UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Graduação em Física OS SEGREDOS QUE A NATUREZA ENCERRA: USO DE CONCEITOS E MODELOS DA FÍSICA PARA INVESTIGAR QUESTÕES DO MUNDO ANIMAL. Felipe Cattai Ragonha Profa. Dra. Alzira C. M. Stein-Barana Rio Claro (SP) 2012 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro FELIPE CATTAI RAGONHA OS SEGREDOS QUE A NATUREZA ENCERRA: USO DE CONCEITOS E MODELOS DA FÍSICA PARA INVESTIGAR QUESTÕES DO MUNDO ANIMAL. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Licenciado em Física. Rio Claro - SP 2012 FELIPE CATTAI RAGONHA OS SEGREDOS QUE A NATUREZA ENCERRA: USO DE CONCEITOS E MODELOS DA FÍSICA PARA INVESTIGAR QUESTÕES DO MUNDO ANIMAL. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Licenciado em Física. Comissão Examinadora Profa. Dra. Alzira C. M. Stein-Barana (orientadora) Prof. Dr. Gerson Antonio Santarine Prof. Dr. Roberto Naves Domingos Rio Claro, 13 de novembro de 2012. Assinatura do(a) aluno(a) assinatura do(a) orientador(a) RESUMO A Física rege todos os padrões de funcionamento do universo e não poderia ser diferente no meio biológico. Seres vivos dependem diretamente das leis e modelos físicos para compor sua estrutura corporal, permitir sua sobrevivência em determinados ambientes, comunicação entre indivíduos e grupos e também para estabelecer um sistema sensorial complexo que permite a interação com o meio que os rodeia. Com o avanço das Ciências e da tecnologia, novas idéias são exigidas, e, com isso, muitos pesquisadores passaram a voltar sua atenção para esses sistemas encontrados na natureza, pois estes sistemas costumam apresentar soluções práticas e com máxima eficiência. Essa imitação dos sistemas biológicos, aplicada na criação de recursos tecnológicos inovadores, é chamada de Biomimética. Para estudar os sistemas biológicos com base em conceitos físicos é essencial a criação de modelos. Esses permitem a distinção dos efeitos realmente essenciais do problema, podendo ser ignorados os efeitos secundários que não tem uma participação efetiva no fenômeno que está sendo analisado. Neste Trabalho de Conclusão de Curso será estudado o fenômeno dos trocadores de calor contracorrente, presente em diversas situações da natureza, com foco na sua participação em pernas de aves, também o equilíbrio de certas aves que se sustentam em uma só perna e a eventual inspiração desses fenômenos nos campos da engenharia. Também foram incluídos vídeos que possibilitam melhor entendimento dos assuntos estudados. Palavras-chave: Física – Biomimética – Biofísica – Aves ABTRACT Physics governs all working patterns of the universe and could not be otherwise in a biological environment. Living things depend directly on laws and physical models to compose their body structure, allow its survival in certain environments, communication between individuals and groups and also to establish a complex sensorial system that allows interaction with the environment that surrounds them. With the advancement of science and technology, new ideas are required, and thus, many researchers began to turn their attention to those systems found in nature, as these systems often present practical solutions and with maximum efficiency. This imitation of biological systems, applied in creating innovative technological resources, is called Biomimetics. To study the biological systems based on physical concepts is essential the creation of models. These allow the distinction of the effects of the issue really essential and may be ignored side effects that do not have an effective participation in the phenomenon being analyzed. In this Work Completion of course will be studied the phenomenon of countercurrent heat exchangers, present in various situations of nature, focusing on their participation in the legs of birds, also the balance of certain birds that are supported on one leg and possible inspiration of these phenomena in the fields of engineering. Also included are videos that allow better understanding of the studied subjects. Keywords: Physics – Biomimetics – Biomimecry – Birds SUMÁRIO 1 INTRODUÇAO – A Biomimética...............................................................................1 1.1 Modelos e sua importância para a Física....................................................3 2 AVES SOBRE O GELO............................................................................................4 2.1 A Termodinâmica.........................................................................................5 2.1.1 Calor...............................................................................................5 2.1.2 Temperatura...................................................................................6 2.1.3 Energia interna...............................................................................6 2.1.4 Transferência de calor por Condução............................................7 2.1.5 Transferência de calor por Convecção..........................................8 2.1.6 Transferência de calor por Radiação...........................................10 2.1.7 Capacidade Térmica e Calor Específico......................................11 2.1.8 Lei Zero da Termodinâmica.........................................................12 2.1.9 Primeira Lei da Termodinâmica...................................................13 2.2 Trocadores de Calor..................................................................................14 2.2.1 Trocadores de Calor Contracorrente em Aves............................15 2.2.2 Criação de um Modelo Matemático.............................................18 3 AVES QUE SE SUSTENTAM POR UMA SÓ PERNA............................................23 3.1 Massa e Peso............................................................................................26 3.2 Equilíbrio Estático......................................................................................27 3.3 Centro de gravidade e Centro de massa...................................................29 3.4 Como o flamingo se equilibra....................................................................31 3.5 Robô com estruturas semelhantes............................................................34 3.6 Pombos apresentam o mesmo comportamento........................................37 4 CONCLUSÃO..........................................................................................................41 5 REFERÊNCIAS.......................................................................................................42 6 MÍDIA EM ANEXO...................................................................................................44 1 1. INTRODUÇAO – A Biomimética Durante toda a História, o homem teve a necessidade de resolver os problemas que o cercam. Utilizando sua criatividade, ele buscou as soluções para esses problemas de diversos modos, que culminaram em invenções cujo aprimoramento permitiu a existência de uma grande variedade de aparatos tecnológicos, que são considerados cada vez mais indispensáveis pela sociedade. Mas as soluções de muitos dos problemas que atormentaram e ainda atormentam os cientistas, já eram praticadas em diversas situações e de maneira eficaz há milhões de anos pela natureza. A Biomimética, termo trazido à tona pelo inventor e engenheiro americano, que trouxe diversas inovações ao ramo da biofísica e biomedicina, Otto Herbert Schmitt, tem como origem a fusão dos termos gregos bios (traduzido como vida) e mimesis (traduzido como imitação) e pode ser entendido como a ciência que procura observar, estudar e principalmente imitar os diversos sistemas e modelos encontrados na natureza. A escritora de ciências naturais e professora na Universidade de Montana, Janine Benyus declara: Essa respeitosa imitação é uma abordagem totalmente nova. Diferentemente da Revolução Industrial, a Revolução Biomimética inaugura uma era cujas bases assentam não naquilo que podemos extrair da natureza, mas no que podemos aprender com ela. Fazendo as coisas à maneira da natureza, temos a possibilidade de mudarmos a forma pela qual produzimos alimentos, aproveitamos energias, curamo-nos, armazenamos informações e administramos os nossos negócios (BENYUS, 2007, p.10). Como exemplo da aplicabilidade da Biomimética podemos citar a invenção do velcro, patenteado em 1955 e criado por George de Mestral, que inspirou-se na planta Aparine Galium, cujos frutos possuem pequenos ganchos em sua superfície que se prendem aos pêlos do animal que entra em contato (Figura 1.1). Figura 1.1 - Estruturas em forma de gancho dos frutos da Galium Aparine (Fonte: Fotógrafo Jindřich Houska, dne 19. 6. a 5. 7. 2004) 2 No fecho de velcro, ganchos de nylon imitam essa estrutura e se prendem a uma superfície coberta por laços macios, como pode ser visto na Figura 1.2. Figura 1.2 - Foto tirada por microscópio eletrônico das estruturas no fecho de velcro Fonte: BROLL (2010) Outro exemplo mais conhecido ocorreu com o estudo do peixe-cofre. Este peixe consegue nadar rápido, cobrindo uma distância de até seis vezes o comprimento de seu corpo por segundo. Mas seu desempenho é mais do que uma questão de força motriz. Contrariando as expectativas, seu formato cúbico melhora suas qualidades aerodinâmicas. De fato, os engenheiros que construíram uma réplica do peixe-cofre e a testaram num túnel de vento constataram que seu deslocamento no ar é mais eficiente que o de carros compactos (Figura 1.3). O peixe-cofre tem um revestimento ósseo externo que lhe dá força máxima com mínimo peso. Pequenas turbulências se formam na água em volta dele, dando-lhe estabilidade em águas turbulentas. Por isso, o peixe-cofre tem espantosa mobilidade e proteção contra lesões. Inspirada no Peixe-Cofre, a Mercedes Benz construiu o Boxfish, um carro que, não só é aerodinâmico, seguro e confortável, mas também compatível com um conjunto formal e estrutural. Também inspirada nos ossos do peixe-cofre, a Mercedes-Benz conseguiu diminuir o peso da carroçaria sem perder a segurança e resistência do carro. Na Figura 1.3 são mostradas as etapas de seu design. No primeiro quadro o peixe cofre, no segundo e terceiro, a criação de modelos com tais qualidades aerodinâmicas e no último quadro o carro finalizado. 3 Figura 1.3 – Boxfish, automóvel da Mercedes Benz. Fonte: . Acesso em 05 fev. 2012. 1.1 – Modelos e sua importância para a Física Cada fenômeno no universo, inclusive o aparentemente mais simples, possui uma diversidade tamanha de detalhes que torna impossível o estudo desse fenômeno em sua completude. Cria-se então modelos, que podem ser considerados uma versão simplificada do sistema, em que alguns aspectos são desconsiderados para facilitar o entendimento de um efeito específico que seria o objeto de estudo. Como exemplo pode ser citada a seguinte situação: Suponha que queiramos analisar o movimento de uma bola de beisebol atirada no ar. Qual é a complicação deste problema? A bola não é uma esfera perfeita (ela possui costuras salientes), e gira durante seu movimento no ar. O vento e a resistência do ar influenciam seu movimento, o peso da bola varia ligeiramente com a variação da distância entre a bola e o centro da Terra etc. Se tentarmos incluir todos estes fatores, a análise se tornará inutilmente complexa. Em vez disto, criamos uma versão simplificada do problema. Desprezamos a forma e o tamanho da bola considerando-a um objeto puntiforme, ou partícula. Desprezamos a resistência supondo que ela se desloca no vácuo, esquecemos da rotação da Terra e consideramos seu peso constante. Agora o problema se torna bastante simples de resolver. (YOUNG; FREEDMAN, 2003, p.3) O processo de criação deve ser feito cautelosamente, pois talvez seja desconsiderado um ou mais efeitos desse sistema que seriam relevantes em proporções realistas. Por exemplo, ao citar os estudos de Galileu, cujo modelo concluiu que a aceleração de um corpo independe do seu peso, percebemos que ao deixar cair uma bola de canhão e uma pena simultaneamente, não caem com a mesma aceleração, pois a resistência do ar é um fator determinante nessa situação. Mesmo assim suas conclusões foram um grande salto na evolução dos conceitos sobre gravitação. 4 2 – AVES SOBRE O GELO As aves constituem uma classe do Reino Animal com enorme variedade de famílias e espécies. Essa variedade estimula fotógrafos, cientistas e observadores a passarem mais tempo estudando a grande beleza e características únicas de cada espécie. Muito interessante é o fato de que as aves estão presentes em todos os ecossistemas do globo, inclusive os ambientes que dificultam a adaptação de seres vivos, como os ambientes gelados. Nesses ambientes extremos podem ser observadas aves em pé sobre uma camada de gelo sem que seus pés congelem ou que a temperatura deles abaixe bruscamente. Isso intrigou os cientistas ao ponto de pesquisarem esse fenômeno, principalmente os chamados “trocadores de calor contracorrente”. Um exemplo estudado foi o das gaivotas que conseguem ficar sobre o gelo com extrema facilidade, sendo que com suas pernas curtas e finas isso deveria ser grandemente dificultado (Figura 2.1, também no Vídeo 1, disponível na mídia em anexo) Figura 2.1 - Gaivotas sobre uma placa de gelo. Fonte: . Acesso em: 17 mai. 2012 Outro exemplo comum é de uma ave bastante conhecida por habitar essencialmente regiões geladas do globo, com variada quantidade de espécies e grandes populações, o pinguim (Vídeo 2, disponível na mídia em anexo). 5 Figura 2.2 - Grupo de pingüins em superfície gelada. Fonte: . Acesso em: 17 mai. 2012. A incrível habilidade desses animais e os estudos científicos que se voltaram a essa habilidade incentivaram também engenheiros a se empenharem nesse campo e imitarem essas condições visando a economia de energia em seus projetos. Para entender esse fenômeno devemos lembrar alguns termos e princípios no campo da termodinâmica. 2.1 – A Termodinâmica A termodinâmica é um ramo da Física que estuda as relações entre o calor e o trabalho num determinado processo físico que ocorre entre o sistema e sua vizinhança. Estuda também as variações de temperatura, pressão e entropia e como elas influenciam o comportamento e as transformações dos sistemas. Os estudos relacionados à termodinâmica foram alavancados seguindo o desejo de se obter maior eficiência em máquinas à vapor, sendo liderados principalmente pela pesquisa do físico Nicolas Léonard Sadi Carnot, em torno do ano 1824, que acreditava que na eficiência dessas máquinas estava o grande segredo para o sucesso da França nas Guerras Napoleônicas. Outros grandes físicos escolheram essa área como foco de seu trabalho, permitindo que certos conceitos evoluíssem, assim podemos ter um quadro bastante completo sobre os estudos de termodinâmica em cerca de três séculos. Antes de entendermos alguns tópicos, é necessário compreender o significado desses termos importantes que são constantemente confundidos.São eles: calor, temperatura e energia interna. 2.1.1 – Calor Diferente da concepção popular, calor não se trata de uma grandeza escalar intrínseca de determinado sistema macroscópico, mas sim da energia transferida 6 entre um sistema e seu meio pela diferença de temperatura entre eles. Isso ocorre devido à agitação das moléculas do contorno do sistema. Quando estas estiverem mais agitadas que as do meio vizinho, ocorrerá uma transferência de energia, das moléculas com maior agitação para as com menor agitação. Esse conceito evoluiu da Teoria calórica, muito popular no século XVIII, que defendia o calor como uma substância invisível chamada calórico, transmitido dos corpos que a possuíam em maior quantidade para aqueles com menor quantidade. Essa teoria era defendida por físicos influentes como Siméon-Denis Poisson e Antoine Lavoisier, mas mostrou-se obsoleta após estudos realizados por outros físicos renomados como Joseph Fourier, Sadi Carnot, William Thomsom e James Joule. 2.1.2 – Temperatura 'Temperatura' e 'calor' são popularmente tratados como sinônimos na linguagem do dia a dia, tendo sua origem nas ideias qualitativas de 'quente' e 'frio' que percebemos com o tato, porém essa ideia é incorreta. Como vimos, 'calor' está relacionado a energia transferida entre partículas, provocada pela diferença de temperatura. 'Temperatura' é uma grandeza física que diz respeito a energia cinética das partículas de um sistema em equilíbrio térmico. Sendo equilíbrio térmico a condição em que a transferência de energia entre as moléculas entra em um estado estacionário. Diferente do calor, a temperatura é uma grandeza que pode ser mensurada. Isso se dá com o uso de um termômetro, um aparelho que se utiliza de diferentes conceitos físicos relacionados à temperatura para medi-la. Por exemplo o conceito de dilatação, utilizado em termômetros bimetálicos (em que a dilatação acontece quando uma barra ligada a outra de metal diferente são aquecidas ou esfriadas, variando a temperatura de forma desigual e as diferentes dilatações resultam em um arqueamento da barra) e termômetros de mercúrio ( em que o mercúrio dilata-se dentro de um tubo capilar). Também existem os termômetros de infravermelho, que detectam a intensidade de luz emitida pelo corpo no campo do infravermelho. 2.1.3 - Energia interna Para entender o que é energia interna podemos comparar com um conceito de mecânica. A matéria é constituída por átomos e moléculas que possuem energia cinética e energia potencial. Uma das maneiras de definir energia interna seria dizer que ela é a energia cinética das partículas que compõe o corpo, acrescida da energia potencial decorrente das interações entre as partículas deste sistema. Vale lembrar que esse conceito difere do conceito de mecânica. Por exemplo: um corpo ao ser elevado à uma determinada altura teria sua energia potencial gravitacional aumentada em relação à Terra, mas isso não irá alterar a energia 7 potencial decorrente das interações entre as moléculas do corpo, de modo que sua energia interna não varia. 2.1.4 – Transferência de calor por Condução Entre dois corpos com diferentes temperaturas e que estão em contato, ou no mesmo corpo em que há um gradiente de temperatura, a tendência é ocorrer a transferência de calor por condução. Quando átomos de uma determinada região do corpo possuem sua energia cinética maior que a dos átomos vizinhos, através de colisões entre eles parte dessa energia é transmitida, então esses átomos vizinhos colidem com outros átomos ao redor até que se atinja o equilíbrio térmico (SEARS; ZEMANSKY, 2010). Alguns materiais, como os metais, utilizam ainda um mecanismo mais eficiente de transferência de calor. Esses materiais possuem elétrons que se libertam de seus átomos e ficam livres pela rede cristalina. Então esses elétrons conseguem transferir energia de uma maneira mais rápida pelo material com diferentes temperaturas, da região mais quente para a mais fria. Na Figura 2.3 podemos ver como se dá o fluxo de calor em uma barra uniforme. Figura 2.3 - Fonte: Young; Freedman (2008, p. 199) Quando certa quantidade de calor dQ se transfere através da barra durante um determinado período de tempo dt, temos a relação dQ/dt chamada de taxa de transferência de calor, que representaremos pela letra H. Ou seja: (2.1) 8 No caso de uma barra uniforme como nos exemplos da figura, podem ser relacionadas outras grandezas, como vemos nessa relação: (2.2) Em que: ( ) é a diferença de temperatura por unidade de comprimento, ou módulo do gradiente de temperatura. é a área da seção reta da barra. é o comprimento da barra. Também há uma constante nessa relação. Ela representa uma propriedade específica de cada material, chamada condutividade térmica. Sendo os materiais com maior condutividade térmica considerados bons condutores e maus condutores aqueles com valores pequenos. A tabela mostrada a seguir traz vários materiais e seu respectivo valor de condutividade térmica em k(W/m.K) (Figura 2.4): Figura 2.4 - Fonte: Young; Freedman (2008, p. 199) 2.1.5 Transferência de calor por Convecção Diferentemente do processo por condução em que somente a energia é transferida, enquanto os átomos não se deslocam pelo material, na transferência de 9 calor por convecção ocorre o movimento de conjuntos de moléculas dentro de um fluido, as chamadas correntes de convecção. Quando esse conjunto de moléculas, ou essa massa, se desloca através de um processo forçado, como usando um ventilador, por exemplo, esse processo se chama convecção forçada. Quando ocorre um processo natural, como a expansão térmica, em que as massas mais quentes e de menor densidade, ascendem, ou as massas mais frias de maior densidade tendem a descer, o processo é chamado de convecção natural. Nas Figuras 2.5 e 2.6 vemos o processo de convecção esquematizado, em que as flechas indicam o sentido de movimento das massas ao redor do fluido e os pontos vermelhos representam as regiões quentes, enquanto os pontos azuis representam as regiões frias. Figura 2.5 - Processo de transferência de calor por convecção natural. Fonte: < http://www.tufts.edu/as/tampl/en43/lecture_notes/ch5.html>. Acesso em 06 ago. 2012. Figura 2.6 - Processo de transferência de calor por convecção forçada. Fonte: < http://www.tufts.edu/as/tampl/en43/lecture_notes/ch5.html>. Acesso em 06 ago. 2012. Sobre esse processo de transferência de calor alguns fatos importantes devem ser considerados. O primeiro diz respeito à área externa do corpo, a taxa de transferência de calor é diretamente proporcional à essa área. Outro importante fato trata a viscosidade do fluido, pois ela retarda o movimento das massas dentro do 10 fluido. Também acontece um fenômeno em que uma película é formada ao longo da superfície, essa película acaba funcionando como um material isolante e dificulta todo o processo. Isso costuma ocorrer na convecção natural, na convecção forçada a espessura dessa película é menor, diminuindo seu efeito resistivo (Young; Freedman, 2010). Esse processo também é bastante comum em exemplos biológicos, como o fluxo de sangue em certos animais. 2.1.6 – Transferência de calor por Radiação O processo de transferência de calor por de radiação faz uso de ondas eletromagnéticas para transportar energia. Uma característica que deve ser lembrada sobre ondas eletromagnéticas é que elas não dependem de um meio material para se deslocar, ou seja, diferentemente dos processos de transferência de calor anteriores, o calor por radiação pode ser transmitido inclusive no vácuo. Qualquer corpo com temperatura acima do zero absoluto emite radiação térmica, geralmente com seu comprimento de onda acima do espectro visível, ou seja, no campo do infravermelho (Figura 2.7). Mas também pode emitir ondas no comprimento do espectro visível, como citado por Young e Freedman (2010, p.203): À medida que a temperatura aumenta, os comprimentos de onda passam a ter valores menores. A 800°C, um corpo emite radiação visível em quantidade suficiente para adquirir luminosidade própria e parecer vermelho, embora mesmo nessa temperatura a maior parte da energia seja transportada por ondas infravermelhas. Figura 2.7 - Imagem em infravermelho, com escala de temperatura em °C. Fonte: . Acesso em 24 set. 2012. A taxa de radiação de uma superfície se expressa por meio da seguinte equação, chamada lei de Stefan-Boltzman: (2.3) 11 Onde: é a área superficial. a temperatura medida em Kelvin. é chamada de emissividade, um valor adimensional que relaciona o poder emissivo do corpo negro. Também está inserida uma constante , chamada constante de Stefan- Boltzman, em homenagem a seus descobridores no século XIX, sendo que foi descoberta por Joseph Stefan e deduzida teoricamente por Ludwig Eduard Boltzmann. O valor dessa constante é 5,670400(40)x10-8 W/m².K4 . 2.1.7 – Capacidade Térmica e Calor Específico A transferência de calor pode ocorrer em diferentes circunstâncias, como quando há um gás confinado e a transferência de calor implica na variação de temperatura, mas o volume permanece fixo e implica na variação da pressão. Também se o mesmo gás for confinado mas em um cilindro com êmbulo móvel, poderemos ver uma situação em que a transferência de calor permite a variação da temperatura, também do volume, talvez mantendo a pressão constante. Em todos esses casos é visível que a temperatura varia de maneiras diferentes e em proporções diferentes, sendo que essa relação entre a transferência de calor e a variação de temperatura em cada situação é chamada de capacidade térmica. (2.4) Em que é a capacidade térmica. A capacidade térmica por unidade de massa do corpo, é o chamada calor específico. (2.5) Podemos dizer que a capacidade térmica é uma característica de um determinado objeto, enquanto o calor específico caracteriza uma substância. Tanto o calor específico como a capacidade térmica dependem da temperatura e também da pressão, ou seja, não são valores fixos, próprios de um determinado material, mas sim, variam de acordo com as circunstâncias. No entanto, nas situações cotidianas podemos considerar que o calor específico é constante para cada material. Hewitt (2002) traz também uma interessante comparação que permite entendermos melhor a idéia de calor específico: Podemos pensar no calor específico como sendo uma espécie de “inércia térmica”. Lembre-se de que inércia é um termo empregado na mecânica para significar a resistência de um objeto a mudanças e seu estado de 12 movimento. O calor específico é uma espécie de inércia térmica porque significa a resistência de uma substância a mudanças em sua temperatura (HEWITT, 2002, p. 272). A tabela abaixo (Figura 2.7) traz valores de calor específico de alguns materiais conhecidos medidos à temperatura ambiente e à pressão atmosférica: Figura 2.7- Fonte: . Acesso em 15 jul. 2012 2.1.8 – Lei Zero da Termodinâmica A Lei Zero da Termodinâmica afirma que se dois sistemas estão em equilíbrio térmico com um terceiro sistema, eles também estão em equilíbrio térmico entre si. Os sistemas são considerados em equilíbrio térmico se eles são capazes de transferência de calor entre si, mas não o fazem. Outra alternativa para equilíbrio térmico é dizer que os sistemas envolvidos não são capazes de transferir calor para o outro, e mesmo se fossem, não o fariam. A lei implica que o equilíbrio térmico 13 entre os sistemas é uma relação transitiva, o que proporciona a definição de um parâmetro físico empírico (a temperatura) . Um sistema é dito estar em equilíbrio térmico, quando se experimenta nenhuma mudança líquida em energia térmica. Se A, B, e C são distintos sistemas termodinâmicos, a Lei Zero da termodinâmica expressa que se A e C estão cada um em equilíbrio térmico com B, A está também em equilíbrio com C. Figura 2.8 – Fonte: . Acesso em 16 jul. 2012-10-15 Vemos na Figura 2.8 um modelo de sistemas microscópicos. Primeiramente dois sistemas com energias cinéticas médias (temperatura) diferentes, separados por uma barreira adiabática. Depois a barreira é retirada e podemos ver que o sistema todo está com a mesma energia cinética média, em equilíbrio térmico Mas é interessante lembrar que se dois sistemas de mesma massa e temperatura inicial diferentes interagem em uma situação em que há transferência de calor e ambos atingem o equilíbrio térmico, a temperatura final não é necessariamente a média das temperaturas iniciais. Para entendermos como isso funciona devemos lembrar do conceito de calor específico já detalhado. 2.1.9 – Primeira Lei da Termodinâmica A primeira lei da termodinâmica é geralmente formulada, declarando que a variação na energia interna de um sistema fechado é igual à quantidade de calor fornecido ao sistema, menos a quantidade de trabalho realizado pelo sistema no seu ambiente. A lei da conservação da energia pode fazer outra afirmação complementar: A energia de um sistema isolado é constante. 14 A primeira declaração explícita da primeira lei da termodinâmica, por Rudolf Clausius (1850, p. 373), refere-se aos processos termodinâmicos cíclicos: Em todos os casos em que o trabalho é produzido pelo corpo, uma quantidade de calor é consumida que é proporcional ao trabalho feito e, inversamente, pelo gasto de uma quantidade igual de trabalho uma quantidade igual de calor é produzido. Clausius também teve outra visão, desta vez referindo-se à existência de uma função de estado do sistema de chamada de energia interna, e expressando-se em termos de uma equação diferencial para os incrementos de um processo termodinâmico temos: (2.6) Onde e são quantidades infinitesimais de calor fornecido ao sistema e de trabalho feito pelo sistema, respectivamente. É importante notar que o sinal de menos na frente indica que um valor positivo do trabalho realizado pelo sistema inclui a energia que está sendo perdido do sistema. Esta é a convenção de sinais utilizada em muitos livros didáticos de física. Uma convenção de sinal alternativo é de considerar o trabalho realizado sobre o sistema pelos seus arredores. Isto leva a uma mudança no sinal, posteriormente imposta pela IUPAC. 2.2 – Trocadores de Calor Trocadores de calor são dispositivos utilizados para a troca de calor eficiente entre um fluido a uma temperatura T2 e outro fluido a uma temperatura T1, onde T2>T1. Pela diferença de temperatura entre os fluidos ocorre uma transferência de calor por condução ou convecção. Existem diversos tipos de trocadores de calor tais como: coaxial, ‘Shell and tube’, placas e os compactos. Quanto à direção de escoamento dos fluidos e, portanto, de acordo com o arranjo do fluxo os trocadores de calor podem ser: de fluxo paralelo e de calor contracorrente. No de fluxo paralelo os fluidos entram no trocador e fluem por ele sempre paralelos entre si. Em trocadores contra corrente os fluidos entram por lados opostos e circulam em sentidos opostos. Na indústria: Trocadores de calor são muito utilizados na indústria tanto para resfriamento como para aquecimento em larga escala em processos industriais. O tipo de trocador usado pode ser adaptado a um processo dependendo do tipo de fluido, sua fase, temperatura, densidade, viscosidade, pressões, composição química e várias outras propriedades termodinâmicas. Em aeronaves: Em aeronaves comerciais, trocadores de calor são usados para retirar o calor do sistema de óleo do motor e aquecer o combustível frio. Isto 15 melhora a eficiência do combustível, reduzindo a possibilidade de que haja água aprisionada no combustível . Na natureza: Diversas estruturas dos seres vivos comportam-se como trocadores de calor. Elas possuem formas e características de significativos falores de eficiência nos processos térmicos que controlam e nas trocas térmicas adequadas ao meio que promovem. Humanos: Os pulmões humanos, assim como os de diversas espécies homeotermas como outros mamíferos e as aves, servem como trocador de calor extremamente eficiente devido a grande razão entre de área de sua superfície e seu volume. Espécies que tem testículos externos (tais como os humanos e diversos mamíferos), como as artérias dos testículos são cercadas por uma malha de veias chamada de plexo pampiniforme, isto esfria o sangue que dirige-se aos testículos, enquanto reaquece o sangue retornando ao corpo. Elefantes: As orelhas dos elefantes africanos são um exemplo de estrutura desenvolvida com vistas à refrigeração( pela convecção forçada) da corrente sanguínea, trocando calor com o ar, operando como trocador de calor líquido-ar em resfriamento do líquido. Aves, peixes, baleias: Trocadores de calor em "contracorrente" ocorrem naturalmente no sistema circulatório de peixes e baleias. Artérias da pele transportando sangue quente são interligadas com as veias da pele transportando sangue frio, causando a troca de calor do sangue arterial quente com o sangue venoso frio. Isto reduz a perda de calor global em águas frias. Trocadores de calor estão presentes também na língua de baleias como grandes volumes de fluxo de água através de suas bocas. Aves limícolas usam um sistema similar para limitar as perdas de calor de seus corpos através de suas pernas na água. Animais pré-históricos: Os animais pré-históricos como o Dimetrodon e o Edaphosaurus possuíam "velas" nas costas que são hipoteticamente consideradas como tendo função de regulagem térmica. 2.2.1 – Trocadores de Calor Contracorrente em Aves O balanço energético das extremidades (patas) de animais compreende três fluxos de energia. A energia térmica (calor) formada pelo fluxo sanguineo, a energia térmica (calor) gerada nos processos metabólicos e o calor transferido para o meio por convecções, radiação e evaporação. Para animais (pingüins, gaivotas,...) que vivem em regiões frias, seus membros (patas) estão em uma temperatura mais alta que o ambiente e deste modo o calor flui para fora do membro. O mecanismo de troca de calor contracorrente é um importante fator no decréscimo da quantidade de calor transferida ao meio pela 16 redução da quantidade de calor perdido pelo sangue que flui através das extremidades. Os vasos sanguineos nas pernas funcionam como trocadores de calor contracorrente com fluxo de sangue arterial pelas artérias e subindo pelas veias. A proximidade entre elas favorece que o calor seja trocado com eficiência. As artérias trazem sangue quente do interior do corpo e transferem calor para as veias que transportam sangue resfriado nas trocas de calor com o meio. Nos pés deste animal o sangue permanece relativamente frio e há pouca troca de calor com o meio. A Figura 2.9 ilustra essa situação, ali podem ser vistas as diferentes temperaturas na perna de uma gaivota quando ela está sobre uma superfície gelada. Figura 2.9 – Trocas de calor contracorrente na perna da gaivota. Fonte: . Acesso em 18 out. 2012. A Figura 2.10 simula as trocas de calor contracorrente na perna de uma ave quando esta se apóia sobre o gelo. Neste desenho, os diferentes valores da temperatura do sangue em diferentes regiões da pata da ave, estão indicados em graus Celsius. O sangue em circulação pela pata está ilustrado como círculos avermelhados (temperaturas mais altas) e azulados (temperaturas mais baixas), também vemos a troca de calor simbolizada por linhas sinuosas vermelhas. Na primeira situação o calor é representado saindo da artéria e também vemos ali perdas para a superfície fria; na segunda situação o calor alcança o sangue venoso. 17 Figura 2.10 – Simulação retirada de um aplicativo online. Fonte: . Acesso em 18 out 2012. Esse fenômeno permite vantagens que são essenciais para a sobrevivência dessas aves que habitam em regiões frias. Uma delas diz respeito ao sangue arterial, que com a temperatura diminuída após transferir energia térmica ao sangue venoso, tem uma taxa de troca de calor menor com o ambiente, resultante da menor diferença de temperatura entre o sangue e o ambiente. Isso permite que a energia térmica seja transferida entre partes do próprio corpo, minimizando perdas para o ambiente. Outra vantagem se dá pelo aumento da temperatura do sangue venoso decorrente da transferência contracorrente com o sangue arterial. Isso permite que o sangue venoso chegue ao tronco do animal, onde estão diversos órgãos vitais, com uma temperatura maior, mais próxima à temperatura do tronco, em vez de uma temperatura que seria muito baixa após trocar o calor com a superfície fria em que a ave se apóia. Assim vários tecidos do tronco que poderiam ter seu funcionamento comprometido com a chegada do sangue venoso de temperatura muito baixa, ficam de certa forma protegidos. 18 2.2.2 – Criação de um Modelo Matemático O balanço energético das extremidades (patas) de animais compreende três fluxos de energia. A energia térmica (calor) formada pelo fluxo sanguineo, a energia térmica (calor) gerada nos processos metabólicos e o calor transferido para o meio por convecções, radiação e evaporação. Para animais (pingüins, gaivotas,...) que vivem em regiões frias, seus membros (patas) estão em uma temperatura mais alta que o ambiente e deste modo o calor flui para fora do membro. O mecanismo de troca de calor contracorrente é um importante fator no decréscimo da quantidade de calor transferida ao meio pela redução da quantidade de calor perdido pelo sangue que flui através das extremidades. Os vasos sanguineos nas pernas funcionam como trocadores de calor contracorrente com fluxo de sangue arterial pelas artérias e subindo pelas veias. A proximidade entre elas favorece que o calor seja trocado com eficiência. As artérias trazem sangue quente do interior do corpo e transferem calor para as veias que transportam sangue resfriado nas trocas de calor com o meio. Nos pés deste animal o sangue permanece relativamente frio e há pouca troca de calor com o meio. Existiram muitos estudos envolvendo a transferência de calor contracorrente, sendo que alguns deles se empenharam na criação de modelos. Grande parte desses modelos tenta estudar qualitativamente esse fenômeno. Apenas alguns pesquisadores se empenharam em estudar, com a utilização de modelos, suas características quantitativas. Um exemplo é o modelo estudado por Scholander e Krog, um modelo simplificado, especializado na situação específica em que a transferência de calor contracorrente ocorre entre uma artéria e uma veia. Em sua pesquisa, consideraram que a diferença de temperatura entre o sangue venoso e arterial é constante em função do comprimento dos vasos, o que em geral, não está de acordo com a realidade. Eles inclusive tentaram testar o modelo experimentalmente, mas as trocas de calor entre partes do próprio equipamento tornaram os resultados não confiáveis. Então iremos estudar o modelo matemático, proposto por J. W. Mitchell e G. E. Myers, que visa determinar os parâmetros de transferência de calor contracorrente, considerando diversos fatores que são relevantes nas situações biológicas. Alguns pressupostos foram considerados na criação desse modelo matemático, primeiramente que a temperatura, tanto das artérias como das veias envolvidas varia de acordo com a distância, mas somente na direção da corrente sanguínea. Isso pode ser aplicado para sistemas com múltiplos vasos, em que seu comportamento seja semelhante. Também foram levadas em consideração as perdas de calor das veias e artérias para o ambiente. Outro fator importante levado em consideração foi de que o fluxo sanguíneo, tanto da artéria como da veia, são constantes em todo o comprimento, situação semelhante ao que ocorre nas pernas das aves, nosso objetivo de estudo. 19 Outros fatores foram considerados irrelevantes e por isso não foram utilizados na criação do modelo, por exemplo, as trocas de calor originadas de processos metabólicos, que seriam valores muito pequenos comparados aos outros processos de troca de calor envolvidos. Também as propriedades térmicas do sangue e dos tecidos envolvidos foram consideradas constantes, independentes de fatores como temperatura, distância e tempo. A figura a seguir mostra um modelo simplificado que enfatiza esses fatores que foram levados em consideração na elaboração do modelo matemático. Figura 2.11 - Modelo simplificado que explica o fenômeno de trocas por contracorrente. Mitchell; Myers, 1969. Primeiramente foi considerado para a criação do modelo o princípio de conservação de energia, ou seja: (2.2.1) Na Figura 2.11 observa-se este princípio nos volumes de controle. Ali, essa energia térmica está presente somente no sangue que flui pelos vasos e nas trocas de calor. No caso da energia térmica carregada pelo sangue, ela é determinada pela vazão mássica m e a entalpia do fluido, . Para situações em que a variação de pressão é desprezível, a variação de entalpia com a distância pode ser aproximada pelo produto entre o calor específico do sangue e a variação de temperatura pela distância, : (2.2.2) As trocas de calor podem ser definidas pela equação: (2.2.3) Em que: 20 é a condutância térmica, ou seja, a relação em que certa quantidade de calor passa por uma unidade de área em um determinado período de tempo. é a área de transferência de calor por unidade de comprimento. é a diferença de temperatura responsável pela transferência de calor. Aplicando o princípio de conservação de energia a cada volume de controle foram obtidas duas equações diferenciais, uma para o sangue arterial e outra para o sangue venoso: Sangue arterial: (2.2.4) Sangue venoso: (2.2.5) E podem ser definidas também as condições de contorno. Em , situação em que o sangue arterial inicia sua passagem pela perna da ave, haverá trocas de calor contracorrente, portanto terá uma temperatura inicial , e , situação em que o sangue arterial chega à extremidade da perna, onde, após processos metabólicos, o sangue arterial se tornará venoso, portanto nessa ocasião devem ter a mesma temperatura, ou seja: E quando (2.2.6) Para resolver as equações diferenciais define-se parâmetros adimensionais, sendo que a solução delas estará em função desses parâmetros. Parâmetros de condutância: ′ (2.2.7) Parâmetros de temperatura: (2.2.8) 21 Parâmetros de distância: (2.2.9) Com esses parâmetros definidos, as equações ficaram: Sangue arterial: (2.2.10) Sangue venoso: (2.2.11) Para essas equações são criadas novas condições de contorno, baseadas nos parâmetros adimensionais estabelecidos: Em , Em , (2.2.12) As Equações 2.2.10 e 2.2.11 são equações diferenciais ordinárias, lineares, de primeira ordem e estão acopladas. Através de técnicas de resolução de equações diferenciais, a solução completa pode ser encontrada. Isto se faz resolvendo em termos de na primeira equação e usando a dependência na resolução da segunda equação. (2.2.13) (2.2.14) Em que: Com essas equações definidas, agora é possível adentrar o caso específico da perna de uma ave, em que a disposição das veias e artérias em uma secção transversal é semelhante ao modelo: 22 Figura 2.12 – O segundo modelo simula uma geometria próxima à realidade, enquanto o primeiro uma situação irreal, mas válida pois os parâmetros já estão estabelecidos. Fonte: Mitchell; Myers, 1969. Esse modelo permite que as condutâncias para a transferência de calor do sangue arterial e venoso para o ambiente seja a mesma, pela simetria envolvida. Assim, para esse caso específico, as equações resultantes são: (2.2.15) (2.2.16) E os parâmetros envolvidos ficam: Sendo a condutância na transferência entre artérias e veias e o ambiente; / = razão da condutância entre artérias e veias e a condutância entre esses vasos e o ambiente. 23 Com essas equações foi feito um gráfico que mostra a solução destas equações e representa o fenômeno variando os diferentes parâmetros. Figura 2.13 - Distribuição normalizada da temperatura pelo membro. Fonte: Mitchell; Myers, 1969. Com essa análise (Figura 2.12) pode ser visto quais parâmetros são mais adequados para estudar o fenômeno em suas condições reais. Vemos que para baixos valores de , por exemplo 0,1, o efeito contracorrente é pouco significativo e o resfriamento do sangue tanto venoso como arterial é muito pequeno. Para que ocorra o fenômeno contracorrente é necessário um maior valor para , pois percebemos uma variação maior entre a temperatura da artéria e da veia. Também podemos ver que a razão / deve ser pelo menos igual ou maior que 1, ou seja, indicando que a condutância entre os vasos deve ser igual ou maior que a condutância entre os vasos e o ambiente. Vale lembrar que os valores de e variam muito na natureza, por exemplo, nas barbatanas de uma toninha =0,2 e =0,1 e em um braço de um bicho-preguiça =60 e =2. Mas fica destacado que mesmo quando a razão / apresenta valores muito baixos o efeito contracorrente acontece, ou seja, haverá trocas de calor entre os vasos mesmo enquanto a temperatura do sangue venoso continua diminuindo e o fenômeno dos trocadores de calor contracorrente contribuirá para a diminuição de perdas de energia independentemente do valor dos parâmetros. 3 – AVES QUE SE SUSTENTAM POR UMA SÓ PERNA Já foram observadas muitas aves que demonstram esse comportamento curioso à primeira vista, ou seja, o comportamento de se sustentar em uma única perna em determinados momentos, em vez de duas, o que daria uma facilidade de sustentação muito maior e aparentemente, exigindo menos esforço do animal. A ave 24 que mais se destaca por esse comportamento é o flamingo (Vídeos 3 e 4, disponíveis na mídia em anexo), devido ao seu bonito colorido e principalmente, por suas longas e finas pernas, que, durante seu descanso, chega a se sustentar em apenas uma delas por cerca de 20 minutos. Isso despertou a curiosidade de vários cientistas, mas surpreendentemente, um número muito pequeno de estudos e publicações foram feitas sobre esse assunto, podendo ser citados Clark (1973), Ogilvie (1991), Pickering (1991), Smith (1991) e Yates (1991). Figura 3.1 – Flamingo do Zoológico de Nova York sustentado por apenas uma perna. Fonte: . Acesso em 05 out. 2012. Decididos a entender o real motivo desse comportamento, Matthew J. Anderson e Sarah A. Williams, lideraram um estudo no Zoológico da Filadélfia, observando flamingos da espécie Phoenicopterus ruber, também conhecido como flamingo-americano. Foi observado um grupo de 17 indivíduos, sendo 7 machos e 10 fêmeas. A idade dos animais variava de 5 a 42 anos, sendo que a média era de 14,984 anos. O objetivo do estudo era, através de observações e medidas, identificar, entre tantas hipóteses que foram desenvolvidas, quais podem ser realmente consideradas relevantes, ou seja, quais os verdadeiros motivos dos flamingos se utilizarem dessa postura. A primeira situação testada envolvia a hipótese publicada por Clark (1973), que sugeria que o descanso sustentado em uma perna prevenia contra a fatiga de ambas ao sustentar o corpo, e isso resultaria em desvantagens, como dificultar uma rápida fuga de um predador. Para testar essa hipótese foi medido o tempo que esses indivíduos levavam para partir de uma situação de descanso, ou repouso, 25 para uma situação de movimento. Pois, pela hipótese, os animais sustentados por apenas uma perna deveriam iniciar o movimento mais rapidamente que os que estariam sustentados por duas. O resultado medido mostrou que os flamingos que descansavam sustentados por uma perna levaram na verdade mais tempo, cerca de um tempo médio de 27,611 segundos, que os flamingos que se sustentavam nas duas pernas, cujo tempo médio foi de 13,516 segundos. Figura 3.2 - Gráfico, com os erros incluídos, do tempo para iniciar o movimento, em função do número de pernas em que o indivíduo se sustenta. Fonte: Anderson; Williams, 2009. Ou seja, esses animais parecem ter mais dificuldade ao iniciar o movimento quando apenas uma perna os sustentava, mostrando que evitar a fadiga muscular, ou facilitar a fuga dos predadores, não é o real motivo desse comportamento. Também foi medida a preferência de descansar apoiado em uma perna tendo como base a lateralidade, o sexo e a idade dos animais, mas no caso do grupo de flamingos, não houve discrepâncias acentuadas, o que mostra que o comportamento também independe desses fatores. Então foi estudada a hipótese da termorregulação, ou seja, ao deixarem apenas uma das pernas exposta, diminuiriam a área da superfície em que ocorreria trocas de calor com o ambiente. Como as pernas não estão protegidas pelas penas, que possuem a finalidade de isolar termicamente, a maior perda de energia térmica aconteceria pelas pernas. Para obter esses resultados, foi medida a quantidade de flamingos que preferem se sustentar por uma perna em dois ambientes distintos, a água e a terra. Isso porque a água tem um valor de condutividade térmica maior que o do ar, portanto os resultados deveriam mostrar uma preferência de descansar em uma perna no ambiente em que há mais perdas, ou seja, na água. 26 Figura 3.3 - Gráfico que relaciona a porcentagem de indivíduos que optam por descansar em uma perna em dois ambientes distintos, água e terra. Fonte: Anderson; Williams, 2009. Os resultados (Figura 3.3) mostraram que realmente a preferência de descansar sustentados por uma só perna ocorre principalmente em ambientes aquáticos. Mesmo assim, o número de indivíduos que teve preferência por descansar em apenas uma perna foi elevado também na terra seca, ambiente em que as perdas de energia através de trocas de calor seriam menores. Uma hipótese é de que em uma situação de liberdade, fora do cativeiro, eles descansariam essencialmente em locais de água rasa e então, acabam levando esse comportamento instintivo para situações em que este não seria necessário, como a terra seca de sua área no Zoológico. Agora veremos os conceitos por trás dessa postura dessas aves, como centro de massa e equilíbrio. Posteriormente será visto quais as adaptações anatômicas que permitem essa postura e como isso inspirou engenheiros em suas pesquisas na área da robótica. 3.1 – Massa e Peso Assim como os conceitos de calor e temperatura são facilmente confundidos no cotidiano, também ocorre com os conceitos de massa e peso. É muito comum encontrarmos diálogos em que é perguntado o ‘peso’ de uma determinada pessoa ou objeto e resposta é dada na unidade de medida ‘quilogramas’, sendo essa uma unidade de massa. Primeiramente podemos diferenciar esses dois conceitos. Massa está relacionada a propriedade de inércia d um corpo. Inércia é um conceito que foi retratada na Primeira Lei de Newton, que enuncia: “Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele”. Disso podemos concluir que objetos que estão em movimento, tendem a manter sua velocidade a não ser que atue uma força sobre eles. O mesmo ocorre para objetos 27 em repouso (levando em conta que esses conceitos somente se aplicam quando o referencial adotado também é inercial). Também quanto maior a massa, maior a força necessária para produzir uma determinada aceleração. Esse conceito está presente na Segunda Lei de Newton, que enuncia: “A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e é produzida na direção de linha reta na qual aquela força é imprimida.” Essa lei também é definida pela seguinte equação: (3.1) Sendo a força vetorial, a massa e a aceleração vetorial. Já o Peso é a força de atração gravitacional, no nosso caso, exercida pela Terra. Massa e peso embora sejam conceitos bem diferentes estão relacionados, pois quanto maior a massa, maior o peso proporcionalmente. Ou seja: (3.2) Em que é o peso, é a massa, portanto são diretamente proporcionais, e é a aceleração da gravidade, usualmente sendo aproximada para 9,8 m/s². Um exemplo que ajuda no entendimento da diferença entre massa e peso é: “É difícil lançar uma pedra horizontalmente porque ela possui massa grande, e é difícil levantá-la porque ela possui peso grande.”(YOUNG; FREEDMAN, 2010 p. 119) 3.2 Equilíbrio Estático Uma partícula é considerada em equilíbrio quando a resultante de todas as forças atuantes sobre ela é nula, ou seja ela não sofre aceleração (tendo em mente um sistema de referência inercial). Ou seja: (3.3) No caso de um corpo em que a massa é distribuída para ser estabelecido o equilíbrio devem ser obedecidas duas condições. A primeira condição de equilíbrio diz respeito à aceleração do centro de massa, que deve ser nula, ou seja, a soma de todas as forças externas atuantes sobre o corpo deve ser igual a zero. (3.4) 28 Essas duas condições definem a situação de equilíbrio estático. A Figura 2.4 aborda três situações em que essas condições variam. Figura 3.4 – Situações em que as condições de equilíbrio variam. Fonte: Young; Freedman, 2010 p. 356. Para ser considerado o equilíbrio estático, o corpo não deve sofrer nenhuma tendência de acelerar ou sofrer rotação. 29 Figura 3.5 – Brasileiro Arthur Zanetti nas Olimpíadas de Londres, 2012. Fonte: . Acesso em 07 ago. 2012. Um exemplo de equilíbrio estático está na prova olímpica das Argolas, pois o atleta apóia-se nas argolas para que não ocorra a translação de seu corpo, atendendo a primeira condição de equilíbrio, e em determinados momentos da prova ele deve se valer de extrema concentração e força física para manter seu corpo esticado na posição vertical (Figura 2.5) sem que ocorra rotação do mesmo, atendendo também a segunda condição de equilíbrio estático. 3.3 - Centro de gravidade e Centro de massa Ao se estudar as condições para equilíbrio em um corpo, devemos considerar todas as forças externas como já visto, sendo uma dessas forças a força peso. Essa força peso cria um torque no corpo e este deve ser calculado. Mas o agravante consiste no fato de que a força peso está distribuída por todos os pontos deste corpo. Porém, isso pode ser facilitado considerando a força peso como concentrada em um único ponto, chamado centro de gravidade. Em uma situação em que a variação da aceleração gravitacional é considerada desprezível, o centro de gravidade coincide com o chamado centro de massa. Se g possui um valor constante em todos os pontos de um corpo, seu centro de gravidade coincide com o seu centro de massa (YOUNG; FREEDMAN, 2010). Centro de massa pode ser calculado utilizando diversas partículas cujas massas são , , e assim por diante. Também devem ser consideradas as coordenadas em determinado eixo de determinada partícula, como , ou , e assim por diante, sendo cada coordenada correspondente a cada partícula determinada. A posição pode então ser determinada por essa equação: (3.5) 30 (3.6) Em linguagem estatística, dizemos que o centro de massa é a posição correspondente a uma média ponderada das massas das partículas (YOUNG, 2010) Para um objeto sólido, em que a distribuição de massas é considerada homogênea, o centro de massa desses corpos coincide com seu centro geométrico. Outra facilidade pode ser encontrada quando um objeto possui um eixo de simetria, nesse caso o centro de massa estará nesse eixo. Como indica a Figura 3.6. Figura 3.6 – Centro de massa coincidindo com o centro geométrico ou no eixo de simetria em sólidos. Fonte: Young; Freedman, 2010 p. 267. Para situações em que o corpo está apoiado, manterá seu equilíbrio enquanto o centro de gravidade estiver sobre sua base de apoio. Na Figura 3.7, podemos ver que a queda somente ocorre na terceira situação, quando o centro de gravidade (ponto vermelho), cuja visualização é facilitada com o auxilio de um fio de primo, deixou de estar sobre a base de apoio. Figura 3.7 – Queda do corpo após deslocamento do centro de massa para fora da base de apoio. . Acesso em 07 ago. 2012. 31 Um exemplo dessa situação é a inclinação peculiar da Torre de Pisa, na Itália, que atrai muitos turistas. Esta não tomba devido a seu centro de massa ainda estar localizado sobre a base da torre. Figura 3.8 – Torre de Pisa, Itália. Fonte: . Acesso em 07 ago. 2012. 3.4 - Como o flamingo se equilibra O campo de estudos relacionados ao comportamento das aves que apóiam- se sobre uma só perna, principalmente os flamingos, chegou a ser direcionado para várias vertentes. Uma delas leva em consideração algo que trouxe curiosidade sobre essa postura do animal, o fato de suas finas e compridas pernas conseguirem suportar todo o peso do seu corpo. Ao passo que se observa o animal, percebe-se que ele não realiza tanto esforço quanto a Física envolvida sugeriria. Lena Ting e Young-Hui Chang estudaram a fisiologia do flamingo-americano, na tentativa de descobrir quais estruturas permitem essa relativa facilidade no posicionamento da ave. 32 Figura 3.9 – Estruturas que permitem o equilíbrio no flamingo. Fonte: Ting; Chang 2009. Na Figura 3.9 podemos ver como estão estruturados os ossos do flamingo. Em seu tornozelo (ankle), o formato dos ossos e seu encaixe permite que ocorra um travamento, ou limitação de maneira passiva, do movimento nessa junta. Dessa maneira o mecanismo faz com que o flamingo possua uma estrutura suficientemente firme, que exige poucos gastos energéticos. A dúvida surgia a respeito do joelho (knee) e a anca (hip), pois o fêmur está posicionado horizontalmente e, pelos ângulos formados nessas juntas, seria necessário um torque que exigiria grande esforço do animal. Após dissecar flamingos que passaram por eutanásia por razões veterinárias e movimentar a perna desses animais em diversos eixos de movimento, os pesquisadores puderam perceber que os ângulos que os joelhos e as ancas formavam também eram limitados. Isso se dá por ligamentos que vão direto das estruturas ósseas indicadas pela Figura 3.9.b. Também nas ancas foram descobertas estruturas cartilaginosas que, assim como acontece no tornozelo, funcionam como limitadores de movimento. 33 Figura 3.10 – Esquilíbrio estabelecido em um flamingo A localização do centro de massa do flamingo, indicado na Figura 3.10, é o que realiza o torque para que essas juntas atinjam seu limite de movimento, permitindo uma postura estável sem muitos gastos energéticos. Com essas estruturas devidamente fixadas, o flamingo consegue assim fazer com que seu centro de massa permaneça estável e sobre a base de apoio, como visto na Figura 3.10, em que seu vetor força peso fica exatamente sobre o vetor força normal, sem que ocorra rotação, atendendo as condições de equilíbrio. Para facilitar com que isso ocorra também percebemos que os flamingos, ao descansarem, situação em que preferem encolher uma de suas pernas, utilizam seu pescoço extremamente flexível para posicionar a cabeça de forma que fique apoiada sobre seu tronco (Figura 3.11), isso contribui não apenas para que o pescoço não precise se esforçar para suportar a cabeça enquanto o animal descansa, mas também contribui para que o centro de massa se localize na posição ideal, sobre a base de apoio. Figura 3.11 – Flamingo descansando com a cabeça sobre o tronco. Fonte: . Acesso em 17 out. 2012. 34 Essa estabilidade é tanta que, mesmo levando em consideração que a pata do flamingo possui cerca de 16 cm² de área (Figura 3.12), seu centro de massa se desloca dentro de uma área de apenas cerca de 1 cm² enquanto ele descansa como vemos na Figura 3.13. Figura 3.12 – Pata de um flamingo. Fone: . Acesso em 07 out 2012. Figura 3.13 - Gráfico com a variação do centro de pressão na pata de um flamingo. Fonte: Ting; Chang, 2009. 3.5 – Robô com estruturas semelhantes Uma equipe do Massachusetts Institute of Technology Leg Laboratory pesquisou entre diversos textos sobre Biomecânica com o objetivo de imitar essas estruturas chamadas de passivas, que limitam o movimento sem esforço do animal. Esses estudos foram posteriormente aplicados na construção de um robô bípede, chamado Spring Flamingo (Figura 3.14), nome dado pela semelhança visual entre o robô e um flamingo (Vídeos 5 e 6, disponíveis na mídia em anexo). 35 Figura 3.14 - Robô Spring Flamingo. Fonte: . Acesso em 07 out. 2012. Eles tinham a intenção de criar um robô que pudesse se locomover com poucos gastos de energia, para isso abriram mão de certos mecanismos que necessitam de uma força para o movimento, e deram preferência para mecanismos, chamados de passivos, em que a força gravitacional é responsável por boa parte do movimento, assim como se encontra em diversas situações na natureza. Dessa maneira eles conseguiriam um robô com locomoção de aparência mais natural, diferentemente da maioria dos robôs da atualidade e também mais eficiente que estes em várias situações. Para isso foram utilizados limitadores de movimento, que mesmo não sendo exatamente estruturados como a junta de um flamingo, possuem a mesma função, conforme pode ser visto na Figura 3.15. Sem esses limitadores essa junta ficaria instável, causando trepidação em determinados ângulos e exigindo forças adicionais para manter o equilíbrio, conforme modelado na Figura 3.16. 36 Figura 3.15 – Limitador no joelho do robô, equivalente ao tornozelo do flamingo. Fonte: Siochi, 2002 Figura 3.16 - O limitador permite a utilização de um torque constante, como na situação D, sem que ocorra trepidação, como ocorreria nas situações A, B e C. Fonte: Siochi, 2002. O centro de massa do robô se encontra em uma posição relativa ao corpo muito semelhante à do flamingo. Assim como nessas aves, a gravidade aplicada ao centro de massa do robô é a responsável pelo início do movimento e apenas um pequeno torque é adicionado para que o movimento se torne mais rápido. Posteriormente o joelho do robô foi invertido, para imitar o andar natural de um humano, como na Figura 3.17. 37 Figura 3.17 - Spring Flamingo após adaptação. Fonte: Siochi, 2002. 3.6 - Pombos apresentam o mesmo comportamento Não são apenas os flamingos que se sustentam em apenas uma de suas pernas em determinadas situações, outras aves também o fazem, e aparentemente por motivos que diferem da termorregulação. Zdeslav Hrepic, um pesquisador croata da Columbus State University, observou na cidade de Plueba, México, e posteriormente em sua cidade natal, Split, na Croácia, o comportamento dos pombos que ficavam nos beirais das casas e prédios. Ele observou que dois pombos pousaram em um beiral simultaneamente e nesse momento, ambos encolheram uma das pernas, justamente a perna que ficava no lado da parede (Figura 3.18, também no Vídeo 7, disponível na mídia em anexo). Figura 3.18 - Situação em que dois pombos encolhem uma de suas pernas em um beiral. Fonte: Hrepic, 2002. 38 Com isso o pombo acaba deslocando seu centro de massa, que anteriormente ficava no eixo entre as duas pernas que o sustentavam e passa a ficar no eixo sobre a única perna que agora o sustenta. Isso pode ser visto na figura. Outra observação interessante é o fato de que muitas vezes o pombo não encolhe sua perna por completo, diferentemente do caso do flamingo, pois para o pombo é mais difícil manter o equilíbrio, principalmente em situações em que cercado de outros pombos. Então ele simplesmente deixa de apoiar sua perna no chão, pois caso necessite de um reflexo rápido pode rapidamente apoiar as duas pernas e retornar a uma situação de fácil equilíbrio. Mesmo com a perna não recolhida por completo, o movimento já é suficiente para deslocar seu centro de massa. Na Figura 3.19 vemos um quadro comparativo, na primeira imagem o pombo apóia-se nas duas pernas, enquanto na segunda o pombo se apóia em apenas uma, e podemos ver claramente seu centro de massa deslocado. Figura 3.19 – Pombos apoiados em duas eu em uma perna. Fonte: Hrepic, 2002. Essas observações mostram que os pombos, diferentemente dos flamingos, se sustentam em uma perna simplesmente por uma questão espacial. Eles deslocam seu centro de massa para possibilitar a permanência em locais em que seria muito difícil fazê-lo sustentado apenas por uma perna. Geralmente isso ocorre quando há um obstáculo e o animal está apoiado em uma pequena região, em que não há espaço para se apoiar em duas pernas, ou quando há outros pombos próximos e ele necessita ocupar um espaço menor. Isso é apresentado no modelo da figura 3.20. 39 Figura 3.20 - Modelo que mostra como essa postura auxilia em situações com pouco espaço e obstáculos. Fonte: Hrepic,2002 Como citado no tópico 3.3, sabemos a localização do centro de massa de corpos que possuem simetria. No caso dos pombos, que são animais de simetria bilateral, podemos concluir que seu centro de massa localiza-se no eixo central. Quando o animal se sustenta por duas pernas esse eixo encontra-se exatamente na metade da distância entre elas. Na Figura 3.21 tem-se um modelo que exemplifica essa situação. Figura 3.21 – Modelo de deslocamento do centro de massa. 40 Na Figura 3.21.a vemos a situação em que uma barra se apóia em dois suportes, sendo d a distância entre eles, e seu centro de massa encontra-se exatamente no eixo central entre os suportes. Para que haja equilíbrio, ao retirar um dos suportes de apoio, o centro de massa deve estar exatamente acima do suporte restante, ou seja, desloca-se o centro de massa uma distância 1/2 d. Assim, toda a barra se desloca uma distância de 1/2 d. Na Figura 3.21.b tem-se uma situação mais parecida com a dos pombos, em que o formato do corpo é diferente. Nessa situação ocorre o mesmo, o centro de massa desloca-se metade da distância que havia entre os suportes e com isso desloca todo seu corpo metade dessa distância. Por mais que pareça uma distância relativamente pequena, pode ser o suficiente para o pombo conseguir se equilibrar tendo em vista um obstáculo, como visto na Figura 3.20. 41 4 – CONCLUSÃO A natureza se torna cada vez mais surpreendente com o passar do tempo. Conforme os ramos da Ciência se aprimoram em termos de conhecimento, fenômenos naturais podem ser detalhadamente estudados e apreciados. Pudemos ver situações encontradas no Reino Animal que a princípio aguçaram a curiosidade dos pesquisadores, como aves que conseguem se apoiar sobre o chão gelado e aves que descansam apoiadas sobre uma só perna. Após analisar esses fenômenos tendo por base conhecimentos obtidos ao decorrer do curso e consultas ao trabalho de pesquisadores especialistas, podemos concluir que a natureza se utiliza de pura Física para solucionar seus problemas e isso se dá sempre da maneira mais eficiente. Inspirados pelos fenômenos naturais, cientistas e engenheiros podem solucionar problemas encontrados nas áreas tecnológicas por imitar os caminhos encontrados pela natureza. Vimos como os trocadores de calor contracorrente desempenham um excelente papel quando se trata de movimentar um fluido sem grandes perdas de energia térmica para o ambiente, também como as estruturas que permitem às aves se equilibrar em uma só perna podem contribuir avanços no ramo da robótica. Assim, a Biomimética continua atraindo o interesse dos pesquisadores e há muita expectativa pelos resultados que podem surgir no futuro. 42 5- REFERÊNCIAS ANDERSON, M. J.; WILLIAMS, S. A. Why Do Flamingos Stand on One Leg? 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