Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho IGCE - Campus Rio Claro Gabriel Peret Geraldo O Programa Minha Casa Minha Vida, o mercado imobiliário e o direito à cidade: análise dos impactos do programa na cidade de São Carlos – SP. Orientador: José Gilberto de Souza UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Gabriel Peret Geraldo O Programa Minha Casa Minha Vida, o mercado imobiliário e o direito à cidade: análise dos impactos do programa na cidade de São Carlos – SP. Trabalho de Graduação apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Rio Claro - SP 2014 Gabriel Peret Geraldo O Programa Minha Casa Minha Vida, o mercado imobiliário e o direito à cidade: análise dos impactos do programa na cidade de São Carlos – SP. Trabalho de Graduação apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Comissão Examinadora _Pr.Dr. José Gilberto de Souza______ ______ (orientador) Dr._Pedro Henrique Ferreira Costa ________ __ Dr. Francisco das Chagas do Nascimento Junior____ Rio Claro, __05___ de __Fevereiro_______ de __2014______. Assinatura do(a) aluno(a) Assinatura do(a) orientador(a) AGRADECIMENTOS Quem sente uma amizade com o coração, sabe no olhar a importância de um momento. À todos os seres que trilharam ou cruzaram por meus caminhos, sou grato pelas energias (conhecimentos) trocadas. Alguns seres cruzam, outros passam, outros ainda nos acompanham por toda uma existência, ou por várias existências. Cada um que ora interveio em meu trilhar tem sua quantum importância. Meu trilhar não teria sido mais agradável, especial ou proveitoso se não pela composição quântica de cada amigo em meu ser. Em especial, sou incomensuravelmente grato aos meus pais Márcia Ferreira Peret e Eider Geraldo. Infindas palavras seriam necessárias para tentar relatar a importância que vocês possuem no meu caminhar. Sou grato pela educação, pela moral, pela ética e pelo caráter que vocês me ajudam a construir. Eu sou um ser que carrega geneticamente, sanguineamente, moralmente, eticamente, quanticamente um aglomerado de páginas mistas da minha essência com a de vocês, já dizia Elis. Ao meu irmão, que tenho a absoluta certeza, que já compartilhamos caminhadas desde outras existências, tamanha a proximidade e amor que sinto por você. Sou grato por todos os alertas, pelas viagens, pela paz que me traz em seu abraço e conhecimentos trocados. Aos amigos, aqueles seres que após um longo período compartilhando uma caminhada já nos confundimos se os chamamos de amigos ou irmãos. São eles: Alan C. Fanckhauser, Dante Ungari Anelli, Rafael Piai, Everton de Oliveira, Guilherme Saia, Mayros Casale, Gabriel Bagnato, Rodrigo Arab, Jai Ferreira, Gabriel Garcia, Caio Bruno de Oliveira, Rodrigo Ferraz, Larissa Ikeda, Juliana Giolo, Gabriel Araújo, Danilo F. Bento, Pedro H. Ferreira Costa, Pedro Henrique Goulart, Rafael Martirani, Karen Conservani, Daniel Angi, Marjorie Robattini, Aline Ruzzante, Kessy Rizental, Bel Bellucci, André Almeida, Fernando Torres, Bruno Spadotto, José Carlos Abbul, Rogério Moreno, Felipe Veltrone, Dudu Oliveira, Eduardo Woitovich Valetti, Fernanda Adamowski, Alberto Velasquez, Pilar Vignola, Andrea Barbieri, Florencia Hernández, Gonzalo Macedo, Anderson Bremm Peck, Gabriela Lautaret e à toda família ESCALA-2011/2 sem exceções. Às Repúblicas Magrelos, Enrosco, Sede, Muchachas, Sua Bunda, Vuco-Vuco e Arcádia e a Federativa do Brasil. Às companheiras de grupo da displina de Planejamento Urbano em 2010 Juliana Giolo, Mireille Sato, Patrícia Cassemiro, Bárbara Prestes e Monique Maia, das quais compartilhei o trabalho final da referida disciplina ministrada pela Pr. Dr. Silvana Pintaldi e do qual resultou na presente pesquisa e que já naquela época previa a atual bolha imobiliária. Aos Péret’s e familiares que me apoiaram, Pri, Tyr, Marlene, Sandra, Dalva, Silvio, Fátima, Cristiano, Lúcia, Tereza. À todos os professores que um dia estiveram em meu trilhar, em especial Bacia, Glauco, Eduardo, João Emílio, Beato, Itapê, Anta, Morrinho e Silvana Pintaldi, Mariazinha, Chico, Hippolyte Léon Denizard Rivail, Johann Heinrich Pestalozzi, Eurípedes Barsanulfo, Parmênides de Eléia, Sócrates, Platão, Aristóteles, Einstein, Feyerabend e todo o resto da trupe. Ao meu professor e orientador José Gilberto de Souza, o carinho, a paciência, a oportunidade a confiança e os direcionamentos, meu sincero obrigado. À minha companheira de todos os momentos, Olivia Gomes, que em minha vida é melhor que um queijo mineiro, por toda a luz, companheirismo, dedicação, carinho e amor. Todos os que aqui foram relatados e muitos outros que posso haver esquecido são palavras de meu livro, e se assim o são acolá serão representadas: Palavras Às vezes olho pro meu livro e vejo frases, palavras, às vezes apenas letras, linhas vazias.... Algumas páginas vazias, outras escritas, parcialmente; e ainda muitas estão vazias. A cada dia viro uma, e quando vazia dá saudade das palavras. Mas que magníficas são as palavras! Nem sempre temos palavras nas nossas páginas, mas são elas que marcam a história, nossa. Elas entram e saem de nossas linhas como a inconstância do pensamento, do destino. Isso explica a melancolia das linhas vazias, e nos faz lembrar das palavras. Lembrar é história, e história é o que fazem as palavras, juntas, separadas ou em parágrafos. Tudo está ligado, e todos os significados, regras e protocolos se quebram quando elas se juntam. Não existe lógica para o agrupamento das palavras, elas simplesmente se atraem, afinal não explicam sentimentos, apenas sentem. Um beijo para uma das minhas palavras preferidas! Todos os macro ou micro problemas mundiais da humanidade possuem apenas duas origens: Falta de amor e/ou excesso de ganância Resumo Este trabalho analisa, os motivos econômicos e sociais, a organização, a implementação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), criado em 2009, pelo Governo Federal do Brasil. Desta forma, o objetivo do trabalho foi analisar o contexto econômico e habitacional brasileiro, e a relação do programa com a crise internacional do Subprime, iniciada nos Estados Unidos em 2008, bem como analisar e debater a logística e a acessibilidade do programa. O PMCMV, parte integrante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem o intuito de combater a crise econômica que se instalava e também minimizar o déficit habitacional do país. Do orçamento inicial do PAC, US$ 250 Bi, foram utilizados o montante de US$ 129 bilhões e já está aprovado mais US$ 125 Bi para a segunda fase do programa, do qual o orçamento do PAC2 gira em torno de um trilhão e meio de reais. Um milhão de residências foram construídas no período de 2009 a 2012, e a meta para 2014 é de dois milhões e meio de novas residências. Ao comparar o programa atual com os programas habitacionais anteriores, observaram-se avanços, porém são nítidos os problemas e incoerências: nos reais interesses, nos verdadeiros beneficiados, bem como as contradições entre um programa social e econômico e as demandas urbanísticas, entre outros fatores conjunturais. Evidencia-se também, o incentivo aos novos residenciais e bairros fechados, o que agrava a fragmentação do espaço urbano, além da exclusão sócio-espacial gerada pelo financiamento de residências em loteamentos afastados. A produção capitalista do espaço é nitidamente pujante na análise desse pacote de financiamento da habitação urbana, onde a ocorrência de grandes glebas entre bairros centrais e a nova periferia gerada, evidenciam o descaso das autoridades em gerir o espaço, não executando a aplicação dos instrumentos urbanísticos de planejamento e consequentemente a garantia da função social do espaço urbano. A metodologia desenvolvida no presente trabalho, evoca uma reflexão crítica sobre uma visão do Estado e seus reflexos sobre o espaço urbano e a vida cotidiana. Para a consecução desta reflexão, realizaram-se os seguintes procedimentos: revisão de literatura para aprofundamento e elaboração teórico-conceitual; análise documental sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, a partir de instrumentos legais e cotejamento com outros instrumentos produzidos pela sociedade, o Estatuto da Cidade, a Carta de Atenas e documentos de movimentos sociais; composição por análise documental de uma caracterização da área de maior atuação dos empreendimentos via PMCVC, e seu entorno, partindo de pesquisa de campo junto ao mercado imobiliário, consolidando perfis de investimento urbano, preços e padrões imobiliários; produção de base de dados relativa às condições de ocupação e vivência dos beneficiários por meio de entrevista semiestruturadas, analisando aspectos estruturais dos empreendimentos, urbanísticos e de qualidade de vida. A importância desse trabalho para a Geografia Urbana reside, portanto, na análise do último e mais expressivo projeto de habitação social desenvolvido no Brasil, em que o viés da produção capitalista do espaço, novamente se sobressai em relação à função social do espaço urbano. Palavras-chave: Urbanização, políticas públicas, habitação, exclusão sócio-espacial, fragmentação espacial Abstract This article discusses, in general matters, the economic and social motivations, the organization and development of the program Minha Casa Minha Vida, made in 2009, by Federal Government of Brazil. The objective of this work was to analyse the Brazilian economic and housing context, and the program relation with the Subprime international crisis, which has been started at United States in 2008, as well as analysing and discussing the logistics and the program accessibility. The MCMV program, part of the PAC – Programa de Aceleração do Crescimento – has the intention to combat the economic crisis that had been installed and also minimize the deficit housing of the country. From PAC's initial estimate, US$250 Bi, it has been spent US$129 Bi and it has already been approved more than US$125 Bi designated for the second stage of the program, whose the estimate of PAC2 is about one trillion and a half of brazilian reais. One million homes were built between 2009 and 2012, and the goal for 2014 is two million and a half of new residences. If comparing the current program with the oldest programs, progress were observed ,however, problems and inconsistences are clearly seen: in the real concernment, the truly beneficiary, and contradiction between a social and economic program to urban demands, among other situational factors. It’s also evident, the incentivation for a new residential and closed neighbourhoods, thereby adding to the fragmentation of the urban space, beyond of the exclusion socioespacial caused financing of residences in farest allotments. The capitalist production of the space it’s clearly thriving in analysis of thisfinancing package of the urban habitation, where the biggest glebas rise between central neighbourhood and the newest generated suburb, they evidence the negligence of the authorities in well managing the space, not executing the application of urban instruments of planning the social function, and consequently, the guarantee of the urban space. The methods applied bring a criticist reflection about the visions of the State and its reflections over the urban space and the daily life. The importance of this work for the Urban Geography is therefore the analysis of the last and the most expressive social habitation project developed in Brazil, whose the capitalist production of the space, again stands in function of the social urban space. Key words: Urbanization, Sociospatial Exclusion, Publics Policies, Housing Lista de figuras Figura 1Sub-bacias que compõem a bacia hidrográfica do município de São Carlos/SP..................................................................................................21 Figura 2 Valores máximos segundo hab. MCMV1.......................................29 Figura 3 Exemplos para comprovação de ágio...........................................30 Figura 4 A contradição entre teoria e prática..............................................36 Figura 5 Contradições entre as Cartilhas Ministério das Cidades e CEF..................................................................................................................38 Figura 6 Permissividade Cartilha CEF.........................................................39 Figura 7 Incoerência teórica entre Min. Cidades e CEF............................40 Figura 8 Imagem Folha: Tentativa de camuflar a bolha imobiliária.........42 Figura 9 Gráfico Evolução de preços terrenos (10x30m) em São Carlos-SP em relação ao avanço da inflação no período (IGP-M)..............................44 Figura 10 Capa The Economist2009….........................................................47 Figura 11 Comparação capas The Economist 2009/2013..........................48 Figura 12 Macrozonas do Plano Diretor do Município de São Carlos- SP....................................................................................................................51 Figura 13 Área ocupada pelo complexo de condomínios da Incorporadora Rodobens.......................................................................................................52 Figura 14 Planta do Imóvel “Moradas 40”...................................................53 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS PMCMV - Programa Minha Casa Minha Vida CEF – Caixa Econômica Federal COHAB - Companhias Metropolitanas de Habitação BNH – Banco Nacional de Habitação IPMF - Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras BEM - Ministério do Bem Estar Social SEPURB - Secretaria de Política Urbana MPO - Ministério do Planejamento e Orçamento PNH - Política Nacional de Habitação PEUC - Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social FAR – Fundo de Arrendamento Residencial IPTU – Imposto Territorial Urbano IGP-M (FGV) – Índice Geral de Preços do Mercado (Fundação Getúlio Vargas SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT LISTA DE FIGURAS LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 1 INTRODUÇÃO................................................................................................12 2 OBJETIVOS....................................................................................................14 2.1 Objetivos Específicos.............................................................................14 3 REVISÃO DE LITERATURA: REFERENCIAIS TEORICOS..........................15 4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.......................................................19 5 ÁREA DE ESTUDOS......................................................................................20 5.1 O município de São Carlos...............................................................20 5.2 Caracterização Física do município................................................21 6 O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA..................................................24 7 ANÁLISE DO PMCMV....................................................................................28 7.1 O PMCMV e a Carta de Atenas .......................................................31 7.2 7.2 A análise Urbano-modernista....................................................33 7.3 A análise pelo viés Marxista............................................................37 8 O PMCMV e a Crise do Subprime................................................................47 9 O caso: Condomínio Moradas I..................................................................50 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................56 11 REFERÊNCIAS............................................................................................59 ANEXOS............................................................................................................63 12 1. Introdução A atual estrutura urbano-industrial brasileira é resultado de um longo processo que se consolidou a partir da década de 1940 sob a égide do modo de produção capitalista. Desde então os espaços urbanos, fruto do avanço tecnológico e da sociedade industrial, vem sofrendo principalmente nas últimas décadas intenso crescimento populacional, industrial e habitacional, porém sem um planejamento adequado, fato que transforma as cidades em espaços de contradição, uma vez que se torna cada vez mais habitual encontramos ambientes urbanos abastados em oposição a ambientes precários, com infra- estrutura urbana deficitária que atestam contra a saúde e conforto das pessoas. A irregularidade física verificada comumente no espaço intra- urbano é característica do desenvolvimento capitalista aliado ao crescimento desordenado do espaço, pois de acordo com Santos (1994, p.10): A cidade em si, como relação social e materialidade, torna-se criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico de que é o suporte, como pela sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortiços) pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo sócio- econômico vigente, mas também do modelo espacial. Assim contextualizando a questão habitacional dentro da falta de planejamento adequado e crescimento desordenado, cabe lembrar o caos em que se encontra este tema no país, pois segundo a Secretária Nacional de Programas Urbanos Maria Teresa Jucá, há cerca de 13 milhões de domicílios urbanos irregulares e um déficit de 6,27 milhões de moradias, dados que revelam a desigualdade social das cidades brasileiras, (Programa Nacional de Capacitação das Cidades – Ministério das Cidades, 2009) . Neste sentido com o intuito de promover a reforma urbana no país, o Ministério da Cidade, após longa luta e pressão dos movimentos sociais urbanos, implementou o Estatuto da Cidade (Lei no10. 257/01) que por sua vez, instituiu como um de seus principais instrumentos para realizar tal reforma o Plano Diretor, sendo este uma lei municipal que estabelece princípios e diretrizes para o desenvolvimento do município. Uma das metas do Ministério 13 da Cidade seria alterar, por meio dos instrumentos citados anteriormente, a realidade habitacional dos municípios brasileiros. Para tanto o governo federal aprovou em 2009 o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) - Lei 11.977 - cuja finalidade é criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais, destinadas às famílias com renda mensal de até 10 salários mínimos que residam em municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes ou em municípios de 50 mil a 100 mil habitantes que tenham déficit habitacional. Este Programa tem como meta construir um milhão de habitações, (Ministério das Cidades,2009). O mercado imobiliário, setor da economia beneficiado diretamente pelo programa vem sofrendo constantes e intensas pressões inflacionárias, anulando a possibilidade de acesso das famílias com rendas entre 1 e 3 salários mínimos, faixa salarial a qual mais carece de incentivos do programa e a que menos vem sendo beneficiada. Com isso, privilegiam-se as construtoras e empreiteiras frente aos reais beneficiários, as famílias de baixa renda, (Ministério das Cidades,2009). O presente trabalho analisa questões relativas à moradia compreendendo-a como uma das dimensões de Direito à Cidade, considerando a cidade como lócus do convívio social dos sujeitos, com qualidade de vida, includente, e com práticas ambientalmente sustentáveis. 14 2. Objetivo Analisar o Programa Minha Casa Minha Vida e seus reflexos sobre o mercado imobiliário e a dimensão do direito à cidade no município de São Carlos. 2.1 Específicos Como objetivos específicos, este trabalho visa:  Caracterizar o Programa Minha Casa Minha Vida, em suas particularidades acerca dos tipos e formas de financiamento e a acessibilidade ao programa pelas faixas de populações previamente elegidas.  Analisar as incoerências entre a cartilha do governo, propositora do programa, e a cartilha da caixa que regulamenta praticamente o financiamento e o andamento das obras.  Identificar os problemas urbanísticos e residenciais decorridos pelas falhas do programa, e a priorização do programa como agente regulador da crise com a injeção direta de ativos frente a uma necessidade social, habitacional e urbanística que o programa poderia estar focado. Identificar seus impactos na trajetória de preços e formas de comercialização imobiliária em sua implantação.  Verificar os reflexos dos empreendimentos com base nas diretrizes do Estatuto da Cidade e da Carta de Atenas e sua materialidade de implantação.  Identificar as relações entre Estado e o mercado imobiliário, e como estas se reproduzem no espaço nos âmbitos urbanísticos, sociais, econômicos e macroeconômicos. 15 3. Revisão de Literatura: Referenciais teóricos A questão habitacional no Brasil é problemática desde as raízes da urbanização, quando na década de 1930, ocorreram mudanças políticas que culminaram com a regulamentação do trabalho urbano (não extensiva ao campo), incentivo à industrialização, construção da infra-estrutura urbano- industrial, dentre outras medidas que reforçaram o movimento migratório campo-cidade. Esse processo foi significativo em suas dimensões no que tange a grande massa de migrantes que rumou para as cidades e se instalou ilegalmente, uma vez que os mesmos não tiveram acesso ao mercado imobiliário e tampouco foram atendidos pelas políticas públicas de habitação. Aparentemente pode-se constatar que desde então o direito à cidade fora negado a uma boa parcela da população, fato que vem se intensificando ao longo das décadas, chegando ao que hoje é caracterizado como crescimento desordenado e desencadeia os fenômenos da periferização e favelização. Com o intuito de revolver o déficit habitacional, alguns governos ao longo de nossa história, criaram programas de incentivo a construção de moradias como as Companhias Metropolitanas de Habitação – COHABs - por exemplo, que de maneira geral promoveram ainda mais a periferização e favelização devido a falta de infra-estrutura urbana onde foram instalados estes programas habitacionais. Em vista deste insucesso e frente ao déficit habitacional brasileiro a presente pesquisa justifica-se, uma vez que consta na Constituição Brasileira de 1988, artigo 6, que a moradia é direito fundamental, digna da pessoa humana. A Tenda de Reforma Urbana do Fórum Social Mundial de 2009, aberta por David Harvey, enfatizou o direito a cidade como sendo o direito de todos participarem da transformação e criação das cidades para que estas que satisfaçam as necessidades humanas, para Harvey isto significa travar uma luta contra o capital. “O direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente. Quando eu olho para a história, vejo 16 que as cidades foram regidas pelo capital, mais que pelas pessoas. Assim, nessa luta pelo direito à cidade haverá também uma luta contra o capital.” (Harvey, 2009). Harvey conclui seu discurso afirmando que a única forma de exercer nosso direito à cidade é controlando o problema da absorção do excedente capitalista, que segundo o autor é responsável pela maior parte das crises financeiras e urbanas, é preciso socializar o excedente do capital e usá-lo para atender necessidades sociais. Segundo LeFebvre “Ser pobre não é apenas não ter, mas, sobretudo ser impedido de ter, o que aponta muito mais para uma questão de ser do que de ter”. A pobreza expressa no impedimento de ter o direito à cidade está cada vez mais escancarada nas diversas carências da população de baixa renda. Entre as diversas carências da população de baixa renda vinculadas ao habitat (saneamento, abastecimento de água, energia elétrica, transporte etc.), a que apareceu com mais evidência e centralidade foi o déficit de moradia. Esse contexto explica, em parte, não só por que o poder público, em termos de política urbana, priorizou historicamente a questão habitacional como também a pouca amplitude e o fracasso da maior parte dessas intervenções governamentais. (Maricato, 2003) Historicamente no Brasil as políticas urbanas nunca foram prioridades para o Estado, em especial no que se refere às políticas habitacionais, o modelo de política habitacional implementado a partir de 1967 pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) tinha por princípios a criação de um sistema de financiamento que permitiu a captação de recursos específicos e subsidiados (apoiado no Fundo de Garantia de Tempo de Serviço e no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), chegando a atingir um montante bastante significativo para o investimento habitacional; criação e operacionalização de um conjunto de programas que estabeleceram, a nível central, as diretrizes gerais a serem seguidas, em nível descentralizado, pelos órgãos executivos; criação de uma agenda de redistribuição dos recursos, que funcionou principalmente a nível regional, a partir de critérios definidos centralmente; e 17 criação de uma rede de agências em nível local (principalmente estadual), responsáveis pela operação direta das políticas. “A questão central nas críticas à atuação do BNH: sua incapacidade em atender à população de mais baixa renda (entre 0 e 3 salários mínimos). Essa incapacidade decorria das contradições intrínsecas aos dois grandes objetivos da política habitacional: o de alavancar o crescimento econômico e o de atender à demanda habitacional da população de baixa renda. Ao priorizar o financiamento para as camadas de mais alta renda, que se configuravam como demanda efetiva e que atraíam a preferência dos setores empresariais ligados à área, a atuação do Banco conseguiu de fato produzir um novo boom imobiliário, gerando efeitos multiplicadores relevantes. Já o financiamento às camadas de menor renda revelou-se inadequado para as populações mais empobrecidas (faixas de até 3 salários mínimos) e gerou uma inadimplência sistemática nas camadas de renda que conseguiram acesso aos recursos, comprimido pelo gargalo representado pela ausência de subsídios combinada ao arrocho salarial e à exigência de correção real dos débitos, dado o alto custo da moradia em relação aos níveis de rendimento. A favelização e o crescimento das periferias são apontados como conseqüência do fracasso e da ineficácia da ação do BNH” (Cardoso, 2002). Desde a extinção do BNH, a política de habitação foi de responsabilidade de diferentes Ministérios: de 1985 a 1987, do Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente; de 1987 a 1988, do Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente; de 1988 a 1990, do Ministério do Bem Estar Social; de 1990 a 1995, do Ministério da Ação Social; de 1995 a 1999, da Secretaria de Política Urbana, vinculada ao Ministério do Planejamento; de 1999 a 2002, da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano, vinculada à Presidência da República (Maricato, 2006). A atuação do governo Collor na área da habitação, seguindo um padrão que se institucionaliza desde o governo Sarney, foi caracterizada por processos em que os mecanismos de alocação de recursos passaram a obedecer preferencialmente a critérios clientelistas ou ao favorecimento de aliados do governo central. Essa foi a característica do Plano de Ação Imediata para a Habitação, lançado em 1990, que se propunha a apoiar financeiramente 18 programas construção de unidades e de oferta de lotes urbanizados, para atendimento de famílias com renda até 5 salários mínimos, financiando a projetos de iniciativa de COHABs, Prefeituras, Cooperativas, Entidades de Previdência, etc. (AZEVEDO apud in CARDOSO, 2007). Em 1994, o governo Itamar Franco colocou como prioridade a conclusão das obras iniciadas na gestão anterior, para as quais foram aportados recursos da ordem de 800 mil dólares, e lançou os programas “Habitar Brasil” e “Morar Município”, com recursos oriundos do Orçamento e do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF). O primeiro governo Fernando Henrique Cardoso promoveu uma reorganização institucional extinguindo o Ministério do Bem Estar Social (BEM) e criando a Secretaria de Política Urbana - SEPURB no âmbito do Ministério do Planejamento e Orçamento - MPO, que ficaria responsável pela formulação e implementação da Política Nacional de Habitação (PNH). Todavia, esse processo sofreu forte influência do ajuste fiscal promovido pela adoção do Plano Real, o que levou a uma expansão limitada dos investimentos habitacionais. A dificuldade de expansão do fluxo de recursos para a moradia deveu-se, por um lado, à alta sensibilidade do FGTS à crise econômica e também à política de contenção de despesas, que passa a ser largamente utilizada pelo governo como estratégia de enfrentamento do déficit público.(CARDOSO, 2007) Houve alguns avanços recentes sobre as políticas urbanas no governo Lula, todos os esforços que culminaram com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001; a aprovação da Medida Provisória 2220, que trata da regularização fundiária; a criação do Ministério das Cidades em 2003; que deu origem ao Conselho Nacional das Cidades e a realização das Conferências Nacionais das Cidades; o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS aprovado por lei nº. 11.124 em 2005 que retoma a proposta de um sistema nacional de habitação baseado em cooperação federativa para a estruturação da política habitacional. E finalmente em 2009, a Lei nº 11977 que institui o Programa Minha Casa Minha Vida. 19 4. Procedimentos Metodológicos O fazer ciência se revela numa crítica social, que ao mesmo tempo em que elabora uma discussão sobre esta realidade, deve operá-la no sentido de sua transformação social, operando a ciência como um instrumento popular de desenvolvimento e prática do saber crítico frente às problemáticas apresentadas. Neste sentido, o presente trabalho evoca uma reflexão crítica sobre uma visão do Estado e seus reflexos sobre o espaço urbano e a vida cotidiana. Para a consecução desta reflexão, realizou-se as seguintes investigações: a. Revisão de literatura para aprofundamento e elaboração teórico- conceitual b. Consolidação de análise documental sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, a partir de instrumentos legais e cotejamento com outros instrumentos produzidos pela sociedade, o Estatuto da Cidade, a Carta de Atenas e documentos de movimentos sociais. c. Composição por análise documental de uma caracterização da área de maior atuação dos empreendimentos via PMCVC no município de São Carlos-SP, e seu entorno, partindo de pesquisa de campo junto ao mercado imobiliário, consolidando perfis de investimento urbano, preços e padrões imobiliários. d. Produção de base de dados relativa às condições de ocupação e vivência dos beneficiários por meio de entrevista semiestruturadas, analisando aspectos estruturais dos empreendimentos, urbanísticos e de qualidade de vida. e. Caracterização e análise de dados f. Produção de análise de impactos macroeconômicos, macroestruturais, relacionando o programa aos índices econômicos de avanço e controle da economia e dos índices de inflação anteriores e ao longo da atuação do programa. Realidades inflacionárias no setor e como possível agravante na macroeconomia nacional. g. Redação 20 5. Área de estudo 5.1 O Município de São Carlos O município de São Carlos-SP, localizado no centro geográfico do estado, mais precisamente na Latitude 22° O Sul e Longitude 47° 54, que aliada à altitude média de 856 m – máxima de 1000m e mínima 520m – proporciona um clima temperado de altitude, com média anual de 19ºC. Situada a 235 km da capital do estado, São Paulo, a cidade é reconhecida nacionalmente pela importância acadêmica e empresarial na área de tecnologia. A cidade, devido à sua característica universitária, apresenta um alto índice de professores PHD com 180 para cada habitante, onde a média nacional é de um para cada 5.423 habitantes (ICMC-USP). Por esse motivo, o município abriga empresas de grande porta de diversas áreas e aponta os seguintes índices: IDH: 0,841 (PNUD 2000); População: 221.936 habitantes (Censo-IBGE 2010); População flutuante: 20000 (SMDS); PIB R$ 2.472.749.700,00 (IBGE 2003); PIB per capita: R$ 11.950,62 (IBGE 2003). A predominância da vegetação é de cerrado, apresentando manchas de mata Atlântica onde há ocorrência de latossolo roxo, com araucárias de grande porte que denominam a cidade e faz parte da bandeira da cidade, São Carlos do Pinhal. A história da cidade começa em 1831 com a demarcação da Sesmaria do Pinhal. Fundada em 4 de novembro de 1857, foi elevada à categoria de vila em 1865 e 1880 à categoria de cidade. No início a principal atividade econômica era a produção do café, recebendo muitos imigrantes alemães, mas principalmente italianos. Nas primeiras décadas do século XX, o governo italiano manteve um consulado devido à grande quantidade de imigrantes no município. A atividade econômica principal passa na década de trinta de agrária para industrial, devido á grande presença de imigrantes que traziam conhecimentos industriais e de migrantes dos grandes centros. A fase tecnológica atual possui grande influência pela fundação da Escola de Engenharia de São Carlos (USP) em 1953, e na década de 1970 a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Atualmente, na questão 21 habitacional, o município tem promovido maiores índices de crescimento urbano e populacional na região norte da cidade, região que também houve maior atuação de casas financiadas pelo PMCMV. Figura 15Sub-bacias que compõem a bacia hidrográfica do município de São Carlos/SP (Fonte: Modificado de Tundisi et al (2007) 5.2 Caracterização Física do município Para compreender os aspectos físicos e ambientais da cidade de São Carlos, é necessário localizá-lo em relação às bacias hidrográficas, ou seja, o território do município de São Carlos está divido em duas grandes bacias hidrográficas do Estado de São Paulo denominadas Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos- UGRHI do Rio Mogi-Guaçu e UGRHI do Rio Tietê-Jacaré. A bacia hidrográfica do rio Mogi Guaçu localiza-se na região nordeste do Estado de São Paulo e sudoeste de Minas Gerais, já a UGRHI do Rio Tietê- 22 Jacaré é onde está localizada a área urbana e encontra-se subdivida em seis Sub-Bacias, com disponibilidades e demandas por águas demasiadamente críticas, devido ao uso do solo da região com extensas áreas agricultáveis e urbanização densa. No Plano Diretor de São Carlos, são delimitadas as microbacias do município e posteriormente as microbacias da área urbana, contida na parte do território correspondente a UGRHI de Mogi-Guaçu foram traçadas sete microbacias: das Araras, Mogi-Guaçu, das Guarirobas, das Cabaceiras, Chibarro, do Quilombo e do Pântano. Na área da UGRHI do Rio Tietê-Jacaré obtiveram-se as microbacias: do Monjolinho, do Feijão e do Tiête-Jacaré. Assim, de acordo com o diagnóstico realizado na ocasião da elaboração do Plano Diretor de São Carlos, as principais microbacias do município são as localizadas na área urbana: Bacia do Monjolinho que recebe o esgoto da cidade; Bacia do Quilombo onde se encontra um veio da comunicação histórico pela qual se estabeleceram grandes propriedades do ciclo cafeeiro e atualmente é grande vetor de potencial turístico histórico-ecológico no município, e finalmente a Bacia do Feijão situada na Área de Proteção Ambiental (APA) Corumbataí; também contribui para o abastecimento de água em São Carlos. A hidrografia do Município, portanto se encontra bastante densa, com muitas nascentes e com ocorrências de cachoeiras devido ao tipo de relevo da região, com cotas altimétricas de 540 a 1000m. No recorte geomorfológico para o município de São Carlos, as classes de relevos encontradas são as Planícies Aluviais, terrenos mais baixos, junto às margens dos rios e sujeitos periodicamente a inundações; Relevos de Degradação em forma de Relevo Colinoso (Colinas Amplas onde predominam interflúvios, topos extensos e aplainados e Colinas Médias.) Relevos de Degradação como os Relevos de Morros em Encostas Suavizadas, os Morros Amplos que constituem interflúvios arredondados com áreas superiores a 15 km². Já os Morrotes Alongados e Espigões predominam interflúvios sem orientação preferencial, topos angulosos a achatados, sendo que os Morros Arrendados também são achatados e tem a drenagem de média densidade, padrão dendrítico e subdentrítico e vales fechados. 23 Existem também os Relevos Residuais Suportados por Litologias Particulares como os Sustentados por Maciços Básicos como as Mesas Basálticas (morros testemunhos isolados) e as Mesas sedimentares (morros tabulares de bordas escarpadas). Por fim, os Relevos de Transição são as Encostas Sulcadas por Vales Subparalelos, Encostas com Cânions Locais e Escarpas Festonadas. Os dados geomorfológicos acima foram retirados a partir do recorte do Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo (IPT,1981). Deve-se destacar também, o clima e a precipitação média de São Carlos que fazem parte da análise físico ambiental do município. De acordo com a classificação climática de Koppen, baseada em dados mensais pluviométricos e termométricos, o tipo dominante da área é o Cwa, ou seja, é caracterizado pelo clima tropical de altitude, com chuvas no verão e secas no inverno, sendo a temperatura média do mês mais quente superior a 22º C. Em relação à precipitação, o cálculo da precipitação média anual foi realizado a partir de dados dos postos pluviométricos de acordo com o Banco de Dados Hidroweb mantido pela Agência Nacional de Águas (ANA). A partir do estudo estatístico das séries históricas de cada um dos postos pluviométricos selecionados obtiveram-se as médias mensais e a média anual para todos os postos. Analisando esses dados, pode-se chegar a conclusão que a média de precipitação média anual é de 1.356,82 mm por ano e a mínima anual é de 1.301,88 mm por ano para o município de São Carlos. 24 6. O Programa Minha Casa Minha Vida O programa Minha Casa Minha Vida teve seu lançamento dia 25 de Março de 2009, mas teve seu inicio efetivamente em 13 de abril. O programa visava construir um milhão de casas para famílias que recebem até dez salários mínimos. Anteriormente a este programa, as habitações populares construídas pelo poder público com a justificativa de barateamento dos custos, foram erguidas fora dos centros urbanos, geralmente em terrenos desprovidos de infra-estrutura, equipamentos públicos, serviços essenciais e oferta de emprego, ou seja, na não-cidade, fato que intensifica o fenômeno excludente da periferização. Desta forma o Programa Minha Casa Minha Vida enfatiza a importância da boa localização das moradias a fim de garantir princípios democráticos e redistributivos para todas as classes sociais, minimizando a necessidade de deslocamentos e impactos decorrentes do processo de espraiamento urbano. O Programa conta com o Plano Diretor de cada cidade para inserir instrumentos urbanísticos que permitam ampliar o acesso à terra bem localizada para produção de moradia de baixa renda. Dentre os principais instrumentos para promover e garantir o acesso à terra destacam-se: - Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS): são categorias de zoneamento que definem regras para o uso e a ocupação do solo nas cidades e estabelecem áreas destinadas para construção de moradia popular. Há dois tipos de ZEIS, as ocupadas onde há assentamento de população de baixa renda que precisa ser urbanizado e regularizado, e as ZEIS de vazios como o próprio nome já diz são áreas vazias destinadas a construção de moradias populares. - Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios – PEUC: é um instrumento urbanístico em que a prefeitura obriga o proprietário de um imóvel a fazer melhor uso da localização desse imóvel, fixando um prazo para isso acontecer, coibindo a ociosidade de terrenos bem localizados na cidade ou dotados de infra-estrutura pública, estimulando seu melhor aproveitamento. 25 - IPTU Progressivo no Tempo: é um instrumento urbanístico que pune o proprietário de terreno urbano pouco ou não aproveitado com o aumento anual da alíquota de IPTU do imóvel enquanto for descumprida a obrigação de fazer melhor uso desse terreno, induzindo a melhor utilização e aproveitamento do território urbano. - Desapropriação com Títulos da Dívida Pública: É a perda da propriedade particular sobre um terreno urbano em favor da prefeitura, mediante o pagamento com títulos da dívida pública. - Consórcio Imobiliário: é um mecanismo para viabilizar parcerias entre proprietários de imóveis e prefeituras para urbanizar áreas que tenham carência de infra-estrutura e serviços urbanos e/ou contenham imóveis subutilizados ou não utilizados. Assim o proprietário transfere pra o Poder Público um imóvel e este se responsabiliza por executar as obras de infraestrutura e urbanização (abertura de vias públicas, pavimentação, rede de água, iluminação pública), parcelamento ou até a construção das habitações. Em troca, o proprietário do terreno ganha alguns lotes ou unidades habitacionais no mesmo valor que tinha o terreno antes das obras. - Direito de Preempção: é a obrigação que um proprietário tem, no momento que desejar vender seu terreno, de ofertar, nas mesmas condições de mercado, um terreno à prefeitura antes que a qualquer outro interessado. Por essa razão, também é conhecido como direito de preferência. - Desapropriação: é a tomada compulsória de uma propriedade particular pelo poder público, mediante a indenização ao proprietário. - Dação em Pagamento: é uma forma de proprietários com dívidas tributárias poderem quitá-las através de terrenos ou prédios - Abandono: é uma das hipóteses previstas para que um proprietário perca o direito de propriedade sobre um imóvel. - Concessão de Direito Real de Uso: é o repasse, por meio de termo ou contrato, de alguns dos direitos da propriedade imobiliária, sem que haja compra, desapropriação. O programa prevê especificações para cada tipo de renda familiar, cujo financiamento, as condições de pagamentos, juros e o tipo das casas variam. A presente pesquisa não especificará todas as condições para todas as faixas de 26 renda, pois estas especificidades não contemplam os objetivos da pesquisa, que é avaliar como este programa esta se realizando sob as bases de um programa social, já que de acordo com LeFebvre (1973): “Todo e qualquer programa político se insere numa conjuntura; ele refrata a procura social no espelho deformante de interesses muito particulares: os dum partido político, do seu aparelho, dos seus dirigentes, da sua subida ao poder de Estado, da manutenção desse poder e, por conseguinte, duma estrutura estatal”. Segundo a cartilha da Caixa Econômica Federal, órgão que regulamenta o programa permitindo ou não os financiamentos, o objetivo do projeto é a aquisição de empreendimentos na planta, para famílias com renda bruta de até 3 salários mínimos, pelo fundo do programa habitacional. O projeto estende-se a Capitais e respectivas regiões metropolitanas, municípios com mais de 100 mil habitantes, podendo contemplar em condições especiais municípios entre 50 e 100 mil habitantes, de acordo com o seu déficit habitacional. O programa funciona da seguinte forma: - A União aloca recursos por área do território nacional e solicita apresentação de projetos; - Os Estados e municípios realizam cadastramento da demanda e após triagem indicam famílias para seleção, utilizando as informações do cadastro único; - Posteriormente as construtoras apresentam projetos às superintendências regionais da CEF, podendo fazê-los em parceria com estados, municípios, cooperativas, movimentos sociais ou independentemente; - Após análise simplificada, a CEF contrata a operação, acompanha a execução da obra pela construtora, libera recursos conforme cronograma e, concluído o empreendimento, realiza a sua comercialização. Um exemplo de habitação construída pelo programa apresenta-se abaixo, sendo que dentro desta faixa salarial de até 3 salários mínimos estima- se produzir 400 mil unidades com as seguintes especificações: “ESPECIFICAÇÃO DA TIPOLOGIA 1 (CASA térrea com 35 m²): 27 • Compartimentos: sala, cozinha, banheiro, 2 dormitórios, área externa com tanque. • Área da unidade: 35 m². • Área interna: 32 m². • Piso: cerâmico na cozinha e banheiro, cimentado no restante. • Revestimento de alvenarias: azulejo 1,50 m nas paredes hidráulicas e box. Reboco interno e externo com pintura PVA no restante. • Forro: laje de concreto ou forro de madeira ou pvc. • Cobertura: telha cerâmica. • Esquadrias: janelas de ferro ou alumínio e portas de madeira. • Dimensões dos compartimentos: compatível com mobiliário mínimo. • Pé-direito: 2,20m na cozinha e banheiro, 2,50m no restante. • Instalações hidráulicas: número de pontos definido, medição independente. • Instalações elétricas: número de pontos definido, especificação mínima de materiais. • Aquecimento solar/térmico: instalação de kit completo. • Passeio: 0,50m no perímetro da construção.” (CEF, Cartilha Minha Casa Minha Vida, p.8) A tipologia mínima proposta pela Cartilha da CEF contraria as proposições arquiteto-urbanísticas, contraditoriamente, a Cartilha do Ministério das Cidades, Estatuto da Cidades e a Carta de Atenas quanto à quantidade de espaço mínimo e qualidade dos materiais empregados, analisados com maior profundidade nos seguintes capítulos. 28 7. Análise do PMCMV O programa “Minha Casa Minha Vida”, que segundo o Governo Federal, visava desde o seu início combater a crise que se alastrava mundo a fora, tentando impedir a chegada da mesma ao país, e ao mesmo tempo tentando minimizar o problema do déficit habitacional, se revela na prática insuficiente aos mais pobres, classes D e E, do ponto de vista habitacional. Do ponto de vista econômico, o programa, que faz parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), foi e está sendo muito importante para minimizar os efeitos da crise e estabilizar a economia, fazendo com que esta fosse aclamada pela mídia internacional especializada e reconhecida como a primeira economia a estar livre da crise. Também serviu como um estímulo ao setor habitacional, que nem sempre é acostumado a dispor de grandes verbas, aumentando estratosfericamente a verba para o financiamento de residências. Entretanto, inúmeros problemas são notados nessa tentativa de conciliar pacote econômico e programa social para a habitação. O programa, segundo o próprio governo e o contexto estudado, se preocupa primeiramente com a parte econômica do que com a habitacional. Isto se revela na falta de ordenamento e planejamento do espaço, na falta de mecanismos de controle da distribuição dos recursos em relação aos preços dos imóveis para que os mesmos possam ser acessíveis principalmente à quem mais precisa. O “órgão” que na prática “regulamenta” o programa, ou seja, que em instância máxima autoriza o financiamento é a Caixa Econômica Federal, que não é capacitada para suprir tecnicamente essas questões organizacionais do espaço urbano. Até mesmo porque – aliás, e também em contradição com o que diz a própria cartilha da Caixa para o programa – não é Caixa que confere, acompanha e avalia as obras. Toda essa parte é feita por engenheiros terceirizados, diminuindo a confiança e a eficiência prática, mas que funciona bem melhor para os interesses privados das empresas da construção civil. Fatos que se tornam evidentes nas formas de ágios, onde imóveis que são avaliados nos valores de limite máximo, são na verdade vendidos por valores acima destes, com a diferença paga por fora do financiamento, sob a forma de uma “entrada” (ágio). 29 Entrada essa que aumenta os lucros e afasta aqueles que mais precisam e/ou empurra para os menos favorecidos as edificações de menor qualidade de construção e mais distantes, e que ainda assim são caras por conta de toda a especulação que o programa gerou no setor imobiliário. A questão da especulação imobiliária por si só já é um fator que afastou boa parte das pessoas que englobam a faixa onde é maior o déficit, as classes sociais D e E. O fato do governo não tentar combater a especulação esta intimamente ligada ao montante que esta especulação movimentou para a economia, que conseqüentemente aumentou os lucros das construtoras, da indústria da construção civil e suplementos, profissionais do ramo, e comerciantes especuladores do setor imobiliário. Propositalmente não se tentou controlar o aumento de preços para que o efeito econômico fosse maior do que o efeito social, que veio a reboque e minimizado. A própria cartilha do programa enfatiza que seria necessário aplicar os mecanismos urbanísticos para se regular o aumento de preço dos imóveis – devido ao aumento da demanda – pelo aumento da oferta de terrenos. A questão dos ágios e o não cumprimento dos limites valorais do PMCMV se comprovam nas seguintes imagens exemplares: Figura 16 Valores máximos segundo hab. MCMV1 (Fonte: Ministério das Cidades2010, p.47) 30 Figura 17 Exemplos para comprovação de ágio (Fonte: Email pessoal enviado pela imobiliária Roca, em 11/102010) (Tabela de preços da ERGIL Construções e Comércio Ltda.) 31 Outra forma de controlar o aumento dos preços no setor imobiliário durante o programa, além dos instrumentos urbanísticos (Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios – PEUC, IPTU Progressivo no Tempo, Desapropriação com Títulos da Dívida Pública, Consórcio Imobiliário, Direito de Preempção, há novos procedimentos para Desapropriação, Dação em Pagamento, Abandono e Concessão de Direito Real de Uso. Além disso, outras críticas ao programa, são com relação as incoerências nas cartilhas da Caixa e do governo federal para o programa. As cartilhas trabalham com a expressão “famílias” com renda entre 1 e 10 salários mínimos, uma forma de mascarar as famílias realmente atendidas. Na prática, não é a renda familiar que conta, mas sim a renda de apenas um indivíduo. Para a Caixa, apenas um pessoa é necessária para realizar a maioria dos contratos de financiamento. 7.1 O PMCMV e a Carta de Atenas As especificações mínimas do tamanho das residências são muito pequenas, não proporcionando conforto e dificultando a ventilação, iluminação e conforto térmico. Para casas o mínimo é 35 metros quadrados de área total e 32 m² de área interna. Para apartamentos as especificações mínimas são de 42 e 37m² para área total e interna respectivamente. Para as casas, é permitida ainda a utilização de forros de PVC e madeira. Isso revela um descaso com a qualidade de vida das pessoas que irão viver nessas unidades habitacionais, desconsiderando os princípios da carta de atenas. “Setores urbanos congestionados, as condições de habitação são nefastas pela falta de espaço suficiente destinado à moradia, pela falta de superfícies verdes disponíveis, pela falta, enfim, de conservação das construções (exploração baseada na especulação). Estado de coisas ainda agravado pela presença de uma população com padrão de vida muito baixo, incapaz de adotar, por si mesma, medidas defensivas (a mortalidade atinge até vinte por cento). É o estado interior da moradia que constitui o cortiço, cuja miséria, entretanto, é prolongada no exterior pela estreiteza 32 das ruas sombrias e total falta de espaços verdes, criadores de oxigênio e que seriam tão propícios aos folguedos das crianças. A despesa comprometida numa construção erguida há séculos foi amortizada há muito tempo; tolera-se, todavia que aquele que a explora possa considera-la ainda, sob forma, de moradia negociável. Ainda que seu valor de habitabilidade seja nulo, ela continua a fornecer, impunemente e às expensas da espécie, uma renda importante. Condenar-se-ia um açougueiro que vendesse carne podre, mas a legislação permite impor habitações podres às populações pobres. Para o enriquecimento de alguns egoístas, tolera-se que uma mortalidade assustadora e todo o tipo de doenças façam pesar sobre a coletividade uma carga esmagadora.” (Le Corbusier, 1993) O trecho faz referencia à um momento histórico do início do século XX no continente europeu, porém, salvaguardado as devidas proporções e o perfil higienistas, podemos traçar um paralelo às construções da empresa MRV, focada em apartamentos para baixa renda do PMCMV. Foi identificado via entrevistas não estruturadas com corretores de imóveis e moradores de edificações construídas pela referida empresa em cidades como Rio Claro-SP, São Carlos-SP e Piracicaba-SP, a mesma problemática foi relatada. A baixa qualidade dos imóveis se manifesta sob diversos âmbitos. É recorrente temáticas como isolamento acústico, área útil insuficiente (36,75m²), isolamento térmico, baixa qualidade do acabamento. Corretores e proprietários são unânimes: o isolamento acústico é tão pífio, que somado à baixa qualidade de acabamento, isolamento térmico ineficiente e ao pouco espaço privativo existente, tornam o apartamento repulsivo. Ou seja, o ambiente é insalubre, e afasta as pessoas, que se veem obrigadas a não permanecer dentro de suas próprias residências buscando espaços públicos. Ora, essa situação poderia ser vista até com bons olhos: a situação estimulas as pessoas a voltarem a utilizar os equipamentos e áreas públicas, áreas abertas, diante de um momento histórico onde o valorizado são os ambientes privados como shopping’s center’s, mas essa análise seria ingênua. A realidade é que essa busca só se dá devido à baixa qualidade de vivência que as habitações possuem, o que nos leva a compreender que um 33 dos quatro pontos principais do postulado da Carta de Atenas não está sendo cumprido, o Habitar. As mesmas queixas são recorrentes nas distintas localidades devido ao fato que a empresa utiliza a mesma planta replicada. Como comprovado em trabalhos de campo com pequenas empreiteiras, a aprovação prévia de uma prefeitura, facilita a aprovação em outras localidades por já haver precedente favorável e fragiliza a fiscalização da construção. A fiscalização por sua vez se mostra outro ponto interessante da análise. A mesma é realizada por empresas terceirizadas pela CEF, realidade que estimula acordos externos às normas técnicas padrão e facilita consequentemente as aprovações parciais e finais dos empreendimentos contratados. Essa realidade mostra a fragilidade da legislação do Estatuto da Cidade perante a Carta de Atenas, e perante ao poder econômico que usa sua força para estipular as regras, bem como de brechas para burlar o sistema e seguir atuando segundo os interesses privados. 7.2 A análise Urbano-modernista O entendimento da análise da Carta de Atenas é de que o planejamento deve tomar como ponto de partida a categoria humana, que mostra até certo ponto contrastante com a análise marxista sobre o planejamento que parte das categorias do historicismo dialético da luta de classes. Sol, ar, espaço, humano não são categorias apropriadas pela geografia crítica marxista. Nem mesmo a categoria espaço, possui na análise marxista a amplitude aqui presente Ad hoc. A categoria espaço, na análise do urbanismo modernista da Carta de Atenas, parte do princípio primário do humano nas escalas menores, e posteriormente às escalas sociais. Essa visão contempla a moradia como célula habitacional, onde se estabelece o núcleo familiar, importante categoria, que compõe o conjunto da sociedade. “As construções destinadas à habitação são distribuídas pela superfície da cidade em contradição com os requisitos da higiene. 34 O primeiro dever do urbanismo é pôr-se de acordo com as necessidades fundamentais dos homens. A saúde de cada um depende, em grande parte, de sua submissão às “condições naturais”. O sol, que comanda todo crescimento, deveria penetrar no interior de cada moradia, para espalhar seus raios, sem os quais a vida se estiola. O ar, cuja qualidade é assegurada pela presença de vegetação, deveria ser puro, livre da poeira em suspensão e dos gases nocivos. O espaço, enfim, deveria ser distribuído com liberalidade. Não nos esqueçamos de que a sensação de espaço é de ordem psicofisiológica e que a estreiteza das ruas e o estrangulamento dos pátios criam uma atmosfera tão insalubre para o corpo quanto deprimente para o espírito. O quarto Congresso CIAM, realizado em Atenas, chegou ao seguinte postulado: o sol, a vegetação, o espaço são as três matérias- prima do urbanismo. A adesão a esse postulado permite julgar as coisas existentes e apreciar as novas propostas de um ponto de vista verdadeiramente humano.” (Le Corbusier, 1993) O manifesto prega, portanto, a importância maior do humano frente ao social, pois é o primeiro que compõe o segundo e que o ser humano em condições impróprias de moradias não pode se tornar um cidadão psicologicamente capaz de compor uma vida social crítica, política e saudável. Entende-se também, que além das construções históricas sociais que compõem os grupos humanos, o planejamento deve partir das questões objetivas e subjetivas que compõem a salubridade física e psíquica desde as menores escalas passando posteriormente às maiores. “O número inicial do urbanismo é a célula habitacional (uma moradia) e sua inserção num grupo formando uma unidade habitacional de proporções adequadas. Se a célula é o elemento biológico primordial, a casa, quer dizer, o abrigo da família, constitui a célula social. A construção dessa casa, há mais de um século submetida aos jogos brutais da especulação, deve tornar-se uma empresa humana. A casa é o núcleo inicial do urbanismo. Ela protege o crescimento do homem, abriga as alegrias e as dores de sua vida cotidiana. Se ela deve proteger o crescimento do homem, abriga as alegrias e as dores da vida cotidiana. Se ela deve conhecer interiormente o sol e o ar puro, deve, além disso, prolongar-se no exterior em diversas instalações comunitárias. Para que seja mais fácil dotar as moradias dos serviços comuns destinados a realizar comodamente o abastecimento, a educação, a assistência médica ou a utilização dos lazeres, será preciso reuni-las em “unidades habitacionais” de proporções adequadas.” (Le Corbusier, 1993) 35 O planejamento modernista entende, portanto, a composição social analogamente à uma reta, seccionada em segmentos de retas e compostos por pontos. Respectivamente, estamos trabalhando com as categorias sociedade, classes sociais e indivíduo. Não há a negação das construções históricas, nem das lutas de classes na proposta modernista; a mudança do foco ocorre no ponto de partida da análise, que para o marxismo começa e termina nas lutas de classes, enquanto no urbanismo modernista, parte das necessidades básicas humanas chegando posteriormente às questões histórico-sociais. Outro ponto importante é a relevância que a categoria humano passa a compor no paradigma modernista, e que representa uma quebra importante na lógica paradigmática marxista, que por sua vez apenas compreende o ser enquanto ser social. Para o modernismo, a análise vai além das composições sociais, sem as negar por completo, chegando às esferas menores que são mais presentes dos setores cartesianos da psicologia, psicanálise, entre outros ramos que “cuidam” dos interesses da individualidade; e que por mais que a individualidade seja diretamente influenciada por todas as dinâmicas coletivas cabe e carece pensar também a sociedade a partir desse viés. O urbanismo considera como meio e fim a análise do humano, passando por diversas instâncias, escalas e categorias de análise, inclusive categorias de análise marxistas que fornecem subsídios importantes à compreensão do indivíduo enquanto ser social também. “Os bairros mais densos se localizam nas zonas menos favorecidas (encostas mal orientadas, setores invadidos por nevoeiros, por gases industriais passíveis de inundações, etc). Nenhuma legislação interveio ainda para fixar as condições da habitação moderna, que devem não somente assegurar a proteção da pessoa humana mas também dar-lhe meios para um aperfeiçoamento crescente. Assim, o solo urbano, os bairros residenciais as moradias são distribuídos segundo a circunstância, ao sabor dos interesses mais inesperados e, ás vezes, mais baixos. Um geômetra municipal não hesitará em traçar uma rua que privará de sol milhares de casas. Certo edis, infelizmente, acharão natural destinar á instalação de um bairro operário numa até então negligenciada porque as névoas a invadem, porque a umidade é excessiva ou porque os mosquitos nela pululam. Ele considerará que uma encosta voltada para o norte, que, em decorrência de sua 36 orientação , nunca atraiu ninguém, que um terreno envenenado pela fuligem, pela fumaça de carvão, pelos gases, deletérios de alguma indústria, às vezes ruidosa, será sempre bom o bastante para acomodar as populações desenraizadas e sem vínculos sólidos, a que chamamos de mão-de-obra comum.” (Le Corbusier, 1993) A Carta de Atenas, tem como proposta a criação do estatuto do solo/estatuto da cidade e que a partir da existência dessa legislação seria possível planejar de maneira justa e equânime o uso do solo. Define também, que aliado à uma legislação firme, a atuação eficiente de planejadores sob as bases do urbanismo e uma população esclarecida, e que reivindicassem aquilo que os planejadores planejaram à ela, seria possível uma situação habitacional, social, e urbana igualitária. A realidade atual, porém, revela um cenário não tão animador. Atualmente já existe em maior abundância, tendo como referencia o período de produção do manifesto 1933, quantidade significativa de planejadores, movimentos sociais urbanos que reivindicam melhorias na qualidade de vida citadina, e uma legislação adequada que regulamenta o uso social do solo urbano (Estatuto das Cidades e Planos Diretores municipais). Entretanto, esse fatores, bem como as experiências desastradas dos planos habitacionais BNH e CDHU, não formaram uma base sólida que direcionasse pela primeira vez na história nacional, um projeto habitacional ambicioso e que fosse humana e socialmente adequados. Pelo contrário, a habitação foi tratada novamente como pano de fundo para movimentar a economia, crescer o PIB, ampliando o caos social urbano, as disparidades sociais, etc. Figura 18 A contradição entre teoria e prática (Fonte: Ministérios das Cidades, 2009. P. 22 a 23) 37 7.3 A análise pelo viés Marxista A realidade que remonta a situação em que se situa o PMCMV no contexto habitacional brasileiro extrapola as noções celulares e macrozonais, revelando um cenário onde diversos fatos evidenciam uma luta social pelo espaço urbano desigual. Essa disputa, onde o juiz é o Estado, revela verdadeiras nuances oligárquicas assumidas, controladas e manipuladas pelo Estado. Cenas se tornaram relativamente comum na mídia anunciando casos de apartamentos ameaçados de desabamento antes mesmo de prontos, trabalho escravo em empreiteiras vinculadas ao programa, descumprimento de normas do programa, etc. A cena não poderia ser mais óbvia, ou será que seria possível unir um programa habitacional à um pacote econômico. “Não podeis servir a Deus e a Mamom;...” (Lucas, XVI:13), diz o ensinamento bíblico, que farei uma análise conjunta do mesmo com as perspectivas do materialismo histórico dialético. A seguir, contemplo algumas contradições que mais chamam a atenção ao olhar crítico. O acompanhamento da obra não é feito pela Caixa, assim como é dito na cartilha da mesma, mas por engenheiros terceirizados. A cartilha do governo reconhece que sem uso dos instrumentos, dificultaria o acesso dos que mais necessitam ao programa, entretanto, a própria cartilha reconhece também que apenas 1/3 dos municípios possuem esses instrumentos regulamentados em lei municipal ou via plano diretor. Para as propriedades rurais a incoerência está nos valores máximos muito baixos, e não são iguais entre as cartilhas. Na cartilha do governo, o valor de renda máxima para participar do programa é de 10.000 anuais enquanto na prática, na cartilha da caixa consta como 7.000 anuais. Mesmo que considerássemos 10.000 anuais ainda seria um valor muito baixo e que atenderia muito pouco este público. 38 Figura 19 Contradições entre as Cartilhas Ministério das Cidades e CEF (Fonte: Min. Cidades. P.32) 39 (Fonte : Cartilha CEF p.30) Os parâmetros para construção revelam uma situação perigosa e que incrivelmente é relatada pela cartilha da CEF como situações corrigíveis, que são os casos de construções em áreas de risco de desmoronamento, erosão, recalque por adensamento de solo, solos contaminados, ocorrência de terreno alagadiço, sujeito a inundação ou variação de marés. Para estes casos, a CEF considera que se houver um parecer técnico de que é possível conter esses problemas, o financiamento pode ser aprovado. Figura 20 Permissividade Cartilha CEF (Fonte: CEF,2009. P.26) 40 O problema é que novamente, esses pareceres são feitos por terceirizados e estão sujeitos a fraudes ou a interesses que desconsiderem esses riscos. Outra incoerência mais grave e desta vez entre as duas cartilhas, onde na cartilha do governo, feita principalmente pela famosa arquiteta Raquel Rolnik, é dito que “Nas regiões onde seja importante manter áreas sem qualquer construção, não cabe a aplicação do PEUC. É o caso para áreas de interesse para o patrimônio histórico, cultural e de preservação ambiental. Não construir é a função social da propriedade nesses casos” (Ministério das Cidades,2010,p.69). Já na prática, a cartilha da Caixa diz que se houver uma licença para intervenção nesses casos, o financiamento é aprovado. Uma clara realidade de que a Caixa não tem capacidade de controlar as conseqüências urbanísticas e sociais do programa. Figura 21 Incoerência teórica entre Min. Cidades e CEF (Min. Cidades, 2010 p.69) Em pesquisa de campo realizada na cidade de São Carlos-SP em novembro de 2012, foi constatado por entrevistas, que moradores de um condomínio fechado contratado pelo programa MCMV estão tendo que pagar taxas abusivas além do valor contratado, sob a pena do não recebimento das chaves dos imóveis. As taxas, que são altas, são por si só contra as regulamentações do MCMV, pois o mesmo permite o pagamento do valor total do imóvel apenas pelo órgão financiador, a CAIXA Econômica Federal. Essa realidade mostra o descumprimento do programa e da falta de fiscalização e poder de controle pelo órgão financiador. Outros condomínios entrevistados, também foram encontrados problemas na qualidade dos imóveis, e muitos 41 proprietários insatisfeitos com a qualidade dos materiais utilizados, com casos extremos de casas que estavam a fundação cedendo. Há também semelhanças entre as conseqüências econômicas do programa até então analisadas e as causa da crise do Subprime, às quais o programa Minha Casa Minha Vida veio para minimizar seus efeitos. São elas: o oferecimento de muito crédito, com baixas taxas de juros, que elevou a procura e conseqüentemente a valorização dos imóveis. A valorização dos imóveis financiou a bolha imobiliária, já que a grande procura elevou o preço dos imóveis. Todas essas características são comuns, tanto para as causas da crise do Subprime, quanto para os efeitos imediatos do programa Minha Casa Minha Vida. Na citação a seguir, ressalta-se em negrito as semelhanças entre as características do PMCMV com as crises do Subprime, no sentido de entender as causas da bolha imobiliária, que a mídia conservadora brasileira reluta em reconhecer. “Com o dinheiro injetado pelo exterior, os bancos passaram a oferecer mais crédito, inclusive a clientes considerados de risco. Aproveitando-se da grande oferta a baixas taxas de juros, os consumidores compraram muito, principalmente imóveis, que começaram a valorizar. "A expansão do crédito financiou a bolha imobiliária, já que a grande procura elevou o preço dos imóveis", diz Silber. Porém, depois disso, chegou uma hora em que a taxa de juros começou a subir, diminuindo a procura pelos imóveis e derrubando os preços. Com isso, começou a inadimplência, afinal, as pessoas já não viam sentido em continuar pagando hipotecas exorbitantes quando as propriedades estavam valendo cada vez menos.” (Simão Davi Silber, professor do departamento de economia da Universidade de São Paulo (USP), entrevista à Revista Abril, 2008) O texto em nada tem a ver com o PMCMV, sendo datado de 2008, antes da criação do mesmo e trata absolutamente apenas quanto às causas da crise do Subprime estadunidense. Ironicamente, o PMCMV veio um ano após a crise tentar reverter os reflexos da mesma no cenário nacional, porém utilizando os mesmos mecanismos de mercado que a geraram. "Suspeito que haja uma bolha imobiliária no Brasil", diz Robert Shiller do site InfoMoney. A bolha imobiliária já se sente há alguns anos, entretanto a grande mídia tratava até o 42 ano passado o assunto com desdém por defender os interesses dos beneficiários dessa bolha, os grandes proprietários de glebas urbanas. Figura 22 Imagem Folha: Tentativa de camuflar a bolha imobiliária (Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1154126-preco-de-imovel-e-irreal-e- insustentavel-diz-estudo.shtml 16/09/2012) http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1154126-preco-de-imovel-e-irreal-e-insustentavel-diz-estudo.shtml http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1154126-preco-de-imovel-e-irreal-e-insustentavel-diz-estudo.shtml 43 Culminando na publicação on-line de um blog pertencente a Revista Veja que através do “Blog Estamos Ricos” dados que comparam os preços brasileiros irreais com a realidade de outras localidades globais apenas em dezembro 2013. Se faz notório pela grande mídia o “antigo fato novidade” por razões de ano pré-eleitoral: “Os resultados obtidos são espantosos. Se alguém procura bons exemplos de que vivemos algo parecido a uma “bolha imobiliária”, trata-se de um prato cheio.” Walter, Blog “Estamos Ricos” Apresentado na coluna on-line de Ricardo Setti. Segundo dados e informações gentilmente cedidas pela Imobiliária Gorni, através de entrevistas e consultas aos seus arquivos mortos durante o mês de dezembro de 2013, o PMCMV inflacionou o preço dos terrenos e consequentemente o preço final dos imóveis, empurrando o programa para zonas cada mais periféricas, e/ou desvalorizadas e desprovidas de infraestruturas urbanas básicas da cidade. Os dados apurados se coadunam com a hipótese inicial da presente pesquisa de que a presença do PMCMV gera pressão inflacionária no preço da terra pela resultante dos seguintes e principais fatores: despreparo das secretarias municipais de planejamento; planos diretores municipais mal elaborados e/ou incompletos; ausência de instrumentos urbanísticos e/ou o não cumprimento dos mesmos; interesses financeiros das oligarquias e empreiteiras locais/nacionais; interesse geral do Governo Federal de que o PMCMV fomentasse a economia mesmo que às custas da inflação. Analisando os arquivos de contratos de compra e venda de terrenos na região norte da cidade de São Carlos, onde está presente o condomínio moradas, a evolução dos preços seguiu a seguinte ordem entre o período de janeiro de 2007 à dezembro de 2013: 44 Ano Lote (10x30) IGPM(FGV) 2013 150.000,00 71.094,97 2012 130.000,00 67775,97 2011 110.000,00 62.651,98 2010 85.000,00 59464,4 2009 65.000,00 52.997,88 2008 45.000,00 53.583,58 2007 45.000,00 49.014,32 Figura 23 Gráfico Evolução de preços terrenos (10x30m) em São Carlos-SP em relação ao avanço da inflação no período (IGP-M) 0,00 20.000,00 40.000,00 60.000,00 80.000,00 100.000,00 120.000,00 140.000,00 160.000,00 Lote (10x30) IGP-M (FGV) 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 (Fonte: Elaboração Geraldo, G.P.) No gráfico é possível acompanhar a evolução dos preços dos terrenos (metragem 10m x 30m) frente à evolução da inflação no período perante o Índice Geral de Preços do Mercado “IGP-M (FGV)”, calculado pela Calculadora do Cidadão do site do Banco Central do Brasil. A análise desse instrumento revela a situação irreal dos preços dos terrenos e consequentemente dos imóveis perante a evolução da inflação para o período. Segundo informações concedidas em entrevistas pelo proprietário da Imobiliária Gorni, Sr. Genésio, a pressão inflacionária “empurrou” o programa para os seguintes bairros: Bela Vista, Jd. Medeiros, Medeiros Expansão, 45 Jacobucci e Cidade Aracy, que e nível geral são bairros da zona leste e sul da cidade, enquanto o Plano Diretor de São Carlos dá como preferência de expansão urbana a então estudada zona norte. Em trabalho de campo é possível confirmar essa situação circulando pelas margens da malha urbana sãocarlense. São nas margens da malha urbana que estão presentas, de maneira dispersa, as construções vinculadas ao PMCMV. 46 8 O PMCMV e a Crise do Subprime A se pensar de onde provem os recursos para o Programa Minha Casa Minha Vida – PAC - e a maneira como propagandeou o Governo Federal desde o início do programa em todos os meios midiáticos quanto da importância que o MCMV teria na esfera econômica e habitacional, é de se questionar a viabilidade de um plano habitacional vinculado a um plano econômico. A sabedoria popular nos avisa, “A corda sempre estoura do lado mais fraco”, qual lado teria mais chances de se beneficiar da verba destinada. Ora, não é ingênuo pensar que um programa habitacional que visava desde o início a construção de um milhão de novas unidades habitacionais causaria um impacto “positivo” no PIB – positivo segundo a perspectiva tradicional da escassez que residem as análises econômicas, Silva, P.R. Consciência e Abundância –, e que obviamente movimentaria a economia. O cenário a que se refere, é o da segunda metade do segundo mandato do Governo Lula (2006- 09), onde a Crise do Subprime estadunidense assolava tanto as nações periféricas quanto as de economia central. No bojo dessa crise, grandes empresas estadunidenses como a General Motors e o Banco Morgan, necessitaram de intenso auxílio estatal para que não fechassem as portas e derrubassem ainda mais economia desde 2008. A necessidade da ajuda estatal, revela-se mais do que um intenso golpe às teorias neoliberais, como também serve importantemente como medida da intensidade das proporções que tal crise alcançou. Entretanto, enquanto as teorias neoliberais ruíam em seu próprio seio (EUA), o Brasil situava-se em situação econômica diferente no cenário mundial, inclusive e principalmente, perante às nações centrais. Um exemplo muito comentado à época, foi a capa impactante, bem como a reportagem de 14 páginas que a revista especializada “The Economist” realizou em fins do ano de 2009. A revista, não só considerou que o Brasil foi a primeira nação a sair da crise mundial do Subprime, como também os efeitos da mesma não foram tão significativos para economia brasileira enquanto a mesma esteve por aqui. De certo, o governo brasileiro à época estava munido de um planejamento 47 centralizado e estratégico que mitigaria os efeitos da mesma, se é que chegariam ao cenário nacional. À época, o então presidente Inácio Lula da Silva, qualificou que a tsunami, a crise, que assolava economias do mundo todo, se chegasse ao Brasil, viria sob a forma de uma “marolinha”. A frase ficou famosa, e o passar do tempo confirmou historicamente que o presidente estava correto. Mas porquê o governo brasileiro tinha tanta certeza em 2008 que mesmo diante de um furacão caótico que se apresentava a crise do subprime, não passaria para a economia brasileira como uma marolinha? Figura 24 Capa The Economist2009 (Fonte: The Economist 12/11/2009) 48 A resposta não é simples, e em economia não se pode atribuir fatores únicos frente problemáticas complexas, mas certamente dois fatores foram preponderantes: a melhor distribuição de renda alcançada nos anos precedentes (gestão 2002-05) que garantiu a uma maior parcela da população acesso ao crédito e ao consumo, mas com maior preponderância, o grande fator mitigador foi a introdução do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, na pauta central do planejamento nacional. Foi através de gigantescas quantias, que no final do ano 2012 já havia investido 386 Bi dos 900 Bi previstos para a segunda fase (PAC2) de investimento estatal direto na economia que foi possível a superação da crise. Inclusive a escolha de que áreas seriam o foco dos investimentos, garantiu o sucesso dos resultados. (Fonte: Folha de São Paulo 19/11/2012, referente aos balanços do Governo). Segundo a matéria do referido periódico desta data, o PMCMV liderava até então os gastos do PAC. A promoção do PAC sempre ocorreu como um pano de fundo de áreas sociais como a saúde, habitação, educação, e insfra- estruturas, mas que por trás se revela de maneira não muito obscura seu verdadeiro viés: o econômico. Figura 25 Comparação capas The Economist 2009/2013 49 (Fonte: Valor: http://www.valor.com.br/brasil/3284572/economist-critica-economia-brasileira) Já agora no final do ano de 2013, a mesma revista se questiona e o Brasil teria estragado todo o crescimento gerado pelo PAC ao longo dos governos Petistas, devido aos últimos resultados da balança comercial brasileira bem como do PIB. A revista The Economist tem tradição em servir como parâmetro de risco de investimento, então uma primeira análise recai sobre um possível interesse extrangeiro em aproveitar-se de flutuações financeiras decorrentes de especulações econômicas. Além disso, a mídia tem se tornado famosa internacionalmente pelo impacto que suas capas produzem e se difundem de maneira assustoramente rápida. Portanto, outra análise possível é quanto o interesse que a mídia requer em fazer alarde em cima de uma situação ao qual parece minimamente natural. O modo de produção capitalista, é reconhecidamente trabalhado por diversos autores como um modo de produção que depende de crises financeiras para concentrar renda, que ao que parece, é a real situação econômica brasileira para o ano de 2013, fechando um ciclo longo de aproximadamente dez anos de crecimento econômico, com uma atual estabilização. 50 9 O caso: Condomínio Moradas I Localizado na Zona 4B do Plano Diretor do município de São Carlos, o complexo habitacional do qual o condomínio Moradas I, ou “Moradas 40”, faz parte é composto por quatro condomínios que atenderiam as demandas das classes E à C, se não fosse pelas pressões inflacionárias. É conhecido popularmente também como “Moradas 40” pelo fato de possuir apenas quarenta metros quadrados de área construída, apesar de estar planejado para uma família de quatro pessoas. “O crescimento da cidade devora progressivamente as superfícies verdes limítrofes, sobre a quais se debruçavam as sucessivas muralhas. Esse afastamento cada vez maior dos elementos naturais aumenta proporcionalmente a desordem higiênica. Quanto mais a cidade cresce, as “condições naturais” são nela respeitadas. Por “condições naturais” entende-se a presença, em proporção suficiente, de certos elementos indispensáveis aos seres vivos: sol, espaço, vegetação. Uma expansão sem controle privou as cidades desses alimentos fundamentais, de ordem tanto psicológica quanto fisiológica. O indivíduo que perde contato com a natureza é diminuído e paga caro, com doença e decadência, uma ruptura que enfraquece seu corpo e arruína sua sensibilidade, corrompida pelas alegrias ilusórias da cidade. Nessa ordem de ideias, a medida foi ultrapassar no decorrer dos últimos cem anos, e essa não é a causa menor da penúria pela qual o mundo se encontra presentemente oprimido.” (Le Corbusier, 1993) Aqui podemos trabalhar com uma temática bastante abordada pelas empreiteiras: o bucolismo. São recorrentes as propagandas tentando atrair possíveis compradores sob a argumentação de uma proximidade com a natureza, áreas verdes e espaços amplos para a prática de esportes. A grande maioria dos condomínios atendidos pelo PMCMV, localiza-se às margens da malha urbana, ora dentro ora sendo incorporada por ela. Subentende-se então, que aquelas áreas antes preservadas e com vegetações nativas estavam minimamente preservadas. Na prática, observa-se que a vegetação original fora retirada, curso e drenagem passaram por obras de engenharia e agora 51 dependem de bombeamento para evitar enchentes ou refluxo do esgoto. As empreiteiras foram obrigadas a replantar as árvores derrubadas, porém, não se sabe se isso foi feito na mesma quantidade de abatimentos, bem como a manutenção das espécies nativas. Na figura abaixo pode-se comprovar as questões abordadas anteriormente: Figura 26 Macrozonas do Plano Diretor do Município de São Carlos-SP (F onte: Prefeitura Municipal de São Carlos) 52 Figura 27 Área ocupada pelo complexo de condomínios da Incorporadora Rodobens (Fonte: Prefeitura de São Carlos) O condomínio a que referimos consta na parte norte da cidade, é denominado Moradas I, faz parte d um complexo de condomínios de uma grande empreiteira vinculada a Holding do Grupo Verdi, mais precisamente localizado na Zona 4B Leste, conforme figura X. A área é determinada como adequada para expansão da malha urbana segundo o plano diretor de São Carlos, porém as moradias, apesar de seguir as regras da CEF possuem baixa qualidade e pouco espaço de vivência para uma família de quatro pessoas que é o padrão do PMCMV como pode-se observar na planta do imóvel na imagem abaixo. 53 Figura 28 Planta do Imóvel “Moradas 40” (Fonte: CD-ROM Moradas 40) Aqui o modelo da planta conjugada, as casas são geminadas e construídas em “vagões” de seis casas. O nível de especialização é alto e em entrevista com o setor de desenvolvimento de produção, o engenheiro responsável Jonas Marini, revela que há um departamento específico para o desenvolvimento da produção visando o desenvolvimento de materiais ou processos que diminuam os custos e aumentem a velocidade das obras. Nesse caso, o procedimento usado para a construção das unidades habitacionais desse condomínio é através de “vagão”, jargão utilizado para identificar que ao mesmo tempo são construídas seis casas. Há um molde, uma forma, e adentro da mesma é injetado cimento. A média é que a cada oito funcionários construam um vagão de seis casas a cada vinte e quatro horas. São doze horas para montagem e doze horas de secagem do cimento. Cada funcionário 54 tem uma especialização (elétrica, forma, banheiro, hidráulica, etc). Com isso reduz-se os custos e amplia-se o lucro ao máximo, parafraseando Marx. Dados mais precisos desse processo de montagem podem ser encontrados no site (http://equipedeobra.pini.com.br/construcao-reforma/37/casas-com-paredes-de- concreto-220698-1.aspx) Também foram encontradas evidências de obrigatoriedade ágio para a compra do imóvel conforme entrevista à proprietários, bem como acesso aos contrato de compra e venda. A comparação do contrato entre a CEF e o comprador, com o contrato da incorporadora e a parte contratante, revela a existência de ágio mesmo quando o valor não extrapola o limite estipulado pela CEF, que no caso para o município de São Carlos era de R$ 80.000 para o ano de 2011. Os valores não conferem quando comparados os registros de compra e venda, sendo pelo Registro em Cartório considerado o valor de R$ 66.041,03; distorção de R$ 65.000,00 à R$ 72.670,00 pela proposta inicial; R$ 70.126,55 à R$ 75.253,10 pelo contrato entre a Incorporadora e a parte contratante; e R$ 73.833,84 pelo contrato realizado entre a CEF e a parte contratante. A distorção dos valores, comprova a prática de ágio, mesmo quando o valor não atinge o limite estipulado pela CEF (Ver documentos Anexos). Essa prática é um dos motivos que corroboram para a inflação do preços dos imóveis, afastando as classes D e E do acesso ao programa. Outro ponto a ser avaliado é o preço pago referente ao preço do terreno, que no caso consta o valor de R$ 3.529,44, valor considerado extremamente baixo, mesmo se considerando a pequena extensão do terreno, 80 m². O baixo valor do terreno reforça a alta lucratividade do empreendimento, somado ainda ao fato do alto nível especialização produtividade empregado. O morador se vê ilhado dentro de seu próprio imóvel, pois segundo informações na minuta do condomínio, não é possível expandir verticalmente a área útil da unidade habitacional, o que somado ao pequeno espaço do terreno condena definitivamente o proprietário aos 40 m² de área útil. Como todos os imóveis do PMCMV são destinados à famílias de quatro pessoas, chega-se a um valor espacial médio de 10 m² de área privativa por pessoa, impróprio ao habitar familiar, podendo ser comparado ao fracassado plano BNH. E questionasse http://equipedeobra.pini.com.br/construcao-reforma/37/casas-com-paredes-de-concreto-220698-1.aspx http://equipedeobra.pini.com.br/construcao-reforma/37/casas-com-paredes-de-concreto-220698-1.aspx 55 também a validade e efetividade do uso dos instrumentos urbanísticos presentes no Plano Diretor municipal que poderiam e deveriam regular o uso do solo a fim de controlar a especulação imobiliária e o melhor aproveitamento das áreas já providas de infraestrutura. Em anexo a esse trabalho se encontra tabela cedida pela Secretaria de Planejamento municipal relatando a disparidades entre os condomínios de alto, médio e baixo padrão. Segundo a própria prefeitura, existem empreendimentos onde o tamanho mínimo do lote chega a 62,45 m², o que se revela um verdadeiro descaso da prefeitura com a sanidade e a qualidade de vida dos citadinos. 56 10. Considerações Finais Considera-se, primordial a compreensão primeira, dos limites paradigmáticos das correntes Urbano-modernistas e marxistas para a compreensão do escopo abordado na presente pesquisa, sem os quais, a análise final dos resultados ficaria escassa. Apesar de em muitos momentos serem contraditórias, as duas correntes filosóficas se mostram complementares para uma compreensão que vislumbra uma concretude holística do tema. Sem o auxílio das duas correntes, não seria possível compreender tanto a importância que se faz da unidade habitacional, quanto da não garantia que o Estatuto da Cidade - bem como seus instrumentos - tem em manter a ordem urbana e coibir as desigualdades espaciais; sendo essas melhor explanadas pela corrente marxista. A possibilidade da pluralidade metodológica pode ser melhor entendida através das proposições de Paul Feyerabend, onde na obra Contra o Método, o autor trabalha paradoxalmente, paradigmas das ciências naturais e sociais, e que em pesquisa essa “metodologia informal” corrobora na intenção de confrontar correntes filosóficas contrastantes numa tentativa de abordar a temática holisticamente. Constata-se, portanto, que possíveis alternativas à curto prazo poderiam melhorar a distribuição e qualidade do programa para as camadas que mais necessitam seria a aplicação na prática dos instrumentos urbanísticos, de todos ou pela boa parte deles, e a abertura do programa para imóveis usados. No caso da cidade de São Carlos-SP, os recursos vem sendo utilizados nos últimos anos (2011-2012). A utilização dos recursos do FAR resultaram na criação de um novo bairro, chamado Zavaglia, onde mil unidades residências foram construídas beneficiando famílias de menor poder aquisitivo pré- cadastradas. Essas famílias, que já estão ocupando os imóveis, apesar de algumas reclamações, estão muito satisfeitas com o custo qualidade dos imóveis e da oportunidade do imóvel próprio a um preço que eles realmente podiam pagar. As parcelas não excedem os centro e cinquenta reais, entretanto o mais comum sejam as parcelas de cinquenta reais, não excedendo o limite de dez mil reais para o valor total do imóvel. O FAR é a parte interessante do ponto de vista social e habitacional do programa MCMV, 57 e onde deveria-se haver mais atenção e uso de verbas. Porém, como fica a cargo das prefeituras o cadastramento das famílias de baixa renda, escolha do local, e outros problemas burocráticos, o FAR ainda não é uma realidade em todos os municípios. Mais além, outras opções seriam possíveis para minimizar os efeitos negativos do programa, como formular o programa de uma maneira mais gradual, planejada, para que à longo prazo os resultados fossem mais eficazes. Os subsídios poderiam ser menores e liberados mais gradualmente, principalmente agora já passados mais de três anos e meio de programa. O que não confere com a proposta para a próxima gestão do governo, que é de dobrar os recursos para o programa, que colaborarão ainda mais para esse cenário de especulação e ausência de planejamento urbano e social. De forma gradual, o programa atingiria com mais exatidão e com mais qualidade urbano- social as classes onde o déficit habitacional é maior, e de maneira menos onerosa e arriscada para os cofres públicos. Do ponto de vista econômico, o programa, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foi e está sendo importante para minimizar os efeitos da crise e estabilizar a economia, fazendo com esta fosse aclamada pela mídia internacional especializada e reconhecida como a primeira economia a estar livre da crise pela revista inglesa The Economist. Também serviu como um estímulo ao setor habitacional, que nem sempre é acostumado a dispor de grandes recursos, aumentando significativamente o volume de financiamento de residências. Apenas no ano de 2011 foram gastos 10 bilhões de reais, representando a quantia de 457 mil unidades residências. Segundo o governo, o investimento até 2014 somará o montante de 75 bi, sendo que 36 bi foram dispendidos para a primeira fase do programa (2009-2012). Enfatiza-se, portanto, o motivo econômico da criação do programa, sua aceleração e capacidade de interferência nos indicadores de massa salarial, incorporação da força de trabalho, dinamização das atividades econômicas do que os impactos gerados na espacialidade urbana e na organização dos sistemas de gestão destas interferências. O discurso é que economicamente o país ganhou, e habitacionalmente, mais de um milhão de novas residências, 58 como é propagandeado pelo governo na mídia e até como pré-campanha, mas de qualidade duvidosa, sem planejamento da expansão da malha urbana, do acesso às infraestruturas, em muitos casos estimulando até a criação de condomínios fechados, que reforçam a segregação social e dificulta o planejamento urbano, o trânsito, o acesso, a liberdade de ir e vir e consequentemente o Direito à Cidade. 59 11. Referências ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: notas sobre os aparelhos ideológicos de Estado. Tradução: Walter José Evangelista e Miria Viveiros de Castro, introdução de José Augusto Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985 Arantes, O.; Vainer, C.; Maricato, E. A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. CARDOSO, A. L. - Política Habitacional no Brasil: balanço e perspectivas – Observatório das metrópoles, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: Acessado em 21/10/2010. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF) – Cartilha Programa Minha Casa Minha Vida, 2009. Disponível em: http://www1.caixa.gov.br/download/asp/download.asp, Acessado em 16/10/2010 Feyerabend, P. Contra o Método Disponível em: Acessado em 04/07/2013 JUNIOR, O. A. S. e MARICATO, E. - Construindo a Política Urbana: participação democrática e o direito à cidade - Teoria e Debate, n.º 66, abr-jun 2006. Disponível em: Acessado em 21/10/2010. LE CORBUSIER, Pseud de Charles Edouard Jeanneret-gris. Planejamento Urbano. 3. Ed. São Paulo: Perspectiva, 1984. http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/download/adauto_polhab_brasil.pdf%3e http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/download/adauto_polhab_brasil.pdf%3e 60 LE CORBUSIER, Pseud de Charles Edouard Jeanneret-gris. Carta de Atenas. São Paulo: Hucitec, 1993. LEFEBVRE, H. A Re-Produção das Relações de Produção. Tradução de Antonio Ribeiro e M. Amaral. Porto: Escorpião, 1973, MARICATO, E. – Metrópole, Legislação e desigualdade – Estudos Avançados, São Paulo, 2003. Disponível em: Acessado em 30/11/2010 MARICATO, E. Metrópole na periferia do capitalismo, Editora Hucitec, São Paulo, 1996 SANTOS, Milton. Por uma economia política da cidade. SP: Hucitec /Educ, 1994. SANTOS, Milton. Manual de Geografia Urbana. São Paulo: Hucitec, 1981. SANTOS, Milton. O meio técnico-científico e a redefinição da urbanização brasileira. Projeto de pesquisa apresentado ao CNPQ. 1986 ROLNIK, R. Como produzir moradia bem localizada com os recursos doPrograma Minha Casa Minha Vida? Implementando os Instrumentos do Estatuto da Cidade, Brasília: Ministério das Cidades – 2010. Disponível em: Acessado em 17/11/2010 http://www.scielo.br/pdf/ea/v17n48/v17n48a13.pdf%20acessado%20em%2012/11/2010 http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/programas-e-acoes/mcmv/minha-casa-minha-vida http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/programas-e-acoes/mcmv/minha-casa-minha-vida 61 VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 2001 Sites: Banco Central do Brasil – Calculadora do Cidadão Disponível em :< http://www.bcb.gov.br/?CALCULADORA> Equipe de Obra – Técnica de Pré-moldagem em construção civil. Disponível em: Acessado em 09/01/2014 Infomoney – Disponível em: http://www.infomoney.com.br/minhas- financas/imoveis/noticia/2941708/suspeito-que-haja-uma-bolha-imobiliaria- brasil-diz-robert-shiller> Acessado em 02/09/2013 MRV – a MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A. Disponível em: Acessado em 07/01/2013 Prefeitura de São Carlos. Dados históricos e demográficos. Disponível em: Prefeitura de São Carlos. Plano Diretor do Município de São Carlos. Disponível em: Revista escola – Editora Abril. Disponível em: Acessado em 22/10/2010 http://www.bcb.gov.br/?CALCULADORA http://equipedeobra.pini.com.br/construcao-reforma/37/casas-com-paredes-de-concreto-220698-1.aspx http://equipedeobra.pini.com.br/construcao-reforma/37/casas-com-paredes-de-concreto-220698-1.aspx http://www.infomoney.com.br/minhas-financas/imoveis/noticia/2941708/suspeito-que-haja-uma-bolha-imobiliaria-brasil-diz-robert-shiller%3e%20Acessado%20em%2002/09/2013 http://www.infomoney.com.br/minhas-financas/imoveis/noticia/2941708/suspeito-que-haja-uma-bolha-imobiliaria-brasil-diz-robert-shiller%3e%20Acessado%20em%2002/09/2013 http://www.infomoney.com.br/minhas-financas/imoveis/noticia/2941708/suspeito-que-haja-uma-bolha-imobiliaria-brasil-diz-robert-shiller%3e%20Acessado%20em%2002/09/2013 http://www.mrv.com.br/borghesi/ http://www.saocarlosoficial.com.br/ 62 Rodobens imóveis- Grupo Verdi Holding AS Disponível em: < http://rodobensimoveis.com.br/> Acessado em 07/01/2014 Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano - SEDHAB. Disponível em: Acessado em 10/12/2013 UOL – Folha do Estado de São Paulo. Disponível em: <(http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1154126-preco-de-imovel-e-irreal-e- insustentavel-diz-estudo.shtml> Acessado em16/09/2012 UOL – Folha do Estado de São Paulo – Caderno On-line Mercado. Disponível em: Acessado em 13/12/2013 VALOR - JORNAL VALOR Disponível em:ht