UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Faculdade de Ciências e Tecnologia Campus de Presidente Prudente – SP EDMILSON FERNANDES DOIRADO EDUCAÇÃO FÍSICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: uma abordagem metodológica de ensino do conteúdo lutas PRESIDENTE PRUDENTE – SP 2020 EDMILSON FERNANDES DOIRADO EDUCAÇÃO FÍSICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: uma abordagem metodológica de ensino do conteúdo lutas Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional (PROEF) da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Presidente Prudente, para a obtenção do Título de Mestre em Educação Física Escolar. Linha: Educação Física no Ensino Fundamental. Orientadora: Dra. Denise Ivana de Paula Albuquerque. PRESIDENTE PRUDENTE – SP 2020 Ficha catalográfica elaborada pelo sistema automatizado com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). Doirado, Edmilson Fernandes EDUCAÇÃO FÍSICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: Uma abordagem metodológica de ensino do conteúdo lutas / Edmilson Fernandes Doirado — 2020 143 f. + Produto/Material Didático: Sistematização das práticas pedagógicas da Educação Física escolar. Dissertação (Mestrado) — Programa de Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional – ProEF da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – UNESP, Presidente Prudente, 2020. Orientador: Profa. Dra. Denise Ivana de Paula Albuquerque 1. Educação Física Escolar. 2. Abordagem Metodológica. 3. Lutas. I. Título. EDMILSON FERNANDES DOIRADO EDUCAÇÃO FÍSICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: uma abordagem metodológica de ensino do conteúdo lutas Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional (PROEF) da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Presidente Prudente, para a obtenção do Título de Mestre em Educação Física Escolar. Orientadora: Dra. Denise Ivana de Paula Albuquerque. Data da defesa: 30/06/2020 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Profa. Dra. Denise Ivana de Paula Albuquerque Universidade Estadual Paulista/UNESP, Presidente Prudente, São Paulo Membro Titular: Prof. Dr. Eduard Angelo Bendrath Universidade Estadual de Maringá, UEM/PR Membro Titular: Prof. Dr. José Ricardo Silva Instituto Federal de São Paulo, IFSP/Araraquara Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Tecnologia Unesp – Campus de Presidente Prudente CERTIFICADO DE APROVAÇÃO TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: EDUCAÇÃO FÍSICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: Uma abordagem metodológica de ensino do conteúdo lutas AUTOR: EDMILSON FERNANDES DOIRADO ORIENTADORA: DENISE IVANA DE PAULA ALBUQUERQUE Aprovado como parte das exigências para obtenção do Título de Mestre em EDUCAÇÃO FÍSICA, área: Educação Física Escolar pela Comissão Examinadora: Profa. Dra. DENISE IVANA DE PAULA ALBUQUERQUE Departamento de Educação Física / UNESP - Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente - SP Prof. Dr. EDUARD BENDRATH Educação Física - ProEF / UEM Prof. Dr. JOSÉ RICARDO SILVA Educação Física / Instituto Federal de São Paulo (IFSP) Presidente Prudente, 30 de junho de 2020. ATA DA DEFESA PÚBLICA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DE EDMILSON FERNANDES DOIRADO, DISCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA, DA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - CÂMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE. Aos 30 dias do mês de junho do ano de 2020, às 14:00 horas, reuniu-se por videoconferência, a Comissão Examinadora da Defesa Pública, composta pelos seguintes membros: Profa. Dra. DENISE IVANA DE PAULA ALBUQUERQUE - Orientadora do Departamento de Educação Física / UNESP - Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente - SP, Prof. Dr. EDUARD BENDRATH do(a) Educação Física - ProEF / UEM, Prof. Dr. JOSÉ RICARDO SILVA do(a) Educação Física / Instituto Federal de São Paulo (IFSP), sob a presidência do primeiro, a fim de proceder a arguição pública da DISSERTAÇÃO DE MESTRADO de EDMILSON FERNANDES DOIRADO, intitulada EDUCAÇÃO FÍSICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: Uma abordagem metodológica de ensino do conteúdo lutas. Após a exposição, o discente foi arguido oralmente pelos membros da Comissão Examinadora, tendo recebido o conceito final Aprovado. Nada mais havendo, foi lavrada a presente ata, que após lida e aprovada, foi assinada pelo Presidente da Comissão Examinadora. Profa. Dra. DENISE IVANA DE PAULA ALBUQUERQUE Prof. Dr. EDUARD BENDRATH Prof. Dr. JOSÉ RICARDO SILVA Dedico este trabalho ao meu pai Antônio (in memória) e a minha mãe Lourdes. Vocês serão para todo o sempre o meu exemplo de vida, meu alicerce e minha inspiração. AGRADECIMENTOS A DEUS pela maravilhosa dádiva da vida. Gratidão por os teus planos para a minha vida serem sempre maiores do que os meus sonhos. À minha família, solo fértil de amor, fonte de felicidade e o maior bem que possuo. Meu amado pai, que mesmo ausente se fez presente em todos os momentos, através das mais doces lembranças e dos mais ricos ensinamentos. Minha mãe em especial, sinônimo de força e perseverança, que me deu sustento, educação e me ensinou tudo o que sei e o que sou. Meus irmãos, pelo apoio e companheirismo incondicional em todos os momentos. Minhas sobrinhas, razão da minha alegria e motivação frente aos meus projetos. À minha estimada orientadora, Professora Denise, por ter compartilhado comigo uma gama de saberes e experiências que me tornaram, com toda certeza, um homem melhor. Saiba que, sempre ficará um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas, nas mãos que sabem ser generosas. À você, a minha admiração e eterna gratidão. Aos mestres do Programa de Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional (PROEF) da Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP – Campus de Presidente Prudente. Por compartilharem comigo todo o conhecimento de vocês, contribuindo efetivamente para a minha formação. Muito obrigado. À banca, aos professores Eduard e José Ricardo, que com total profissionalismo e comprometimento contribuíram para a minha formação acadêmica e também profissional. Vocês foram importantes nesse processo. Obrigado. À toda equipe escolar. Em especial aos alunos protagonistas desse estudo. Obrigado por terem colaborado grandiosamente com meus estudos de campo. Grato. Aos meus amigos do PROEF, primeira turma do Programa de Mestrado Profissional em Educação Física. O que seria de mim sem vocês? Sem aquela palavra amiga, sem aquele conselho, e principalmente, sem aquele apoio e encorajamento nos momentos de dúvidas e incertezas. Gratidão. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. “Nada na natureza vive para si mesmo. Os rios não bebem sua própria água; as árvores não comem seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza (...). A vida é boa quando você está feliz, mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa”. Papa Francisco DOIRADO, Edmilson Fernandes. Educação Física nos anos iniciais do Ensino Fundamental: uma abordagem metodológica de ensino do conteúdo lutas. 2020. 144 folhas. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional - ProEF) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, Presidente Prudente, 2020. RESUMO Os desafios vivenciados pelos professores de Educação Física no contexto escolar, no que se refere ao ensino e aprendizagem das diversas práticas da cultura corporal de movimento, nas aulas de Educação Física, sobretudo as lutas, vêm suscitar importantes discussões acerca da necessidade de organização e sistematização destes conteúdos. O ensino das lutas nas aulas de Educação Física escolar, assim como outros conteúdos específicos da disciplina, compreendem muitas vezes na prática pedagógica, apenas aspectos procedimentais do conteúdo, ou seja, o “saber fazer”, ao passo que, as atuais diretrizes curriculares apontam para um processo de ensino e aprendizagem que possa transcender esse “saber fazer”, que vise abranger durante as aulas aspectos de outras dimensões do conteúdo, como os conceitos, as atitudes e os valores. Diante destas questões o presente estudo, tem como objetivo principal, propor uma abordagem metodológica de ensino do conteúdo lutas nas aulas de Educação Física a partir das dimensões conceitual, procedimental e atitudinal do conteúdo, considerando as diretrizes educacionais propostas pela BNCC e CP. Nessa perspectiva, foi empreendido um estudo de natureza qualitativa, embasado nos preceitos da pesquisa-ação e da observação-participante e subsidiados por um Projeto de Intervenção Didático-Pedagógico. O Diário de Campo e a Autoavaliação foram utilizados como instrumentos para coleta de dados. Para análise e interpretação dos dados, foram considerados os registros do Diário de Campo, à vista das observações em aula e das gravações de vídeo e áudio, e também, os registros escritos pelos alunos em resposta às questões abertas da Autoavaliação. À luz dos pressupostos da análise de conteúdo categorial temática, os dados gerados, resultaram nas seguintes categorias: Dimensão conceitual – Categoria 1: Diferenças entre lutas e brigas; Categoria 2: Aspectos sócio históricos e culturais das lutas. Dimensão procedimental – Categoria 3: Percepção dos fundamentos técnicos das lutas; Categoria 4: Construção de novos saberes a partir do fazer. Dimensão atitudinal – Categoria 5: A cooperação presente no ensino e aprendizagem das lutas; Categoria 6: Atitudes de respeito e cuidado com o outro nas aulas de lutas. Com vista às mudanças constantes pelas quais a educação vem passando, especialmente com as novas diretrizes curriculares, sobretudo a Educação Física escolar, o presente estudo constitui-se um importante referencial teórico metodológico para os profissionais envolvidos com o ensino da Educação Física nos anos iniciais, visando assim contribuir para uma melhor atuação docente frente aos inúmeros desafios que se apresentam no cotidiano escolar, e desse modo garantir uma aprendizagem significativa e princípios de uma educação integral, que busque desenvolver nos alunos amplas habilidades e competências, tornando-os protagonistas no processo educativo. Palavras-chave: Educação Física Escolar, Abordagem Metodológica, Lutas. DOIRADO, Edmilson Fernandes. Educação Física nos anos iniciais do Ensino Fundamental: uma abordagem metodológica de ensino do conteúdo lutas. 2020. 144 folhas. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional - ProEF) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, Presidente Prudente, 2020. ABSTRACT The challenges experienced by Physical Education teachers in the school context, with regard to the teaching and learning of the various practices of the body culture of movement, in physical education classes, especially the fights, raise important discussions about the need for organization and systematization of these contents. The teaching of fights in school Physical Education classes, as well as other specific contents of the discipline, often include in pedagogical practice, only procedimental aspects of the content, that is, "know-how", while the current curricular guidelines point to a process of teaching and learning that can transcend this "know-how", which aims to cover during classes aspects of other dimensions of the content , such as concepts, attitudes and values. In view of these questions, the present study has as main objective, to propose a methodological approach of teaching the content fights in physical education classes from the conceptual, procedural and attitudinal dimensions of the content, considering the educational guidelines proposed by the BNCC and CP. From this perspective, a qualitative study was undertaken, based on the precepts of action research and participant observation and subsidized by a Didactic-Pedagogical Intervention Project. The Field Diary and Self-Assessment were used as instruments for data collection. For data analysis and interpretation, the records of the Field Diary were considered, in view of the observations in class and the video and audio recordings, and also the records written by the students in response to the open questions of the Self-Assessment. In light of the assumptions of thematic category content analysis, the data generated resulted in the following categories: Conceptual dimension - Category 1: Differences between fights and street fights; Category 2: Socio-historical and cultural aspects of fights. Procedural dimension - Category 3: Perception of the technical fundamentals of fights; Category 4: Building new knowledge from the do. Attitudinal dimension - Category 5: The cooperation present in the teaching and learning of fights; Category 6: Attitudes of respect and care for each other in the classes of fights. In view of the constant changes that education has been going through, especially with the new curricular guidelines, especially school Physical Education, this study constitutes an important theoretical methodological framework for professionals involved in the teaching of Physical Education in the early years, thus aiming to contribute to a better teaching performance in the face of the numerous challenges that are presented in the school daily life , and thus ensure meaningful learning and principles of an integral education, which seeks to develop in students broad skills and competences, making them protagonists in the educational process. Keywords: School Physical Education, Methodological Approach, Fights. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas e Técnicas AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem BNCC Base Nacional Comum Curricular CNE Conselho Nacional de Educação CP Currículo Paulista DCNEB Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica EF Ensino Fundamental EFE Educação Física Escolar EJA Educação de Jovens e Adultos FCT Faculdade de Ciências e Tecnologia LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais PEI Planejamento de Ensino Individualizado PNE Plano Nacional de Educação PROEF Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...............................................................................................................................11 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................13 1 A EDUCAÇÃO FÍSICA NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO BÁSICA ............................... 19 1.1 ASPECTOS LEGAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR ................................................... 19 1.2 PRINCIPAIS ABORDAGENS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO BRASIL............... 22 1.3 SOBRE DILEMAS E PROBLEMÁTICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR ................. 26 2 A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR À LUZ DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E CURRÍCULO PAULISTA ..............................................................................................................33 2.1 COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DA BNCC E CURRÍCULO PAULISTA PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR .................................................................................................... 34 2.2 DAS DIMENSÕES DO CONTEÚDO (PCNS) PARA AS DIMENSÕES DO CONHECIMENTO (BNCC E CURRÍCULO PAULISTA) ............................................................. 41 2.2.1 Aspectos da dimensão conceitual, procedimental e atitudinal do conteúdo ...................44 2.2.2 As dimensões do conhecimento segundo a Base Nacional Comum Curricular e Currículo Paulista ........................................................................................................................47 2.3 CRÍTICAS E CONTESTAÇÕES SOBRE A ATUAL BNCC ................................................... 51 3 LUTAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NOS ANOS INICIAIS .................................. 56 3.1 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS LUTAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR .......... 57 3.2 PROBLEMÁTICAS NO ENSINO DAS LUTAS NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA .... 62 4 PERCURSO METODOLÓGICO ...................................................................................................66 4.1 NATUREZA DO ESTUDO ........................................................................................................ 66 4.2 CONTEXTO DA PESQUISA..................................................................................................... 68 4.3 PARTICIPANTES E ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA .................................................... 69 4.4 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS ........................... 70 4.5 ASPECTOS DO PROJETO DE INTERVENÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO ..................... 72 4.5.1 Avaliação da aprendizagem no ensino das lutas ...............................................................74 4.6 CAMINHO CONSTITUÍDO PARA ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS .............76 5 RESULTADOS ..................................................................................................................................79 6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................................................................................91 6.1 CATEGORIA 1: Diferenças entre lutas e brigas .........................................................................91 6.2 CATEGORIA 2: Aspectos sócio históricos e culturais das lutas .................................................94 6.3 CATEGORIA 3: Percepção dos fundamentos técnicos das lutas ................................................97 6.4 CATEGORIA 4: Construção de novos saberes a partir do fazer .............................................. 100 6.5 CATEGORIA 5: A cooperação presente no ensino e aprendizagem das lutas ......................... 102 6.6 CATEGORIA 6: Atitudes de respeito e cuidado com o outro nas aulas de lutas ...................... 105 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................108 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................112 APÊNDICE A – Solicitação de Pesquisa / Diretoria Regional de Ensino .....................................121 APÊNDICE B – Autorização de Pesquisa / Diretoria Regional de Ensino ...................................122 APÊNDICE C – Autorização de Pesquisa / Diretor da Unidade Escolar .....................................123 APÊNDICE D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ......................................124 APÊNDICE E – Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).........................................125 APÊNDICE F - Autoavaliação Semiestruturada ............................................................................126 APÊNDICE G – Projeto de Intervenção Didático-Pedagógico ......................................................128 APÊNDICE H – Resultados da Autoavaliação ................................................................................145 11 APRESENTAÇÃO No decorrer desses aproximados 10 anos de prática docente, atuando como professor de Educação Física na rede estadual e municipal de ensino, os desafios e reveses associados à prática de ensino e aos processos de ensino aprendizagem, despertaram em mim grande interesse e preocupação. Do mesmo modo, o posicionamento didático-pedagógico de alguns professores, também provocavam em mim, notável admiração e apreço. Considerando minha trajetória na graduação, especialmente o meu percurso no curso de Licenciatura em Educação Física, gostaria de ressaltar o quão importante e significativo foi para mim, compreender, com base nos discursos dos docentes, os princípios pedagógicos que norteavam o curso, assim como os possíveis campos de atuação profissional, associados às escolas e aos contextos educacionais. Tal compreensão, quanto aos objetivos e finalidades da graduação, acabou aumentando o meu nível de interesse e minhas expectativas em relação à graduação, impulsionando ainda mais os meus estudos, no que se referiu as disciplinas propostas, os estágios curriculares, e, principalmente, o meu empenho e comprometimento com as pesquisas de campo. Minha inserção, como aluno regular, neste Programa de Pós Graduação, deu-se após um longo processo de amadurecimento profissional e acadêmico, pois, antes de me inscrever no processo seletivo para acesso ao programa, me dediquei aos estudos buscando aprovação em concurso público na minha área de formação. Logo após ter concluído minha graduação em Educação Física, fui aprovado e assumi dois cargos públicos como professor de Educação Física, na rede estadual e municipal de ensino. Frente às perspectivas e demandas relacionadas à minha área de atuação profissional, busquei aperfeiçoar a minha prática docente e aprofundar os meus estudos concluindo minha segunda graduação em Pedagogia. Posteriormente a todo esse processo, resolvi me dedicar e idealizar meu futuro ingresso como aluno no mestrado acadêmico. Todo esse percurso profissional e acadêmico, foi me preparando e gradativamente contribuindo para que eu pudesse conquistar minha tão sonhada aprovação e ingresso como aluno regular da primeira turma do Programa de Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional (PROEF). O Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional (PROEF) veio contribuir para a minha prática docente, propondo, a partir dos conteúdos previstos, estratégias para o enfrentamento das problemáticas e dos desafios que emergem do contexto de atuação do profissional de Educação Física escolar. 12 O PROEF tem como objetivo principal contribuir para a qualidade do ensino de Educação Física na educação básica, proporcionando aos discentes, professores da rede pública, uma formação continuada em serviço com base em uma prática transformadora, promovendo a valorização profissional do professor de Educação Física por meio do aprimoramento de sua formação. Todas as atividades e vivências propostas por este mestrado profissional, constituíram um importante subsídio e referencial para a minha prática docente. As disciplinas cursadas, os temas abordados, os projetos didáticos-pedagógicos desenvolvidos, as oficinas e formações realizadas, os eventos científicos relacionadas à área de Educação Física, puderam contribuir de maneira significativa para a minha formação profissional e principalmente para as aulas de Educação Física que leciono na rede estadual de ensino. Os diferentes momentos de aprendizagem neste programa, trouxeram valorosas contribuições ao meu “fazer” pedagógico, impactando o chão de quadra em que atuo, ou seja, o contexto escolar em que estou inserido, favorecendo situações no meu cotidiano escolar como: planejamento de aulas, seleção de conteúdos, metodologias de ensino aprendizagem, aspectos da educação inclusiva, avaliação, desenvolvimento de projetos, entre outras situações que constituem o fazer pedagógico, ressignificando e contextualizando a minha prática pedagógica. 13 INTRODUÇÃO A Educação Física no contexto escolar perpassou por mudanças teóricas e metodológicas de modo a se adequar às transformações sociais que emanam do contexto social. Dentre as principais discussões da área podemos citar a necessidade de uma organização didático-pedagógica e/ou sistematização dos conteúdos propostos pelo currículo, pois, nota-se que determinadas temáticas, como as lutas, por exemplo, vêm sendo desenvolvidas sem uma perspectiva formativa que as representem, apresentando-se muitas vezes, como um conteúdo de natureza procedimental, ou seja, relacionado essencialmente à princípios do “saber fazer”, levando os alunos muitas vezes a reproduzirem gestos estereotipados e desprovidos de significado (CARNEIRO, 2009; SENA, 2014; CAMPOS, 2014; RUFINO; DARIDO, 2015a). O ensino das lutas nas aulas de Educação Física escolar, assim como os demais conteúdos específicos da disciplina, abrangem muitas vezes, na prática pedagógica, apenas os aspectos procedimentais do conteúdo, ou seja, o saber fazer, a prática. A concepção de uma educação integral, proposta pelas atuais diretrizes curriculares, aponta para um processo de ensino e aprendizagem que possa transcender esse “saber fazer”, compreendendo durante as aulas aspectos de outras dimensões do conteúdo, como os conceitos, as atitudes e os valores (RUFINO; DARIDO, 2015a). Sena (2014, p. 16) compreende a sistematização das propostas de atividades de ensino “[...] como uma maneira de organizar os conteúdos, propondo contribuir com o processo de ensino-aprendizagem nas aulas de Educação Física, adequando os conhecimentos da disciplina à realidade do ambiente, ao contexto escolar, ao nível escolar e às necessidades dos estudantes”. De acordo com a BNCC, Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), documento de caráter normativo e obrigatório, em âmbito federal, recentemente elaborado e promulgado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que define qual o conjunto de aprendizagens essenciais que os alunos devem vivenciar ao longo das etapas da Educação Básica, com o objetivo de nortear a ação pedagógica dos professores bem como os currículos das escolas de todo o país, a Educação Física nos anos iniciais se encontra na área de linguagens, dividida em seis unidades temáticas, a saber: brincadeiras e jogos, danças, lutas, ginásticas, esportes e corpo, movimento e saúde. A BNCC também apresenta em suas diretrizes, um compromisso com a educação integral, reconhecendo que, a Educação Básica deve pautar-se na formação e no 14 desenvolvimento global do indivíduo, assumindo “[...] uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto - considerando-os como sujeitos de aprendizagem – [...] (BRASIL, 2017, p. 14)”. O recente homologado CP, Currículo Paulista, por sua vez, configura-se como um desdobramento da BNCC, ou seja, dialoga com os fundamentos pedagógicos definidos pela BNCC, com foco no desenvolvimento de competências e compromisso com a educação integral, além de defender “[...] o desenvolvimento pleno dos estudantes, o respeito às singularidades, o acolhimento das diversidades e a construção da autonomia (SÃO PAULO, 2019, p. 249)”. Refletindo sobre os desafios postos aos professores de Educação Física, diante dessas novas diretrizes curriculares, no que se refere à organização e desenvolvimento do conteúdo lutas, de maneira efetiva e significativa, pressupõe-se que esse tema seja relevante, tornando- se, portanto, o objeto de conhecimento a ser aprofundado nesse estudo, considerando que, essa unidade temática, pode vir a contribuir para com o processo de ampliação do repertório da cultura corporal do movimento, bem como para uma educação integral junto aos educandos. Coll et al. (1998), concebem os conteúdos de ensino sob uma perspectiva pedagógica, compreendendo que a atividade docente tem como objetivo a formação humana a partir de abordagens metodológicas e organizacionais de transmissão e apropriação de saberes. Nesse sentido, o autor aponta a necessidade de um ensino que contemple os conteúdos a partir das seguintes dimensões: conceitual, procedimental e atitudinal. Estas dimensões do conteúdo, ressaltadas por Coll et al. (1998), refletem princípios e conceitos que nos remetem aos quatro pilares do conhecimento apresentados por Delors et al. (1996), no relatório para a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI. Os quatro pilares do conhecimento que tinham como objetivo principal, organizar a educação para o futuro, são: aprender a conhecer, que nos remete aos instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o contexto envolvente; aprender a viver juntos, com vista a participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; e por fim, aprender a ser, via essencial que integra os três pilares, já citados. Com o propósito de colaborar para o estabelecimento de um diálogo na relação entre teoria e prática, o presente estudo levantou o seguinte questionamento: Como deverão ser organizados os conteúdos lutas nas aulas de Educação Física, a fim de promover uma aprendizagem significativa junto ao aluno, buscando assim, atender as principais diretrizes 15 educacionais propostas pela BNCC e pelo CP, com vistas à construção de uma educação integral e de qualidade? São muitas as inquietudes a respeito da BNCC e do CP, e suas implicações no contexto escolar, frente às novas configurações da sociedade contemporânea, portanto, é importante que se considere suas possibilidades para a construção e ampliação do conhecimento, por meio da reflexão, análise, problematização e das soluções criadas no ato pedagógico. Na tentativa de propiciar um ponto de partida para o desenvolvimento do estudo em questão, a presente pesquisa teve a pretensão de apresentar conceitos estruturantes para a aplicação dos conteúdos lutas em consonância com as orientações destas atuais diretrizes educacionais. Para Lançanova (2006), as lutas se apresentam em nossas vidas de várias formas e em diferentes contextos, destacando-se entre estes espaços a Educação Física escolar, trazendo um conjunto de conhecimentos e saberes que podem contribuir para o desenvolvimento integral do aluno. Considerando o seu potencial pedagógico, a unidade temática lutas constitui-se um importante recurso por se tratar da ação corporal exclusiva, da sua natureza histórica e o rico acervo cultural trazido pelos seus povos de origem. Nesse sentido, enfatizando a sistematização dos conteúdos nas aulas de Educação Física, e, considerando, a compreensão e aplicação destes saberes pelos alunos em sua vida diária, os objetos de conhecimento das lutas neste estudo, foram abordados didaticamente a partir de três importantes dimensões: Dimensão conceitual – O que se deve saber? Dimensão procedimental – O que se deve saber fazer? Dimensão atitudinal – Como se deve ser? (COLL et al., 1998; DARIDO, 2005). A dimensão conceitual do conteúdo, corresponde a fatos, objetos ou símbolos que possuem características comuns. O aluno que aprende um conteúdo conceitual é capaz de interpretar e compreender uma determinada situação, dando a esse contexto significado (POZO, 1998). A dimensão procedimental do conteúdo, constitui conjuntos de ações organizadas que permitem desenvolver nos alunos sua capacidade de agir de maneira eficiente. Os conteúdos procedimentais envolvem ações e decisões externas ou internas, uma vez que podem estar presentes na ação corporal ou nas representações, respectivamente (COLL; WALLS, 1998). A dimensão atitudinal do conteúdo, compreende valores, normas e atitudes que devem estar presentes também nas demais disciplinas, permitindo que o aluno utilize o conhecimento adquirido além das aulas, em seu cotidiano (SARABIA, 1998). 16 O processo de ensino aprendizagem sob a perspectiva das dimensões de conteúdo torna-se mais amplo, compreendendo o desenvolvimento das capacidades cognitivas, afetivas, motoras, as relações interpessoais, respondendo dessa forma as demandas sociais. Portanto, estudar essas questões promovendo uma reflexão sobre a ação pedagógica contribui para um ensino com mais qualidade aos alunos (DUDECK e MOREIRA, 2011). Nesse sentido, o objetivo geral deste estudo foi propor uma abordagem metodológica de ensino do conteúdo lutas, sistematizado nas aulas de Educação Física, para alunos do 4º ano, a partir das dimensões do conteúdo: conceitual, procedimental e atitudinal, em consonância com as diretrizes educacionais propostas pela BNCC e CP. Concebendo a Educação Física, como componente curricular obrigatório na Educação Básica, e, sendo constituído por uma diversidade de práticas advindas da cultura corporal do movimento, o presente estudo teve como proposta estabelecer um referencial metodológico, fundamentado teoricamente, para os professores de Educação Física que atuam no Ensino Fundamental, que buscam no dia a dia escolar construir novas práticas educacionais que levem em conta as características e necessidades dos alunos, possibilitando uma aprendizagem significativa. Quanto aos objetivos específicos a pesquisa buscou: 1. Elaborar, aplicar e avaliar um projeto de intervenção didático-pedagógico sobre a unidade temática lutas e seus respectivos objetos de conhecimento, norteado pelas atuais diretrizes curriculares; 2. Identificar a partir de uma perspectiva conceitual, procedimental e atitudinal, a compreensão dos alunos a respeito do universo das lutas. 3. Desenvolver um material didático-pedagógico, como produto final da pesquisa, propondo uma abordagem metodológica de ensino das lutas, voltado aos professores de Educação Física que atuam na educação básica. Considerando as constantes mudanças pelas quais a educação vem passando, as atuais diretrizes educacionais propostas a nível federal e estadual, e portanto, a real necessidade de uma contextualização das práticas pedagógicas, o presente estudo constitui-se um importante referencial teórico metodológico para os profissionais envolvidos com a prática de ensino da disciplina de Educação Física nos anos iniciais do Ensino Fundamental, visando assim contribuir para uma melhor atuação docente frente aos inúmeros desafios que se apresentam no cotidiano escolar, principalmente no que se refere a garantir uma educação integral e de qualidade. 17 O presente estudo desenvolveu-se a partir de três importantes etapas e/ou fases de execução: 1ª Fase - Identificação das características e necessidades do contexto: Em um primeiro momento, foi evidenciado, a partir de estudos bibliográficos com base em autores/pesquisadores na área, e também, nos principais documentos legais elaborados pelas políticas públicas em educação, a eminente necessidade de organização e sistematização do conteúdo lutas nas aulas de Educação Física nos mais diversos contextos escolares, pois, da maneira como este conteúdo vem sendo desenvolvido, muitas vezes, acaba por não atender as perspectivas de aprendizagem do educando. 2ª Fase - Desenvolvimento da proposta de sistematização do conteúdo lutas, por meio do Projeto de Intervenção Didático-Pedagógico: Em seguida, pensando em uma maior organização e melhor sistematização do conteúdo lutas nas aulas de Educação Física, foi proposto um Projeto de Intervenção Didático-Pedagógico, subsidiado por um Plano de Ensino sobre a unidade temática lutas. Cabe ressaltar que, este plano de aula foi construído, essencialmente, a partir das dimensões do conteúdo e dos princípios e diretrizes apontados, pela BNCC e CP. 3ª Fase - Análise e organização dos dados: Para a coleta de dados foram utilizados o Diário de Campo do pesquisador e a Autoavaliação semiestruturada aplicada aos alunos na finalização da intervenção. No Diário de Campo o pesquisador buscou descrever/anotar, com apoio de áudio e vídeo, os principais acontecimentos, vivências e reflexões dos alunos no decorrer das aulas e, na Autoavaliação, foram observados os comentários e reflexões descritos pelos alunos em resposta às questões abertas. Em suma, para a análise dos dados, foram considerados os registros escritos/transcritos na integra pelo pesquisador no Diário de Campo, e os registros escritos pelos alunos na Autoavaliação, organizados em categorias para uma melhor compreensão e discussão. Cabe ressaltar que tal organização foi essencial para uma melhor compreensão das etapas do estudo. A seguir apresentamos o modo como o texto deste presente estudo foi estruturado: No primeiro capítulo discorremos sobre a disciplina de Educação Física como componente curricular obrigatório na Educação Básica, buscando compreender como se deu o percurso histórico que contribuiu para a construção de sua identidade curricular, apresentando os aspectos legais que influenciaram todo esse processo, as principais abordagens teóricas que perpassaram e ainda perpassam a disciplina e sua prática, além de apontar algumas problemáticas, presentes em seu contexto de atuação. 18 No capítulo 2 buscamos analisar a disciplina de Educação Física à luz dos pressupostos da BNCC e do CP, no que se refere as principais competências e habilidades previstas por tais documentos curriculares, assim como, apresentamos também algumas críticas e contestações sobre a atual BNCC. O capítulo 3 vem tratar das lutas nos anos iniciais do Ensino Fundamental, ressaltando os aspectos sócio históricos e as principais problemáticas no ensino desse conteúdo no contexto das aulas de Educação Física. No capítulo 4 foi descrito todo o percurso metodológico da pesquisa, evidenciando elementos como: natureza e contexto da pesquisa; os participantes e os aspectos éticos do estudo; os instrumentos e procedimentos para coleta de dados; o caminho constituído para análise e interpretação dos dados. Foi apresentado também, nesse capítulo aspectos estruturais e conceituais do Projeto de Intervenção Didático-Pedagógico. Apresentamos no capítulo 5, os resultados de todo o processo de análise e interpretação dos dados, que contribuiu para definição das categorias temáticas, possibilitando assim, uma melhor discussão dos resultados obtidos. Foram observadas 6 categorias temáticas com base nas dimensões do conteúdo. São estas: Dimensão conceitual – Categoria 1: Diferenças entre lutas e brigas; Categoria 2: Aspectos sócio históricos e culturais das lutas. Dimensão procedimental – Categoria 3: Percepção dos fundamentos técnicos das lutas; Categoria 4: Construção de novos saberes a partir do fazer. Dimensão atitudinal – Categoria 5: A cooperação presente no ensino e aprendizagem das lutas; Categoria 6: Atitudes de respeito e cuidado com o outro nas aulas de lutas. Logo, no capítulo 6, com base nos resultados de pesquisa apresentados, foi empreendida uma discussão acerca das 6 categorias temáticas consideradas, pautando-se no referencial teórico que norteia o presente estudo. 19 1 A EDUCAÇÃO FÍSICA NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO BÁSICA 1.1 ASPECTOS LEGAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR Neste capítulo discorreremos especificamente sobre a história da Educação Física considerando as leis brasileiras que configuraram a função e os objetivos da Educação Física escolar no contexto brasileiro até os dias atuais. Iremos refletir sobre os impactos de cada lei proposta em relação à identidade e finalidade da Educação Física, que vem se ressignificando ao longo dos anos, sendo determinada por interesses e momentos históricos. A Educação Física atualmente é componente curricular obrigatório da Educação Básica, mas nem sempre a disciplina teve essa condição. Para que possamos compreender sua situação, papel e função na escola hoje é preciso estudar como ela foi concebida ao longo do tempo pelas principais leis e diretrizes nacionais em educação. Em 1961 foi promulgada a primeira versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) brasileira, e, de acordo com o artigo 22 da Lei nº 4.024/1961, a prática da Educação Física era obrigatória nos cursos primários (Educação pré-primária e Ensino Primário) e médio (Ginásio e Colégio) aos alunos com idade até dezoito anos. Dez anos depois ocorreu uma reforma educacional, e, no que se refere à Educação Física, o artigo 7º da Lei nº 5.692 de 11 de agosto de 1971, deixa de fazer referência ao limite de idade, tornando a disciplina obrigatória em todos os níveis de ensino e facultativa ao aluno que estivesse em alguma das seguintes condições: trabalhasse mais de seis (6) horas por dia e estudasse à noite; tivesse mais de 30 anos de idade; prestasse serviço militar; fosse fisicamente incapacitado (CASTELHANI FILHO, 1998). Em 1971, o Decreto nº 69.450/1971, atribuiu nova regulamentação específica à Educação Física, que passou a ser concebida como “[...] atividade que por seus meios, processos e técnicas, desperta, desenvolve a aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando, constituindo um dos fatores básicos para a conquista das finalidades da educação nacional” (BETTI, 1991, p. 104). O termo atividade citado no texto legal, remete à ideia de uma Educação Física associada a um fazer especialmente prático, ou seja, que dispensa uma discussão ou reflexão teórica, configurando-se como um campo de conhecimento dotado de um saber próprio, apenas uma experiência limitada em si mesma. Nesse momento histórico, Sousa e Vago (1997) apontam para a aptidão física como uma referência fundamental no planejamento das 20 aulas de Educação Física, demonstrando assim uma visão de ser humano reduzido à sua dimensão biológica. Em 1977, por meio da Lei nº 6.503, mais duas alíneas foram incorporadas à lei vigente, facultando a prática das aulas de Educação Física ao aluno de pós-graduação e à mulher com prole. Na primeira situação, constata-se que pelo fato dos estudos da pós- graduação estarem ligados ao trabalho intelectual, não haveria, portanto, necessidade de capacitação física para o mercado de trabalho, sendo desnecessário frequentar as aulas. No segundo caso, fica claro como a sociedade encarava o papel da mulher, a qual cabia a criação dos filhos, já que o marido era o responsável pelo sustento da família (CASTELLANI FILHO, 1998). No ano de 1996, a nova LDB foi promulgada, anulando o decreto anterior e, por meio da Lei nº 9.394/1996, vêm delegar a responsabilidade pela normatização do ensino da Educação Física ao Conselho Nacional e Conselhos Estaduais de Educação, aos sistemas de ensino e às próprias escolas. O parágrafo 3º do artigo 26 da LDB nº 9394/1996 determina o seguinte: “A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos” (BRASIL, 1996). A partir deste documento legal, a Educação Física torna-se obrigatória no Ensino Básico que corresponde à Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio; facultativa nos cursos noturnos, ficando a critério da escola oferecer ou não e dos alunos frequentarem ou não (por ser facultativo não fazia parte das 800 horas anuais obrigatórias de ensino); deixa de ser componente obrigatório no Ensino Superior, ficando facultativo às Faculdades oferecerem a disciplina. Para Silva e Venâncio (2005), essa alteração na lei ainda não trouxe as mudanças esperadas para a área, pois a redação genérica do artigo não exigia que os profissionais que ministrassem as aulas de Educação Física tivessem formação específica. Em 2001, o texto do artigo 26 foi alterado, incluindo em seu parágrafo 3º o termo obrigatório a frente da expressão componente curricular, o que reforçou a exigência legal da Educação Física na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e Ensino Médio. Esta nova LDB proporciona à Educação Física a permanência no Ensino Fundamental e Médio e exclusão do Ensino Superior, além de manter a disciplina fora dos programas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), nos quais os alunos que já não frequentaram a escola regular e consequentemente as aulas de Educação Física continuam excluídos de seu ensino (SOUZA; VAGO, 1997). 21 A lei não apresenta conceitos, objetivos nem conteúdos para a disciplina, porém aponta três aspectos a serem considerados: integrar-se a proposta pedagógica da escola, ajustar-se as faixas etárias e às condições da população escolar. Aspectos como a carga horária anual, o número de aulas, a composição das turmas, duração da aula e espaço de ensino ficam sob decisão de cada escola. Cabe destacar que a atual LDB concede grande liberdade e autonomia para as escolas, especialmente por meio do Projeto Político Pedagógico (PPP), no qual devem constar os objetivos da escola, suas prioridades e ações, tendo em vista suas próprias características (SILVA; VENÂNCIO, 2005). Outra alteração ocorreu no texto da lei em 2003, visando reverter a situação pouco esclarecedora do texto do parágrafo 3º do artigo 26 da LBD de 1996, com definição mais específica da facultatividade nas aulas de Educação Física escolar: § 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno: I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas; II – maior de trinta anos de idade; III – que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física; IV – amparado pelo Decreto-Lei no 1.0441, de 21 de outubro de 1969; V – (VETADO) VI – que tenha prole (BRASIL, 2003). Esta Lei nº 10.793, de 1º de dezembro de 2003, está em vigor atualmente, e, por meio dela, as aulas de Educação Física passam a ser facultativa não mais a todas as pessoas que estudam no período noturno, mas especificamente àquelas que se enquadram nas condições indicadas (trabalhadores, pessoas com mais de trinta anos, militares e mulheres com prole). Diante desse contexto histórico de consolidação da disciplina no currículo escolar, ressaltamos a necessidade de uma organização política na área da Educação Física, afim de que os municípios e estados elaborem leis e ações que possam minimizar os problemas decorrentes da lei federal em vigor. Mais do que isso, compreendemos também, que existe uma preocupação acerca de uma possível revisão da Lei nº 10.793/2003, no sentido de suprimir os itens de facultatividade, considerando-se que os alunos têm muito que aprender nessa disciplina e isso não ocorrerá em outros momentos ou espaços. A compreensão sobre a Educação Física Escolar e sua finalidade no contexto escolar, que vem servindo de referência para a elaboração dos documentos legais, que regem a Educação Básica em nosso país, aponta que, mesmo sendo estigmatizada, muitas vezes, como uma disciplina essencialmente prática, a Educação Física é capaz de oferecer oportunidades para a formação de um indivíduo consciente, crítico e sensível à realidade que o envolve. 22 No texto a seguir, apresentaremos as principais abordagens teóricas que nortearam e ainda norteiam a prática pedagógica na Educação Física escolar. 1.2 PRINCIPAIS ABORDAGENS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO BRASIL Neste item, discorreremos sobre as principais influências pedagógicas e movimentos ideológicos que configuraram a Educação Física como área do conhecimento humano, assim como serão elencados os diferentes momentos vivenciados pela disciplina em sua busca por uma identidade curricular. No final do século XVIII e início do século XIX, a Educação Física no Brasil sofre grande influência do pensamento europeu. Nesse período, diferentes movimentos influenciaram as atividades dessa área como o ideário de higiene e saúde, a referência aos métodos ginásticos (ginástica sueca e francesa), caracterizando-se como uma Educação Física higienista. [...] o trabalho físico, então, na Europa dos anos oitocentos, passa a merecer atenção das autoridades estatais, e liga-se ao tema dos cuidados físicos com o corpo. E é nesses cuidados físicos com o corpo – os quais incluíam a formação de hábitos como: tomar banho, escovar os dentes, lavar as mãos – que se faziam presentes, também, os exercícios físicos, vistos exclusivamente como fator higiênico (SOARES et al., 1992, p. 51). Posteriormente, surge o modelo militarista, com o propósito de formar indivíduos fortes e sadios, aptos a defender a nação, no caso de combates com outros países. Nessa perspectiva, valorizavam-se as pessoas consideradas fisicamente aptas e excluíam-se as consideradas incapacitadas. Este modelo predominou até meados dos anos 60, período no qual não existiam profissionais da área de Educação Física, visto que não existiam ainda cursos de licenciatura ou bacharelado nesta área. Por esta razão, “[...] as aulas de Educação Física nas escolas eram ministradas por instrutores físicos do exército, que traziam para essas instituições os rígidos métodos militares da disciplina e da hierarquia” (SOARES et al., 1992, p. 53). Ainda durante a década de 1960, com o governo militar, instalou-se no país a concepção esportivista, transformando a Educação Física, basicamente, em sinônimo de esporte e rendimento. Nesse modelo, as aulas contemplavam exclusivamente o conteúdo relacionado ao esporte, com o objetivo da identificação de talentos esportivos e da melhora da aptidão física para uma possível representação de futuros atletas em competições a nível nacional e internacional. Dessa modo, as aulas privilegiavam uma minoria que apresentava 23 certa facilidade para aprendizagem de gestos e habilidades motoras específicos da prática esportiva, deixando em segundo plano aqueles que não possuíam tais características (SOARES et al., 1992; BARROSO et al., 2011). A partir de 1980, o país vive um momento de grandes transformações políticas, com a abertura para uma política democrática. Nesse momento histórico, despontam-se novas correntes pedagógicas para a educação e especificamente para a Educação Física escolar, buscando ressignificar o seu papel no contexto escolar. Apresentaremos a seguir algumas destas novas tendências pedagógicas, lembrando que, essas concepções de ensino forma influenciadas por diferentes áreas do conhecimento humano. De início, fazemos referência à psicomotricidade, proposta por Jean Le Bouch, que tinha como principal foco “mapear” o desenvolvimento e aquisição das habilidades básicas nas crianças, que segundo o autor se dava por meio do movimento (BARROSO et al., 2011). A abordagem desenvolvimentista, por sua vez, considerava a “habilidade motora” como um dos conceitos mais importantes para a Educação Física. “O movimento é proposto como meio e fim da Educação Física escolar e tem uma grande preocupação em adequar os conteúdos à faixa etária dos alunos” (CARNEIRO, 2009, p, 66). Merece reconhecimento também, a abordagem construtivista, cuja base teórica era pautada pelas ideias de Jean Piaget. Segundo Freire (1989), nessa perspectiva, o professor e a escola devem valorizar as experiências ou cultura que os alunos trazem como frutos de sua interação com o mundo. A abordagem sistêmica (BETTI, 1991), também conhecida como abordagem sociológica, norteada por pressupostos sociológicos e filosóficos, buscou compreender a Educação Física como um sistema aberto influenciado pela sociedade ao passo que também influencia a sociedade. Dentro desta perspectiva sistêmica, a especificidade das aulas girava em torno do corpo e do movimento, que se constituíam como meio e fim das aulas de Educação Física. Outra corrente pedagógica que merece destaque é a crítica-superadora, que apresenta como base teórica o marxismo e o neomarxismo, discutindo a organização social através das lutas de poder. Essa perspectiva valoriza a contextualização histórica dos fatos e sugere que os conteúdos sejam desenvolvidos de maneira mais contextualizada e mais aprofundada ao longo dos anos (CARNEIRO, 2009, p. 66). A abordagem crítico-emancipatória, entretanto, compreende uma visão crítica de mundo, de sociedade e de suas relações sem a pretensão de transformar esses elementos por meio da escola, pautando-se menos nas questões relacionadas à luta de classes. Propõe-se que 24 os conteúdos nessa perspectiva “[...] sejam ensinados por meio de uma sequência estratégica denominada “transcendência de limites” (encenação, problematização, ampliação e reconstrução coletiva do conhecimento)” (CARNEIRO, 2009, p. 67). Destacou-se também nesse contexto histórico a Abordagem da Saúde Renovada, propondo como principal objetivo da Educação Física escolar apresentar os conceitos básicos de atividade física, aptidão física e saúde na perspectiva de uma melhor qualidade de vida. Esse modelo buscou contribuir de maneira expressiva para a divulgação e conscientização da importância da atividade física no cotidiano das pessoas, e as aulas seriam o caminho para essa divulgação (CARNEIRO, 2009). A abordagem cidadã, apresentada pelos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e, elaborada por um grupo de pesquisadores e estudiosos mobilizados pelo Ministério da Educação e do Desporto, tem como objetivo principal, desenvolver nas aulas de Educação Física, por meio das atividades físicas, a cidadania. Entende-se, a partir destes documentos – os PCNs -, que a Educação Física na escola é responsável pela formação dos alunos, com vistas a desenvolver no aluno, a partir das práticas corporais diversas, atitudes de respeito, dignidade e solidariedade. Os PCNs prezam para que os alunos reconheçam a diversidade de padrões de saúde, beleza e desempenho presentes nos diferentes grupos culturais; analisar criticamente esses padrões divulgados pela mídia; reivindicar, organizar e interferir de forma autônoma em seu meio social, além de reivindicar locais adequados para práticas corporais de lazer. Essa abordagem compreende os seguintes conteúdos para as aulas de Educação Física: esporte, jogos, lutas, ginásticas, atividades rítmicas e expressivas e conhecimentos sobre o corpo (BRASIL, 1997; 1998). Como uma das mais recentes correntes pedagógicas dentro da área de Educação Física escolar, destacamos a proposta curricular do Estado de São Paulo, implantada no estado no início de 2008. Apesar de fazer referência aos PCNs, esta proposta não possuía uma única tendência de ensino, abrangendo aspectos de todas as correntes já citadas (psicomotricidade, desenvolvimentista, construtivista-interacionista, crítico-superadora, crítico-emancipatória, saúde renovada, abordagem cidadã), acarretando em uma crise de identidade na área (CARNEIRO, 2009). Essa proposta compreende uma perspectiva cultural, dentro das aulas de Educação Física, proporcionando uma referência pedagógica aos professores nas escolas públicas do estado de São Paulo. Pretende-se, a partir desta perspectiva de ensino, que o aluno se aproprie da variada cultura do movimento humano em todas as suas dimensões, usufruindo de maneira 25 consciente e crítica de todas essas vivências ou possibilidades de ensino. Nesta Proposta Curricular, “[...] afirma-se que a Educação Física trata da cultura relacionada aos aspectos corporais, que se expressa de diversas formas, dentre as quais os jogos, a ginástica, as danças e as atividades rítmicas, as lutas e os esportes” (PROPOSTA CURRICULAR, 2008, p. 42). Ainda hoje, a perspectiva da cultura corporal de movimento perpassa os currículos, os conteúdos e as práticas de ensino na Educação Física escolar. Diversos autores compartilham das ideias de Daólio (2004), destacando que a Educação Física passa a priorizar os conhecimentos culturais historicamente construídos em detrimento aos saberes exclusivamente biológicos. Segundo Daólio (2004, p. 02), [...] cultura é o principal conceito para a educação física, porque todas as manifestações corporais humanas são geradas na dimensão cultural, desde os primórdios da evolução até hoje, expressando-se diversificadamente e com significados próprios no contexto de grupos culturais específicos. Portanto, o que deve ser evidenciado, ao abordar o conceito de cultura corporal de movimento, “[...] são recortes dessa cultura humana, apresentando características específicas relacionadas ao corpo-movimento” (BARROSO et al., 2011, p. 25). A Educação Física, com base nessa concepção, deve propiciar ao educando o exercício da cidadania, almejando, durante a prática pedagógica, a formação de um sujeito crítico, direcionado para a conquista de sua autonomia, por meio do conhecimento, da reflexão e da transformação dessa cultura corporal de movimento. Apresentamos, por fim, o referencial curricular mais atual em âmbito nacional, e, em implantação no país: a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normativo direcionado exclusivamente à educação escolar, recentemente elaborada por especialistas das mais diversas áreas do conhecimento, constitui-se um documento contemporâneo com vistas a atender as necessidades dos estudantes da contemporaneidade, preparando-os para o futuro. A BNCC busca definir as aprendizagens essenciais que devem ser garantidas e desenvolvidas ao longo do processo de escolarização dos estudantes brasileiros. A Educação Física, assim como os demais componentes do currículo escolar, devem comprometer-se com o desenvolvimento pleno dos educandos e, por meio de sua especificidade, promover o desenvolvimento das dez competências gerais previstas por tal documento: 1. Conhecimento; 2. Pensamento científico, crítico e criativo; 3. Repertório cultural; 3. Comunicação; 4. Cultura digital; 5. Trabalho e projeto de vida; 7. Argumentação; 8. Autoconhecimento e autocuidado; 9. Empatia e cooperação; 10. Responsabilidade e cidadania. Afim de atingir esse objetivo, as aulas de Educação Física ganham novos contornos, competências e habilidades específicas que devem 26 orientar os currículos das redes de ensino e o planejamento de aulas dos professores. Este documento vêm estabelecer, pela primeira vez na história da Educação Física escolar, as aprendizagens consideradas obrigatórias para os ensinos fundamental e médio, assumindo como principal abordagem a cultura corporal de movimento (BRASIL, 2017). O recém homologado, Currículo Paulista, desdobramento da BNCC, de âmbito estadual, surge como resultado do esforço dos profissionais da educação representantes das Redes Municipais, da Rede Estadual e da Rede Privada de Ensino que, atuando de modo colaborativo, associaram saberes, procedimentos, reflexões e experiências a respeito da prática docente na Educação Física e nos diferentes componentes curriculares. Este documento contempla as competências gerais propostas pela BNCC, assim como os currículos e suas diretrizes curriculares para as redes de ensino públicas e privadas. O Currículo Paulista prevê, com base em suas orientações, nortear e orientar em cada escola estadual, a reelaboração de suas respectivas propostas pedagógicas, “[...] de maneira a que se promova, em cada uma delas, a necessária organização dos tempos e dos espaços, bem como práticas pedagógicas e de gestão compatíveis com as aprendizagens essenciais que se pretende garantir a todos os estudantes (SÃO PAULO, 2019, p, 12)”. Este presente estudo, considera a importância destas abordagens, propostas e documentos curriculares no processo de construção de uma identidade para a disciplina de Educação Física, assim como reconhece também a necessidade de uma “universalidade dos conteúdos”, desde que esses conceitos e materiais possam de fato balizar, nortear e auxiliar as ações pedagógicas docentes e não promover um “engessamento” da prática através do apagamento da diversidade, ou seja, desconsiderando e desrespeitando as diferentes manifestações culturais existentes nos mais diversos contextos sociais. No próximo texto, falaremos sobre as principais problemáticas, presentes no contexto da prática de ensino em Educação Física escolar, nos dias atuais, refletindo antigos dilemas da área. 1.3 SOBRE DILEMAS E PROBLEMÁTICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR A Educação Física como componente curricular obrigatório da Educação Básica (BRASIL, 1996), tem se tornado objeto de debates e discussões entre estudiosos da área, no que diz respeito à sua desvalorização no contexto escolar. O profissional de Educação Física, muitas vezes encontra-se à margem do contexto escolar, e, sua função na escola não é 27 reconhecida e/ou valorizada pela equipe escolar, sendo assim considerada, uma “disciplina complementar”, menos importante do que Matemática, História ou Língua Portuguesa. A inclusão ou exclusão de determinados objetos de conhecimento no currículo pode refletir as relações de poder existentes entre a comunidade escolar e sociedade, “[...] não sendo simplesmente seleções neutras que objetivem destacar e organizar conhecimentos entendidos como de maior valor para a sociedade. Uma seleção subentende o privilégio de algumas concepções e o apagamento de outras (SANTOS, 2014, p. 79)”. Sobre currículo e educação, é possível ressaltar os conflitos entre as diferentes formas de pensar sobre o que deve ser ensinado no contexto escolar. Empresários defendem a ideia do ethos econômico do mercado e da produção como a razão principal dos currículos; religiosos tentam impor sua concepção dogmática; cientistas consideram a sua perspectiva “mais verdadeira” que outras; grupos editoriais buscam interferir no currículo visando um aumento na produção editorial; outros grupos sociais organizados disputam espaço nesta arena para fazer valer a sua própria maneira de conceber e pensar o mundo. Em contrapartida os professores – aqueles que darão vida ao currículo a partir de suas práticas – atualmente estão entre os indivíduos menos consultados quanto ao que ser ensinado nas escolas, constituindo-se muitas vezes em meros agentes burocráticos incumbidos de aplicar pacotes de instrução (BRAGHINI, 2015). Goodson (1995; 1997) aponta, com base em um percurso histórico, para uma constante mudança das disciplinas, ao passo que saem de uma posição inferior no currículo, passam pelo estágio utilitário, tornando-se por fim disciplina, constituída por um conjunto determinado e sistematizado de conhecimentos. O autor apresenta o conceito de comunidade disciplinar, representadas por sujeitos que constituem e mobilizam uma determinada disciplina, constituindo-se um movimento social de profissionais (professores e pesquisadores), ligados às disciplinas científicas, acadêmicas e escolares, parecido com o que acontece com outras profissões. Nesse sentido, a carga horária reservada a cada disciplina na grade escolar, reflete claramente, o que é mais ou menos valorizado na escola, sendo que, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, por exemplo, cerca de 60% a 70% de todo o ensino formal é dedicado ao ensino da leitura e escrita e à matemática. Isso significa que, [...] apesar do currículo desse nível de ensino contemplar vários outros conteúdos, eles recebem pouca importância real no planejamento e na prática docente. Quanto tempo é dedicado à Música, às Artes, à Educação Física?” (SOUZA, 2008, p. 30). 28 Segundo Oliveira et al. (2010), muitos profissionais, no ambiente escolar, concebem a Educação Física como uma “disciplina de improvisos”, ou seja, com a finalidade de oferecer momentos de recreação, desenvolver o esporte, fabricar corpos esbeltos, assim como, apenas compensar a rotina escolar. Nesse sentido, o professor de Educação Física, também é visto como um técnico desportivo ou um mero recreacionista, pois, acredita-se que sua função se reduza ao domínio de habilidades das modalidades esportivas, ou ainda, aquele que em suas aulas realizam o “jogar bola” e nada mais. “O conhecimento equivocado sobre a disciplina por parte de alguns setores da escola e da sociedade a conduz a um tratamento de disciplina “menos importante” e que está presente na matriz curricular somente para “tapar buracos” na escola” (FONSECA, 2012, p. 9). A Lei nº 10.793, de 1º de dezembro de 2003, em vigor atualmente, trouxe algumas mudanças e alterações no parágrafo 3º do artigo 26 da LDB nº 9394/1996, quanto à questão da facultatividade nas aulas de Educação Física, indicando um retrocesso na área, pois, os critérios adotados para garantia da facultatividade se apoiam em uma concepção de Educação Física como atividade eminentemente prática e que provoca o cansaço físico do aluno, por isso, quem trabalha, se exercita nas atividades militares, tem mais de trinta anos e mulheres com filhos não precisam participar destas aulas (pois os alunos amparados pelo Decreto-Lei nº 1.044, de 21 de outubro de 1969, que se, por exemplo, possuem uma doença infecto contagiosa não podem frequentar nenhuma aula). Com isso, uma parcela da população escolar acaba sendo privada das aulas de Educação Física (IMPOLCETTO, et al., 2014). Outro aspecto a ser considerado neste cenário de desvalorização da disciplina de Educação Física, refere-se a cultura de dispensas nas aulas, corroborada por alguns fatores, como: aulas fora do período das outras disciplinas; critérios e controle para a triagem das dispensas muito frágeis; inexistência de notas bimestrais para os alunos dispensados; a propagação de uma cultura que era repassada entre os alunos de que as dispensas eram comuns nas aulas de Educação Física do Ensino Médio (SOUZA JUNIOR; DARIDO, 2009). Silva e Venâncio (2005), consideram o elevado número de dispensas solicitadas e, muitas vezes atendidas, nas aulas de Educação Física, uma problemática da área, visto que, os critérios adotados para tais dispensas, incorporados à LDB pela Lei nº 10.793/2003 representam um retrocesso de mais de trinta anos, ao retomar a concepção biologicista de Educação Física, prevista no artigo 7º da Lei nº 5.692 de 11 de agosto de 1971. Os autores atentam ainda para as possíveis interpretações equivocadas desta lei ou mecanismo usado para burlá-la, que consiste na aceitação por parte das escolas de atestados médicos para a dispensa das aulas de Educação Física. 29 Um questionamento frequente na esfera da Educação Física, diz respeito ao que se aprende nas aulas, pois apesar de seus conteúdos estarem vinculados à cultura de movimento, o esporte, que tem se configurado como prática hegemônica é apenas um dos diversos conteúdos propostos. Na maioria das vezes, a ação de ensiná-lo sustenta-se unicamente no acesso aos seus elementos técnicos, e a sua aprendizagem limita-se à linearidade do movimento que compõe cada modalidade esportiva. As aprendizagens decorrentes das práticas pedagógicas da Educação Física devem ampliar a compreensão dos alunos em relação às práticas corporais e à sua própria cultura de movimento, pois, segundo Melo (2006, p. 189), “[...] nem o futebol e a queimada, duas práticas recorrentes na Educação Física escolar são ensinadas, pois os alunos já chegam à escola com esses conteúdos aprendidos”. Sendo assim, compete aos professores de Educação Física, envolver-se numa rotina escolar que permita situar claramente seus conteúdos de ensino e sua organização nos diferentes ciclos de escolarização, diferente da linearidade de conteúdo que se repete de forma hegemônica em todos os níveis escolares, bem como dissipar a ideia, muitas vezes cristalizada na escola, de que a Educação Física é um suplemento curricular, caracterizada principalmente pela organização de atividades complementares, e não pela função precípua de tratar pedagogicamente o acervo da cultura de movimento como o conhecimento pedagógico de que os alunos devem se apropriar e ressignificar no seu convívio social (MELO, 2006). Outra questão a ser considerada neste contexto, é o baixo nível de expectativa e reconhecimento atribuídos ao profissional, que vem contribuir para que o professor de Educação Física seja reconhecido socialmente apenas como um agente de instrução física. Diante destas questões, torna-se relevante uma revalorização e ressignificação da imagem do professor de Educação Física com vistas à sua prática de ensino, revelando o quanto a Educação Física é capaz de contribuir com a dinâmica escolar, tornando o espaço escolar mais atraente, transformando e valorizando a disciplina. Para tirar a Educação Física da “[...] marginalidade à qual tem sido condenada, [...] é preciso transformá-la do que é para o que deve ser. Desse modo, não se trata de valorizar a Educação Física, mas sim valorá-la, a partir de ações próprias e locais, influenciando no geral” (MACEDO; ANTUNES, 1999, p. 15). Atualmente, não existe um certo consenso entre os professores de Educação Física acerca do papel deste componente curricular na escola, visto que, quando questionado sobre estas questões, as respostas apresentadas são sempre de naturezas distintas: alguns têm claro o que a Educação Física ensina, outros nem tanto e, mesmo para aqueles que têm clareza, as respostas nem sempre são iguais, ou seja, revela-se pouca valorização da disciplina na escola por parte dos próprios professores. O mesmo ocorre com os alunos, cujos relatos sobre o que 30 a Educação Física ensina variam desde aprender algum esporte a desprender da monotonia das aulas regradas (BOEIRA, 2017). O histórico da Educação Física no Brasil nos ajuda a refletir sobre essas problemáticas. Desde os anos 1980, estudiosos têm se envolvido em discussões que possibilitaram reflexões importantes sobre o papel da Educação Física na escola. Dessas discussões surgiram as diferentes abordagens da Educação Física, cada uma com um enfoque próprio que, por um lado, provocaram mudanças em modelos anteriormente praticados que não atendiam mais às necessidades da educação escolar, mas, por outro lado, não levaram a um consenso sobre pontos importantes, como por exemplo: qual o objeto de estudo da Educação Física na escola e como os conhecimentos devem ser sistematizados (ANTUNES, 2006; DARIDO, 2011). Um tema em comum que perpassa por todas as abordagens da Educação Física é o movimentar-se do ser humano. Independente da abordagem ou perspectiva de ensino, o movimento é um aspecto presente nas aulas. A questão é que o movimentar-se, objeto de estudo da Educação Física, não é de natureza igual ao objeto dos demais componentes curriculares, diferenciando assim a Educação Física dos demais componentes do currículo escolar. Betti e Silva (2018), dizem que o nosso objeto de estudo é de caráter híbrido, e por ser de natureza diferente, muitas vezes causa desconhecimento e estranheza por parte dos outros componentes. Justamente por ser diferente, a Educação Física encontra certas dificuldades na escola visto que, a escola em sua maioria possui um caráter normativo, o que implica dizer que o movimentar-se é visto como caos e desordem por parte dos outros professores e da equipe gestora. Alunos que correm no corredor, aulas de Educação Física que fazem barulho, crianças que chegam “agitadas” na sala após a aula de Educação Física, o recreio que muitas vezes é visto como caótico. Nesse sentido, busca-se manter os já conhecidos padrões de ensino, no qual a “[...] uniformização dos movimentos e o adestramento do corpo parecem constituir, muitas vezes, a preocupação metodológica mais frequente”, indo na contramão de um desenvolvimento integral dos alunos” (GALLARDO, 1998, p.34). Outro aspecto a ser destacado nesse contexto, é o fato das pessoas veem no movimento algo simples e sem importância. Quando as pessoas veem crianças movimentando-se numa quadra, elas apresentam certa resistência e dificuldade em compreender que o movimentar-se é algo complexo, que mesmo os movimentos mais simples exigem percepção do ambiente, julgamento, tomada de decisões, planejamento, execução e avaliação. Segundo Sayão (2002), a criança utiliza seu corpo e o movimento como forma para 31 interagir com outras crianças e com o meio, produzindo culturas. Essas culturas estão embasadas em valores como a ludicidade, a criatividade nas suas experiências de movimento. O desconhecimento sobre a complexidade do movimentar-se e a sua simplificação leva, às vezes, a uma atitude preconceituosa, pois o mover-se livremente ou numa aula de Educação Física teria pouco valor formativo e pedagógico no que diz respeito ao conhecimento. A escola se vê como o lugar do pensamento e do raciocínio, e tem dificuldade de reconhecer o mover-se como uma parte que a integra. Em outras palavras, o mover-se é do corpo e o pensar, raciocinar, é da escola. Lovisolo (1996), através de seus estudos, reconhece um certo comodismo por parte do profissional de Educação Física, no que diz respeito à falta de atualização e de consciência profissional, uma vez que são poucos os profissionais que reconhecem a grandiosidade dos temas, assuntos e conteúdos ministrados para a vida dos alunos. Tudo isso tende a influenciar diretamente no status e prestígio deste profissional perante a escola e a sociedade. Teixeira (1993) e Resende (1995), entretanto, consideram que a responsabilidade acerca destas questões não pode recair apenas sobre os profissionais de Educação Física, mas também, sobre as instituições de ensino superior que visam preparar este profissional para atuarem no âmbito educacional, pois, o meio acadêmico pouco acrescenta à ação pedagógica do professor, ressaltando, uma dissociação entre produção acadêmica e as necessidades do cotidiano profissional. Mesmo a LDB, apresentando em seu texto orientações sobre a Educação Física escolar, com vistas a garantir o seu papel como componente curricular obrigatório. É sabido que, historicamente no espaço escolar, a função que a Educação Física vêm assumindo historicamente, contribuiu para a construção de um estereótipo da disciplina que faz com que os alunos, professores e a comunidade escolar, bem como a sociedade de maneira geral, tenham dificuldade de reconhecer a importância da disciplina no processo educativo, assim como valorizar o professor de Educação Física e suas aulas como parte integrante do Projeto Político Pedagógico da escola. Ainda hoje em muitas escolas, a Educação Física é considerada como atividade extracurricular voltada para objetivos diversos como o treinamento, a saúde e o lazer (DARIDO, 2004; IMPOLCETTO et al. 2014). Em suma, a Educação Física escolar vêm, dia após dia, tentando superar os estereótipos e estigmas que a definem como um componente curricular “menos importante” no âmbito educacional, buscando assim, sua legitimidade neste processo hierárquico de saberes, constituindo-se como parte integrante de uma estrutura curricular geral, em que cada disciplina seja uma parte imprescindível na formação de um todo. 32 Tendo em vista as problemáticas ressaltadas neste texto, podemos compreender que os inúmeros problemas, impasses e adversidades presentes na Educação Física escolar nos dias de hoje são resultados de um longo constructo histórico social que a constituiu como disciplina e principalmente decorrente de imensas disputas em busca de espaço e legitimidade dentro do currículo brasileiro. No capítulo a seguir, iremos discorrer sobre as principais diretrizes curriculares propostas pela BNCC e pelo CP para a Educação Física escolar. 33 2 A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR À LUZ DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E CURRÍCULO PAULISTA A BNCC foi elaborada, a partir de amplos debates e encontros com educadores de todo o país, visando garantir o conjunto de aprendizagens essenciais aos estudantes brasileiros e seu desenvolvimento integral em sociedade. O documento é pautado por princípios éticos, políticos e estéticos que contribuem para a formação humana e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. Considerada um importante referencial nacional, a BNCC vem nortear a formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas pedagógicas das instituições escolares, além de integrar a política nacional da Educação Básica e contribuir para o alinhamento de outras políticas e ações, em âmbito federal, estadual e municipal, no que diz respeito à formação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da educação. Assim, acredita-se que a BNCC venha ajudar a superar a fragmentação evidenciada nas políticas educacionais, fortalecendo a política de colaboração entre as três esferas de governo, o que reflete na qualidade da educação. Portanto, “[...] para além da garantia de acesso e permanência na escola, é necessário que sistemas, redes e escolas garantam um patamar comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC é instrumento fundamental” (BRASIL, 2017, p. 09). O CP, elaborado com base nas orientações gerais da BNCC, considera a Educação Integral como aspecto principal no processo de formação dos estudantes do Estado. Dessa modo, vêm reafirmar o compromisso com o desenvolvimento dos estudantes em “[...] suas dimensões intelectual, física, socioemocional e cultural, elencando as competências e as habilidades essenciais para sua atuação na sociedade contemporânea e seus cenários complexos, multifacetados e incertos” (SÃO PAULO, 2019, p. 28). A seguir, iremos compreender a Educação Física nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com base nas diretrizes da BNCC e do CP, como um componente curricular que busca tematizar as práticas corporais em uma perspectiva cultural. Discorreremos no próximo capítulo sobre as competências gerais propostas pela BNCC, as competências e habilidades específicas previstas para o ensino da Educação Física, as unidades temáticas e seus respectivos objetos de conhecimento apontados pelos documentos, além da distribuição destes princípios ao longo da primeira etapa do ensino fundamental. 34 2.1 COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DA BNCC E CURRÍCULO PAULISTA PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR A Educação Física no currículo escolar atual, precisa ser pensada a partir das premissas gerais destes documentos – BNCC e CP. Sendo assim, os professores de Educação Física precisam considerar em suas aulas o desenvolvimento integral dos educandos, ou seja, os alunos precisam ter oportunidades de desenvolver os aspectos físicos, corporais, cognitivos, afetivos, sociais e culturais associados às práticas corporais (BRASIL, 2017; SÃO PAULO, 2019). O currículo e as aulas de Educação Física precisam ser pensados, inicialmente, a partir de suas possíveis contribuições para o desenvolvimento das competências gerais da BNCC. Nessa concepção, as aulas de Educação Física devem mobilizar aprendizagens que integram fazer, sentir e pensar as práticas corporais. Um currículo de Educação Física comprometido com o desenvolvimento de competências propõe momentos de reflexão e construção de conceitos, valores e atitudes integrados nas atividades práticas. A BNCC define como competência “a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2017, p. 08). Segue, uma breve apresentação, das 10 competências gerais previstas pela BNCC e reiteradas pelo CP. Apresentamos também, algumas reflexões e comentários visando uma maior compreensão sobre como desenvolver estas competências gerais, alterando o que tradicionalmente tem sido trabalhado nas aulas de Educação Física: Figura 1 – Competências Gerais da BNCC Fonte: http://movimentopelabase.org.br/wpcontent/uploads/2018/03/BNCC_Competencias_Progressao.pdf http://movimentopelabase.org.br/wpcontent/uploads/2018/03/BNCC_Competencias_Progressao.pdf 35 1. Conhecimento - Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva (BRASIL, 2017, p. 09; SÃO PAULO, 2019, p. 29). Nessa perspectiva, o professor de Educação Física deve desenvolver os conhecimentos historicamente construídos sobre as práticas corporais, seus sentidos e seu enquadramento nos valores democráticos. Os estudantes, por sua vez, precisam ter oportunidades para relacionar os processos históricos de grupos culturais diversos ao desenvolvimento das práticas corporais. Por exemplo, compreender a origem do racismo tendo em vista a origem histórica da Capoeira e do Futebol no Brasil (DAÓLIO, 2004). 2. Pensamento científico, crítico e criativo - Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas (BRASIL, 2017, p. 09; SÃO PAULO, 2019, p. 29). O tratamento das práticas corporais, na tentativa de atender essa competência, deve, a partir de ações por parte dos docentes, incorporar na prática pedagógica, processos de investigação, reflexão e solução de problemas e não mais a mera reprodução de técnicas e táticas de algumas modalidades esportivas coletivas (DARIDO, 2011). 3. Repertório cultural - Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico – cultural (BRASIL, 2017, p. 09; SÃO PAULO, 2019, p. 29). Nessa concepção, as aulas de Educação Física passam a contemplar uma maior diversidade de práticas corporais locais e mundiais, ampliando o repertório cultural dos educandos (DAÓLIO, 2004). 4. Comunicação - Utilizar diferentes linguagens — verbal (oral ou visual- motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital —, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo (BRASIL, 2017, p. 09; SÃO PAULO, 2019, p. 29). As aulas de Educação Física, nesse enfoque, busca compreender as diferentes possibilidades de utilização da linguagem corporal, valorizando a dimensão intrínseca do fazer corporal na formação dos estudantes. 36 5. Cultura digital - Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva (BRASIL, 2017, p. 09; SÃO PAULO, 2019, p. 29). As crianças e adolescentes, cada vez mais, acessam e produzem conhecimentos sobre as práticas corporais por meio de tecnologias digitais, aplicativos, jogos, vídeos tutoriais, textos e imagens. As aulas de Educação Física podem contribuir com o desenvolvimento de competências para usar as tecnologias digitais a favor de modos de vida mais ativos, questionar o crescimento do sedentarismo e da obesidade pelo excesso de tempo dedicado ao uso de tecnologias digitais, bem como o uso da linguagem digital para a ampliação de conhecimentos sobre as práticas corporais (DARIDO, 2011). 6. Trabalho e projeto de vida - Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade (BRASIL, 2017, p. 09; SÃO PAULO, 2019, p. 29). O contato com diferentes práticas corporais nas aulas de Educação Física proporciona aos estudantes escolherem formas de participação nessas práticas ao longo da vida, adotando valores de uma sociedade democrática e de um estilo de vida ativa. 7. Argumentação - Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta (BRASIL, 2017, p. 09; SÃO PAULO, 2019, p. 29). Nesse sentido, o trato com as diversas práticas corporais nas aulas de Educação Física deve envolver olhares de diferentes pontos de vista, culturas, grupos, questões éticas, ambientais e o respeito a diferentes culturas e seus modos próprios de criar e vivenciar práticas corporais (DAÓLIO, 2004; DARIDO, 2011). 8. Autoconhecimento e autocuidado - Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas (BRASIL, 2017, p. 09; SÃO PAULO, 2019, p. 29). 37 Refere-se a olhar para si mesmo, compreendendo o próprio corpo e seu envolvimento em práticas corporais, bem como os sentimentos decorrentes das práticas deve ser objeto das aulas de Educação Física. 9. Empatia e cooperação - Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza (BRASIL, 2017, p. 09; SÃO PAULO, 2019, p. 29). Trata-se de promover valores, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação em práticas corporais, bem como discutir e analisar criticamente junto aos alunos a presença de preconceitos nas práticas corporais, desde que, durante as atividades o professor de educação física promova diálogos construtivos sobre os sentidos atribuídos às práticas (DARIDO, 2011). 10. Responsabilidade e cidadania - Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários (BRASIL, 2017, p. 09; SÃO PAULO, 2019, p. 29). Nesse âmbito, preza-se por compreender todo o trabalho com valores nas práticas corporais, o que é facilitado quando o professor promove atividades de colaboração e reflexão crítica a partir das diferentes vivências e atividades de ensino (DARIDO, 2011). A BNCC e o CP (BRASIL, 2017; SÃO PAULO, 2019) buscam a partir dessas competências gerais, afirmar um compromisso com a educação integral, que vai além do domínio de conteúdos, preocupando-se em desenvolver competências socioemocionais que possam preparar o aluno para viver em sociedade no século XXI. No novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável requer muito mais do que o acúmulo de informações. Requer o desenvolvimento de competências para aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e aprender com as diferenças e as diversidades (BRASIL, 2017, p. 14). Nessa perspectiva, a BNCC e o CP vêm abranger não apenas as competências cognitivas, mas também as socioemocionais, cabendo assim aos educadores nortearem seus trabalhos e adaptarem suas práticas pedagógicas buscando o desenvolvimento integral dos 38 alunos, auxiliando-os a ir além do domínio de conteúdos. Desse modo, é preciso incorporar e/ou vincular essas habilidades socioemocionais nas disciplinas e atividades escolares de maneira transversal. Para tal, “[...] supõe processos intencionais vivenciados nas interações, em que essas habilidades são mobilizadas simultaneamente aos processos cognitivos” (BRASIL, 2019, p. 31). Estão previstas também na BNCC e respectivamente no CP, as 10 competências específicas para o componente curricular Educação Física, que seguem elencadas abaixo: 1. Compreender a origem da cultura corporal de movimento e seus vínculos com a organização da vida coletiva e individual; 2. Planejar e empregar estratégias para resolver desafios e aumentar as possibilidades de aprendizagem das práticas corporais, além de se envolver no processo de ampliação do acervo cultural nesse campo; 3. Refletir, criticamente, sobre as relações entre a realização das práticas corporais e os processos de saúde/doença, inclusive no contexto das atividades laborais; 4. Identificar a multiplicidade de padrões de desempenho, saúde, beleza e estética corporal, analisando, criticamente, os modelos disseminados na mídia e discutir posturas consumistas e preconceituosas; 5. Identificar as formas de produção dos preconceitos, compreender seus efeitos e combater posicionamentos discriminatórios em relação às práticas corporais e aos seus participantes; 6. Interpretar e recriar os valores, os sentidos e os significados atribuídos às diferentes práticas corporais, bem como aos sujeitos que delas participam; 7. Reconhecer as práticas corporais como elementos constitutivos da identidade cultural dos povos e grupos; 8. Usufruir das práticas corporais de forma autônoma para potencializar o envolvimento em contextos de lazer, ampliar as redes de sociabilidade e a promoção da saúde; 9. Reconhecer o acesso às práticas corporais como direito do cidadão, propondo e produzindo alternativas para sua realização no contexto comunitário; 10. Experimentar, desfrutar, apreciar e criar diferentes brincadeiras, jogos, danças, ginásticas, esportes, lutas e práticas corporais de aventura, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo (BRASIL, 2017, p. 223; SÃO PAULO, 2019, p. 253). Todas essas competências vão se materializando no desenvolvimento das habilidades previstas para o Ensino Fundamental. Analisando este conjunto de competências específicas da Educação Física, notamos a necessidade por parte dos professores, de criar condições para que os alunos tenham oportunidade de vivenciar os conteúdos previstos (brincadeiras, jogos, danças, ginásticas, esportes, lutas e práticas corporais de aventura), com o objetivo de incentivá-los a compreender suas origens culturais, os modos de aprender e ensinar essas práticas, a presença de valores, condutas sociais, emoções, modos de viver e perceber o mundo, padrões de beleza, relações entre cultura corporal, mídia e consumo, a presença e 39 questionamento de preconceitos e estereótipos nas práticas, bem como as marcas de identidade presentes em cada prática. A ideia é que os alunos construam autonomia para usufruir, criar e recriar essas práticas com posturas éticas e responsáveis para eles e para os demais (BRASIL, 2017; SÃO PAULO, 2019). A BNCC define as habilidades a serem compreendidas na Educação Física em blocos (primeiro e segundo anos, terceiro ao quinto anos, sexto e sétimo anos e oitavo e nono anos), oferecendo assim maior flexibilidade no processo de elaboração dos currículos. Nas unidades temáticas de brincadeiras e jogos, danças e lutas a progressão se dá como objetos de conhecimento conforme essas práticas corporais ocorrem socialmente (das esferas sociais mais familiares - localidade e região - às menos familiares - esferas nacional e mundial). Entretanto, na unidade temática das ginásticas trabalha-se a ginástica geral e na unidade de esportes a progressão acontece conforme a classificação dos esportes adotada na BNCC; esportes de marca e precisão no primeiro e segundo anos e esportes de rede/parede, campo/taco e de invasão no terceiro, quarto e quinto anos. Toda esta organização acerca dos conteúdos e das habilidades e competências a serem desenvolvidas neste componente curricular, vão de encontro às diretrizes propostas pela BNCC, que compreende a Educação Física como, [...] o componente curricular que tematiza as práticas corporais em suas diversas formas de codificação e significação social, entendidas como manifestações das possibilidades expressivas dos sujeitos, produzidas por diversos grupos sociais no decorrer da história. Nessa concepção, o movimento humano está sempre inserido no âmbito da cultura e não se limita a um deslocamento espaço-temporal de um segmento corporal ou de um corpo todo (BRASIL, 2017, p. 213). A concepção da linguagem corporal no âmbito da cultura significa dar uma nova visão às práticas corporais, acrescentando ao percurso formativo das aulas de Educação Física a experimentação junto com a reflexão e produção de novos sentidos para as práticas. Essa visão se difere das que visam exclusivamente o desenvolvimento motor ou psicomotor ou que entendem a Educação Física apenas como forma de descanso e ou gasto de energia dos alunos. A visão cultural permite unir as práticas corporais e o trabalho com valores, atitudes, autoconhecimento, reflexão crítica e não o fazer por fazer, sendo importante ressaltar que, nos anos iniciais todas essas práticas são ajustadas ao contexto escolar e vivenciadas de forma lúdica (BRASIL, 2017; SÃO PAULO, 2019). 40 Cabe a rede de ensino e ao professor decidir quais habilidades do ciclo, serão trabalhadas em cada ano e que objetos de conhecimento serão foco no desenvolver das aulas. Para exemplificar as aprendizagens nas aulas de Educação Física nos anos iniciais do ensino fundamental, vamos observar a seguir, os possíveis objetos de conhecimento para a unidade temática de lutas no quarto ano do Ensino Fundamental. Quadro 1 - Exemplo de unidade temática e objetos de conhecimento. Ano Unidade Temática Objetos de Conhecimento 4º Lutas 1. Principais diferenças entre lutas e brigas. 2. Jogos corporais de oposição (conquista de conquista de território, equilibrar/desequilibrar). 3. Lutas do contexto comunitário e regional. 4. Lutas de matriz indígena e africana. objetos Fonte: https://impulsiona.org.br/ As Unidades Temáticas previstas no Currículo Paulista, em consonância com a BNCC, nos anos iniciais são: Brincadeiras e jogos, Danças, Lutas, Ginásticas, Esportes e Corpo, Movimento e Saúde (BRASIL, 2017; SÃO PAULO, 2019). Vejamos a seguir, um exemplo sobre as habilidades previstas do terceiro ao quinto ano na unidade temática de lutas segundo a BNCC e Currículo Paulista: Quadro 2 – Competências e habilidades previstas para a unidade temática lutas do terceiro ao quinto ano. Habilidades do Bloco Terceiro Ano Quarto Ano Quinto Ano (EF35EF13) (EF04EF13) Experimentar, fruir e recriar diferentes lutas presentes no contexto comunitário e regional e lutas de matriz indígena e africana. Experimentar e fruir jogos de lutas do contexto comunitário; Pesquisar lutas que são praticadas na comunidade. Experimentar e fruir lutas de matriz indígena. Experimentar e fruir a Capoeira. (EF35EF14) (EF04EF14) Planejar e utilizar estratégias básicas das lutas do contexto comunitário e regional e lutas de matriz indígena e africana experimentadas, respeitando o colega como oponente e as normas de Aprender movimentos básicos de ataque e defesa dos jogos de lutas comunitários; Reconhecer a diversidade de gestos que caracterizam a lutas presentes nas práticas da comunidade. Aprender as modalidades de lutas indígenas, suas regras e gestuais, e praticá- las com respeito aos colegas. Aprender gestos e formas de expressão rítmica da capoeira; Conhecer e respeitar a origem histórica da Capoeira; Praticar os movimentos da Capoeira respeitando os https://impulsiona.org.br/ 41 segurança. colegas. (EF35EF15) (EF04EF15) Identificar as características das lutas do contexto comunitário e regional e lutas de matriz indígena e africana, reconhecendo as diferenças entre lutas e brigas e entre lutas e as demais práticas corporais. Descrever as regras dos jogos de lutas, diferenciando-os das situações de briga. Compreender o sentido das lutas indígenas para os povos que as criaram. Praticar lutas indígenas respeitando os colegas. Compreender as relações entre Capoeira e as questões raciais. Fonte: BNCC (BRASIL, 2017); Currículo Paulista (SÃO PAULO, 2019); Site: https://impulsiona.org.br/ No texto seguinte, pautando-nos nas perspectivas de ensino e aprendizagem: conceitual, procedimental e atitudinal, buscamos refletir sobre as oito dimensões do conhecimento propostas pela BNCC e Currículo Paulista e como incorporá-las às aulas de Educação Física. 2.2 DAS DIMENSÕES DO CONTEÚDO (PCNS) PARA AS DIMENSÕES DO CONHECIMENTO (BNCC E CURRÍCULO PAULISTA) Antes de iniciar a discussão sobre as dimensões do conhecimento proposta pela BNCC e Currículo Paulista, faz-se importante um maior aprofundamento sobre as dimensões do conteúdo já proposta nos PCNs (BRASIL, 1997) para a Educação Física escolar. Afim de alcançar os objetivos educacionais, Darido e Rangel (2005), com base nos estudos de Coll et al. (2000), consideram as seguintes dimensões do conteúdo: dimensão c