UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS FELIPE ZANIOLO DE OLIVEIRA O TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL E SEU COMBATE PELA POLÍCIA FEDERAL FRANCA 2024 FELIPE ZANIOLO DE OLIVEIRA O TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL E SEU COMBATE PELA POLÍCIA FEDERAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal Orientador: Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges. FRANCA 2024 FELIPE ZANIOLO DE OLIVEIRA O TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL E SEU COMBATE PELA POLÍCIA FEDERAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais ___________________________________________________________________ Prof. Ms. Fernando Augusto Risso - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais ___________________________________________________________________ Prof. Ms. Gabriel Menezes Horiquini – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Franca, 03 de julho de 2024. AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais, Viviani e Gilberto, a quem devo tudo, por sempre me proporcionarem o melhor, por me fornecerem todas as ferramentas necessárias e por promoverem, assiduamente, o cenário favorável para que eu pudesse perseguir meus sonhos. À Letícia, por estar ao meu lado em todos os momentos. Aos meus amigos, em especial Gabriel, Rienzzi, Nicolas, Tainá, Lucas, Vitor e Mateus, por tornarem essa caminhada muito mais leve e especial. Agradeço especialmente ao Fernando, pelas incansáveis dúvidas sanadas e por todo o esforço despendido no auxílio da elaboração do presente trabalho. Ao meu orientador, Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges, pela orientação deste Trabalho de Conclusão de Curso e pelas admiráveis aulas ao longo da graduação. Obrigado. OLIVEIRA, Felipe Zaniolo de. O trabalho análogo à escravidão contemporâneo no Brasil e seu combate pela Polícia Federal. Orientador: Paulo César Corrêa Borges. 2024. 87f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2024. RESUMO Partindo-se da constatação de que os casos de trabalho escravo análogo à escravidão contemporâneo vêm crescendo no Brasil nos últimos anos, este estudo objetivou analisar o seu combate pela Polícia Federal, tendo em vista que é a polícia responsável pela investigação e apuração desse crime, enquanto polícia judiciária da União, bem como faz parte do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, grupo interorganizacional que busca combater o trabalho escravo contemporâneo. Para isso, em um primeiro momento, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental buscando pormenorizar as particularidades desse delito e sua tipificação. Além disso, foi esmiuçado o ordenamento jurídico-policial brasileiro, com intuito de esclarecer como funciona essa atividade crucial no Brasil e detalhar a competência para investigar e apurar o crime do art. 149 do Código Penal. Por fim, foram investigadas algumas dificuldades para a erradicação dessa infração penal no território brasileiro, bem como suscitados alguns casos para entender na prática o funcionamento e a importância da atuação da Polícia Federal nessa matéria. Os resultados apontam que a incidência desse delito está muito mais relacionada com a vulnerabilidade em que os brasileiros e imigrantes estão sujeitos do que necessariamente uma ineficiência dos órgãos policiais e fiscalizadores brasileiros, não obstante exercerem papéis importantíssimos e libertarem centenas e até milhares de vítimas todos os anos. Desse modo é necessária uma abordagem que vise resolver a vulnerabilidade dos grupos suscetíveis à submissão, privilegiando-se a prevenção, ao mesmo tempo em que deve ocorrer um maior investimento nos órgãos e grupos responsáveis pela matéria, bem como do incentivo às investigações policiais e medidas repressivas. Palavras-chave: Trabalho escravo; Contemporâneo; Polícia Federal; Brasil. OLIVEIRA, Felipe Zaniolo de. Contemporary slavery-like labor in Brazil and its combat by the Federal Police. Advisor: Paulo César Corrêa Borges. 2024. 87p. Monograph (Bachelor of Law) - Faculty of Humanities and Social Science, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2024. ABSTRACT Based on the observation that cases of contemporary slavery-like labor have been increasing in Brazil in recent years, this study aimed to analyze its combat by the Federal Police, considering that it’s the police responsible for investigating and prosecuting this crime, as the judicial police of Brazil. The Federal Police is also part of the “Grupo Especial de Fiscalização Móvel”, an interorganizational group that seeks to combat contemporary slave labor. For this, an initial bibliographic and documentary research was conducted to detail the particularities of this crime and its consummation. Additionally, the Brazilian legal-police framework was examined to clarify how this crucial activity operates in Brazil and to detail the competence/jurisdiction to investigate and prosecute the crime under article 149 of the Brazilian Penal Code. Finally, the study investigated some challenges in eradicating this criminal offense within Brazilian territory, highlighting practical cases to understand the functioning and importance of the Federal Police's role in this matter. The results indicate that the incidence of this crime is more related to the vulnerability faced by Brazilians and immigrants than to inefficiencies of Brazilian law enforcement and oversight agencies, despite their crucial roles in liberating hundreds or even thousands of victims each year. Therefore, an approach that addresses the vulnerability of susceptible groups through prevention is necessary, along with increased investment in the agencies and groups responsible for this issue, as well as encouragement of police investigations and repressive measures. Key-words: Slave labor; Contemporary; Federal Police; Brazil. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 8 1. O CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO 12 1.1 Antecedentes históricos e evolução no Direito brasileiro 16 1.2 Análise do tipo penal 18 2. A POLÍCIA FEDERAL E O COMBATE AO CRIME DO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL 32 2.1 Sistema jurídico policial brasileiro 32 2.1.1 Polícia militar 36 2.1.2 Polícia civil 37 2.1.3 Polícia penal 38 2.1.4 Polícias do Distrito Federal 39 2.1.5 Guarda municipal 40 2.1.6 Forças Armadas 43 2.1.7 Força Nacional de Segurança Pública 44 2.1.8 Polícia Ferroviária Federal 44 2.1.9 Polícia Rodoviária Federal 45 2.2 Polícia Federal 46 2.2.1 A origem da Polícia Federal 48 2.2.2 Funções constitucionais da Polícia Federal 49 2.2.3 Competência para atuar no crime do art. 149 do Código Penal 53 3. A POLÍCIA FEDERAL E AS DIFICULDADES DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL 61 3.1. Fatores socioeconômicos para o favorecimento do trabalho escravo contemporâneo no Brasil 61 3.2. Papel da Polícia Federal no combate ao crime do art. 149 66 3.3. Das dificuldades enfrentadas pela Polícia Federal e outros órgãos estatais no combate ao crime de trabalho análogo à escravidão 69 3.4. Estudo de casos emblemáticos 74 CONCLUSÃO 77 REFERÊNCIAS 79 8 INTRODUÇÃO Um dos primeiros marcos internacionais que serviram como paradigma da proteção contra o trabalho escravo contemporâneo foi a Convenção n° 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1930, que versa sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório. A Convenção foi aprovada na 14° reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, foi acolhida nacionalmente pelo Decreto Legislativo n° 24, de 29 de maio de 1956, e promulgada perante o ordenamento jurídico interno por meio do Decreto n° 41.721, de 25 de junho de 1957 (OIT, 1930). O art. 1°, 1, da Convenção, prevê que todos os membros que a ratificarem se obrigam a suprimir o emprego do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas formas no mais curto prazo possível. Além disso, seu art. 2° prevê o que será considerado trabalho forçado ou obrigatório, nesse sentido: Art. 2 — 1. Para os fins da presente convenção, a expressão ‘trabalho forçado ou obrigatório’ designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade (OIT, 1930, grifo nosso). Além disso, complementando a Convenção n° 29, a OIT aprovou a Convenção n° 105, em 1957, também em Genebra, que versa sobre a Abolição do Trabalho Forçado. A Convenção foi aprovada na 40° reunião da Conferência Internacional do Trabalho, aprovada nacionalmente pelo Decreto Legislativo n° 20, de 30 de abril de 1965, e promulgada perante o ordenamento jurídico interno por meio do Decreto n° 58.822 de 14 de julho de 1966 (OIT, 1957). Seus artigos 1° e 2° preveem a supressão imediata do trabalho forçado ou obrigatório como medida de coerção, educação política ou sanção em razão de opiniões políticas e ideológicas, como medida de disciplina de trabalho, como punição por participação em greves ou como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa, dentre outras medidas (OIT, 1957). Ademais, além dessas Convenções que versam especificamente sobre o tema da escravidão, existem diversos outros instrumentos internacionais de direitos humanos que também trazem em seu conteúdo a proibição da escravidão contemporânea. 9 Nesse sentido é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, quando prevê que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, proibindo expressamente a escravidão, servidão, tortura, tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante e prevê, ainda, medidas atreladas ao trabalho decente. Todas essas previsões, logicamente, não são compatíveis com qualquer tipo de trabalho forçado ou realizado em condições análogas à de escravo (ONU, 1948). Como o Brasil é signatário de todos esses tratados internacionais supramencionados, o país se comprometeu perante a comunidade internacional a erradicar essa prática em seu território. Em sede nacional, a Constituição Federal (CF) de 1988 prevê que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e como objetivos fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária, com prevalência dos direitos humanos (Brasil, 1988). A proibição da tortura e de tratamento degradante está expressamente prevista na Carta Magna em seu art. 5°, inciso III, se tratando de direito fundamental (Brasil, 1988). Nesse ponto, vale destacar que é característica dos direitos fundamentais a relatividade. Isso quer dizer que, embora universais, os direitos fundamentais não são absolutos e podem ser relativizados conforme a situação e o conflito de interesses que dessa surgir. Como exemplo, podemos citar o direito à vida, que embora pareça absoluto, tem sua relativização em caso de guerra declarada, situação em que poderá haver pena de morte, nos termos do art. 5°, inciso XLVII, alínea “a”, da CF/88 (Brasil, 1988). No entanto, o direito de não ser submetido a tortura e nem a tratamento desumano ou degradante é uma, quiçá única, exceção à relatividade dos direitos fundamentais, ou seja, em hipótese alguma será admitida legalmente a submissão de um indivíduo à essas condições, tamanha importância que o constituinte originário conferiu a esse assunto. Os direitos sociais dos trabalhadores urbanos e sociais estão assegurados no art. 7°. Alguns dos mais pertinentes à temática são: direito ao salário-mínimo, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família; duração do trabalho normal, não superior a oito horas diárias; repouso semanal remunerado (Brasil, 1988). A CF, em seu art. 243, ainda prevê a possibilidade de expropriação e a redistribuição da propriedade dos empregadores que usufruem do trabalho forçado, 10 reforçando a seriedade dessa violação aos direitos individuais. A expropriação e redistribuição da propriedade dos empregadores que se beneficiam desse tipo de prática pode ser vista como uma medida de justiça reparadora, buscando corrigir as injustiças sofridas pelos trabalhadores, através da destinação das propriedades à reforma agrária e a programas de habitação popular. Vale mencionar que, o direito penal, enquanto ultima ratio, desempenha um papel fundamental na sociedade ao estabelecer normas e sanções para coibir condutas que ameacem ou causem lesão a bens jurídicos considerados essenciais para a ordem social. Com efeito, a conduta de submeter outrem a condições de trabalhos forçados, degradantes e desumanos busca proteger o bem jurídico da dignidade e da liberdade individual e está penalmente tipificada no art. 149 do Código Penal brasileiro. Não obstante todos os direitos individuais e coletivos garantidos pela Constituição de 1988, todos os tratados internacionais sobre a matéria, bem como a previsão de sanções criminais, cíveis e trabalhistas, o trabalho em condições análogas à escravidão continua persistindo no Brasil, mesmo após um século da abolição da escravatura. Se foram estabelecidas tantas medidas, direitos a serem observados, e punições, deve-se então buscar as razões pelas quais os criminosos não se intimidam e não deixam de aplicar os métodos análogos ao escravagista de trabalho. Além disso, com o processo de globalização, que acentua o movimento migratório, o problema tem aumentado de modo assustador nas últimas décadas, atingindo pessoas dos mais variados grupos. O presente trabalho busca trazer à luz as nuances relacionadas ao combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil contemporâneo, especialmente com relação à Polícia Federal, e almeja compreender como esse crime é perpetrado hodiernamente, quem são os autores, vítimas, os reflexos para a sociedade e analisar a atuação estatal para investigar e reprimir esse tipo penal, bem como sua eficácia. Assim sendo, o presente estudo foi estruturado em 3 capítulos. O primeiro capítulo aborda o crime de redução à condição análoga à de escravo, todas as formas de consumação do crime e suas nuances. Por sua vez, o segundo capítulo aborda o sistema jurídico policial brasileiro, com enfoque na Polícia Federal, enquanto polícia judiciária da União, responsável pela investigação do trabalho escravo no Brasil, e membro atuante do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), sua cronologia e 11 funções essenciais. E, por fim, o terceiro capítulo aponta algumas dificuldades para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil. A elaboração deste trabalho, na área das ciências sociais aplicadas, de caráter qualitativo, tem a finalidade básica pura, do tipo descritiva, por meio de pesquisas bibliográficas, documentais, análises de artigos e legislações, obtidos por coleta de dados secundários, com o fim de analisar a existência do crime de redução à condição análoga à escravidão no Brasil e seu combate pela Polícia Federal. Primeiramente, fez-se um levantamento de bibliografia especializada sobre o tema da escravidão e do crime de redução a condição análoga à escravidão, por meio da biblioteca física da UNESP e a biblioteca digital (https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/) e, posteriormente, foi realizado o fichamento de tais bibliografias. Posteriormente, fez-se a análise do tipo penal do art. 149 do Decreto-Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) juntamente com bibliografia especializada sobre o crime, na mesma base de dados supramencionada, como por exemplo Cleber Masson (2019), Guilherme de Souza Nucci (2023), Rogério Greco (2022), Damásio de Jesus (2020), Victor Eduardo Rios Gonçalves (2021), Pedro Lenza (2022) e Paulo César Corrêa Borges (2013 e 2015). Sobre o mesmo assunto, foram analisados instrumentos internacionais que versem sobre o trabalho escravo e seu combate no âmbito internacional. Além disso, foram analisados artigos, notícias e bancos de dados especializados sobre os casos recentes e mais emblemáticos de redução a condição análoga de escravidão no Brasil contemporâneo. Ao final, espera-se constatar se o combate ao crime de redução a condição análoga à de escravo pela Polícia Federal está sendo efetivo ou não, bem como sugerir medidas potencialmente mais efetivas que tenham como objetivo a erradicação ou diminuição da prática desse grave crime no Brasil. 12 1. O CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO A título introdutório, vale salientar que a escravidão não é um assunto recente na história das civilizações. Na civilização egípcia, aproximadamente datada do Século XXXII a.C. ao Século I a.C., quando a rainha Cleópatra VII foi derrotada na Batalha de Ácio e o Egito passou a pertencer ao Império Romano (Andrade, 2013, p. 1), o trabalho escravo já era utilizado, principalmente na construção de obras públicas, como barragens ou templos (Pinsky, 2010, p. 8). Na Antiguidade Clássica, na Grécia e em Roma, a escravidão era o motor gerador de riqueza. Os escravos eram comprados ou obtidos após as batalhas e nunca perdiam essa condição (Pinsky, 2010, p. 8). No Brasil, no entanto, a escravidão é recente, decorrendo da “descoberta” do país pelos portugueses, isso porque não há registro de relações escravistas nas sociedades nativas (Pinsky, 2010, p. 9). No primeiro século de história do nosso país (Séc. XVI), já foi registrado a escravização dos povos indígenas. Somente em momento posterior foi registrada a escravização do negro, nas lavouras de cana de açúcar e posteriormente nas de café (Pinsky, 2010, p. 18). De acordo com Marcelo Roberto Campos, assim que se deu a chegada dos portugueses no Brasil, deu-se início à escravidão. Primordialmente, tentaram utilizar a mão de obra escrava de origem indígena, no entanto, pela alta taxa de mortalidade decorrente das “novas doenças” trazidas pelos portugueses da Europa, bem como das péssimas condições a que eram expostos, “os índios foram considerados incapazes de exercer as atividades qualificadas” (Campos, 2019). Além disso, Campos também observa que a prática da escravidão indígena também foi interrompida pelos missionários cristãos, porquanto eles desejavam catequizar os povos indígenas, impedindo, assim, que fossem escravizados (Campos, 2019). Somente com o fim da utilização da mão de obra indígena que começou a substituição pelos escravizados africanos, transportados nos porões de navios negreiros, trabalhando em condições subumanas, vivendo em senzalas, com o uso de chicote como castigo, configurando, dessa maneira, a escravidão “clássica” que temos conhecimento. 13 Nesse ponto, vale ressaltar que a escravidão contemporânea não se confunde com a escravidão “clássica”, principalmente tendo em vista as diferenças de valor comercial das vítimas, os principais meios de violência empregados e o critério para a escolha das vítimas. No que concerne ao valor comercial das vítimas, vale ressaltar que na escravidão “clássica”, o escravizado é negociado como uma mercadoria, os senhores de escravos os arrematavam e ele era tido como patrimônio, como propriedade de seu possuidor, inclusive possuía um valor de mercado alto. No entanto, na escravidão contemporânea, a vítima não possui valor comercial algum, sendo facilmente substituída. No quesito violência, na contemporaneidade, em alguns casos, os meios de coerção utilizados pelos exploradores não são observáveis como antigamente (com guardas armados e trabalhadores confinados a espaços fechados), mas são exercidas de maneira sutil e não observável imediatamente, utilizando-se de retenção de documentos ou ameaças veladas. A forma de violência também se distingue, tendo em vista que no Brasil Colonial eram utilizados castigos físicos extenuantes, de encontro ao que ocorre preponderantemente na atualidade, em que a violência é psicológica. Nesse sentido explica Victor Hugo de Almeida: Conquanto a descrição de trabalho escravo ou de escravidão muito se assemelhe à descrição de escravidão contemporânea, o escravo contemporâneo não possui valor comercial algum, pelo contrário, é facilmente descartado quando não mais interessa aos objetivos econômicos e lucrativos do tomador dos serviços. Ao contrário, o escravo do Brasil Colonial possuía alto valor de mercado e era tido como patrimônio, podendo ser alienado, leiloado ou trocado. Ademais, o escravo do Brasil Colonial não possuía qualquer direito, sobretudo trabalhista, razão pela qual a exploração de sua força de trabalho era considerada lícita até o advento da Lei Áurea; já o escravo contemporâneo tem ao seu favor direitos, inclusive trabalhistas e previdenciários, embora deles seja privado em razão das condições de trabalho a ele impostas, cuja ilicitude é prevista no art. 149 do Código Penal. [...] Por fim, a rígida disciplina aplicada ao escravo do Brasil Colonial prevista castigos físicos, diferentemente do que ocorre com o escravo contemporâneo, cuja violência, ao que se tem notícia, é preponderantemente psicológica, o que não se quer dizer se tratar de alguma vantagem (Almeida, in: Borges, 2015). 14 Tal entendimento também é consubstanciado pela ministra Rosa Weber, em sede do Inquérito 3.412/AL, quando evidencia que “A ‘escravidão moderna’ é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento a liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos” (Brasil, STF, 2012). No tocante à escolha das vítimas, o trabalho escravo contemporâneo não está diretamente relacionado com questões raciais, como na escravidão do Brasil Colonial, com a utilização devastadora da mão de obra da população negra. Hodiernamente, o trabalho escravo está principalmente relacionado a fatores socioeconômicos e aos diversos tipos de vulnerabilidade - assunto que será melhor detalhado em capítulo posterior. Nesse sentido explica Campos: Ainda nos dias atuais, a busca desenfreada por lucros cada vez maiores, os direitos trabalhistas estão sendo abrandados. Os trabalhadores ficam cada vez mais fragilizados em virtude da desigualdade social, da falta de instrução educativa e o não conhecimento dos seus direitos, ainda sendo capazes de acreditar em falsas promessas e, por ignorância, a não lutar por progressos trabalhistas. É importante ressaltar que o trabalho escravo nos dias atuais, não está abotoado somente com questões raciais, mas principalmente a fatores socioeconômicos. Para tanto, torna-se extrema necessidade distinguir o que é escravidão na antiguidade e nos dias atuais (Campos, 2019). Somente após 388 anos de escravidão, no dia 13 de maio de 1888, a Lei Áurea foi aprovada pelo Senado e sancionada pela princesa Isabel de Orleans e Bragança, que exercia a regência pela ausência de seu pai, Dom Pedro II, abolindo a escravatura no Brasil (Brescianini, 2019). No entanto, embora formalmente abolida, o trabalho forçado e em condições desumanas e degradantes continuou existindo no Brasil, principalmente tendo em vista que o governo brasileiro não proporcionou condições mínimas para as pessoas recém-livres, “nunca houve nenhum projeto social desenvolvido para ajudar os que saíram do cativeiro” (Campos, 2019). “Trazendo a discussão para nosso quintal, não devemos esquecer de que até 1888, ou seja, a pouco mais de um século, convivíamos com o regime escravo, no qual o escravo era um objeto do homem livre. A partir daí, com a 15 abolição, o escravo passa a ser um homem livre, de objeto para sujeito de direito, todavia, sem um projeto social que o acolhesse em tal condição, sendo, na época, relegado à própria sorte. Homem livre, sujeito de direito, mas escravo de uma cultura opressora, racista e preconceituosa, que mesmo agora, após vários lustros, ainda carrega em seu âmago, mesmo que de forma velada, o ranço do passado.” (Cardoso, in: Borges, 2015). Além do abandono e da falta de políticas públicas de transição, com o começo da República, teve início a chamada “grande imigração europeia”, gerando a substituição da mão de obra da população negra pela mão de obra italiana, principalmente, ocasionando maior abandono e maior desinteresse do governo brasileiro. Nesse sentido explica José de Souza Martins, em seu livro intitulado “O Cativeiro da Terra”: No debate parlamentar as coisas se encaminharam para a promoção da imigração de trabalhadores livres, do exterior, tendo-se cogitado, até mesmo, na servidão temporária dos trabalhadores. Nesse ponto refletiu-se o fato de que, no Brasil, a escravidão era o principal recurso institucional para garantir aos fazendeiros uma oferta de força de trabalho compatível com a demanda de seus empreendimentos. [...] Esse ponto de conciliação ideológica foi alcançado imediatamente antes da abolição da escravatura e constituiu a base para o que foi definido como "a grande imigração", entre 1886/1888. [...] A predominância de italianos nas correntes migratórias para o Brasil não pode ser absolutamente explicada sem a mediação das necessidades de reprodução do capital na grande fazenda de café. O italiano submisso, proveniente das áreas em que a economia ainda estava baseada em relações pré-capitalistas, preenchia uma condição essencial à reprodução capitalista numa economia, como a cafeeira, que continuava a mesma apesar da abolição legal da escravatura (Martins, 2010, grifo nosso). Partindo para uma abordagem mais atual, os casos de trabalhadores em condições análogas à escravidão no Brasil estão em uma crescente significativa no século XXI. Dados mostram que em 2001, foram libertados 1.135 trabalhadores escravizados e em 2005 o número aumentou para 4.282, um aumento de quase 400% dos casos (Théry et al., 2012, p. 20). 16 No ano de 2021, foram resgatados 732 trabalhadores a partir de operações da Polícia Federal, Rodoviária Federal, Civil e Militar, um aumento significativo em relação ao ano anterior, em que foram resgatadas 419 pessoas (CNN BRASIL, 2022). Já no ano de 2022, o número aumentou para 2.575 vítimas desse crime (GOV.BR, 2023). Ademais, no ano de 2023 o cenário não aparenta ser muito promissor, somente nos primeiros 100 dias do ano foram resgatados 1.127 trabalhadores em situação análoga à de escravo, maior patamar em 15 anos para esse período (Sakamoto, 2023a). Dados do Ministério do Trabalho e Emprego indicam que entre 1° de janeiro e 21 de dezembro de 2023 o Brasil registrou o maior número de denúncias de trabalho escravo da história, além disso, foram resgatados 3.151 trabalhadores, o maior número dos últimos 14 anos, tendo a região Sudeste liderado o ranking de resgates por região (Fraga, 2024). Portanto, trata-se de um dos crimes mais graves do ordenamento jurídico penal brasileiro, pois atinge o bem jurídico da liberdade e da dignidade, então, é imprescindível que a academia se debruce sobre o tema, sendo objetivo deste trabalho verificar as nuances do crime e do combate pela Polícia Federal. 1.1 Antecedentes históricos e evolução no Direito brasileiro A punição para a escravização de um indivíduo livre já é datada do direito romano, que previa o delito de “plagium”, que serviu de inspiração para a tipificação brasileira do crime de redução a condição análoga à de escravo, tendo em vista constar da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal de 1940, no item 51, último parágrafo. O texto mencionava: No art. 149, é prevista uma entidade ignorada do Código Vigente: o fato de reduzir alguém, por qualquer meio, à condição análoga à de escravo, isto é, suprimir-lhe, de fato, o status libertatis, sujeitando-o o agente ao seu completo e discricionário poder. É o crime que os antigos chamavam plagium. Não é desconhecida a sua prática entre nós, notadamente em certos pontos remotos de nosso hinterland (Filho, in: Borges, 2015). 17 Um fator interessante a se mencionar, é que no direito romano, a instituição da escravidão era legalmente admitida, inclusive era muito utilizada, no entanto, o que se punia era a conduta irregular de tal “direito”, a utilização indevida da escravidão, quando da submissão de um indivíduo livre. Nesse sentido: Quando o Direito Romano proibia a condução da vítima, indevidamente, ao estado de escravidão, cujo nomen iuris era plagium, o bem jurídico tutelado não era propriamente a liberdade do indivíduo, mas o direito de domínio que alguém poderia ter ou perder por meio dessa escravidão indevida (Bitencourt apud Filho, 2014). Portanto, apesar da expressa inspiração, e da infração penal objeto do presente trabalho também ser conhecida doutrinariamente como plágio, nota-se que os institutos são distintos, tutelando bens jurídicos diferentes. O fato de ser conhecido também como plágio pode ter se dado porque, no Brasil, ocorreu um panorama semelhante ao do Direito Romano, tendo em vista que o Código Criminal do Império de 1830, que estava vigente durante o período escravista, incriminava a escravidão de pessoa livre, da mesma forma que o “plagium” romano (Souza, 2022). O Código de 1890, já posterior à abolição da escravidão em 1888, não tipificou nenhum tipo de figura que visava proibir a submissão de indivíduos livres à escravidão. Tal instituto somente retornou, com nova roupagem, por meio do Código Penal de 1940 (Souza, 2022). O art. 149 do Código Penal Brasileiro previa expressamente o seguinte texto: “Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo. Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.” (Filho, 2014). Observa-se, por sua vez, que a redação originária do texto legal era muito ampla e previa o crime como de execução livre, ou seja, poderia ser “praticado de qualquer modo pelo agente, não havendo, no tipo penal, qualquer vínculo com o método” (Nucci, 2023). Nesse sentido: “com efeito, pela redação originária, o delito era de ação livre, porque o texto legal não definia exatamente quais condutas deveriam ser consideradas criminosas, o que dificultava o enquadramento.” (Gonçalves, 2021). 18 Depois de passados 63 anos da redação original, a Lei n° 10.803, de 11 de dezembro de 2003 alterou a redação do art. 149 e trouxe, expressamente, as formas de execução do delito, tornando-o de ação vinculada, ou seja, permitindo a “tipificação do ilícito sempre que se mostrar presente quaisquer das condutas típicas nele elencadas” (Gonçalves, 2021). Com a alteração da Lei n° 10.803, de 11 de dezembro de 2003, a redação do art. 149 do Código Penal passou a conter o seguinte texto: Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo- o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho (Brasil, 1940). Mencionadas as origens históricas e a evolução do crime no ordenamento jurídico brasileiro, cabe uma minuciosa análise a respeito da classificação doutrinária deste tipo penal e suas elementares normativas e subjetivas. 1.2 Análise do tipo penal Quanto aos sujeitos, tanto ativo quanto passivo, que são as pessoas que praticam a conduta descrita pelo tipo penal e o titular do bem jurídico protegido pela norma penal, respectivamente, Damásio de Jesus expressa sua opinião no sentido de que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo e passivo, tornando esse tipo penal um delito comum, ou seja, com sujeitos comuns, porque “a norma incriminadora não faz nenhuma restrição ou exigência quanto a qualidade pessoal do autor ou do ofendido” (Jesus, 2020). 19 Rogério Greco, por sua vez, estabelece que, quanto aos sujeitos, o crime é bipróprio, ou seja, é próprio quanto ao sujeito ativo e próprio quanto ao sujeito passivo, exigindo uma condição específica, um sujeito especial ou qualificado. No caso em questão, Greco argumenta que o crime é bipróprio tendo em vista que o sujeito ativo deve ter a condição específica de empregador e o sujeito passivo deve ser, necessariamente, o empregado que se encontra numa condição análoga à de escravo, devendo “existir entre eles relação de trabalho.” (Greco, 2022). Nesse sentido também é o entendimento de Nucci, que estabelece que o sujeito ativo deve ser o empregador e/ou seus prepostos e o sujeito passivo deve, necessariamente, ser o empregado, em qualquer tipo de relação de trabalho (Nucci, 2023). Quanto à consumação, trata-se de um crime permanente, já que sua consumação se prolonga no tempo, perdurando enquanto a vítima estiver submetida ao criminoso. Em se tratando de crime permanente, admite-se a prisão em flagrante enquanto não cessar a sua realização, além de não ser contada a prescrição enquanto não finde a permanência (Nucci, 2023). Nesse ponto, vale ressaltar que, de acordo com Victor Eduardo Rios Gonçalves, para que se configure o crime em foco, a situação de submissão deve perdurar por um período razoavelmente longo, “de modo a ser possível a constatação, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, de que houve uma completa submissão da vítima ao agente”. De modo contrário, se a sujeição da vítima acontecer de maneira eventual, “pode caracterizar crime de maus-tratos (art. 136) ou constrangimento ilegal (art. 146)” (Gonçalves, 2021). Em contrapartida, Nucci e Greco argumentam que a consumação do delito não necessita de período razoavelmente longo, se consumando no momento em que a vítima é privada de sua liberdade de ir e vir, mediante as formas previstas no art. 149 do CP. Quanto ao elemento subjetivo, é pacífico que o fato só é punível a título de dolo, que é a vontade livre e consciente de exercer domínio sobre outra pessoa. O dolo relaciona-se com a intenção específica de alcançar uma das 7 hipóteses e finalidades previstas no corpo do artigo 149. Ressalta-se que não se admite a modalidade culposa (por imprudência, negligência ou imperícia) ante ausência de previsão legal (Greco, 2022). 20 Em contrapartida aos demais doutrinadores analisados, Greco ainda estabelece a possibilidade de punição a título de dolo eventual, que ocorre quando o agente não deseja o resultado, mas assume o risco de produzi-lo (Greco, 2022). Nessas hipóteses, deve ser analisada as circunstâncias do caso concreto, tais como os meios empregados, a apreciação da situação precedente, o comportamento do agente posteriormente ao crime e sua personalidade, para determinar se o indivíduo desejava ou não o resultado alcançado (Masson, 2019). Além disso, de acordo com Nucci, é um crime comissivo, ou seja, é praticado por intermédio de uma ação, ou seja, existe a previsão expressa de punição para aquele que realizar ativamente uma das condutas previstas no corpo do art. 149. Greco, por sua vez, expressa que além de comissivo, o delito em questão pode ser praticado de maneira omissiva imprópria (ou crime comissivo por omissão), que ocorre quando há o dever de agir para impedir o resultado por um indivíduo garantidor (Greco, 2022). Ademais, no que tange a consumação do delito, trata-se de um crime material, ou seja, exige-se a produção do resultado visado pelo sujeito ativo. No caso em questão, é necessária a efetiva redução da vítima a condição semelhante à de escravo, e na opinião de Gonçalves, inclusive por período prolongado de tempo, como já mencionado (Gonçalves, 2021). De acordo com Nucci, trata-se de um crime de dano, somente se consumando com a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado e a ocorrência efetiva de um prejuízo (Nucci, 2023). Quanto à quantidade de indivíduos necessários para a prática, a infração em questão possui a característica de ser unissubjetiva, ou monossubjetiva, podendo ser praticada por uma só pessoa (Nucci, 2023). Quanto à exigência de quantidade de atos, trata-se de crime plurissubsistente, ou seja, para que ocorra a consumação, é necessária a existência de diversas condutas somadas. Por se tratar de crime plurissubsistente, admite tentativa, mas, de acordo com Nucci, a tentativa é de “difícil configuração” (Nucci, 2023). Damásio de Jesus estabelece que a tentativa é possível, expressando ainda um exemplo, que ocorreria quando “a conduta do sujeito é interrompida quando está transportando a vítima a fim de servir-lhe, como se fosse escravo, em determinado lugar.” (Jesus, 2020). No entanto, infere-se que nessa hipótese, possivelmente estaríamos diante de uma tentativa do crime de tráfico de pessoas com fim de 21 submeter a pessoa a trabalho em condições análogas à de escravo, previsto no art. 149-A, inciso II, do Código Penal. Nesse ponto, vale explicar que a tentativa é possível tendo em vista a possibilidade de fracionamento do “iter criminis”, ou caminho do crime, que corresponde às etapas percorridas pelo agente para a prática de um fato típico e é composto por quatro etapas distintas, sendo elas: cogitação; preparação; execução; consumação. Nos crimes permanentes, como é o caso do delito analisado no presente capítulo, como a manutenção da situação ilícita perdura por um certo período, a consumação se arrasta durante esse período, motivo pelo qual é possível a prisão em flagrante a qualquer momento, enquanto não encerrada a permanência (Masson, 2019). Quanto à forma da realização do delito, o crime em análise, atualmente, é de forma vinculada, ou seja, só pode ser cometido se realizadas as condutas típicas elencadas expressamente no tipo penal, condutas essas que serão objeto de análise posterior. Nesse ponto, vale ressaltar que, conforme já mencionado, antes da nova redação dada pela Lei n° 10.803, de 11 de dezembro de 2003, o crime era de forma livre, bastando atingir o resultado, independentemente da forma utilizada. Trata-se, ainda, de crime de ação múltipla, ou seja, o tipo penal prevê diversas condutas em seu núcleo, bastando a realização de uma só conduta para a caracterização do delito. No entanto, a realização de várias condutas, em relação à mesma vítima, constitui crime único (Gonçalves, 2021). Ainda versando sobre as condutas trazidas pelo tipo penal, vale ressaltar que as condutas são taxativas, não exemplificativas. O sujeito ativo deve realizar um ato que esteja expressamente previsto no texto legal, não se admitindo o uso de analogia para estender a outras hipóteses (Gonçalves, 2021). O objeto material desse delito, ou seja, o bem jurídico que sofre as consequências danosas da conduta criminosa é a própria pessoa a qual recai a conduta do sujeito ativo, é propriamente o indivíduo que sofreu a privação da liberdade. É mister ressaltar que toda infração penal tutela algum bem jurídico. No caso em questão, o art. 149 do CP, primariamente, tutela o bem jurídico da liberdade da vítima, abrangendo tanto a liberdade pessoal e de trabalho, quanto a liberdade de locomoção. 22 A liberdade pessoal é aquela que permite a realização de escolhas de acordo com a livre determinação do indivíduo podendo decidir o que fazer, como, quando e onde fazer. A liberdade de trabalho é a capacidade do empregado de autodeterminar- se e poder decidir sobre as condições em que desenvolverá a prestação dos serviços, como também quais serviços prestará (Filho, in: Borges, 2015). A liberdade de locomoção, por sua vez, é aquela propriamente sobre o direito de ir e vir, ou de até mesmo permanecer onde queira (Greco, 2022). A noção de que o art. 149 busca proteger a liberdade se materializa também pela própria localização do crime no Capítulo VI, que trata dos crimes contra a liberdade individual. Quanto ao assunto, Nucci estabelece que: Poder-se-ia até mesmo sustentar que o crime de redução a condição análoga à de escravo ficaria mais bem situado no contexto dos crimes contra a organização do trabalho, mas a razão de se cuidar dele no Capítulo VI do Título I da Parte Especial é o envolvimento da liberdade individual de ir e vir (Nucci, 2023). De acordo com Filho (Filho, in: Borges, 2015), a jurisprudência do STF tem caminhado para a compreensão de que há dois bens jurídicos tutelados pelo art. 149: a dignidade e a liberdade. A violação da dignidade ocorre pela coisificação do trabalhador, o tratando como um ser sub-humano e exercendo sobre ele uma certa noção de propriedade. Tal entendimento é consubstanciado pela ministra Rosa Weber, em sede do Inquérito 3.412/AL: EMENTA: PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos 23 básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais (Brasil, STF, 2012, grifo nosso). Greco, por sua vez, de maneira mais ampla, ainda afirma que, além da liberdade da vítima em todas suas acepções e a dignidade, também é tutelado no tipo penal em questão a vida, a saúde e a segurança do trabalhador (Greco, 2022). Quanto à ação penal, o delito em questão é de ação penal pública incondicionada, ou seja, é pública porque a ação penal será movida pelo próprio Estado, por meio do Ministério Público, tendo como peça inaugural a denúncia, ao contrário da ação penal privada, que é movida pela própria vítima e seu advogado, por meio de queixa-crime (Lima, 2019). Além disso, é incondicionada porque a atuação do Ministério Público e da Polícia não depende de manifestação da vontade da vítima nem de terceiros. A partir do momento em que a autoridade policial tomar conhecimento do fato delituoso, poderá iniciar a investigação por meio de inquérito policial. Da mesma forma, verificando a presença das condições da ação e havendo justa causa para o oferecimento da denúncia, a atuação do MP prescinde do implemento de qualquer condição (Lima, 2019). Vale ressaltar que qualquer tipo de consentimento do ofendido é irrelevante, ou seja, mesmo que a vítima tenha aceitado os termos e circunstâncias em que exerceria o trabalho, a configuração do delito ocorre independentemente, tendo em vista que “status libertatis” (estado de livre ou situação de liberdade) constitui bem jurídico indisponível, não podendo a vítima dispor de tal direito (Maggio, 2017). Nesse ponto, vale ressaltar que o tipo da ação penal está diretamente ligada com a gravidade do delito, estando as infrações mais gravosas enquadradas como de 24 ação penal pública incondicionadas, como nos casos de homicídio, extorsão mediante sequestro, genocídio, estupro, estupro de vulnerável, dentre outros. Já os crimes considerados como menos graves ficariam a cargo da ação penal pública condicionada à representação ou até mesmo da ação penal privada, como por exemplo lesão corporal leve, ameaça, injúria, calúnia, difamação etc. Portanto, no crime em análise, a natureza de ação pública incondicionada é a manifestação da própria gravidade do delito, na medida que o Estado toma para si a responsabilidade de investigar e processar o agente da maneira mais célere e eficaz possível, prescindindo da participação da(s) vítima(s), objetivando reduzir os obstáculos para a persecução penal e mitigar a impunidade. Por fim, impende mencionar que a competência para processar e julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo é da Justiça Federal (competência jurisdicional) e a competência para investigar e apurar é da Polícia Federal (competência investigativa), assunto que será melhor abordado no próximo capítulo. Realizada a análise pormenorizada da classificação doutrinária do tipo penal, é necessário adentrarmos nas elementares normativas, subjetivas e as finalidades específicas previstas no corpo do art. 149 do CP. Em suma, conforme já citado, pode-se dizer que esse artigo prevê sete hipóteses de configuração do crime, quais sejam: (i) submeter a pessoa a trabalhos forçados; ii) submeter a pessoa à jornada exaustiva; iii) sujeitar a pessoa a condições degradantes de trabalho; iv) restringir a locomoção da pessoa em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto; v) cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; vi) manter vigilância ostensiva no local de trabalho; vii) apoderar-se de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. A definição de trabalho forçado pode ser encontrada no art. 2.1 da Convenção n° 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). In verbis: Art. 2 — 1. Para os fins da presente convenção, a expressão ‘trabalho forçado ou obrigatório’ designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade (OIT, 1930, grifo nosso). Nesse sentido também é o entendimento de Greco, que entende como trabalho forçado todo aquele para o qual a vítima não se ofereceu volitivamente. É possível, 25 também, que o trabalho seja inicialmente consentido, mas que depois se revele forçado (Greco, 2022). A jornada exaustiva pode ser entendida como “aquela que culmina por esgotar completamente suas forças, minando-lhe a saúde física e mental” (Greco, 2022). Um bom parâmetro para entender a jornada exaustiva são os intervalos previstos nas leis trabalhistas brasileiras, como o intervalo intrajornada, interjornada, descanso semanal, limite de horas diárias e semanais, etc. A título exemplificativo, a CLT determina que o intervalo interjornada, ou seja, aquele que deve ocorrer entre duas jornadas de trabalho consecutivas, deve ser de, no mínimo, onze horas consecutivas. Quanto ao intervalo intrajornada, aquele exercido dentro do período laboral, a CLT prevê a concessão de um intervalo para repouso e alimentação de, no mínimo, uma hora quando a duração do trabalho exceda seis horas contínuas. Além disso, a CLT assegura um descanso semanal de vinte e quatro horas consecutivas, que, em regra, deverá coincidir com o domingo, ou seja, toda semana de trabalho deverá possuir um dia de folga (Brasil, 1943). Por fim, quanto ao limite de horas trabalhadas, a própria Constituição Federal do Brasil prevê expressamente em seu art. 7°, inciso XIII que é direito do trabalhador a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais” (Brasil, 1988). Portanto, em síntese, qualquer jornada laboral que desrespeite ou até mesmo suprima os limites impostos pela legislação trabalhista e pela Carta Magna podem configurar jornada exaustiva. No que tange às condições degradantes de trabalho, José Cláudio Monteiro de Brito Filho aduz que se consubstanciam naquelas hipóteses Em que há a falta de garantias mínimas de saúde e segurança, além da falta de condições mínimas de trabalho, de moradia, higiene, respeito e alimentação. Tudo devendo ser garantido – o que deve ser esclarecido, embora pareça claro – em conjunto; ou seja, em contrário, a falta de um desses elementos impõe o reconhecimento do trabalho em condições degradantes. Assim, se o trabalhador presta serviços exposto à falta de segurança e com riscos à sua saúde, temos o trabalho em condições degradantes. Se as condições de trabalho mais básicas são negadas ao trabalhador, como o direito de trabalhar em jornada razoável e que proteja sua saúde, garanta-lhe descanso e permita o convívio social, há trabalho em 26 condições degradantes. Se, para prestar o trabalho, o trabalhador tem limitações na sua alimentação, na sua higiene, e na sua moradia, caracteriza- se o trabalho em condições degradantes (Filho, apud Greco, 2022). Assim, o trabalho em condições degradantes se dá quando são desrespeitados direitos básicos inerentes ao trabalhador como indivíduo sujeito de direitos humanos e fundamentais (como o direito à liberdade, saúde, dignidade) e os próprios direitos laborais, como o de ter um ambiente de trabalho seguro, com equipamentos de proteção individual, condições sanitárias mínimas etc. A hipótese de restrição de locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com o empregador pode parecer muito específica, principalmente tendo em vista as outras hipóteses presentes no art. 149 do CP, que possuem caráter amplo, no entanto, trata-se de uma hipótese extremamente frequente. Em grande parte, os aliciadores recrutam os trabalhadores provenientes de outras regiões, prometendo oportunidades de trabalhos e salários dignos. O aliciador transporta os trabalhadores ao local de trabalho, geralmente rural e de difícil acesso, e avisa que toda a despesa com transporte, alimentação e acomodação devem ser devolvidos, já se iniciando o regime de servidão por dívida. O salário prometido normalmente não se concretiza, quando ainda ganham algum valor. Além disso, os trabalhadores são obrigados a comprar remédios, roupas, mantimentos que são vendidos pelo empregador a preços exorbitantes, aumentando mais ainda a suposta dívida das vítimas, gerando um ciclo vicioso de dependência e sujeição a condições indignas de trabalho (Gebrim, in: Borges, 2015). Nesse sentido: Atividade que se tornou muito comum, principalmente na zona rural, diz respeito ao fato de que o trabalhador, obrigado a comprar sua cesta básica de alimentação de seu próprio empregador, quase sempre por preços superiores aos praticados no mercado, acaba por se transformar em um refém de sua própria dívida, passando a trabalhar tão somente para pagá-la, uma vez que, à medida que o tempo vai passando, dada a pequena remuneração que recebe, conjugada com os preços extorsivos dos produtos que lhe são vendidos, torna-se alguém que se vê impossibilitado de exercer seu direito de ir e vir, em razão da dívida acumulada (Greco, 2022). Tal cenário também ocorre nos seringais da Amazônia. De acordo com Filho: 27 Comum na relação entre seringueiros e seringalistas, e também chamado de sistema de barracão, consistia em um sistema de financiamento compulsório da atividade dos primeiros pelos últimos. Os seringueiros, nesse sistema, eram obrigados a entregar o resultado de sua atividade aos seringalistas e, obrigados também a adquirir todos os produtos necessários à atividade e à própria sobrevivência nos barracões dos últimos. Ocorre que, como explica Loureiro (2004, p. 38), “Os preços cobrados por esses artigos eram exorbitantes e os preços pagos pelas bolas de borracha muito baixos. No final, o seringueiro estava sempre devendo ao barracão”. E o que impedia o seringueiro de, percebendo essa dívida perpétua, abandonar o trabalho? Como explica a mesma autora (1989, p. 19), o fato de que “Os seringais eram cuidadosamente controlados por vigias armados, que atiravam naqueles que tentavam fugir deixando dívidas”, além do fato de que os outros seringais só recebiam seringueiro que comprovasse estar quite com o dono do seringal anterior. O seringueiro, então, no sistema do aviamento, pela dívida que não era capaz de pagar, e pelo fato de que, por esse motivo, não podia deixar o garimpo, era claramente pessoa reduzida à condição análoga à de escravo (Filho, in: Borges, 2015, grifo nosso). Outra hipótese de configuração desse crime é a de cercear o uso dos meios de transporte, com a finalidade de reter a vítima no local de trabalho, que ocorre, por exemplo, quando o empregador retira ou impede o acesso ao meio de transporte que poderia levar a vítima a alguma cidade próxima (Maggio, 2017). A penúltima hipótese prevista no corpo do art. 149 do CP é a de manter vigilância ostensiva, com a finalidade específica de manter a vítima em seu local de trabalho. Tal hipótese é extremamente comum em situações de submissão dos trabalhadores, tendo em vista que os empregadores, em grande parte, utilizam-se de vigias armados que visam evitar a fuga das vítimas. Vale ressaltar que deve haver o especial fim de agir de manter a vítima em seu local de trabalho, tendo em vista que “a vigilância, por si só, não caracteriza o crime.” (Maggio, 2017). Por último, temos a hipótese de apoderamento de documentos ou objetos pessoais da vítima, com a finalidade de retê-la no local de trabalho. Tal hipótese, assim como a anterior, é utilizada com o intuito de dificultar mais ainda a fuga das vítimas. Para além de majoritariamente ocorrerem em áreas inóspitas e de difícil acesso, com meios de transporte sabotados pelo empregador, com ausência de 28 recursos materiais para se evadir, os empregadores costumam se apoderar de documentos de identificação, Carteira de Trabalho ou objetos pessoais, com intuito de aumentar a sensação de dependência e a dificuldade da fuga. Nesse sentido: Os documentos de identificação ou Carteiras de Trabalho, quando apresentados, ficam em poder do arregimentador, a fim de criar um vínculo de dependência e reter o obreiro no local do serviço. Em regra, o trabalho é exercido pelos trabalhadores em área rural distante da área urbana ou de difícil acesso, o que dificulta a saída do obreiro do local (Gebrim, in: Borges, 2015). Finalizada a análise de cada uma das hipóteses legais que configuram o delito em estudo, faz-se necessário a análise de outras particularidades, como as causas de aumento de pena, “quantum” da pena, cumprimento da pena, benefícios, fiança e cumulação com outros crimes. Nas causas de aumento de pena, previstas no §2° do art. 149 do Código Penal, temos que a pena será aumentada da metade quando o crime for cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem (Brasil, 1940). A título informativo, na primeira hipótese, é mister elucidar os conceitos trazidos. O conceito de criança e de adolescente pode ser encontrado no art. 2° do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” (Brasil, 1990). Assim, a pena será aumentada da metade se submetida a condições análogas à de escravo, por meio de quaisquer hipóteses já elucidadas, pessoa que se encontre com até 18 anos incompletos, englobando o conceito de criança e de adolescente. O aumento da pena em questão justifica-se justamente por se tratarem de indivíduos com maior vulnerabilidade. Além disso, Greco argumenta que “para que seja aplicada a mencionada causa especial de aumento de pena deverá ser comprovada nos autos a idade da vítima por meio de documento hábil” (Greco, 2022). Nesse ponto, ressalta-se que, embora o crime em questão seja bicomum, ou seja, com sujeitos ativos e passivos comuns, a causa de aumento em questão traz a 29 necessidade do sujeito passivo ser próprio, com características necessárias, nesse caso, a idade. Na segunda hipótese de causa de aumento de pena, busca-se compreender a motivação do agente. Deve ser constatado que o motivo que impeliu o criminoso a reduzir a vítima a condição análoga à de escravo foi o seu preconceito relativo à raça, cor, etnia, religião ou origem. Nesse ponto, cabe salientar que o art. 5°, inciso XLII da Constituição Federal determina expressamente que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (Brasil, 1988). A lei em questão, que trata sobre a prática do racismo, é a Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que estabelece que: “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” (Brasil, 1989). Portanto, e de acordo com o entendimento de Nucci, quem cometer o delito do art. 149 do CP com motivação racista, nos termos da Lei de Racismo, não estará sujeito à fiança e seu crime será imprescritível. In verbis: Esta última situação não deixa de ser uma forma de racismo, por isso é imprescritível e inafiançável, conforme prevê a Constituição Federal (art. 5.º, XLII). Dessa maneira, quem cometer o delito de redução à condição análoga à de escravo motivado por razões de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem será mais severamente apenado, além de não se submeter à prescrição (Nucci, 2023). O art. 149 do CP prevê uma pena de reclusão e uma de multa, além da pena correspondente à violência. Isso ocorre, porque, se a vítima sofrer algum tipo de lesão em razão da submissão, o criminoso também será condenado pela lesão. De acordo com Gonçalves: Se a vítima sofrer qualquer espécie de lesão, ainda que leve, em razão dos trabalhos forçados ou da jornada exaustiva, ou em decorrência de alguma forma de violência utilizada para tanto ou para evitar que a vítima deixe o local, as penas serão cumuladas, já que isso se encontra expresso no preceito secundário da norma penal, que estabelece pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência (Gonçalves, 2021). 30 A pena de reclusão prevista é de dois a oito anos de reclusão. A depender da pena que o magistrado fixar na sentença, o cumprimento da pena poderá se dar na modalidade de regime aberto, tendo em vista expressa previsão legal do art. 33 do Código Penal (Brasil, 1940). Além disso, se a pena for fixada abaixo de 4 anos e o crime não tiver sido cometido mediante violência ou grave ameaça, a pena privativa de liberdade poderá ser substituída por penas restritivas de direitos (Brasil, 1940). Nesse ponto, ressalta-se que o crime de redução a condição análoga à de escravo constitui uma grave violação dos Direitos Humanos, podendo configurar uma verdadeira forma contemporânea de escravidão, subjugando vítimas, tratando-os como seres sub-humanos, mercadorias e não merecedores de direitos. A submissão de algum indivíduo a tais situações totalmente degradantes e deploráveis pode causar efeitos devastadores e permanentes sobre a vítima. O Brasil, como país que passou mais de 300 anos sob o regime escravista, obrigado por diversos instrumentos internacionais e mandamentos constitucionais, deveria reanalisar a pena e os benefícios para esse tipo penal, pois é extremamente branda em comparação com a grave violação que é. A título comparativo, pode-se utilizar o crime de roubo, previsto no art. 157 do Código Penal, que, por ser um crime contra o patrimônio, pode ser considerado menos gravoso do que o crime de reduzir uma pessoa à condições subumanas, suprimindo sua dignidade e sua liberdade, apesar de possuir uma pena mais rígida, tendo em vista o Código Penal prever a pena de quatro a dez anos de reclusão para o crime patrimonial, ficando evidente a desproporcionalidade da punição, nesse caso (Brasil, 1940). Por fim, a última particularidade que diz respeito ao crime em análise é a previsão constitucional, acrescentada pela Emenda Constitucional n° 81 de 2014, que alterou a redação do art. 243 da Constituição Federal e passou a prever a expropriação de propriedades em que forem constatadas exploração de trabalho escravo. Nesse ponto, vale ressaltar que, em regra, as desapropriações feitas pelo Poder Públicos são precedidas de prévia e justa indenização em dinheiro, conforme dita a própria Constituição Federal em seus arts. 5°, inciso XXIV e art. 182, §3°. No 31 entanto, a desapropriação mencionada no art. 243 ocorrerá sem qualquer tipo de indenização ao proprietário: Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei (Brasil, 1988). No entanto, conforme argumenta Jesus, essa medida não constitui efeito da condenação do agente, ou seja, é necessário que o Poder Público proceda à expropriação do imóvel (Jesus, 2020). 32 2. A POLÍCIA FEDERAL E O COMBATE AO CRIME DO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL A título introdutório, vale ressaltar que o constituinte originário, quando da elaboração da nossa Carta Magna, se preocupou demasiadamente com a segurança, tendo em vista que esse direito (e dever do Estado), é o único, dentre todos os demais, que consta tanto do preâmbulo da Constituição Federal, quanto do art. 5°, que versa sobre os direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos, e do art. 6°, que versa sobre os direitos sociais, de maneira simultânea. Com isso, infere-se que o direito à segurança é, e sempre foi, de crucial importância para a democracia e a manutenção do Estado Democrático de Direito. Quando falamos de segurança, temos a segurança pública e a segurança privada. A primeira é exercida pelo Estado por meio de seu controle social formal, que é definido como os mecanismos e instâncias das quais o Estado pode lançar mão para comandar, regular e controlar a criminalidade e as relações sociais (Viana, 2018). Já a segunda, é aquela exercida pelos próprios indivíduos, visando resguardar sua própria integridade física e patrimonial ou a de sua família. Tratando especificamente de segurança pública, é de suma importância abordarmos o sistema jurídico policial adotado pelo nosso ordenamento jurídico pátrio, bem como das instituições dele presentes, tendo em vista que ao redor do mundo existem variados modelos de controle social formal. 2.1 Sistema jurídico policial brasileiro A título de esclarecimento, de acordo com Leonardo Novo Oliveira Andrade de Araújo, em sua obra intitulada Direito Operacional, estabelece que o sistema jurídico e policial brasileiro tem como atores a polícia, o Ministério Público, o Poder Judiciário, o sistema prisional e as Forças Armadas (Araújo, 2019). Tendo em vista o enfoque do presente trabalho, trataremos apenas das polícias. Ao redor do mundo, podemos observar diversos modelos policiais. Existem países que contam com uma única agência policial, como é o caso da Dinamarca, em que a atividade policial é realizado única e exclusivamente por um único órgão intitulado “Polícia da Dinamarca”, ou “politi” em dinamarquês, e existem países com 33 múltiplas agências policiais, como é o caso do Brasil, França, Espanha, Itália, Portugal, Alemanha etc., no entanto, em nenhum deles, excetuando-se o Brasil, adota-se o modelo dicotomizado (Silva Júnior, 2015). O modelo dicotomizado adotado pelo Brasil, caso raro no mundo, é aquele em que cada órgão policial vai até certo ponto do trabalho de proteção social, ou seja, em regra, cada agência faz uma parte do chamado “ciclo de policiamento”, que é composto pela prevenção, repressão, investigação e apuração dos crimes. No Brasil, a primeira metade é realizada pela polícia ostensiva e a segunda metade pela polícia judiciária (Silva Júnior, 2015). O modelo adotado pela maior parte dos países desenvolvidos é o modelo de “ciclo completo de polícia”, em que a agência policial responsável por determinado delito realiza todas as fases da atividade policial. Vale ressaltar que o “ciclo de policiamento”, ou “ciclo de polícia”, não se confunde com o “ciclo de persecução penal”, sendo esse mais amplo que aquele. A “persecução penal” ou, do latim “persecutio criminis”, é a concatenação de atos em que o Estado exerce o “jus puniendi” (“direito de punir”), que se desenvolve a partir do momento da prática delituosa, passando pelo “ciclo de polícia”, seguindo para o Poder Judiciário, em que atua o Ministério Público, acusando o suspeito, até o final do devido processo legal, com a absolvição ou condenação do réu, se encerrando com a execução da pena no sistema penitenciário, em caso de sentença penal condenatória (Silva Júnior, 2015). Em suma, percebe-se que a atividade policial é uma das partes de um ciclo maior, responsável pela punição dos infratores e pela manutenção da ordem social. Como já evidenciado, o Brasil adota, como regra, o modelo dicotomizado de polícia, em oposição ao modelo de “ciclo completo de polícia”, atribuindo à cada agência policial uma fração determinada da atividade policial. Em suma, no ordenamento pátrio existem apenas dois gêneros de polícia: a polícia ostensiva e a polícia judiciária. A polícia ostensiva é aquela responsável pela primeira metade do ciclo policial, ou seja, a prevenção e a repressão das infrações penais. De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP), o adjetivo “ostensivo” tem como significados: “1. Que se pode mostrar ou ostentar. 2. Que ostenta. 3. Que se faz ou se mostra para ser visto. 4. Que se mostra de propósito.” e tem como antônimo o adjetivo “discreto” (OSTENSIVO, 2023). 34 Portanto, pode-se inferir que a polícia ostensiva é aquela que não é “discreta”, que se faz para ser vista. Essa ostensividade normalmente é caracterizada pela utilização de uniformes ou fardas, viaturas caracterizadas e postos fixos, tendo como objetivo principal a imediata identificação pela população e a prevenção dos delitos pela mera presença. Nesse sentido: A existência de órgãos uniformizados é fundamental no sistema policial, sejam eles militares ou militarizados. A sensação de segurança e a prevenção direta do delito ocorrem, em parte, pela presença policial, ou seja, precisamos ser vistos, e nada melhor para alguém em perigo que observar o policial mais próximo (Araújo, 2019). A existência desses órgãos uniformizados é de suma importância, tendo em vista que um indivíduo que se encontra na primeira fase do “iter criminis” (“caminho do crime”), ou seja, que esteja cogitando/planejando praticar um delito, pode desistir de executar e consumar a prática da infração penal simplesmente por avistar esses agentes uniformizados. A escolha do constituinte originário foi de definir essas forças ostensivas, pelo menos no âmbito estadual, como forças militares, auxiliares e reserva do Exército Brasileiro, mas nada impede que as forças civis utilizem da mesma estratégia, objetivando aumentar a sensação de segurança da população, como ocorre com as guardas municipais e com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), que serão objeto de análise posterior. Outro papel importante da polícia ostensiva é a repressão dos crimes. Isso ocorre quando algum delito está em curso ou em iminência de acontecer e algum indivíduo comunica a polícia, seja ligando no número de telefone da polícia militar (190) ou chamando algum agente que esteja nas proximidades. Os agentes policiais ali presentes deverão interromper a execução do crime e dar voz de prisão para os indivíduos que se encontrarem em flagrante delito. Posteriormente, esses indivíduos deverão ser encaminhados à polícia judiciária, justamente por conta do modelo policial adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. A polícia judiciária, por sua vez, é aquela que atua na segunda metade do ciclo policial, ou seja, na investigação e apuração dos ilícitos. Basicamente, a atribuição da polícia judiciária é investigar os delitos que a polícia ostensiva não conseguiu impedir 35 que fossem cometidos. Portanto, age em momento posterior, em que a infração penal já foi perpetrada. Já à Polícia Judiciária, em sua função repressiva ou de investigação criminal, cabe intervir quando a prevenção falhou ou, em outras palavras, quando os fatos delituosos não puderam ser evitados ou sequer se imaginava poderiam acontecer, ocorreram. Assim, seus atos dirigem-se para o passado, a um evento ao menos iniciado no mundo dos fatos, com características de ilícito penal e, por tanto, plasmado como individual e concreto (Maier apud Barbosa, 2010). Recebe esse nome justamente por ter como função principal auxiliar o Poder Judiciário. Esse auxílio ao judiciário ocorre em fases distintas, podendo ser antes, durante ou depois da ação penal. Em um momento anterior à ação penal, a polícia judiciária atua com intuito de investigar os delitos e fornecer elementos de informação sobre as circunstâncias e autoria do fato criminoso, servindo “de base para a denúncia ou queixa, ou seja, servir de suporte ou lastro para a acusação contida na peça inaugural do processo.” (Machado, 2009). Em síntese, o papel da polícia judiciária é de apurar todas as linhas investigativas e fornecer informações suficientes para que, depois de avaliadas, poderão ou não subsidiar a denúncia, procedendo o Ministério Público à acusação do investigado perante juízo. Vale ressaltar que o Ministério Público pode entender que não há indícios suficientes de materialidade e/ou autoria mesmo com a devida investigação policial, escolhendo por não denunciar o investigado. A polícia judiciária também possui o dever de auxiliar o Poder Judiciário durante o curso da ação penal, cumprindo as ordens judiciais, como mandados de prisão preventiva, busca e apreensão de bens e/ou documentos etc. Ademais, encerrada a ação penal, caso ocorra uma sentença condenatória transitada em julgado, caberá à polícia judiciária cumprir o mandado judicial de prisão definitiva, caso o réu tenha respondido ao processo em liberdade. Em conclusão, infere-se que a polícia ostensiva atua em momento anterior ao cometimento dos delitos, prevenindo que aconteçam ou os reprimindo antes que se consumem, enquanto a polícia judiciária atua posteriormente à perpetração da infração, investigando e auxiliando o Poder Judiciário no curso da ação penal. 36 É importante destacar que as funções policiais não são exercidas exclusivamente por uma ou outra organização policial. O que determina o exercício de uma função de polícia por uma organização policial não é o rótulo que a instituição ostenta, mas sim a atividade de polícia que exerce (Lazzarini apud Barbosa, 2010). A título exemplificativo temos as polícias militares estaduais, que, como veremos, exercem a função de polícia ostensiva nos estados. No entanto, quando se tratar de investigação de infrações militares, a competência é da própria polícia militar, ou seja, um mesmo órgão, tipicamente ostensivo, pode exercer a atividade de polícia judiciária. Explicitados os gêneros de polícias no ordenamento jurídico brasileiro, faz-se necessário analisar suas espécies. Os órgãos responsáveis pela segurança pública no Brasil estão previstos taxativamente no art. 144, do capítulo III (da segurança pública) do título V (que trata da defesa do Estado e das Instituições Democráticas) da nossa Carta Magna. In verbis: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. VI - polícias penais federal, estaduais e distrital [...] § 8° Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. (Brasil, 1988, grifo nosso). 2.1.1 Polícia militar De acordo com o art. 144, §§ 5° e 6° da CF/88, cabe às polícias militares a atuação como polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (Brasil, 1988). 37 § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (Brasil, 1988). Vale ressaltar que as polícias militares são órgãos estaduais, ou seja, cada estado da federação será responsável por estabelecer a sua própria polícia militar, que será subordinada ao Governador do Estado. No entanto, o constituinte optou por estabelecer que as forças militares seriam auxiliares e reserva do Exército Brasileiro, de acordo com o §6° do art. 144 da CF/88. Isso quer dizer que a União poderá legislar sobre a organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares, nos exatos termos do art. 22, inciso XXI da CF/88. Vale ressalvar que embora seja, em regra, a polícia ostensiva dos estados, a polícia militar pode exercer função de polícia judiciária quando da apuração de infrações militares. Nesse sentido: A título de exemplo, quando um Policial Militar anda fardado pelas ruas, age no exercício de funções de polícia administrativa, já que atua com o objetivo de evitar a prática de delitos. Por sua vez, supondo a prática de um crime militar por um policial militar do Estado de São Paulo, as investigações do delito ficarão a cargo da própria Polícia Militar em questão, cujo encarregado do Inquérito Policial Militar agirá no exercício de polícia investigativa. Por último, segundo o art. 8°, “c“, do CPPM, incumbe à polícia judiciária militar cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar, atribuindo esta inerente às funções de polícia judiciária militar (Lima, 2019). 2.1.2 Polícia civil De acordo com o art. 144, §§ 4° e 6°, as polícias civis serão dirigidas por Delegados de Polícia de carreira, obrigatoriamente bacharéis em Direito e exercerão as funções de polícia judiciária de maneira residual, apurando as infrações penais que não forem de competência da União, exceto as militares. 38 § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (Brasil, 1988). As polícia civis, de maneira similar às polícias militares, são órgãos estaduais, cabendo a cada estado da federação a condução de suas polícias judiciárias estatais, bem como também são subordinadas aos governadores dos estados. Isso quer dizer que a polícia civil deverá investigar e auxiliar o Poder Judiciário em tudo que não for competência da Polícia Federal e da Justiça Militar, que será objeto de análise posterior. 2.1.3 Polícia penal As polícias penais são responsáveis pela segurança dos estabelecimentos penais brasileiros. § 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais (Brasil, 1988). As polícias penais foram recentemente criadas pela Emenda Constitucional (EC) n° 104 de 2019. Antes dessa EC, os servidores que forneciam a segurança aos estabelecimentos prisionais eram denominados agentes penitenciários e não eram considerados integrantes da segurança pública brasileira, não estando presentes dos incisos do art. 144 da CF/88, tendo em vista que não se dedicam à prevenção e apuração de ilícitos penais, mas sim de eventuais ilícitos administrativos/disciplinares cometidos pelas pessoas presas. Para o doutrinador Pedro Lenza, o objetivo da Emenda Constitucional foi fortalecer a carreira dos agentes penitenciários, a segunda profissão mais perigosa do mundo, conforme consta na justificação da PEC 16/2016-SF, ao 39 se trazer informações da Organização Internacional do Trabalho — OIT, destacando-se, ainda, ocupar o Brasil o 4.º lugar no “ranking de nações com maior número de presos, atrás apenas dos EUA, China e Rússia (Lenza, 2022). A polícia penal é a única que se encontra presente tanto em âmbito estadual quanto em âmbito federal, tendo em vista existir uma polícia penal para cada estado, que é responsável pela segurança dos estabelecimentos penais do seu ente federativo, e uma Polícia Penal Federal (antigo Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN), responsável pelos presídios federais. Conforme já foi explicitado no presente trabalho, existem somente dois gêneros de polícias no Brasil, as ostensivas e as judiciárias. Tendo em vista que a polícia penal não está propriamente prevenindo delitos, somente infrações administrativas e disciplinares, e muito menos investigando crimes, tecnicamente não se encaixaria em nenhum desses gêneros. Essa espécie policial ainda é novidade, motivo pelo qual o entendimento sobre o seu gênero ainda não foi pacificado, no entanto, a polícia penal poderia ser classificada como uma polícia ostensiva especial, pois restrita aos limites da penitenciária (tanto internos quanto externos), tendo em vista que, se extrapolados os limites do estabelecimento prisional, estará invadindo o espaço de atuação da polícia militar (Lenza, 2022). Vale ressaltar que a investigação de crimes cometidos no interior de penitenciárias estaduais são de competência da polícia civil dos estados, enquanto aqueles cometidos no interior de presídios federais são de competência da Polícia Federal. 2.1.4 Polícias do Distrito Federal Antes de passar à análise dos demais órgãos integrantes do sistema policial brasileiro, impende ressalvar o funcionamento das polícias do Distrito Federal (DF), quais sejam: Polícia Militar do Distrito Federal, Polícia Civil do Distrito Federal e Polícia Penal do Distrito Federal. Tais instituições são pautadas por um regime jurídico híbrido e particular, tendo em vista que os órgãos são subordinados ao Governador do Distrito Federal, mas, 40 diferentemente dos outros estados da federação, são organizadas e mantidas pela União. A disciplina concernente aos vencimentos de seus membros é fixada em Lei Federal, editada pelo Congresso Nacional, e não pela Câmara Legislativa do DF (Lenza, 2022). Esse entendimento é reforçado pela Súmula Vinculante n° 39 do STF, que prevê expressamente que “Compete privativamente à União legislar sobre vencimentos dos membros das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal.” (Brasil, STF, Plenário, aprovada 11-03-2015, DJE 20-03-2015). Outro ponto a se ressaltar é que, por serem mantidos e organizados pela União, o controle das contas desses órgãos deve ser feito pelo Tribunal de Contas da União, e não pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (Lenza, 2022). 2.1.5 Guarda municipal De acordo com o art. 144, §8° da CF/88, os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações (Brasil, 1988). Partindo de uma análise pormenorizada do art. 144 da CF/88, nota-se que as guardas municipais não estão elencadas em seus incisos, motivo pelo qual há uma enorme discussão acerca desses órgãos municipais. Tendo em vista a ausência de instituição de uma “polícia municipal”, os municípios não ficaram com qualquer responsabilidade específica pela segurança pública, não lhes sendo autorizada a instituição de órgãos policiais ostensivos e menos ainda de polícia judiciária, ficando à cargo das instituições estaduais, sendo elas, respectivamente, a polícia militar e à polícia civil (Lenza, 2022). O constituinte apenas reconheceu a faculdade de constituir guardas municipais destinadas à proteção do patrimônio municipal. As discussões acerca desse órgão municipal chegam constantemente ao Supremo Tribunal Federal (STF), tendo em vista as diversas interpretações quanto à competência das guardas municipais e suas atribuições. O STF entendeu que as guardas municipais podem exercer o poder de polícia, que não se confunde com segurança pública, inclusive para imposição de sanções administrativas de trânsito. Nesse sentido: 41 DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER DE POLÍCIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO. GUARDA MUNICIPAL. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Poder de polícia não se confunde com segurança pública. O exercício do primeiro não é prerrogativa exclusiva das entidades policiais, a quem a Constituição outorgou, com exclusividade, no art. 144, apenas as funções de promoção da segurança pública. 2. A fiscalização do trânsito, com aplicação das sanções administrativas legalmente previstas, embora possa se dar ostensivamente, constitui mero exercício de poder de polícia, não havendo, portanto, óbice ao seu exercício por entidades não policiais. 3. O Código de Trânsito Brasileiro, observando os parâmetros constitucionais, estabeleceu a competência comum dos entes da federação para o exercício da fiscalização de trânsito. 4. Dentro de sua esfera de atuação, delimitada pelo CTB, os Municípios podem determinar que o poder de polícia que lhe compete seja exercido pela guarda municipal. 5. O art. 144, §8º, da CF, não impede que a guarda municipal exerça funções adicionais à de proteção dos bens, serviços e instalações do Município. Até mesmo instituições policiais podem cumular funções típicas de segurança pública com exercício de poder de polícia. Entendimento que não foi alterado pelo advento da EC nº 82/2014. 6. Desprovimento do recurso extraordinário e fixação, em repercussão geral, da seguinte tese: é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas (Brasil, STF, RE 658570, 2015, grifo nosso). Outro importante entendimento do STF no que diz respeito às guardas municipais foi a constitucionalidade do porte de armas de fogo, em serviço ou fora dele, independentemente do tamanho da população do município. Tal entendimento foi adotado no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) n° 5948/DF e 5538/DF e da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) n° 38/DF (ADC 38/DF, ADI 5538/DF e ADI 5948/DF, Relator Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgados em 27-02-2021, PUBLIC 18-05-2021). Em decisão recente, o STF firmou o entendimento de que as guardas municipais integram os órgãos de segurança pública e integram o chamado “Sistema Único de Segurança Pública” (SUSP): DIREITO CONSTITUCIONAL E SEGURANÇA PÚBLICA. ART. 144, §8º, DA CONSTITUIÇÃO. RECONHECIMENTO DAS GUARDAS MUNICIPAIS COMO ÓRGÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA. LEGÍTIMA OPÇÃO DO 42 CONGRESSO NACIONAL AO INSTITUIR O SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA (LEI N° 13.675/18). PRECEDENTES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. É evidente a necessidade de união de esforços para o combate à criminalidade organizada e violenta, não se justificando, nos dias atuais da realidade brasileira, a atuação separada e estanque de cada uma das Polícias Federal, Civis e Militares e das Guardas Municipais; pois todas fazem parte do Sistema Único de Segurança Pública. 2. Essa nova perspectiva de atuação na área de segurança pública, fez com que o Plenário desta Suprema Corte, no julgamento do RE 846.854/SP, reconhecesse que as Guardas Municipais executam atividade de segurança pública (art. 144, § 8º, da CF), essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º, da CF). 3. O reconhecimento dessa posição institucional das Guardas Municipais possibilitou ao CONGRESO NACIONAL, em legítima opção legislativa, no § 7º do artigo 144 da Constituição Federal, editar a Lei nº 13.675, de 11/6/2018, na qual as Guardas Municipais são colocadas como integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública (art. 9º, § 1º, inciso VII). 4. O quadro normativo constitucional e jurisprudencial dessa SUPREMA CORTE em relação às Guardas Municipais permite concluir que se trata de órgão de segurança pública, integrante do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). 5. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental conhecida e julgada procedente para, nos termos do artigo 144, §8º da CF, CONCEDER INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO aos artigo 4º da Lei 13.022/14 e artigo 9º da 13.675/18 DECLARANDO INCONSTITUCIONAL todas as interpretações judiciais que excluam as Guardas Municipais, devidamente criadas e instituídas, como integrantes do Sistema de Segurança Pública (Brasil, STF, ADPF 995, 2023, grifo nosso). Em suma, infere-se que o entendimento atual converge para que consideremos as guardas municipais como órgãos de segurança pública, que atuam de maneira ostensiva, visando a proteção do patrimônio municipal. No entanto, o limite da atuação legislativa dos municípios para fixar as atribuições de suas guardas municipais será dada pelo STF, estando atualmente pendente no julgamento do Recurso Extraordinário n° 608.588, com repercussão geral reconhecida (Lenza, 2022). 2.1.6 Forças Armadas 43 O art. 142, caput, da CF/88 estabelece que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob autoridade do Presidente da República e destinam-se à defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e por iniciativa de qualquer desses poderes constitucionais, da lei e da ordem (Brasil, 1988). Portanto, infere-se que, primordialmente, as Forças Armadas não são responsáveis por cuidar da segurança pública, atribuição destinada aos órgãos previstos no art. 144 da CF/88. No entanto, as Forças Armadas podem ser empregadas também na segurança pública, de maneira subsidiária e eventual, quando da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que ocorrerá de acordo com as diretrizes ditadas em ato do Presidente da República e somente após esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da CF/88. Os instrumentos previstos no art. 144 da CF/88 serão considerados esgotados quando reconhecidos pelo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de suas atribuições (Lenza, 2022). O Ministro Alexandre de Moraes narra, no entanto, que a utilização das Forças Armadas na segurança interna deve ser medida absolutamente subsidiária, na medida em que afetaria o sistema de freios e contrapesos e a garantia da democracia: A previsão e a essencialidade dos órgãos de defesa da segurança pública pela Constituição Federal de 1988 demonstraram a importância de suas funções, tendo dupla finalidade nos valores a serem protegidos: (a) atendimento aos reclamos sociais por maior proteção; (b) redução de possibilidade de intervenção das Forças Armadas na segurança interna, como importante mecanismo de freios e contrapesos para a garantia da democracia. Ressalte-se a seriedade dessa finalidade, pois a cada paralisação das Polícias há a necessidade de utilização da GLO (Garantia da Lei e da Ordem), banalizando a utilização das Forças Armadas na segurança interna e desprezando a própria essência da norma constitucional, que constitucionalizou as carreiras policiais para evitar essa proliferação (Moraes, 2023). 44 Em suma, de forma eventual, episódica e por tempo limitado, em situações em que as forças estaduais ou federais estejam indisponíveis, inexistentes ou atuando de maneira insuficiente, as Forças Armadas poderão ser empregadas como órgãos de segurança pública após decreto presidencial para garantia da lei e da ordem (GLO). 2.1.7 Força Nacional de Segurança Pública Inspirada nas forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) é um programa de cooperação federativa, em que a União pode firmar convênios com os Estados-Membros e o Distrito Federal para executar atividades e serviços visando preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio e atuando também em emergências e calamidades públicas, auxiliando os estados em momento de crise (Lenza, 2022). A FNSP é composta por policiais federais, policiais rodoviários federais, policiais militares, bombeiros militares, policiais civis e profissionais de perícia advindos de todos os Estados-Membros e do Distrito Federal, ou seja, não há concurso próprio para ingresso na Força Nacional, o indivíduo integrante dos órgãos de segurança pública deve se voluntariar para ingressar nesse programa, recebendo treinamento especial para atuação conjunta. A FNSP pode ser empregada em qualquer parte do território nacional, mediante solicitação do Governador do Estado, do Distrito Federal ou do Ministro de Estado, e atuará exercendo a função de polícia ostensiva, ou seja, preventiva, auxiliando as forças ali presentes (Lenza, 2022). 2.1.8 Polícia Ferroviária Federal § 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais (Brasil, 1988). A Polícia Ferroviária Federal foi criada com a edição do Decreto n° 641/1852, até então denominada “Polícia dos Caminhos de Ferro”, que deveria exercer a função de polícia ostensiva da união nas ferrovias federais. 45 Apesar da CF/88 trazer em seu bojo a Polícia Ferroviária Federal, mesmo após mais de 30 anos de sua promulgação, o mencionado órgão não existe na prática, não havendo, no país todo, nenhum policial ferroviário federal na ativa (Candido, 2021). O que ocorre na prática é a segurança patrimonial exercida pelas próprias empresas concessionárias de serviço ferroviário (Lenza, 2022). 2.1.9 Polícia Rodoviária Federal § 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais (Brasil, 1988) A Polícia Rodoviária Federal (PRF) é aquela que tem como principal atribuição o patrulhamento ostensivo das rodovias federais, fiscalização de veículos, fazer cumprir a legislação e normas de trânsito, atendimento às vítimas de acidentes e demais atribuições previstas no art. 20 do Código de Trânsito Brasileiro. Conforme já mencionado anteriormente, a PRF é um órgão desmilitarizado que exerce o trabalho de polícia ostensiva, sendo uma exceção ao caráter militar das polícias ostensivas brasileiras. Vale ressaltar que, apesar da atribuição bem delimitada, a portaria n° 42, de 18 de janeiro de 2021, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, prevê a possibilidade da Polícia Rodoviária Federal designar efetivo para integrar equipes em operações conjuntas com outras forças, atuando inclusive fora das rodovias federais e cumprindo mandados de busca e apreensão. In verbis: Art. 1º Esta Portaria estabelece diretrizes para a participação da Polícia Rodoviária Federal - PRF em operações conjuntas. Art. 2º A PRF poderá: I - designar efetivo para integrar equipes na operação conjunta; II - prestar apoio logístico; III - atuar na segurança das equipes e do material empregado; IV - ingressar nos locais alvos de mandado de busca e apreensão, mediante previsão em decisão judicial; V - lavrar termos circunstanciados de ocorrência; VI - praticar outros atos relacionados ao objetivo da operação conjunta (Brasil, MJSP, 2021) 46 Tal portaria gerou discussões sobre a invasão da competência da Polícia Federal, motivo pelo qual ensejou um pedido do Ministério Público Federal para suspender essa possibilidade de atuação excêntrica da PRF em sede de Ação Civil Pública. O pedido foi julgado procedente em primeira instância, pela decisão da 26° Vara Federal do Rio de Janeiro, no entanto, foi revisto em segunda instância, pois, no entendimento do presidente do Tribunal Regional Federal da 2° Região (TRF2), Messod Azulay Neto, a atuação prevista por essa portaria está dentro da lei (Aguiar, 2022). 2.2 Polícia Federal A Polícia Federal (PF) é a única com atribuições pormenorizadas e delimitadas no corpo da Constituição Federal e, é a única que se configura como uma “polícia híbrida”, atuando tanto no policiamento ostensivo quanto no de polícia judiciária. O texto constitucional, em seu artigo 144, parágrafo primeiro, estabeleceu as funções da Polícia Federal: § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União (Brasil, 1988). A Polícia Federal, portanto, é, primariamente, a polícia judiciária da União, atuando para investigar e apurar infrações penais de interesse da União, estruturada como órgão permanente, organizado e mantido pela União e em carreira. 47 A carreira policial federal é composta pelos cargos de Delegado de Polícia Federal, cargo privativo para bacharéis em Direito, Perito Criminal Federal, Escrivão de Polícia Federal, Agente de Polícia Federal e Papiloscopista Policial Federal (Lenza, 2022). O cargo de Delegado é aquele responsável por supervisionar e coordenar a administração policial federal, bem como as investigações e operações policiais, além de instaurar e presidir procedimentos policiais, como os inquéritos policiais (Bajotto, 2009). O Perito Criminal é aquele que realiza atividades técnico-científicas de descoberta e recolhimento de vestígios, como exames periciais em locais e instrumentos de infrações penais e coleta dados e informações complementares aos exames periciais (Bajotto, 2009). Ao Escrivão é atribuído o papel de dar cumprimento às formalidades processuais, lavrar termos, autos e mandados, se responsabilizar pelo valor das fianças recebidas e pelos objetos de apreensão e atuar nos procedimentos policiais de investigação (Bajotto, 2009). O Agente é aquele que executa as investigações e operações policiais na prevenção de ilícitos penais (Bajotto, 2009). Por fim, ao Papiloscopista cabe executar, orientar, supervisionar e fiscalizar os trabalhos papiloscópicos de coleta, análise, classificação, pesquisa e perícias, bem como auxiliar à autoridade policial e desenvolver pesquisas na área de papiloscopia, ou seja, a área que estuda as impressões digitais (Bajotto, 2009). Como já mencionado, além da função investigativa, a PF pode exercer função de polícia ostensiva, principalmente nos casos do art. 144, §1°, incisos II e III da CF/88, que atribui à PF a competência para exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras e de prevenção dos delitos de tráfico de drogas, contrabando e descaminho, que será