Câmpus de São José do Rio Preto Ricardo Luís Bertolucci Filho Operadores Semi-Fredholm e Soluções Periódicas São José do Rio Preto 2024 Ricardo Luís Bertolucci Filho Operadores Semi-Fredholm e Soluções Periódicas Dissertação de Mestrado apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Matemática, junto ao Programa de Pós- Graduação em Matemática, do Instituto de Bioci- ências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câm- pus de São José do Rio Preto. Orientadora: Profª. Dra. Andréa Cristina Pro- kopczyk Arita Financiadora: CNPq São José do Rio Preto 2024 F481o Filho, Ricardo Luís Bertolucci Operadores semi-Fredholm e soluções periódicas / Ricardo Luís Bertolucci Filho. -- São José do Rio Preto, 2024 79 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto Orientador: Andréa Cristina Prokopczyk Arita 1. Equações abstratas. 2. Operadores semi-Fredholm. 3. Soluções periódicas. 4. Pontos fixos. 5. Teoria de perturbação. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Dados fornecidos pelo autor(a). Ricardo Luís Bertolucci Filho Operadores Semi-Fredholm e Soluções Periódicas Dissertação de Mestrado apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Matemática, junto ao Programa de Pós- Graduação em Matemática, do Instituto de Bioci- ências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câm- pus de São José do Rio Preto. Financiadora: CNPq Comissão Examinadora Profª. Dra. Andréa Cristina Prokopczyk Arita Orientadora Prof. Dr. Everaldo de Mello Bonotto Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) - USP Profª. Dra. Juliana Conceição Precioso Pereira Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE) - UNESP São José do Rio Preto 19 de dezembro de 2024 Aos meus pais e à Milena. AGRADECIMENTOS Inicio este espaço agradecendo às pessoas mais importantes da minha vida: meus pais, Denise e Ricardo. Não tenho palavras que expressem todo o apoio, sabedoria e incentivo que me deram desde que me conheço por gente. Nos momentos difíceis, suas palavras me proporcionaram resiliência e determinação para prosseguir, transformaram a fadiga em afinco e o desencanto em perspectiva. Vocês foram meu porto seguro e abrigo emocional quando mais precisei, moldando a pessoa que sou hoje. Agradeço, também: À Profª. Dra. Andréa Cristina Prokopczyk Arita, por ser minha orientadora desde a graduação, por toda sua dedicação, conhecimento, paciência, solidariedade e prontidão, além de ter aceitado conduzir nossas reuniões de maneira remota, algo pelo qual serei eternamente grato. Aos meus professores do Departamento de Matemática, por todas as aulas e ensinamentos, que me proporcionaram uma sólida base sobre a qual posso me apoiar em quaisquer estudos e empreitadas futuras. Em especial, agradeço ao Prof. Dr. German Jesus Lozada Cruz, por seu conhecimento e entusiasmo, transmitidos em todas as disciplinas que tive o privilégio de cursar com ele. À Milena, por me apoiar em quaisquer de minhas decisões, por tornar cada passo de minha jornada mais leve e aprazível, por me motivar com sua força e gentileza, e, principalmente, por ser minha eterna companheira, estando ao meu lado nos momentos de alegria e superação. Aos amigos que o IBILCE me deu, em especial Lucas, Osvaldo, Tiago, Bernardo, Marlon, Henry e Caíque, com os quais partilhei bons momentos, troquei conhecimentos e vivi experiências que enriqueceram minha jornada. A todos os integrantes da banca examinadora, por terem aquiescido fazer parte deste momento: Prof. Dr. Everaldo de Mello Bonotto, Profª. Dra. Juliana Conceição Precioso Pereira, Profª. Dra. Marta Cilene Gadotti e Prof. Dr. German Jesus Lozada Cruz. A todas as pessoas, sejam elas alunos, funcionários ou demais membros da comunidade, com quem convivi durante minha estadia no IBILCE até aqui. Este trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que financiou meus estudos por intermédio do processo 131408/2022-4. “The road goes ever on and on, down from the door where it began. Now far ahead the road has gone, and I must follow, if I can.” — J. R. R. Tolkien, The Lord of the Rings ([24], 2004, p. 35). RESUMO Neste trabalho, lidamos com a equação linear não-homogênea de retardo infinito dx dt = Ax(t) +B(t, xt) + F (t), (L) na qual A é o gerador infinitesimal de um C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0 num espaço de Banach E. Assumindo que esta admite uma solução limitada, nosso objetivo é obter critérios para a existência de soluções periódicas para a equação em questão no espaço de fase abstrato B. Com esse propósito, empregaremos a teoria de perturbação dos operadores denominados semi- Fredholm, para mostrarmos que uma determinada aplicação linear afim definida em B satisfaz o teorema de ponto fixo estabelecido por Chow e Hale ([5], Theorem 4.1, página 36). Provaremos que a existência de pontos fixos para a aplicação linear afim supracitada é equivalente a existência de solução periódica para a equação em questão. A elaboração deste texto tem, em [22], sua primordial referência. Palavras-chave: Equação Abstrata. Operadores Semi-Fredholm. Soluções Periódicas. Pontos Fixos. Teoria de Perturbação. ABSTRACT In this work, we deal with the inhomogeneous linear equation with infinite delay dx dt = Ax(t) +B(t, xt) + F (t), (L) in which A is the infinitesimal generator of a C0-semigroup (T (t))t⩾ 0 on a Banach space E. Assuming that it admits a bounded solution, our objective is to obtain criteria on the existence of periodic solutions for the aformentioned equation in the abstract phase space B. Therefore, we will employ the perturbation theory of operators so called semi-Fredholm operators, to show that a certain affine linear map defined in B satisfies the fixed point theorem by Chow and Hale ([5], Theorem 4.1, page 36). We will prove that the existence of fixed points for the aforementioned affine linear application is equivalent to the existence of a periodic solution for the given equation. The development of this text has, in [22], its primary reference. Keywords: Abstract Equation. Semi-Fredholm Operators. Periodic Solutions. Fixed Points. Perturba- tion Theory. Sumário 1 Introdução 11 2 Preliminares 14 2.1 Teoria geral de semigrupos fortemente contínuos . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.2 Operadores e semigrupos compactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 2.3 Medida de Kuratowski de não-compacidade . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 2.4 Medida de Kuratowski de não-compacidade de operadores . . . . . . . . . 26 2.5 O espaço de fase B . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.6 Operadores semi-Fredholm . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 3 Equações diferenciais lineares não-homogêneas 41 3.1 Existência de solução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 3.2 Estimativa da solução em B . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 3.3 Operador solução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 4 Existência de solução periódica 59 4.1 Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 4.2 Existência de solução periódica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 5 Considerações finais 67 5.1 Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Referências 68 Apêndice A: Análise funcional e topologia 70 Apêndice B: Cálculo diferencial e integral 72 1 Introdução Considerando um espaço de Banach E, seja a equação diferencial abstrata com retardo (ou delay) infinito dx dt = Ax(t) +B(t, xt) + F (t), (L) em que A é gerador de um C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0 ⊂ L (E), sendo L (E) a álgebra de Banach dos operadores lineares limitados em E, e xt : (− ∞, 0] −→ E a função definida por xt(θ) = x(t + θ), para todo θ ∈ (− ∞, 0], denominada história. Nessa, temos que B : R × B −→ E é uma função contínua, sendo B o espaço de fase relacionado ao problema, cujos elementos são funções ψ : (− ∞, 0] −→ E que satisfazem um determinado conjunto de axiomas (ver Seção 2.5), e linear em sua segunda variável, e F : R −→ E contínua. Se as funções B( ·, ψ) e F ( · ) na equação (L) forem ω-periódicas, com ω > 0, a denotaremos por (Pω L) e, se F ≡ 0, denotamos as equações (L) e (Pω L) por (L0) e (Pω L0), respectivamente. O intuito deste trabalho é, assumindo que a equação (Pω L) admite uma solução limitada, obter condições acerca da existência e unicidade de soluções ω-periódicas. Para tanto, faremos uso da teoria de perturbação de uma classe de operadores denominados operadores semi-Fredholm, os quais gozam de vantajosas propriedades no que tange tal teoria. A elaboração deste trabalho tem, no artigo [22], de Shin e Naito, sua primordial referência. Chow e Hale (em [5], Theorem 4.1 e Corollary 4.1, página 36), com relação a este assunto, obtiveram os seguintes teoremas de ponto fixo para uma aplicação afim T = L+ z num espaço de Banach E, com L ∈ L (E) e z ∈ E fixado: Teorema A. Se Im(I − L) é fechado e existe x0 ∈ E tal que {x0, T (x0), T 2(x0), . . . } é limitado, então T admite um ponto fixo. Teorema B. Se existe x0 ∈ E tal que {x0, T (x0), T 2(x0), · · · } é relativamente compacto em E, então T admite ponto fixo em E. As demonstrações dos Teoremas A e B acima se baseiam, respectivamente, nos teoremas de Hahn-Banach e ponto fixo de Schauder. Chow e Hale aplicaram o Teorema A a equação (Pω L), de retardo finito, no caso em que A ≡ 0 e E = Rn para provar que, se essa admite uma solução limitada, então existe uma solução ω-periódica. Motivados por isso, enunciaremos uma propriedade similar para a equação (Pω L) em nosso contexto: (BP) Se a equação (Pω L) admite uma solução limitada em B, então existe uma solução ω-periódica para a equação (Pω L). 11 Introdução 12 A propriedade (BP) exposta acima não vale, em geral, para a equação com retardo infinito. Nosso propósito primário é, pois bem, descobrir sob quais condições a equação (L) apresenta a propriedade (BP), em relação a soluções mild (ver Capítulo 3). Na demonstração de [5], é essencial a hipótese de que L seja uma α-contração (ver Seção 2.4), para que a imagem Im(I − L) seja fechada em E. Porém, no caso da equação (Pω L), nem sempre o operador L ∈ L (E) será uma α-contração. Mais recentemente utilizando o Teorema B, Hino, Murakami e Yoshizawa demonstraram, em [12], que, se B é um espaço com memória amortecida, se o C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0 é compacto, para t > 0, então a equação (L) admite uma solução mild ω-periódica, desde que admita uma solução mild que seja limitada em E; aqui, a compacidade do semigrupo (T (t))t⩾ 0 mostra-se essencial. Similarmente, Li, Lin e Li, em [13], obtiveram condições para a existência de soluções periódicas para a equação (L) com retardo para o caso em que A ≡ 0 e E = Rn. Contudo, o Teorema B mostra-se insuficiente até mesmo para o caso em que B(t, · ) é compacto, para cada t ∈ R, ou quando o C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0 é compacto para t ⩾ t0, em que t0 > 0. No presente trabalho, lidaremos com a propriedade (BP) para a (Pω L), utilizando o Teorema A, que se mostrará útil, inclusive, nos casos mencionados no último parágrafo acima. É difícil, em geral, garantir que a imagem Im(I − L) seja fechada em E, como requerido no Teorema A, pois L pode não ser uma α-contração, como mencionado acima. Sendo assim, pode parecer que o Teorema A não é útil o suficiente para nosso propósito. Entretanto, aplicando a teoria dos operadores semi-Fredholm (Seção 2.6), provaremos que o Teorema A é, de fato, eficaz no que tange a equação (Pω L). O resultado principal desse texto é o Teorema 4.1, cujo enunciado lê-se: Teorema 4.1 (Teorema de existência de soluções periódicas). Suponha que (T (t))t⩾ 0 é um C0-semigrupo compacto em E, ou que B(t, · ) é um operador compacto, para cada t ∈ R. Se τ̂ < 0 e a equação (Pω L) admite uma solução B-limitada, então ela admite uma solução ω-periódica. A demonstração do teorema acima requer diversos pré-requisitos, os quais serão, de maneira cuidadosa, consolidados ao longo da dissertação. Uma vez desenvolvida a teoria dos operadores semi-Fredholm, o Teorema A acima reescreve-se na forma do Teorema 2.52: Teorema 2.52. Seja T = L + z uma aplicação linear afim no espaço de Banach E, em que L ∈ L (E) e z ∈ E fixado. Se I − L ∈ Φ+(E) e existe x0 ∈ E tal que {x0, T (x0), T 2(x0), . . . } é limitado, então F (T ) ̸= ∅ e dim(F (T )) < ∞. Acima, I − L ∈ Φ+(E) significa que o operador I − L pertence a classe dos operadores semi-Fredholm em E, em que I é o operador idêntico em E, L ∈ L (E), e F (T ) é o conjunto dos pontos fixos de T . Sendo assim, fornecida uma condição inicial x0 = ϕ ∈ B, então a equação (Pω L0) admite uma única solução mild x( ·, 0, ϕ) (Teorema 3.4). Veremos (Seção 3.3) que o operador solução U(t, 0) da equação (Pω L0), tal que U(t, 0)ϕ = xt(0, ϕ), para t ⩾ 0, pode ser decomposto na forma U(t, 0)ϕ = T̂ (t)ϕ + K(t, 0)ϕ, em que (T̂ (t))t⩾ 0 ⊂ L (B) é um C0-semigrupo em B, definido por (T̂ (t)ϕ)(θ) := T (t+ θ)ϕ(0), t+ θ ⩾ 0, ϕ(t+ θ), t+ θ ⩽ 0, Introdução 13 e K(t, 0) : B −→ B é um operador tal que (K(t, 0)ϕ)(θ) =  ∫ t + θ 0 T (t+ θ − s)B(s, xs(0, ϕ)) ds, t+ θ ⩾ 0, 0, t+ θ ⩽ 0. Provaremos, no Capítulo 4, que a existência de soluções periódicas para a equação (Pω L) será equivalente a existência de pontos fixos para a aplicação afim ψ ∈ B 7−→ U(ω, 0)ψ + ϕ ∈ B, em que ϕ ∈ B é uma função fixa, determinada por uma solução específica da equação (Pω L). Seguirá, portanto, do Teorema 2.52, que, se I−U(ω, 0) ∈ Φ+(B), então a equação (Pω L) admite a propriedade (BP) enunciada anteriormente. A teoria dos operadores semi-Fredholm implicará o Teorema 2.53 a seguir: Teorema 2.53. Suponha que I − T̂ (ω) ∈ Φ+(B). Então: 1. Se K(ω, 0) é um operador compacto, então a equação (Pω L) admite a propriedade (BP); 2. Existe η > 0 tal que, se ∥K(ω, 0)∥ < η, então a equação (Pω L) admite a propriedade (BP), e o conjunto de suas soluções periódicas tem a estrutura de um espaço linear afim de dimensão ⩽ dim(Ker(I − T̂ (ω))). Sendo assim, temos dois problemas a nossa frente. O primeiro consiste em verificarmos sob quais condições é válido que I−T̂ (ω) ∈ Φ+(B). Para tanto, utilizaremos a α-medida de não-compacidade no espaço de fase abstrato B. Em particular, provaremos, na Seção 2.6, que, se o raio espectral essencial re(L), de um operador L ∈ L (E), for tal que re(L) < 1, então I − L ∈ Φ+(E). Diante disso, na Seção 3.3, utilizaremos este resultado em nosso contexto, obtendo condições para que I − T̂ (ω) ∈ Φ+(B). O segundo problema consiste na investigação de propriedades de perturbação do operador K(ω, 0). Caso os operadores T (t) e B(t, · ) na equação (Pω L) sejam compactos, veremos que K(ω, 0) também o será (vide a Proposição 3.10). Caso contrário, voltamo-nos a norma ∥K(ω, 0)∥, que é estimada em termos de ∥T (t)∥ e ∥B(t, · )∥. Combinando estes resultados, estaremos aptos para a consolidação da propriedade (BP) para a equação (Pω L), que florescerá na forma do Teorema 4.1. 2 Preliminares A finalidade deste capítulo é estruturar o arcabouço teórico necessário para a análise da existência e unicidade de soluções periódicas para a equação (L). Nas seções 2.1 e 2.2, relembramos alguns resultados da teoria de C0-semigrupos e operadores lineares compactos, respectivamente. As seções 2.3 e 2.4 são dedicadas ao estudo da medida de Kuratowski de não- compacidade de conjuntos limitados de espaços métricos e operadores em espaços de Banach, nessa ordem. Por fim, nas seções 2.5 e 2.6, introduzimos o espaço de fase B relativo a equação (L), e os operadores semi-Fredholm, cuja teoria de perturbação será empregada para atingirmos nossos objetivos. 2.1 Teoria geral de semigrupos fortemente contínuos Para nossos fins, tratemos de algumas definições e resultados clássicos da teoria de C0-semigrupos de operadores lineares limitados, que podem ser encontrados em [19]. No que segue, E é um espaço de Banach sobre o corpo C dos números complexos, munido da norma ∥ · ∥. Denotemos por L (E) a álgebra de Banach dos operadores lineares limitados em E, na norma de operador ∥T∥L (E) := sup ∥x∥ = 1 ∥T (x)∥. Definição 2.1 (Semigrupo de operadores lineares limitados). Seja a aplicação t ∈ [0, + ∞) −→ T (t) ∈ L (E). Dizemos que a família (T (t))t⩾ 0 ⊂ L (E) é um semigrupo de operadores lineares limitados em E quando: 1. T (0) = I, em que I é o operador idêntico em E; 2. T (s)T (t) = T (s+ t), para todos s, t ∈ [0, + ∞) (propriedade de semigrupo). Definição 2.2 (Gerador infinitesimal). O operador linear A, definido por A(x) := lim t −→ 0+ T (t)(x) − x t , para x ∈ D(A) = { x ∈ E : existe lim t −→ 0+ T (t)(x) − x t } , é chamado de gerador infinitesimal do semigrupo (T (t))t⩾ 0. Definição 2.3 (C0-Semigrupo). Dizemos que um semigrupo de operadores lineares limitados (T (t))t⩾ 0 ⊂ L (E) é fortemente contínuo (ou um C0-semigrupo) quando lim t −→ 0+ T (t)(x) = x, para todo x ∈ E. 14 Teoria geral de semigrupos fortemente contínuos 15 Teorema 2.4 (Limitação exponencial). Se (T (t))t⩾ 0 é um C0-semigrupo, então existem constantes ω ⩾ 0 e M ⩾ 1 para as quais ∥T (t)∥ ⩽Meωt, para todo t ⩾ 0. Demonstração: Ver [19], Theorem 2.2, página 4. Corolário 2.5. Se (T (t))t⩾ 0 é um C0-semigrupo, então, para todo x ∈ E, a aplicação t ∈ [0, + ∞) 7−→ T (t)(x) ∈ E é contínua. Teorema 2.6. Se (T (t))t⩾ 0 ⊂ L (E) é um C0-semigrupo cujo gerador infinitesimal é A, são válidas as afirmações: 1. Para todo x ∈ E, a) a aplicação s ∈ [0, + ∞) 7−→ T (s)(x) ∈ E é Bochner-integrável em qualquer intervalo compacto da forma [t, t+ h], com t, h ⩾ 0, e lim h −→ 0+ 1 h ∫ t + h t T (s)(x) ds = T (t)(x); b) ∫ t 0 T (s)(x) ds ∈ D(A) e A (∫ t 0 T (s)(x) ds ) = T (t)(x) − x. 2. Para todos x ∈ D(A) e t ∈ [0, + ∞), a) T (t)(x) ∈ D(A) e a aplicação t ∈ [0, + ∞) 7−→ T (t)(x) ∈ E é diferenciável, com d dtT (t)(x) = AT (t)(x) = T (t)A(x); b) T (t)(x) − T (s)(x) = ∫ t s AT (u)(x) du = ∫ t s T (u)A(x) du. Demonstração: Ver [19], Theorem 2.4, página 4. Corolário 2.7. Se A é o gerador infinitesimal do C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0, então o domínio de A, D(A), é denso em E e A é um operador linear fechado. Teorema 2.8. Sejam (T (t))t⩾ 0 e (S(t))t⩾ 0 C0-semigrupos cujos geradores infinitesimais são A e B, respectivamente. Se A = B, então T (t) = S(t), para todo t ⩾ 0. Demonstração: Ver [19], Theorem 2.6, página 6. Teorema 2.9. Seja A o gerador infinitesimal do C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0. Se D(An) denota o domínio do operador An, então ∞⋂ n = 1 D(An) é denso em E. Demonstração: Ver [19], Theorem 2.7, página 6. Teoria geral de semigrupos fortemente contínuos 16 Definição 2.10 (Valor regular, resolvente e espectro). Dizemos que λ ∈ C é um valor regular do operador T ∈ L (E, F ) se T − λI é bijetiva e (T − λI)− 1 : F −→ E é contínua. O conjunto de todos os valores regulares de T é chamado de conjunto resolvente de T , e é denotado por ρ(T ). O complementar de ρ(T ), C \ ρ(T ), é denominado espectro de T , e é denotado por σ(T ). Quando E e F são espaços de Banach, temos, do Teorema da aplicação aberta (ver Corolário A.5), que ρ(T ) = {λ ∈ C : (T − λI) é bijetiva}. Assim sendo, σ(T ) é constituído pelos escalares λ ∈ C para os quais T − λI não é limitado ou bijetivo. Definição 2.11 (C0-Semigrupo de contrações). Dizemos que um C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0 é de contrações se, na limitação ∥T (t)∥ ⩽ Meωt, ilustrada no Teorema 2.4, se tem, para todo t ⩾ 0, que ω = 0 e M = 1. Definição 2.12 (Família resolvente). Seja A : D(A) ⊂ E −→ E um operador linear em E, não necessariamente limitado. A família {R(λ, A)}λ ∈ ρ(A) ⊂ L (E), de operadores lineares limitados em E, em que R(λ, A) := (λI − A)− 1 e λ ∈ ρ(A), é chamada família resolvente de A. Teorema 2.13 (Hille-Yosida). Um operador linear A, de domínio D(A) ⊂ E, não necessariamente limitado, é o gerador infinitesimal de um C0-semigrupo de contrações (T (t))t⩾ 0 se, e somente se: 1. A é fechado e D(A) é denso em E; 2. O conjunto resolvente de A, ρ(A), é tal que ρ(A) ⊃ R∗ + (isso é, ρ(A) contém a semirreta positiva, com exceção do 0) e, para todo λ > 0, se tem ∥R(λ, A)∥ ⩽ 1 λ . Demonstração: Ver [19], Theorem 3.1, páginas 8 (condição necessária) e 10 (condição suficiente). Corolário 2.14. Se A é o gerador infinitesimal do C0-semigrupo de contrações (T (t))t⩾ 0, então o conjunto resolvente de A, ρ(A), contém o semiplano direito aberto do plano complexo, i.e., ρ(A) ⊇ {λ ∈ C : Re(λ) > 0} e, para tais λ, é válido que ∥R(λ, A)∥ ⩽ 1 Re(λ) . Corolário 2.15 (Teorema de Hille-Yosida generalizado). Um operador linear A é o gerador infinitesimal de um C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0 satisfazendo ∥T (t)∥ ⩽Meωt, para todo t ⩾ 0, se, e somente se: 1. A é fechado e D(A) é denso em E; 2. O conjunto resolvente de A, ρ(A), contém o intervalo (ω, + ∞) e, para λ > ω, se tem ∥R(λ, A)n∥ ⩽ M (λ− ω)n , para todo n ∈ N. Demonstração: Ver [19], Theorem 5.3, página 20. Operadores e semigrupos compactos 17 2.2 Operadores e semigrupos compactos Sejam E e F espaços vetoriais normados, BE := {x ∈ E : ∥x∥ ⩽ 1} a bola unitária fechada em E e L (E, F ) o espaço dos operadores lineares limitados de E em F . Definição 2.16 (Operadores compactos). Um operador linear T : E −→ F , em que E e F são espaços vetoriais normados, é compacto se a imagem da bola unitária fechada BE ⊂ E é um conjunto relativamente compacto de F (isso é, T (BE) é compacto em F ). Podemos estabelecer, de imediato, os seguintes resultados: Proposição 2.17. a) Todo operador compacto é contínuo. b) Todo operador linear contínuo de posto finito1 é compacto. c) O espaço normado E possui dimensão finita se, e somente se, o operador idêntico I em E é compacto. Demonstração: a) Sendo T : E −→ F compacto, segue que T (BE) é compacto em F . Então, T (BE) é fechado e limitado em F , de modo que T (BE) também é limitado. Como um operador linear é contínuo se, e somente se, leva subconjuntos limitados de E em subconjuntos limitados de F , conclui-se que T é contínuo. b) Segue do fato que, em dimensão finita, os conjuntos compactos são precisamente aqueles que são fechados e limitados. c) Segue do fato que um espaço normado é de dimensão finita se, e somente se, a bola unitária fechada nesse é compacta (Lema de Riesz, Teorema A.1). Proposição 2.18. Se E e F são espaços normados, as seguintes afirmações são equiva- lentes: a) T é compacto. b) T (A) é compacto em F , para todo A ⊂ E limitado. c) Para toda sequência limitada (xn) em E, a sequência (T (xn)) admite subsequência convergente em F . Demonstração: (a) =⇒ (b) Seja A ⊂ E limitado, de modo que ∥x∥ ⩽ M , para algum M > 0, para todo x ∈ A. Logo, 1 M A ⊆ BE e 1 M T (A) = 1 M T (A) ⊆ T (BE), de forma que 1 M T (A) é compacto, pois é um subconjunto fechado do compacto T (BE). (b) =⇒ (c) Segue, pois, em espaços métricos, toda sequência num conjunto compacto admite subsequência convergente. (c) =⇒ (a) Considere (yn) uma sequência em T (BE). Logo, para cada n ∈ N, existe xn ∈ BE tal que ∥T (xn) − yn∥ < 1/n. Seja (T (xnj )) subsequência de (T (xn)) tal que T (xnj ) −→ y, para algum y ∈ F . Como∥∥∥ynj − y ∥∥∥ ⩽ ∥∥∥ynj − T (xnj ) ∥∥∥+ ∥∥∥T (xnj ) − y ∥∥∥ ⩽ 1/nj + ∥∥∥T (xnj ) − y ∥∥∥ , segue, fazendo j −→ ∞, que ynj −→ y. Assim, a sequência (yn) em T (BE) admite subsequência (ynj ) convergente, o que conclui a demonstração de que T é compacto. 1 O posto de um operador linear T : E −→ F , entre espaços normados E e F , é definido como sendo a dimensão da imagem Im(T ) ⊆ F . Operadores e semigrupos compactos 18 Veremos, a seguir, que o conjunto K(E, F ), dos operadores compactos entre os espaços normados E e F , é um subespaço fechado de L (E, F ). Comecemos verificando que, de fato, K(E, F ) é um subespaço vetorial de L (E, F ). Lema 2.19. Se T, S : E −→ F são operadores compactos, então T + αS também o é, para todo α ∈ C. Sendo assim, o espaço K(E, F ), dos operadores compactos entre E e F , constitui um subespaço vetorial de L (E, F ). Demonstração: Sabemos que K(E, F ) ⊂ L (E, F ), pelo item (a) da Proposição 2.17. Dito isso, é suficiente a verificação do lema para α = 1. Seja, então, (xn) uma sequência limitada em E. Pela compacidade do operador T , a sequência (T (xn)) admite subsequência (T (xnk )) convergente; então, a subsequência (S(xnk )) de (S(xn)) admite uma outra subsequência, (S(xnkj )), digamos, convergente. Com isso, (T (xnkj )) é subsequência convergente de (T (xn)), de modo que ((T + S)(xnkj )) é subsequência convergente de ((T + S)(xn)) e, por conseguinte, T + S é compacto, vide a Proposição 2.18, o que conclui a demonstração. Proposição 2.20. Se F é um espaço de Banach, K(E, F ) é fechado em L (E, F ). Demonstração: Seja uma sequência (Tn) de operadores em K(E, F ) (ou seja, para cada n ∈ N, Tn é compacto), tal que Tn −→ T ∈ L (E, F ); provemos que T ∈ K(E, F ). Para tanto, seja uma sequência limitada (xm) em E, satisfazendo ∥xm∥ ⩽ M , para algum M > 0, para todo m ∈ N. Em vista da Proposição 2.18, basta verificarmos que (T (xm)) admite subsequência convergente em F . Pois bem, como T1 é compacto, a sequência (T1(x1, m)) é de Cauchy em F , sendo (x1, m) subsequência de (xm). Da mesma forma, a sequência (x1, m) possui subsequência (x2, m) tal que (T2(x2, m)) é de Cauchy em F . Prosseguindo assim, indefinidamente, visto que, para cada n ∈ N, a sequência (xn, m) é limitada e (Tn(xn, m)) é de Cauchy em F , podemos considerar a sequência diagonal (ym) = (x1, 1, x2, 2, . . . ). Vemos que (ym) é subsequência de (xm) (satisfazendo ∥ym∥ ⩽ M , para todo m ∈ N, portanto), e satisfaz, para cada n ∈ N, que (Tn(ym)) é uma sequência de Cauchy em F . Portanto, uma vez que Tn −→ T , dado ε > 0, existe n0 ∈ N para o qual ∥Tn0 − T∥ < ε 3M . Além disso, como (Tn0(ym)) é de Cauchy, existe n1 ∈ N tal que ∥Tn0(yj) − Tn0(yk)∥ < ε 3 , sempre que j, k ⩾ n1. Por fim, ∥T (yj) − T (yk)∥ ⩽ ∥T (yj) − Tn0(yj)∥ + ∥Tn0(yj) − Tn0(yk)∥ + ∥Tn0(yk) − T (yk)∥ ⩽ ∥T − Tn0∥ ∥yj∥ + ε 3 + ∥Tn0 − T∥ ∥yk∥ < ε 3M ·M + ε 3 + ε 3M ·M = ε, para todos j, k ⩽ n1, o que verifica que (T (ym)) é de Cauchy e, portanto, convergente em F , finalizando a demonstração. Operadores e semigrupos compactos 19 Exemplo 2.21 (Operador Integral de Hilbert-Schmidt). Sejam K ⊂ Rn compacto e κ : K ×K −→ C contínua. Definamos T : C(K, C) −→ C(K, C) tal que T (f)(y) = ∫ K κ(x, y) f(x) dx, para todo y ∈ K, em que C(K, C) é o espaço das funções contínuas de K em C, munido da norma da convergência uniforme. Veremos que T é compacto; antes, porém, verifiquemos que T está bem-definido (isso é, que T (f) ∈ C(K, C), para toda f ∈ C(K, C)). Com efeito, seja dada f ∈ C(K, C). Como K × K é compacto e κ : K × K −→ C é contínua, temos que κ é uniformemente contínua. De maneira análoga, a função (x, y) ∈ K×K 7−→ κ(x, y) f(x) ∈ C também o é. Com isso, dado ε > 0, existe δ > 0 para o qual |κ(x, y) f(x) − κ(x′, y′) f(x′)| < ε/m(K) sempre que ∥(x, y) − (x′, y′)∥2 < δ, em que m(K) denota a medida de Lebesgue do compacto K ⊂ Rn, (x, y), (x′, y′) ∈ K ×K e ∥ · ∥2 denota a norma euclidiana em Rn × Rn. Desse modo, se y, y0 ∈ K são tais que ∥y − y0∥ < δ, então ∥(x, y) − (x, y0)∥2 < δ, do que segue que |T (f)(y) − T (f)(y0)| = ∣∣∣∣∫ K (κ(x, y) f(x) − κ(x, y0) f(x)) dx ∣∣∣∣ ⩽ ∫ K |(κ(x, y) − κ(x, y0)) f(x)| dx < ∫ K ε/m(K) dx = ε/m(K) ∫ Rn χK dx = ε. Concluímos, à luz do raciocínio acima, que, para toda f ∈ C(K, C), a aplicação T (f) : K −→ C é contínua, de tal maneira que T está bem-definido. A fim de demonstrarmos que T é compacto, lançaremos mão do Teorema de Arzelà- Ascoli (ver Teorema A.9 e Corolário A.10). Pois bem, utilizaremos a Proposição 2.18 para verificar que, para toda sequência (fn) na bola BC(K,C), a sequência (T (fn)) admite subsequência convergente. Consideremos, então, a sequência (fn) em BC(K,C), tal que ∥fn∥∞ = sup x ∈ K |fn(x)| ⩽ 1, para todo n ∈ N. Verifiquemos que a família (T (fn)) é equicontínua em C(K, C). Com efeito, como κ é uniformemente contínua, dado ε > 0, existe δ > 0 para o qual |κ(x, y) − κ(x, y0)| < ε/m(K), para todos x, y, y0 ∈ K tais que ∥y − y0∥ < δ, de maneira que, para todo n ∈ N, |T (fn)(y) − T (fn)(y0)| ⩽ ∥fn∥∞ ∫ K |κ(x, y) − κ(x, y0)| dx < ε/m(K) ∫ Rn χK dx = ε. Portanto, concluímos que (T (fn)) é uma sequência equicontínua em C(K, C). Além disso, para y ∈ K e n ∈ N, |T (fn)(y)| ⩽ ∫ K |κ(x, y)| |fn(x)| dx ⩽ ∥fn∥∞ ∫ K |κ(x, y)| dx ⩽ ∫ K |κ(x, y)| dx. Como κ : K×K −→ C é contínua num compacto, é limitada, de forma a existir M > 0 tal que |κ(x, y)| ⩽M , para todo (x, y) ∈ K ×K, de modo que podemos reescrever, para todo n ∈ N, a desigualdade acima como |T (fn)(y)| ⩽M ∫ Rn χK dx = M m(K). Sendo (T (fn)) equicontínua e uniformemente limitada, o Teorema de Arzelà-Ascoli garante que (T (fn)) admite uma subsequência convergente. Enfim, pela Proposição 2.18, podemos concluir que T é compacto. Medida de Kuratowski de não-compacidade 20 Finalizamos a seção introduzindo a noção de semigrupo compacto: Definição 2.22 (Semigrupo compacto). Um C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0 ⊂ L (E) chama- se um C0-semigrupo compacto para t > t0 se existe t0 > 0 tal que, para todo t > t0, T (t) é um operador compacto. O semigrupo é chamado compacto se T (t) é compacto para todo t > 0. 2.3 Medida de Kuratowski de não-compacidade Nessa seção, introduziremos a Medida de Kuratowski de não-compacidade (ou α-medida de não-compacidade) de subconjuntos de um dado espaço métrico. A discussão apresentada aqui, bem como seu devido aprofundamento, pode ser encontrada em [2]. Fixemos um espaço métrico (M, d) arbitrário. Definição 2.23 (Medida de Kuratowski de não-compacidade). Seja B ⊂ M limitado. A medida de Kuratowski de não-compacidade de B (ou simplesmente α-medida), denotada por α(B), é definida como α(B) = inf { ε > 0: existem Si ⊂ M , 1 ⩽ i ⩽ r, com diam(Si) < ε, tais que B ⊂ r⋃ i = 1 Si } . Claramente, temos α(B) ⩽ diam(B), para cada B ⊂ M limitado; denotemos por MB a classe de todos os subconjuntos limitados de M . Façamos uma breve digressão, pois necessitamos reaver alguns fatos sobre compacidade, no contexto dos espaços métricos. Comecemos, pois então, recordando a definição, bem como alguns resultados, sobre espaços métricos totalmente limitados. Definição 2.24 (Espaço métrico totalmente limitado). Dizemos que M é totalmente limitado se, para todo ε > 0, existirem Si ⊂ M , com 1 ⩽ i ⩽ r, para algum inteiro positivo r, satisfazendo diam(Si) < ε, tais que M ⊂ r⋃ i = 1 Si. A proposição a seguir permite que, na Definição 2.24, dado ε > 0, utilizemos bolas abertas de raio ε ao invés de subconjuntos arbitrários de M que possuem diâmetro inferior a ε. Proposição 2.25. A fim de que M seja totalmente limitado, é necessário e suficiente que, para todo ε > 0, existam pontos xi ∈ M , com 1 ⩽ i ⩽ r, para algum inteiro positivo r, tais que M ⊂ r⋃ i = 1 B(xi, ε), em que B(xi, ε) = {x ∈ M : d(x, xi) < ε}. Demonstração: Como M é totalmente limitado, então, em vista da Definição 2.24, dado ε > 0, temos que M ⊂ r⋃ i = 1 Si, com diam(Si) < ε, para todo 1 ⩽ i ⩽ r. Uma vez que diam(Si) < ε, então d(xi, x ′ i) < ε, para todos xi, x ′ i ∈ Si e 1 ⩽ i ⩽ r, de modo que x′ i ∈ B(xi, ε); ou seja, Si ⊂ B(xi, ε). Noutros termos, temos M ⊂ r⋃ i = 1 B(xi, ε). Reciprocamente, dado ε > 0, existem xi ∈ M , com 1 ⩽ i ⩽ s, para algum inteiro positivo s, tais que M ⊂ s⋃ i = 1 B(xi, ε/3), e cada bola aberta B(xi, ε/3) possui diâmetro menor do que ε. Segue, portanto, que M é totalmente limitado. Medida de Kuratowski de não-compacidade 21 O mesmo argumento da Proposição 2.25 pode ser utilizado para reescrever, de uma forma equivalente, a Definição 2.23. Isto é, α(B) = inf { ε > 0: existem xi ∈ M , 1 ⩽ i ⩽ r, tais que B ⊂ r⋃ i = 1 B(xi, ε) } . Proposição 2.26. Se S ⊂ M é totalmente limitado, então seu fecho S também o é. Demonstração: Como S é totalmente limitado, dado ε > 0, existem pontos xi ∈ M , 1 ⩽ i ⩽ r, tais que S ⊂ r⋃ i = 1 B(xi, ε/2). Após passagem para o fecho, ficamos com S ⊂ r⋃ i = 1 B(xi, ε/2) = r⋃ i = 1 B(xi, ε/2). Como B(xi, ε/2) ⊂ B(xi, ε), segue que S ⊂ r⋃ i = 1 B(xi, ε), do que resulta que S é totalmente limitado, como desejado. O próximo teorema é clássico, e terá sua demonstração omitida. Teorema 2.27. O espaço métrico M é compacto se, e somente se, é completo e totalmente limitado. Demonstração: Ver [14], Proposição 7, página 222. Definição 2.28 (Subconjunto relativamente compacto). Dizemos que S ⊂ M é relativamente compacto em M se S é compacto. Proposição 2.29. Seja S ⊂ M . Se S é relativamente compacto, então S é totalmente limitado. Se M é completo, então S é relativamente compacto se, e somente se, S é totalmente limitado. Demonstração: Claramente, devemos assumir S ̸= ∅. Comecemos provando que, se S é relativamente compacto, então S é totalmente limitado. Com efeito, dado ε > 0, seja x1 ∈ S arbitrário. Se d(x, x1) < ε, para todo x ∈ S, então S ⊂ B(x1, ε). Caso contrário, seja x2 ∈ S tal que d(x2, x1) ⩾ ε. Se d(x, xi) < ε, para todo x ∈ S, com 1 ⩽ i ⩽ 2, então S ⊂ B(x1, ε) ∪ B(x2, ε). Do contrário, seja x3 ∈ S tal que d(x3, x1) ⩾ ε e d(x3, x2) ⩾ ε. Se d(x, xi) < ε, para todo x ∈ S e 1 ⩽ i ⩽ 3, então S ⊂ 3⋃ i = 1 B(xi, ε). Caso contrário, continuamos o processo selecionando x4 ∈ S tal que d(x4, xi) ⩾ ε, para 1 ⩽ i ⩽ 3, e assim por diante. Afirmamos que deve existir um inteiro positivo r tal que d(x, xi) < ε, para todo x ∈ S e 1 ⩽ i ⩽ r. De fato, se tal r não existisse, seria possível obter uma sequência (xn) em S tal que d(xj, xk) ⩾ ε, para todos j, k ∈ N, de modo que (xn) não admitiria nenhuma subsequência de Cauchy. Logo, (xn) não admitiria subsequência convergente, contrariando o fato de S ser relativamente compacto, pois toda sequência em S admite subsequência convergente em M . Agora, resta provar que, considerando M completo, se S é totalmente limitado, então S é relativamente compacto. Como S é fechado e M é completo, segue que S é completo. Assim, pelo Teorema 2.27, S é completo e totalmente limitado; compacto, portanto, finalizando a demonstração. Medida de Kuratowski de não-compacidade 22 Terminada essa digressão, listamos algumas propriedades da medida de Kuratowski de não-compacidade. Proposição 2.30. Sejam B, B1 e B2 subconjuntos limitados de um espaço métrico completo M . Então: 1. α(B) = 0 se, e somente se, B é compacto (regularidade); 2. α(B) = α(B) (invariância mediante passagem para o fecho); 3. Se B1 ⊂ B2, então α(B1) ⩽ α(B2) (monotonicidade); 4. α(B1 ∪B2) = max {α(B1), α(B2)} (propriedade do máximo); 5. α(B1 ∩B2) ⩽ min {α(B1), α(B2)}. Demonstração: Evidentemente, o item (3) segue de imediato da Definição 2.23. (1) Temos que α(B) = 0 se, e somente se, para todo δ > 0, existe ε > 0 tal que ε < δ, bem como subconjuntos Si ⊂ M , com diam(Si) < ε e 1 ⩽ i ⩽ r, para algum inteiro positivo r, tais que B ⊂ r⋃ i = 1 Si. Logo, para todo δ > 0, temos B ⊂ r⋃ i = 1 Si, com diam(Si) < δ, do que segue que B é totalmente limitado e, em vista da Proposição 2.29, segue que B é compacto. (2): Como B ⊆ B, temos que α(B) ⩽ α(B). Seja, então, ε > 0, de modo que existem Si ⊂ M limitados, tais que diam(Si) < ε, para 1 ⩽ i ⩽ n, e B ⊂ n⋃ i = 1 Si. Passando para o fecho, ficamos com B ⊂ ( n⋃ i = 1 Si ) = n⋃ i = 1 Si e, em vista do fato de que diam(Si) = diam(Si), obtemos α(B) ⩽ α(B), o que demonstra a igualdade α(B) = α(B). (4): Do item (3), temos α(B1) ⩽ α(B1 ∪ B2) e α(B2) ⩽ α(B1 ∪ B2), uma vez que B1, B2 ⊂ B1 ∪B2. Então, temos max {α(B1), α(B2)} ⩽ α(B1 ∪B2). Por outro lado, suponha que B1 e B2 podem ser cobertos por uma quantidade finita de subconjuntos de diâmetro menor que s + ε, sendo s = max {α(B1), α(B2)} e ε > 0 arbitrário. Como a união dessas coberturas é uma cobertura finita de B1 ∪ B2, ficamos com α(B1 ∪B2) ⩽ s+ ε. Em vista da arbitrariedade de ε > 0, concluímos que α(B1∪B2) = max {α(B1), α(B2)}. (5): De B1 ∩B2 ⊂ B1, B2, temos que α(B1 ∩B2) ⩽ α(B1) e α(B1 ∩B2) ⩽ α(B2), de modo que α(B1 ∩B2) ⩽ min {α(B1), α(B2)}, como queríamos. Assim, está completa a demonstração. Lema 2.31 (Cantor-Kuratowski). Sejam (M, d) um espaço métrico completo e (Fn) uma sequência decrescente (ou seja, Fn + 1 ⊂ Fn, para todo n ∈ N) de subconjuntos não- vazios, fechados e limitados de M , tais que lim n −→ ∞ α(Fn) = 0. Então, a intersecção ∞⋂ n = 1 Fn é um subconjunto não-vazio e compacto de M . Medida de Kuratowski de não-compacidade 23 Demonstração: Seja F = ∞⋂ n = 1 Fn. Vemos que F é fechado, pois é intersecção enumerável de fechados. Além disso, como F ⊂ Fn, o item (3) da Proposição 2.30 garante que α(F ) ⩽ α(Fn), para todo n ∈ N, de modo que, fazendo n −→ ∞, obtemos α(F ) = 0, pois lim n −→ ∞ α(Fn) = 0. Pelo item (1) da Proposição 2.30, segue que F é compacto, pois F = F . Verifiquemos, agora, que F ̸= ∅. Consideremos xn ∈ Fn, para n ∈ N, e coloquemos Xn := {xk : k ⩾ n}. Como Xn ⊂ Fn, para todo n ∈ N, obtemos α(Xn) ⩽ α(Fn); ainda, como Xn ⊂ X1, para todo n ∈ N, então α(Xn) ⩽ α(X1) e, uma vez que X1 está, a menos de uma quantidade finita de pontos, contido em Xn (de fato, temos X1 \ {xi}n − 1 i = 1 ⊂ Xn), obtemos α(X1) ⩽ α(Xn), já que não é difícil de verificar que, a menos de uma quantidade finita de pontos, a α-medida não se altera.2 Temos, então, que α(X1) = α(Xn) ⩽ α(Fn), para cada n ∈ N. Fazendo n −→ ∞ nessa última desigualdade, obtemos α(X1) = 0, do que segue, pelo item (1) da Proposição 2.30, que X1 é relativamente compacto. Assim sendo, a sequência (xn) admite uma subsequência convergente (xnk ), tal que x = lim xnk ∈ M . Como Fn é fechado, temos que x ∈ Fn, para todo n ∈ N, de maneira que x ∈ F = ∞⋂ n = 1 Fn. Concluímos, portanto, que ∞⋂ n = 1 Fn é não-vazio e compacto, como queríamos. Estudaremos, na sequência, a α-medida no contexto dos espaços normados, e veremos que ela possui propriedades compatíveis com a estrutura linear do espaço. Antes, porém, é necessário que revisitemos o conceito de convexidade, bem como seus principais resultados. Fixemos, por ora, um espaço vetorial real E. Definição 2.32. Dizemos que o subconjunto S ⊂ E é convexo se, para todos x, y ∈ S, o segmento [x, y] = (1 − t)x+ ty está contido em S, para todo t ∈ [0, 1]. É bem conhecido o fato de que, se (Sλ)λ ∈ Λ é uma família qualquer de subconjuntos convexos de E, então a intersecção ⋂ λ ∈ Λ Sλ é um conjunto convexo. Também sabe-se que, se (Sλ)λ ∈ Λ é a família de todos os subconjuntos convexos de E tais que S ⊂ Sλ, para todo λ ∈ Λ, então ⋂ λ ∈ Λ Sλ é o menor subconjunto convexo de E que contém S, no sentindo de que, se S ⊂ C e C é convexo, então ⋂ λ ∈ Λ Sλ ⊂ C. Isso nos leva a importante definição de envoltória convexa: Definição 2.33 (Envoltória convexa). Se S ⊂ E, a intersecção de todos os subconjuntos convexos de E que contém S é chamada de envoltória convexa de S, e a denotaremos por co(S). Em notação matemática, se se (Sλ)λ ∈ Λ é a família de todos os subconjuntos convexos de E tais que S ⊂ Sλ, para todo λ ∈ Λ, então co(S) = ⋂ λ ∈ Λ Sλ. 2 Com efeito, se F é finito e F ⊂ B, em que B ⊂ M é um conjunto limitado qualquer, então α(F ) = 0, pelo item (1) da Proposição 2.30, pois F é compacto. Logo, escrevendo B = (B \ F ) ∪ F , o item (4) da Proposição 2.30 nos dá α(B) = max {α(B \ F ), α(F )} = α(B \ F ), de maneira que, a menos de um conjunto finito F ⊂ B, a α-medida de B não se altera. Medida de Kuratowski de não-compacidade 24 Apresentaremos, agora, o conceito de combinação convexa, para que possamos provar o próximo resultado. Uma combinação convexa de elementos de S ⊂ E é uma soma finita do tipo r∑ i = 1 λi xi, com λi ⩾ 0 e xi ∈ S, para todo 1 ⩽ i ⩽ r, em que r é um inteiro positivo qualquer, tal que r∑ i = 1 λi = 1. Denotemos por cvx(S) o conjunto de todas as combinações convexas de elementos de S. Proposição 2.34. Se S, S1, . . . , Sr, r ∈ N, são subconjuntos convexos de E e Q ⊂ E é qualquer, então: 1. cvx(S) ⊂ S; 2. co(Q) = cvx(Q); 3. co ( r⋃ i = 1 Si ) = { r∑ i = 1 λi Si : λi ⩾ 0, 1 ⩽ i ⩽ r, r∑ i = 1 λi = 1 } . Demonstração: (1) É suficiente verificar que, para todo r ⩾ 2, é válido que, se xi ∈ S, λi ⩾ 0 e r∑ i = 1 λi = 1, então r∑ i = 1 λi xi ∈ S, o que será feito por indução matemática. Suponha que o fato acima ocorra para algum r ⩾ 2. Se xi ∈ S, λi ⩾ 0 e r + 1∑ i = 1 λi = 1, temos dois casos a considerar: se r∑ i = 1 λi = 0, então λi = 0, para todo 1 ⩽ i ⩽ r, de modo que r + 1∑ i = 1 λi xi = xr + 1 ∈ S. Se λ = r∑ i = 1 λi ̸= 0, então r + 1∑ i = 1 λi xi = λ ( r∑ i = 1 λi λ − 1 xi ) + λr + 1 xr + 1 ∈ S, uma vez que λ+ λr + 1 = 1 e S é convexo, finalizando a demonstração de (1). (2) Como Q ⊂ co(Q), então cvx(Q) ⊂ cvx(co(Q)) ⊂ co(Q), em vista do item (1). Para a inclusão contrária, como co(Q) é convexo, basta provarmos que cvx(Q) é convexo. Pois bem, se x, y ∈ cvx(Q), existem inteiros positivos r e s, sequências (xi)r i = 1 e (yj)s j = 1 de elementos de Q, bem como sequências (αi)r i = 1 e (βj)s j = 1 de escalares positivos, com r∑ i = 1 αi = 1 e s∑ j = 1 βj = 1, tais que x = r∑ i = 1 αi xi e y = s∑ j = 1 βj yi. Seja λ ∈ (0, 1) arbitrário. Como (1 − λ) r∑ i = 1 αi + λ s∑ i = 1 βj = 1, então (1 − λ)x + λy ∈ cvx(Q), verificando que cvx(Q) é convexo, como desejado. (3) Seja T = { r∑ i = 1 λi Si : λi > 0, 1 ≤ i ≤ r, r∑ i = 1 λi = 1 } . Vemos que T ⊆ co ( r⋃ i = 1 Si ) , pois, dado X = r∑ i = 1 λi Si, para certos λi > 0, 1 ≤ i ≤ r, e r∑ i=1 λi = 1, se x ∈ X, então existem xi ∈ Si, 1 ≤ i ≤ r, tais que x = r∑ i = 1 λi xi. Logo, temos x ∈ cvx ( r⋃ i = 1 Si ) = co ( r⋃ i = 1 Si ) . Medida de Kuratowski de não-compacidade 25 Para a inclusão contrária, basta verificarmos que T é convexo. Pois bem, sejam λ ∈ (0, 1) e x, y ∈ T , de modo que existem escalares positivos αi, βi, 1 ≤ i ≤ r, satisfazendo r∑ i = 1 αi = 1 e r∑ i = 1 βi = 1, tais que x = r∑ i = 1 αi Si e y = r∑ i = 1 βi Si. Coloquemos γi = λαi + (1 − λ) βi, 1 ≤ i ≤ r. Assim, γi > 0, para 1 ⩽ i ⩽ r, e r∑ i = 1 γi = λ r∑ i = 1 αi + (1 − λ) r∑ i = 1 βi = 1. Logo, λx+ (1 − λ)y = λ r∑ i = 1 αi Si + (1 − λ) r∑ i = 1 βi Si = r∑ i = 1 (λαi + (1 − λ)βi)Si = r∑ i = 1 γi Si ∈ T. Segue, portanto, que T é convexo, de maneira que co ( r⋃ i = 1 Si ) = T , finalizando a demonstração. Podemos, agora, apresentar as propriedades da α-medida de Kuratowski no âmbito dos espaços normados. Fixemos um espaço vetorial normado (E, ∥ · ∥), sobre o corpo K = R ou C. Além daquelas apresentadas na Proposição 2.30, são válidas: Proposição 2.35. Sejam B, B1 e B2 subconjuntos limitados de E. Então: 1. α(B1 +B2) ⩽ α(B1) + α(B2) (sub-aditividade algébrica); 2. α(B + x) = α(B), para todo x ∈ E (invariância por translação); 3. α(λB) = |λ|α(B), para todo λ ∈ K (semi-homogeneidade). Demonstração: (1) Dado ε > 0, sejam Si ⊂ E, com diam(Si) < ε, para todo 1 ⩽ i ⩽ r, tais que B1 ⊂ r⋃ i = 1 Si. Da mesma forma, dado δ > 0, sejam Tj ⊂ E, com diam(Tj) < δ, para todo 1 ⩽ j ⩽ s, tais que B2 ⊂ s⋃ j = 1 Tj. Então, B1 +B2 ⊂ r⋃ i = 1 s⋃ j = 1 (Si + Tj), com diam(Si + Tj) < ε+ δ. Logo, ficamos com α(B1 + B2) < ε + δ, de modo que α(B1 + B2) ⩽ α(B1) + α(B2), como queríamos. (2) Seja x ∈ E. Do item (1), temos α(B + x) ⩽ α(B) + α({x}) = α(B), bem como α(B) = α((B + x) + (−x)) ⩽ α(B + x) + α({−x}) = α(B + x). Portanto, temos α(B + x) ⩽ α(B) e α(B) ⩽ α(B + x), de modo que α(B + x) = α(B), finalizando a demonstração de (2). (3) Para λ = 0, claramente a igualdade desejada é verdadeira. Medida de Kuratowski de não-compacidade de operadores 26 Suponhamos, então, λ ̸= 0, seja dado ε > 0, e consideremos Si ⊂ E, para 1 ⩽ i ⩽ r, tais que diam(Si) < ε e B ⊂ r⋃ i = 1 Si. Então, temos, para todo λ ∈ K, que λB ⊂ r⋃ i = 1 λSi e diam(λSi) = |λ| diam(Si), resultando em α(λB) ⩽ |λ|α(B). Por outro lado, como λ é não-nulo, temos α(B) = α(λ− 1(λB)) ⩽ ∣∣∣λ− 1 ∣∣∣α(λB), ou seja, |λ|α(B) ⩽ α(λB). Dessas desigualdades, concluímos que α(λB) = |λ|α(B), como desejado, finalizando a demonstração da proposição. Verifica-se, também, que α(B) = α (co(B)), ou seja, a α-medida de não-compacidade é invariante mediante passagem a envoltória convexa (ver [2], Lemma 5.7, página 152). Terminado este exórdio sobre a medida de Kuratowski em espaços métricos e normados, nosso próximo passo é traduzir este conceito para operadores em espaços de Banach. 2.4 Medida de Kuratowski de não-compacidade de operadores Nesta seção, trataremos da medida de não-compacidade para operadores em espaços de Banach, e exploraremos suas principais propriedades, além de definirmos os conceitos de operadores contrativos e condensantes. Sejam, pois então, espaços de Banach E e F , e medidas de não-compacidade µ1 e µ2 definidas em ME e MF , em que ME e MF representam as classes de conjuntos limitados em E e F , respectivamente. Definição 2.36 (Operadores contrativos e condensantes). Seja L : E −→ F um operador entre E e F (não-necessariamente linear). Dizemos que: 1. L é (µ1, µ2)-contrativo, com constante k > 0 (ou simplesmente k-(µ1, µ2)-contrativo) se L é contínuo e µ2(L(B)) ⩽ k µ1(B), para cada B ∈ ME. Em particular, se E = F e µ1 = µ2 = µ, dizemos que L é k-µ-contrativo ou, simplesmente, que L é uma µ-contração. Dizemos, também, que L : E −→ F é k-(µ1, µ2)-contrativo quando leva conjuntos limitados de E em conjuntos limitados de F . 2. L é (µ1, µ2)-condensante, com constante k > 0 (ou simplesmente k-(µ1, µ2)-condensante) se L é contínuo e µ2(L(B)) < k µ1(B), para cada B ∈ ME relativamente compacto. Em particular, se E = F e µ1 = µ2 = µ, dizemos que L é k-µ-condensante. Mais ainda, se k = 1, então dizemos que L é µ-condensante. Definição 2.37 (Medida de não-compacidade de um operador L). Se o operador L : E −→ F é (µ1, µ2)-contrativo, o número α(L) := inf {k > 0: µ2(L(B)) ⩽ k µ1(B), para todo B ∈ ME} é chamado de (µ1, µ2)-medida de não-compacidade de L. Se E = F e µ1 = µ2 = µ, dizemos que α(L) é a α-medida de não-compacidade de L, ou simplesmente medida de não-compacidade de L. Medida de Kuratowski de não-compacidade de operadores 27 Para o resultado a seguir, diremos que o operador L : E −→ F (novamente, não- necessariamente linear) é compacto se leva subconjuntos limitados de E em subconjuntos relativamente compactos de F (nos moldes da Definição 2.16, porém num possível caso não-linear). Proposição 2.38. Se L : E −→ F é contínuo e (µ1, µ2)-contrativo, então: 1. L é compacto se, e somente se, α(L) = 0; 2. Se L é linear, então α(L) ⩽ ∥L∥. Demonstração: (1) Seja B ∈ ME. Como L é compacto, então, mediante a definição anterior, temos que L(B) ⊂ F é relativamente compacto. Assim, segue, pela Proposição 2.30, que µ2(L(B)) = 0, de modo que, para todo k > 0, k µ1(B) ⩾ 0, que é equivalente a afirmar que α(L) = 0. Reciprocamente, como α(L) = 0, então, para todo n ∈ N, existe k > 0, com k < 1/n, tal que µ2(L(B)) ⩽ k µ1(B) < (1/n)µ1(B), com B ∈ ME. Fazendo n −→ ∞, obtemos µ2(L(B)) = 0, de maneira que, pela Proposição 2.30, L(B) é compacto, finalizando a demonstração. (2) Suponhamos L linear e seja B ∈ ME; tomemos ε > 0 tal que existam Si ⊂ E limitados, com diam(Si) < ε, para todo 1 ⩽ i ⩽ r, tais que B ⊂ r⋃ i = 1 Si. Então, temos L(B) ⊂ r⋃ i = 1 L(Si), com diam(L(Si)) < ∥L∥ ε, que nos dá µ2(L(B)) ⩽ ∥L∥ ε. Observando que µ2(L(B))/ ∥L∥ é uma cota inferior para o conjunto{ ε > 0: existem Si ⊂ E, 1 ⩽ i ⩽ r, com diam(Si) < ε, tais que B ⊂ r⋃ i = 1 Si } , ficamos com µ2(L(B)) ⩽ ∥L∥µ1(B). Dessa última desigualdade, concluímos que α(L) ⩽ ∥L∥, como queríamos. Para operadores L ∈ L (E), será de fundamental importância a Fórmula de Nuss- baum, que relaciona o raio do espectro essencial com sua medida de não-compacidade. Exploraremos essa ideia na próxima seção, em nosso tratamento da teoria dos Operadores Semi-Fredholm. Finalizamos nossa exposição sobre a medida de não-compacidade de operadores com dois lemas técnicos, que serão utilizados na demonstração do resultado principal que almejamos neste trabalho. Antes, porém, é necessário que introduzamos algumas notações pertinentes. Consideremos o espaço C ([a, b], E), das funções contínuas f : [a, b] −→ E, na usual norma da convergência uniforme ∥f∥∞ = sup a⩽ t⩽ b ∥f(t)∥, para toda f ∈ C ([a, b], E). Para um subconjunto limitado H ⊂ C ([a, b], E), e para t ∈ [a, b], escrevemos ω(δ; t, H) := sup {∥g(τ) − g(s)∥ : τ, s ∈ [t− δ, t+ δ], g ∈ H} , ω(t, H) := inf δ > 0 ω(δ; t, H) = lim δ −→ 0+ ω(δ; t, H), ω(H) = sup a⩽ t⩽ b ω(t, H). Medida de Kuratowski de não-compacidade de operadores 28 Se H é uniformemente equicontínuo, ou seja, se, para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que, para toda função g ∈ H e x, y ∈ [a, b], se tem ∥g(x) − g(y)∥ < ε desde que |x− y| < δ, então ω(H) = 0. Para δ > 0 e t ∈ [a, b], colocamos α(t, δ; H) = α(H | [t− δ, t+ δ]), em que3 H | [t− δ, t+ δ] = { g|[t − δ, t + δ] ∈ C ([t− δ, t+ δ], E) : g ∈ H } , e definimos α(t; H) = inf δ > 0 α(t, δ; H) = lim δ −→ 0+ α(t, δ; H). Lema 2.39. Sejam H ⊂ C ([a, b], E) limitado e α(t; H) estabelecido como acima. Então, α(H) = sup a⩽ t⩽ b α(t; H). Demonstração: Ver [16], Lemma 1, página 601. Seja (T (t))t⩾ 0 ⊂ L (E) um C0-semigrupo. Para u ∈ C ([a, b], E), definimos (T ∗ u)(t) := ∫ t a T (t− s)u(s) ds, t ∈ [a, b], (2.1) em que a integral (2.1) deve ser entendida no sentido de Bochner. Para um subconjunto U ⊂ C ([a, b], E), definimos T ∗ U := {T ∗ u : u ∈ U }. À luz dessas definições, são válidos: Lema 2.40. Sejam U ⊂ C ([a, b], E) limitado e (T (t))t⩾ 0 um C0-semigrupo em E. Então, 1 2γT ω(t, T ∗ U ) ⩽ sup a⩽ τ ⩽ t α(T ∗ U (τ)) ⩽ α ((T ∗ U | [a, t])) ⩽ γT sup a⩽ τ ⩽ t α ((T ∗ U )(τ)) , (2.2) para todo t ∈ [a, b], em que γT = lim sup t −→ 0+ ∥T (t)∥. Em particular, se (T (t))t⩾ 0 é um C0-semigrupo de contrações em E, então α ((T ∗ U | [a, t])) = sup a⩽ τ ⩽ t α ((T ∗ U )(τ)) . (2.3) Demonstração: Como U é um subconjunto limitado de C ([a, b], E), existe L > 0 para o qual ∥f∥∞ < L, para toda f ∈ U . Coloquemos K := T ∗ U . Para todos ε > 0 e t ∈ (a, b], com t− ε > a, existem subconjuntos Ki(t− ε) ⊂ K(t− ε), 1 ⩽ i ⩽ m, em que K(t− ε) = {(T ∗ u)(t− ε) : u ∈ U }, para os quais diam(Ki(t− ε)) < α(K(t− ε)) + ε/6, 1 ⩽ i ⩽ m, e K(t− ε) ⊂ m⋃ i = 1 Ki(t− ε). (2.4) Colocando Ki | [t− ε, t+ ε] = { T ∗ h|[t − ε, t + ε] ∈ K | [t− ε, t+ ε] : T ∗ h(t− ε) ∈ Ki(t− ε) } , 3 Mais geralmente, dado um subconjunto H ⊂ C ([a, b], E), bem como K ⊆ [a, b], escrevemos H | K para denotar { f|K ∈ C(K, E) : f ∈ H } . Medida de Kuratowski de não-compacidade de operadores 29 segue que K | [t− ε, t+ ε] = m⋃ i = 1 Ki | [t− ε, t+ ε]. Provaremos, agora, a primeira desigualdade em (2.2). Para qualquer T ∗ f ∈ K, existe j ∈ {1, 2, . . . , m} tal que T ∗ f |[t − ε, t + ε] ∈ Kj | [t− ε, t+ ε]. Seja, também, T ∗ g de modo que T ∗ g|[t − ε, t + ε] ∈ Kj | [t− ε, t+ ε]. Dado que T ∗ g é uniformemente contínua em [a, b], existe δ̂ > 0 tal que ∥T ∗ g(τ) − T ∗ g(s)∥ < ε/3 sempre que |τ − s| < δ̂. Logo, tomando δ > 0, com δ < min { ε, δ̂/2 } , para τ, s ∈ [t − δ, t + δ], temos ∥T ∗ f(τ) − T ∗ f(s)∥ ⩽ ∥T ∗ g(τ) − T ∗ f(τ)∥ + ∥T ∗ g(s) − T ∗ f(s)∥ + ε/3. (2.5) Para estimarmos o primeiro termo do segundo membro da desigualdade (2.5) acima, prosseguimos da seguinte maneira. Se C = sup 0⩽ s⩽ b − a ∥T (s)∥, então ∥T ∗ g(τ) − T ∗ f(τ)∥ = ∥∥∥∥∫ τ a T (τ − s) g(s) ds− ∫ τ a T (τ − s) f(s) ds ∥∥∥∥ ⩽ ∥∥∥∥∫ t − ε a T (τ − s) g(s) ds− ∫ t − ε a T (τ − s) f(s) ds ∥∥∥∥ + ∥∥∥∥∫ τ t − ε T (τ − s) g(s) ds− ∫ τ t − ε T (τ − s) f(s) ds ∥∥∥∥ , (2.6) em que utilizamos a aditividade da integral, ∫ τ a = ∫ t − ε a + ∫ τ t − ε . Para a primeira norma da desigualdade acima, fazemos∥∥∥∥∫ t − ε a T (τ − s) g(s) ds− ∫ t − ε a T (τ − s) f(s) ds ∥∥∥∥ = ∥∥∥∥∫ t − ε a T (τ − t+ ε)T (t− ε− s) g(s) ds− ∫ t − ε a T (τ − t+ ε)T (t− ε− s) f(s) ds ∥∥∥∥ ⩽ ∥T (τ − t+ ε)∥ ∥∥∥∥∫ t − ε a T (t− ε− s) g(s) ds− ∫ t − ε a T (t− ε− s) f(s) ds ∥∥∥∥ . (2.7) Para a segunda,∥∥∥∥∫ τ t − ε T (τ − s) g(s) ds− ∫ τ t − ε T (τ − s) f(s) ds ∥∥∥∥ = ∥∥∥∥∫ τ t − ε T (τ − s)(g(s) − f(s)) ds ∥∥∥∥ ⩽ ∫ τ t − ε ∥T (τ − s)∥ ∥g(s) − f(s)∥ ds ⩽ C ∫ τ t − ε ∥g(s) − f(s)∥ ds ⩽ 2CL (τ − t+ ε), (2.8) de modo que ∥T ∗ g(τ) − T ∗ f(τ)∥ ⩽ ∥T (τ − t+ ε)∥ ∥∥∥∥∫ t − ε a T (t− ε− s) g(s) ds− ∫ t − ε a T (t− ε− s) f(s) ds ∥∥∥∥ + 2CL (τ − t+ ε) ⩽ sup 0⩽ γ ⩽ ε1 ∥T (γ)∥ ∥T ∗ g(t− ε) − T ∗ f(t− ε)∥ + 2CLε1, (2.9) Medida de Kuratowski de não-compacidade de operadores 30 em que ε1 = ε+ δ. Como o segundo termo da desigualdade (2.5) pode ser estimado de maneira análoga, podemos reescrevê-la como ∥T ∗ f(τ) − T ∗ f(s)∥ ⩽ 2 sup 0⩽ γ ⩽ ε1 ∥T (γ)∥ ∥T ∗ g(t− ε) − T ∗ f(t− ε)∥ + 4CLε1 + ε/3. (2.10) Por (2.4) e pelo fato de δ < ε, temos, uma vez que ε1 = ε+ δ < ε+ ε = 2ε, ∥T ∗ f(τ) − T ∗ f(s)∥ ⩽ 2 sup 0⩽ γ ⩽ 2ε ∥T (γ)∥ diam(Kj(t− ε)) + 4CLε1 + ε/3 ⩽ 2 sup 0⩽ γ ⩽ 2ε ∥T (γ)∥ sup a⩽ τ ⩽ t α(K(τ)) + 8CLε+ ε/2, de maneira que ω(δ; t, K) ⩽ 2 sup 0⩽ γ ⩽ 2ε ∥T (γ)∥ sup a⩽ τ ⩽ t α(K(τ)) + 8CLε+ ε/2. Fazendo ε −→ 0+ em ambos os membros da desigualdade acima, ficamos com ω(t, K) ⩽ 2γT sup a⩽ τ ⩽ t α(K(τ)), como desejado. A seguir, estabeleceremos a desigualdade do meio em (2.2). Notemos que, dados t ∈ [a, b] e ε > 0 tal que existam Wi ⊂ C ([a, t], E), 1 ⩽ i ⩽ m, com diam(Wi) < ε e T ∗ U | [a, t] ⊂ m⋃ i = 1 Wi, tomando Wi(τ) = {h(τ) : h ∈ Wi} ⊂ E, para τ ∈ [a, t], obtemos T ∗ U (τ) ⊂ m⋃ i = 1 Wi(τ). Além disso, como a norma em C ([a, t], E) é a da convergência uniforme, ficamos com diam(Wi(τ)) = sup {∥f(τ) − g(τ)∥ : f, g ∈ Wi} ⩽ sup {∥f − g∥∞ : f, g ∈ Wi} = diam(Wi) < ε, 1 ⩽ i ⩽ m. Desse modo, α (T ∗ U (τ)) ⩽ ε, qualquer que seja ε > 0. Isso implica que α (T ∗ U (τ)) ⩽ α (T ∗ U | [a, t]) , para todo τ ∈ [a, t] e, portanto, temos sup a⩽ τ ⩽ t α (T ∗ U (τ)) ⩽ α (T ∗ U | [a, t]) , como queríamos. Por fim, estabeleceremos a terceira desigualdade em (2.2). Em vista das desigualdades (2.14) a (2.17), segue, para todos T ∗ f |[t − ε, t + ε], T ∗ h|[t − ε, t + ε] ∈ Ki | [t− ε, t+ ε], que sup {∥T ∗ f(s) − T ∗ h(s)∥ : t− ε ⩽ s ⩽ t+ ε} = ∥T ∗ f(τ) − T ∗ h(τ)∥ , para algum τ ∈ [t− ε, t+ ε] ⩽ sup 0⩽ γ ⩽ ε1 ∥T (γ)∥ ∥T ∗ g(t− ε) − T ∗ f(t− ε)∥ + 2CLε1 O espaço de fase B 31 de tal modo que α(t, ε; K) = α (K | [t− ε, t+ ε]) = α ( m⋃ i = 1 Ki | [t− ε, t+ ε] ) = max 1⩽ i⩽m α (Ki | [t− ε, t+ ε]) ⩽ diam(Ki | [t− ε, t+ ε]) ⩽ sup 0⩽ t⩽ 2ε ∥T (τ)∥ sup a⩽ s⩽ t α(K(s)) + 4CLε+ ε/6, donde podemos concluir que α(t, K) ⩽ γT sup a⩽ s⩽ t α(K(s)). Pelo Lema 2.39, obtemos α (K | [a, t]) = sup a⩽ τ ⩽ t α(τ, K) ⩽ γT sup a⩽ τ ⩽ t α(K(τ)), como queríamos. Se T (t) é um C0-semigrupo de contrações em E, então temos que ∥T (t)∥ ⩽ 1, para todo t ⩾ 0, de forma que γT ⩽ 1 e, pela desigualdade (2.2), segue que γT = 1, finalizando a demonstração. Lema 2.41. Seja W = (xn)n ∈N uma família enumerável de funções fortemente mensuráveis xn : [a, b] −→ E, para todo n ∈ N. Assuma que exista uma função µ = µ(t), integrável em [a, b], tal que ∥xn(t)∥ ⩽ µ(t) quase sempre em [a, b]. Então, α(W (t)) é integrável em [a, b] e α ({∫ b a xn(t) dt : n ∈ N }) ⩽ 2 ∫ b a α(W (t)) dt. Demonstração: Ver [9], Theorem 2.1, página 1357. 2.5 O espaço de fase B Como mencionado na seção de introdução, estamos lidando, neste trabalho, com a equação de retardo infinito dx dt = Ax(t) +B(t, xt) + F (t). (L) Consideremos a > 0. De posse da função x, a função xt : (− ∞, 0] −→ E, para cada t ∈ [0, a), é definida por xt(θ) := x(t+ θ), para todo θ ∈ (− ∞, 0]. Descreveremos, nessa seção, de maneira axiomática, o espaço B, sobre o qual será feita a análise a respeito da equação (L), que tem como elementos as funções xt, para cada t ∈ [0, a). Mediante isso, B será denominado de espaço de fase associado a equação (L). Definição 2.42 (Espaço de fase). Seja (B, ∥ · ∥B) um espaço normado, cujos elementos são funções ψ : (− ∞, 0] −→ E, que satisfazem os seguintes axiomas introduzidos por Hale e Kato em [8]: O espaço de fase B 32 (B1). Se uma função x : (− ∞, σ + a) −→ E é contínua em [σ, σ + a] e xσ ∈ B, então 1. xt ∈ B, para todo t ∈ [σ, σ + a], e a função t 7−→ xt é contínua em [σ, σ + a]; 2. H− 1 ∥x(t)∥ ⩽ ∥xt∥B ⩽ K(t − σ) sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ + M(t − σ) ∥xσ∥B, para todo t ∈ [σ, σ+a), em que H > 0 é constante, K : [0, + ∞) −→ [0, + ∞) é contínua, M : [0, + ∞) −→ [0, + ∞) é mensurável, localmente limitada, e H e M ambas independem de x. (B2). B é completo. Qualquer espaço B satisfazendo os axiomas acima será chamado de espaço de fase associado a equação (L), e os elementos de B serão chamados de histórias. Em consonância com a Definição 2.42, a função t ∈ [σ, σ+a] 7−→ xt ∈ B é chamada de história associada a função x até o instante t. Assumimos, além disso, que a equação (L) sempre satisfaz as seguintes condições: (H1). A : D(A) ⊂ E −→ E é o gerador infinitesimal de um C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0 em E; (H2). B : R × B −→ E é contínua e, para cada t ∈ R, B(t, · ) : B −→ E é linear; (H3). F : R −→ E é contínua. Se B( ·, ψ) e F ( · ) na equação (L) são funções periódicas, com período ω > 0, denotamos a equação (L) por (Pω L). Se F ≡ 0, denotamos as equações (L) e (Pω L) por (L0) e (Pω L0), respectivamente. Vários espaços de funções podem assumir o papel de B, como, por exemplo, BC = {ϕ ∈ C ((− ∞, 0], E) : ∥ϕ(θ)∥ é limitada em (− ∞, 0]} ; BU = {ϕ ∈ BC : ϕ é uniformemente contínua em (− ∞, 0]} ; C00 = {ϕ ∈ BC : ϕ possui suporte compacto} ; C00 = { ϕ ∈ BC : lim θ −→ − ∞ ϕ(θ) ∈ E } ; C0 = { ϕ ∈ BC : lim θ −→ − ∞ ϕ(θ) = 0 } , estando, todos esses, munidos da norma ∥ϕ∥B = ∥ϕ∥∞ = sup θ ⩽ 0 ∥ϕ(θ)∥. Além disso, considerando um espaço de fase abstrato B qualquer, vemos que C00 ⊂ B, vide o axioma (B1)(1) da Definição 2.42. Agora, sob um axioma adicional (C), que será exposto a seguir, temos que o espaço BC está contido em B. Na realidade, na presença de (C), BC está topologicamente mergulhado4 em B (BC ↪→ B): (C). Se uma sequência uniformemente limitada (ϕn) em C00 converge uniforme- mente, em todo subconjunto compacto de (− ∞, 0], para uma função ϕ, então ϕ ∈ B e lim n −→ ∞ ∥ϕn − ϕ∥B = 0. 4 Recordemos que, se X e Y são espaços topológicos, um mergulho de X em Y é uma aplicação contínua e injetiva φ : X −→ Y tal que φ é um homeomorfismo sobre sua imagem Im(φ) ⊂ Y ; se existe tal φ, escrevemos X ↪→ Y . O espaço de fase B 33 Lema 2.43. Se o espaço de fase B satisfaz o axioma C, então BC ⊂ B e existe uma constante J > 0 tal que ∥ϕ∥B ⩽ J ∥ϕ∥∞, para toda função ϕ ∈ BC. Demonstração: Ver [11], Proposition 1.1, página 187. Uma vez verificado que BC ⊂ B, o Lema 2.43 estabelece que a inclusão ι : BC ↪→ B é contínua. Agora, para cada b ∈ E, definamos a aplicação constante b(θ) = b, para θ ∈ (− ∞, 0], de modo que ∥∥∥b∥∥∥ B ⩽ J ∥b∥, pelo Lema 2.43. Para t ⩾ 0, definamos operadores S(t) : B −→ B, no espaço de fase B, da seguinte forma: (S(t)ϕ)(θ) := ϕ(0), − t ⩽ θ ⩽ 0, ϕ(t+ θ), θ ⩽ − t. Seja S0(t) a restrição de S(t) a B0 := {ϕ ∈ B : ϕ(0) = 0}. Se a função x : R −→ E é contínua em [σ, + ∞) e xσ ∈ B, consideramos a função y : R −→ E tal que y(t) = x(t), t ⩾ σ, x(σ), t ⩽ σ. Note que, para cada t ⩾ σ, yt ∈ BC e, assim, do Lema 2.43, yt ∈ B, para todo t ⩾ σ, e podemos decompor xt como segue: xt = yt + S0(t− σ)(xσ − x(σ)), t ∈ [0, + ∞). (2.11) De fato, fixado t ∈ [0, + ∞) e tomando θ ∈ (− ∞, 0], temos dois casos a analisar: 1. Se t+ θ ⩾ σ, então t ⩾ σ e θ ⩾ σ − t = − (t− σ). Desse modo, yt(θ) + [S0(t− σ)(xσ − x(σ))](θ) = y(t+ θ) + [S0(t− σ)(xσ − x(σ))](θ) = x(t+ θ) + [xσ − x(σ)](0) = xt(θ) + (xσ(0) − xσ(0)) = xt(θ). 2. Se t+ θ ⩽ σ, então θ ⩽ σ − t = − (t− σ) e, assim, yt(θ) + [S0(t− σ)(xσ − x(σ))](θ) = y(t+ θ) + [S0(t− σ)(xσ − x(σ))](θ) = x(σ) + [xσ − x(σ)](t− σ + θ) = x(σ) + xσ(t− σ + θ) − x(σ) = x(σ + t− σ + θ) = x(t+ θ) = xt(θ). Portanto, vale a igualdade (2.11). Ainda pelo Lema 2.43, temos ∥xt∥B − ∥∥∥S0(t− σ)(xσ − x(σ)) ∥∥∥ B ⩽ ∥yt∥B ⩽ J ∥yt∥∞ = J sup θ ⩽ 0 ∥y(t+ θ)∥ = J sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ , ou, ainda, ∥xt∥B ⩽ J sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ + ∥∥∥S0(t− σ)(xσ − x(σ)) ∥∥∥ B . (2.12) O espaço de fase B 34 Se o espaço de fase B também satisfaz o axioma (C) e S0(t)(ϕ) −→ 0, a medida que t −→ ∞, para cada ϕ ∈ B0, dizemos que B é um espaço de memória amortecida (fading memory space – FMS). Se B é um FMS, então, pelo Princípio da Limitação Uniforme (Teorema A.2), ∥S0(t)∥ é limitada para t ⩾ 0, e ∥xt∥B ⩽ J sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ +M ∥xσ∥B , (2.13) em que M = (1 +HJ) sup t⩾ 0 ∥S0(t)∥. Com efeito, da desigualdade (2.12), temos que ∥xt∥B ⩽ J sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ + ∥∥∥S0(t− σ)(xσ − x(σ)) ∥∥∥ B ⩽ J sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ + ∥S0(t− σ)∥ ∥∥∥xσ − x(σ) ∥∥∥ B ⩽ J sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ + sup t⩾ 0 ∥S0(t)∥ ( ∥xσ∥B + ∥∥∥x(σ) ∥∥∥ B ) ⩽ J sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ + sup t⩾ 0 ∥S0(t)∥ ( ∥xσ∥B + J ∥∥∥x(σ) ∥∥∥ ∞ ) ⩽ J sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ + sup t⩾ 0 ∥S0(t)∥ (∥xσ∥B + J ∥x(σ)∥∞) ⩽ J sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ + sup t⩾ 0 ∥S0(t)∥ (∥xσ∥B + JH ∥xσ∥B) = J sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ +M ∥xσ∥B , com M = (1 +HJ) sup t⩾ 0 ∥S0(t)∥. Posto isso, estamos em condição para estabelecer o último resultado da seção. Faremos, para tanto, uso das seguintes notações: se X é um conjunto de funções x : (− ∞, σ + a) −→ E, em que 0 < a ⩽ ∞, tal que, para todo σ ∈ (− ∞, σ + a), xσ ∈ B e x é contínua em [σ, σ + a], então X (t) = {x(t) ∈ E : x ∈ X } , Xt = {xt ∈ B : x ∈ X , t ∈ [σ, σ + a]} , X | [c, d] = { x|[c, d] ∈ C ([c, d], E) : x ∈ X } , em que σ ⩽ c ⩽ d < σ + a. Lema 2.44. Seja t ⩾ σ. Se Xσ e X | [σ, t] são limitadas em B e C ([σ, t], E), respecti- vamente, então: 1. H− 1 α(X (t)) ⩽ α(Xt) ⩽ K(t− σ)α(X | [σ, t]) +M(t− σ)α(Xσ); 2. Se o espaço de fase B satisfaz o axioma (C), então, estando J nos conformes do Lema 2.43, α(Xt) ⩽ Jα(X | [σ, t]) + (1 +HJ)α(S0(t− σ))α(Xσ). Demonstração: O item (1) segue da definição da α-medida e do axioma (B1). Para a demonstração completa, ver [21], Theorem 2.1, página 21. 2. Pela decomposição xt = yt + S0(t− σ)(xσ − x(σ)) em (2.11), bem como pela estimativa (2.12), isto é, ∥xt∥B ⩽ J sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥ + ∥∥∥S0(t− σ)(xσ − x(σ)) ∥∥∥ B , (2.12) Operadores semi-Fredholm 35 temos, pelo Lema 2.43, que α(Xt) ⩽ α({yt ∈ B : x ∈ X }) + α ({ S0(t− σ)(xσ − x(σ)) : x ∈ X }) (2.14) ⩽ Jα(X | [σ, t]) + α ({ S0(t− σ)(xσ − x(σ)) : x ∈ X }) (2.15) ⩽ Jα(X | [σ, t]) + α (S0(t− σ)) (α(Xσ) + Jα(X (σ))) (2.16) ⩽ Jα(X | [σ, t]) + (1 +HJ)α(S0(t− σ))α(Xσ), (2.17) como queríamos. 2.6 Operadores semi-Fredholm A ideia principal por trás deste texto é empregar a teoria de perturbação dos chamados operadores semi-Fredholm para que possamos demonstrar a existência de ponto fixo para uma determinada aplicação linear afim. Grosso modo, a teoria de perturbação, de maneira geral, consiste em, dado um determinado problema, obter soluções aproximadas deste por intermédio de problemas correlatos mais simples. Para tanto, esta seção será dedicada ao estudo, direcionado para nossos fins, dos operadores de Fredholm e Semi-Fredholm. Os resultados desta seção podem ser encontrados em [20, 23]. Fixemos, portanto, espaços de Banach complexos E e F , e seja T ∈ L (E, F ). Definição 2.45 (Operador de Fredholm). Dizemos que o operador T é de Fredholm se Ker(T ) e Coker(T ) = F/Im(T ) possuem dimensão finita e Im(T ) é fechado em F . Pode-se verificar que a condição de que Im(T ) é fechado em F é, na verdade, redundante, visto que é consequência do fato de Coker(T ) = F/Im(T ) possuir dimensão finita. Com efeito, podemos supor, sem perda de generalidade, que T é injetivo, visto que, caso contrário, basta substituirmos T pela aplicação induzida do quociente5 E/Ker(T ), em vista do Teorema do isomorfismo: E/Ker(T ) ∼= Im(T ). Seja C um subespaço complementar fechado de Im(T ) (isto é, tal que F = Im(T ) ⊕C) (para a existência de C, ver [23], Theorem 11.2, página 43), e definamos S : E × C −→ F tal que S(x, c) := T (x) + c, para todos x ∈ E e c ∈ C. Vemos que S é um isomorfismo linear limitado, logo, pelo Teorema de Banach da aplicação inversa (Corolário A.5), S é um isomorfismo topológico. Assim sendo, Im(T ) = S(E × {0}) é fechado. Definição 2.46 (Operador Semi-Fredholm). Dizemos que o operador T é semi- Fredholm se Ker(T ) possui dimensão finita e Im(T ) é fechado em F . Vemos que um operador semi-Fredholm T é de Fredholm se, e somente se, Coker(T ) possui dimensão finita, bem como todo operador de Fredholm é semi-Fredholm. Denotemos por Φ+(E, F ) o conjunto de todos os operadores semi-Fredholm entre E e F , e coloquemos Φ+(E) = Φ+(E, E). 5 Para mais detalhes, ver a discussão sobre operadores com imagem fechada da referência [23], página 216. Operadores semi-Fredholm 36 Se T é um operador de Fredholm, definimos seu índice, Ind(T ), como sendo a diferença dim(Ker(T )) − dim(Coker(T )) ∈ Z. Se T é semi-Fredholm, definimos Ind(T ) :=  dim(Ker(T )) − dim(Coker(T )), se dim(Ker(T )), dim(Coker(T )) < ∞, + ∞, se dim(Ker(T )) = ∞, − ∞, se dim(Coker(T )) = ∞. Exemplo 2.47. Consideremos o espaço ℓ2, das sequências (xn) = (x1, x2, . . . ) tais que ∞∑ n = 1 |xn|2 < ∞. Nesse, seja o operador S : ℓ2 −→ ℓ2, denominado shift unilateral a direita, tal que S(x1, x2, . . . ) = (0, x1, x2, . . . ). Temos que S é um operador de Fredholm e, por conseguinte, semi-Fredholm. De fato, o núcleo de S é trivial, pois S é injetivo. Agora, como Coker(S) = ℓ2/Im(S), vemos que a classe [x] ∈ Coker(S), de um elemento x = (x1, x2, . . . ) ∈ ℓ2, é formada pelas sequências y = (y1, y2, . . . ) ∈ ℓ2 que possuem primeiro termo igual a x1. Logo, y = (x1, y2, . . . ) = (x1, 0, . . . ) + (0, y2, . . . ) e [y] = [(x1, 0, . . . )], o que nos permite concluir que Coker(S) é gerado pelo elemento (1, 0, . . . ); dim(Coker(S)) = 1, portanto. O índice de Fredholm de S, então, é igual a Ind(S) = 0 − 1 = − 1. Um raciocínio análogo pode ser empregado para verificar que o operador de shift a esquerda S∗ : ℓ2 −→ ℓ2, tal que S∗(x1, x2, . . . ) = (x2, x3, . . . ) é de Fredholm, com índice Ind(S∗) = 1. De fato, o núcleo de S∗ é unidimensional e S∗ é sobrejetivo. É evidente que, se T ∈ L (E, F ) é um isomorfismo, então Ind(T ) = 0. Do mesmo modo, se E e F possuem dimensão finita, qualquer T : E −→ F linear é Fredholm, com índice igual a Ind(T ) = dim(E) − dim(F ), em decorrência do teorema do núcleo e imagem. Os operadores semi-Fredholm possuem vantajosas propriedades no que tange a teoria de perturbação, como veremos a seguir. Todavia, para que possamos estabelecer aquelas que nos serão de maior utilidade, é necessário que olhemos para alguns resultados intermediários. O próximo teorema, também clássico, fornece condições necessárias e suficientes para que um operador linear T : E −→ F fechado possua imagem fechada em F : Teorema 2.48. Se T : E −→ F é um operador linear fechado, então Im(T ) é fechado em F se, e somente se, existe C > 0 para o qual d(x, Ker(T )) ⩽ C ∥T (x)∥, para todo x ∈ E, em que d(x, Ker(T )) = inf n ∈ Ker(T ) ∥x− n∥ denota a distância de x ∈ E até Ker(T ). Demonstração: Ver [20], Theorem 3.14, página 68. Observemos que, se T : E −→ F é injetivo, então a desigualdade apresentada acima reduz-se a ∥x∥ ⩽ C ∥T (x)∥, para todo x ∈ E. Lema 2.49. Consideremos T ∈ L (E, F ) tal que dim (Ker(T )) < ∞. Sejam X0 um subespaço fechado de E tal que E = X0 ⊕ Ker(T ) e P linear tal que P = I em Ker(T ) e P = 0 em X0. Então, temos que Im(T ) é fechado em F se, e somente se, existe C > 0 para o qual ∥(I − P )(x)∥ ⩽ C ∥T (x)∥, para todo x ∈ E. Operadores semi-Fredholm 37 Demonstração: Se Im(T ) é fechada em F , então a restrição de T a X0 é injetiva e possui imagem fechada6. Então, pelo Teorema 2.48, existe C > 0 tal que ∥x∥ ⩽ C ∥T (x)∥, para todo x ∈ X0. Mas, para todo x ∈ E, temos que (I − P )(x) ∈ X0, pois (I − P )(x0 + n) = x0, para todos x0 ∈ X0 e n ∈ Ker(T ), bem como T (I − P )(x) = T (x), de maneira que ∥(I − P )(x)∥ ⩽ C ∥T (I − P )(x)∥ = C ∥T (x)∥ , para todo x ∈ E. Reciprocamente, se y ∈ F é tal que T (xn) −→ y, com xn ∈ E, para todo n ∈ N, então (T (xn)) é de Cauchy em F ; como ∥(I − P )(xn)∥ ⩽ C ∥T (xn)∥, então ((I − P )(xn)) é de Cauchy em E, de modo a existir x ∈ E tal que ((I − P )(xn)) −→ x. Então, T (I − P )(xn) −→ T (x), porém, como T (I − P )(xn) = T (xn) −→ y, temos T (x) = y ∈ Im(T ), de maneira que Im(T ) é fechado em F , como queríamos. Do Lema 2.49, temos, para T ∈ Φ+(E, F ), que ∥x∥ ⩽ C ∥T (x)∥ + ∥P (x)∥. Colocando ∥x∥∗ := ∥P (x)∥, para todo x ∈ E, segue que ∥ · ∥∗ define uma semi-norma em E (pois ∥P (x)∥ = 0 implica que x ∈ X0, não sendo, necessariamente verdade, que x = 0). A semi-norma ∥ · ∥∗ apresenta a seguinte propriedade: se (xn) é uma sequência limitada de elementos de E, então (xn) admite uma subsequência de Cauchy (relativamente a ∥ · ∥∗), como consequência da compacidade do operador P (Proposição 2.18). Diremos, por essa razão, que a semi-norma ∥ · ∥∗ é relativamente compacta a norma ∥ · ∥ de E. À luz disso, o Lema 2.49 pode ser parafraseado da seguinte maneira: Se T ∈ Φ+(E, F ), então existe uma semi-norma ∥ · ∥∗, relativamente compacta a norma ∥ · ∥ de E, tal que ∥x∥ ⩽ C ∥T (x)∥ + ∥x∥∗, para todo x ∈ E, para algum C > 0. A recíproca do resultado mencionado anteriormente também é válida: Teorema 2.50. Se T ∈ L (E, F ), então T ∈ Φ+(E, F ) se, e somente se, existe uma semi- norma ∥ · ∥∗, relativamente compacta a norma ∥ · ∥ de E, tal que ∥x∥ ⩽ C ∥T (x)∥ + ∥x∥∗, para todo x ∈ E e para algum C > 0. Demonstração: A condição necessária é equivalente ao Lema 2.49, e a condição suficiente pode ser encontrada em [20], Theorem 5.21, página 118. Proposição 2.51. Se T ∈ Φ+(E, F ) é um operador semi-Fredholm, então: 1. T +K ∈ Φ+(E, F ), para qualquer K ∈ K(E, F ); 2. Existe uma constante real positiva η > 0 para a qual, se S ∈ L (E, F ) é tal que ∥S∥ < η, então T + S ∈ ϕ+(E, F ) e dim(Ker(T + S)) ⩽ dim(Ker(T )). Demonstração: (1) Como T ∈ Φ+(E, F ), temos, pelo Teorema 2.50, que ∥x∥ ⩽ C ∥T (x)∥ + ∥x∥∗ ⩽ C ∥(T +K)(x) −K(x)∥ + ∥x∥∗ ⩽ C ∥(T +K)(x)∥ + C ∥K(x)∥ + ∥x∥∗ . 6 Como E = X0 ⊕ Ker(T ), então a restrição de T a X0, T̃ , é tal que T̃ (x) := T (x), para todo x ∈ X0. Agora, temos que Im(T ) = Im(T̃ ), pois, se y ∈ Im(T ), então y = T (x), para algum x ∈ E; mas, como x = x0 + n, com x0 ∈ X0 e n ∈ Ker(T ), então y = T (x0) = T̃ (x0). Logo, y ∈ Im(T̃ ) e, como Im(T ) é fechado em F , segue que Im(T̃ ) também o é. Operadores semi-Fredholm 38 Coloquemos ∥x∥∗ 0 := ∥x∥∗ + C ∥K(x)∥. Com isso, temos que ∥x∥∗ 0 é uma semi-norma relativamente compacta a ∥ · ∥ (pois K(E, F ) é subespaço vetorial de L (E, F ), vide o Lema 2.19). Portanto, concluímos, à luz do Teorema 2.50, que T +K ∈ Φ+(E, F ). (2) Pelo Lema 2.49, temos, para todo x ∈ E, que ∥x∥ ⩽ C ∥(T + S)(x)∥ + C ∥S(x)∥ + ∥P (x)∥ . Assim, tomando η = 1/2C, segue que ∥x∥ ⩽ C ∥(T + S)(x)∥ + ∥P (x)∥ + 1/2 ∥x∥ , ou, ainda, ∥x∥ ⩽ 2C ∥(T + S)(x)∥ + 2 ∥P (x)∥ , para todo x ∈ E, o que nos permite concluir, pelo Teorema 2.50, que T + S ∈ Φ+(E, F ). Além disso, como P = 0 em X0 (Lema 2.49), temos ∥x∥ ⩽ 2C ∥(T + S)(x)∥, para todo x ∈ X0, de maneira que Ker(T + S) ∩X0 = {0}. Logo, visto que E = X0 ⊕ Ker(T ), obtemos que Ker(T + S) ⊂ Ker(T ) e, então, dim(Ker(T + S)) ⩽ dim(Ker(T )). Uma vez estabelecida a porção da teoria de operadores semi-Fredholm da qual necessi- tamos, podemos, enfim, entrar em detalhes sobre nossos métodos. Sejam L ∈ L (E), z ∈ E fixado e T : E −→ E a aplicação afim T = L+ z. Consideremos, ainda, F (T ) = {x ∈ E : T (x) = x} (isso é, F (T ) denota o conjunto dos pontos fixos de T ). Se F (T ) ̸= ∅, então existe y ∈ E tal que L(y) + z = y. Se y′ ∈ F (T ) é outro ponto fixo de T , então y′ = L(y′) + z = L(y′) + (y − L(y)) = y + L(y′ − y). Assim, segue que L(y′ − y) ∈ Ker(I − L), pois (I − L)(L(y′ − y)) = (I − L)(y′ − y) = y′ − y − (y′ − y) = 0. Logo, F (T ) = y + Ker(I −L), de modo que F (T ) possui a estrutura de espaço afim7. Coloquemos dim(F (T )) := dim(Ker(I − L)), e relembremos, por uma questão de completude, o Teorema A, exibido na introdução deste texto: Teorema A. Seja T = L + z uma aplicação linear afim no espaço de Banach E, em que L ∈ L (E) e z ∈ E fixado. Se Im(I − L) é fechado e existe x0 ∈ E tal que{ x0, T (x0), T 2(x0), . . . } é limitado, então T admite um ponto fixo. Se I − L ∈ Φ+(E), o Teorema A pode ser reformulado da seguinte forma: 7 Um espaço afim sobre um corpo K é uma tripla V = (P, V, +), em que P é um conjunto cujos elementos chamam-se pontos, V um espaço vetorial sobre K, e (p, v) ∈ P × V 7−→ p + v ∈ P uma operação tal que, para todos p ∈ P e v, w ∈ V : (I) (p + v) + w = p + (v + w), (II) p + 0 = p (0 sendo o vetor nulo de V ) e (III) para cada par de pontos p, q ∈ P , existe um único vetor v ∈ V tal que q = p + v. Definimos dim(V) := dim(V ) e, se V = {p}, com p ∈ P , temos que dim(V) = 0. Operadores semi-Fredholm 39 Teorema 2.52. Seja T = L + z uma aplicação linear afim no espaço de Banach E, em que L ∈ L (E) e z ∈ E fixado. Se I − L ∈ Φ+(E) e existe x0 ∈ E tal que{ x0, T (x0), T 2(x0), . . . } é limitado, então F (T ) ̸= ∅ e dim(F (T )) < ∞. É claro que a demonstração do Teorema 2.52 segue de imediato do Teorema A. Isso posto, se uma condição inicial x0 = ϕ ∈ B é fornecida, em que B denota nosso espaço de fase abstrato, a equação dx dt = Ax(t) +B(t, xt), t ⩾ 0, x0 = ϕ, (Pω L0) em que B é ω-periódica com relação a sua primeira variável, com ω > 0, admite uma única solução mild x(t, ϕ), como veremos no Capítulo 3. O operador solução da equação (Pω L0), U(t, 0), definido por U(t, 0)ϕ := xt( ·, 0, ϕ), para t ⩾ 0, pode ser, então, decomposto8 como U(t, 0)ϕ = T̂ (t)ϕ+K(t, 0)ϕ, em que (T̂ (t)ϕ)(θ) = T (t+ θ)ϕ(0), t+ θ ⩾ 0, ϕ(t+ θ), t+ θ ⩽ 0, e K(t, 0) : B −→ B é o operador (K(t, 0)ϕ)(θ) =  ∫ t + θ 0 T (t+ θ − s)F (s, xs(0, ϕ)) ds, t+ θ ⩾ 0, 0, t+ θ ⩽ 0. A existência de soluções periódicas para a equação (Pω L) será equivalente a existência de pontos fixos da aplicação linear afim ψ 7−→ U(ω, 0)ψ + ϕ no espaço de fase B, em que ψ ∈ B é uma função fixa, determinada por uma solução específica da equação (Pω L). Seguirá, portanto, do Teorema 2.52, que, se I − U(ω, 0) ∈ Φ+(B), então a equação (Pω L) admite a propriedade (BP), isto é, se a equação (Pω L) admite uma solução limitada, então admite uma solução periódica. Nossas considerações teóricas anteriores sobre os operadores semi-Fredholm nos levam naturalmente ao seguinte resultado: Teorema 2.53. Suponha que I − T̂ (ω) ∈ Φ+(B). Então: 1. Se K(ω, 0) é um operador compacto, então a equação (Pω L) admite a propriedade (BP); 2. Existe η > 0 tal que, se ∥K(ω, 0)∥ < η, então a equação (Pω L) admite a propriedade (BP), e o conjunto de suas soluções periódicas tem a estrutura de um espaço linear afim de dimensão menor ou igual a dim(Ker(I − T̂ (ω))). Voltaremos, no Capítulo 3, ao detalhamento de nosso procedimento. Encerraremos esta seção relembrando o conceito de raio do espectro essencial (ou raio espectral essencial) de um operador linear L ∈ L (E), re(L), bem como a fórmula de Nussbaum, que relaciona seu raio do espectro essencial com sua α-medida de não- compacidade. 8 Ver a Seção 3.3 para uma discussão mais aprofundada. Operadores semi-Fredholm 40 Uma vez que existem várias definições9 para o espectro essencial do operador L ∈ L (E), no espaço de Banach E, adotaremos a seguinte, por ser aquela que mais se adequa às nossas finalidades: Definição 2.54 (Espectro Essencial). Seja L ∈ L (E). O espectro essencial de L, denotado por σess(L), é o conjunto de todos os λ ∈ C para os quais o operador λI − L não é semi-Fredholm. Em outras palavras, σess(L) = {λ ∈ C : λI − L /∈ Φ+(E)} . Definimos, agora, o raio espectral essencial do operador L: Definição 2.55 (Raio do Espectro Essencial). O raio do espectro essencial do operador L, re(L), é definido como o supremo do conjunto {|λ| : λ ∈ σess(L)}: re(L) = sup {|λ| : λ ∈ σess(L)} . O lema a seguir é consequência direta da Definição 2.55 acima: Lema 2.56. Seja L ∈ L (E). Se |λ| > re(L), para algum λ ∈ C, então a imagem Im(λI − L) é fechada em E e dim(Ker(λI − L)) < ∞ (ou seja, λI − L ∈ Φ+(E)). Demonstração: Se existe λ ∈ C para o qual |λ| > re(L), então λ /∈ σess(L). Sendo assim, segue que λI − L ∈ Φ+(E), de modo que a imagem Im(λI − L) é fechada em E e dim(Ker(λI − L)) < ∞. Corolário 2.57. Se L ∈ L (E) e re(L) < 1, então I − L ∈ Φ+(E). Enunciemos, agora, a fórmula de Nussbaum: Teorema 2.58 (Fórmula de Nussbaum). O limite lim n −→ ∞ α(Ln)1/n, em que α(L) denota a α-medida de não-compacidade de L, existe e é igual ao seu raio espectral essencial, isto é: re(L) = lim n −→ ∞ α(Ln)1/n. Demonstração: Ver [17], Theorem 1, página 477. Pela Definição 2.37, vemos que α(Ln) ⩽ α(L)n, para todo n ∈ N, de modo que re(L) ⩽ α(L), pelo Teorema 2.58. 9 Definições essas que, em sua maioria, não são equivalentes (ver, por exemplo, [7], seção 2, página 122). 3 Equações diferenciais lineares não-homogêneas Neste capítulo, faremos algumas considerações a respeito das soluções da equação dx dt = Ax(t) + F (t, xt), t > σ, xσ = ϕ ∈ B, em que σ ⩾ 0 e a aplicação F : R × B −→ E satisfaz uma determinada propriedade (Ĥ) adicional, que será exposta sem demora. Nas Seções 3.1 e 3.2, estabelecemos um resultado de existência e unicidade de solução do tipo mild para essa equação, bem como estimativas para a norma dessa solução no espaço de fase B, respectivamente. Por fim, na Seção 3.3, introduzimos o chamado operador solução da equação, e apre- sentamos uma notável propriedade deste, que fornece uma expressão explícita para seu raio espectral essencial. 3.1 Existência de solução Dada ϕ ∈ B, em que B é um espaço de fase abstrato definido axiomaticamente, como na Seção 2.5, consideremos um espaço de Banach E e a equação (S) dada por dx dt = Ax(t) + F (t, xt), σ < t ⩽ σ + a, xσ = ϕ, (S) com 0 ⩽ σ < a, que satisfaz as seguintes hipóteses: (H1). A : D(A) ⊂ E −→ E é o gerador infinitesimal de um C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0 em E; (Ĥ). F : R × B −→ E é contínua, lipschitziana com respeito a segunda variável e, para todo (t, ψ) ∈ R × B, existem funções contínuas n, f : R −→ [0, + ∞) tais que ∥F (t, ψ)∥ ⩽ n(t) ∥ψ∥B + f(t). (3.1) O fato da aplicação F : R × B −→ E ser lipschitziana em relação a segunda variável significa que, para cada t ∈ R, a função Ft : B −→ E, tal que Ft(ψ) := F (t, ψ), é lipschitziana. Definamos, a seguir, o conceito de solução no sentido clássico (ou solução clássica) para a equação (S). 41 Existência de solução 42 Definição 3.1 (Solução clássica). Uma função x : (− ∞, σ + a] −→ E é uma solução, no sentido clássico, da equação (S), se: x é contínua, x : (σ, σ + a) −→ E é diferenciável, x(t) ∈ D(A), para todo t ∈ [σ, σ + a], e x satisfaz a equação (S), com xσ = ϕ. Admitindo, então, que x seja uma solução da equação (S), a função g : [σ, t] −→ E, tal que g(s) := T (t − s)x(s), com σ ⩽ t ⩽ σ + a, é diferenciável em (σ, t), e satisfaz dg ds = T (t− s)F (s, xs) (⋆), por intermédio da regra da cadeia, bem como do fato de que dT dt (t) = AT (t) = T (t)A (vide o Teorema 2.6). Integrando (⋆) no intervalo [σ, t], obtemos que x(t) = T (t− σ)x(σ) + ∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds, (3.2) em que utilizamos o Teorema fundamental do Cálculo (Teorema B.29). Observamos que a fórmula exibida acima está bem-definida mesmo se x não for diferenciável, o que faz de x uma espécie de solução “fraca” da equação (S), sendo requerida apenas sua continuidade; isso nos leva ao conceito de solução mild, que será explorado a seguir. Nosso papel, nesta seção, é estimar a solução mild dada pela fórmula (3.2) acima. Definição 3.2 (Solução mild). Uma função contínua x : (− ∞, σ+a] −→ E, que satisfaz a equação integralx(t) = T (t− σ)ϕ(0) + ∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds, σ ⩽ t ⩽ σ + a, xσ = ϕ ∈ B, é chamada de solução mild da equação (S), com xσ = ϕ ∈ B, e a denotamos por x( ·, σ, ϕ). A história associada a x, xt ∈ B, é denotada por xt( ·, σ, ϕ). Uma vez que estamos assumindo a condição xσ = ϕ, então x(σ) = xσ(0) = ϕ(0), de modo que a fórmula (3.2) é consistente com a apresentada na Definição 3.2 acima. Nosso próximo resultado consiste na existência e unicidade de soluções mild, mediante a condição inicial xσ = ϕ ∈ B. Antes, porém, é necessário que façamos uma observação a respeito da continuidade da aplicação s 7−→ T (t− s)F (s, xs), para 0 ⩽ s ⩽ t, que figura na expressão da solução mild acima: Lema 3.3. Se w : (− ∞, σ + a] −→ E é uma função contínua em [σ, σ + a], então, para todo σ ⩽ t ⩽ σ + a, a função g : [σ, t] −→ E, tal que g(s) := T (t− s)F (s, ws), é contínua. Demonstração: Pela Definição 2.42, temos que, para todo s ∈ [σ, σ + a], a função s ∈ [σ, σ + a] 7−→ ws ∈ B é contínua. Dessa maneira, a função s ∈ [σ, σ+ a] 7−→ (s, ws) ∈ [σ, σ+ a] × B também é contínua. Similarmente, a função (s, ws) ∈ [σ, σ + a] × B 7−→ F (s, ws) ∈ E é contínua, haja vista a continuidade de F . Resta verificarmos a continuidade de g. Pois bem, sabemos que, para cada x ∈ E, a função t ∈ [0, + ∞) 7−→ T (t)(x) ∈ E é contínua. Ou seja, para cada x ∈ E, e para toda sequência (tn) em [0, + ∞) tal que tn −→ t, temos que T (tn)(x) −→ T (t)(x). Sendo assim, consideremos uma sequência (sn) em [σ, t] tal que sn −→ s0, para algum s0 ∈ [σ, t]. Existência de solução 43 Pela continuidade de F , como (sn, wsn) é uma sequência de termos em [σ, t] × B tal que (sn, wsn) −→ (s0, ws0), segue que F (sn, wsn) −→ F (s0, ws0). Pela continuidade forte do C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0, bem como sua limitação exponencial ∥T (t)∥ ⩽Mω e ωt, vide o Teorema 2.4, para todo t ⩾ 0, temos que T (t− sn)F (s0, ws0) −→ T (t− s0)F (s0, ws0) e ∥T (t− sn)∥ ⩽Mω e ω (t − sn), de modo que ∥g(sn) − g(s0)∥ = ∥T (t− sn)F (sn, wsn) − T (t− s0)F (s0, ws0)∥ = ∥T (t− sn)(F (sn, wsn) − F (s0, ws0)) + (T (t− sn) − T (t− s0))F (s0, ws0))∥ ⩽ ∥T (t− sn)∥ ∥F (sn, wsn) − F (s0, ws0)∥ + ∥(T (t− sn) − T (t− s0))F (s0, ws0)∥ ⩽Mω e ω (t − sn) ∥F (sn, wsn) − F (s0, ws0)∥ + ∥(T (t− sn) − T (t− s0))F (s0, ws0)∥ . Uma vez que F (sn, wsn) −→ F (s0, ws0), T (t− sn)F (s0, ws0) −→ T (t− s0)F (s0, ws0) e eω (t − sn) −→ eω (t − s0), vide a discussão anterior, concluímos que g(sn) −→ g(s0). Segue, portanto, que g é contínua, como queríamos. Teorema 3.4 (Existência e unicidade de solução mild). A solução mild da equação (S), com xσ = ϕ ∈ B, existe unicamente em (− ∞, σ + a], para todo a > 0. Demonstração: Em vista do lema anterior, comecemos definindo x0(t) := ϕ(t− σ), t ⩽ σ, T (t− σ)ϕ(0), σ ⩽ t ⩽ σ + a, e, para cada n ∈ N, coloquemos, xn(t) :=  ϕ(t− σ), t ⩽ σ, T (t− σ)ϕ(0) + ∫ t σ T (t− s)F (s, xn − 1 s ) ds, σ ⩽ t ⩽ σ + a. Como s 7−→ F (s, x0 s) é contínua, existe C > 0 para o qual ∥∥∥F (s, x0 s) ∥∥∥ ⩽ C, para σ ⩽ s ⩽ σ + a. Adicionalmente, sendo F lipschitziana em relação a sua segunda variável, existe L > 0 tal que, para todos t ∈ R e ϕ, ψ ∈ B, ∥F (t, ϕ) − F (t, ψ)∥ ⩽ L ∥ϕ− ψ∥B . Desse modo, observemos que, para σ ⩽ t ⩽ σ + a, temos ∥∥∥x1(t) − x0(t) ∥∥∥ = ∥∥∥∥∫ t σ T (t− s)F (s, x0 s) ds ∥∥∥∥ ⩽ C ∫ t σ ∥T (t− s)∥ ds ⩽Mω C (t− σ) eω (t − σ), em vista da limitação exponencial ∥T (t)∥ ⩽ Mω e ωt do C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0 (Teo- rema 2.4). Agora, vejamos que ∥∥∥x2(t) − x1(t) ∥∥∥ = ∥∥∥∥∫ t σ T (t− s) ( F (s, x1 s) − F (s, x0 s) ) ds ∥∥∥∥ ⩽ L ∫ t σ ∥T (t− s)∥ ∥∥∥x1 s − x0 s ∥∥∥ B ds ⩽Mω Le ω (t − σ) ∫ t σ ∥∥∥x1 s − x0 s ∥∥∥ B ds. Existência de solução 44 Para estimarmos o termo ∥∥∥x1 s − x0 s ∥∥∥ B acima, utilizamos os axiomas do espaço de fase B (Definição 2.42). Pelo axioma (B1)(2), temos∥∥∥x1 s − x0 s ∥∥∥ B ⩽ K(s− σ) sup σ ⩽h⩽ s ∥∥∥x1(h) − x0(h) ∥∥∥+M(s− σ) ∥∥∥x1 σ − x0 σ ∥∥∥ B , em que K : [0, + ∞) −→ [0, + ∞) é contínua e M : [0, + ∞) −→ [0, + ∞) é mensurável e localmente limitada. Coloquemos K̂ = sup 0⩽h⩽σ + a K(h), e notemos que ∥∥∥x1 σ − x0 σ ∥∥∥ B = 0, pois x0 σ(θ) = x0(σ + θ) = ϕ(σ + θ − σ) = ϕ(θ), da mesma forma que xn σ(θ) = ϕ(θ), para todos n ∈ N e θ ∈ (− ∞, 0], donde segue que x1 σ − x0 σ = 0. Dito isso, ficamos com∥∥∥x1 s − x0 s ∥∥∥ B ⩽ K̂ sup σ ⩽h⩽ s ∥∥∥x1(h) − x0(h) ∥∥∥ ⩽ K̂Mω C (s− σ) eω (t − σ), de maneira que ∥∥∥x2(t) − x1(t) ∥∥∥ ⩽ K̂M2 ω CLe 2ω (t − σ) ∫ t σ (s− σ) ds = K̂M2 ω CL (t− σ)2 e2ω (t − σ) 2 . Repetindo esse procedimento, não é difícil nos convencermos, via indução matemática, de que ∥∥∥xn(t) − xn − 1(t) ∥∥∥ ⩽ K̂n − 1Mn ω CL n − 1 (t− σ)n enω (t − σ) n! , em que utiliza-se, também, a condição xσ = ϕ, para que se tenha ∥∥∥xn − 1 σ − xn − 2 σ ∥∥∥ B = 0. Assim sendo, dados m, n ∈ N, com m > n, ∥xm(t) − xn(t)∥ ⩽ ∥∥∥xm(t) − xm − 1(t) ∥∥∥+ ∥∥∥xm − 1(t) − xm − 2(t) ∥∥∥+ ...+ ∥∥∥xn + 1(t) − xn(t) ∥∥∥ ⩽ K̂m − 1Mm ω CLm − 1 (t− σ)m emω (t − σ) m! + K̂m − 2Mm − 1 ω CLm − 2 (t− σ)m − 1 e(m − 1) ω (t − σ) (m− 1)! + ...+ K̂nMn + 1 ω CLn (t − σ)n + 1 e(n + 1) ω (t − σ) (n+ 1)! ⩽ ∞∑ k = n + 1 K̂k − 1Mk ω CL k − 1 (t− σ)k ekω (t − σ) k! ⩽ ∞∑ k = n + 1 K̂k − 1Mk ω CL k − 1 ak ekωa k! . A série acima converge por uma simples aplicação do teste da razão1. Assim sendo, a sequência (xn) é uniformemente Cauchy2 em E e, portanto, uniformemente convergente. 1 Com efeito, se ak = K̂k − 1Mk ω CLk − 1 (t − σ)k ekω (t − σ) k! , então ak + 1 ak = K̂Mω L (t − σ) eω (t − σ) k + 1 e∣∣∣∣ak + 1 ak ∣∣∣∣ −→ 0, a medida que k −→ ∞, de modo que a série em questão é absolutamente convergente. 2 Se S é um conjunto não-vazio e (M, d) é um espaço métrico arbitrário, dizemos que a sequência de funções (fn : S −→ M)∞ n = 1 é uniformemente Cauchy se sup x ∈ S d(fm(x), fn(x)) −→ 0 a medida que m, n −→ ∞. Se M é completo, então (fn) é uniformemente Cauchy se, e somente se, é uniformemente convergente. Existência de solução 45 Desse modo, coloquemos x(t) := lim n −→ ∞ xn(t), em que x : (− ∞, σ+a] −→ E é contínua em [σ, σ + a]. A função x satisfaz a condição inicial xσ = ϕ ∈ B, pois, para todo θ ∈ (− ∞, 0], xσ(θ) = x(σ + θ) = lim n −→ ∞ xn(σ + θ) = ϕ(σ + θ − σ) = ϕ(θ). Posto isso, resta verificarmos que x satisfaz a igualdade apresentada na Definição 3.2. Com efeito, façamos∥∥∥∥x(t) − T (t− σ)ϕ(0) − ∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds ∥∥∥∥ = ∥∥∥∥(x(t) − xn + 1(t)) + ( xn + 1(t) − T (t− σ)ϕ(0) − ∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds )∥∥∥∥ ⩽ ∥∥∥x(t) − xn + 1(t) ∥∥∥+ ∥∥∥∥∫ t σ T (t− s) (F (s, xn s ) − F (s, xs)) ds ∥∥∥∥ . Sabemos que o primeiro termo acima tende a zero a medida que n −→ ∞. Para o segundo termo, fazemos∥∥∥∥∫ t σ T (t− s) (F (s, xn s ) − F (s, xs)) ds ∥∥∥∥ ⩽Mω Le ω (t − σ) ∫ t σ ∥xn s − xs∥B ds. Temos, novamente pelo axioma (B1)(2), que ∥xn s − xs∥B ⩽ K(s− σ) sup σ ⩽h⩽ s ∥xn(h) − x(h)∥ +M(s− σ) ∥xn σ − xσ∥B ⩽ K̂ sup σ ⩽h⩽ t ∥xn(h) − x(h)∥ +M(s− σ) ∥xn σ − xσ∥B , donde segue que ∥xn s − xs∥B −→ 0, pois sup σ ⩽h⩽ t ∥xn(h) − x(h)∥ −→ 0, em decorrência da convergência uniforme, bem como do fato de que xn σ = xσ = ϕ, para todo n ∈ N. Assim, como ∥∥∥∥x(t) − T (t− σ)ϕ(0) − ∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds ∥∥∥∥ é uma diferença arbitrariamente pequena, concluímos, como desejado, que x(t) = T (t− σ)ϕ(0) + ∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds. Por fim, para verificarmos que a solução x é única, suponhamos que y também satisfaz a Definição 3.2. Ou seja, temos y(t) = T (t − σ)ϕ(0) + ∫ t σ T (t − s)F (s, ys) ds, para σ ⩽ t ⩽ σ + a, e yσ = ϕ ∈ B, do que segue que ∥x(t) − y(t)∥ = ∥∥∥∥∫ t σ T (t− s) (F (s, xs) − F (s, ys)) ds ∥∥∥∥ ⩽ K̂Mω Le ω (t − σ) ∫ t σ sup σ ⩽h⩽ s ∥x(h) − y(h)∥ ds = K̂Mω Le ω (t − σ) ∥x− y∥∞ (t− σ) ⩽ β (t− σ), Estimativa da solução em B 46 em que β = K̂Mω Le ωa ∥x− y∥∞. Observemos o seguinte, como T (t− σ)ϕ(0) = x(t) − ∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds, então ∥∥∥x0(t) − y(t) ∥∥∥ = ∥T (t− σ)ϕ(0) − y(t)∥ = ∥∥∥∥(x(t) − ∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds ) − y(t) ∥∥∥∥ ⩽ ∥x(t) − y(t)∥ + ∥∥∥∥∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds ∥∥∥∥ ⩽ β (t− σ) +Mω Ne ω (t − σ)(t− σ) = (β +Mω Ne ω (t − σ))(t− σ), em que N > 0 é tal que ∥F (s, xs)∥ ⩽ N , para todo s ∈ [σ, t], pela continuidade de x, das funções s 7−→ xs e F . De maneira análoga, ∥∥∥x1(t) − y(t) ∥∥∥ = ∥∥∥∥∫ t σ T (t− s)(F (s, x0 s) − F (s, ys)) ds ∥∥∥∥ ⩽Mω Le ω (t − σ) ∫ t σ ∥∥∥x0 s − ys ∥∥∥ B ds ⩽ K̂Mω Le ω (t − σ)(β +Mω Ne ω (t − σ))(t− σ)2 2 e ∥∥∥x2(t) − y(t) ∥∥∥ ⩽Mω Le ω (t − σ) ∫ t σ ∥∥∥x1 s − ys ∥∥∥ B ds ⩽ K̂2M2 ω L 2 e2ω (t − σ)(β +Mω Ne ω (t − σ))(t− σ)3 6 . De maneira geral, um processo de indução matemática nos revela que ∥xn(t) − y(t)∥ ⩽ K̂nMn ω L n enω (t − σ)(β +Mω Ne ω (t − σ))(t− σ)n + 1 (n+ 1)! , o que nos permite concluir que y(t) = lim n −→ ∞ xn(t). Desse modo, temos que x = y e, portanto, a solução para a equação (S) é única, como queríamos, finalizando a demonstração. O fato de obtermos existência e unicidade de solução para a Equação (S), para qualquer que seja a > 0, nos permite estender tal solução para intervalos cada vez maiores e, assim, garantimos a existência e unicidade de solução “global”, isto é, definida em R, o que será necessário para o estudo das soluções periódicas no Capítulo 4. 3.2 Estimativa da solução em B Na seção anterior, demonstramos a existência e unicidade de solução mild para a equação (S), a qual denotaremos por x( ·, σ, ϕ). Na presente seção, buscaremos estimar a norma ∥xt( ·, σ, ϕ)∥B, da história associada a essa solução, obtida no Teorema 3.4. Para tanto, lançaremos mão da conhecida Desigualdade de Gronwall, em sua versão generalizada, a qual é denominada Desigualdade de Gronwall-Bellman. A respeito de generalizações da desigualdade de Gronwall-Bellman, ver [18]. Estimativa da solução em B 47 Proposição 3.5 (Desigualdade de Gronwall-Bellman generalizada). Suponha que u(t), a(t), b(t) e G(t) são funções não-negativas tais que u(t), a(t) e b(t) são contínuas e G(t) é absolutamente contínua, satisfazendo, para t ⩾ σ, u(t) ⩽ a(t)G(t) + a(t) ∫ t σ b(s)u(s) ds. Então, para t ⩾ σ, vale que u(t) ⩽ a(t)G(σ) exp (∫ t σ a(r) b(r) dr ) + a(t) ∫ t σ G′(s) exp (∫ t s a(r) b(r) dr ) ds. Proposição 3.6. Sejam ω ∈ R e Mω > 1 para os quais ∥T (t)∥ ⩽Mω e ωt, com t ⩾ 0, para o C0-semigrupo (T (t))t⩾ 0 da hipótese (H1), e assuma que vale a condição (Ĥ). Então, a solução x( ·, σ, ϕ) da equação (S) existe e satisfaz ∥xt( ·, σ, ϕ)∥B ⩽ K(t− σ) ∫ t σ N(t, s, σ) f(s) ds + ∥ϕ∥B ( M(t− σ) +K(t− σ) ( HN(t, σ, σ) + ∫ t σ N(t, s, ϕ)n(s)M(s− σ) ds )) , t ⩾ σ, em que N(t, s, σ) := Mω exp {∫ t s [ω+ +Mω n(r)K(r − σ)] dr } e ω+ := max {ω, 0}. Demonstração: Coloquemos, de início, u(t) := sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥, sendo x = x( ·, σ, ϕ) a solução da equação (S), com xσ = ϕ. Como x(t) = T (t− σ)ϕ(0) + ∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds, com xσ = ϕ ∈ B, temos ∥x(t)∥ = ∥∥∥∥T (t− σ)ϕ(0) + ∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds ∥∥∥∥ ⩽ ∥T (t− σ)∥ ∥ϕ(0)∥ + ∫ t σ ∥T (t− s)∥ ∥F (s, xs)∥ ds. Visto que ∥T (t)∥ ⩽Mω e ωt, para t ⩾ 0, ficamos com ∥x(t)∥ ⩽Mω e ω (t − σ) ∥ϕ(0)∥ +Mω ∫ t σ eω (t − s) ∥F (s, xs)∥ ds. Para estimarmos a norma ∥F (s, xs)∥, temos, pela condição (Ĥ), que existem funções contínuas n, f : R −→ [0, + ∞) tais que ∥F (s, xs)∥ ⩽ n(s) ∥xs∥B + f(s), de maneira que ∥x(t)∥ ⩽Mω e ω (t − σ) ∥ϕ(0)∥ +Mω ∫ t σ eω (t − s) [n(s) ∥xs∥B + f(s)] ds. Por intermédio do axioma (B1)(2), temos ∥xs∥B ⩽ K(s − σ)u(s) + M(s − σ) ∥ϕ∥B, em que u(t) := sup σ ⩽ s⩽ t ∥x(s)∥, o que nos permite escrever ∥x(t)∥ ⩽Mω e ω (t − σ) ∥ϕ(0)∥ +Mω ∫ t σ eω (t − s) {n(s) [K(s− σ)u(s) +M(s− σ) ∥ϕ∥B] + f(s)} ds. Estimativa da solução em B 48 Substituindo ω por ω+, o segundo membro da desigualdade acima torna-se uma função não-decrescente de t, para t ⩾ σ: u(t) ⩽Mω e ω+ (t − σ) ∥ϕ(0)∥ +Mω ∫ t σ eω+ (t − s) {n(s) [K(s− σ)u(s) +M(s− σ) ∥ϕ∥B] + f(s)} ds. Reescrevendo a desigualdade acima, afim de que possamos identificar as funções presentes na Proposição 3.5, temos u(t) ⩽Mω e ω+ t e− ω+ σ ∥ϕ(0)∥ + ∫ t σ Mω e ω+ t e− ω+ s n(s)K(s− σ)u(s) ds +Mω e ω+ t ∫ t σ e− ω+ s [n(s)M(s− σ) ∥ϕ∥B + f(s)] ds. Com isso, inferimos que a(t) = Mω e ω+ t, b(t) = e− ω+ t n(t)K(t− σ) e G(t) = e− ω+ σ ∥ϕ(0)∥ + ∫ t σ e− ω+ s (n(s)M(s− σ) ∥ϕ∥B + f(s)) ds, de maneira que, pela Desigualdade de Gronwall-Bellman (Proposição 3.5), u(t) ⩽Mω e ω+ t e− ω+ σ ∥ϕ(0)∥ exp (∫ t σ Mω e ω+ r e− ω+ r n(r)K(r − σ) dr ) +Mω e ω+ t ∫ t σ e− ω+ s (n(s)M(s− σ) ∥ϕ∥B + f(s)) · exp (∫ t s Mω e ω+ r e− ω+ r n(r)K(r − σ) dr ) ds = Mω e ω+ (t − σ) ∥ϕ(0)∥ exp (∫ t σ Mω n(r)K(r − σ) dr ) +Mω e ω+ t ∫ t σ e− ω+ s (n(s)M(s− σ) ∥ϕ∥B + f(s)) exp (∫ t s Mω n(r)K(r − σ) dr ) ds ⩽ H ∥ϕ∥B Mω e ω+ (t − σ) exp (∫ t σ Mω n(r)K(r − σ) dr ) + ∫ t σ Mω e ω+ (t − s) (n(s)M(s− σ) ∥ϕ∥B + f(s)) exp (∫ t s Mω n(r)K(r − σ) dr ) ds = H ∥ϕ∥B Mω exp {∫ t σ [ω+ +Mω n(r)K(r − σ)]dr } + ∫ t σ Mω exp {∫ t s [ω+ +Mω n(r)K(r − σ)] dr } (n(s)M(s− σ) ∥ϕ∥B + f(s)) ds = H ∥ϕ∥B N(t, σ, σ) + ∫ t σ N(t, s, σ)(n(s)M(s− σ) ∥ϕ∥B + f(s)) ds = H ∥ϕ∥B N(t, σ, σ) + ∥ϕ∥B ∫ t σ N(t, s, σ)n(s)M(s− σ) ds+ ∫ t σ N(t, s, σ) f(s) ds, em que N(t, s, σ) = Mω exp {∫ t s [ω+ +Mω n(r)K(r − σ)] dr } , σ ⩽ s ⩽ t. Utilizamos, na passagem para a segunda desigualdade acima, a primeira desigualdade presente no axioma (B1)(2), ∥x(t)∥ ⩽ H ∥xt∥B, para todo t ∈ [σ, σ + a), de modo que, em nosso contexto, é válido que ∥ϕ(0)∥ ⩽ H ∥ϕ∥B. Para que possamos passar para a norma ∥xt( ·, σ, ϕ)∥B, aplicamos, novamente, o Estimativa da solução em B 49 axioma (B1)(2), de maneira que ∥xt( ·, σ, ϕ)∥B ⩽ K(t− σ)u(t) +M(t− σ) ∥xσ∥B ⩽ K(t − σ) ( H ∥ϕ∥B N(t, σ, σ) + ∥ϕ∥B ∫ t σ N(t, s, σ) n(s) M(s − σ) ds + ∫ t σ N(t, s, σ) f(s) ds ) +M(t− σ) ∥ϕ∥B = K(t− σ)H ∥ϕ∥B N(t, σ, σ) +K(t− σ) ∥ϕ∥B ∫ t σ N(t, s, σ)n(s)M(s− σ) ds +K(t− σ) ∫ t σ N(t, s, σ) f(s) ds+M(t− σ) ∥ϕ∥B = K(t− σ) ∫ t σ N(t, s, σ) f(s) ds + ∥ϕ∥B ( K(t− σ)HN(t, σ, σ) +K(t− σ) ∫ t σ N(t, s, σ)n(s)M(s− σ) ds+M(t− σ) ) = K(t− σ) ∫ t σ N(t, s, σ) f(s) ds + ∥ϕ∥B ( M(t− σ) +K(t− σ) ( HN(t, σ, σ) + ∫ t σ N(t, s, σ)n(s)M(s− σ) ds )) . Portanto, obtemos, para a norma ∥xt( ·, σ, ϕ)∥B, a seguinte estimativa ∥xt( ·, σ, ϕ)∥B ⩽ K(t− σ) ∫ t σ N(t, s, σ) f(s) ds + ∥ϕ∥B ( M(t− σ) +K(t− σ) ( HN(t, σ, σ) + ∫ t σ N(t, s, ϕ)n(s)M(s− σ) ds )) , para t ⩾ σ, como queríamos, concluindo a demonstração. Corolário 3.7. Se a função f presente na propriedade (Ĥ) é identicamente nula, então existe uma função localmente integrável m( ·, σ) : [σ, + ∞) −→ [0, + ∞) tal que ∥xt( ·, σ, ϕ)∥B ⩽ m(t, σ) ∥ϕ∥B , para todo t ∈ [σ, + ∞). Demonstração: Com efeito, se f ≡ 0, a desigualdade que figura na Proposição 3.6 é equivalente a ∥xt( ·, σ, ϕ)∥B ⩽ ∥ϕ∥B ( M(t− σ) +K(t− σ) ( HN(t, σ, σ) + ∫ t σ N(t, s, ϕ)n(s)M(s− σ) ds )) . Considerando a aplicação t ∈ [σ, + ∞) 7−→ mt ∈ L1 loc[σ, + ∞), tal que mt(σ) = m(t, σ), para todo t ∈ [σ, + ∞), com m(t, σ) = M(t− σ) +K(t− σ) ( HN(t, σ, σ) + ∫ t σ N(t, s, ϕ)n(s)M(s− σ) ds ) , segue o resultado. Operador solução 50 3.3 Operador solução Na Seção 2.6 do Capítulo 2, fizemos menção ao operador solução U(t, σ) da equa- ção (Pω L0), bem como a decomposição U(t, 0)ϕ = T̂ (t)ϕ+K(t, 0)ϕ. Faremos, agora, uma necessária abordagem mais detalhada destes conceitos. Sabemos, sob as hipóteses (H1) e (Ĥ), juntamente do Teorema 3.4 que, para cada ϕ ∈ B, a equação (S) admite uma única solução x( ·, σ, ϕ), que podemos considerar definida em toda reta, o que motiva a seguinte definição: Definição 3.8 (Operador Solução). Para cada par (t, σ) ∈ [σ, + ∞) × [0, + ∞), definimos o operador solução, U(t, σ) : B −→ B, por U(t, σ)ϕ := xt( ·, σ, ϕ), para toda ϕ ∈ B. Para cada (t, σ) ∈ [σ, + ∞) × [0, + ∞), definamos o operador K(t, σ) : B −→ B tal que, para ϕ ∈ B e θ ∈ (− ∞, 0], (K(t, σ)ϕ)(θ) =  ∫ t + θ σ T (t+ θ − s)F (s, xs( ·, σ, ϕ)) ds, t+ θ ⩾ σ, 0, t+ θ ⩽ σ. Então, temos U(t, σ) = T̂ (t− σ) +K(t, σ), t ⩾ σ, em que a família T̂ (t), com t ⩾ 0, é um C0-semigrupo em B (ver Lema 3.9). De fato, como x é solução mild da equação (S), então x(t) = T (t−σ)ϕ(0) + ∫ t σ T (t− s)F (s, xs) ds, para t ⩾ σ. Sendo xt( ·, σ, ϕ) a história associada a solução x( ·, σ, ϕ), dado θ ∈ (− ∞, 0], temos xt(θ, σ, ϕ) = x(t+ θ, σ, ϕ) e, assim, xt(σ, ϕ)(θ) = T (t+ θ − σ)ϕ(0) + ∫ t + θ σ T (t+ θ − s)F (s, xs(σ, ϕ)) ds, t+ θ ⩾ σ, ϕ(t+ θ), t+ θ ⩽ σ. Como xt(σ, ϕ)(θ) = (U(t, σ)ϕ)(θ), vide a Definição 3.8, e levando em consideração a definição do operador K acima, obtemos: 1. Se t+ θ ⩾ σ, então (U(t, σ)ϕ)(θ) = x(t+ θ, σ, ϕ) = T (t+ θ − σ)ϕ(0) + ∫ t + θ σ T (t+ θ − s)F (s, xs(σ, ϕ)) ds = (T̂ (t− σ)ϕ)(θ) + (K(t, σ)ϕ)(θ). 2. Se t+ θ ⩽ σ, (U(t, σ)ϕ)(θ) = x(t+ θ, σ, ϕ) = x(σ + (t− σ + θ), σ, ϕ) = xσ(t− σ + θ, σ, ϕ) = ϕ(t− σ + θ) = (T̂ (t− σ)ϕ)(θ). Operador solução 51 Portanto, segue que U(t, σ) = T̂ (t− σ) +K(t, σ), em que (T̂ (t))t⩾ 0 ⊂ L (B) é um C0-semigrupo em B tal que (T̂ (t)ϕ)(θ) := T (t+ θ)ϕ(0), t+ θ ⩾ 0, ϕ(t+ θ), t+ θ ⩽ 0, para todo θ ∈ (− ∞, 0]. Por uma questão de clareza, verifiquemos, de fato, que a família (T̂ (t))t⩾ 0 define um C0-semigrupo em B. Lema 3.9. A família (T̂ (t))t⩾ 0 ⊂ L (B), tal que (T̂ (t)ϕ)(θ) := T (t+ θ)ϕ(0), t+ θ ⩾ 0, ϕ(t+ θ), t+ θ ⩽ 0, para todos ϕ ∈ B e θ ∈ (− ∞, 0], define um C0-semigrupo em B. Demonstração: Verifiquemos que (T̂ (t))t⩾ 0 verifica as condições da Definição 2.1. Com efeito, se t = 0, então (T̂ (0)ϕ)(θ) = ϕ(θ), para todos ϕ ∈ B e θ ∈ (− ∞, 0], de maneira que T̂ (0) = I, sendo I o operador idêntico em B. Para comprovarmos que (T̂ (t))t⩾ 0 satisfaz, de fato, a propriedade exponencial de semigrupo, vejamos que (T̂ (s+ t)ϕ)(θ) = T (s+ t+ θ)ϕ(0), s+ t+ θ ⩾ 0, ϕ(s+ t+ θ), s+ t+ θ ⩽ 0. (3.3) Por outro lado, [(T̂ (s) T̂ (t))ϕ](θ) = T (s+ θ) (T̂ (t)ϕ)(0), s+ θ ⩾ 0, (T̂ (t)ϕ)(s+ θ), s+ θ ⩽ 0. (3.4) Provemos que as igualdades (3.3) e (3.4) são equivalentes. No primeiro caso da igualdade (3.4), temos que (T̂ (t)ϕ)(0) = T (t)ϕ(0), de maneira que T (s+ θ)T (t)ϕ(0) = T (s+ t+ θ)ϕ(0) = (T̂ (s+ t)ϕ)(θ). No segundo caso, temos que (T̂ (t)ϕ)(s+ θ) := T (s+ t+ θ)ϕ(0), s+ t+ θ ⩾ 0, ϕ(s+ t+ θ), s+ t+ θ ⩽ 0. Se s+ t+ θ ⩾ 0, então (T̂ (t)ϕ)(s+ θ) = T (s+ t+ θ)ϕ(0) = (T̂ (s+ t)ϕ)(θ) e, se s+ t+ θ ⩽ 0, então (T̂ (t)ϕ)(s+ θ) = ϕ(s+ t+ θ) = (T̂ (s+ t)ϕ)(θ). Operador solução 52 Assim sendo, temos que as igualdades (3.3) e (3.4) acima são, em ambos os casos, equivalentes, o que nos permite concluir que T̂ (s) T̂ (t)ϕ = T̂ (s+ t)ϕ, para toda função ϕ ∈ B, de forma que (T̂ (t))t⩾ 0 satisfaz as propriedades da Definição 2.1. Provemos, agora, que, para toda função ϕ ∈ B, lim t −→ 0+ ∥∥∥T̂ (t)ϕ− ϕ ∥∥∥ B = 0. Pois bem, pelo axioma (B1)(2), temos que∥∥∥T̂ (t)ϕ− ϕ ∥∥∥ B ⩽ K(t) sup 0⩽ s⩽ t ∥T (s)ϕ(0) − ϕ(0)∥ +M(t) ∥∥∥T̂ (0)ϕ− ϕ ∥∥∥ B ⩽ K̂ sup 0⩽ s⩽ t ∥T (s)ϕ(0) − ϕ(0)∥ , (3.5) em que K̂ = sup 0⩽ s⩽ t K(s). Como ∥T (t)ϕ(0) − ϕ(0)∥ −→ 0, a medida que t −→ 0+, concluímos, fazendo t −→ 0+ na desigualdade (3.5) acima, que lim t −→ 0+ ∥∥∥T̂ (t)ϕ− ϕ ∥∥∥ B = 0, como queríamos. Se B é um espaço com memória amortecida e ∥T (t)∥ ⩽Mω e ωt, para t ⩾ 0, ω ∈ R e Mω > 1, então ∥∥∥T̂ (t) ∥∥∥ ⩽ (JMω H +M) eω+t, em que J > 0 está nos conformes do Lema 2.43, M = (1 +HJ) sup t⩾ 0 ∥S0(t)∥ e ω+ é tal que ω+ = max {ω, 0}. Com efeito, pela desigualdade (2.13) (Seção 2.5), vem∥∥∥T̂ (t)ϕ ∥∥∥ B ⩽ J sup σ ⩽ s⩽ t ∥T (s)ϕ(0)∥ +M ∥ϕ∥B ⩽ JMω e ω+t ∥ϕ(0)∥ +M ∥ϕ∥B . Pelo axioma (B1)(2), temos que ∥ϕ(0)∥ ⩽ H ∥ϕ∥B, que nos fornece∥∥∥T̂ (t)ϕ ∥∥∥ B ⩽ JMω e ω+tH ∥ϕ∥B +M ∥ϕ∥B = (JMω e ω+tH +M) ∥ϕ∥B , de maneira que∥∥∥T̂ (t) ∥∥∥ ⩽ JMω e ω+tH +M ⩽ JMω e ω+tH +Meω+t = (JMω H +M) eω+t, como desejado. Nosso próximo resultado diz respeito a compacidade do operador K(t, σ). Para tanto, é necessário que recordemos os Lemas 2.40 e 2.41, que foram vistos na Seção 2.3, bem como a notações (T ∗ u)(t) := ∫ t a T (t − s)u(s) ds, para t ∈ [a, b] e T ∗ U := {T ∗ u : u ∈ U }, para U ⊂ C ([a, b], E). Operador solução 53 Lema 2.40. Sejam U ⊂ C ([a, b], E) limitado e (T (t))t⩾ 0 um C0-semigrupo em E. Então, 1 2γT ω(t, T ∗ U ) ⩽ sup a⩽ τ ⩽ t α(T ∗ U (τ)) ⩽ α ((T ∗ U | [a, t])) ⩽ γT sup a⩽ τ ⩽ t α ((T ∗ U )(τ)) , para todo t ∈ [a, b], em que γT = lim sup t −→ 0+ ∥T (t)∥. Em particular, se (T (t))t⩾ 0 é um C0-semigrupo de contrações em E, então α ((T ∗ U | [a, t])) = sup a⩽ τ ⩽ t α ((T ∗ U )(τ)) . Lema 2.41. Seja W = (xn)n ∈N uma família enumerável de