreas com estruturas de transferência de carga, os portos intermodais, onde há o transbordo do produto entre modais de transporte. A proximidade deste tipo de estrutura a um ponto de interesse na análise da sensibilidade e o ISAEc atribuído a essa área constituem, em conjunto, o Índice de Vulnerabilidade Ambiental. Portanto, a vulnerabilidade de um ambiente é entendida como uma conjunção entre a sensibilidade intrínseca do ambiente, dada pelo ISAEc, e sua proximidade a uma área com atividades que elevam o potencial de ocorrência de derrame (quanto mais próximo um ambiente estiver a esse tipo de estrutura, maior a probabilidade de um ambiente ser atingido pelo impacto do derrame). Os possíveis impactos de derramamentos estão associados à característica do produto, quantidade derramada e à extensão espacial do derrame. Portanto, para a elaboração do IVA é importante conhecer a distância destas paisagens analisadas em relação aos portos intermodais e o sentido do fluxo do rio (direção da sua correnteza). Para distâncias em sentido contrário ao fluxo do rio, à montante, adotamos valores negativos, pois em caso de derramamento as paisagens próximas ao ponto de derramamento não serão diretamente impactadas, uma vez que a pluma de contaminação acompanhará o fluxo do rio e seguirá sentido contrário. Para paisagens à jusante do ponto de derrame, utilizamos valores positivos e adotamos os seguintes pesos para as classes de distâncias: 0 a 10 Km = 10; 11 a 25 Km = 8; distâncias negativas (contra a corrente do rio) = 0 26 a 50 Km = 5; 50 a 100 Km = 3; > 100 Km = 1. 28 A fórmula para o cálculo do IVA consiste na soma dos valores atribuídos às respectivas faixas de distância da paisagem em relação aos portos intermodais somados com o Índice de Sensibilidade Ambiental, dividido por 2. IVA = (ISAEc + peso atribuído à distância)/2 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados e discussão serão apresentados seguindo a seguinte ordem de informações: a) Riqueza de espécies de mamíferos de médio e grande porte encontrada nas paisagem com matas ciliares; b) Espécies mais e menos frequentes; c) Grupos funcionais tróficos e de locomoção; d)Espécies mais susceptíveis ao derramamento de óleo e biocombustível; e) novos ícones de mamíferos para representar toda a comunidade encontrada; f) Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAB); g) Índice de Sensibilidade Socioeconômico (ISASE); h) Índice de Sensibilidade Ecológico (ISAEc); i) caracterização das paisagens segundo os índices de sensibilidade, j) caracterização das paisagens segundo o IVA. 4.1 Comunidade de Mamíferos das matas ciliares No Estado de São Paulo há 45 espécies registradas de mamíferos de médio e grande porte (VIVO et al., 2011), dos quais 24 estão ameaçadas de extinção (SEMA,2009). Na análise da comunidade mastofaunica de nossas 11 paisagens de matas cilares registramos 27 espécies silvestres, que correspondem a 60% do total de espécies do Estado. Vale ressaltar que amostramos apenas em matas ciliares (Floresta Estacional Semidecidual), sendo que as 45 espécies para o Estado referem-se a todos os tipos de ambientes e regiões. Em relação às espécies ameaçadas tivemos quatro registros: Puma concolor (onça-parda), Chrysocyon brachyurus (lobo-guará), Leopardus pardalis (jaguatirica) e Leopardus tigrinus (gato-do- mato-pequeno), o que corresponde a 17% do total de espécies ameaçadas do Estado. Registramos também a presença de cinco espécies silvestres exóticas para a área de estudo: dois primatas Callitrichidae, Callithrix penicillata (sagui-de-tufos-pretos) e Callithrix jacchus (sagui-de-tufos-brancos); um Lagomorpha, Lepus europaeus (lebre européia); um Suiidae, Sus scrofa (Javaporco) e um roedor Myocastoridae, Myocastor coypus (ratão-do-banhado). As seguintes espécies domésticas de mamíferos foram encontradas na área: Canis familiares (cachorro doméstico), Felis catus (gato doméstico), Bos taurus (boi), Eqqus caballus (cavalo), Ovis aries (ovelha) e Syncerus caffer (búfalo). 29 Tabela 1 - Ordem, família, espécie e grau de ameaça (estadual, nacional e mundial) dos mamíferos de médio e grande porte registrados nas matas ciliares dos Rios Piracicaba e Tietê, de Agosto de 2012 a Setembro de 2013. DD=dados deficientes, LC= pouco preocupante, VU= vulnerável e EN= em perigo. Fonte: International Union for Conservation of Nature (IUCN,2013); Ministério do Meio Ambiente (MMA,2008); Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA ,2009). Ordem Família Espécies Grau ameaça IUCN BR SP ARTIODACTYLA CERVIDAE Mazama gouazoubira LC - - SUIDAE Sus scrofa* LC - - CINGULATA DASYPODIDAE Dasypus novemcinctus LC - - Euphractus sexinctus LC - - CARNIVORIA CANIDAE Cerdocyon thous LC - - Chrysocyon brachyurus NT VU VU FELIDAE Puma concolor LC VU VU Puma yagouaroundi LC - - Leopardus pardalis LC VU VU Leopardus tigrinus VU VU VU MUSTELIDAE Eira barbara LC - - Lontra longicaudis DD - NT PROCYONIDAE Nasua nasua LC - - Procyon cancrivorus LC - - DIDELPHIMORPHIA DIDELPHIDAE Didelphis albiventris LC - - LAGOMORPHA LEPORIDAE Lepus europaeus* LC - - Sylvilagus brasiliensis LC - - PRIMATES CALLITRICHIDAE Callithrix jacchus* LC - - Callithrix penicillata* LC - - CEBIDAE Sapajus nigritus NT - - RODENTIA CAVIIDAE Cavia aperea LC - - CUNICULIDAE Cuniculus paca LC - NT DASYPROCTIDAE Dasyproctaazarae DD - NT ERETHIZONTIDAE Coendou prehensilis LC - - HYDROCHAERIDAE Hydrochoerus hydrochaeris LC - - SCIURIDAE Guerlinguetus ingrami LC - - MYOCASTORIDAE Myocastor coypus* LC - - Total da coluna 17 27 1 4 4 7 * espécies exóticas na área de estudo destaque em vermelho para as espécies ameaçadas destaque em vermelho e negrito para a espécie mundialmente ameaçada 30 Em relação aos dados primários sobre a mastofauna totalizamos 369 registros, excluindo-se os sequenciais e os que conseguimos identificar como sendo um mesmo indivíduo registrado mais de uma vez. As espécies mais frequentes em registros foram Dasypus novemcinctus (61), Mazama gouazoubira (43), Cerdocyon thous (42) e Didelphis albiventris (32),os quais estiveram presentes em todas as paisagens (Fig. 19). Estas espécies mais frequentemente registradas são majoritariamente de hábitos generalistas (onívoros), os quais se adaptam melhor às mudanças da paisagem antropizada; evidenciando a sua resiliência. A exceção é o veado catingueiro (Mazama gouazoubira) um frugívoro-herbívoro A somatória destas cinco espécies mais abundantes corresponde a 60% dos registros obtidos. Figura 19. Abundância relativa das cinco espécies mais frequentes nas 11 paisagens de mata ciliar dos rios Piracicaba e Tietê deste estudo com diversos métodos de amostragem. Espécies Mais Frequentes 31 As espécies Leopardus pardalis, Euphractus sexcinctus, Guerlinguetus ingrami e Sylvilagus brasiliensis foram as mais raras, sendo registradas em apenas uma das 11 paisagens, um único indivíduo, uma única vez. Não foram registradas espécies das famílias Tapiridae, Tayassuidae, Myrmecophagidae, Atelidae, Pitheciidae, as quais deveriam ocorrer naturalmente na área de estudo. A ausência de registro destas famílias deve-se, provavelmente, pela perda de habitat, fragmentação e da caça, que levou a drástica redução populacional no Estado de São Paulo.Este fato é conhecido como processo de defaunação da comunidade (GALETTI & DIRZO, 2013) com ocorrência de algumas extinções locais, em particular de espécies de médio e grande porte, ou de grandes dispersores (GALETTI et al. 2013; JORGE et al. 2013). Em Barreiro Rico, ESTON e ANTUNES (2009) registraram 25 espécies de mamíferos de médio e grande porte considerando-se os mesmos métodos de amostragem aplicados em nosso estudo, com destaque para 10 espécies não registradas em nossas amostragens pelas paisagens da região, como:Cabassous tatouay (tatu-do-rabo-mole), Tamandua tetradactyla (tamanduá-mirim), Callithrix aurita (sagui-escuro-da-serra), Alouatta guariba clamitans (bugio-ruivo), Brachyteles arachnoides (muriqui-do-sul), Callicebus nigrifrons (sauá), Galictis cuja (furão), Pecari tajacu (cateto), Tayassu pecari (queixada) e Sphiggurus villosus (ouriço). Avaliamos a comunidade de mamíferos de médio e grande porte utilizando categorias funcionais tróficas e de locomoção (Tab. 2, Figs. 20 e 21). Com o intuito de analisar a estrutura de comunidades da mastofauna presente na região. 32 Tabela 2 - Espécies, grupos funcionais tróficos e de locomoção (adaptadas de BORGES & TOMÁS, 2008; ROBINSON & REDFORD, 1986; EISENBERG, 1981) e tipo de registro: AV = avistamento, AT = atropelamento, CAM = câmera-trap, CAR = carcaça, F = fezes, P = pegadas, VO = vocalização. Para as imagens dos registros vide ANEXO I, II, III e IV. Espécies Grupo Funcional Tipo Registro (trófico) (locomoção) Callithrix jacchus* gomívoro-onívoro arborícola AV,VO Callithrix penicillata* gomívoro-onívoro arborícola AV,VO Cavia aperea herbívoro-pastador terrestre P,F,AT Cerdocyon thous frugívoro-onívoro terrestre AV, AT, P, CAM, F, AT Chrysocyon brachyurus frugívoro-onívoro terrestre CAM, P, F Coendou prehensilis frugívoro-herbívoro arborícola AV,AT Cuniculus paca frugívoro-herbívoro terrestre-associado H2O P, CAM Dasyproct aazarae frugívoro-herbívoro terrestre P, CAM Dasypus novemcinctus insetívoro-onívoro terrestre P, CAM, AT Didelphis albiventris frugívoro-onívoro escansorial P, CAM, CAR, AT Eira barbara carnívoro escansorial AV, P, CAM, CAR, AT Euphractus sexinctus insetívoro-onívoro terrestre CAM Guerlinguetus ingrami frugívoro-onívoro arborícola AV Hydrochoerus hydrochaeris herbívoro-pastador semi-aquático AV, P, F, CAM, CAR Leopardus pardalis carnívoro terrestre CAM Leopardu stigrinus carnívoro terrestre P, CAM, F Lepus europaeus* herbívoro-pastador terrestre AV, P, CAM, CAR, AT Lontra longicaudis carnívoro aquático AV, P, F Mazama gouazoubira frugívoro-herbívoro terrestre A,P,C.F Myocastor coypus* herbívoro-pastador semi-aquático AV, P, F, CAM Nasua nasua frugívoro-onívoro escansorial AV, P, CAM, AT Procyon cancrivorus frugívoro-onívoro terrestre-associado H2O P Puma concolor carnívoro terrestre AV, P, CAM Puma yagouaroundi carnívoro terrestre AT, P, CAM Sapaju snigritus frugívoro-onívoro arborícola AV, P, CAM Sus scrofa* frugívoro-onívoro terrestre P Sylvilagus brasiliensis herbívoro-pastador terrestre P, CAM 33 A estrutura de comunidades, em relação aos grupos tróficos, não apresenta espécies mirmecófagas, o que era esperado, devido à transição entre Mata Atlântica de Interior e Cerrado das áreas estudadas. Uma possível explicação para tal fato é a ocupação e conversão intensiva do uso do solo para fins agrícolas. As primeiras áreas ocupadas para fins agriculturáveis no Estado de São Paulo foram as de fitofissionomia de Cerrado, em função da facilidade de conversão, pois sua formação vegetacional que é majoritariamente gramíneo- arbustiva, com baixa estratificação vertical e adensamento de espécies arbóreas e também por serem regiões mais planas facilitando a mecanização agrícola. Sendo assim, o habitat dessas espécies foi ocupado e alterado intensamente com extermínio de cupinzeiros e ninhos de formigas. A falta de espécies especialista e a dominância de espécies onívoras pode ser um indicativo de paisagens com comunidades em desequilíbrio e, portanto, em estado de conservação crítico (Fig. 20). Figura 20. Grupos funcionais tróficos da comunidade de mamíferos de médio e grande porte das 11 paisagens de matas ciliares dos rios Piracicaba e Tietê com diversos métodos de amostragem. 34 Em relação aos grupos funcionais de locomoção podemos notar que o nicho dos estratos verticais da mata, são pouco ocupados pelos mamíferos arborícolas de médio e grande porte nas regiões estudadas, há presença de apenas 5 espécies (Fig. 21). Das quais 2 são exóticas, Callithrix penicillata (sagui-do-tufo-preto) e Callithrix jacchus (sagui-do-tufo- branco), e ocupam o mesmo nicho ecológico de uma espécie nativa não encontrada nos fragmentos estudados, o Callithrix aurita (sagui-escuro-da-serra). Essas espécies exóticas de calitriquídeos podem competir e inclusive hibridizar com a espécie nativa interferindo na sua população e podendo levá-la à extinção regional. Apenas 3 espécies arborícolas registradas são nativas, ou seja 11%, são elas: Sapajus nigritus (macaco-prego), Guerlinguetus ingrami (esquilo) e o Coendou prehensilis (ouriço-caicheiro). Entretanto, o macaco prego e o esquilo foram registrados apenas uma única vez em um único fragmento e o Coendou prehensilis teve 2 registros por avistamento e 4 por atropelamento. Os dados evidenciam a escassez de mamíferos arborícolas, provavelmente em função do processo de degradação das matas ciliares dos rios Tietê e Piracicaba que sofreram a intensa perturbação antrópica culminando em processos de defaunação e apresentando hoje matas de vegetação secundária, em sua maioria com árvores de diâmetro pequeno e de dossel baixo, com histórico de caça, diminuindo consideravelmente a capacidade de suporte para manter grandes populações de mamíferos de médio e grande porte arborícolas, principalmente os primatas. Situação contrária à diversidade apresentada no bioma da Mata Atlântica preservada que têm alta taxa de primatas inclusive endêmicos deste bioma e que ocorrem historicamente no estado de São Paulo, como por exemplo, o Callithrix aurita, Callicebus nigrifrons, Brachyteles arachnoides e L.chrysopygus. Esse padrão apresentado evidencia a necessidade de recomposição das margens de matas ciliares conforme preconiza o Código Florestal Brasileiro de modo a permitir o incremento de habitat e a conectividade estrutural, a qual é essencial para o deslocamento dessas espécies e uma vez estando conectado estruturalmente permitiria a conectividade funcional para as demais espécies. 35 As espécies aquáticas, semi-aquáticas ou associadas à água representam 19% da riqueza de espécies da comunidade (Fig.21). Espécies como Galictis cuja (furão) e Chironectis minimus (cuíca-dágua) têm sua distribuição contemplando nossa área de estudo, mas não foram registrados; assim como Pteronura brasiliensis (ariranha) praticamente extinta no Estado de São Paulo. Figura 21. Gráfico dos grupos funcionais relacionados à locomoção da comunidade de mamíferos de médio e grande porte das 11 paisagens de matas ciliares dos rios Piracicaba e Tietê com diversos métodos de amostragem. 36 4.2 Espécies mais susceptíveis a possíveis derrames de biocombustíveis A vulnerabilidade leva em consideração a suceptibilidade e a sensibilidade das espécies ao impacto do derramamento de óleos e biocombustíveis. Em relação aos mamíferos de médio e grande porte, sem entrar em detalhes fisiológicos em relação à resistência dos organismos aos agentes químicos, as espécies de maior vulnerabilidade são aquelas mais associadas aos rios: espécies aquáticas, semi-aquáticas e terrestres associadas à água; pois sofrerão os impactos diretos, podendo inclusive ter contato com o óleo ou biocombustível, o qual comprometerá seu habitat, nicho ecológico, alimentação e reprodução, alterando toda a cadeia trófica (Fig. 22).Destacamos como espécies mais vulneráveis em ordem decrescente: Lontra longicaudis, Hydrochoerus hydrochaeris, Myocastor coypus, Cuniculus paca e Procyon cancrivorus. Figura 22. Cadeia trófica da Lontra longicaudis. Exemplo de espécie de mamífero diretamente afetada pelo derramamento de óleo e biocombustível interferindo inclusive na sua cadeia alimentar (http://lontrasclub.blogspot.com.br). 37 A construção da barragem em Santa Maria da Serra, com o intuito de tornar esse trecho do rio navegável, afetará o regime hidrológico do Rio Piracicaba, alterando a região do Tanquã, conhecido como O "Pantanal Paulista" ou Piracicabano; comprometendo esse ecossistema singular. O alagamento da região irá desapropriar uma comunidade ribeirinha de pescadores artesanais que perderão suas terras, seu modo de vida e sua cultura regional, além de comprometer a fauna característica desse habitat meândrico e os processos ecossistêmicos envolvidos. Mamíferos aquáticos e semi-aquáticos, como as lontras (próximas de ameaça à extinção) e a avifauna dos Ciconídeos (Tuiuiú, Cabeça-Seca e Maguari) serão diretamente afetadas. Figura 23. Meandros do Tanquã e lontras (fotos Nikolas Capp) registradas no Rio Piracicaba, município de Piracicaba/SP (http://ambientalsustentavel.org). 38 Segundo Moreno(2001), a área a ser inundada para construção da barragem de Santa Maria da Serra será de 2430ha, dos quais 53 % corresponde à vegetação de mata ciliar (Fig. 24). Figura 24. Áreas alagadas pela construção da barragem de Santa Maria da Serra, caracterizadas pelo impacto potencial e tipo de cobertura vegetal e uso do solo a ser inundado (Moreno, 2001) Como pode ser observado na Fig.24, os poucos remanescentes que ainda restam de matas ciliares na região serão inundados, reduzindo ainda mais o habitat das espécies florestais, reconfigurando a paisagem já tão depalperada pelo intenso uso antrópico e pelo descumprimento do Código Florestal. As Áreas de Proteção Permanente (APP) vão sendo permanentemente subtraídas da paisagem, deixando de cumprir suas funções ecossistêmicas. 39 4.3 Proposta de Novos Ícones para Mastofauna Em função da diversidade de espécies encontradas nas matas ciliares dos rios Piracicaba e Tietê e da complexidade da comunidade de mamíferos de médio e grande porte, propomos a criação de novos ícones (sem representação iconológica pelo MMA e por WIECZOREK, 2006) para representar grupos faunísticos (ordem, classe ou família) que atualmente não são considerados. Também sugerimos a distinção entres as famílias Canidae e Felidae da Ordem Carnivora em função da diferente contribuição que têm em relação às funções ecológicas desenvolvidas por cada família. Abaixo os ícones sugeridos: Figura 25. Proposição de novos ícones representativos da mastofauna de modo a caracterizar de forma fidedigna a comunidade de mamíferos de médio e grande porte de nossas matas ciliares na elaboração das cartas SAO. Canidae Cervidae Felidae Primate 40 4.4 Proposta de novos Índices de Sensibilidade Ambiental (ISA) para as Cartas SAO em regiões fluviais continentais Atualmente os Índices de Sensibilidade Ambiental (ISA) utilizados nas Cartas SAO são pautados em características essencialmente físicas: geomorfológicas e hidrológicas; associados à remoção e degradabilidade dos óleos e biocombustíveis em caso de derramamento. Entretanto, julgamos que é de suma importância considerar os aspectos biológicos e socioeconômico-culturais, além dos físicos para elaboração de um ISA integrado, de modo que contemple esferas e características hoje não consideradas, porém de elevada relevância para objetivo proposto pelo índice.Para preencher essa lacuna, sempre questionada por ambientalistas, propomos a categorização de mais três ISAs: 1) Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAB); 2) Índice de Sensibilidade Ambiental Sócio-Econômico (ISASE); 3) Índice de Sensibilidade Ecológico (ISAEc). 41 4.4.1 Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAB) Categorizamos as 11 paisagens estudadas de acordo com: i) a riqueza da comunidade de mamíferos de médio e grande porte, ii)o grau de ameaça de cada espécie no âmbito estadual, nacional e mundial e iii) ao modo de vida associado à locomoção, o qual está atrelado à dependência da espécie em relação ao rio, uma medida indireta da sua resiliência mediante à possíveis derrames de óleo ou biocombustível. Assim, o ISAB reflete a sensibilidade da mastofauna e segue o padrão apresentado na Fig. 26.As espécies com elevado grau de ameaça e de vida aquática seriam as mais afetadas e, portanto, as mais atingidas pelos derrames, com o ISAB mais elevado. Figura 26. Índice de Sensibilidade Biológico (ISAB) proposto para caracterização da sensibilidade das espécies de mastofauna ao derrame de óleo e biocombustível em ambientes fluviais continentais, tendo-se como meta a elaboração de Cartas SAO. 42 4.4.2 Índice de Sensibilidade Ambiental Socioeconômico (ISASE) O ISASE é constituído pela atividade econômica e integridade sociocultural (Fig. 27). A sua elaboração tem como base: i) o grau de dependência da atividade em relação ao rio e ii) a sustentabilidade da atividade, necessidade de permanência na área sem esgotamento dos recursos e comprometimento da biota. Figura 27. Índice de Sensibilidade Ambiental Socioeconômico (ISASE) proposto para caracterização de Cartas SAO para ambientes fluviais continentais. 43 4.4.3 Índice de Sensibilidade Ambiental Ecológico (ISAEc) Aplicando os índices criados categorizamos às 13 paisagens analisadas, verificamos que nossa proposta de classificação resultou em classificação de maior sensibilidade para metade das paisagens, comparado ao atual sistema de classificação adotado pela Petrobras (Tab. 3). Portanto, se aplicássemos esse Índice de Sensibilidade Ambiental Ecológico (ISAEc) estaríamos sendo mais restritivos em 6 paisagens das 13 analisadas. Contudo, também estaríamos adotando um índice integrativo, com espectro mais amplo e que contempla os diferentes fatores que compõem o meio ambiente analisado. Tabela 3 - Paisagens com os índices específicos: Índice de Sensibilidade Ambiental atual, adotado pelo MMA e pautado apenas em características físicas, e por isso vamos chamá-lo de Índice de Sensibilidade Ambiental Físico (ISAF), Índice de Sensibilidade Biológico (ISAB) - baseado na mastofauna e o Índice de Sensibilidade Socioeconômico (ISASE); e o Índice integrado - índice de Sensibilidade Ecológico (ISAEc). 44 4.5 Índice de Vulnerabilidade Ambiental (IVA) Na região há três portos intermodais, nos municípios de Anhembi, Conchas e Santa Maria da Serra, com potencial futuro para o transporte de óleo e biocombustível. Portanto, para efeito de cálculo e avaliação da proposta do IVA, estas estruturas foram consideradas como estudo de caso (Tabela 4). Tabela 4 - Paisagens com o Índice de Sensibilidade Ecológico (ISAEc), distância em relação ao intermodal mais próximo e o Índice de Vulnerabilidade Ambiental para os Rios Piracicaba e Tietê como subsídio para elaboração das Cartas SAO. 45 5 CONCLUSÃO É inegável a necessidade de se considerar explicitamente a biodiversidade em processos de elaboração de protocolos visando a conservação, a preservação e mitigação de paisagens com ambientes fluviais. Portanto, faz-se necessário a adoção de um novo método, que leve em consideração a avaliação da fauna. Em particular, ressaltamos a importância dos mamíferos de médio e grande porte para a caracterização de um Índice de Sensibilidade Ambiental Biológico (ISAB) em função do grande número de espécies-chave que compõem este grupo. Ainda que, no ISAB aqui proposto façamos uso deste grupo faunístico como foco de análise, é necessário ampliar o escopo também a outros grupos de organismos biológicos de relevância ímpar para a caracterização da biota, como a avifauna, a ictiofuna e a entomofauna. Assim estar-se-á estruturando e contemplando as características biológicas das áreas fluviais estudadas, as quais devem ser associadas com as características físicas (já contempladas pelo ISA atual) e às características socioeconômicas-culturais; caminhando para a incorporação, agregação e unificação de todos os meios, convergindo para um índice integrativo e que dê conta da complexidade da paisagem - um Índice de Sensibilidade Ambiental Ecológico (ISAEc), o qual é viável do ponto de vista da sua aplicação e fundamental para assegurar medidas preventivas e mitigadoras em casos de um cenário acidental com derrame de óleo ou biocombustível. Acredito, inclusive que usinas de etanol. cana-de-açúcar, portos intermodais e quaisquer outras atividades econômicas deveriam ser impedidas juridicamente de utilizar a hidrovia para escoamento de sua produção se não estivessem com todas suas áreas devidamente regularizadas, do ponto de vista jurídico, em relação ao Código Florestal. A adequação (ou compensação) da Reserva Legal e das áreas de APP deveria ser condição sine qua non para a utilização dos benefícios da hidrovia. 46 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARONSON, Danny. “II Seminário Internacional Sobre Hidrovias”, 03 de Abril de 2012; BIOTA-FAPESP. Diretrizes para a conservação e restauração da biodiversidade no estado de São Paulo, 2008; BORGES, P. A. L., TOMÁS, W. M., 2004. Guia de rastros e outros vestígios de mamíferos do Pantanal. Embrapa Pantanal, Corumbá; BRASIL. Instrução Normativa Nº 3, de 26 de maio de 2003. 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A ecologia da paisagem tem sido utilizada como ferramenta para avaliar a interação entre os elementos da paisagem e processos ecológicos essenciais para manutenção da diversidade biológica. O presente estudo tem por objetivo avaliar a contribuição relativa: (a) do tamanho do fragmento, (b) da porcentagem de vegetação nativa (habitat), (c) da conectividade estrutural (área conectada por corredor com largura inferior a 50m) e (d) da conectividade funcional (capacidade de cruzar 250m em matrizes abertas) para explicar a riqueza de mamíferos de médio e grande porte, de felinos de pequeno e médio porte, de roedores frugívoros-herbívoros e de mamíferos arborícolas. Analisamos 13 paisagens inseridas em um contexto de mata ciliar dos rios Piracicaba e Tietê identificando a mastofauna utilizando os seguintes métodos: 1) transecção com identificação de pegadas, fezes, pêlos e carcaças, atropelamentos; 2) armadilhamento fotográfico. As variáveis (a) a (d) acima foram comparadas por meio de modelos concorrentes utilizando o AIC, sendo tais modelos ajustados por meio de regressões do tipo GLM (Generalized Linear Model) com distribuição de Poisson e Binomial, conforme a natureza da variável resposta. O tamanho dos remanescentes e a área conectada por corredores foram os modelos que melhor explicaram a riqueza de mamíferos de médio e grande porte. Já a ocorrência de roedores frugívoros- herbívoros foi explicada pela conectividade estrutural.Desta forma, nossos resultados reforçam, para condições de mata ciliar, a importância de se definir como estratégias conservacionistas que se mantenham remanescentes maiores em tamanho e que se assegure a conectividade por corredores estruturais. Fortalecendo a importância das áreas de preservação 53 permanente (APPs), bem como a preservação de Reservas Legais, para manter a biodiversidade deste grupo faunístico. Palavras-chaves: Mata Atlântica de Interior, Fragmentos Florestais e Ecologia da Paisagem. 1 INTRODUÇÃO 1.1 Perda de habitat, fragmentação e a ecologia da paisagem A paisagem alterada pelo homem impõe uma pressão e um estresse sobre as áreas de ocorrência da mastofauna; restringindo e reconfigurando o habitat, disponibilidade de recursos alimentares e a troca de fluxo gênico. Exigindo outro padrão de vida em relação aos recursos e maiores riscos ao deslocamento entre fragmentos cercados por matrizes agrícolas de monoculturas: cana-de-açúcar, laranja, pasto, eucalipto, entre outros cultivos, os quais, são impregnados por agrotóxicos, manejados por fogo, máquinário agrícola e entrecortados por estradas de terra e/ou asfáltica. A fragmentação de extensas áreas florestais constitui em seu território um grande “mosaico heterogêneo formado por unidades interativas, sendo esta heterogeneidade existente para pelo menos um fator, segundo um observador, e numa determinada escala de observação – uma paisagem” (METZGER, 2001). O processo de fragmentação da paisagem envolve tanto a perda de habitat como o rompimento de habitat (i.e fragmentação como partição). Três efeitos são derivados desse último fator: aumento no número de fragmentos, diminuição dos seus tamanhos e aumento no isolamento (FAHRIG 2003). Há que se avaliar e reconhecer os efeitos diferenciados de cada um desses processos em escala da paisagem, os quais alteram a configuração do habitat e a estrutura espacial da paisagem. Os efeitos da perda de habitat para a diversidade são em geral negativos: diminuição da riqueza (PARDINI et al 2010; MARTENSEN et al. 2012), da abundância (PARDINI et al 2010; MARTENSEN et al. 2012), da distribuição (LOISELLE et al. 2010) e da diversidade genética de espécies (CARVALHO 2013). Tais efeitos podem ser mais intensos em áreas que têm uma excepcional concentração de espécies endêmicas ameaçadas de extinção com grande perda de habitat; os hotspots (MYERS, 2000) - como a Mata Atlântica (Figura 1). 54 Figura 1. Mapa mundial de Hotspots onde a Mata Atlântica figura como umas das áreas (Myers et al., 2000). 1.2 Mata Atlântica A Mata Atlântica Brasileira figura entre os quatro maiores hotspots do mundo (Figura 1). Em relação aos vertebrados endêmicos é o quinto maior hotspot mundial com, aproximadamente, 2,1% do total global; ou 567 espécies. Em relação aos mamíferos são 261 espécies, das quais 73 táxons (28%) são endêmicos (MYERS et al. 2000). Os remanescentes de Mata Atlântica são, em geral, fragmentos pequenos, com 84,3% do número de manchas com tamanho < 50 ha (RIBEIRO et al. 2009; Figura 2), os quais encontram-se bem deteriorados, com populações de mamíferos reduzidas e até mesmo extintas localmente, mesmo em Unidades de Conservação de Proteção Integral (GALETTI et al., 2009). 55 Figura 2. Distribuição original (cinza) e remanescentes de Mata Atlântica (preto); (Ribeiro et al. 2009). O circulo vermelho destaca a região de Barra Bonita, área focal do presente estudo onde matas ciliares foram amostradas em relação a sua mastofauna. 56 No Estado de São Paulo os remanescentes florestais de Mata Atlântica correspondem a 14,98%,sendo 13,62% de Floresta, 1,22% de Restinga e 0,14% de Mangue - neste bioma, vivem hoje mais de 100 milhões de pessoas em áreas anteriormente recobertas por florestas, como é o caso da cidade de São Paulo (SOS Mata Atlântica e INPE 2002). Grandes fragmentos remanescentes (> 1000 ha) são escassos, localizados em terrenos montanhosos, como na Serra do Mar, a Floresta Ombrófila Densa, onde a ocupação humana foi menos intensa, com exceção para poucas áreas de floresta estacional, como Parque Estadual Morro do Diabo (~ 30.000 ha) e Estação Ecológica de Caetetus (2178 ha). O maior bloco de Floresta de Mata Atlântica, em São Paulo está localizado na Serra de Paranapiacaba, na Serra do Mar (RIBEIRO et al. 2009). Esse elevado grau de perda de habitat e fragmentação tem levado boa parte das espécies a serem consideradas ameaçadas de extinção, como é o caso dos mamíferos endêmicos desse bioma (TABARELLI & GASCON, 2005). 1.3. Mamíferos de médio e grande porte e a ecologia da paisagem Normalmente, os estudos de ecologia da paisagem, por influencia da teoria da biogeografia de ilhas (MC ARTHUR & WILSON, 1967), tem seu enfoque no efeito da área e do isolamento dos fragmentos na paisagem, e mais recentemente sobre a proporção de habitat e conectividade (FAHRIG, 2003). Ainda há estudos que avaliam o efeito de borda (LYRA- JORGE et al 2010). Na Mata Atlântica, a maioria dos estudos sobre efeitos da paisagem sobre a biodiversidade são baseados em aves (UEZU et al 2005; MARTENSEN et al 2008, AWADE e METZGER 2008; BOSCOLO e METZGER 2009), poucos são os estudos com mamíferos, sendo na sua maioria associados à pequeno mamíferos (PARDINI et al 2005; UMETSU et al 2008, UMETSU & PARDINI 2008). Raros são os estudos avaliando o efeito da paisagem sobre mamíferos de médio e grande porte (exceção para LYRA-JORGE et al 2010 estudo realizado em ecossistema de cerrado). Diante desse cenário nos questionamos, qual a real importância de parâmetros de cobertura e configuração da paisagem em remanescentes florestais de Mata Atlântica de interior, para a manutenção da biodiversidade da mastofauna? 57 2 OBJETIVOS O presente estudo tem os seguintes objetivos específicos: • Qual a contribuição relativa do tamanho, da porcentagem de habitat e conectividade sobre a mastofauna de médio e grande porte? • Qual a influência desses parâmetros sobre o grupo funcional dos roedores frugívoros-herbívoros, mamíferos arborícolas e dos felinos de pequeno e médio porte? A seguir apresentamos tanto as hipóteses como os resultados esperados para a relação Y~X (onde Y é a riqueza total ou por grupo funcional e X uma das variáveis explanatórias), como também na porcentagem de contribuição de cada parâmetro da paisagem sobre a (a) mastofauna de médios e grandes e (b) os felinos de pequeno e médio porte. 3 HIPÓTESES E RESULTADOS ESPERADOS As hipóteses que relacionam a riqueza de espécies dos mamíferos de médio e grande porte, assim como dos diferentes grupos funcionais com as características da paisagem estão descritas abaixo: A. Riqueza em função da área do fragmento: A hipótese nula é que não há diferença significativa na riqueza de mamíferos com o aumento ou diminuição da área do fragmento.O efeito área em relação à riqueza de espécies é amplamente conhecido pela teoria de biogeografia de ilhas através da clássica equação logística: S= c Az (onde "S" é a riqueza, "A" é a área, e "c" e "z" = constantes). De forma geral, o esperado é que, quanto maior a área do fragmento maior a riqueza de espécies (Fig.3 e Fig.4); podendo estabelecer-se constante apenas em áreas continentais muito extensas (áreas contínuas); 58 Figura 3. Hipótese esperada da relação entre área (ha) e riqueza de espécies de mamíferos de médio e grande porte. Figura 4. Hipótese esperada da relação entre área (ha) e riqueza de espécies de grupos funcionais (arborícolas, felinos de pequeno e médio porte e roedores frugívoros- herbívoros). (ha) (ha) 59 B. Riqueza em função da porcentagem de vegetação nativa da paisagem: A hipótese nula é que independentemente da porcentagem de vegetação nativa a riqueza será a mesma. A porcentagem de cobertura vegetal nativa na paisagem corresponde ao habitat das espécies silvestres e, portanto, é esperado que quanto maior o seu valor maior a riqueza de espécies (Fig.5 e Fig.6); Figura 5. Hipótese esperada da relação entre porcentagem de cobertura vegetal nativa e riqueza de espécies de mamíferos de médio e grande porte. Figura 6. Hipótese esperada da relação entre porcentagem de cobertura vegetal nativa e riqueza de espécies de grupos funcionais (arborícolas, felinos de pequeno e médio porte e roedores frugívoros-herbívoros). (% vegetação nativa) (% vegetação nativa) 60 C. Riqueza em função da conectividade estrutural: A hipótese nula é que não há diferença significativa na riqueza com a variação da conectividade estrutural. A conectividade estrutural está associada possibilidade de dispersão das espécies na paisagem, mas dentro do seu habitat natural, como na utilização de corredores ecológicos, conectivos entre fragmentos. Portanto, paisagem mais conectadas estruturalmente possibilitariam maior fluxo e dispersão aos mamíferos (Fig.7 e Fig.8); Figura 7. Hipótese esperada da relação entre conectividade estrutural e riqueza de espécies de mamíferos de médio e grande porte. Figura 8. Hipótese esperada da relação entre conectividade estrutural e riqueza de espécies de grupos funcionais (arborícolas, felinos de pequeno e médio porte e roedores frugívoros-herbívoros). (conectividade em metros) 61 D. Riqueza em função da conectividade funcional da paisagem: A hipótese nula é que não há diferença significativa na riqueza de espécies independentemente do valor da conectividade funcional da paisagem. A conectividade funcional da paisagem está associada à capacidade de dispersão dos organismos considerando-se suas particularidades de permeabilidade na matriz. Portanto, paisagens com conectividade funcional distintas podem assegurar uma maior ou menor riqueza de determinados grupos funcionais ou espécies. A riqueza de mamíferos arborícolas não teria diferença significativa com a conectividade funcional da paisagem uma vez que estaria associada apenas à conectividade estrutural. A riqueza de felinos e canídeos de grande porte (Puma concolor e Chrysocyon brachyurus) independem da conectividade funcional, pois se dispersam por toda a paisagem de forma independente. A riqueza de roedores frugívoros-herbívoros seria maior em paisagens com conectividade estrutural de até 250m. A riqueza de felinos de pequeno e médio porte seria maior em paisagens com conectividade funcional de até 500m.. E. Contribuição de cada modelo (AIC) para o incremento da riqueza de espécies de mamíferos de médio e grande porte: A hipótese é que a porcentagem de cobertura vegetal e a conectividade estrutural sejam os modelos de maior contribuição para o incremento da riqueza da mastofauna, comparativamente seguida da área e da conectividade funcional (nesta ordem decrescente de importância). Entretanto o melhor modelo, em hipótese, seria o modelo composto: porcentagem de cobertura vegetal + conectividade estrutural + área. 62 Figura 9. Hipótese esperada da contribuição comparativa de cada modelo para o incremento da riqueza de mamíferos de médio e grande porte. 4 MÉTODOS 4.1. Área de estudo Os levantamentos foram realizados em 13 paisagens em regiões com ambientes de mata ciliar dos rios Piracicaba e Tietê no interior do Estado de São Paulo, compreendendo aproximadamente 100 km de extensão em ambos os rios. Cada paisagem foi definida por um raio (buffer) de 2 Km de raio (1256 ha) em torno dos pontos de amostragem. As paisagens selecionadas apresentavam gradiente de cobertura vegetal (variando de 5 a 55 % - Fig.10). A definição dessa dimensão de paisagem foi com base no estudo de Lyra-Jorge et al. (2010), que também estudou mamíferos de médio e grande porte no interior do Estado de São Paulo. 63 (A) (B) Figura 10. Localização das 13 paisagens amostrais (A) da região dos rios Piracicaba e Tietê, que fluem para a barragem de Barra Bonita, SP. Em (B) está apresentado o mapa de habitat e matriz para as mesmas 13 paisagens, as quais foram definidas por um raio de 2Km em torno dos pontos amostrais. Nessas paisagens foram caracterizadas a riqueza para a mastofauna de médio e grande porte, e a riqueza para felinos de médio e grande porte. 64 4.2. Caracterização da paisagem Para realizar as análises da paisagem, cada área a ser amostrada foi mapeada na escala 1:5.000, utilizando imagens de alta resolução do SPOT (2,5 m), com bandas na faixa do visível e infra-vermelho. Esse mapeamento foi realizado por J.W. Ribeiro, por interpretação visual. Também foram utilizadas imagens do Google Earth (resolução de 1 m) para refinamento do mapeamento. A legenda utilizada no mapeamento contemplou as seguintes classes: 1) mata ciliar, 2) mata paludosa, 3) floresta estacional em estágio inicial, 4) floresta estacional em estágio médio, 5_ cerrado, cana-de-açúcar, pastagem, instalações rurais, água, citrus, silvicultura e áreas urbanas. Entretanto, para se calcular as métricas o mapa original foi reclassificado para habitat e matriz, onde as áreas naturais (1) a (5) acima foram atribuídas à primeira nova classe (habitat), e as demais classificadas como matriz (LIMA 2012). As seguintes métricas de paisagem foram estimadas para cada paisagem: a) tamanho dos fragmentos, b) porcentagem de habitat, conectividade estrutural e conectividades funcionais (para diferentes capacidades de cruzar matrizes abertas). Para a conectividade estrutural foramsomadas as áreas estruturalmente conectadas por corredores com largura de 50 m (MARTENSEN et al. 2012). Para estimar as conectividades funcionais, consideramos a quantidade de habitat acessível (ou área funcionalmente conectada) para diferentes capacidades de deslocamento das espécies (sensu LYRA-JORGE et al. 2010; MARTENSEN et al. 2012). Todas as etapas de processamento, desde o mapeamento até o cálculos de métricas foram realizadas nos seguintes softwares: ArcGIS 9.3, QGIS 1.8 versão Lisboa e GRASS 6.4.A porcentagem de cobertura vegetal nativa (habitat) variou de 5% a 55%, e o tamanho dos remanescentes variou entre 60 a 600 ha. Já as conectividades estrutural e funcional, por serem adimensionais, optamos por não apresentá-los aqui. A Figura 11 apresenta a distribuição de porcentagem de habitat e o tamanho dos remanescentes das paisagens estudadas. A Figura 12 mostra a relação entre a porcentagem de habitat e a conectividade funcional para organismos com capacidade de cruzar 250 m em matrizes abertas, onde pode ser observara maior variabilidade para paisagens com menos de 30% de vegetação. 65 Figura 11. Distribuição da porcentagem de cobertura vegetal (A) e do tamanho do remanescente (B) das13 paisagens onde foram amostrados mamíferos de médio e grande porte em matas ciliares da região dos rios Piracicaba e Tietê, interior de São Paulo. 66 10 20 30 40 50 6. 0 6. 5 7. 0 7. 5 8. 0 8. 5 % de vegetação nativa C on ec tiv id ad e fu nc io na l - lo g( ha ) pa ra d es lo ca m en to d e 25 0 m Figura 12. Relação entre a porcentagem de habitat e a conectividade funcional para capacidades de deslocamento de 250 m, estimadas para 13 paisagens onde foram amostrados mamíferos de médio e grande porte em matas ciliares da região dos rios Piracicaba e Tietê, interior de São Paulo. 4.3Dados biológicos A caracterização da riqueza de mastofauna ocorreu para as 13 paisagens citadas anteriormente.Para 11 delas foram realizados levantamentos de dados primários, e em duas delas foram utilizados dados secundários (Fazenda Barreiro Rico). Tradicionalmente, o método utilizado para levantamentos desses táxons é o de censo visual em transectos lineares (PARDINI et al. 2006) utilizados em estudos na Mata Atlântica (CULLEN et al. 2000, 2001; CHIARELLO 1999, 2000). Essa técnica foi desenvolvida para visualização de vastas áreas como savanas africanas e “grasslands” norte americanos. Portanto, para regiões de floresta tropical, a técnica é questionável devido à limitação do campo visual em fisionomias de vegetação fechada e em função dos hábitos dos mamíferos, predominantemente noturnos na maioria das espécies, a visualização de algumas espécies é muito rara, geralmente carnívoros e animais noturnos; as áreas de vida são relativamente grandes, as baixas densidades populacionais e os habitats de floresta densa dificultam o estudo, agravando a falta de conhecimento específico sobre esse grupo (REIS et al., 2010 apud SCOSS et al.,2004; PARDINI et al., 2006). Entretanto, trata-se de uma técnica complementar para censo de mamíferos, principalmente se considerarmos os mamíferos 67 arborícolas obrigatórios (primatas) e em menor grau os facultativos (como gambás e quatis). Durante os levantamentos por transectos identificamos os rastros de mamíferos como o apoio do “Guia de rastros e outros vestígios de mamíferos do Pantanal” da Embrapa Pantanal de 2008. Também encontramos fezes de espécies que ocorrem na área,o que possibilitou identificar a família ou espécie que defecou (REIS et al., apud QUADROS & MONTEIRO FILHO, 2006a,b). Também foi utilizado o de armadilhamento fotográfico ou câmera-trap, o que permitiu tanto quantificar a riqueza e quanto a abundância relativa da mastofauna nos fragmentos florestais. O armadilhamento fotográfico permitiu ainda capturar imagens de espécies independentemente dos seus padrões de atividade (matutino, vespertino ou noturno), diminuindo o tempo de campo despendido pelo pesquisador. Associando as diferentes técnicas acima citadas foi possível estimar a riqueza de espécies das paisagens com maior precisão. Foram amostrados aproximadamente 8 km em cada paisagem, nos três ambientes (matriz, borda e fragmento), totalizando 81,6 Km percorridos. As câmeras-trap foram distribuídas na paisagem apenas em ambientes florestal e/ou na borda do fragmento, não sendo amostrada sua matriz em função da grande probabilidade de furto do equipamento para essa técnica. Foram utilizadas em média sete câmeras por paisagem, e considerando que cada câmera permaneceu ativa pelo período de 7 dias, totalizamos mais de 500 câmeras dia para as 11 paisagens em que tal técnica foi empregada. 4.3.1 Grupos funcionais com base na mastofauna As espécies de mamíferos de médio e grande porte foram agrupadas em grupos funcionais baseados em atributos funcionais dos organismos com implicações para o indivíduo, a população, a comunidade e os ecossistemas (VIOLLE et al., 2007). Seguimos a classificação trófica adaptadas de EISENBERG, 1981; ROBINSON & REDFORD, 1986;BORGES & TOMÁS, 2008 : gomívoro-onívoro, herbívoro/pastador, frugívoro/herbívoro, frugívoro-onívoro, insetívoro/onívoro e carnívoro. Entretanto, ao final, devido a particularidades da fauna da região e interesses do presente estudo, as espécies foram categorizadas em: espécies silvestres, felinos, roedores frugivoros-herbívoros, a arborícolas nativos. 68 4.4 Análises estatísticas As variáveis respostas das análises estatísticas do presente estudo são: a) riqueza de mamíferos de médio e grande porte, b) ocorrência (presença/ausência) de felinos de pequenos e médio porte (L.pardalis, L.tigrinus e P.yagouaroundi), c) ocorrência de roedores frugívoros- herbívoros (Cuniculus paca e Dasyprocta azarae) e d) ocorrência de arborícolas nativos (Sapajus nigritus, Guerlingetus ingrami e Coendou prehensilis). As variáveis explanatórias foram as seguintes métricas de paisagem: tamanho (AREAFRAG), porcentagem de habitat (PCTHAB) no raio de 2 km, conectividade estrutural por corredores de 50m de largura (CONEST50) e conectividade funcional (CONFUNC) de 250m. Essas variáveis compõem uma lista de modelos concorrentes combinando uma ou duas variáveis explanatórias. As análises serão realizadas pelos Critérios de Informação de Akaike (AIC; BURNHAM e ANDERSON 2002) no pacote “bbmle” da linguagem “R”. Tabela 1 - Modelos concorrentes considerando uma ou duas variáveis explanatórias. O Modelo nulo representa a ausência de efeito. AREAFRAG=tamanho do fragmento, PCTHAB=porcentagem de habitat, CONEST=conectividade estrutural por corredores (largura < 50 m), CONFUNC=conectividade funcional, considerando a capacidade das espécies (agrupadas em grupos funcionais) em utilizar habitat vizinhos. Modelo Variáveis Significado biológico para o modelo M0 Null model Ocorrência ao acaso M1 AREAFRAG Tamanho do fragmento M2 PCTHAB Quantidade de habitat natural M3 CONEST50 Conectividade estrutural por corredores com largura < 50 m M4 CONFUNC250 Conectividade funcional 250m M7 PCTHAB + CONEST50 M8 PCTHAB + CONFUNC250 69 Por considerar que algumas relações entre variáveis respostas em função das variáveis dependententes podem não ser lineares, nas análises dos dados serão considerados tanto modelos lineares, como não lineares nas estimativas dos parâmetros das regressões. Para avaliar as múltiplas hipóteses concorrentes, modelos com AICc< 2 ou com wAICc (peso do AICc) > 10% serão considerados como igualmente plausíveis de explicar os padrões (BURNHAM e ANDERSON, 2002). No caso, wAICc refere-se a chance de um determinado ser