Victor Hugo da Silva Braga A LATERALIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO PARASSIMPÁTICO: EVIDÊNCIAS NO CONTROLE CARDÍACO DO TAMBAQUI (COLOSSOMA MACROPOMUM) E DO ESTURJÃO BRANCO (ACIPENSER TRANSMONTANUS) São José do Rio Preto 2021 1 Victor Hugo da Silva Braga A LATERALIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO PARASSIMPÁTICO: EVIDÊNCIAS NO CONTROLE CARDÍACO DO TAMBAQUI (COLOSSOMA MACROPOMUM) E DO ESTURJÃO BRANCO (ACIPENSER TRANSMONTANUS) São José do Rio Preto 2021 Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Biologia Animal, junto ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Finaciadora: Fapesp – Proc.2016/17572-5 Capes – Pelo Programa PDSE Orientador: Prof. Dr. Luiz Henrique Florindo Coorientador: Prof. Dr. William Keneth Milsom 2 3 Victor Hugo da Silva Braga A LATERALIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO PARASSIMPÁTICO: EVIDÊNCIAS NO CONTROLE CARDÍACO DO TAMBAQUI (COLOSSOMA MACROPOMUM) E DO ESTURJÃO BRANCO (ACIPENSER TRANSMONTANUS) Comissão Examinadora Prof. Dr. Luiz Henrique Florindo UNESP - Campus de São José do Rio Preto - Orientador Prof. Dr. André Luiz da Cruz UFBA – Universidade Federal da Bahia Dr. Vinícius Araújo Armelin USP – Universidade de São Paulo Profª. Drª. Diana Amaral Monteiro UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos Profª. Drª. Claudia Regina Bonini Domingos UNESP - Campus de São José do Rio Preto São José do Rio Preto 17 de Dezembro de 2020 Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Biologia Animal, junto ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Finaciadora: Fapesp – Proc.2016/17572-5 Capes – Pelo Programa PDSE 4 Agradecimentos Agradeço a meu Orientador Luiz Henrique Florindo, por todo esse tempo me auxiliando em minha carreira cientifica e com o qual sempre pude contar. Aos meus amigos, Puto, Iva, Nathi, Isa, Ariela, Mari, Nollzinho, Gabriele e todos do LZCV, por todo tempo que passamos juntos no laboratório e fora dele. A meus pais e meu irmão sempre me ajudando em tudo. Ao meu coorientador Bill Milsom, e a Anne e Jacelyn, que sempre foram extremamente amigáveis, acessíveis e me acolheram em outro país. Além dos prof. Colin Brauner e Antony Farrel que dispuseram recursos para me ajudar em meu trabalho. A Fapesp pela bolsa de doutorado (processo 2016/17572-5) . Além desta, o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 (Programa PDSE) que me permitiu fazer parte do meu trabalho em outro país. A todo o laboratório LZCV e seus funcionários que permitiram que meu trabalho ocorresse. 5 RESUMO O metabolismo aeróbio demanda um controle intrincado entre a frequência cardíaca e ventilatória. Especialmente nos peixes, os quais realizam trocas gasosas em um meio (água) que possui concentração de oxigênio 30 vezes menor e densidade 1000 vezes maior em comparação com o ar atmosférico – dificultando a eficiência respiratória desses animais. Assim, esse complexo controle precisa ser capaz de realizar ajustes muito rápidos, afim de manter sua eficiência. Este é o papel do sistema nervoso autônomo (SNA), onde a divisão parassimpática é capaz de realizar esses ajustes quase instantaneamente controlando a frequência cardíaca batimento a batimento e consequentemente mantendo a pressão arterial e o padrão ventilatório necessários para a manutenção da homeostase. O SNA atua no controle cardiorrespiratório por meio de projeções de feixes nervosos que formam o nervo vago. As evidencias recentes apontam para uma lateralização deste nervo em grupos como repteis e mamíferos, sendo os lados direito e esquerdo apresentando funções diferentes no controle cardiorrespiratório. Assim, por meio de tratamentos farmacológicos, e analises da frequência cardíaca e respiratória, a presente proposta visou revelar a existência desta lateralização em peixes e melhor compreender este controle e suas origens no sistema nervoso central. Mostramos que o SNA age de forma lateralizada no controle cardíaco de tambaquis e esturjões sendo que o vago esquerdo é mais participativo no tambaqui e o direito no esturjão, além disso, mostramos que o esturjão branco, embora capaz de ajustes rápidos da frequência cardíaca (quimiorreflexo ou susto) não possui barorreflexo. Palavras-chave: Barorreflexo. Quimiorreflexo. Nervo vago. Lateralização. Variabilidade da Frequência Cardíaca. 6 ABSTRACT Aerobic metabolism requires an intricate control between heart rate and ventilation. Especially in fish, which perform gas exchanges in a medium (water) that has an oxygen concentration 30 times lower and a density 1000 times higher compared to atmospheric air - hindering the respiratory efficiency of these animals. Thus, this complex control needs to be able to make adjustments very quickly, in order to maintain its efficiency. This is the role of the autonomic nervous system (ANS), where the parasympathetic division is able to make these adjustments almost instantly by controlling the heart rate beat by beat and consequently maintaining the blood pressure and the ventilatory pattern necessary to maintain homeostasis. The ANS acts in cardiorespiratory control through projections of nerve bundles that form the vagus nerve. Recent evidence points to a lateralization of this nerve in groups such as reptiles and mammals, with the right and left sides having different functions in cardiorespiratory control. Thus, through pharmacological treatments, and heart and respiratory and heart rate analyzes, the present proposal aimed to reveal the existence of this lateralization in fish and better understand this control and its origins in the central nervous system. We show that the ANS acts in a lateralized way in the cardiac control of tambaquis and sturgeons, with the left vagus being more participative in tambaqui and the right in sturgeon, in addition, we show that the white sturgeon, although capable of rapid heart rate adjustments (chemoreflex or fright) has no baroreflex. Keywords: Baroreflex. Chemoreflex. Vagus nerve. Lateralization. Heart rate variability. 7 Lista de Figuras • Figura 1. Anatomia e funcionamento do Sistema nervoso autônomo no controle cardíaco em humanos. A divisão parassimpática (nervo vago) é mostrada em azul. Note o nervo vago ligando o tronco encefálico ao coração e o mecanismo de funcionamento da acetilcolina no receptor muscarínico colinérgico no detalhe ampliado. A acetilcolina se liga no receptor que ativa proteínas tipo G, então as subunidades dessas proteínas ativam canais de potássio e fecham canais de cálcio tipo T, permitindo o efluxo de íons positivos K+ e evitando o influxo de mais íons positivos Ca2+ , isto diminui o potencial de membrana e desacelera o ritmo de despolarização das células de marca passo reduzindo a frequência cardíaca. Adaptado de STANFIELD, C. L. Principles of human Physiology, 2012. Pag. 14. • Figura 2. Tambaqui (Colossoma macropomum). É possível ver a canula branquial saindo pelo opérculo do animal e a canula bucal logo acima das narinas. Pag. 23. • Figura 3. Esturjão Branco (Acipenser transmontanus. Note a canula saindo pela lateral da boca e presa no dorso do animal. Pag. 27. • Figura 4. Boca protrátil do esturjão, note a esquerda (A) a incisão no teto da boca do animal indicando o ponto de inserção da canula. A direita (B), a canula já colocada e presa com ponto cirúrgico no teto da cavidae bucal, é possível notar também as flanges utilizadas tanto para a canula dorsal (lado esquerdo da boca) quanto para a canula bucal (lado direito da boca). Pag. 28. • Figura 5. Frequência cardíaca dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral (VB) sob efeito dos tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina e Nitroprussiato. Os dados são mostrados em média ± SEM. O * mostra diferença significativa com o respectivo grupo Intacto (IN), a † mostra a diferença entre os grupos VD e VE. Pag. 34. • Figura 6. Pressão arterial dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral sob efeito dos tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina e Nitroprussiato. Os dados são mostrados em média ± SEM. O * mostra diferença significativa com o respectivo grupo Intacto, a † mostra a diferença entre os grupos VD e VE. Pag. 36. 8 • Figura 7. Variabilidade total da frequência cardíaca estimada pelo desvio padrão dos tacogramas. Grupo Intacto (IN), Vagotomia esquerda (VE), Vagotomia Direita (VD) e vagotomia Bilateral (VB). Os dados são média ± SEM. O * Mostra diferença significante para com o grupo Intacto. A † mostra a diferença entre os grupos VD e VE. A relação VLF/HF diminuiu consideravelmente nos grupos vagotomizados mas as vagotomias parecem não fazer diferença entre si. O grupo vagotomia bilateral praticamente não possui variabilidade e por isso a relação VLF/HF não mostra resultados comparáveis com os outros grupos. Pag. 37. • Figura 8. Densidade espectral de animais representativos para cada grupo. Note o deslocamento para direita dos picos nos animais vagotomizados quando comparados aos intactos principalmente acima dos 0.2 Hz. O grupo Vagotomia Bilateral praticamente não possui variabilidade. Pag. 40. • Figura 9 Gráfico de Poincaré mostrando 100 pontos (Intervalos R-R) de um animal de cada grupo. Note como os pontos do animal intacto (pontos azuis) formam um grupo muito mais esparso que os vagotomizados e como o animal bilateral tem um grupo de pontos muito pequeno. Pag. 41. • Figura 10. Quantidade de sequências Baroreflexas para cada 300 Intervalos R-R. Note que os grupos não tem muita diferença entre si. Pag. 43. • Figura 11. O gráfico representa o ganho barorreflexo em todos os grupos experimentais. * indica diferença quando comparado ao grupo intacto. A † mostra a diferença entre os grupos VD e VE. A queda do ganho no grupo vagotomia esquerda indica que o ajuste barorreflexo ficou de alguma forma prejudicado assim como no grupo vagotomia bilateral. Pag. 44. • Figura 12. Frequência respiratória dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral (VB) sob efeito dos tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina e Nitroprussiato. Os dados são mostrados em média ± SEM. O * mostra diferença significativa com o respectivo animal Intacto (IN), a † mostra a diferença comparado ao animal em repouso (Controle). Pag. 46. 9 • Figura 13. Variabilidade total da frequência cardíaca dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral (VB). Os dados são mostrados em média ± SEM. Pag. 47. • Figura 14. Densidade espectral da variabilidade da frequência respiratória de animais representativos para cada grupo. Note que os picos nos animais vagotomizados quando comparados aos intactos são muito parecidos. E nesse caso nem mesmo os animais completamente vagotomizados mostraram diferença significante no espectro. Pag. 48. • Figura 15 Frequência cardíaca dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral (VB) sob efeito dos tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina e Nitroprussiato. Os dados são mostrados em média ± SEM. O * mostra diferença significativa com o respectivo grupo Intacto (IN), a † mostra a diferença entre os grupos VD e VE e a ‡ mostra que os tratamentos causam uma alteração significativa quando comparados aos animais em repouso (Controle). Pag. 50. • Figura 16. Pressão arterial dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral sob efeito dos tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina e Nitroprussiato. Os dados são mostrados em média ± SEM. O * mostra diferença significativa com o respectivo grupo Intacto, a † mostra diferença para com os animais em steady state (Controle). Pag. 52. • Figura 17. Variabilidade total da frequência cardíaca estimada pelo desvio padrão dos tacogramas. Grupo Intacto (IN), Vagotomia esquerda (VE), Vagotomia Direita (VD) e vagotomia Bilateral (VB). Os dados são média ± SEM. O * Mostra diferença significante para com o grupo Intacto. A † mostra a diferença entre os grupos VD e VE. Pag. 53. • Figura 18. Espectro de frequências criado a partir dos tacogramas de um animal representativo para cada grupo com 128 intervalos R-R. Note os três picos abaixo dos 02 Hz e a baixa variabilidade dos grupos VD e VB. Pag. 55. • Figura 19. Gráfico de Poincaré mostrando 100 pontos (Intervalos R-R) de um animal de cada grupo. Note como os pontos do animal intacto (pontos azuis) e vagotomia esquerda (pontos vermelhos) formam grupos muito mais esparsos que os vagotomia direita (pontos verdes) e totalmente vagotomizados (pontos pretos). Pag. 56. 10 • Figura 20. Frequência cardíaca media e pressão arterial de seis animais em todos os tratamentos de alteração da pressão. Note que a frequência cardíaca não se correlaciona com a variação da pressão conforme o esperado em uma reação barorreflexa. Os valores são media ± SEM, * indica diferença significativa para com o grupo controle, os círculos indicam cada indivíduo. Pag. 58. • Figura 21. Sinal bruto de animais representativos, observe como a freqüência cardíaca diminui nos tratamentos com Susto e cianeto, mas não responde à variação da pressão arterial causada pelos tratamentos com fenilefrina e nitroprussiato. PA – Pressão arterial bruta, PM – Pressão média, fH – Frequência cardíaca. Pag. 59. • Figura 22. Frequência cardíaca e pressão medias de seis animais nos tratamentos de avaliação da resposta parassimpática. Valores são media ± SEM, * indica diferença significante se comparado ao grupo controle, os círculos indicam cada indivíduo. Note que quando a frequência cardíaca diminui ou para temporariamente a pressão logo segue. Pag 61 • Figura 23. Corte transversal do ramo cardíaco do vago de um esturjão branco. Note a presença de fibras mielinizadas em A (setas pretas) e o zoom da bainha de mielina em volta do axônio em B. Pag. 62. • Figura 24. Gnathostomata (vertebrados mandibulados) filogenia adaptada de Chanet e Meunier (2014), Mostrando os grupos com evidências de barorreflexo (check mark verde) e onde o os esturjões estão classificados (Chondrostei). Pag. 63. 11 Lista de Tabelas • Tabela 1. Frequência cardíaca e pressão arterial dos tambaquis intactos e Sham. O * indica que os tratamentos fizeram efeito e diferem do controle, contudo, não há diferença significativa entre os animais Intactos e Sham em nenhum dos tratamentos. Pag. 45. • Tabela 2. Frequência cardíaca e pressão arterial dos esturjões intactos e Sham. O * indica que os tratamentos fizeram efeito e diferem do controle, contudo, não há diferença significativa entre os animais Intactos e Sham em nenhum dos tratamentos. Pag. 57. 12 Sumário 1. Introdução .............................................................................................................................. 13 1.1 A organização e o papel do SNA ........................................................................................ 13 1.2 O Quimiorreflexo ................................................................................................................ 15 1.3 O Barorreflexo..................................................................................................................... 17 1.4 A parada cardíaca reversível ............................................................................................... 18 1.5 A variabilidade da frequência cardíaca e respiratória ......................................................... 18 1.6 O método da sequência de Bertinieri .................................................................................. 19 1.7 Justificativa.......................................................................................................................... 20 2. Objetivos ............................................................................................................................ 22 2.1. Objetivos específicos.......................................................................................................... 22 3. Material e métodos ................................................................................................................ 23 3.1 Experimentos com Tambaquis ............................................................................................ 23 3.2 Protocolo Cirúrgico ............................................................................................................. 24 3.3 Protocolo Experimental ....................................................................................................... 25 3.4 Experimentos com Esturjões Brancos I .............................................................................. 26 3.5 Protocolo Cirúrgico ............................................................................................................. 27 3.6 Protocolo Experimental ....................................................................................................... 28 3.7 Experimentos com Esturjões Brancos II ............................................................................. 29 3.8 Microscopia ......................................................................................................................... 30 3.9 Metodologias De Análise .................................................................................................... 30 4. Análises Estatísticas .................................................................................................................. 33 5. Resultados .............................................................................................................................. 34 5.1 Resultados dos Experimentos com Tambaquis ................................................................... 34 5.2 Respiração e Interações Cardiorrespiratórias no Tambaqui ................................................ 46 5.3 Resultados dos Experimentos com Esturjões ...................................................................... 50 5.4 Experimentos de confirmação do Barorreflexo .................................................................. 58 6. Conclusões ................................................................................................................................ 65 6.1 Tambaquis ........................................................................................................................... 65 6.2 Esturjões .............................................................................................................................. 66 Referências .................................................................................................................................... 67 13 1. INTRODUÇÃO 1.1 A organização e o papel do SNA O sistema nervoso autônomo (SNA) é a parte do sistema nervoso periférico (SNP) que controla efetores internos como – os músculos lisos, as glândulas e o musculo cardíaco, sendo responsável, por exemplo, pelo controle do ciclo cardíaco, da ventilação e suas interações com o controle cardiovascular. Sua subdivisão parassimpática atua na regulação cardiorrespiratória dos vertebrados por meio de projeções nervosas do tronco encefálico que se unem em um feixe nervoso, denominado nervo vago (Fig. 1). Este nervo é constituído de várias rotas neurais em que diferentes aferências e eferências se inserem em diferentes áreas do sistema nervoso central, como o núcleo ambíguo e o núcleo motor dorsal, responsáveis respectivamente pelo controle do ciclo cardíaco e respiratório (NILSSON, 2011; PORGES, 2001; TAYLOR et al., 2009). Essa organização parece ser verdadeira inclusive nos peixes (LEITE et al., 2009). No controle cardíaco, o nervo vago é responsável pelo tônus colinérgico no coração (Fig. 1), isto é, ele controla o coração por meio da liberação de acetilcolina na fenda sináptica adjacente ao nodo sinoatrial, alterando o ritmo de despolarização das células de marca-passo afim de alterar a frequência cardíaca. Olhando apenas para a eferência parassimpática (os sinais saindo do SNC e SNA até o órgão efetor por meio do nervo vago) podemos dizer que o controle cardíaco dos peixes é muito semelhante ao dos mamíferos (TAYLOR et al. 2014), assim como o mecanismo de ação da acetilcolina que permanece muito conservado nos vertebrados (Fig. 1). 14 Figura 1 – Anatomia e funcionamento do Sistema nervoso autônomo no controle cardíaco em humanos. A divisão parassimpática (nervo vago) é mostrada em azul. Note o nervo vago ligando o tronco encefálico ao coração e o mecanismo de funcionamento da acetilcolina no receptor muscarínico colinérgico no detalhe ampliado. A acetilcolina se liga no receptor que ativa proteínas tipo G, então as subunidades dessas proteínas ativam canais de potássio e fecham canais de cálcio tipo T, permitindo o efluxo de íons positivos K+ e evitando o influxo de mais íons positivos Ca2+ , isto diminui o potencial de membrana e desacelera o ritmo de despolarização das células de marca passo reduzindo a frequência cardíaca. Fonte: Adaptado de STANFIELD, C. L. Principles of human Physiology, 2012. Em um estudo de 1995, Porges sugere que o nervo vago seja assimétrico, com os lados direito e esquerdo desenvolvendo funções diferentes no sistema cardiorrespiratório, e embora essa afirmação seja suportada por estudos prévios em corações de mamíferos in vitro (NG; BRACK; COOTE, 2001) e em répteis in vivo (HICKS; COMEAU, 1994; TAYLOR et al., 2009), não é sabido se essa assimetria existe em grupos mais basais como os peixes. Além disso, os estudos in 15 vitro não permitem o entendimento das relações entre frequência cardíaca e ventilação enquanto os estudos nos répteis podem ser ambíguos, principalmente quanto ao controle barorreflexo, já que estes apresentam os barorreceptores no tronco arterioso (BAGSHAW, 1985). Portanto, é difícil separar as respostas causadas somente pelas eferências vagais caso estas sejam lateralizadas, pois a denervação do ramo cardíaco interferiria também nas aferências provenientes destes receptores, confundindo a interpretação dos resultados. Contudo, embora tenhamos boas evidencias de lateralização do SNC em vertebrados, uma questão ainda em aberto é sua real função. Alguns autores consideram que a lateralização pode ajudar a prevenir conflitos entre os hemisférios do cérebro (BIZZAZA et al. 1998) ou até mesmo ajudar a economizar energia evitando desgastar os dois lados do cérebro com a mesma função. De qualquer forma, o estudo da lateralização em um ramo nervoso central controlado pelo SNA pode ajudar a avançar mais alguns passos no entendimento da real função da lateralização cerebral. Como os dois lados do nervo vago se estendem até um único órgão efetor (coração) é bastante plausível que a lateralização ajude a evitar algum tipo de conflito entre os hemisférios cerebrais. Por isso, escolhemos nesse estudo tentar estimular o nervo vago de diversas formas afim de revelar qualquer tipo de assimetria entre os ramos cardíacos do vago, estímulos esses aos quais daremos breves introduções a seguir. 1.2 O Quimiorreflexo Nos vertebrados, a manutenção do metabolismo aeróbico demanda um controle intrincado entre a frequência cardíaca e ventilatória, especialmente nos peixes, os quais realizam trocas gasosas com um meio (água) que possui concentração de oxigênio 30 vezes menor e densidade 1000 vezes maior em comparação com o ar atmosférico (NILSSON, G. E.; ÖSTLUND-NILSSON, 2008), prejudicando a eficiência respiratória desses animais. Considerando que as trocas gasosas 16 ocorrem por difusão entre o sangue desses animais e o conteúdo do ambiente externo contido em suas superfícies respiratórias, a extração de oxigênio é dependente tanto da perfusão sanguínea dessas superfícies quanto da ventilação, e o controle fino desses fatores pode aumentar o gradiente de concentração que permite a difusão dos gases de forma a melhorar a eficiência respiratória (FARRELL, 2007). Em geral, os peixes apresentam ajustes cardiorrespiratórios marcantes, como uma bradicardia associada à hiperventilação ou uma sincronia cardiorrespiratória, pois constantemente enfrentam situações de hipóxia ambiental induzida por eutrofização ou aumento da temperatura (FARRELL, 2007; KRAMER, 1987). Para o estabelecimento desses ajustes, o sistema cardiorrespiratório demanda um controle preciso e rápido do sistema nervoso central, o qual integra informações aferentes de diferentes receptores centrais e periféricos, e ajusta os ritmos cardíaco e respiratório por meio de eferências autonômicas simpáticas e/ou parassimpáticas (ALTIMIRAS, 1999). De forma geral, ajustes cardiorrespiratórios em curto prazo (que se estabelecem em milissegundos ou de 1 a 2 minutos) são mediados pela subdivisão parassimpática do sistema nervoso autônomo, ajustes em médio prazo (que se estabelecem em poucos minutos ou poucas horas) são mediados tanto pela subdivisão parassimpática quanto pela subdivisão simpática, e ajustes de longo prazo (que se estabelecem em horas, dias ou períodos maiores) são mediados pela subdivisão simpática e por fatores humorais (AKSELROD et al., 1981; ALTIMIRAS, 1999; ROMERO; HOFFMANN., 2006; ROMERO; HOFFMANN, 2008). É importante enfatizar que os ajustes cardiorrespiratórios agudos à hipóxia ou hipercarbia (quimiorreflexo) ocorrem em curto prazo, e que sua modulação autonômica tanto em tambaquis quanto em esturjões não é exceção à regra, sendo que os tambaquis sabidamente apresentam mediação exclusivamente parassimpática 17 (SUNDIN et al., 2000; MCKENZIE et al., 1995). Assim, o quimiorreflexo se mostra um ótimo ajuste a ser estudado para evidenciar a lateralização do nervo vago. 1.3 O Barorreflexo Nos vertebrados, a pressão arterial deve ser precisamente ajustada afim de manter uma correta perfusão dos tecidos e consequentemente a manutenção das trocas gasosas e do transporte de nutrientes e metabólitos (HAGENSEN; ABE; WANG, 2010; VLIET; WEST, 2011). Para isso, o sistema cardiovascular precisa ser capaz de responder prontamente as demandas impostas a ele afim de manter um debito cardíaco suficiente para a preservação da homeostase. Esta resposta da frequência cardíaca a alterações agudas de pressão arterial é chamada barorreflexo e é regulada particularmente pela divisão parassimpática do SNA, que é capaz de realizar ajustes finos da frequência cardíaca quase instantaneamente (ALTIMIRAS, 1999). A regulação da pressão arterial pelo barorreflexo se inicia a partir de feedbacks dos barorreceptores e ocorre em duas vias, uma pela alteração da frequência cardíaca de forma inversamente proporcional a alteração pressórica (aumento da pressão leva a queda da fH e a diminuição da pressão leva a aumento da fH) e outra pela via vasomotora (GUYTON. 1985), majoritariamente por meio dos receptores α1 sensíveis a epinefrina localizados nos vasos sanguíneos, sendo esta via mais relacionada a divisão simpática do SNA. Assim, o barorreflexo define-se como as respostas cardiovasculares frente as alterações da pressão arterial. No tambaqui, essas respostas são majoritariamente mediadas por alterações da frequência cardíaca controlada pela divisão parassimpática do SNA (ARMELIN et al. 2016), para reduzir a frequência cardíaca basta que o tônus colinérgico aumente, aumentando a secreção de acetilcolina, enquanto que para aumentar o frequência o tônus colinérgico basal pode ser reduzido aumentando a frequência cardíaca sem necessidade de influência simpática (adrenérgica). Isso 18 mostra que o estudo do barorreflexo também pode ser usado para evidenciar a lateralização do controle vagal no coração. Quanto aos esturjões, o presente estudo foi o pioneiro em investigar o barorreflexo nesses animais. 1.4 A parada cardíaca reversível Os mais diversos estímulos ambientais (sombras móveis, variações bruscas de luminosidade ou contato físico por exemplo) são capazes de engatilhar uma forte bradicardia a ponto de interromper o ritmo cardíaco e parar temporariamente o funcionamento do coração (CUADRAS, 1981). Este efeito de parada cardíaca reversível ocorre em diferentes grupos animais como mamíferos, moluscos, anfíbios, aves e peixes (CUADRAS, 1981; IDE; HOFFMANN, 2002) e embora seu propósito permaneça desconhecido, suas bases fisiológicas começaram a ser desvendadas. Sabe-se que animais atropinizados ou vagotomizados não exibem esse tipo de resposta (CAMERON, 1979; IDE; HOFFMANN, 2002), sendo assim, conclui-se que o controle da parada cardíaca reversível é de origem parassimpática vagal, sendo também um ótimo reflexo a ser estudado quanto a lateralização do nervo vago. 1.5 A variabilidade da frequência cardíaca e respiratória As flutuações da frequência cardíaca que ocorrem batimento a batimento são o reflexo das regulações autonômicas decorrentes dos inputs aferentes provenientes de diversos receptores centrais e periféricos (SAUL, 1990). Estas flutuações são denominadas variabilidade da frequência cardíaca e seu estudo pode trazer informações sobre a saúde cardíaca, assim como o estado do sistema nervoso autônomo em diferentes situações enfrentadas pelos animais (ACHARYA et al., 2006). Embora não existam ainda estudos de variabilidade da frequência cardíaca em esturjões, no tambaqui, estudos anteriores mostram que a grande maioria da variabilidade da frequência cardíaca é resultante do barorreflexo atuando constantemente para manutenção da homeostase (ARMELIN 19 et al., 2016) que consequentemente em sua maioria é regulado pela divisão parassimpática do SNA. A análise espectral derivada da transformação rápida de Fourier (FFT) é um tipo de análise de variabilidade que permite a visualização de picos de frequência relativos ao trabalho autonômico no coração (MCKENZIE et al., 2007; SEEBACHER; FRANKLIN, 2004). Qualquer alteração no tamanho ou posição desses picos é um indicativo de alteração no trabalho autonômico e por esse motivo a analise espectral foi utilizada nesse trabalho afim de revelar mais evidencias das diferenças entre os ramos cardíacos do nervo vago. Nos mamíferos, a frequência cardíaca varia de acordo com os ciclos ventilatórios devido a atividade vagal. Essa variação gera um padrão de variabilidade que pode ser observado na análise de variabilidade da frequência cardíaca e é conhecido como arritmia sinusal respiratória (CAMPBELL et al. 2006). Dessa forma a análise de variabilidade da frequência respiratória pode ser combinada com a da frequência cardíaca para relacionar os picos gerados e ajudar a elucidar sua origem e controle autonômicos. 1.6 O método da sequência de Bertinieri Como citado anteriormente, o barorreflexo é um ótimo reflexo a ser estudado quanto ao controle cardíaco de origem vagal e o método da sequência de Bertinieri nos traz informações mais precisas e completas com relação a essa variável, mostrando um índice de sensibilidade e eficiência barorreflexas (BERTINIERI et al. 1985) que podem ser comparados quanto as respostas lateralizadas do nervo vago, ou seja além de visualizar a origem lateralizada do barorreflexo ainda torna possível comparar separadamente a participação mais exata de cada ramo do vago cardíaco neste reflexo. 20 No método tradicional, o barorreflexo é comumente mensurado comparando-se as variações do intervalo de pulso em resposta às mudanças na pressão sistólica, induzidas pela infusão de fármacos vasoativos. No método da sequência, a eficiência e sensibilidade barorreflexas podem ser medidas utilizando-se apenas os dados obtidos da canulação arterial durante o repouso, simplificando a metodologia pois não envolve as diversas infusões sequenciais de fármacos que o método tradicional demanda, além de ser menos invasivo e submetendo o animal a um período experimental menor e menos estressante. Além disso, o método da sequência foi muito recentemente padronizado em animais ectodérmicos (FILOGONIO et al. 2019) trazendo assim uma grande inovação para este estudo. 1.7 Justificativa Embora a lateralização do sistema nervoso se mostre uma característica comum nos vertebrados, principalmente nas aves (ROGERS et al., 2004, VALLORTIGARA e ANDREW, 1991) e mamíferos (VALLORTIGARA et al., 1999), sendo um forte argumento indicando uma mesma origem evolutiva; o comportamento, assim como o próprio cérebro, não se preservam no registro fóssil, limitando-nos apenas ao estudo dos animais viventes atualmente (BISAZZA et al., 1998) na tentativa de nos ajudar a traçar as origens da lateralização e sua importância nos diferentes sistemas e comportamentos dos animais. Assim, tendo em vista que os mecanismos relacionados ao controle vagal cardiorrespiratório, particularmente nos peixes, ainda não são completamente entendidos, este campo de estudo se torna bastante estimulante, já que pode trazer respostas sobre as origens evolutivas da lateralização vagal e principalmente sobre o controle dos complexos padrões cardiorrespiratórios dos peixes, assim como trazer novas evidencias sobre a origem central do quimiorreflexo, da parada cardíaca reversível e do barorreflexo. 21 Desta forma, a presente proposta visou verificar se as inervações vagais cardíacas são lateralizadas funcionalmente em um teleósteo e em um condrósteo. Ressalta-se que o tambaqui apresenta respostas parassimpáticas (quimiorreflexo, barorreflexo e parada cardíaca reversível) particularmente intensas quando comparado a outros peixes e que as inervações vagais branquiais, visceral e cardíaca já se encontram mapeadas e são de fácil acesso nesses animais (MILSOM et al., 2002). Além disso, como já é conhecido que os barorreceptores são exclusivamente branquiais nesses animais (ARMELIN et al., 2016) e os quimiorreceptores se distribuem principalmente nas brânquias e cavidade orobranquial (SUNDIN et al., 2000), a denervação do ramo cardíaco não é capaz de afetar as respostas baro e quimiorreflexas nesses animais, não interferindo nos resultados como ocorre nos estudos com répteis e mamíferos. Quanto ao esturjão branco, este é um condrósteo, grupo primitivo de peixes que possuem características tanto de elasmobrânquios quanto de osteíctes (WANG e LIU, 2006), por isso é um animal que se encontra em uma posição filogenética interessante para comparações evolutivas. Além disso, com exceção do quimiorreflexo (MCKENZIE et al., 1995; CROCKER e CECH Jr, 1998), pouco se sabe sobre o controle cardíaco reflexo nesses animais tornando-o um curioso modelo de comparação com o tambaqui e trazendo novas informações sobre essa espécie. 22 2. OBJETIVOS Determinar as influências isoladas do nervo vago direito e esquerdo na modulação autonômica cardíaca do teleósteo Colossoma macropomum e do condrósteo Acipesnser transmontanus e verificar se apresentam funções distintas no estabelecimento da sincronia cardiorrespiratória nestas espécies. 2.1. Objetivos específicos Verificar se o barorreflexo, o quimiorreflexo e a parada cardíaca reversível são reflexos lateralizados nos Tambaquis e nos Esturjões. Verificar se os ramos vagais direito e esquerdo atuam de forma diferente no controle batimento a batimento da frequência cardíaca e na frequência respiratória dos Tambaquis e dos Esturjões. Determinar se a sensibilidade e a eficiência barorreflexa são igualmente reguladas pelos ramos direito e esquerdo do nervo vago nos Tambaquis e nos Esturjões. 23 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1 Experimentos com Tambaquis Foram utilizados 36 espécimes de C. macropomum (Fig 2), (Cuvier, 1818) de ambos os sexos, com massa de aproximadamente 400g, obtidos no CAUNESP – Jaboticabal/SP. Anteriormente aos experimentos, os animais foram aclimatados por um mês em tanques de 500 litros sob fotoperíodo natural, abastecidos com água sem cloro, normóxica (constantemente aerada, apresentando uma pressão parcial de oxigênio próxima de 140 mmHg), temperatura de aproximadamente 25 °C e densidade de 10 animais por tanque. Os animais eram alimentados até a saciedade em dias alternados com ração comercial para peixes, exceto nas 72 horas precedentes à realização dos experimentos, tempo suficiente para evitar alterações metabólicas relacionadas a digestão e a eliminação de fezes na câmara experimental. Figura 2. Tambaqui (Colossoma macropomum). É possível ver a canula branquial saindo pelo opérculo do animal e a canula bucal logo acima das narinas. Fonte: Elaborada pelo autor. A presente pesquisa foi realizada no campus de São José do Rio Preto da Universidade Estadual Paulista (UNESP) no Laboratório de Zoofisiologia Comparativa dos Vertebrados. Todos os procedimentos experimentais foram submetidos à avaliação da Comissão de Ética e Uso de Animais da instituição supracitada e foram aprovados sob o protocolo CEUA 147/2016. 24 3.2 Protocolo Cirúrgico Para indução anestésica, os peixes eram mantidos em solução aquosa de benzocaína (100mg/l) até apresentarem perda de equilíbrio e ausência de movimentos operculares. Posteriormente, eram transferidos para uma mesa cirúrgica munida de um sistema de recirculação de benzocaína aerada e de concentração menor (50mg/l), onde as brânquias dos animais eram mantidas irrigadas constantemente mantendo os animais vivos e anestesiados durante o procedimento operatório. Uma cânula de polietileno (PE20) preenchida com uma solução de heparina (100 IU/ml afim de evitar coagulação do sangue no interior da cânula), era inserida na artéria branquial aferente dos animais afim de coletar a pressão arterial dos mesmos e permitir a infusão de fármacos. Um transdutor de pressão (SS13L) conectado a um sistema de aquisição de dados BIOPAC MP36, foi utilizado para aquisição contínua dos dados a uma taxa de amostragem de 1000 (Hz). A frequência cardíaca foi derivada do sinal pulsátil da pressão arterial e posteriormente utilizada para a análise de variabilidade da frequência cardíaca. Para realizar as denervações, seguimos a descrição de MILSOM et al., 2002. O opérculo dos animais era mantido aberto e uma pequena incisão era realizada no epitélio do teto opercular logo cima do primeiro e segundo arcos branquiais – permitindo acesso ao nervo vago e seus ramos. A denervação seguia então com a secção do ramo cardíaco de acordo com cada grupo experimental proposto (Intacto, Vagotomia Direita, Vagotomia Esquerda, Vagotomia Bilateral e Sham- Operated). As denervações foram confirmadas post-mortem por autópsia. Uma outra cânula de polietileno (PE100) era inserida na boca dos animais através de um orifício feito na parte superior da cabeça (entre as narinas). Esta cânula era utilizada para a 25 mensuração da frequência e amplitude ventilatórias (LEITE et al., 2007), assim como para a injeção de Cianeto de Sódio (1mL a uma concentração de 2mg/mL MILSOM et al., 2002). Para recuperação os animais eram colocados em câmaras experimentais de 20 litros (20 cm × 50 cm × 20 cm) preenchidas com água constantemente aerada (pressão parcial de oxigênio próxima de 140 mmHg), a temperatura foi mantida constante a 25 °C com auxílio de um termostato. Após 24 horas de recuperação iniciávamos os experimentos. 3.3 Protocolo Experimental Os animais foram divididos em cinco grupos experimentais: Intacto (IN, N=8), que não sofreram denervação ou qualquer procedimento na cavidade opercular, Vagotomia Esquerda (VE, N=8), com o ramo cardíaco do vago esquerdo seccionado, Vagotomia Direita (VD, N=8), com o ramo cardíaco do vago direito seccionado, Vagotomia Bilateral (VB, N=8), com os ramos cardíacos do vago esquerdo e direito seccionados, e Sham-Operated (Sham, N=4), nos quais tais nervos foram expostos ao ambiente externo, porém não-seccionados. Os dados de pressão arterial, frequência e amplitude ventilatórias foram coletados continuamente, sendo que a primeira hora foi utilizada para a análise da variabilidade da frequência cardíaca/respiratória e do método da sequência de Bertinieri, então todos os animais passaram pelos seguintes tratamentos: - Primeiro foi realizado o teste da parada cardíaca reversível, onde estudamos as diferenças lateralizadas dessa reação fisiológica. Baseado no trabalho de Ide & Hoffmann (2002) desenvolvemos um procedimento de batida padronizada no aquário utilizando um martelo de borracha com o cabo fixo em uma base, este era então levantado a uma altura específica e solto para causar uma batida padronizada na lateral do aquário. O procedimento era repetido por duas vezes com intervalos de 10 min (a normalização dos parâmetros fisiológicos é 26 bastante rápida neste caso (IDE; HOFFMANN, 2002)), por fim aguardávamos mais 30 minutos antes de iniciar o próximo tratamento. Depois, dava-se início ao tratamento com Cianeto de sódio intrabucal (MILSOM et al., 2002) afim de estudar a lateralização do quimioreflexo. O cianeto de sódio promove uma estimulação dos quimiorreceptores de O2 (BURLESON et al., 1992) para desencadear uma bradicardia reflexa, a qual é conhecidamente de origem parassimpática vagal (SUNDIN et al., 2000). Então era esperada uma hora depois da aplicação (tempo suficiente para evitar a que a ação do fármaco influencie o próximo tratamento já que o NaCN atua muito rapidamente e logo os padrões fisiológicos se estabilizam (MCKENZIE et al., 1995)). Por fim o último tratamento era realizado, afim de estudarmos a lateralização do barorreflexo, era injetada por meio da cânula intrarterial uma solução de fenilefrina (40 µg/Kg) um agonista β-adrenérgico capaz de causar um desequilíbrio pressórico que rapidamente é compensado por uma evidente bradicardia de origem parassimpática (TAYLOR; JORDAN; COOTE, 1999). Após a recuperação da fenilefrina era então injetada uma solução de Nitroprussiato de sódio (40 μg.kg-1) diminuindo a pressão arterial e aumentando a frequência cardíaca, assim obtivemos as respostas tanto taquicárdicas quanto bradicárdicas. 3.4 Experimentos com Esturjões Brancos I Vinte e quatro esturjões brancos (Fig 3) (Acipenser transmontanus, Richardson 1836), de ambos os sexos, com massa de aproximadamente 1.200g ± 100 g foram obtidos da Vancouver Island University (Nanaimo, BC, Canada). Foram mantidos na instalação de animais aquáticos da University of British Columbia (Vancouver, BC, Canada) dentro de tanques com capacidade de 4,000 l, abastecidos com água sem cloro a 10°C, e mantidos sob fotoperíodo de 12:12 h. Os peixes eram alimentados até a saciedade em dias intercalados usando ração comercial em pellets (Orient 27 4–0, Skretting, Vancouver, BC, Canada). Anteriormente a cirurgia os animais eram deixados em jejum por 48h a fim de evitar alterações metabólicas relacionadas a digestão. Todos os experimentos foram conduzidos de acordo com as exigências do Canadian Council on Animal Care e aprovado pelo University of British Columbia Animal Care Committee (Protocolo n. A18- 0288). Figura 3. Esturjão Branco (Acipenser transmontanus). Note a canula saindo pela lateral da boca e presa no dorso do animal. Fonte: Elaborada pelo autor. 3.5 Protocolo Cirúrgico Os animais foram anestesiados com metanosulfonato de tricaina (MS-222) 100 mg L-1 combinado com 200 mg L-1 de bicarbonato de sódio para balancear o pH já que a tricaína é um composto levemente ácido. Esta concentração foi escolhida com base em um trabalho anterior de Matsche 2011 também com esturjões. Os animais eram mantidos nessa solução até o movimento opercular cessar e então eram transferidos para a mesa cirúrgica onde uma solução aerada de concentração menor foi utilizada para manter a irrigação das brânquias (75 mg L-1 MS-222 e 150 mg L-1 bicarbonato de sódio). Os animais eram então posicionados dorsoventralmente na mesa, onde tinham a boca mantida aberta por um pequeno gancho de ponta arredondada tracionando levemente a boca protrátil do animal para fora (Fig 4A), mantendo-a aberta, então uma cânula PE 50 heparinizada (100UI/ml heparina) (previamente preparada com uma flange em forma bolha e guia de metal 28 interno) foi inserida na aorta dorsal e suturada ao teto da cavidade bucal (AXELSON AND FRITSCHE, 1994). Uma outra canula de polietileno (PE100) era inserida na cavidade bucal, desta vez lateralmente por um pequeno furo próximo a articulação da mandíbula (Fig 4B), esta era utilizada para injeção da solução de Cianeto de Sódio. Figura 4. Boca protrátil do esturjão, note a esquerda (A) a incisão no teto da boca do animal indicando o ponto de inserção da canula. A direita (B), a canula já colocada e presa com ponto cirúrgico no teto da cavidade bucal, é possível notar também as flanges utilizadas tanto para a canula dorsal (lado esquerdo da boca) quanto para a canula bucal (lado direito da boca). Fonte: Elaborada pelo autor. 3.6 Protocolo Experimental Após a cirurgia os animais foram colocados em pequenas caixas opacas (60cm x 15cm x 15cm) por 24 horas anteriormente aos experimentos. As caixas eram mantidas dentro de um tanque de maior tamanho (300 l) preenchido com água sem cloro a 10 º C. A cânula dorsal era então conectada a um transdutor de pressão e ao sistema de aquisição de dados Windaq (DATAQ Instruments, Akron, OH). A partir deste sinal de pressão obtido foi possível derivar a frequência cardíaca e a pressão arterial média. Para assegurar a estabilização do sinal, uma hora de dados era adquirida enquanto em situação de repouso antes de iniciar os tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina e Nitroprussiato de sódio (Semelhantes aos tratamentos desenvolvidos para os Tambaquis). A B 29 No tratamento Susto, a caixa de contenção dos animais era manualmente inclinada para um ângulo de 45º e imediatamente retornada a sua posição inicial, este movimento surpreendia o animal causando uma potente reação do sistema nervoso autônomo parassimpático conhecida como parada cardíaca reversível (IDE e HOFFMAN, 2001). Depois de 15 min (suficiente para estabilização da frequência cardíaca), uma injeção de 2 ml de solução de cianeto de sódio (2mg/ml NaCN) era injetada na canula bucal. NaCN é um estimulador dos quimiorreceptores de oxigênio que mimetiza uma resposta hipóxica (MACKENZIE et al., 1994) causando uma forte resposta parassimpática que diminui a frequência cardíaca e consequentemente a pressão arterial. Depois de mais 30 min, uma solução de fenilefrina (40 μg kg−1) era injetada pela canula dorsal. Este antagonista adrenérgico causa vasoconstrição causando aumento da pressão sanguínea. Então, 30 minutos depois, era aplicada também pela canula dorsal uma solução de Nitroprussiato de sódio (80 μg kg−1). O nitroprussiato libera óxido nítrico (NO) que age como um vasodilatador, diminuindo a pressão arterial (doses baseadas em outros trabalhos em peixes por ARMELIN et al., 2019A e CROCKER et al., 1998). 3.7 Experimentos com Esturjões Brancos II Para confirmar a presença de barorreflexo no esturjão branco seguimos mais um protocolo levemente diferente: Seis Animais foram anestesiados conforme o mesmo protocolo supracitado e após a cirurgia os animais foram colocados em pequenas caixas opacas (60cm x 15cm x 15cm) por 24 horas anteriormente aos experimentos. As caixas eram mantidas dentro de um tanque de maior tamanho (300 l) preenchido com água sem cloro, desta vez a 17,5 º C (temperatura de preferência do esturjão branco de acordo com Gräns e colaboradores, 2010) mantida por aquecedores com termostatos. A cânula dorsal era então conectada a um transdutor de pressão e ao sistema de aquisição de dados. 30 Para assegurar a estabilização do sinal, uma hora de dados era adquirida enquanto em situação de repouso antes de iniciar os tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina, Nitroprussiato de sódio e Hipervolemia (Semelhante ao anterior com a adição da hipervolemia). A hipervolemia era então iniciada como último tratamento 30 minutos depois do tratamento Nitroprussiato de Sódio. Uma solução salina a 10ml/kg era adicionada ao volume sanguíneo do animal em menos de 30 segundos. A intenção era alterar o volume de sangue do animal de forma suficientemente brusca para disparar um reflexo cardíaco (se este estivesse presente). 3.8 Microscopia Para verificar a presença de fibras nervosas mielinizadas no vago cardíaco dos esturjões, os ramos vagais cardíacos direito e esquerdo foram dissecados e fixados em solução Karnovsky’s [2.5% glutaraldeído and 2% paraformaldeido in 0.1 M buffer de cacodilato (pH 7.4)] e pós fixado em 1% tetróxido de ósmio, 0.8% ferrocianeto de potássio, e 5 mM cloreto de cálcio em 0.1 M em buffer de cacodilato (pH 7.4) por uma hora (ver Monteiro et al., 2018 para protocolo mais detalhado). Secções ultrafinas eram obtidas usando micrótomo automático e coletadas em telas de cobre 200-mesh. Fotomicrografias foram obtidas usando um Hitachi H7600 TEM. 3.9 Metodologias De Análise A análise da variabilidade da frequência cardíaca permitiu observar se os ramos direito e esquerdo do vago mostram tempos de resposta diferentes, ou seja, atuam diferentemente nas regulações tanto rápidas (instantâneas) quanto mais lentas (segundos ou minutos). Para isso selecionamos 128 picos do sinal de pressão arterial (batimentos cardíacos) que eram plotados em um tacograma (software Student Lab Pro v3.7 BIOPAC Systems Incorporated, Goleta, CA, USA) que organiza os picos de pressão em função do tempo (MCKENZIE et al., 2007). 31 Os tacogramas eram então exportados para arquivos de texto (.txt) e analisados pelo software Cardio Series v2.4 (custom software by Daniel Penteado) onde, primeiramente calculamos o desvio padrão dos mesmos afim de obter a variabilidade total da frequência cardíaca. Em seguida, as séries de batimentos eram reamostradas inserindo-se pontos a cada 500 ms utilizando uma interpolação de splines cúbicas (2 Hz), depois, as séries interpoladas eram divididas em intervalos de sobreposição de 50% com 128 amostras por janela, por fim, uma janela de Hanning era utilizada para atenuar o vazamento espectral e o espectro foi calculado para todos os segmentos com uma transformação rápida de Fourier (FFT). O mesmo procedimento foi realizado para análise da variabilidade da frequência respiratória, quando esta era possível, utilizando os picos de pressão relativos à ventilação. Desta forma verificamos as influências das inervações direita e esquerda no coração dos tambaquis e esturjões em diferentes situações. Para a análise do método da sequência de Bertinieri os dados acerca da pressão arterial e dos intervalos de pulso de 300 intervalos R-R (FILOGONIO et al., 2019) de cada animal foram analisados utilizando-se o software CardioSeries v2.4. Para isso definimos dois tipos de sequência barorreflexa: (1) sequências de três ou mais batimentos cardíacos em que aumentos progressivos da pressão arterial sistólica são acompanhados de aumentos nos intervalos de pulso (redução da frequência cardíaca) e, (2) sequências de três ou mais batimentos cardíacos em que reduções progressivas da pressão arterial sistólica são acompanhadas de reduções nos intervalos de pulso (aumento da frequência cardíaca). Os limiares para detecção de aumento ou redução na pressão arterial sistólica e no intervalo de pulso foram de zero mmHg e zero ms, ou seja, qualquer alteração nessas variáveis era levada em conta pelo software na identificação de sequências barorreflexas. Além disso, somente as alterações concomitantes na pressão arterial sistólica e no intervalo de pulso foram consideradas 32 (delay de zero batimento). Foram inclusas na análise apenas as sequências barorreflexas cujo coeficiente de correlação (r) entre a pressão arterial sistólica e o intervalo de pulso ≥ 0,8. Após a detecção das sequências barorreflexas, o software constrói regressões lineares entre a pressão arterial sistólica e o intervalo de pulso de cada sequência, e determina com base nessas regressões: o índice de eficiência do barorreflexo e a sensibilidade barorreflexa (ganho) dos tambaquis e esturjões de todos os grupos. Todos os procedimentos experimentais relacionados ao método da sequência estão de acordo com estudos de Bertinieri et al. (1985), Andrade et al. (2014) e Ariza et al. (2015). Por fim, para se comparar o índice de eficiência e a sensibilidade barorreflexa entre os grupos, as variáveis foram normalizadas multiplicando-se seus valores pelo quociente da pressão arterial pela frequência cardíaca, de acordo com o descrito por Berger et al. (1980), Crossley et al. (2003) e Zena et al. (2015). 33 4. ANÁLISES ESTATÍSTICAS Todas as variáveis estudadas foram submetidas ao teste de normalidade de Kolmogorov- Smirnov, e posteriormente submetidas a uma análise de variância one-way seguida de um pós- teste de Student Newman-Keuls para os grupos IN, VE, VD e VB, o grupo Sham foi comparado com o grupo IN utilizando o pós-teste de Bonferroni. 34 5. RESULTADOS 5.1 Resultados dos Experimentos com Tambaquis A figura 5 mostra a frequência cardíaca em todos os tratamentos aos quais os animais foram submetidos sendo, respectivamente: Controle Intacto – 29,86 ± 2,36 bpm; Controle Vagotomia Direita – 45,26 ± 1.03 bpm; Controle Vagotomia Esquerda – 52,11± 1,37; Controle Vagotomia Bilateral – 52,141± 2,59 bpm; Susto Intacto – 19,08 ± 2,77 bpm; Susto Vagotomia Direita – 30 ± 1,57 bpm; Susto Vagotomia Esquerda – 38,21 ± 0,99 bpm; Susto Vagotomia Bilateral – 52,51± 2,74 bpm; Cianeto Intacto – 6.09± 1,95 bpm; Cianeto Vagotomia Direita – 12,84 ± 0,94 bpm; Cianeto Vagotomia Esquerda – 17,01 ± 1,9 bpm; Cianeto Vagotomia Bilateral – 55,61± 2,97 bpm; Fenilefrina Intacto – 28,09± 3.93 bpm; Fenilefrina Vagotomia Direita – 35,49 ± 3,14 bpm; Fenilefrina Vagotomia Esquerda – 40,31± 2,0 bpm; Fenilefrina Vagotomia Bilateral – 55,02± 2,02 bpm; Nitroprussiato Intacto – 40,51 ± 2,67 bpm; Nitroprussiato Vagotomia Direita – 56,77± 1.96 bpm; Nitroprussiato Vagotomia Esquerda – 57.3 ± 2.57 bpm; Vagotomia Bilateral – 52,37± 2,25 bpm; 35 Figura 5. Frequência cardíaca dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral (VB) sob efeito dos tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina e Nitroprussiato. Os dados são mostrados em média ± SEM. O * mostra diferença significativa com o respectivo grupo Intacto (IN), a † mostra a diferença entre os grupos VD e VE. Fonte: Elaborada pelo autor. Nossos dados de frequência cardíaca estão de acordo com os estudos de Armelin e colaboradores (2016) e Florindo e colaboradores (2006). Além disso, eles demonstram que o nervo vago esquerdo possui uma participação maior que o direito na modulação cardíaca do tambaqui, visto que os animais com o nervo vago esquerdo seccionado, apresentaram maior frequência cardíaca e respostas mais atenuadas aos estímulos parassimpáticos quando comparados aos animais com o nervo vago direito seccionado (Figura 5). Assim, analisando somente a frequência cardíaca, nossos resultados indicam que o nervo vago esquerdo está mais envolvido a esta modulação em comparação ao vago direito. Embora essas participações dos nervos vagos direito e esquerdo sejam semelhantes as encontradas por Taylor et al (2009) em serpentes (Crotalus durissus), elas diferem dos estudos de Hicks e Comeau (1994) em quelônios (Pseudemys scripta) e do trabalho de NG et al (2001) em 36 coelhos, pois, nesses animais o controle cardíaco vagal é priorizado pelo lado direito. Isto mostra que, de uma forma geral, os vertebrados apresentam algum nível de lateralização do controle vagal cardíaco e que esta lateralização, não apresenta um padrão definido ou prioritário para um dos ramos do vago. Quanto a pressão sanguínea dos tambaquis a figura 6 mostra cada grupo animal e seus diferentes tratamentos. Controle Intacto – 29,11 ± 1,2 cmH2O; Controle Vagotomia Direita – 35,12 ± 0.53 cmH2O; Controle Vagotomia Esquerda – 43,34 ± 1,73 cmH2O; Controle Vagotomia Bilateral – 37,55 ± 3,5 cmH2O; Susto Intacto – 26,78 ± 1,13 cmH2O; Susto Vagotomia Direita – 32,31 ± 2.43 cmH2O; Susto Vagotomia Esquerda – 38,80 ± 1.77 cmH2O; Susto Vagotomia Bilateral – 40,58 ± 5,07 cmH2O; Cianeto Intacto – 23,80 ± 2.08 cmH2O; Cianeto Vagotomia Direita – 30,35 ± 2.27 cmH2O; Cianeto Vagotomia Esquerda – 37,97 ± 2.95 cmH2O; Cianeto Vagotomia Bilateral – 51,33 ± 2,36 cmH2O; Fenilefrina Intacto – 49,39 ± 1.12 cmH2O; Fenilefrina Vagotomia Direita – 58,83 ± 2.35 cmH2O; Fenilefrina Vagotomia Esquerda – 62,27 ± 2,21 cmH2O; Fenilefrina Vagotomia Bilateral – 70,15 ± 3.69 cmH2O; Nitroprussiato Intacto – 26,70 ± 2,87 cmH2O; Nitroprussiato Vagotomia Direita – 33,84 ± 2.20 cmH2O; Nitroprussiato Vagotomia Esquerda – 36,69 ± 3.25 cmH2O; Vagotomia Bilateral – 40,43 ± 3.96 cmH2O; 37 Figura 6. Pressão arterial dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral sob efeito dos tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina e Nitroprussiato. Os dados são mostrados em média ± SEM. O * mostra diferença significativa com o respectivo grupo Intacto, a † mostra a diferença entre os grupos VD e VE. Fonte: Elaborada pelo autor. A partir dos dados de pressão também podemos notar uma diferença entre os grupos vagotomia esquerda e direita tanto durante o repouso (Controle) quanto após o tratamento com Cianeto. Não foi possível observar diferença significativa entre os ramos direito e esquerdo do vago após o tratamento Susto, nem após os tratamentos de manipulação da pressão (Fenilefrina e Nitroprussiato). De qualquer forma, podemos facilmente notar que assim como a frequência cardíaca aumenta após as vagotomias a pressão também aumenta. Pode parecer estranho inicialmente que a pressão e frequência cardíacas aumentem simultaneamente (contrário do que foi comentado anteriormente no barorreflexo), mas neste caso precisa-se considerar alguns fatores: - Primeiro, a vagotomia diminui drasticamente o tônus colinérgico no coração aumentando a frequência cardíaca, o que pode levar ao aumento do débito cardíaco e consequentemente da pressão 38 (GUYTON, 1981). Segundo, os animais estão em repouso após mais de 20 horas de recuperação cirúrgica, e o barorreflexo controla majoritariamente mudanças de pressão a curto prazo. Terceiro, após várias horas de cirurgia é esperado que o animal possa tentar compensar a falta de um ou os dois nervos vagos por outros ajustes (alterações simpáticas ou aumento da atividade do ramo do vago que permaneceu intacto por exemplo) afim de manter a homeostase. Quanto a análise de variabilidade da frequência cardíaca, utilizamos o Desvio Padrão (SD) como estimativa de variabilidade total. Estes resultados também mostram um certo grau de lateralização do controle cardíaco parassimpático no tambaqui (Figura 7). O grupo Vagotomia Direita (SD = 10.83 ± 1.34), mostra maior variabilidade total quando comparado com o grupo Intacto (SD = 5.49 ± 1.2); já o Grupo Vagotomia Esquerda (SD = 5.86 ± 1.25) mostra variabilidade muito semelhante ao Grupo Intacto (Figura 7). A vagotomia Bilateral aboliu praticamente toda a variabilidade (SD = 1.03 ± 0,15), demonstrando que a variabilidade da frequência cardíaca é modulada pela divisão parassimpática do SNA. Assim, mesmo com os nervos dos dois lados realizando funções semelhantes, novamente os dados indicam evidencias para um certo nível de lateralização no controle parassimpático cardíaco do tambaqui. Além da variabilidade total ainda analisamos a relação entre Very Low Frequency/Low Frequency (VLF/LF) dos espectros de frequência (Figura 7). Notamos que os tambaquis possuem dois picos bem definidos nos seus gráficos de frequência, um abaixo de 0.1 Hz e outro entre 0.1 e 0.2 Hz nos animais Intactos em repouso, assim, definimos o espectro abaixo de 0.1 Hz como VLF. Contudo, os animais vagotomizados lateralmente mostraram múltiplos picos em frequências um pouco mais altas, chegando até 0.5 Hz, por isso, para que pudéssemos comparar as áreas dos espectros entre grupos, definimos a área abaixo de 0.1 Hz como VLF e acima de 0.1 até 0.5 Hz como LF. A partir desta definição pudemos comparar as áreas dos gráficos entre grupos e verificar 39 se ocorre algum deslocamento desta razão, mostrando que as flutuações podem ter ficado mais rápidas ou mais lentas (Figura 7). Figura 7. Variabilidade total da frequência cardíaca estimada pelo desvio padrão dos tacogramas. Grupo Intacto (IN), Vagotomia esquerda (VE), Vagotomia Direita (VD) e vagotomia Bilateral (VB). Os dados são média ± SEM. O * Mostra diferença significante para com o grupo Intacto. A † mostra a diferença entre os grupos VD e VE. A relação VLF/HF diminuiu consideravelmente nos grupos vagotomizados mas as vagotomias parecem não fazer diferença entre si. O grupo vagotomia bilateral praticamente não possui variabilidade e por isso a relação VLF/HF não mostra resultados comparáveis com os outros grupos. Fonte: Elaborada pelo autor. Considerando a variabilidade total é importante notar o acentuado aumento da variabilidade do grupo VD, demonstrando que o vago esquerdo parece estar mais relacionado a controles e ajustes que causam a maior parte da variabilidade enquanto o vago direito só é capaz de manter uma variabilidade semelhante aos animais Intactos. Então, comparando esses resultados com as informações de fH podemos reforçar que o vago esquerdo atua mais nas regulações da fH do tambaqui, visto que, a sua denervação, causa um aumento maior tanto da fH quanto da variabilidade total (Figura 7). Este aumento mais drástico da fH quando retirado o nervo esquerdo mostra que este possuía um tônus parassimpático maior e consequentemente era capaz de realizar mudanças maiores na frequência cardíaca. 40 Outro aspecto interessante da análise de variabilidade total é o deslocamento dos picos de frequência do espectro para a direita, alterando a relação Very Low Frequcency/Low Frequency (VLF/LF) (Figura 7 e 8), onde podemos observar que o grupo Intacto (VLF/LF = 1.68 ± 0,57) possui consideravelmente mais variações na faixa de VLF do que LF enquanto que ambas as vagotomias (VD = VLF/LF = 0.59 ± 0.18 e VE = VLF/LF = 0.76 ± 0.2) mostram um deslocamento para a zona de LF acima de 0.2 Hz diminuindo a relação VLF/LF ratio (Figuras 7 e 8). Esse deslocamento mostra que na ausência de um dos vagos a variabilidade tende a aumentar e se deslocar para ajustes de frequências mais altas, ou seja, um indicio de que o vago remanescente está atuando mais em regulações da frequência cardíaca e causando mais flutuações dessa variável. Assim, como podemos ver na figura (Figura 8), a relação VLF/HF cai significativamente nos animais lateralmente vagotomizados. Isso é um reflexo dos deslocamentos dos picos de frequência para a direita (Figuras 7 e 8), ou seja, as flutuações da frequência cardíaca se tornaram mais frequentes. Provavelmente, isso se deve a uma tentativa de compensação do tônus colinérgico que foi perdido, sobrecarregando o nervo restante. Além disso, como ambos os nervos tem ao menos um pouco de participação no controle da fH, a retirada de qualquer um dos ramos vagais, seja esquerdo ou direito, gera um aumento na frequência das flutuações da fH do nervo restante. Quanto ao espectro de frequências é difícil fazer comparações entre espécies, contudo, uma característica que parece estar relacionada aos peixes são espectros com os principais picos em frequências bastante baixos, como no jeju (Hoplerithrinus unitaeniatus) que mostra dois ou mais picos abaixo de 0.2 Hz (MCKENZIE et al. 2007) e Myoxocephalus scorpius que apresenta um espectro com dois picos bem definidos totalmente abaixo dos 0.06 Hz (CAMPBELL et al. 2004). No tambaqui, os maiores picos de frequência encontram-se abaixo dos 0.2 Hz nos animais intactos (Figura 8). 41 Além disso, a área do espectro de variabilidade (Power Spectral Density) também mostra que o vago esquerdo é capaz de realizar regulações da fH em escala maior que o vago direito (Figura 8). Isso reforça que o vago esquerdo é mais participativo no controle cardíaco que o vago direito. Contudo, ainda é difícil saber se esta diferença está relacionada ao sistema nervoso central (diferença morfo/funcional no tronco encefálico) ou na morfologia do nervo em si (diferença na quantidade de mielina por exemplo como propõe PORGES, 2001. Figura 8. Densidade espectral de animais representativos para cada grupo. Note o deslocamento para direita dos picos nos animais vagotomizados quando comparados aos intactos principalmente acima dos 0.2 Hz. O grupo Vagotomia Bilateral praticamente não possui variabilidade. Fonte: Elaborada pelo autor. O aumento da variabilidade total pode ser notado também na análise espectral, olhando para a área do espectro, mas esse mesmo aumento aparenta ser contraintuitivo, já que esses animais tiveram um dos lados do ramo cardíaco do vago retirados; que, à primeira vista, nos leva a crer 42 que reduziria a variabilidade total. Contudo, o que provavelmente está acontecendo é que na falta de um dos lados do vago, ocorre uma tentativa de compensação dessa falta de regulação pelo nervo que foi deixado intacto. Pois, como pudemos ver nos animais vagotomizados, praticamente toda variabilidade cardíaca nesses animais é regulada pelo nervo vago. Assim esse aumento só pode ter origem no ramo cardíaco restante, que, sobrecarregado, acaba gerando mais variabilidade. A variabilidade da frequência cardíaca também pode ser mostrada utilizando o gráfico de Poincaré (Figura 9). Ele é bastante demonstrativo e permite representar a variabilidade de forma muito didática. Nele, os intervalos R-R são plotados contra o intervalo R-R anterior e assim, se os intervalos apresentarem pouca variabilidade entre si, eles se aglomeram em grupos menores e quanto maior a variabilidade eles formam grupos mais dispersos como podemos ver na figura 9. Figura 9 Gráfico de Poincaré mostrando 100 pontos (Intervalos R-R) de um animal de cada grupo. Note como os pontos do animal intacto (pontos azuis) formam um grupo muito mais esparso que os vagotomizados e como o animal bilateral tem um grupo de pontos muito pequeno. Fonte: Elaborada pelo autor. 43 Embora seja um tipo de apresentação mais didática do que quantitativa, o gráfico tipo Poincaré também deixa evidente a gradual alteração na variabilidade entre os grupos Intacto e em todos os protocolos de vagotomia (VD, VE e VB). Por meio deste gráfico, podemos observar que, os grupos Vagotomia Esquerda e Direita apresentam variabilidades mais intermediárias, sendo que os resultados do grupo VD tendem a ficar mais próximos dos animais IN, enquanto os do grupo VE mais próximos dos animais do grupo VB. Esses resultados são consistentes com o trabalho de Acharya-Patel et al. (2018) que compararam por meio do gráfico de Poincaré várias séries de intervalos R-R do Dogfish Squalus suckleyi antes e depois da aplicação de Atropina (bloqueador muscarínico colinérgico com efeito semelhante a vagotomia total). Desta forma, as vagotomias mostram não só um impacto na variabilidade total, como na forma do espectro derivado da transformação de Fourier e da dispersão no gráfico de Poincaré. O nervo vago esquerdo apresenta uma atividade maior na regulação da frequência cardíaca e também na variabilidade. Este efeito é esperado, já que a maior capacidade de regulação deve ser proveniente de um tônus colinérgico maior neste nervo dando a ele uma faixa regulatória maior. Ou seja, sua participação na regulação da frequência cardíaca é maior que a do nervo direito em todos os aspectos. Para analisarmos a eficiência e sensibilidade barorreflexa, seguimos com a contagem das sequencias barorreflexas assim como a estimativa do ganho barorreflexo (BERTINIERI et al. 1985). A quantidade de sequências barorreflexas encontradas a cada 300 Intervalos R-R (FILOGONIO et al. 2019)(Figura 10) em cada grupo foi: Sequências tipo UP nos Intactos 33.4 ± 3.04, na Vagotomia Direita 44.37 ± 3.8, na Vagotomia Esquerda 37.5 ± 5.25 e na Vagotomia Bilateral 38 ± 5.15. Do tipo Down nos Intactos 30.8 ± 4.47, na Vagotomia Direita 44.37 ± 3.8, na Vagotomia Esquerda 26.8 ± 2.1 e na Vagotomia Bilateral 21.8 ± 7. 44 Figura 10. Quantidade de sequências Barorreflexas para cada 300 Intervalos R-R. Note que os grupos não tem muita diferença entre si. Fonte: Elaborada pelo autor. Quanto ao número de sequencias barorreflexas, podemos notar na figura 6, que não foi possível observar nenhum aumento ou diminuição em todos os grupos experimentais. Isso indica que independente da vagotomia, ainda ocorre algum tipo de regulação entre pressão e frequência cardíaca, mesmo no caso da vagotomia total que pode ser detectada pelo método de Bertinieri. Por esse motivo devemos analisar também o ganho do barorreflexo (Figura 11) para tentarmos entender se estas sequencias encontradas tem algum valor fisiológico, ou seja, são provenientes de regulação ativa e não artefatos do método. Assim, quanto ao ganho baroreflexo (Figura 11), este é responsável por estimar a sensibilidade baroreflexa de acordo com o método da sequência de Bertinieri. O ganho barorreflexo dos animais foi: Intactos - 860.1 ± 190.5 ms/cmH2O, VD - 1111 ± 137.9 ms/cmH2O, VE - 416.2 ± 78.3 ms/cmH2O, VB - 38.76 ± 5.85 ms/cmH2O. 45 Figura 11. O gráfico representa o ganho barorreflexo em todos os grupos experimentais. * indica diferença quando comparado ao grupo intacto. A † mostra a diferença entre os grupos VD e VE. A queda do ganho no grupo vagotomia esquerda indica que o ajuste barorreflexo ficou de alguma forma prejudicado assim como no grupo vagotomia bilateral. Fonte: Elaborada pelo autor. Se observarmos o ganho barorreflexo, podemos notar que não há diferença significativa entre os animais Intactos e VD, enquanto os grupos, VE e VB apresentam uma redução significativa no ganho (Figura 11). Assim, podemos inferir que a sensibilidade barorreflexa dos animais fica prejudicada sem o vago esquerdo e praticamente nula quando totalmente vagotomizado. Novamente, nossos resultados evidenciam que o vago esquerdo dos tambaquis é mais ativo que o direito no controle cardíaco. Além disso, praticamente todo o barorreflexo e a variabilidade são controlados pela divisão parassimpática visto que, os animais vagotomizados novamente não apresentam uma capacidade regulatória. Por fim, afim de avaliar se o estresse causado pela cirurgia é capaz de gerar alterações fisiológicas significantes no tambaqui, preparamos quatro animais Sham-Operated para comparação da frequência cardíaca e pressão arterial com os animais intactos em todos os tratamentos (Tabela 1). 46 Tabela 1. Frequência cardíaca e pressão arterial dos tambaquis intactos e Sham. O * indica que os tratamentos fizeram efeito e diferem do controle, contudo, não há diferença significativa entre os animais Intactos e Sham em nenhum dos tratamentos. Tambaquis Controle IN Susto IN Cianeto IN Fenilefrina IN Nitroprussiato IN Controle Sham Susto Sham Cianeto Sham Fenilefrina Sham Nitroprussiato Sham fH 29,9 19,1* 6,9* 28,1 40,5* 32,0 19,0* 6,1* 29,3 44,6* SEM 2,4 2,8 2,0 3,9 2,7 3,0 1,8 0,6 3,9 2,6 MAP 29,1 26,8* 23,8* 49,4* 26,7* 29,3 28,3 27,0* 51,1* 26,1* SEM 1,3 1,1 2,1 1,1 2,9 2,1 1,3 1,8 1,3 2,4 Fonte: Elaborada pelo autor. 5.2 Respiração e Interações Cardiorrespiratórias no Tambaqui A figura 12 mostra a frequência respiratória em todos os tratamentos aos quais os animais foram submetidos sendo, respectivamente: Controle Intacto – 21.1 ± 4.2 rpm; Controle Vagotomia Direita – 21.2 ± 2.9 rpm; Controle Vagotomia Esquerda – 24 ± 2.7 rpm; Controle Vagotomia Bilateral – 39.13 ± 1.3 rpm; Susto Intacto – 12.1 ± 2.5 rpm; Susto Vagotomia Direita – 13.3 ± 4.4 rpm; Susto Vagotomia Esquerda – 19 ± 4.05 rpm; Susto Vagotomia Bilateral – 36.4 ± 0.98 rpm; Cianeto Intacto – 40.1 ± 5.1 rpm; Cianeto Vagotomia Direita – 36.4 ± 3.8 rpm; Cianeto Vagotomia Esquerda – 33.3 ± 5.07 rpm; Cianeto Vagotomia Bilateral – 45 ± 1.0 rpm; Fenilefrina Intacto – 21.3 ± 5.3 rpm; Fenilefrina Vagotomia Direita – 20.2 ± 3.7 rpm; Fenilefrina Vagotomia Esquerda – 21.2 ± 4.5 rpm; Fenilefrina Vagotomia Bilateral – 33 ± 1.1 rpm; Nitroprussiato Intacto – 23.9 ± 3.7 rpm; Nitroprussiato Vagotomia Direita – 26.2 ± 3.4 rpm; Nitroprussiato Vagotomia Esquerda – 31.4 ± 3.1 rpm; Nitroprussiato Vagotomia Bilateral – 35.11 ± 0.8 rpm. 47 Figura 12. Frequência respiratória dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral (VB) sob efeito dos tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina e Nitroprussiato. Os dados são mostrados em média ± SEM. O * mostra diferença significativa com o respectivo animal Intacto (IN), a † mostra a diferença comparado ao animal em repouso (Controle). Fonte: Elaborada pelo autor. A frequência respiratória cai drasticamente no tratamento Susto quando os animais estão com os nervos vagos intactos, assim como a frequência cardíaca, contudo, a aplicação do tratamento Cianeto aumenta drasticamente a frequência ventilatória em todos os grupos de forma muito semelhante a outros estudos com peixes (IDE E HOFMAN, 2002; SUNDIN et al. 2000; MCKENZIE et al. 1994, HEDRICK et al. 1991). Além disso, os animais totalmente vagotomizados (VB) tiveram uma frequência respiratória significativamente mais alta durante todos os tratamentos. É possível que o estresse causado pela ausência total da regulação parassimpática no coração tenha gerado esse aumento. Diferentemente da fH a frequência respiratória não sofreu muitas alterações de variabilidade (Figura 13), contudo, visto que o único ramo do nervo vago seccionado foi o cardíaco, era de se esperar que a frequência respiratória não se alterasse, pois, sua atividade não foi prejudicada. 48 Figura 13. Variabilidade total da frequência cardíaca dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral (VB). Os dados são mostrados em média ± SEM. Fonte: Elaborada pelo autor. Mesmo sem diferenças significativas na variabilidade total, os espectros de frequência da variabilidade da respiração mostram alguns pontos interessantes: - Podemos visualizar que assim como na frequência cardíaca a ventilação mostra dois picos abaixo de 0.2 Hz (Figura 14), isso é uma evidencia de que existe algum tipo de regulação que causa variações semelhantes da frequência cardíaca e da respiração. Além disso, o grupo VB também não sofreu grandes alterações na variabilidade da fR, muito semelhante ao que acontece em Tilápias tratadas com atropina (bloqueador muscarínico colinérgico com efeito semelhante a vagotomia total) como demonstrado por Guagnoni et al. (2020). Assim, podemos considerar que exista algum acoplamento ou interação entre frequência cardíaca e respiratória no tambaqui. Não necessariamente uma arritmia sinusal respiratória como os mamíferos, mas nossos resultados apontam para a existência de uma sincronia cardiorrespiratória semelhante à observada em tilápias por Guagnoni et al. (2020) e em Pacus por Leite et al (2009). 49 Figura 14. Densidade espectral da variabilidade da frequência respiratória de animais representativos para cada grupo. Note que os picos nos animais vagotomizados quando comparados aos intactos são muito parecidos. E nesse caso nem mesmo os animais completamente vagotomizados mostraram diferença significante no espectro. Fonte: Elaborada pelo autor. Assim, demonstramos de diversas formas e análises que, os ramos cardíacos do vago nos tambaquis são lateralmente diferentes, sendo o vago esquerdo o mais participativo no controle da frequência cardíaca nesses animais em todos os tratamentos realizados, sejam reflexos barostáticos, quimiorreflexos ou reflexos de luta ou fuga; principalmente porque o vago esquerdo é capaz de manter um tônus colinérgico maior no coração que o vago direito, dando a ele capacidade de regulação em uma escala maior, o que gera por fim, mais variabilidade. 50 5.3 Resultados dos Experimentos com Esturjões A figura 15 mostra a frequência cardíaca em todos os tratamentos aos quais os esturjões foram submetidos sendo, respectivamente: Controle Intacto – 18.5 ± 0.68 bpm; Controle Vagotomia Direita – 23.72 ± 0.53 bpm; Controle Vagotomia Esquerda – 21.46 ± 1.17 bpm; Controle Vagotomia Bilateral – 23.98 ± 0.78 bpm; Susto Intacto – 8.57 ± 0.49 bpm; Susto Vagotomia Direita – 22.98 ± 0.62 bpm; Susto Vagotomia Esquerda – 14.5 ± 1.18 bpm; Susto Vagotomia Bilateral – 23.69± 0.9 bpm; Cianeto Intacto – 11.15 ± 0.52 bpm; Cianeto Vagotomia Direita – 19.49 ± 1.18 bpm; Cianeto Vagotomia Esquerda – 16.30 ± 2.1 bpm; Cianeto Vagotomia Bilateral – 23.96 ± 0.65 bpm; Fenilefrina Intacto – 18.98 ± 0.86 bpm; Fenilefrina Vagotomia Direita – 24.39 ± 0.61 bpm; Fenilefrina Vagotomia Esquerda – 21.88 ± 1.35 bpm; Fenilefrina Vagotomia Bilateral – 24.6 ± 0.65 bpm; Nitroprussiato Intacto – 18.6 ± 0.47 bpm; Nitroprussiato Vagotomia Direita – 24.95 ± 0.66 bpm; Nitroprussiato Vagotomia Esquerda – 20.46 ± 1.55 bpm; Vagotomia Bilateral – 24.66 ± 0.66 bpm; 51 Figura 15 Frequência cardíaca dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral (VB) sob efeito dos tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina e Nitroprussiato. Os dados são mostrados em média ± SEM. O * mostra diferença significativa com o respectivo grupo Intacto (IN), a † mostra a diferença entre os grupos VD e VE e a ‡ mostra que os tratamentos causam uma alteração significativa quando comparados aos animais em repouso (Controle). Fonte: Elaborada pelo autor. Assim como os tambaquis os esturjões reagiram fortemente aos tratamentos Susto e Cianeto, note como a fH cai drasticamente durante o susto nos animais intactos e tratados com cianeto intrabucal (semelhante ao susto visto por Ide e Hoffman (2000) em tilápias e ao quimiorreflexo induzido por cianeto visto por MCKENZIE e colaboradores (1995) no esturjão adriático). Além disso, durante o tratamento Susto pudemos observar uma diferença significativa entre os grupos VD e VE mostrando que essa reação é principalmente controlada pelo vago direito. A frequência cardíaca dos esturjões aumenta com as vagotomias, principalmente com a remoção do vago direito (VD), ou seja, neste caso, o vago direito é capaz de manter um tônus parassimpático no coração maior do que o esquerdo na regulação cardíaca, diferentemente dos tambaquis. 52 Outro ponto interessante de nossos achados é a semelhança da fH dos animais do grupo VD e VB. Isso reforça que o vago cardíaco direito é o responsável pela maior parte do tônus colinérgico no coração, tanto que com sua secção os animais reagiram praticamente como os totalmente vagotomizados (Figura 15). Os tratamentos de manipulação da pressão não causaram alterações significativas de frequência cardíaca. Contudo, foram capazes de alterar significativamente a pressão arterial em alguns casos, a figura 16 mostra a pressão arterial de cada grupo animal em seus diferentes tratamentos. Controle Intacto – 27.16 ± 1.14 cmH2O; Controle Vagotomia Direita – 23.74 ± 1.24 cmH2O; Controle Vagotomia Esquerda – 26.09 ± 1.12 cmH2O; Controle Vagotomia Bilateral – 32.48 ± 2.36 cmH2O; Susto Intacto – 20.05 ± 2.29 cmH2O; Susto Vagotomia Direita –21.18 ± 1.86 cmH2O; Susto Vagotomia Esquerda – 22.92 ± 0.89 cmH2O; Susto Vagotomia Bilateral – 30.59 ± 2.53 cmH2O; Cianeto Intacto – 22.16 ± 1.97 cmH2O; Cianeto Vagotomia Direita – 21.13 ± 1.98 cmH2O; Cianeto Vagotomia Esquerda – 23.40 ± 1.36 cmH2O; Cianeto Vagotomia Bilateral –36.26 ± 1.2 cmH2O; Fenilefrina Intacto – 35.26 ± 1.72 cmH2O; Fenilefrina Vagotomia Direita – 30.74 ± 1.81 cmH2O; Fenilefrina Vagotomia Esquerda – 35.35 ± 2,21 cmH2O; Fenilefrina Vagotomia Bilateral – 41.69 ± 1.39 cmH2O; Nitroprussiato Intacto – 24.5 ± 2,63 cmH2O; Nitroprussiato Vagotomia Direita – 20.73 ± 1.42 cmH2O; Nitroprussiato Vagotomia Esquerda – 24.67 ± 0.69 cmH2O; Vagotomia Bilateral – 30.25 ± 2.03 cmH2O; 53 Figura 16. Pressão arterial dos animais Intactos (IN), Vagotomia Direita (VD), Vagotomia Esquerda (VE) e Vagotomia Bilateral sob efeito dos tratamentos: Susto, Cianeto, Fenilefrina e Nitroprussiato. Os dados são mostrados em média ± SEM. O * mostra diferença significativa com o respectivo grupo Intacto, a † mostra diferença para com os animais em steady state (Controle). Fonte: Elaborada pelo autor. Como podemos observar, o tratamento Susto, assim como a aplicação de Fenilefrina intrarterial foram os únicos tratamentos capazes de alterar significativamente a pressão dos esturjões. A parada cardíaca reversível nesses animais é tão drástica que em poucos segundos a pressão arterial também cai consideravelmente. A fenilefrina aumentou a pressão significativamente em todos os grupos independentemente da vagotomia, já o nitroprussiato de sódio teve uma reação muito pequena na pressão desses animais, mostrando que eles são extremamente resistentes a quedas de pressão (Figura 16). Contudo, nenhum sinal de lateralização pôde ser observado como consequência da manipulação da pressão arterial. 54 Assim, relacionando nossos resultados de pressão arterial e frequência cardíaca dos esturjões, notamos que diferentemente dos tambaquis, as alterações na pressão arterial não foram acompanhadas de alterações de frequência cardíaca (Figuras 15 e 16). O que nos leva a crer que, embora o esturjão branco possua mecanismos de controle quimiorreflexo e de luta ou fuga (parada cardíaca reversível) não possui um mecanismo rápido de controle da pressão arterial como por exemplo, o barorreflexo. Estes resultados são interessantes, visto que até o presente momento é amplamente aceito que todos os vertebrados tenham barorreflexo (ARMELIN et al. 2019B). Na ausência do barorreflexo, devemos olhar para a variabilidade da frequência cardíaca com mais cautela pois parte da variabilidade estudada nos vertebrados até então está relacionada a essa regulação (ALTIMIRAS, 1999). Assim, a variabilidade total da frequência cardíaca dos esturjões é mostrada na figura 17. Novamente utilizamos um indicador baseado no desvio padrão dos tacogramas para estimar essa variabilidade. A média do índice SD dos animais Intactos foi: 326.7 ± 49.8; dos animais do grupo VD: 85.84 ± 8.2; VE : 216.2 ± 41.24 e VB 117.7 ± 22.60. Figura 17. Variabilidade total da frequência cardíaca estimada pelo desvio padrão dos tacogramas. Grupo Intacto (IN), Vagotomia esquerda (VE), Vagotomia Direita (VD) e vagotomia Bilateral (VB). Os dados são média ± 55 SEM. O * Mostra diferença significante para com o grupo Intacto. A † mostra a diferença entre os grupos VD e VE. Fonte: Elaborada pelo autor. A queda marcante de variabilidade do grupo Vagotomia Direita que se assemelha até aos animais completamente vagotomizados VB, reforça que o impacto que vimos na fH dos esturjões do grupo VD é fruto de um tônus colinérgico maior nesse ramo do nervo, o que reflete em uma amplitude regulatória maior. Assim, com o nervo vago do lado direito seccionado, o esturjão é praticamente incapaz de regulações de curto prazo, diferente dos tambaquis onde os dois ramos do nervo vago, embora levemente diferentes, são mais atuantes em todas as regulações. A diferença de variabilidade dos diferentes grupos também se reflete nos seus respectivos espectros de frequência (Figura 18), nos quais podemos ver três picos nos grupos controle e vagotomia esquerda, ocupando boa parte da área do gráfico abaixo dos 0.2 Hz, enquanto os grupos vagotomia Direita e Bilateral mostram um leve resquício de variabilidade, mas se comparado ao controle não é muito relevante. 56 Figura 18. Espectro de frequências criado a partir dos tacogramas de um animal representativo para cada grupo com 128 intervalos R-R. Note os três picos abaixo dos 02 Hz e a baixa variabilidade dos grupos VD e VB. Fonte: Elaborada pelo autor. Assim como nos tambaquis a variabilidade da frequência cardíaca dos esturjões se distribui em um espectro de frequências com picos abaixo dos 0.2 Hz, contudo, nesse caso temos três picos definidos. Tanto a frequência cardíaca quanto a sua variabilidade mostram a importância do ramo direito do vago cardíaco no controle de curto prazo do coração dos esturjões. O lado esquerdo parece servir apenas como auxiliar nessa regulação, sendo responsável por uma participação muito pequena nesses ajustes e gerando baixa variabilidade (Figs 18 e 19). 57 Figura 19. Gráfico de Poincaré mostrando 100 pontos (Intervalos R-R) de um animal de cada grupo. Note como os pontos do animal intacto (pontos azuis) e vagotomia esquerda (pontos vermelhos) formam grupos muito mais esparsos que os vagotomia direita (pontos verdes) e totalmente vagotomizados (pontos pretos). Fonte: Elaborada pelo autor. Novamente o gráfico de Poincaré reforça as descobertas sobre a variabilidade da frequência cardíaca. Pode-se facilmente visualizar as diferenças entre os batimentos cardíacos individuais (variação entre os intervalos R-R) de cada grupo e sua dispersão pela área gráfica. Observe como os animais intactos (Azuis) e com o vago esquerdo seccionado (Vermelhos) tem uma variabilidade muito parecida e de forma indireta indicando que o vago direito é o responsável pela variabilidade da frequência cardíaca, pois os animais totalmente vagotomizados se assemelham aos animais com o vago direito seccionado, mostrando que o vago esquerdo não é capaz de gerar variabilidade na frequência cardíaca (Figura 19). Por fim, afim de avaliar se o estresse causado pela cirurgia é capaz de gerar alterações fisiológicas significantes nos esturjões, preparamos quatro animais Sham-Operated para 58 comparação da frequência cardíaca e pressão arterial com os animais intactos em todos os tratamentos (Tabela 2). Tabela 2. Frequência cardíaca e pressão arterial dos esturjões intactos e Sham. O * indica que os tratamentos fizeram efeito e diferem do controle, contudo, não há diferença significativa entre os animais Intactos e Sham em nenhum dos tratamentos. Esturjões Controle IN Susto IN Cianeto IN Fenilefrina IN Nitroprussiato IN Controle Sham Susto Sham Cianeto Sham Fenilefrina Sham Nitroprussiato Sham fH 18,5 8,6 11,2 19,0 18,6 22,8 11,1 10,4 23,2 22,4 SEM 0,7 0,5 0,5 0,9 0,5 1,0 2,9 1,2 0,9 1,0 MAP 27,3 20,8 28,2 35,3 23,2 26,8 19,1 29,6 33,4 19,4 SEM 1,6 2,5 1,5 2,0 2,7 1,5 2,6 1,0 1,9 1,2 Fonte: Elaborada pelo autor. 5.4 Experimentos de confirmação do Barorreflexo Intrigados com os resultados dos tratamentos de manipulação da pressão nos esturjões, decidimos investigar melhor o barorreflexo nesses animais. Desta vez, utilizamos além dos fármacos fenilefrina e nitroprussiato o tratamento de hipervolemia que consistia na aplicação de salina na cânula afim de aumentar bruscamente o volume sanguíneo para tentar disparar um reflexo barostático (Figura 20). A pressão média foi 2.19 ± 0.11 kPa durante o controle. A fenilefrina aumentou a pressão para 2.94 ± 0.10 kPa, o Nitroprussiato de Sódio diminuiu para 1.85 ± 0.10 kPa, enquanto a hipervolemia foi de 2.40 ± 0.12 kPa que não é significativo (Fig. 1). A fH média foi 41.58 ± 0.88 bpm no controle, 41.65 ± 1.32 bpm durante o tratamento fenilefrina, 42.6 ± 1.39 bpm durante o tratamento nitroprussiato e 42.65 ± 0.98 bpm durante o tratamento hipervolemia (Figura 20). 59 Figura 20. Frequência cardíaca media e pressão arterial de seis animais em todos os tratamentos de alteração da pressão. Note que a frequência cardíaca não se correlaciona com a variação da pressão conforme o esperado em uma reação barorreflexa. Os valores são media ± SEM, * indica diferença significativa para com o grupo controle, os círculos indicam cada indivíduo. Fonte: Elaborada pelo autor. Como podemos notar, os tratamentos Fenilefrina e Nitroprussiato são capazes de alterar a pressão dos esturjões, mostrando que esses animais possuem receptores α1 que reagem a fenilefrina (CROCKER et al 2000) e também são suscetíveis ao oxido nítrico (NO) como pudemos observar nos nossos experimentos (Figura 20), contudo a frequência cardíaca não sofreu alterações em nenhum dos tratamentos de alteração de pressão, mostrando que esses animais não possuem mecanismos reflexos de regulação da pressão, ou basicamente, não possuem barorreflexo. Os dados brutos a seguir mostram como os animais responderam aos diferentes tratamentos (Figs. 20 e 21), está claro como a frequência cardíaca é rapidamente diminuída pela divisão parassimpática do sistema nervoso autônomo nos tratamento susto e cianeto como qualquer outro 60 vertebrado, mas permanece inalterada em qualquer tentativa de alterar a pressão arterial (Figs. 20 e 21). 61 Figura 21. Sinal bruto de animais representativos, observe como a freqüência cardíaca diminui nos tratamentos com Susto e cianeto, mas não responde à variação da pressão arterial causada pelos tratamentos com fenilefrina e nitroprussiato. PA – Pressão arterial bruta, PM – Pressão média, fH – Frequência cardíaca. Fonte: Elaborada pelo autor. Um estudo anterior por Crocker e colaboradores (2000) que examinou as respostas cardiorrespiratórias a hipercapnia ambiental no esturjão branco, também mostrou um aumento de pressão arterial de 30% com injeção de fenilefrina, mas a fH não foi afetada, isto está de acordo com o que encontramos. Além disso, Rhodin (1972) demonstrou que o sistema vascular de elasmobrânquios é altamente permeável e limita a habilidade desses animais de responder a stress circulatório (se comparados aos teleósteos). Levando isto em consideração, se os condrosteos tiverem um sistema circulatório semelhante, o que é muito plausível visto sua posição filogenética basal e próxima dos elasmobrânquios (WANG AND LIU, 2007), isso permitiria explicar a resistência a alteração de pressão nesses animais principalmente durante a hipervolemia, onde um aumento abrupto do volume sanguíneo não foi capaz de alterar a pressão arterial(Fig 20 e 21). O sistema circulatório permeável permite o rápido extravasamento de plasma para os tecidos, dificultando o aumento brusco da pressão arterial. Como os tratamentos de alteração de pressão não foram capazes de gerar respostas reflexas cardíacas, repetimos então os tratamentos Susto e Cianeto. A pressão media durante o controle foi 2.19 ± 0.11 kPa caiu para 1.60 ± 0.19 kPa no tratamento susto e para 1.53 ± 0.05 kPa no tratamento cianeto (Fig 22). A frequência cardíaca media no Controle foi de 41.58 ± 0.88 bpm caiu para 16.9 ± 1.74 bpm durante o Susto e para 21.83 ± 3.25 bpm durante o tratamento com Cianeto (Fig 22), mostrando que o coração dos esturjões é regulado pelo sistema nervoso parassimpático e é capaz de ajustes cronotrópicos rápidos assim como em outros peixes (TAYLOR et al., 2014; LEITe et al., 2007; ARMELIN et al., 2016). 62 Figura 22. Frequência cardíaca e pressão medias de seis animais nos tratamentos de avaliação da resposta parassimpática. Valores são media ± SEM, * indica diferença significante se comparado ao grupo controle, os círculos indicam cada indivíduo. Note que quando a frequência cardíaca diminui ou para temporariamente a pressão logo segue. Fonte: Elaborada pelo autor. Elasmobrânquios, dipnoi, teleósteos e tetrápodes, possuem inervação parassimpática no coração (TAYLOR et al., 2014). Os esturjões também possuem um nervo vago com projeções desde o cérebro até o coração (NEW AND NORTHCUTT, 1984). Assim, por meio de dissecção e microscopia, examinamos o ramo cardíaco do vago dos esturjões a fim de encontrar a presença de fibras mielinizadas as quais poderiam ser responsáveis por reflexos rápidos como o quimiorreflexo e o barorreflexo (TAYLOR et al., 1999). A existência dessas fibras, pode ser uma importante evidencia de que esses animais são capazes de reagir de forma reflexa e rápida a alterações fisiológicas ou sinais de receptores químicos por exemplo. Assim, como vemos na figura 23, descobrimos que os esturjões possuem uma grande quantidade de fibras mielinizadas no ramo cardíaco do nervo vago; o que era de certa forma esperado, já que como visto anteriormente os animais respondem muito bem ao quimiorreflexo e ao susto. 63 Figura 23. Corte transversal do ramo cardíaco do vago de um esturjão branco. Note a presença de fibras mielinizadas em A (setas pretas) e o zoom da bainha de mielina em volta do axônio em B. Fonte: Elaborada pelo autor. Assim, o coração do esturjão é capaz de reagir a estimulação dos quimiorreceptores e ao susto, contudo, não encontramos sinais de controle rápido por barorreflexo. Existe forte evidencia de barorreflexo em uma variedade de peixes teleósteos (ARMELIN et al., 2016; ARMELIN et al., 2019A; SAND BLOOM e AXELSSON, 2005; RISTORI, 1970) e tetrápodes (MUELLER et al., 2013; ZENA et al., 2016; SOARES et al., 2004; HAGENSEN et al., 2010; MANCIA et al., 1999; ALTIMIRAS et al., 1998; ARMELIN et al., 2016; MILLARD e MOALLI, 1980; ARMELIN et al., 2014; ARMELIN et al., 2019B; BIANCHI-DA-SILVA et al., 2000). Enquanto que em elasmobrânquios as evidências de barorreflexo (LUTZ e WYMAN, 1932; BAGSHAW, 1985) são discrepantes, pois SUDAK e WILBER, (1960) não conseguiram identificar barorreflexo durante hemorragia em dogfish. 64 Infelizmente, ainda existem muitas lacunas quanto a presença de barorreflexo em outras famílias de peixes (Fig 24). Contudo, ainda é possível levantar algumas hipóteses sobre a evolução do barorreflexo nos vertebrados. Figura 24. Gnathostomata (vertebrados mandibulados) filogenia adaptada de Chanet and Meunier 2014, Mostrando os grupos com evidências de barorreflexo (check mark verde) e onde o os esturjões estão classificados (Chondrostei).Fonte: Elaborada pelo Autor. Assim, baseados na filogenia da figura 24, existem duas possibilidades. Considerando-se o trabalho de Lutz and Wyman (1932) em Elasmobrânquios que sugere que exista um condricte com este reflexo, Squalus acanthias. E considerando que o barorreflexo também aparece tanto em Sarcopterygii (Dipnoi and Tetrapoda) quanto Actinopterygii (Teleósteos); Isto sugere que: ou o barorreflexo apareceu independentemente mais de uma vez, ou apareceu inicialmente em um ancestral Neopterygii (inclui Osteichthyes e Chondrichthyes) e foi perdido posteriormente em Chondrostei. Entretanto, mesmo se levarmos em consideração que Sudak e Wilber, (1960) estivessem corretos e os condrictes também não possuírem barorreflexo, e que este apareceu somente em um ancestral osteícte, isto ainda sugere que a perda posterior é a hipótese mais parcimoniosa. 65 6. CONCLUSÕES 6.1 Tambaquis Os tambaquis reagiram a todos os tratamentos de estimulação parassimpática aos quais foram submetidos, sejam quimiorreflexo, susto ou barorreflexo. A regulação cardíaca parassimpática no coração ocorreu de forma preferencial no lado esquerdo sendo que o lado direito do vago cardíaco também é participativo, porém com menos intensidade. Este fato mostra que a lateralização do sistema nervoso autônomo deve existir na maioria dos vertebrados visto que um peixe (um vertebrado considerado basal) o possui. Essa lateralização se reflete no controle cardíaco e também na variabilidade como demonstrado pela variabilidade total e espectros de frequência mostrados. As análises de barorreflexo também mostraram diferença no funcionamento lateralizado do vago. Isso mostra que o ramo do vago mais ativo no controle da frequência cardíaca é também o que responde melhor as alterações de pressão; um resultado esperado visto que o ramo mais ativo também gera mais variabilidade pois possui uma faixa regulatória maior (possui um tônus parassimpático maior e consequentemente tem mais potencial para regulação). Quanto a respiração, as vagotomias não foram capazes de alterar muito a frequência ventilatória nem sua variabilidade. Além disso, os tambaquis mostram dois picos no espectro de frequência respiratória que são muito semelhantes aos que aparecem nas análises de variabilidade da frequência cardíaca. Embora esses animais apresentem diversos padrões diferentes de respiração (Reid et al. 2003), essa é uma forte evidencia que existe algum tipo de acoplamento entre frequência respiratória e cardíaca nesses peixes semelhante ao encontrado por Guagnoni e colaboradores 2020 em tilápias. 66 6.2 Esturjões Os esturjões também apresentam lateralização do ramo cardíaco do vago, contudo nesses animais o ramo direito prevalece nas regulações. Isso mostra que de forma geral os vertebrados possuem algum nível de lateralização dos controles autonômicos, porém o ramo predominante parece variar entre as espécies assim como em outros vertebrados (Taylor et al 2009; Hicks e Comeau 1994; NG et al 2001). Por fim, os esturjões são um grupo primitivo de peixes com características tanto de teleósteos quanto de elasmobrânquios (Wang e Liu, 2007), são capazes de regular rapidamente a frequência cardíaca por meio de fibras mielinizadas do nervo vago (quimiorreflexo e o susto), mas são diferentes de qualquer outro vertebrado estudado até então por não possuírem um controle barorreflexo no coração. Isto exige mais investigações sobre a presença do barorreflexo em outros grupos de peixes, para entendermos melhor como se deu a evolução do barorreflexo nos vertebrados. 67 REFERÊNCIAS 1. ACHARYA, U. R.; JOSEPH, K. P.; KANNATHAL, N.; LIM, C. M.; SURI, J. S.; Heart rate variability: A review. Medical and Biological Engineering and Computing, v. 44, n. 12, p.1031–1051, 2006