RESSALVA Atendendo solicitação do(a) autor(a), o texto completo desta dissertação será disponibilizado somente a partir de 25/11/2026 . UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS SÂMIA SOUZA CARVALHO A DIALÉTICA DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NA SOCIEDADE INFORMACIONAL FRANCA 2022 SÂMIA SOUZA CARVALHO A DIALÉTICA DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NA SOCIEDADE INFORMACIONAL Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Sistemas Normativos e Fundamentos da cidadania. Linha de pesquisa: Cidadania Civil e Política e Sistemas Normativos. Orientador: Prof. Dr. Daniel Campos de Carvalho FRANCA 2022 C331d Carvalho, Sâmia Souza A dialética do direito ao esquecimento na sociedade informacional / Sâmia Souza Carvalho. -- Franca, 2022 203 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca Orientador: Prof. Dr. Daniel Campos de Carvalho 1. Direito ao esquecimento. 2. Sociedade Informacional. 3. Desindexação na internet.. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. SÂMIA SOUZA CARVALHO A DIALÉTICA DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NA SOCIEDADE INFORMACIONAL Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Sistemas Normativos e Fundamentos pesquisa: Cidadania Civil e Política e Sistemas Normativos. BANCA EXAMINADORA Presidente:_____________________________________________________ Prof. Dr. Daniel Campos de Carvalho, UNESP/UNIFESP 1º Examinador:_________________________________________________ Prof. Dr. João Alberto Alves Amorim, UNIFESP 2º Examinadora: _______________________________________________ Prof. Dra. Helena Maria Zanetti de Azeredo Orselli, FURB Franca, 25 de novembro de 2022. AGRADECIMENTOS À Izolina de Souza a quem admiro pela bravura e cujos ensinamentos me são transmitidos diariamente. Aos professores e servidores do programa de pós-graduação em direito da UNESP de Franca que possibilitaram a melhora em minha formação acadêmica. Agradecimentos especiais à Profª. Dra. Helena Maria Zanetti de Azeredo Orselli pelas preciosas contribuições no Exame de Qualificação e na Defesa. Ao Prof. Dr. João Alberto Alves Amorim pelo excelente diálogo na ocasião da Defesa. Ao professor Dr. Murilo Gaspardo pela generosa colaboração no Exame de Qualificação. Também, aos professores: Dr.Arno Dal Ri Júnior, Dr. Alexandre Walmott Borges e a professora Dra. Patricia Borba Marchetto. A Yago Teodoro Aiub Calixto que me conduziu em muitos momentos dessa caminhada. À Taysa Pacca Ferraz de Camargo e Caio Pacca Ferraz de Camargo por toda parceria nos trabalhos acadêmicos além do suporte emocional. Ao querido Profª. Dr. Daniel Campos de Carvalho, referência nos estudos em déficit democrático e meu orientador nessa jornada, a quem admiro pela inteligência, competência acadêmica e profissional, além de, ser pioneiro em seu tema de estudo. Agradeço a generosidade de compartilhar suas ideias sobre cidadania e processos democráticos. Sobretudo, agradeço ao prof. Daniel por acreditar em meu potencial de pesquisadora mesmo quando eu não acreditava. “Por mais fundado que seja o nosso reconhecimento do que há de útil e de racional na organização da vida política e civil evoluída, jamais poderemos renunciar à exigência de uma liberdade individual e de uma independência vivente e real, nem esconder o interesse que esta liberdade e esta independência têm para nós”. (Hegel) CARVALHO, Sâmia Souza. A dialética do direito ao esquecimento na sociedade informacional. 2022. 203 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2022. RESUMO A presente pesquisa tem por objetivo geral examinar a pertinência da coexistência do direito ao esquecimento e ao não esquecimento na sociedade informacional. O trabalho cujo limite temporal é a web 2.0 se desenvolverá por meio de pesquisa bibliográfica e o método de abordagem utilizado será o dialético a fim de responder a questão central que se coloca: o direito ao esquecimento e ao não esquecimento são simultaneamente relevantes na sociedade informacional? A lógica que se tentou aplicar é própria do método dialético e busca a conexão dos elementos sociais, econômicos, políticos e jurídico os quais geram a unidade da realidade social de um dado momento. O que se visa é a harmonia resultante desse processo de conflito, logo, será extraída a unidade entre os opostos. Será feito uso de normativas como o Marco Civil da Internet, Constituição Federal, Convenção Americana sobre Direitos Humanos e General Data Protection Regulation além de jurisprudências brasileira, americana e europeia. Propõem-se os seguintes capítulos: primeiro, se parte da tese do direito ao esquecimento a qual possui como fundamentos a privacidade, a gestão da reputação online, direito de ser deixado em paz e autodeterminação informativa, para, na sequência, negá-la com a antítese. A negação da tese se dará, no segundo capítulo, através do direito ao não esquecimento que tem como bases a não censura pelos buscadores, direito à memória e à informação bem a liberdade de expressão. Neste ponto, a discussão é entre o direito individual de ser esquecido (apresentado na tese) e o coletivo à permanência da informação (apresentado na antítese por meio do não esquecimento). No terceiro capítulo, a ideia é enfrentar os pensamentos opostos apresentados nos capítulos anteriores reunindo os elementos que são barreiras para a concretização dos direitos em tela. A proposta de hipótese desta pesquisa é que numa síntese harmonizadora os direitos ao esquecimento e ao não esquecimento são simultaneamente relevantes na sociedade informacional, mas ambos encontram barreiras para sua concretização. Ao final, conclui-se que se ambas, tese e antítese, possuem barreiras para a sua consumação a solução não está na reafirmação da tese. Ao buscar o equilíbrio para a coexistência desses direitos opostos, reunindo tese com antítese, a conclusão, e nesse caso, também síntese, para o atual momento, pode ser a disseminação de uma cultura centrada no individuo, o ponto comum, portanto, a unidade dialética. Nesse caso, propõe-se que os indivíduos podem aprender a conviver com a ideia de que não existe eliminação de dados existentes na internet e que não se deve discriminar o outro por conta de uma informação virtual desfavorável. Além disso, este estudo é justificável e relevante, pois, intenciona compreender as questões sociais colidentes cujo embate individual e coletivo possui cenário interdisciplinar bastante complexo não se projetando uma ótica exclusivamente jurídica acerca do tema. Palavras-chave: Direito ao esquecimento. Sociedade informacional. Desindexação na internet. CARVALHO, Sâmia Souza. A dialética do direito ao esquecimento na sociedade informacional. 2022. 203 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2022. ABSTRACT The general objective of this research is to examine the relevance of the coexistence of teh right to be forgotten and the right of not to be forgotten in the information society. Will work with a time limit on web 2.0 and be developed through bibliographic research and the approach method used will be dialectical in order to respond to the central question that is placed: are the right to be forgotten and the right of not to be forgotten simultaneously relevant in the information society?The logic that was apllied implies the dialectic method itself and seeks to connect elements as social, economic, political and legal that are capable to generate unity of the social reality in a given moment. What is pursuit is the harmony resulting from the conflict process, so, will be extracted the unity between the opposites. Some regulations such as Marco Civil da Internet, Constituição Federal, American Convention on Human Rights and General Data Protection Regulation along with Brazilian, American and European jurisprudence will be used. The following chapters will be proposed: first, starts from the thesis of the right to be forgotten that has as its grounds the privacy, the management of online reputation, the right to be let alone and self-determination information, to, in sequence, deny the antithesis. The denial of the thesis will be given, on the second chapter, through the right of not to be forgotten that is based on the non-censorship of search engines, right to memory and information also in the freedom of speech. At this point, the discussion is between the individual right to be forgotten (presented in the thesis) and the collective right to information (represented in the antithesis by the right of not to be forgotten). In the third chapter, the idea is to face the opposite thoughts presented in the previous chapters, bringing together the elements that are barriers to the realization of two rightsin question. A hypothetical proposal of this research is that in a harmonizing synthesis the rights to be forgotten and not to be forgotten are simultaneously relevant in the information society, but both find barriers to their concretization. In the end, concludes that if both, thesis and antithesis finds obstacles for its consummation the solution is not in reaffirmation of the thesis. To seek the balance for the coexistence of opposite rights, bringing together thesis with antithesis, in conclusion, and in this case, also synthesis, for the current moment, it can be the dissemination of an individual centered culture, which is the common point between the oposistes, therefore, the dialectics unity. In this case, it is proposed that individuals can learn to live with the idea that there is no elimination of existing data on the Internet and that one should not discriminate others because of unfavorable virtual information. Furthermore, this study is justifiable and relevant, because it intends to understand the colliding social issues whose individual and collective shocks it has quite complex interdisciplinary scenario without projecting an exclusively legal perspective on the subject. Palavras-chave: Right to be forgotten. Information Society. Right to be delisted. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................09 1 TESE: DO DIREITO AO ESQUECIMENTO..................................................................42 1.1 Do contexto histórico-jurídico e da nomenclatura.........................................................49 1.2 Dos provedores de pesquisa.............................................................................................66 1.3 Privacidade, gestão da reputação online, direito de ser deixado em paz e autodeterminação informativa...............................................................................................70 2 ANTÍTESE: DO DIREITO AO NÃO ESQUECIMENTO..............................................87 2.1 Da não censura pelos buscadores....................................................................................88 2.2 Do direito à memória e à informação..............................................................................95 2.3 Da liberdade de expressão................................................................................................97 3 SÍNTESE: ENTRAVES PARA CONCRETIZAR TESE E ANTÍTESE.....................108 3.1 Falta de base legal para o direito ao esquecimento em alguns ordenamentos....... 109 3.2 “Efeito Streisand” e a impossibilidade da aplicação extraterritorial do direito em tela....................................................................................................................................... 112 3.3 Do enfraquecimento da privacidade.............................................................................119 3.4 Da não censura pelos buscadores?............................................................................. 122 3.5 Do enfraquecimento da liberdade de expressão.......................................................... 134 3.6 Esforços e tendências para os intermediários online.................................................. 150 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................168 REFERÊNCIAS....................................................................................................................174 9 INTRODUÇÃO Em 2010, o então CEO da Google, Eric Schimdt disse: “nós não precisamos que você digite porque nós sabemos onde você está, com a sua permissão, nós sabemos onde você esteve, com a sua permissão, e nós podemos mais ou menos saber o que você está pensando". (SCHMIDT, 2011, n.p, tradução nossa). Nesse cenário, incorpore-se a mercadoria da atualidade dados pessoais obtidos em profusão, parca regulamentação jurídica e acesso a internet, de modo que, qualquer pessoa com acesso a internet pode postar, compartilhar ou pesquisar um conteúdo seja sobre ele mesmo ou sobre terceiros. No entanto, para que tal conteúdo esteja disponível online é preciso a intermediação por um provedor de serviço online (PSOs). Os intermediários desses serviços são importantes para a maioria dos usuários. Difícil não fazer ao menos uma busca diária por informação no Google. Nessa seara, algumas plataformas fazem a mediação do conteúdo disponível na internet e impactam a vida pública e privada das pessoas. Ainda que, a internet seja considerada livre e aberta a experiência dos usuários é mediada pelos provedores no uso de suas plataformas. Assim, a pesquisa será desdobrada, a partir desse quadro social, considerando a sociedade da informação que, ironicamente, apesar de todas as notícias e estudos dos quais dispõe, não sabe o que realmente acontece por trás de uma busca no Google ou como o Facebook redireciona seus anúncios ou quais aplicativos vêm pré-instalados em seus dispositivos. Acerca da sociedade da informação veja-se a reflexão de Byung- Chul Han: “Mais informação não leva necessariamente a melhores decisões. [...] Mais informação e comunicação não esclarecem o mundo por si mesmo”. (HAN, 2018, p.105) Embora, essa questão possa parecer muito atual, em 1944, na primeira edição de “Dialética do Esclarecimento” Adorno e Horkheimer já tentavam decifrar a condição do homem em meio ao progresso da técnica e da informação: “A enxurrada de informações precisas e diversões assépticas desperta e idiotiza as pessoas ao mesmo tempo”. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.15) Com o avanço dos sistemas digitais e com a circulação acelerada de informações foi necessário organizar o conteúdo armazenado no espaço cibernético fazendo surgir os provedores de busca. Nessa esfera, será destacada a onipresença dos motores de busca e o importante papel desempenhando por eles na organização do conteúdo informacional. Tal sociedade digital produziu com a velocidade e excesso de informações a transparência. Esta 10 última é pressuposto de todo sistema digital, posto que, um dos fenômenos desse processo é armazenar e gravar os dados bem como a facilidade em recuperá-los. Nesse panorama, passa-se a apresentar, a seguir, o recorte social e histórico representado pelo conceito de sociedade informacional. Neste ponto, toma-se por empréstimo a distinção apresentada por Castells entre sociedade informacional e sociedade da informação e aproveita-se da síntese do mesmo autor Gostaria de fazer uma distinção analítica entre as nocções de “sociedade da informação” e “ sociedade informacional” com consequências similares para a economia da informação e economia informacional. O termo sociedade da informação enfatiza o papel da informação na sociedade. Mas afirmo que informação,em seu sentido mais amplo,por exemplo, como comunicação de conhecimentos , foi crucial a todas as sociedades, inclusive à Europa medieval que era culturamente estruturada e ,até certo ponto,unificada pelo escolasticismo, ou seja no geral uma infra-estrutura intelectual( ver Southern 1995). Ao contrário, o termo informacional indica o atributo de uma forma especifica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissao da informação tornam-se fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico. Minha terminologia tenta estabelecer um paralelo com a distinção entre indústria e industrial. Uma sociedade industrial (conceito comum na tradição sociológica) não é apenas uma sociedade em que há indústrias, mas uma sociedade em que as formas sociais e tecnologicas de organização industrial permeiam todas as esferas de atividade, começando com as atividades predominantes localizadas no sistema econômico e na tecnologia militar e alcançando os objetos e hábitos da vida cotidiana. Meu emprego dos termos “sociedade informacional” e “economia informacional” tenta uma caracterização mais precisa das transformações atuais, além da sensata observação de que a informação e os conhecimentos são importantes para a nossas sociedades. Porém, o conteúdo real de “sociedade informacional” tem que ser determinado pela observação e análise. É exatamente esse o objetivo deste livro. Por exemplo, uma das características principais da sociedade informacional é a lógica de sua estrutura básica em redes, o que explica o uso do conceito de “sociedade em rede”, definido e especificado na conclusão deste volume. Contudo, outros componentes “da sociedade informacional”, como movimentos sociais ou o Estado, mostram caracteristicas que vão além da lógica dos sistemas de redes, embora sejam muito influenciadas por essa lógica, típica da nova estrutura social. Dessa forma, “a sociedade em rede” não esgota todo o sentido de “ sociedade informacional”. Finalmente, porque, após todas essas definições precisas mantive a era da informação como titulo geral do livro sem incluir a Europa medieval em minha investigação? Títulos são dispositivos de comunicação. Devem ser agradáveis ao leitor, claros o suficiente para que ele possa imaginar qual o tema real do livro e, redigido de forma que não se afaste demais da estrutura de referencia semântica”. (CASTELLS, 2002,p.64-65) A aplicabilidade dessa extensa citação deveu-se, sobretudo, pela incapacidade de exprimir o conteúdo ora apresentado de forma completa e sintética de um dos termos que compõem o titulo e, portanto, caracterizam, dentre outras coisas, o recorte histórico e social deste trabalho. Além disso, outro fator que levou a escolha pela nomenclatura foi à existência da “Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação” (CSMI) realizada em Genebra, em 2003, e posteriormente em Túnis, em 2005 que tinha por foco as políticas de informação . A 11 CSMI foi organizada pela União Internacional de Telecomunicações (UIT) e convocada pela ONU após a solicitação de vários países pela interferência de um órgão superior dada a capacidade da informação para atuar como exercício de poder, nessa esteira, discutia-se o acréscimo de politicas públicas para a democratização do acesso digital além do uso, controle e gerência das informações. (MARQUES; PINHEIRO, 2013, p.117). A primeira fase da Cupula que declarou os princípios de Genebra situava a construção da sociedade da informação como um desafio global para o novo milênio. (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2014,p. 16). No mesmo encontro definiu-se que 2015 seria o prazo para cumprimento das metas estabelecidas em 2003(COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2014, p.105), portanto, não há que se duvidar da subsistência dessas terminologias na comunidade internacional, quais sejam, “sociedade informacional” e” sociedade da informação”. Assim, determinado o que se entende por sociedade informacional é válido indicar que, talvez, a coletividade atual esteja mais inclinada a mergulhar no que Deleuze chamou de “ sociedade do controle”. O uso da palavra “talvez” aqui foi empregado propositadamente porque não constitui objetivo deste trabalho comprovar que já se vive na sociedade do controle. Contudo, do ponto de vista conceitual e filosófico um argumento também coerente seria empregar “sociedade do controle” já que se pretende abordar, dentre outras questões, a onipresença dos buscadores de internet na sociedade atual os quais podem sob certa perspectiva serem considerados mecanismo de controle. Essa discussão é complexa e retornará mais adiante, no primeiro capítulo. 1 Neste momento introdutório, o que se deve ter em mente, em síntese, é que o controle social 2 não é mais, apenas, físico, assim, a vigilância também se daria por meio da análise do conjunto informacional, de “Chamadas telefônicas, compras de passagem aérea, câmbio, transferência financeira, uso de cartão de crédito, etc”. Segundo Costa o que importa é o padrão de acesso dos indivíduos dentro de uma amostra transformando as pessoas em códigos digitais e, segundo o mesmo autor, tal é um modelo de controle sofisticado utilizado pelas sociedades atuais. (COSTA, 2004, p.162) 1 Sibilia já abordou a questão dos buscadores com a sociedade do controle de Deleuze. Cf. SIBILIA, Paula. Você é o que Google diz que você é: a vida editável, entre controle e espetáculo. Intexto. Programa de Pós-graduação em Comunicação. UFRGS. Porto Alegre, n. 42, p. 214–231, 2018. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/intexto/article/view/75091. Acesso em: 8 maio .2022 2 Deve –se considerar que a noção de controle social não é homogênea Cf. ALVAREZ,Marcos César. Controle social: notas em torno de uma noção polêmica. 2004.Disponivel em: https://www.scielo.br/j/spp/a/9LR98KWMVgWznFVxrKkh3Dz/?lang=pt. Acesso em: 12 jun.2022 12 Costa em boa síntese recuperando a sociedade do controle de Deleuze, explica que na sociedade disciplinar, anterior a de controle, vigiar estava relacionado a espionar os passos das pessoas, era uma perseguição do movimento espacial, portanto, físico. Vigiar passou a significar, sobretudo, interceptar, ouvir, interpretar. Com a explosão da web alguma coisa está mudando. Devido à nova forma como as informações são estruturadas, em rede e reproduzidas em n pontos, acabamos gerando uma nova forma de vigilância, que se preocupa em saber de que modo essas informações estão sendo acessadas pelos indivíduos. Parece que o mais importante agora é a vigilância sobre a dinâmica da comunicação não apenas entre as pessoas, mas sobretudo entre estas e as empresas, os serviços on-line, o sistema financeiro, enfim, todo o campo possível de circulação de mensagens. O que parece interessar, acima de tudo, é como cada um se movimenta no espaço informacional. Isso parece dizer tanto ou mais sobre as pessoas do que seus movimentos físicos ou o conteúdo de suas mensagens. A vigilância constante sobre as trilhas que os indivíduos deixam na web, por exemplo, tornou-se objeto de inúmeras discussões e especulações. Afinal, quem somos nós? Para onde vamos, o que fazemos, o que dizemos? Ou o que pensamos? O modo como nos deslocamos por entre informações revela muito do como pensamos, pois mostra como associamos elementos díspares ou semelhantes. O tracking generalizado nos chama a atenção. Há uma espécie de vigilância disseminada no social, já que todos podem, de certa forma, seguir os passos de todos. O controle exercido é generalizado, multilateral. As empresas controlam seus clientes; as ONGs controlam as empresas e os governos; os governos controlam os cidadãos; e os cidadãos controlam a si mesmos, já que precisam estar atentos ao que fazem. (COSTA, 2004, p.164, grifo nosso) Zuboff, também, escreve sobre o assunto da vigilância, porém, sob a ótica econômica. Ela esclarece exemplos de dados que podem ser coletados: de transações econômicas, comercias, bancos de dados governamentais e corporativos, incluindo aqui, segundo a autora, operações de plano de saúde, avaliação de crédito, companhias aéreas, dentre outros. Ela acrescenta as câmeras de vigilância privadas e públicas e atividades não mercantis, como, pesquisa em buscadores, músicas bem como páginas de rede sociais. Isto é, todas essas atividades são fontes de dados que podem ser agregados e analisados. (ZUBOFF, 2018, p27- 30).A autora lembra uma entrevista, de 2009, em que, o presidente da Google, Eric Schmidt afirmou que os mecanismos de buscas retêm históricos de pesquisa individual de modo que essas informações poderiam ser disponibilizadas para o governo e também para suas agências de segurança públicas 3 .(ZUBOFF,2018,p17) 3 O artigo original foi publicado em 2015 no Journal of Information Technology.Contudo, para este trecho foi utilizada a tradução de Antônio Holzmeister Oswaldo Cruz e Bruno Cardoso produzida para a obra Tecnopolíticas da Vigilância: perspectivas da margem publicada . Cf.ZUBOFF, Shoshana. Big Other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de informação. Tradução de Antônio Holzmeister Oswaldo Cruz e Bruno Cardoso. In:BRUNO, Fernanda et al(Org). Tecnopoliticas da Vigilância: perspectivas da margem. 1. Ed. São Paulo: Boitempo, 2018. Dados da Publicação Original: “Big Other: surveillance capitalismo and the prospects of na information civilization” Journal of Information.Technology.v.30,2015,p.75-89 13 Ademais, ainda, no que tange ao controle social é possível realizar um dialogo com a Teoria Crítica marcuseana 4 em que as formas de controle social estão ligadas a dominação dos indivíduos nas sociedades capitalistas [...] sempre novas formas de controle são criadas em estreita relação com a formação de uma racionalidade -a racionalidade tecnológica -, que é uma racionalidade técnica formada pelos padrões da máquina (tecnologia) para consolidar formas específicas de controle, dominação e submissão dos indivíduos a maneiras alienadas de vida, que vêm sendo introjetadas desde o advento da Revolução Industrial até os dias atuais com a revolução tecnológica digital. (SOARES; OLIVEIRA, 2019, P.92) “[...]as organizações sociais capitalistas não mantêm o poder por meio da força, mas pela identificação dos indivíduos com o aparato. ”, isto é, os indivíduos não percebem que estão fazendo a “Troca da liberdade pelo conforto” (SOARES; OLIVEIRA, 2019, p.95). Zuboff parece transpor essa ideia para os tempos atuais de forma mais clara. A autora no artigo intitulado Big other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de informação explica a lógica de acumulação do texto eletrônico nos espaços interconectados explorando, sobretudo, o Google, enquanto serviço de buscas e desbravador de big data. (ZUBOFF,2018, p17). Segundo a autora, o que se tem é uma estrutura global a que a maioria das pessoas considera como “essencial para a participação social básica”. As ferramentas as quais as empresas capitalistas de vigilância oferecem ao serem experimentadas fazem com que o individuo acredite ser “impossível viver sem elas”. Ela cita um exemplo de 2014 em que o Facebook ficou fora do ar nos Estado Unidos e muitos indivíduos ligaram para o serviço de emergência. Ela esclarece, ainda, que as ferramentas da Google são como “iscas” a fim de que se realize a operação denominada de extração 5 de dados da população. (ZUBOFF,2018, p17). Nas palavras da autora: Essa dependência social está no cerne do projeto de vigilância.Necessidades fortemente sentidas como essenciais para uma vida mais eficaz se opõem a inclinação para resistir ao projeto de vigilância. Esse conflito produz uma espécia de entorpecimento psíquico que habitua as pessoas à realidade de serem rastreadas, analisadas, mineradas e modificadas[...] . (ZUBOFF,2018,p17). 4 Marcuse escrevia sobre a tecnologia nas sociedades industriais avançadas, contudo, suas contribuições teóricas podem ser perfeitamente aproveitadas nessa perspectiva da pesquisa.Cf. MARCUSE, Hebert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Zahar. 1973 5 O termo extração é utilizado de forma coerente por Zuboff ela explica que um processo extrativo não prevê dialogo. Isto é, a extração de dado é o que torna o big data possível ,já que, normalmente, se coleta small data e sem o consentimento do usuário.Cf.ZUBOFF, Shoshana. Big Other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de informação. Tradução de Antônio Holzmeister Oswaldo Cruz e Bruno Cardoso. In:BRUNO, Fernanda et al(Org). Tecnopoliticas da Vigilância: perspectivas da margem. 1. Ed. São Paulo: Boitempo, 2018. 14 No mesmo sentido, Soares e Oliveira explicam “com base na análise da Teoria Crítica marcuseana que as falsas necessidades são as novas formas de controle social e, portanto, representam um sério problema para o processo, necessário e urgente, de emancipação humana.” (SOARES; OLIVEIRA, 2019, p.95). Ainda, na esfera conceitual, o termo “cultura da vigilância” 6 utilizado por Lyon também é de grande valia na compreensão da sociedade atual. O último autor entende que as expressões “Estado de Vigilância” e “ Sociedade de vigilância” são conceitos inadequados se usados isoladamente. Isto porque, segundo ele, a primeira expressão está ligada ao pós-guerra, às agências de inteligência e suas atividades que dependem, por exemplo, do fornecimento de dados pelas companhias telefônicas. Já a segunda expressão ele entende também inadequada na medida em que a vigilância ,nesse caso, embora ultrapasse os departamentos de governo e afete a vida social não conta com o envolvimento dos cidadãos, isto é, a vigilância é, ainda, executada por agências. (LYON, 2018.p.154). Isto é, essas expressões “tendem a acentuar o ponto de vista do vigilante”. (LYON,2018.p.175). Ele explica que a característica chave desta cultura “ é que as pessoas participam ativamente em uma tentativa de regular sua própria vigilância e a vigilância sobre os outros”. (LYON, 2018.p.151). Lyon esclarece que existem duas principais características da cultura de vigilância de modo que a primeira delas interessa a este trabalho, pois ,está ligada “a aquiescência generalizada em relação a vigilância”,guardando similaridade com o pensamento de Zuboff acima exposto. (LYON, 2018.p.159). Ele acrescenta que a familiaridade dos sujeitos com a vigilância contribui para sua concordância isto porque a vigilância pode ser percebida desde o uso de cartões fidelidades ,rotinas de segurança de espaços como aeroportos, por exemplo, às câmeras nos mais diversos ambientes. O medo e a diversão também são citados como fatores que explicam essa aquiescência. (LYON, 2018.p.159). Daí que se optou por explicitar a expressão utilizada por Lyon uma vez que o autor buscou aclarar a sociedade contemporânea que se vem tentando compreender nesta introdução e sugeriu que se se deve ultrapassar as expressões já citadas. 6 Lyon não foi o primeiro a utilizar a expressão cultura da vigilância, no entanto, optou-se por utilizar a teorização do autor acertca do assunto, pois, o mesmo expande os debates e diferencia o conceito em tela de Estado de vigilância e Sociedade da vigilância. Cf. LYON, David. Cultura da Vigilância: envolvimento, exposição e ética na modernidade digital. Tradução de Heloisa Cardoso Mourão. In:BRUNO, Fernanda et al(Org). Tecnopoliticas da Vigilância: perspectivas da margem. 1. Ed. São Paulo: Boitempo, 2018. Dados da Publicação original: Surveillance culture: engagement, exposure and ethics in digital modernity”., International Journal of Communication, v. 11,2017,p.1-18. 15 Os blocos conceituais acima situados foram empregados a fim de se compreender a sociedade informacional ou de controle ou do capitalismo de vigilância, 7 uma vez que, as teorias apresentadas são todas possíveis e foge do escopo desta pesquisa falseá-las. Por ora, o que se pretendeu expressar até aqui é que quer seja dito sociedade da informação ou informacional ou do controle ou do capitalismo de vigilância está a se referir, para este trabalho, ao período dos anos de 2000 ao atual, contexto histórico em que este trabalho se insere. Esse período foi eleito como limite temporal tendo em vista o desenvolvimento dos buscadores e a evolução da web tomando por base a classificação da evolução da internet apresentada por Tavani como segue “The Pre-Internet Era of Computing and Information Retrieval (1940s–1970s); The Early Internet (pre-Web) Era (1980s); The (Early) Web Era (1990s)e a The “Web 2.0” Era (2000–Present)” . (TAVANI, 2020, n.p) Embora, os primeiros provedores de busca que utilizavam a arquitetura TCP/IP 8 datem dos anos 80(ARCHIE) e início dos anos 90 (VERONICA e JUGHEAD) optou-se por considerar a web a partir dos anos 2000, momento em que se torna mais atrativa para usuários não técnicos. (TAVANI, 2020,n.p). Porém, menciona-se que há distinção entre os buscadores dos anos 90 e a partir dos anos 2000(Web. 2.0). Tavani citando Hinman explica que “ the shift to (what we call) Web 2.0-era search engines occurred when companies, such as Google, “looked more closely at what users wanted to find” (which, as he also points out, is not always the most popular site)”.(Hinman apud TAVANI, 2020,n.p,grifo nosso). Na era anterior os buscadores retornavam os mesmos resultados aos usuários,portanto, não eram tão sofisticados e personalizados. (TAVANI, 2020,n.p) Ainda sobre a escolha da sociedade que se pretende explorar nesta pesquisa destaca-se que Deleuze utiliza a ideia de uma sociedade de controle retomando o entendimento de sociedade disciplinar situada por Foucault. É preciso lembrar que os últimos pensadores inferem suas sociedades a partir de uma ótica filosófica, portanto, especulativa e subjetiva, enquanto que, Castells compõe sua visão a partir da perspectiva sociológica baseada em experiências e observação voltado a desvendar uma estrutura social especifica qual seja o sistema de redes, portanto, mesclando teoria com investigação empírica. O autor explicita ter utilizado “fontes estatísticas e estudos empíricos” CASTELLS,2002, p.61). Ainda, na mesma esfera Zuboff produz seus estudos, sobretudo, pela perspectiva econômica utilizando 7 Aqui o “ou” se emprega como conjunção alternativa e não como uma explicação dada de outra maneira, isto é, as palavras empregadas não são sinônimas. 8 Cf. ESCOLA SUPERIOR DE REDES. Arquitetura TCP/IP: conceitos básicos, 2020. Disponível em: https://esr.rnp.br/administracao-e-projeto-de-redes/arquitetura-tcp-ip/ O texto explicita os principais benefícios da arquitetura TCP/IP. Acesso em: 1 dez. 2021 16 procedimentos baseados em método científico, portanto, sistemático da realidade. Além disso, a teoria marcuseana sobre formas de controle e dominação está em dialogo com as características da sociedade ora apresentada No entanto, os autores citados possuem uma abordagem que contribui para a discussão de forma ampla não apenas utilizando o saber de suas áreas cientificas especificas o que é de grande valia para apresentar as características da sociedade em que esta pesquisa se insere. Nesse sentido, explica-se a opção por acolher no titulo sociedade informacional por ser um termo mais amplo, claro, difundido e concreto acerca de uma sociedade ainda em curso. No entanto, tais considerações não excluem que se pense de forma abstrata, isto é, do ponto de vista filosofico no agrupamento social atual como uma sociedade de controle enquanto complementar à informacional nem que se pense, do ponto de vista econômico enquanto era do capitalismo de vigilância. 9 De outro lado, o desenvolvimento de novas tecnologias é fundamental. Neste ponto é preciso lembrar-se da importância de se localizar páginas e informações de maneira precisa, portanto, organizar o conteúdo na sociedade informacional. Alias, quando Tim Berners-Lee inventou a World Wide Web (WWW), em 1989, esta foi pensada para ser um sistema global de permuta de informações o qual fosse acessível entre os cientistas das universidades do mundo. A Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) explicitou o nascimento da web The Web was originally conceived and developed to meet the demand for automated information-sharing between scientists in universities and institutes around the world.[...]The basic idea of the WWW was to merge the evolving technologies of computers, data networks and hypertext into a powerful and easy to use global information system.(CERN,2021,n.p) 10 Nessa esfera, os buscadores desempenham um papel central na retirada de resultados das buscas, portanto, fundamentais para a eficácia próprio direito em tela. No mesmo sentido, Silvestre e Benevides já argumentaram acerca do assunto em O Papel do Google na Eficácia 9 Zuboff já se referiu a capitalismo de vigilância como capitalismo de informação. Apresenta-se o texto em inglês para a verificação do sentido “This new form of information capitalism[...] Cf. p.18.ZUBOFF, Shoshana. Big Other: surveillance capitalismo and the prospects of na information civilization”. Journal of Information.Technology.v.30,2015. Os tradutores citados no rodapé 3 optaram pela traduçãocomo capitalismo de informação. 10 CERN é sigla para o termo francês Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire. Em inglês: European Council for Nuclear Research. Em português: Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear e é um importante centro de pesquisas cediado na Suiça. Criado após encontro intergovernamental da UNESCO, em 1951. Cf. CERN. Our history. [2022?]] Disponível em: https://home.cern/about/who-we-are/our-history. Acesso em: 02 dez.2021. 17 do Direito ao Esquecimento –Análise Comparativa Entre Brasil e Europa esclarecendo que no caso europeu, na prática, há o reconhecimento não da inteira responsabilidade dos motores de busca pelo conteúdo exibido, mas atribui-se a eles o dever de suprimir alguns resultados exibidos quando preenchidos os requisitos estipulados. Desta maneira, há atribuição de relevante papel ao Google e outros motores [...]. (SILVESTRE; BENEVIDES, 2016, n.p) Nesse sentido, considerando a relevância dos buscadores na sociedade atual e na concretização do direito em tela serão tecidas algumas considerações sobre o principal provedor de pesquisa qual seja o Google a fim de se explicitar outra perspectiva qual seja da técnica e desenvolvimento de novas tecnologias. Baffa, quando do aniversário de vinte e três anos da ferramenta de pesquisa destacou a relevância inventiva do motor de busca Google 11 Uma das principais mudanças de paradigma proporcionadas pela Google foi a criação do mecanismo capaz de indicar a usuários que faziam buscas na internet os links com mais relevância sobre o tema que procuravam. Isso aconteceu no fim dos anos 1990, quando, à procura de uma forma mais fácil de fazer buscas em uma internet cada vez mais abarrotada e dominada por sites como o Yahoo e, no Brasil, o Cadê, a dupla de cientistas Larry Page e Sergey Brin desenvolveu essa metodologia. ‘A ideia deles era de que não bastava indexar as páginas. Também era importante mostrar o que é mais interessante. Eles criaram uma metodologia chamada page rank. A página que é mais interessante provavelmente tem mais referências. Então, se tem uma página que é, de fato, mais importante, quer dizer que várias páginas estarão apontadas pra ela. Ele faz ali uma ordenação para achar o que é mais relevante para a sua busca e aparecer primeiro’. (BAFFA,2021, n.p apud PUC- RIO,2021, n.p) A missão quando da fundação do Google, em 1998, era “to organize the world’s information and make it universally accessible and useful” — is even truer and more important to tackle today, in a world where people look to their devices to help organize their day [...]” (PICHAI,2015, n.p). Pichai, CEO da Google, explica que a partir do incremento dos smartphones a sociedade não só pesquisa informações como se comunica, consome, estuda e recebe entretenimento, tudo por meio desses dispositivos. (PICHAI,2015,n.p). Os fundamentos da Google estavam em harmonia com a sociedade em desenvolvimento informacional daquela época e permanecem com utilidade nos tempos atuais. 11 O Google, com emprego do artigo masculino, refere-se ao buscador, isto é, ao provedor de pesquisa na internet. Enquanto que, a Google, com uso no artigo feminino, remete a empresa, hoje uma subsidiária da corporação Alphabet Inc, tendo sido incorporada em 2015. Cf.ALPHABET. Alphabet investor relations Certificate of Incorporation. [2015?]. Disponível em: https://abc.xyz/investor/other/certificate-of-incorporation/. Acesso em: 01 nov. 2021. 18 Nessa seara, no relatório de Stanford intitulado “Google grew from Stanford engineering, and the relationship continues to provide answers to tough problems” já foram evidenciadas as colaborações do Google com as engenharias de Stanford. Destaca-se que a Google teve seu primeiro servidor criado por Larry Page e Sergey Brin quando estes ainda eram estudantes de graduação na Faculdade de Engenharia de Stanford, nos anos 90, e segundo Orenstein, tinham como projeto catalogar e a analisar a World Wide Web. (ORENSTEIN, 2011,n.p). Winograd, que havia sido orientador de Page, recorda que “Google was an ambitious idea from the start in 1997 when it was born in the Stanford Digital Libraries Project”(WINOGRAD apud ORENSTEIN,2011,n.p).Ele continua explicando que a inovação mestra de Page e Brin consistiu no desenvolvimento do algoritmo de ranqueamento de páginas que “ na essência, os estudantes teorizaram que da mesma forma que papers científicos frequentemente citados são considerados mais importantes, páginas da web frequentemente citadas também seriam. (ORENSTEIN,2011,n.p) Em 2004, Page e Brin aclararam quais eram os planos e os valores da empresa Our goal is to develop services that significantly improve the lives of as many people as possible. In pursuing this goal, we may do things that we believe have a positive impact on the world, even if the near term financial returns are not obvious. For example, we make our services as widely available as we can by supporting over 90 languages and by providing most services for free. (PAGE; BRIN,2004, n.p) Ainda, é válido também refletir acerca dos investimentos da Google em inovação, Page, hoje Alphabet CEO, já disse que muitos dos investimentos da Google pareciam loucura à época de sua escolha “We did a lot of things that seemed crazy at the time. Many of those crazy things now have over a billion users, like Google Maps, YouTube, Chrome, and Android. And we haven’t stopped there. We are still trying to do things other people think are crazy but we are super excited about.” (PAGE, 2015,n.p) Pichai, acerca das oportunidades criadas dentro da Google explica a missão da empresa: “today we are about one thing above all else: making information and knowledge available for everyone.” (PICHAI 2015.n.p). Ele explica que um dos pontos cruciais por trás de todo o trabalho da empresa é o investimento em inteligência artificial e aprendizado de máquina (machine learning). Tais investimentos permitiram que uma pessoa utilizasse, por exemplo, a voz para procurar informações além de traduzir de uma linguagem a outra (PICHAI,2015,n.p). Especificamente em relação as buscas, há o canal no Youtube “Google Search Histories” que conta histórias de como uma busca no Google pôde melhorar a vida das pessoas. Mark Lesek, um amputado, conta como sua pesquisa no buscador acerca de como melhorar uma prótese lhe ajudou a consertá-la. (GOOGLE SEARCH HISTORIES, 2011,n.p) 19 A Google colabora em diferentes áreas de pesquisa 12 , incluindo saúde, bem estar, biotecnologia e robótica. No que tange as três primeiras áreas, a empresa fundou a Calico 13 , em 2013, uma companhia que estuda efeitos do envelhecimento e doenças a ele associadas. (MILLER,2013,n.p). Já as pesquisas em robótica e os investimentos da empresa visam aproximar os pesquisadores de aprendizado de máquina com os roboticistas a fim de possibilitar o aprendizado em escala tanto nos sistemas robóticos reais quanto nos simulados. (GOOGLE RESEARCH, 2022,n.p). Uma das pesquisas consiste em coletar dados em larga escala com robôs variados a fim de ensinar aqueles a preverem o que pode acontecer quando eles moverem objetos. Isso servirá para que os robôs planejem seus movimentos, tomem decisões mais seguras sem supervisão o que tem impacto, por exemplo, –– na segurança e confiabilidade dos carros autônomos. (GOOGLE RESEARCH, 2022,n.p) Nessa seara, é válido explicitar o conceito de robótica para aclarar que esta importante ciência não se limita a filmes de ficção cientifica hollywoodianos, ao contrário, possue aplicação prática, por exemplo, no caso das próteses biônicas utilizadas por amputados que tem suas atividades diárias melhoradas por conta daquela ciência. 14 Em linhas gerais a robótica pode ser definida como “uma área de pesquisa que visa ao desenvolvimento de robôs que venham a auxiliar o homem em tarefas complexas e/ ou repetitivas. Observa-se o avanço dessa ciência em muitos campos: na medicina, na astronomia, na indústria automobilística e têxtil, etc.” (GOMES et al,2010, p.212) Suas aplicações variam da medicina 15 com a realização de procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos, fisioterapia e reabilitação, ao uso industrial para automatizar a fabricação ou envio de mercadoria. (HARVARD UNIVERSITY, 2021,n.p). No Brasil, a aplicação da robótica pode ser vista, também, na agricultura. 16 Nessa seara das inovações, o Google se uniu a Faculdade de Medicina de Stanford para pesquisa que consiste em sequenciar o genoma de milhares de pacientes, expertise de 12 As áreas de pesquisa da Google podem ser conferidas em GOOGLE RESEARCH. Research áreas. 2022. Disponível em: https://research.google/research-areas/. Acesso em: 13 jul.2022 13 Cf. CALICO. Aging is the greatest risk factor for disease. c2022.Disponível em: https://www.calicolabs.com/drug-development. Acesso em: 13 jul.2022 14 Para as aplicações da prótese em amputados Cf.THE GUARDIAN. Beyond bionics: how the future of prosthetics is redefining humanity. Publicado em 26 de junho de 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GgTwa3CPrIE. Acesso em: 13 jul.2022 15 Para mehor compreensão dos usos da robótica na medicina Cf. MORRELL, Andre Luiz Gioia et al. Evolução e história da cirurgia robótica: da ilusão à realidade. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. v.48.2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rcbc/a/4qVcw3NC75jwPNtkgkhwSWf/?lang=pt#. Acesso em: 13 jul.2022 16 Acerca do uso de robôs como veículos agrícolas autônomos Cf. HACKENHAAR, Neusa Maria; HACKENHAAR, Celso e ABREU, Yolanda Vieira de. “Robótica na agricultura”. Revista Interações (Campo Grande). v. 16, n. 1.2015. p 119-129. Disponível em: https://www.scielo.br/j/inter/a/Pbb7RB3wzTypx6GH4fYKMFQ/?lang=pt. Acesso em: 13 jul.2022 20 Stanford, por meio da Cloud Platform com a análise dos dados, uma das habilidades do Google. Na prática, a análise da uma base dados massiva do genoma será feita por meio de computação em nuvem, aprendizado de máquina e ciência de dados. Essa combinação pode gerar um grande avanço na medicina preventiva. (SCHILLACE, 2016, n.p) A inovação da Google pode ser notada em muitas áreas. Em 2017, tornou abertas suas ferramentas de gestão o que não surpreendeu alguns estudiosos, como Sadun, uma vez que segundo ela “Google has created plenty of free tools for the world to use, from internet search to email” (SADUN, 2017, n.p). Nessa seara das ferramentas criadas pela empresa, citam-se alguns produtos da Alphabet: Google Ads, Android, Chrome, Nest, Google Maps 17 , Google Play, Search, Gmail, Youtube, Google Cloud (o qual inclui a infraestrutura da empresa, a plataforma de análise de dados e o Google Workspace (G Suite)), Fitbit e Pixel. Além desses, menciona-se, também, Google Books, Google News, Google Network que compreende AdMob, AdSense, and Google Ad Manager (ALPHABET,2021, n.p). Vale lembrar ainda do Waze. 18 A Google e, posteriormente, Alphabet escreve todos os anos, desde 2004, uma carta para seus investidores. Gertner, já considerou a carta de 2004 um dos documentos mais interessantes da era da informação, pois,ela transmitia um profundo entusiasmo pela inovação ao mesmo tempo em que demonstrava desconfiança em Wall Street.Os fundadores sugeriram na carta que seria possível equilibrar riscos com responsabilidade fiduciária,uma vez que, implementaram uma estrutura corporativa que foi projetada para proteger a habilidade de inovar da Google,no entanto, seus investidores fariam uma aposta arriscada de longo prazo. (GERTNER, 2015, n.p) Recentemente, em agosto de 2015, com a ajuda de aprendizado de máquina a Google contribuiu para tornar a colonoscopia mais efetiva melhorando a detecção de pólipos, pequenas lesões pré-cancerígenas que podem gerar câncer coloretal. O sistema criado detectou 97% dos pólipos o que foi considerado um aumento substancial se comparado a estudos anteriores. (MATIAS; RIVLIN, 2021,n.p) 19 17 Aqui, o Street View não foi citado, pois, embora, seja bastante conhecido é considerado um recurso do Google Maps. Cf. GOOGLE. O que é o Street View. [2022?]. Disponível em: https://www.google.com/intl/pt- BR/streetview/. Acesso em: 13 jul.2022 18 O Waze foi adquirido pela Google em 2013. Cf. MCCLENDON, Brian. Google Maps and Waze, outsmarting traffic together. Publicado em 11 de junho de 2013. Disponível em: https://blog.google/products/maps/google- maps-and-waze-outsmarting/ Acesso em: 13 jul.2022 19 O estudo pode ser conferido em LIVOVSKY, Dan M. et al. Detection of elusive polyps using a large-scale artificial intelligence system (with videos). Gastrointestinal endoscopy Volume 94, No. 6 : 2021 Disponível em https://www.giejournal.org/article/S0016-5107(21)01468-1/fulltext. Acesso em: 1 dez.2021 21 Os parágrafos acima foram postos para se refletir acerca do investimento e colaboração em inovação das empresas de tecnologia da informação. São incontáveis os investimentos. 20 Inclusive, o provedores de busca, é uma das ferramentas de maior sucesso da sociedade informacional e que segue sendo incrementada Google success is due to a non trivial set of factors and circumstances, but there are a few aspects that deserve attention: the web search technology, the innovation capability, the technological infrastructure, the business model, the leadership style, the organizational culture and the strategic choices over time.(GUEDES et al,2010,n.p) Especificamente no que tange a tecnologia do buscador, a Google se preocupa com a posição de sites maliciosos e com a lógica que torna uma página mais ou menos relevante para um determinado usuário conforme explicam Guedes e et al A search engine must cope with sometimes malicious site administrators in order to perform. Since the web has billions of pages, being in a relevant position on a result page is essential to have a good traffic. This assumption is even stronger for those sites that have some kind of on line advertisement or that offer e-commerce. There is an entire industry built to offer site administrators strategies and tactics to theoretically boost the performance of a web site in a result page (from Google, Yahoo! or others). This type of consultancy is called SEO – Search Engine Optimization. From the point of view of the search engine, once one identifies the logic that drives the results order, this result can be manipulated. A good web search engine is not affected by manipulation, but driven only by content relevance. Google engineers spend a considerable amount of resources to mask the logic that drives results order and the two line snippets that describe each search result, in a way that the result is less susceptible to manipulation.(GUEDES et al,2010,n.p) Considerando o trecho acima apresentado, e embora, os mecanismos de pesquisa empreendam esforços a fim de serem menos suscetíveis à manipulação há estudiosos, como Patel, que apontam para a possibilidade de melhorar no ranqueamento em mecanismos de 20 Outras inovações que merecem destaque: a solução de impacto de vacina inteligente (tradução nossa para Intelligent Vaccine Impact solution) em que a Google Cloud expandiu sua plataforma para apoiar a vacinação da Covid-19 de forma mais rápida e em larga escala. Para uma explicação detalhada Cf. DANIELS, Mike. Getting vaccines into local communities safely and effectively. Publicado 1 de fevereiro de 2021 Disponível em: https://cloud.google.com/blog/topics/public-sector/getting-vaccines-local-communities-safely-and-effectively. Acesso em: 13 jul.2022 e DANIELS, Mike. How Google Cloud is enabling vaccine equity. Publicado 15 de abril de 2021 https://cloud.google.com/blog/topics/public-sector/how-google-cloud-enabling-vaccine-equity. Acesso em: 13 jul.2022 Existe também o laboratório X, anteriormente Google X, que cria novas tecnologias radicais cujos investimentos são arriscados e as demais empresas não investiriam Cf. X.We create radical new technologies to solve some of the world’s hardest problems.2022. Disponível em: https://x.company. Acesso em: 13 jul.2022 Além dessas, o Google Cap, um boné que pode sentir comandos e solicitar respostas ao cérebro. Cf.MANOFF, Moises Velasquez. The Brain Implants That Could Change Humanity. The New York Times. Publicado em 28 de abril de 2020. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/08/28/opinion/sunday/brain- machine-artificial-intelligence.html. Acesso em: 13 jul.2022. 22 busca. Neste ponto, faz-se necessária apresentar a distinção entre tráfego orgânico e direto. 21 Patel explica que o hábito dos consumidores é utilizar os buscadores antes de realizar qualquer compra e que mais da metade daqueles não ultrapassa a primeira página dos resultados, assim, é importante se manter ou chegar à primeira página dos resultados. (PATEL, 2022). O último autor afirma que para lograr êxito e estar nas primeiras posições um caminho é conseguir cliques de tráfego orgânico utilizando o SEO (Search Engine Optimization) em conjunto com um conteúdo de relevância. E outro caminho é por meio do tráfego pago: “aquele que exige investimento direto, ou seja, pelo qual você paga para aparecer em determinados espaços. Um dos formatos mais conhecidos de tráfego pago são os anúncios nas páginas de busca do Google [...] você escolhe uma palavra-chave e paga para ser adicionado ao topo”. (PATEL, 2022, n.p) Ainda acerca do tráfego pago, este pode ser contratado de dois modos CPC ou CPM. No CPC (Cost per click ou custo por clique) o pagamento se dará “pela quantidade de acessos ao site ou blog a partir do anúncio” e o CPM (Cost per thousand impressions ou custo por mil impressões) será pago “pela quantidade de pessoas que visualizam o anúncio, independentemente de clicarem nele ou não.” (PATEL,2022, n.p) Já no tráfego orgânico é preciso investir no conteúdo de um site para torná-lo relevante e, consequentemente, o resultado será melhor ranqueado. Patel elucida que Tráfego orgânico corresponde aos visitantes que chegam a um site ou blog de maneira espontânea, após encontrarem uma de suas páginas por meio da busca orgânica no Google, por exemplo. Significa que os leads não vêm de anúncios ou da compra de listas de contatos e e-mails. O tráfego orgânico não exige investimento direto por visitante ou lead, já que chama a atenção por oferecer um conteúdo que responde a uma dúvida ou aborda um assunto de interesse do público, destacando uma palavra-chave específica. Como melhorar o tráfego orgânico? Um bom tráfego orgânico costuma ser resultado da combinação entre conhecimento do público-alvo, conteúdo de qualidade e fatores de otimização (SEO). (PATEL,2022, n.p) Ainda, tomando por base as ideias de Patel destaca-se de que trata o SEO cuja principal utilidade é conseguir mais tráfego na internet. Ele explica SEO significa Search Engine Optimization (otimização para mecanismos de busca) e é um conjunto de estratégias para otimização de sites, blogs e páginas na web com o objetivo de alcançar bons rankings orgânicos gerando tráfego e autoridade para um site ou blog. SEO é um conjunto de técnicas que buscam melhorar a visibilidade de um site em mecanismos de busca como o Google, gerando aumento de tráfego orgânico (grátis) e autoridade. (PATEL, 2022, n.p) 21 Existem ainda os tráfegos: direto, de referência e social. No entanto, o orgânico e o direito possuem relação com os buscadores por isso indicou-se a distinção, apenas, entre os dois últimos. Para detalhes sobre os tipos de tráfego Cf. PATEL, Neil. Tráfego Orgânico: O Que é e Como Aumentar o do Seu Site. c2022. Disponível em: https://neilpatel.com/br/blog/trafego-organico-o-que-e/. Acesso em: 26 jun. 2022. 23 Nesse sentido, segundo Patel, seria possível empregar algumas técnicas para melhorar o ranqueamento de um determinado site nos resultados dos mecanismos de buscas. Assim, o que se propôs nos últimos parágrafos foi apresentar ligeiramente a relevância e funcionamento dos provedores de pesquisa na sociedade da informação os quais desempenham papel fundamental no direito ao esquecimento no contexto que será explorado. A organização informacional foi pressuposto da sociedade digital dada a quantidade de dados produzidos. Por meio do armazenamento e da gravação dos dados a sociedade informacional também produziu e manteve memórias, embora, nem todas as situações e informações devessem ser conservadas. Talvez, o limite entre o que se deve ser esquecido e o que se precisa ser memorado necessite ser encontrado. Isto posto, retorna-se ao objeto deste trabalho o direito ao esquecimento que foi apreciado pelo STF em fevereiro de 2021 por meio do RE 1.010.606. Considerando que o referido recurso extraordinário será mencionado em algumas passagens deste trabalho detalha-se a seguir a que se refere o caso cuja decisão entendeu por não haver compatibilidade do direito ao esquecimento com a Constituição Federal Os recorrentes insurgem-se contra acórdão mediante o qual a Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro manteve, por maioria, a decisão de indeferimento da ação indenizatória por eles movida com o objetivo de obter reparação pecuniária por supostos danos morais, materiais e à imagem decorrentes da exibição, por parte da recorrida, no programa televisivo “Linha Direta: Justiça”, de episódio sobre o assassinato de [...], irmã dos ora recorrentes, ocorrido em 1958, com seus desdobramentos, as respectivas investigações policiais e a apreciação do caso levada a cabo pelo Poder Judiciário. Alegam, nas razões do recurso extraordinário, afronta aos arts. 1º inciso III; 5º, caput e incisos III e X, e 220, § 1º, da Constituição Federal. Pretendem obter o reconhecimento do direito ao esquecimento da tragédia familiar pela qual passaram.Sustentam, ademais, sua pretensão na garantia constitucional dadignidade da pessoa humana e no resguardo da inviolabilidade dapersonalidade, dos direitos à imagem, à honra, à vida privada e à intimidade, os quais teriam sido atingidos, segundo aduzem os recorrentes, pelo exercício ilícito e abusivo da liberdade de expressão e de imprensa por parte da recorrida Conforme destaquei ao longo deste voto, não reputo existente no ordenamento jurídico brasileiro proteção constitucional ao direito ao esquecimento. Desse modo, tenho que se afigura ilegítima a invocação pelos recorrentes de suposto “direito ao esquecimento” para obstar a divulgação dos fatos que, embora constituam uma tragédia familiar, infelizmente, são verídicos, compõem o rol dos casos notórios de violência na sociedade brasileira e foram licitamente obtidos à época de sua ocorrência, não tendo o decurso do tempo, por si só, tornado ilícita ouabusiva sua (re) divulgação – ainda que sob nova roupagem jornalística – ,sob pena de se restringir, desarrazoadamente, o exercício pela ora recorrida do direito à liberdade de expressão, de informação e de imprensa.(BRASIL,2021a. p.62,grifo nosso) 24 Toffoli no RE 1.010.606 considera o quadro social atual, inclusive, o termo exato “sociedade da informação” aparece no texto: “na “sociedade da informação”, a pretensão do direito ao esquecimento se agigantou, [...] como uma reação à invasão da privacidade, do espaço individual, do controle sobre a vida pessoal e, muitas vezes, da própria identidade”. (BRASIL, 2021a, p.48). Inclusive, o autor reconhece as transformações sociais e seu voto não foi silente ao impacto das novas tecnologias na era da informação Compreende-se que, em quadros de profundas transformações da sociedade, em que despontam novos estratos de poder, a ordem jurídica é significativamente impactada: seja pela sobrelevação de determinados direitos, seja pelos desafios adicionais que se apresentam à concretização de outros já igualmente consagrados. Em contextos tais de instabilidade, é comum a resposta vir em forma de insurgência à nova ordem, buscando frear o quadro de mudanças, direcionando-se a irresignação a causa que não se pode alterar, em vez de se concentrar na reacomodação dos direitos atingidos pela avalanche das transformações. (BRASIL, 2021a, p.47). Contudo, a apreciação multidimensional ora apresentada em que se consideram aspectos econômicos, sociais, filosóficos e inovativos das novas práticas da sociedade informacional não foram consideradas naquele. Obviamente, não era objetivo do relator explicitar a estrutura social atual,no entanto, uma melhor caracterização de tal sistema pode contribuir para a ampliação da visão acerca do tema do direito ao esquecimento e do embate entre os direitos fundamentais. Nesse caso, cumpre destacar que esta é uma pesquisa exploratória “que tem como objetivo principal o aprimoramento de ideias” (GIL, 2002, p. 41) e também de natureza básica visando “gerar conhecimentos novos e úteis para o avanço da Ciência, sem a previsão de aplicação prática” (TUMELERO, 2019, n.p). Nessa esfera, é também orientada para compreensão e interpretação do direito ao esquecimento na sociedade da informação, assim, “A realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados dela transbordante. Esta mesma realidade é mais rica que qualquer teoria qualquer pensamento e qualquer discurso que possamos elaborar sobre ela”. (MINAYO, 2002, p.15) Além disso, no que tangem as abordagens de pesquisa qualitativas e quantitativas a ultima autora esclarece “A abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas. (MINAYO, 2002,p.22). Acerca desse ponto, especificamente, em relação a ciência jurídica tem –se “que o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo”. (MINAYO, 2002,p.15). Pelo exposto, esta pesquisa é, em regra, qualitativa, pois, tem por base a própria realidade social e não a análise concreta apreendida por estatísticas. 25 Excepcionalmente, é quantitativa ao realizar a análise de dados brutos a fim de aferir o período em que os casos de direito ao esquecimento começam a serem julgados nos Tribunais escolhidos, além de, colaborar para verificação do contexto de solicitação do esquecimento. Na parte quantitativa a pesquisa tem por fonte de dados o portal LexML o qual se autointitula como “rede de informação legislativa e jurídica” (LEXML,2021,n.p) e é um portal jurídico em software livre lançado em 2009 por meio de parceria do Senado Federal e diversos órgãos (SERPRO,2010,n.p), portanto, confiável para uso. O último portal foi escolhido também por ser completo e especializado na área jurídica, na medida em que, inclui Legislação, Doutrina, Jurisprudência e proposições legislativas. Os dados de jurisprudência do STF e do STJ foram retirados do portal em comento 22 ·. O uso do STJ se justifica, pois foi precursor e é referência em reconhecer o direito ao esquecimento no Brasil. 23 Marques considera que “o STJ tem sido a principal fonte jurisprudencial do tema” (BRASIL, 2021b, p.111). Tendo inclusive, catalogado, de modo resumido, julgados daquele tribunal acerca do assunto. A seguir destaca-se o texto de Marques para demonstrar a importância do STJ na esfera do direito ao esquecimento A primeira coisa que verifico é já terem sido proferidos inúmeros julgados por tribunais brasileiros aplicando o denominado “direito ao esquecimento”. Portanto, nada melhor para a compreensão do fenômeno do que observá-lo em suas manifestações concretas. Para não me alongar muito, e considerando que o STJ tem sido a principal fonte jurisprudencial do tema, limito-me a catalogar resumidamente alguns dos julgados daquele tribunal que trataram do assunto: a) No REsp 1.875.382-AgRg/MG, o STJ declarou que registros de folha de antecedentes muito antigos não devem ser considerados maus antecedentes, com base na “teoria do direito ao esquecimento”; b) No REsp 1.736.803/RJ, o STJ firmou que a publicação de reportagem com conteúdo exclusivamente voltado à divulgação de fatos privados da vida contemporânea de pessoa previamente condenada por crime e de seus familiares revela abuso do direito de informar, previsto pelo art. 220, § 1º, da Constituição Federal, e viola o direito à privacidade consolidado pelo art. 21 do Código Civil, por representar indevida interferência sobre a vida particular dos personagens retratados, dando ensejo ao pagamento de indenização. Foi mencionado o “direito ao esquecimento”, mas o STJ não viu em tal direito a eficácia necessária para proibir publicações futuras; c) No REsp 1.751.708-AgRg/SP, o STJ, apesar de reconhecer que as condenações antigas não devem ser consideradas maus antecedentes, declarou que não se compreende no “direito ao esquecimento” a faculdade depedir a destruição dos registros públicos dessas condenações; d) No 22 A lista dos Orgãos provedores de dados que compõem o acervo do LexML pode ser conferida em : LEXML. Descrição do acervo. [2022?]. Disponível em: https://www.lexml.gov.br/desc_acervo.html. Acesso em: 3 dez.2021. 23 Em 2013, a Quarta turma do STJ reconheceu o direito ao esquecimento no Recurso especial Nº 1.334.097 cujo requerente o pleiteava, pois, havia sido absolvido no episódio conhecido como “Chacina da Candelária” e teve seu nome e imagens exibidos, sem consentimento, em programa televisivo nacional treze anos após o fato. Para detalhamento do caso Cf.BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial Nº 1.334.097 - RJ. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Orgão Julgador: Quarta turma. Data do julgamento: 28/05/2013. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1239004&num_ registro=201201449107&data=20130910&peticao_numero=-1&formato=PDF. Acesso em:: 8 dez. 2021 26 REsp 1.660.168/RJ, o STJ declarou que, em circunstâncias excepcionalíssimas, o Poder Judiciário pode intervir para fazer cessar o vínculo criado nos bancos de dados dos provedores de busca, entre dados pessoais e resultados da busca, que não guardem relevância para interesse público à informação, seja pelo conteúdo eminentemente privado, seja pelo decurso do tempo (o “direito ao esquecimento” foi mencionado como um dos fundamentos); e) No REsp 1.593.873-AgInt/SP, o STJ decidiu em sentido oposto ao da letra anterior, considerando que não cabe ao Judiciário interferir nos sites de busca, que não teriam responsabilidade pelo conteúdo das páginas da internet.Ou seja, deixou-se de aplicar o “direito ao esquecimento” por razões ligadas à própria estrutura da internet. f) No REsp 1.369.571/PE, admitiu-se o esquecimento como um “princípio da responsabilidade civil”, para condenar uma empresa jornalística a indenizar um cidadão mencionado em notícia contemporânea, que o teria ligado falsamente a crime do período militar. O direito ao esquecimento, neste caso referido, à anistia, foi mencionado; e g) No REsp 1.334.097/RJ, o STJ admitiu a condenação de emissora de televisão a indenizar o autor da ação por danos morais, em razão da exibição de programa sobre a “Chacina da Candelária”, com base no direito ao esquecimento, já que o autor fora absolvido no processo criminal.(BRASIL, 2021b, p.111,grifo do autor) No que tange ao STF, sua utilização se deve por ter reconhecido a repercussão geral do tema e ter concluído por sua incompatibilidade com a Constituição Federal no já citado RE 1.010.606. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) foi selecionado pois apresenta um conceito de direito ao esquecimento que atrela a possibilidade de existência do direito para fatos passados desfavoráveis os quais poderiam perdurar de modo a se transformar em uma punição eterna para o indivíduo. Mas ao mesmo tempo o TJDFT é relevante para a construção da antítese dado que no julgado o qual será explorado o tribunal constrói a ideia de que a retirada de informações, sem critérios, dos buscadores acarretaria em censura. Ainda, na parte quantitativa a fim de se aproximar essa pesquisa da realidade física em que se insere optou-se pela análise de dados da Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), pois este último é o Tribunal estadual onde se localiza a Universidade em que este trabalho foi realizado. Em relação ao STJ, aquela decisão pioneira emitida no Recurso especial Nº 1.334.097 24 esteve em reexame, em 2021, para eventual juízo de retratação ou ratificação após a decisão pelo não reconhecimento no STF. O processo havia sido sobrestado para aguardar a decisão Corte Constitucional. No entanto, a Quarta Turma ratificou o julgamento originário por entender que a decisão não se choca com a do STF, na medida em que, possui relação apenas com a segunda parte da tese que prevê que eventuais abusos no exercício da liberdade de expressão ou informação devem ser analisados no caso concreto. (BRASIL, 2021c, n.p). 24 Para uma explicação detalhada conferir a decisão de ratificação, de 2021, do STJ a respeito do Resp referenciado no rodapé 23. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial Nº 1.334.097 - RJ. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Orgão Julgador: Quarta turma. Data do julgamento: 09//11/2021 Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2076785&num_ registro=201201449107&data=20220201&formato=PDF. Acesso em: 13 jul.2022 27 Nesse caso, em março de 2022, o feito foi remetido ao STF “havendo, em princípio, dissonância entre o acórdão recorrido e o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal em repercussão geral, e já tendo o órgão julgador refutado o juízo de retratação, impõe-se a remessa do feito à Suprema Corte, nos termos do art. 1.030, V, c,”. (BRASIL, 2022a, p.9). Nesse caso, o tribunal mantém-se relevante para essa pesquisa e será preciso aguardar para conferir a decisão do STF, no Recurso Extraordinário. Além disso, o TJSP também segue relevante por ter enfrentado o tema desta pesquisa recentemente e segundo Rocha citando o último Tribunal “[...] embora reconhecidamente incompatível com o ordenamento, o direito ao esquecimento não impede a desindexação de conteúdo ou mesmo a anonimização de dados pessoais, ao menos até que nova e definitiva posição da Corte Suprema adicione os dispositivos da LGPD nesse debate [...] (TJSP apud ROCHA, 2022, n.p). Isto porque, Segundo Rocha, a ação foi distribuída em 2020 antes do julgamento da repercussão geral pelo STF em fevereiro de 2021, porém, após a vigência da LGPD. (ROCHA, 2022, n.p) Assim, ao determinar a desindexação segundo o último autor, o confronto com tema pode gerar oportunidade para novos entendimentos, embora, se destaque que no caso em julgamento o tribunal tenha utilizado um diálogo com a legislação penal e a processual penal. (ROCHA,2022,n.p). Ainda sobre as escolhas dos tribunais para uso nesta pesquisa o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) foi preferido, pois é o responsável pelo julgamento do caso paradigmático C-131/12, 25 em 2014 que reconheceu o direito ao esquecimento e deu origem ao debate do tema em vários países. Os movimentos exatos metodológicos no uso das jurisprudências serão apresentados junto a análise no desenvolvimento do texto a fim de facilitar a compreensão do leitor Quanto a método de procedimento o que melhor se alinha para este trabalho é o bibliográfico manifestado “com base em material já elaborado constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2002p. 44). A construção teórica será feita por meio das seguintes normativas: Marco Civil da Internet, Constituição Federal, Convenção Americana 25 Considerando que o referido caso será mencionado em outras passagens destaca-se, sinteticamente, a seguir a que se refere. O requerente solicitava que um buscador suprimisse seus dados pessoais, de modo que, não aparecerem nos resultados da busca as páginas de um jornal publicadas em 1998. As notícias mencionavam o nome do autor e tratavam da venda de um imóvel em hasta pública decorretente de um processo de arresto o qual, segundo o autor já havia sido resolvido e não possuía, portanto, relevância pública. Para uma explicação detalhada conferir a decisão do caso, especialmente, o tópico “Litígio no processo principal e questões prejudiciais”. Cf. UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça. Processo C-131/12. Relator: M. Ilešič. Orgão Julgador: Grande Seção. Data de Julgamento: 13 de maio de 2014. Google Spain SL e Google Inc. c. Agencia Española de Protección de Datos e Mario Costeja González. Disponível em: https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=152065&doclang=PT.Acesso em: 20 jun. 2020 28 sobre Direitos Humanos, General Data Protection Regulation (GDPR) 26 e Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, sem prejuízo de outras que se fizerem necessárias, além disso, de jurisprudência nacional e internacional, sobretudo de Tribunais Superiores, sem prejuízo de algum tribunal regional que possa contribuir para a demonstração do que se pretende. Embora a Diretiva 95/46/CE tenha sido revogada pela GDPR, em 2018, ela aparecerá na discussão, pois o caso paradigmático C-131/12 exposto no parágrafo acima teve entre seus fundamentos jurídicos a referida diretiva. Tende-se a usar fontes bibliográficas de maior aceitação na academia da ciência jurídica como revistas jurídicas, artigos indexados na base de dados Scielo, informativos de tribunais bem como dissertações e teses com boa fundamentação. Além disso, revistas jurídicas de universidades internacionais de renome como Harvard, Oxford e Stanford, sem prejuízo de outras que se fizerem necessárias. Além disso, dados apresentados pelas agências internacionais (ONU e UNESCO) são preferidos dada sua ampla aceitação acadêmica. Sabe-se, ainda, que algumas fontes de dados extraídas da internet não gozam de credibilidade acadêmica, nesse sentido, toma-se o cuidado de emprestar informações de pesquisadores de credibilidade ainda que estejam publicados em sites de menor prestigio acadêmico. A seguir, passa-se ao esclarecimento quanto a escolha do método de abordagem dialético enquanto forma de raciocinar nesta pesquisa. Não se tem a pretensão de transformar o leitor em um especialista em dialética, no entanto, o bom desempenho deste trabalho esta condicionado a boa interpretação da ciência jurídica além da correta aplicação do método dialético. Nesse sentido, há que se explicar de que trata a dialética, assim, optou-se por trazer, dentre outras referências, a explicação de manuais didáticos e dicionários de filosofia a fim de se considerar o significado amplo do termo. A clarificação acerca do método de abordagem também deve conduzir a um entendimento acerca da escolha do titulo desta pesquisa. Inicialmente, cumpre destacar que na ciência filosófica muitos autores ocuparam-se do estudo da dialética, desde a filosofia antiga com Zenão, Heráclito, Platão e Aristóteles cada qual com suas particularidades. Além disso, não existe homogeneidade quanto ao conceito de dialética nas teorias filosóficas, embora, quatro escolas sejam consideradas fundamentais no estimulo aos estudos do termo. São elas: a platônica, a aristotélica, a estoica e a hegeliana. (ABBAGNANO, 2007, p.269). Abbagnano esclarece os quatro significados principais Esse termo, que deriva de diálogo, não foi empregado, na história da filosofia, com significado unívoco, que possa ser determinado e esclarecido uma vez por todas; recebeu significados diferentes, com diversas interrelações, não sendo redutíveis uns aos outros ou a um significado comum. Todavia, é possível distinguir quatro 26 Em português: Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados. 29 significados fundamentais: Ia D. como método da divisão; 2e D. como lógica do provável; 39 D. como lógica; 4e D. como síntese dos opostos. Esses quatro conceitos têm origem nas quatro doutrinas que mais influenciaram a história desse termo, mais precisamente a doutrina platônica, a aristotélica, a estóica e a hegeliana. (ABBAGNANO, 2007, p.269) Assim, se torna tarefa complexa definir o conceito de dialética, por vezes, sendo necessário incorrer numa caracterização genérica. Para fins, deste trabalho pode-se considerar como “um processo resultante do conflito ou da oposição entre dois princípios, dois momentos ou duas atividades quaisquer. (ABBAGNANO,2017,p.269) Hegel tratou do conceito ao explicar os três aspectos da lógica (o lado abstrato ou intelectual (do entendimento), o dialético ou negativo-racional e o especulativo ou positivo racional) os quais são momentos que aparecem em “todo o conceito ou de todo o verdadeiro em geral”. (HEGEL, 1969, p.135).Isto é, se os momentos aparecem em todo conceito correspondem a própria estrutura da realidade O ultimo autor esclarece: “muitas vezes a dialética também nada mais é do que um sistema subjetivo de baloiço em que o raciocínio vai e vem.[...] A dialética pelo contrario é este ir além imanente em que a unilateralidade e a limitação das determinações do entendimento se apresenta como aquilo que ela é, saber, como a sua negação. Todo o finito é isso: suprimir-se a si mesmo(HEGEL, 1969,p.135) Nesse sentido, Hegel retoma o argumento de Heráclito o qual pensou acerca da unidade dos opostos “[...] o contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia". (HERACLITO, 1973, fr. 8, p.88,) Chauí retomando Hegel explica que “ a dialética é a única maneira pela qual podemos alcançar a realidade e a verdade como movimento interno da contradição, pois, Heráclito tinha razão ao considerar que a realidade é o fluxo eterno dos contraditórios(CHAUI, 1994,p.203). Assim, para este trabalho optou-se pela utilização do método dialético hegeliano. “Na realidade, o método dialético (v. DIALÉTICA), que é o método próprio da razão, segundo Hegel, procede exatamente passando da tese à antítese, e, portanto, exige sempre a contradição; mas é uma contradição que sempre se resolve na síntese, por isso nunca é uma antinomia” (ABBAGNANO, 2007, p.66) Neste sentido, Abbagnano sistematiza a dialética hegeliana: Toda a realidade move-se dialeticamente e, portanto, a filosofia hegeliana vê em toda parte tríades de teses, antítese e sínteses, nas quais a antítese representa a "negação", "o oposto" ou "outro" da tese, e a síntese constitui a unidade e, ao mesmo tempo, a certificação de ambas. Hegel viu os precedentes remotos dessa D. em Heráclito e Proclo. De fato, Heráclito não sóconcebeu o absoluto como "unidade dos opostos" como também concebeu essa unidade como objetiva ou imanente ao objeto.(ABBAGNANO,2017, p.273) 30 Diante do exposto, o método dialético foi eleito para que fosse possível evidenciar a situação atual de coexistência dos opostos, quais sejam, esquecimento e não esquecimento, seguindo “à forma da dialética de Hegel, na qual há sempre conciliação, síntese e harmonia entre os opostos” (ABBAGNANO,2017, p.95). Nicolau elucida que de acordo com a filosofia hegeliana não se deve excluir os opostos para se encontrar a realidade absoluta No entanto, para poder elevar a realidade do mundo à ordem da realidade absoluta, Hegel se achava obrigado a mostrar a racionalidade absoluta da realidade, a qual, sendo o mundo limitado e deficiente, não podia, por certo, ser concebida mediante o ser da filosofia parmenidiana-aristotélica, idêntico a si mesmo e excludente de seu oposto, no qual a finitude, a limitação, a negação, a contradição, não podem, de modo nenhum, gerar naturalmente valores positivos, verdadeiros. Assim, para Hegel, a racionalidade absoluta da realidade do mundo devia ser concebida mediante a dialética. (NICOLAU, 2010, p.154) Nesse sentido, a dialética é o meio correto para se encontrar a realidade absoluta, na medida em que “É ela, a dialética, que produz os conceitos estruturantes da realidade exposta no sistema.”(NICOLAU,2010,p.154) Aqui, cumpre destacar que, nos estudos jurídicos, Roberto Lyra Filho já se ocupou da dialética empregada ao Direito. Costa e Coelho e já entenderam que Lyra Filho“empenhou-se em desenvolver uma abordagem dialética do direito” (COSTA; COELHO, 2017. p.3).Na ideia da Teoria dialética do direito de Lyra Filho 27 [...]a dialética surge como modo de abordar as questões sociais dentro de um quadro de historicidade, compreendendo as tensões existentes e desenvolvendo uma concepção unitária que incorpora elementos das concepções colidentes, constituindo uma síntese superadora dos elementos em tensão. Essa noção de unidade perpassa toda a obra de Lyra e é uma de suas características mais ligadas ao projeto filosófico moderno. (COSTA; COELHO, 2017. p.9). Com base nos autores acima citados o projeto de teoria dialética que guiará essa pesquisa consiste em repensar a tese do direito ao esquecimento e a antítese do não esquecimento a partir de um exame da sociedade informacional atravessada pelo conflito dos princípios: privacidade, da autodeterminação informativa,vedação de censura e liberdade de 27 Lyra Filho pode também ter se baseado na dialética hegeliana. Cf.p.8 COSTA, Alexandre Araújo; COELHO, Inocêncio Mártires. Teoria Dialética do Direito: a filosofia jurídica de Roberto Lyra Filho. Brasília, 2017.Acesso em: 12 jun .2022. Lopes lembra do vínculo entre Hegel e Marx e que para compreensão de um é preciso estudar o outro. Cf. p.106 LOPES, Antônio. Teoria crítica em Roberto Lyra Filho: uma aproximação dialética e pluralista. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. 2008. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/91035/255521.pdf?sequence=1&isAllowed=y . Acesso em: 12 jun .2022 31 expressão tentando acomodar as especulações filosóficas aos estudos jurídicos afetos ao tema.Lyra, segundo Costa e Coelho entendia que a dialética é a perspectiva que mais se adequa a cenários interdisciplinares como o proposto neste trabalho. (COSTA; COELHO, 2017, p.8). Por isso, também se optou por referenciá-lo. Na sequência passa-se a explicar o oposto de direito ao esquecimento para que seja possível se pensar a antítese desta pesquisa. Um dos desafios deste trabalho reside em definir o oposto do direito ao esquecimento. A seguir serão apresentados os conceitos de contradição, oposição e como estes se conectam com a teoria dialética hegeliana e com essa pesquisa. Segundo Abbagnano, há quem entenda que Hegel, tratou dos opostos correlativos, isto é, “Os opostos correlativos não se excluem mutuamente porque um evoca o outro (ABBAGNANO, 2007, p.214). Isto é, acerca da interligação dos opostos, elucida Hegel: “ a relação também tem o segundo lado, o lado negativo ou dialético. [...]. Cada novo estágio do sair fora de si, isto é, da determinação ulterior, é também um entrar em si e a extensão maior é da mesma maneira.” (HEGEL,2011,n.p).Segundo Gadamer citado por Nicolau, o método dialético hegeliano segue “o automovimento dos conceitos” em busca de um pensamento que está sempre em progressão. (GADAMER apud NICOLAU, 2010, p.155).Nessa esfera, indica- se o conceito de contradição hegeliano Hegel considerava o princípio de Contradição, e o de identidade, como "a lei do intelecto abstrato" (Ene, § 115). E contrapunha-lhe a lei da "razão especulativa", que seria: "Todas as coisas se contradizem em si mesmas". Essa lei seria a raiz de qualquer movimento e da vida, servindo de fundamento para a dialética (Wissenschaft der Logik, ed. Glockner, I, pp. 545- 46). Por outro lado a dialética (v.) é a identidade dos opostos, de tal modo que a contradição, conquanto seja a raiz da dialética (do movimento e da vida), não é a dialética, que, aliás, procede continuamente, conciliando e resolvendo as contradições. e estabelecendo para além delas o que o próprio Hegel chama de identidade ou unidade (d. Wissenschqft der Logik, I, p. 100). (ABBAGNANO, 2007, p.204, grifo nosso). Nessa esfera, transpondo para o presente trabalho tem-se que o conceito estruturante direito ao esquecimento não exclui o não esquecimento, assim, no sentido ora apresentado o ultimo é atraído pelo primeiro. Chauí ao tratar do tema da contradição dialética explica que “ em lugar de dizer quente-frio, doce amargo[...] devemos compreender que é preciso dizer quente- não quente, frio- não frio”. Isto porque a verdadeira negação seria o “não x” (CHAUI, 1994, p.203). Com efeito, é possível pensar que o oposto de direito ao esquecimento seja direito ao não esquecimento, na medida em que, segundo Hegel “seus momentos são diversos em uma única identidade; assim eles são opostos.” (HEGEL, 2011, n. p). Assim, no que tange ao tema do direito ao esquecimento junto ao método dialético hegeliano precisa-se investigar a coexistência dos opostos, esquecimento e não esquecimento 32 a fim de se chegar a interpretação da realidade sobre o tema. Pois, segundo Nicolau “Hegel promove a interpretação do real como a última instância de um desenvolvimento racional e dialético” (NICOLAU,2010 p.155) Neste ponto, é preciso discorrer acerca da escolha das nomenclaturas direito ao esquecimento e ao não esquecimento. Nesse sentido, recorda-se que não se pode criar direitos sem a devida previsão legal conforme expressa o principio da legalidade em sentido estrito. Di Pietro explica que O sentido estrito é reservado para as hipóteses em que a Constituição exige lei para a prática de determinado ato pela Administração Pública. Por isso também é conhecido como princípio da reserva de lei. É o caso, por exemplo, do art. 5º, II, pelo qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei; em decorrência desse princípio fica vedado à Administração impor deveres, aplicar penalidades ou conceder direitos sem previsão legal. É o sentido original do princípio, que vem desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e que foi adotado no direito brasileiro a partir da Constituição de 1824. [...] Também aí se enquadra o ensinamento de Gilmar Ferreira Mendes, em seus comentários ao art. 5º, II, da Constituição, 26 quando afirma que a ideia expressa nesse dispositivo “é a de que somente a lei pode criar regras jurídicas (Rechtsgesetze), no sentido de interferir na esfera jurídica dos indivíduos de forma inovadora. Toda novidade modificativa do ordenamento jurídico está reservada à lei”. (DI PIETRO, 2017, n.p) O principio da legalidade foi aqui exposto para se destacar que no ordenamento jurídico pátrio não há previsão legal para o direito ao esquecimento e nem para o direito ao não esquecimento. Não se pretendeu inovar criando direitos, pois segundo o exposto, tal modificação está reservada a lei. Os termos citados foram escolhidos para fins didáticos a fim de simplificar a compreensão do leitor e organizar os argumentos. Quanto à primeira nomenclatura esta já é aceita pela doutrina e jurisprudência nacionais e internacionais como será visto ao longo da pesquisa. Vale mencionar que na União Europeia o direito ao esquecimento já se encontra positivado e expressamente previsto no art. 17 da GDRP. No entanto, no que tange ao direito ao não esquecimento, a antítese deste trabalho, o último, também, não possui previsão legal no ordenamento pátrio, porém, o termo foi utilizado para a construção da negação dialética. A nomenclatura direito ao não esquecimento foi escolhida, pois, se considerou que a melhor forma de se fazer a negação da tese, qual seja, direito ao esquecimento seria acomodar a ideia da antítese como direito ao não esquecimento, enquanto oposto, e, portanto, negativo à tese. Nessa seara, é possível pensar que o direito ao esquecimento, é em geral, fundado na privacidade, na imagem e na honra, portanto, individual. Enquanto que, o direito ao não esquecimento de determinado fato é coletivo, fundado na liberdade de expressão, no acesso a informação, logo, social, isto é, a coletividade não pode ter seu direito a informação 33 suprimido em razão do individual, por exemplo. Assim, ambos estão entrelaçados, pois, no não esquecimento existe um fato individual que permanece no tempo com vistas a um determinado interesse social como o acesso a informação, por exemplo. A dialética servirá para abarcar os dois lados da discussão que se pretende propor e aqui parafraseando a frase de Shakespeare (2015): esquecer ou não esquecer na era digital, eis o problema. Assim, tese e a antítese estão correlacionadas. Isto posto, tem-se que o presente trabalho se desenvolverá com pesquisa bibliográfica e o método de abordagem utilizado será o dialético a fim de responder a questão central que se coloca: o direito ao esquecimento e ao não esquecimento são simultaneamente relevantes na sociedade informacional? Diante do exposto, o que se propõe nesta pesquisa é examinar a pertinência da coexistência do direito ao esquecimento e ao não esquecimento na sociedade informacional. Para alcançar o objetivo geral ora exposto pretende-se fazer uma síntese integrativa dos temas direito ao esquecimento e ao não esquecimento por meio da análise de trabalhos já publicados na literatura e jurisprudência nacionais e internacionais no período dos anos de 2000 até o presente. Ainda, com o intuito de responder ao escopo geral três objetivos específicos foram delineados: o primeiro consiste em se dedicar a tese, o próprio direito ao esquecimento de maneira que transpareça a essência, portanto, a própria razão de se requerer tal direito na atualidade. No segundo, visa-se apresentar os argumentos da antítese enquanto aquilo que pode ser entendido como avesso à tese. Portanto, o oposto da tese é o direito não esquecimento cujas premissas são os direitos a memória e a informação, a liberdade de expressão e a vedação de censura pelos estados e são conteúdos a serem abordados de modo a se chegar à substância do último direito. Quanto ao terceiro objetivo especifico este consiste no embate entre a tese e a antítese, assim sendo, respectivamente, aquilo que um sujeito entende que deva estar restrito a esfera privada e aquilo que os estados pensam ser adequados ao interesse coletivo. Assim, o último objetivo constitui-se também na síntese dialética. Ainda, para realizar este trabalho pretende-se articular também um pensamento crítico do Direito. Ao se utilizar o método dialético se propõe um movimento jurídico alternativo na medida em que se busca apreciar os opostos considerando a complexa sociedade ora apresentada. Wolkmer explica em que consiste o pensamento crítico falar em um “pensamento crítico” nada mais é do que a atentativa de buscar outra direção ou outro referencial epistemológico que atenda à modernidade presente,pois os paradigmas de fundamentação(tanto ao nível das ciências humanas quanto da Teoria Geral do Direito) não acompanham as profundas transformações sociais e econômicas poque passam as modernas sociedades politicas industriais e pos industriais[...]. O paradigma de cientificidade que sutenta o atual discurso jurídico liberal- individualista, edificado e sistematizado entre os séculos XVIII e XIX, está 34 inteiramente desajustado, diante da complexidade das novas formas de produção globalizada do capital e das profundas contradições estruturais das sociedades de consumo. Daí que a perspectiva de crítica, no contexto de um discurso oficialmente inerte, vazio e desatualizado, torna-se extremamente relevante,porquanto a emergência de categorias de ruptura ao instituído traz o direcionamento da teoria jurídica não só com os reais interesses da experiência social,mas sobretudo como autentico instrumento normativo de implementação das mudanças e das transformações necessárias.(WOLKMER,2001,.p.78) Deste modo, considerando que os pensamentos tradicionais fundados, de um lado, somente na privacidade, ao apoiar a tese, e do outro, amparando apenas na liberdade de expressão, ao tratar da antítese pode não responder ao panorama socioeconômico ora apresentado. Assim, assume-se a união do método dialético com o pensamento crítico para se realizar esta investigação. Wolkmer confirma a existência dessa junção ao distinguir as quatro vertentes do pensamento jurídico crítico no Brasil e reconhece dentre eles a “ crítica jurídica de perspectiva dialética”. (WOLKMER, 2001.p.87) Nesse caso, uma das questões exploradas na síntese e que constituirão se na análise crítica será tentar demonstrar o enfraquecimento das teorias da privacidade e da liberdade de expressão, por vezes, apresentadas como justificativas respectivamente para o esquecimento e para o não esquecimento. Embora, realizar tal análise crítica não seja um objetivo específico deste trabalho ela será importante para demonstrar que um dos fundamentos de cada direito em tela, quais sejam, privacidade e liberdade de expressão podem ter adquirido novos contornos na sociedade informacional. O último autor aclara que “os dialéticos [...] compartilham certos pontos comuns como a teoria do conflito, a dimensão política ideológica do jurídico, a defesa de uma sociedade democrática e socialista, a efetivação da justiça social, a superação da legalidade tradicional liberal- burguesa e a opção pelos excluídos e injustiçados” (WOLKMER,2001.p.98). Segundo Wolkmer, Roberto Lyra Filho é o principal intelectual do pensamento crítico- dialético no Brasil e possui a dialética como opção cientifica metodológica, sobretudo, por conta da “absorção mais direta de Hegel, Henrique C. Lima Vaz, João Mangabeira, Karl Marx[...]”.(WOLKMER,2001.p.99). Isto foi posto para se explicitar que este trabalho compartilha a ideia do modelo de “crítica jurídica de perspectiva dialética” de Lyra Filho na medida em que ,além de recuperar Hegel também possui “ a preocupação constante de encarar os fatos,dentro de umas perspectiva que enfatiza o devir(a transformação constante) e a totalidade (a ligação) de todos os segmentos da realidade , em função de conjunto” (WOLKMER,2001.p.99). 35 Desta forma, para orientar a presente pesquisa, se projeta os seguintes capítulos: no primeiro, será apresentada a tese do direito ao esquecimento incluindo o surgimento do direito ao esquecimento tendo sido limitado a partir da Web 2.0 e a demonstração de sua pertinência na sociedade atual passando pelo aclaramento da relevância dos provedores de busca na internet, uma vez que, o caso paradigmático da União Europeia o qual tornou o termo Right to be forgotten(RTBF) significativo perpassa o valor dos buscadores de internet para a sociedade informacional cujo potencial inclui, dentre outras questões, a facilidade de perpetuar uma informação. Ainda no primeiro capitulo, será feita uma discussão acerca da complexidade em se conceituar o Right to be forgotten. Neste capitulo, a ideia é mapear os a jurisprudência do TJSP a fim de se verificar em quais situações o instrumento é utilizado a fim de demonstrar que sua inexatidão implica no alcance da tutela jurídica. Neste trecho o objetivo é apresentar a relevância de se requerer de tal direito na sociedade informacional. Aqui, parte- se da ideia de que o homem em sua finitude é imperfeito e incorre em desacertos os quais ,por vezes, pode desejar esquecer. Além diss