KELLY CRISTINA COELHO DE CARVALHO BENINI DESENVOLVIMENTO E CARACTERIZAÇÃO DE COMPÓSITOS POLIMÉRICOS REFORÇADOS COM FIBRAS LIGNOCELULÓSICAS: HIPS/FIBRA DA CASCA DO COCO VERDE E BAGAÇO DE CANA DE AÇÚCAR Dissertação apresentada à Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, para a obtenção do título de Mestre em Engenharia Mecânica na área de Materiais. Orientador: Prof. Dr. Herman Jacobus Cornelis Voorwald Co-orientadora: Profa. Dra. Maria Odila Hilário Cioffi Guaratinguetá 2011 B467d Benini, Kelly Cristina Coelho de Carvalho Desenvolvimento e caracterização de compósitos poliméricos reforçados com fibras lignocelulósicas:HIPS/fibra da casca do coco verde e bagaço de cana de açúcar / Kelly Cristina Coelho de Carvalho Benini – Guaratinguetá : [s.n], 2011. 125 f. : il. Bibliografia: f. 106-113 Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, 2011. Orientador: Prof. Dr. Herman Jacobus Cornelis Voorwald Coorientadora: Profª Drª Maria Odila Hilário Cioffi 1. Materiais compositos 2. Poliestireno 3. Bagaço de cana I. Título CDU 620.1 DADOS CURRICULARES KELLY CRISTINA COELHO DE CARVALHO BENINI NASCIMENTO 20.02.1984 – GUARATINGUETÁ / SP FILIAÇÃO Rubens Inácio de Carvalho Luiza Gonzaga Coelho de Carvalho 1999/2001 Curso Técnico em Mecânica Industrial, no Colégio Técnico Industrial de Guaratinguetá-UNESP. 2004/2008 2009/2011 Curso de Graduação em Engenharia de Materiais, na Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista. Curso de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica, nível de Mestrado, na Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista. ...à milha família, pelo grande incentivo, carinho e por estarem sempre do meu lado. AGRADECIMENTOS À Deus por tudo, ao meu orientador Prof. Dr. Herman Jacobus Cornelis Voorwald, por todo apoio e dedicação; à minha co-orientadora Prof.ª Dr.ª Maria Odila Hilário Cioffi, pela efetiva orientação, dedicação, confiança e oportunidade de desenvolver este trabalho; à Prof.ª Dr.ª Daniella Regina Mulinari pelo grande incentivo e motivação; aos amigos do Grupo de Fadiga e Materiais Aeronáuticos pelo constante apoio e amizade, ao meu marido Wilson, pelo incentivo, companheirismo, carinho, paciência e amor; aos técnicos do Departamento de Materiais e Tecnologia – FEG/UNESP - Manoel Francisco dos Santos Filho e Domingos Hasmann Neto, pelo apoio e dedicação nas diversas etapas desse trabalho; aos Professores George J. M. Rocha, Adilson R. Gonçalves, Antônio Del’Arco e Silvia Bettini pela colaboração e por ajudarem na viabilidade experimental deste trabalho; ao Professor Paulo Suzuki, pela colaboração nas análises de difratometria de Raios X e à técnica Cibele Rosa Oliveira pelas análises de FTIR; às alunas de pós-graduação Cirlene Fourquet Bandeira, Aline Cristina Pereira e Andressa Cecília Milanese, pela colaboração nas análises térmicas; ao INPE, na pessoa de Maria Lucia Brison de Mattos, pela possibilidade de realizar as análises por microscopia eletrônica de varredura; à Videolar, pelo fornecimento do polímero.; à Fibrel Luminárias Anticorrosivas pela doação das luminárias. Este trabalho contou com apoio das seguintes entidades: - CAPES – através do PROGRAMA DE DEMANDA SOCIAL – PDS. - FAPESP – através do contrato nº 2009/02687-8 “Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida e viver com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, pois o mundo pertence a quem se atreve... E a vida é “muito” para ser insignificante” (Charles Chaplin) BENINI, K.C.C.C. Desenvolvimento e caracterização de compósitos poliméricos reforçados com fibras lignocelulósicas: HIPS/fibras da casca de coco verde e bagaço de cana de açúcar. 2011. 124f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica) – Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá, 2011. RESUMO No presente trabalho foram desenvolvidos compósitos poliméricos reforçados com fibras naturais provenientes da casca do coco verde e do bagaço de cana de açúcar. O poliestireno de alto impacto (HIPS) foi utilizado como matriz termoplástica, tendo em vista seu baixo custo e sua temperatura de processamento menor que a temperatura de degradação da fibra. Devido à falta de compatibilização química das fibras com a matriz, as fibras lignocelulósicas foram tratadas quimicamente pelos tratamentos de mercerização seguido de branqueamento com clorito de sódio. As fibras nas condições “in natura”, mercerizadas e branqueadas foram caracterizadas pelas técnicas de difração de raios X, análise termogravimétrica (TGA), análise da composição química e microscopia eletrônica de varredura (MEV). Após a caracterização as fibras mercerizadas e branqueadas foram misturadas com o HIPS, nas proporções de 10, 20 e 30% (m/m). As misturas foram realizadas em um misturador termocinético e, em seguida, foram injetadas para a confecção de corpos de prova de tração e flexão. Os compósitos foram caracterizados pelas técnicas de análise térmica, ensaios mecânicos de tração e flexão, exposição ao intemperismo acelerado, microscopia eletrônica de varredura e microscopia óptica. Os tratamentos químicos proporcionaram a redução de alguns componentes amorfos das fibras, causando alterações na superfície das mesmas. A adição das fibras tratadas quimicamente à matriz de HIPS proporcionou aumento nos módulos elásticos em tração e em flexão dos compósitos sem alterar suas respectivas resistências mecânicas. A exposição ao intemperismo provocou a redução das propriedades mecânicas dos compósitos afetando mais intensamente as fibras naturais. Foi possível obter materiais mais rígidos e menos deformáveis, com até 30% (m/m) de fibras, que apresentaram propriedades térmicas e mecânicas adequadas para aplicações, em que o HIPS é utilizado, a custo mais baixo e onde o custo e o módulo sejam mais importantes que a ductilidade do produto. PALAVRAS-CHAVE: poliestireno de alto impacto, fibras da casca do coco verde, fibras de bagaço de cana de açúcar BENINI, K.C.C.C. Development and characterization of polimeric composites reinforce with lignocelulosic fibers: HIPS/ green coconut husk and sugarcane bagasse fibers. 2011. 125f. Thesis (Master in Mechanical Engineering) – Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá, 2010. ABSTRACT In this work we developed polymer composites reinforced with natural fibers from green coconut husks and sugar cane bagasse. High impact polystyrene was used as the thermoplastic matrix, considering its low cost and processing temperature which is below the fiber degradation temperature. Due to lack of chemical compatibility between fiber and matrix, the lignocellulosic fibers were chemically treated by mercerization followed by bleaching with sodium chlorite. The untreated, mercerized and bleached fibers were characterized by of X ray diffraction, thermogravimetric analysis (TGA), chemical composition analysis, and scanning electron microscopy (SEM). After characterization, the mercerized and bleached fibers were mixed with HIPS, in ratios of 10, 30 and 30% (w/w). The mixture was performed in a termokinetic mixer and samples prepared by injection molding. The composites were characterized by thermal analysis, tensile testing, aging by accelerated weathering exposure and scanning electron microscopy (SEM). Results showed that the chemical treatments adopted reduced the amount of some amorphous components of the fibers, causing changes in the fibers’ surface. The addition of chemically treated fibers in the HIPS matrix increased the elastic modulus in tension and flexion of the composite without affecting their mechanical strength. Aging by exposure to weathering caused a decrease of the composites’ mechanical properties affecting natural fiber reinforced more intensely. It was possible to obtain a more rigid and less deformable material with up to 30% fiber content which was exhibited thermal and mechanical properties viable for applications in which HIPS is used at low cost and where a high ductility is not a necessary characteristic. KEYWORDS: high impact polystyrene, green coconut husk fibers, sugarcane bagasse fiber LISTA DE FIGURAS Figura 2.1- Vista transversal da estrutura da fibra vegetal: (1-3) paredes secundárias (S1, S2 e S3); (4) lúmen; (5) parede primária e (6) parede intermediária............. 23 Figura 2.2 - Estrutura molecular da celulose (celobiose) (FENGEL; WEGENER,1989). ................................................................................................ 24 Figura 2.3 - Representação de algumas estruturas de unidade de monossacarídeos presentes na hemicelulose (FENGEL; WEGENER,1989). .................................. 25 Figura 2.4 - Unidades presentes na lignina: (a) para-hidroxifenila, (b) guaiacila e (c) siringila (FENGEL;WEGENER,1989). ................................................................ 26 Figura 2.5 - Seção transversal do fruto do coqueiro (ESMERALDO, 2006). .............. 27 Figura 2.6 - Curvas tensão x deformação para polímeros frágeis (curva A), plásticos (curvaB) e altamente elásticos (elastoméricos) (curva C) (CALLISTER,2006). . 34 Figura 2.7 - Representação esquemática do dispositivo de ensaio de flexão em três pontos (CANEVAROLO, 2004). .......................................................................... 35 Figura 3.1 - Fluxograma esquemático da metodologia empregada neste trabalho. ...... 39 Figura 3.2 - Frutos de coco obtidos após o consumo de sua água. ............................... 40 Figura 3.3 - Luminária modelo LFA fornecida pela empresa Fibrel Luminárias Anticorrosivas. ....................................................................................................... 41 Figura 3.4 Processo de laminação para obtenção da luminária utilizada em frigorífico. ............................................................................................................................... 42 Figura 3.5 - Vista do tratamento de mercerização das fibras. ....................................... 42 Figura 3.6 - Difratograma de raios X com as indicações dos picos referentes as partes cristalina e amorfa do material. ............................................................................. 44 Figura 3.7 - Detalhe da cápsula de mistura: (a) fibras e HIPS antes da mistura; (b) fibras e HIPS após a mistura ................................................................................. 46 Figura 3.8 - Detalhe da calandra e da mistura resfriada em água. ................................ 47 Figura 3.9 - (a) Moinho granulador; (b) compósito moído ........................................... 48 Figura 3.10 - Máquina Injetora Battenfeld HM 60/350. ............................................... 48 Figura 3.11 - Câmara de intemperismo acelerado marca QUV. ................................... 49 Figura 3.12 - Corpo de prova de tração: (a) Norma ASTM D630, tipo I e (b) Norma ASTM 3039. .......................................................................................................... 51 Figura 3.13 - Corpo de prova para ensaio de flexão de acordo com a norma ASTM D790. ..................................................................................................................... 52 Figura 3.14 - Esquema das amostras que foram utilizadas para a microscopia óptica. 53 Figura 4.1 - (a) Fibras de coco após extração; (b) Fibras de coco moídas .................... 55 Figura 4.2 - (a) Fibras de coco mercerizadas (FCM); (b) Fibras de coco branqueadas (FCB). .................................................................................................................... 56 Figura 4.3 - (a) Fibras de bagaço após extração; (b) Fibras de bagaço moídas. ........... 56 Figura 4.4 - (a) Fibras de bagaço mercerizadas (FBM); (b) Fibras de bagaço branqueadas (FBB). ............................................................................................... 57 Figura 4.5 - Composição química das fibras de bagaço de cana e casca do verde com diferentes tratamentos químicos. ........................................................................... 59 Figura 4.6 - Difração de raios X das fibras de coco verde. ........................................... 60 Figura 4.7 - Difração de raios X das fibras de bagaço de cana. .................................... 61 Figura 4.8 - Espectros na região do infravermelho (400-4000 cm-1) das fibras do coco verde. ..................................................................................................................... 63 Figura 4.9 - Espectros na região do infravermelho (400-4000 cm-1) das fibras de bagaço de cana. ...................................................................................................... 64 Figura 4.10 - Curvas de TGA (a) e DTG (b) para as fibras da casca do coco verde, sob atmosfera de N2. .................................................................................................... 65 Figura 4.11 - Curvas de TGA (a) e DTG (b) para as fibras do bagaço de cana. ........... 68 Figura 4.12 - MEV das fibras de bagaço de cana: (a) “in natura” 500x, (b) “in natura” 1000x, (c) mercerizada 500x, (d) mercerizada 1000x, (e) branqueada 500x e (f) branqueada 1000x. ................................................................................................. 70 Figura 4.13 - MEV das fibras de coco verde: “in natura” (a) 500x, (b)” 1000x,(c) 5000x; mercerizadas (d) 500x, (e) 1000x, (f) 5000x; e branqueadas (g) 500x, (h) 1000x e (i) 5000x. .................................................................................................. 71 Figura 4.14 - Gráfico de EDS das partículas globulares presentes nas fibras de coco mercerizadas. ......................................................................................................... 72 Figura 4.15 - HIPS/fibra de bagaço branqueada após o processo de mistura e granulação. ............................................................................................................. 74 Figura 4.16 - Corpos de prova de tração (tipo I) dos compósitos com 10, 20 e 30% de fibra: (a) HIPS/FCT, (b) HIPS/FCB, (c) HIPS/FBM e (d) HIPS/FBB. ................ 74 Figura 4.17 - Corpos de prova de flexão dos compósitos com 10, 20 e 30% de fibra de coco e bagaço. ....................................................................................................... 74 Figura 4.18 - Corpo de prova do compósito HIPS/10FBB. Em destaque a distribuição de fibras na matriz observadas olho nu. ................................................................ 75 Figura 4.19 - Imagens de microscopia óptica dos compósitos: (a) HIPS/10FCM, ....... 76 (b) HIPS/20FCM, (c) HIPS/30FCM, (d) HIPS/10FCB, (e) HIPS/20FCB e (f) HIPS/30FCB. ......................................................................................................... 76 Figura 4.20 - Imagens de microscopia óptica dos compósitos: (a) HIPS/10FBM, (b) HIPS/20FBM, (c) HIPS/30FBM, (d) HIPS/10FBB, (e) HIPS/20FBB e (f) HIPS/30FBB. ......................................................................................................... 76 Figura 4.21 - Histograma representando a distribuição do diâmetro das fibras no compósito HIPS/20FBB. ....................................................................................... 78 Figura 4.22 - Curvas de TGA (a) e DTG (b) para os compósitos HIPS/ fibras de coco verde mercerizadas. ............................................................................................... 79 Figura 4.23 - Curvas de TGA (a) e DTG (b) para os compósitos HIPS/ fibras de coco verde branqueadas. ................................................................................................ 80 Figura 4.24 - Curvas de TGA (a) e DTG (b) para os compósitos HIPS/ fibras de bagaço mercerizadas. ............................................................................................. 82 Figura 4.25 - Curvas de TGA (a) e DTG (b) para os compósitos HIPS/ fibras de bagaço branqueadas. .............................................................................................. 83 Figura 4.26 - Espectros de FTIR do HIPS e dos compósitos com fibras de coco. ........ 85 Figura 4.27 - Espectros de FTIR do HIPS e dos compósitos com fibras de bagaço. .... 86 Figura 4.28 - Gráfico Tensão x Deformação para o HIPS e para os compósitos HIPS/fibra de coco verde....................................................................................... 87 Figura 4.29 - Gráficos comparativos dos valores de resistência à tração (a) e módulo elástico (b) dos compósitos HIPS/ fibras de coco. ................................................ 88 Figura 4.30 - Gráficos comparativos dos valores de resistência à tração (a) e módulo elástico (b) dos compósitos HIPS/ fibras de bagaço. ............................................ 89 Figura 4.31 - Corpo de prova após ensaio de flexão. Destaque para as regiões comprimida e tracionada. ...................................................................................... 92 Figura 4.32 - Resistência à flexão dos compósitos de HIPS com fibras de coco. ......... 92 Figura 4.33 - Resistência à flexão dos compósitos de HIPS com fibras de bagaço. ..... 93 Figura 4.34 - Módulo Elástico em flexão dos compósitos de HIPS com fibras de coco. ............................................................................................................................... 94 Figura 4.35 - Módulo Elástico em flexão dos compósitos de HIPS com fibras de bagaço. ................................................................................................................... 94 Figura 4.36 - MEV dos compósitos de HIPS reforçados com: (a) 10%FCM, (b) 20%FCM , (c) 30%FCM, (d) 10%FCB, (e) 20%FCB, (f) 30%FCB.Ampliação 500x. ...................................................................................................................... 95 Figura 4.37 - MEV dos compósitos de HIPS reforçados com: (a) 10%FBM, (b) 20%FBM , (c) 30%FBM, (d) 10%FBB, (e) 20%FBB, (f) 30%FBB.Ampliação 500x. ...................................................................................................................... 96 Figura 4.38 - MEV da superfície de fratura do HIPS: (a) 100x, (b) e (c) 1000x. ......... 97 Figura 4.39 - Corpos de prova de tração após a exposição ao intemperismo acelerado: (a) HIPS e (b) HIPS/FCB. ..................................................................................... 98 Figura 4.40 - Gráficos comparativos dos valores de resistência à tração dos compósitos com fibras de (a) coco mercerizadas e (b) bagaço mercerizadas, antes e após o intemperismo. ........................................................................................................ 98 Figura 4.41 - Gráficos comparativos dos valores de módulo elástico em tração dos compósitos com fibras de (a) coco mercerizadas e (b) bagaço mercerizadas, antes e após o intemperismo. .......................................................................................... 99 Figura 4.42 - Corpos de prova de tração segundo AST D3039 do compósito poliéster/fibra de vidro. ....................................................................................... 101 Figura 4.43 - Perda de Massa e Picos de degradação do compósito poliéster/fibra de vidro. .................................................................................................................... 102 LISTA DE TABELAS Tabela 2.1 - Composição química das fibras lignocelulósicas. ..................................... 22 Tabela 2.2 - Classificação das principais técnicas termoanalíticas (CANEVAROLO, 2004). ..................................................................................................................... 36 Tabela 3.1 - Propriedades do HIPS 825, fabricado pela FINA Technology, Inc. ......... 45 Tabela 3.2 - Composição dos sistemas investigados. .................................................... 46 Tabela 3.3 - Zonas de aquecimento durante a injeção. ................................................. 49 Tabela 4.1- Composição química (%) das fibras de bagaço de cana e casca do coco verde. ..................................................................................................................... 58 Tabela 4.2 - Índice de cristalinidade das fibras de coco verde e bagaço de cana. ........ 61 Tabela 4.3 - Principais vibrações na região do FTIR observadas nas fibras naturais (TROEDEC et al., 2008) ....................................................................................... 62 Tabela 4.4 - Perda de massa e temperaturas de degradação para as fibras de coco. ..... 66 Tabela 4.5 - Perda de massa e temperaturas de degradação para as fibras de bagaço de cana. ....................................................................................................................... 69 Tabela 4.6 - Características dimensionais das fibras de coco e bagaço nos compósitos com HIPS ............................................................................................................... 77 Tabela 4.7 - Perda de massa e temperaturas de degradação para os compósitos com fibras de coco. ........................................................................................................ 81 Tabela 4.8 - Perda de Massa e temperaturas de degradação para as fibras de bagaço de cana. ....................................................................................................................... 84 Tabela 4.9 - Principais vibrações na região do FTIR observadas no HIPS (ARAUJO, 2008). ..................................................................................................................... 85 Tabela 4.10 - Propriedades mecânicas dos compósitos com fibras de coco. ................ 88 Tabela 4.11 - Propriedades mecânicas dos compósitos com fibras de bagaço. ............ 90 Tabela 4.12. Propriedades mecânicas em flexão dos compósitos com fibras de coco e bagaço. ................................................................................................................... 91 Tabela 4.13 - Comparação entre as propriedades mecânicas dos compósitos com fibras naturais e sintéticas. ............................................................................................. 102 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ASTM American Society for Testing and Materials FC FB DSC TGA DTG DRX FTIR MEV MO HIPS Fibras de Coco Fibras de Bagaço Calorimetria Exploratória Diferencial Termogravimetria Derivada Termogravimétrica Difratometria de Raios X Infravermelho com Transformada de Fourier Microscopia Eletrônica de Varredura Microscopia Óptica Poliestireno de Alto Impacto SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 20 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................ 22 2.1 Fibras naturais.......................................................................................................... 22 2.2 Fibras da casca do coco verde ................................................................................. 26 2.3 Fibras do bagaço de cana de açúcar ........................................................................ 27 2.4 Compósitos poliméricos reforçados com fibras naturais ........................................ 28 2.5 Processos de Obtenção dos compósitos .................................................................. 29 2.6 Tratamentos químicos das fibras lignocelulósicas .................................................. 30 2.7 Poliestireno de alto impacto (HIPS) ........................................................................ 32 2.8 Comportamento mecânico dos compósitos ............................................................. 33 2.9 Comportamento térmico dos compósitos ................................................................ 35 2.10 Estudo da degradação térmica de polímeros ......................................................... 37 3 MATERIAIS E MÉTODOS .................................................................................... 39 3.1 Obtenção das fibras de coco e bagaço de cana de açúcar ....................................... 39 3.2 Reagentes Utilizados ............................................................................................... 40 3.3 Compósito Poliéster/fibra de vidro .......................................................................... 41 3.4 Tratamentos químicos das fibras ............................................................................. 42 3.5 Análise da composição química das fibras .............................................................. 43 3.6 Difratometria de raios X das fibras (DRX) ............................................................. 43 3.7 Matriz Poliestireno de alto impacto (HIPS) ............................................................ 45 3.8 Processos de obtenção dos compósitos ................................................................... 45 3.9 Exposição ao intemperismo acelerado .................................................................... 49 3.10 Análises térmicas das fibras e dos compósitos ...................................................... 50 3.11 Espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) .............. 50 3.12 Ensaios mecânicos dos compósitos ....................................................................... 51 3.13 Análises fractográficas dos compósitos ................................................................ 52 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................. 55 4.1 Obtenção e tratamento químico das fibras .............................................................. 55 4.2 Raios X das fibras naturais ...................................................................................... 59 4.3 FTIR das fibras lignocelulósicas ............................................................................. 62 4.4 Análise térmica das fibras ....................................................................................... 64 4.5 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) ........................................................... 69 4.6 Processo de obtenção dos compósitos ..................................................................... 73 4.7 Morfologia das fibras no compósito ........................................................................ 77 4.8 Caracterização Térmica dos compósitos (TGA) ..................................................... 78 4.9 FTIR dos compósitos ............................................................................................... 84 4.10 Ensaios mecânicos dos compósitos ....................................................................... 86 4.11 Análise fractográfica dos compósitos .................................................................... 95 4.12 Exposição ao Intemperismo Acelerado ................................................................. 97 4.13 Comparação entre os compósitos de fibra natural e o compósito de poliéster/fibra de vidro ........................................................................................................................ 100 5 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 106 ANEXO A - Dados de produção utilizados na configuração da injetora ................... 114 ANEXO B - Memória de cálculo para determinação da composição química das fibras ..................................................................................................................................... 116 ANEXO C - Histogramas das distribuições das dimensões das fibras ....................... 120 20 1 INTRODUÇÃO Nos últimos anos houve um grande avanço tecnológico no desenvolvimento de materiais compósitos reforçados com fibras naturais. Esse aumento do interesse de grupos de pesquisa e de indústrias em desenvolver e utilizar materiais feitos a partir de matérias primas renováveis se deu principalmente pelo grande apelo mundial para a utilização de produtos naturais e pela preservação do meio ambiente (KHALID et al., 2008; BLEDZKI; MAMUN;VOLK, 2010; MANO et al.,2010). A utilização de fibras naturais, como uma alternativa às fibras sintéticas, na confecção de produtos comerciais contribuiu com a geração de riquezas e com a redução do impacto ambiental causado pela produção e descarte de bens de consumo já que são materiais abundantes, de fonte renovável e que contribuem para o melhor aproveitamento do potencial agrícola brasileiro. As fibras vegetais podem ser utilizadas como reforços em polímeros termoplásticos, termorrígidos e borrachas devido às suas inúmeras vantagens frente às fibras sintéticas como baixo custo, baixa densidade, biodegradabilidade, baixa abrasividade e não toxicidade (BESSADOK et al., 2009; TROEDEC et al., 2008; SPINACÉ et al., 2009). Como reforço de polímeros termoplásticos, as fibras naturais conferem uma melhora nas propriedades mecânicas, quando comparado ao polímero puro, além da redução de custo do compósito associada à menor densidade do material. Por outro lado, restringem o uso a polímeros que possuem temperatura de processamento inferior à temperatura de degradação das fibras naturais (Temperatura média de 220°C) (SALEEM et al., 2008; FACCA; KORTSCHOT; YAN, 2007; GEORGOPOULOS et al., 2005; MA; YU; KENNEDY, 2005; HABIBI et al., 2008; ANTICH et al., 2006). As fibras de coco verde e de bagaço de cana têm sido muito estudadas para a utilização de reforço em polímeros, como por exemplo, o poliéster (VILLAY et al., 2008), o polietileno (BRAHMAKUMAR; PAVITTHRAN; PILLAI, 2005), o polipropileno (BLEDZKI; MAMUN; VOLK, 2010) e polímeros biodegradáveis (ROSA et al., 2009; GUIMARÃES et al., 2009; BARBOSA JR et al., 2010) alterando as propriedades mecânicas destes compostos como resistência à tração e elongação na 21 ruptura (HARISH et al., 2009). No presente trabalho a matriz polimérica utilizada foi o poliestireno de alto impacto (HIPS), termoplástico com grande aplicação em componentes industriais, como peças internas e externas de aparelhos eletrônicos, guarda-chuvas, microcomputadores e toda a linha branca de eletrodomésticos. Entretanto, esse polímero é ainda pouco estudado como matriz de compósitos reforçados com fibras naturais (ROVERE; CORREA, 2008). Dentro deste contexto, o presente trabalho visa o desenvolvimento e a caracterização de compósitos reforçados com fibras da casca do coco verde e do bagaço da cana de açúcar em matriz de poliestireno de alto impacto (HIPS), tendo como objetivo uma possível substituição dos materiais utilizados atualmente para a confecção de luminárias específicas de uso em frigoríficos, normalmente fabricadas em poliéster/fibra de vidro e/ou HIPS. Para a obtenção do material foram utilizados os processos de mistura, utilizando um misturador termocinético e de moldagem por injeção, de acordo com as seguintes etapas de desenvolvimento e caracterização: � Caracterização térmica, mecânica e microscópica das fibras de coco e de bagaço de cana; � Produção dos compósitos HIPS/fibra de coco e HIPS/fibra do bagaço de cana de açúcar por injeção com diferentes proporções de fibras dispersas na matriz polimérica; � Caracterização térmica, mecânica e microscópica dos compósitos obtidos, do compósito de fibras de vidro/matriz de poliéster e do poliestireno de alto impacto. 22 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 Fibras naturais Atualmente, devido ao grande apelo ambiental para utilização de materiais de fontes renováveis, o uso de fibras naturais em diferentes aplicações tem crescido constantemente. Essas fibras são classificadas de acordo com a fonte de extração em: vegetal, animal ou mineral (WALLENBERGER; WESTON, 2004; HARISH et al., 2009). Fibras vegetais são constituídas principalmente por celulose, hemicelulose e lignina e são fibras de grande importância comercial, que podem ser aplicadas como reforço em materiais compósitos, na construção civil e como filtro para a retenção de metais pesados (MOHANTY; MISRA; DRZAL, 2005; WALLENBERGER; WESTON, 2004; MANO et al., 2010; GOMES et al., 2007; ALVES et al., 2010). A composição química das fibras vegetais, também chamadas de fibras lignocelulósicas, assim como a morfologia e as propriedades dependem de fatores como: local extração, idade da planta e condições do solo onde foram cultivadas (MOHANTY; MISRA; DRZAL, 2005; WALLENBERGER; WESTON, 2004). Na Tabela 2.1 estão descritos os dados de composição química de algumas das principais fibras lignocelulósicas utilizadas como reforço em compósitos poliméricos. Os valores foram obtidos a partir de vários estudos científicos conduzidos por diferentes pesquisadores nos últimos anos. Tabela 2.1 - Composição química das fibras lignocelulósicas. Fibra Celulose (%) Hemicelulose (%) Lignina (%) Cinzas (%) Bagaço de cana* 32-48 27-32 19-24 1.5-5 Coco verde** 32-43 0.15-0.25 40-45 - Banana 63-64 10 5 - Curaua *** 73 20 1.5 1.0 Sisal* 47-62 21-24 7-9 - Juta* 41-48 18-22 21-24 0.8 Fonte: MOHANTY;MISRA,DRZAL, 2005; *WALLENBERGER; WESTON, 2004; ** BISMARK, et al., 2001; ***ARAUJO et al., 2010 23 Os principais componentes das fibras lignocelulósicas (celulose, hemicelulose e lignina) estão arranjados nas fibras em uma complexa estrutura física. O conhecimento de cada um desses componentes e a forma como estes estão dispostos na estrutura da fibra é de extrema necessidade no desenvolvimento do uso de fibras como reforço em compósitos. De acordo com a Figura 2.1, cada fibra é formada por um lúmen central cercado por camadas de fibrilas e microfibrilas. O lúmen, responsável por transportar água e nutrientes na planta, é cercado por uma parede primária, três paredes secundárias (S1, S2 e S3), e uma parede intermediária (SILVA et al., 2009; PIETAK et al., 2007). Figura 2.1- Vista transversal da estrutura da fibra vegetal: (1-3) paredes secundárias (S1, S2 e S3); (4) lúmen; (5) parede primária e (6) parede intermediária. Adaptado de SILVA et al., 2009; PIETAK et al., 2007 e COMEAU; FREDERICTON, 2006. A parede primária, inicialmente depositada durante o crescimento das células, consiste em um arranjo desordenado de fibrilas de celulose dispostas em uma matriz 24 de pectina, hemicelulose, lignina e proteínas. As paredes secundárias são compostas por microfibrilas de celulose cristalina organizadas em um arranjo espiral. A camada S2 determina as propriedades mecânicas da fibra e consiste em uma série de microfibrilas, de forma helicoidal de longas cadeias de celulose (SILVA et al., 2009; PIETAK et al., 2007). Essas microfibrilas estão dispostas em uma região amorfa formada de lignina e hemicelulose com diâmetro de 10-30 nm, sendo resultantes do empacotamento de 30 a 100 cadeias de celulose estendidas (SILVA et al., 2009; PIETAK et al., 2007). A lamela intermediária é composta predominantemente por pectina que atua como um ligante entre as fibras (PIETAK et al., 2007). A celulose é o material orgânico mais abundante na Terra, sendo um dos componentes das paredes celulares das plantas. Pode ser definida como um homopolímero de cadeia linear formado por unidades de anidro-glicose que se ligam entre si através de ligações �-(1�4)-glicosídicas (Figura 2.2). Possui fórmula química empírica (C6H10O5)n, na qual n varia de um mínimo de 200 para valores superiores a 7000. A unidade repetitiva da celulose, denominada celobiose contém seis grupos hidroxilas que estabilizam ligações de hidrogênio intra e intermolecular (SILVA et al., 2009; SUMMERSCALES et al., 2010). Figura 2.2 - Estrutura molecular da celulose (celobiose) (FENGEL; WEGENER,1989). Segundo Silva et al. (2009) o grau de cristalinidade da celulose varia de acordo com sua origem e processamento. A celulose do algodão, por exemplo, possui cadeias mais ordenadas, com cristalinidade em torno de 70%, enquanto que na celulose de árvores o índice de cristalinidade é algo em torno de 40%. A hemicelulose é o complexo de maior ocorrência na biosfera depois da celulose. É um polissacarídeo com baixa massa molar, interceptado por microfibrilas de celulose que favorecem a elasticidade e evitam que as microfibrilas se toquem. 25 A hemicelulose é dividida em pentosanas (xilose e arabinose) e hexanas (galactose, manose e glucose) que possuem, respectivamente, as fórmulas gerais C5H8O4 e C6H10O5. Algumas destas estruturas estão representadas na Figura 2.3 (SILVA et al., 2009; SUMMERSCALES et al., 2010). De acordo com Spinacé et al. (2009), devido à estrutura aberta que contém muitos grupos hidroxila e acetil, a hemicelulose é parcialmente solúvel em água e higroscópica. Figura 2.3 - Representação de algumas estruturas de unidade de monossacarídeos presentes na hemicelulose (FENGEL; WEGENER,1989). A lignina constitui uma macromolécula complexa de estrutura polifenólica e não convertida em açúcares fermentáveis. Esta resina amorfa atua como um ligante entre as fibrilas e está presente em todas as camadas da parede celular do vegetal, porém concentrada nas camadas primárias e secundárias, onde ocorre em associação com a celulose e a hemicelulose (FENGEL; WEGENER, 1989; SILVA et al., 2009). Este biopolímero é formado por três unidades distintas da família do éter fenil (Figura 2.4) e a proporção destes compostos resulta em diferentes tipos de lignina. A lignina é insolúvel em água e sua arquitetura, bem como sua complexidade química, 26 não só dificultam o seu isolamento, mas também a sua plastificação (SILVA et al., 2009; FENGEL; WEGENER, 1989). (a) (b) (c) Figura 2.4 - Unidades presentes na lignina: (a) para-hidroxifenila, (b) guaiacila e (c) siringila (FENGEL;WEGENER,1989). 2.2 Fibras da casca do coco verde O coqueiro (Cocus Nucifera) é uma palmeira tropical original do Sudeste Asiático. É uma cultura de grande expansão que desempenha um papel econômico importante em mais de 90 países. A Indonésia é o maior produtor de coco do mundo, com uma produção em 2005 de cerca de 16 milhões de toneladas, seguido pelas Filipinas e Índia. O Brasil é o quarto maior produtor com uma produção de pouco mais de três milhões de toneladas de coco colhidas em uma área de aproximadamente 290 mil hectares (SOUZA et al., 2009). De acordo com dados publicados pela Embrapa – Agroindustrial, entre os anos de 1985 e 2001 a área plantada de coco no Brasil aumentou de 166 mil hectares em 1985 para 266 mil hectares em 2001. A região nordeste é a maior produtora de coco no Brasil, responsável por 65% da produção brasileira. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que em 2007 a produção foi de aproximadamente 1,9 bilhões de frutos (SOUZA et al., 2009; EMBRAPA, 2010). O aumento do consumo de coco verde no Brasil para a industrialização de sua água gera uma quantidade de rejeitos que corresponde a 85% do peso do fruto. Os resíduos formados pelas cascas contribuem para a diminuição da vida útil dos aterros, além de representarem risco ao ambiente e à saúde da população, pois demoram de 10 27 a 12 anos para se decompor (SANTOS; AMICO; SYDENSTRICKER, 2006). A utilização da fibra de coco para a obtenção de compósitos é importante, pois além de diminuir a quantidade de resíduos, é um processo barato, natural e renovável. A fibra de coco verde tem sido muito estudada para a utilização de reforço em polímeros, como por exemplo, o poliéster (MONTEIRO; TERRONES; D’ALMEIDA, 2008), o polipropileno (ISLAM et al., 2010) e polímeros biodegradáveis (BARBOSA et al., 2010; ROSA et al., 2009) alterando as propriedades mecânicas desses compósitos como resistência à tração e elongação na ruptura. As fibras de coco são materiais lignocelulósicos que podem ser obtidas tanto do mesocarpo (parte espessa fibrosa) como do exocarpo (casca) dos cocos, conforme esquematizado na Figura 2.5. Figura 2.5 - Seção transversal do fruto do coqueiro (ESMERALDO, 2006). Comparada às outras fibras vegetais, a fibra de coco tem menor percentual de celulose (36 a 43%), entretanto a quantidade de lignina (41 a 45 %) representa dois a quatro vezes os valores existentes para a juta e o sisal, conferindo-lhe uma maior resistência e rigidez frente a outras fibras (ESMERALDO, 2006). 2.3 Fibras do bagaço de cana de açúcar A cana de açúcar é historicamente um dos principais produtos agrícolas do Brasil, sendo cultivada desde a época da colonização. Do seu processo de industrialização obtêm-se como produtos o açúcar nas suas mais variadas formas e 28 tipos, o álcool (anidro e hidratado), o vinhoto e o bagaço (MULINARI, 2009a). A grande quantidade de bagaço de cana de açúcar gerada tem causado sérios problemas de estocagem, além é claro, do impacto ao meio ambiente. Por isso, atualmente o bagaço de cana de açúcar, além de ser utilizado para a geração de energia, tem se prestado para diversas outras aplicações, tais como: reforço para compósitos poliméricos (MULINARI et al., 2009b; GUIMARÃES et al., 2010; VILAY et al., 2008; LUZ et al., 2008), materiais adsorvedores (GURGEL; FREITAS; GIL, 2008) e componentes para as indústrias de construção civil (AKRAM; MEMON; OBAID, 2008; GANESAN; RAJAGOPAL; THANGAVEL, 2007). A fibra do bagaço de cana tem sido usada como reforço em compósitos de matriz cimentícia, utilizado na construção civil com o objetivo de reduzir o consumo de eletricidade em casas (ONÉSIPPE et al., 2010), e em compósitos de polipropileno, com o interesse de fabricar componentes automotivos como quadros do banco, painel lateral e console central (LUZ; CALDEIRA-PIREZ; FERRÃO, 2010). Do ponto de vista químico, o bagaço de cana de açúcar é composto por 46% de celulose, 24,5% de hemicelulose, 19,95% de lignina, 3,5% de graxas e gorduras, 2,4% de cinzas, 2% de sílica e 1,7% de outros elementos (MULINARI et al., 2009b). 2.4 Compósitos poliméricos reforçados com fibras naturais Os compósitos podem ser definidos como uma classe de materiais que possuem como característica básica a combinação macroscópica de pelo menos duas fases distintas denominadas matriz e reforço. Estas fases podem ser fisicamente identificadas, e apresentam uma interface entre elas. A matriz tem como principal função distribuir a carga pelo compósito, enquanto o reforço é responsável por resistir aos esforços solicitados (NOGUEIRA; MARLET; REZENDE, 1999; NETO; PARDINI, 2006). Dependendo do tipo de reforço utilizado, os compósitos podem ser divididos em três classes distintas, sendo: compósitos de reforço particulado, compósitos de fibras descontínuas, que podem ser unidirecionais ou aleatórias e os reforçados com fibras contínuas, podendo ser unidirecionais, bidirecionais ou multidirecionais 29 (FINKLER, 2005). Os compósitos particulados resultam da introdução de componentes que apresentem uma razão de aspecto L/D (relação entre a maior e a menor dimensão do corpo) menor que três (FINKLER, 2005). Esses componentes denominados de cargas particuladas ou não fibrosas podem ser definidos como materiais sólidos que são adicionados aos polímeros em quantidades suficientes para reduzir o custo do compósito e/ou alterar as suas propriedades físicas e/ou mecânicas (FINKLER, 2005). A incorporação de fibras em uma matriz polimérica pode ocorrer de duas maneiras distintas: (a) uma ou mais fases que tenham a finalidade de reforçar, provocando um aumento na rigidez e resistência mecânica ou (b) o material incorporado tem a atuação mais acentuada como carga; neste caso o reforço adicionado à matriz, normalmente de baixa massa específica e custo reduzido, atua como uma carga aumentando o volume do compósito, e proporcionando reduções de peso e custo do componente (NETO; PARDINI, 2006). Os compósitos de matrizes termoplásticas reforçadas com fibras naturais têm despertado grande interesse de pesquisadores como Khalid et al. (2008) , Pasquini et al. (2008), Mohanty, Misra e Drzal (2000), Li, Hu e Yu (2008), Saleem et al. (2008) e das indústrias aeronáutica e automotiva onde compósitos de polipropileno/fibras naturais são utilizados na fabricação de painéis, consoles, e outras partes interiores substituindo os compósitos de matriz polimérica reforçados com fibras de vidro (ALVES et al., 2010). 2.5 Processos de Obtenção dos compósitos Para a obtenção de compósitos poliméricos reforçados com fibras naturais é necessária a realização de uma ou mais fases de processamento até se atingir o formato final do produto. As duas principais fases realizadas na fabricação desses materiais compósitos são: mistura (fibra/matriz) e moldagem. O objetivo da etapa de mistura no processamento dos compósitos é distribuir a fibra de maneira homogênea garantindo a completa dispersão das fibras naturais 30 dentro da matriz. Existe uma ampla variedade de equipamentos de mistura que podem ser utilizados nesta etapa, tais como misturadores internos e as extrusoras de rosca simples ou dupla (CASTRO, 2010). A etapa de moldagem do material tem como função proporcionar a forma e dimensão final desejada, através de processos como moldagem por compressão, extrusão e injeção. A obtenção de compósitos poliméricos reforçados com fibras naturais exige condições específicas em relação ao processamento, uma vez que durante as etapas de processamento os materiais estão sujeitos a variações de temperatura, a esforços de cisalhamento e à exposição ao oxigênio (CASTRO, 2010). As fibras naturais têm estrutura essencialmente hidrofílica incompatível com matrizes termoplásticas hidrofóbicas, o que pode ocasionar aglomerados de fibras que prejudicam as propriedades do compósito. Além do mais, acima de 160°C e na presença de oxigênio, as fibras podem sofrer termo-oxidação levando ao escurecimento (SANTOS, 2006). Desta forma, as propriedades mecânicas e térmicas dos compósitos podem ser afetadas pelo processamento e pela temperatura na qual ele foi realizado (MANO et al., 2010). No presente trabalho foi utilizado um misturador termocinético, no qual as fibras juntamente com a matriz foram submetidas à alta rotação das palhetas. A massa obtida foi então processada por moldagem por injeção para a obtenção de corpos de prova de tração e flexão. 2.6 Tratamentos químicos das fibras lignocelulósicas Um dos parâmetros mais importantes em materiais compósitos é a interface entre o reforço e a matriz. A região interfacial é responsável pela transferência de esforços mecânicos da matriz para o reforço. A adesão inadequada entre as fases envolvidas na interface pode provocar o início das falhas, comprometendo o desempenho e as propriedades mecânicas dos compósitos (SAHEB; JOG, 1999; JOHN; THOMAS, 2008). 31 Assim, muitos autores têm estudado a influência dos tratamentos químicos das fibras lignocelulósicas no comportamento mecânico de compósitos poliméricos, a fim de melhorar estas características e promover a utilização desses compósitos como alternativas viáveis em substituição inclusive aos compósitos que utilizam fibras de vidro (ROSA et al., 2009; BRÍGIDA et al., 2010; BISMARK et al., 2001; ELANTHIKKAL et al., 2010; VILLAY et al., 2008; GOMES et al., 2007). Os tratamentos químicos superficiais das fibras são necessários à medida que as fibras lignocelulósicas oferecem certas desvantagens quando comparadas às fibras sintéticas. A falta de compatibilização com matriz polimérica hidrofóbica e a tendência de formar aglomerados durante o processamento são desvantagens conhecidas. Os tratamentos superficiais são conduzidos com o objetivo de melhorar as condições de adesão fibras/matriz ou ainda alterar as características como a hidrofilicidade e rugosidade superficial. Sabe-se que as fibras naturais possuem muitos grupos hidroxila ao longo de suas cadeias, o que confere uma grande hidrofilicidade à fibra (BRÍGIDA et al., 2010). Segundo Mohanty et al. (2006), tratamentos das fibras tais como desengraxamento, enxertia, branqueamento, acetilação ou reação com álcalis, peróxidos, silanos ou isocianatos são essenciais para a obtenção de materiais com melhores desempenhos. Rout et al. (2001) estudaram a influência da modificação superficial das fibras de coco através de tratamento químico com hidróxido de sódio em concentrações de 2, 5 e 10% nos compósitos poliéster/fibra de coco e constataram aumentos significativos nas suas propriedades mecânicas e redução de absorção de água, quando comparados as fibras que não sofreram tratamento. Rosa et al. (2008) no estudo da extração e caracterização de “whiskers” de celulose de fibra de coco, observaram, através da técnica de microscopia eletrônica de varredura, o início do processo de microfibrilação nas fibras de coco branqueadas. A microfibrilação foi observada considerando que, durante o processo de branqueamento, são extraídos materiais que unem as microfibrilas constituintes da fibra, tais como hemicelulose e lignina residual. A microfibrilação, processo de separação das microfibrilas, é importante, pois aumenta a área superficial e 32 consequentemente a energia superficial das fibras, melhorando a interação fibra/matriz. O tratamento de mercerização visa limpar a superfície da fibra removendo parcialmente os constituintes amorfos solúveis em meio alcalino. Desta forma, diminui o grau de agregação das fibras e torna a superfície mais rugosa (TROEDEC et al., 2008; ESMERALDO, 2006; GOMES et al., 2007; RAZERA, 2006). O branqueamento, por sua vez, é um processo químico aplicado aos materiais celulósicos para elevar alvura, reduzindo ou removendo os constituintes do material lignocelulósico que possam causar coloração. Na utilização de fibras como reforço em compósitos o tratamento de branqueamento é importante, pois tem como principal objetivo atacar e remover a lignina residual, que aumenta a rigidez da fibra e impede a reorientação da mesma necessária para a transferência adequada de carga no compósito (SANTOS; AMICO; SYDENSTRICKER, 2006; SAHA et al., 2010). 2.7 Poliestireno de alto impacto (HIPS) A matriz polimérica utilizada neste trabalho foi o poliestireno de alto impacto (PSAI) ou HIPS (High Impact Polystyrene), termoplástico amorfo com grande aplicação em componentes industriais, como peças internas e externas de aparelhos eletrônicos, guarda-chuvas, televisão, microcomputadores e toda a linha branca de eletrodomésticos (ROVERE; CORREA, 2008). O HIPS é obtido a partir da adição de moléculas de polibutadieno (borracha) por enxerto em uma matriz polimérica contínua de poliestireno através de reações químicas e não simplesmente por mistura como ocorre em blendas poliméricas (BORRELLY, 2002). É classificado como um polímero termoplástico que apresenta temperatura de processamento relativamente baixa, além de ter suas propriedades facilmente modificadas a partir de alterações na sua morfologia e composição das fases estirênica e borracha (VIANNA et al., 2004). O elastômero incorporado ao poliestireno (PS) é responsável pela relaxação do 33 material a nível molecular, a qual dissipa parte da energia em calor, tendo efeito sinérgico na absorção de impacto (COSTA, 2009). Nos poliestirenos modificados, como o HIPS, a resistência ao impacto é superior ao do poliestireno comum, porém, a resistência à tração e o módulo de elasticidade são menores (BORRELLY, 2002). As principais propriedades do HIPS são ponto de amolecimento entre 87 e 100°C e solubilidade parcial em hidrocarbonetos e cetonas. A temperatura de processamento do HIPS, abaixo da temperatura de degradação das fibras naturais, e seu fácil processamento são algumas das principais propriedades que o tornam uma alternativa viável de matriz para compósitos reforçados com fibras naturais (NETO; PARDINI, 2006; VIANNA et al., 2004). 2.8 Comportamento mecânico dos compósitos Na avaliação das propriedades mecânicas de compósitos poliméricos é necessário levar em consideração a complexidade da interação mecânica entre reforço e matriz. Os principais ensaios mecânicos realizados para a avaliação das propriedades destes materiais são: ensaios de tração, flexão, impacto e fadiga. Um dos ensaios mais utilizados, portanto, é o ensaio de tração, por ser relativamente simples e de fácil realização, além de fornecer informações importantes e primordiais para o projeto e a fabricação de peças e componentes (GARCIA; SPIM; SANTOS, 2000). O ensaio de tração é empregado para a caracterização de algumas das principais propriedades mecânicas dos compósitos poliméricos, como módulo de elasticidade, limite de resistência à tração e elongação na ruptura. No ensaio de tração uma amostra é deformada, geralmente até sua fratura, mediante uma carga de tração gradativamente crescente que é aplicada uniaxialmente ao longo do eixo maior de um corpo de prova, que são preparados segundo as normas técnicas convencionais. O levantamento da curva de tensão de tração pela deformação sofrida pelo corpo constitui o resultado do teste de tração (GARCIA; SPIM; SANTOS, 2000; CALLISTER, 2006). 34 No caso específico de materiais poliméricos as técnicas de ensaio sofrem algumas alterações em relação ao ensaio realizado para materiais metálicos, devido às propriedades específicas dos polímeros. São encontrados três tipos diferentes de comportamento tensão-deformação para os materiais poliméricos. No gráfico da Figura 2.6 estão as três curvas que representam os diferentes comportamentos dos polímeros: frágil, plástico e altamente plástico. A curva A é característica de um polímero frágil que sofre fratura enquanto se deforma elasticamente. Para um material plástico, curva B, o comportamento é semelhante àquele encontrado para muitos materiais metálicos, a deformação inicial é elástica, seguida por escoamento e por uma região de deformação plástica. O comportamento representado pela curva C é totalmente elástico, típica de materiais como a borracha, apresentada por uma classe de polímeros conhecida como elastômeros (CALLISTER, 2006). Figura 2.6 - Curvas tensão x deformação para polímeros frágeis (curva A), plásticos (curvaB) e altamente elásticos (elastoméricos) (curva C) (CALLISTER,2006). Outro ensaio importante para o levantamento das características do comportamento mecânicos dos compósitos de matriz polimérica é o ensaio de flexão, geralmente aplicado a materiais poliméricos rígidos e semi-rígidos. As propriedades de interesse no ensaio de flexão são a resistência à flexão e o módulo de elasticidade. As configurações de carregamento podem ser flexão em três pontos e flexão em quatro pontos. No ensaio de flexão em três pontos, o corpo de prova, uma barra de seção 35 retangular, é ajustado em dois apoios fixados a um suporte, e o carregamento é realizado por meio de um terceiro apoio (móvel). Na Figura 2.7 é representado esquematicamente o dispositivo do ensaio de flexão em três pontos (CANEVAROLO, 2004). Figura 2.7 - Representação esquemática do dispositivo de ensaio de flexão em três pontos (CANEVAROLO, 2004). A resistência à flexão representa a tensão máxima desenvolvida nas fibras externas de uma barra sujeita ao dobramento, no momento da quebra, e o módulo é determinado como sendo a razão dentro do regime elástico, entre a tensão e a deformação. 2.9 Comportamento térmico dos compósitos A análise térmica é definida como “um conjunto de técnicas que permite medir as mudanças de uma propriedade física ou química de uma substância ou material em função da temperatura ou tempo, enquanto a substância é submetida a uma programação controlada de temperatura”. É uma análise química e composicional, mas também pode ser usada para estudos de processos como catálise, corrosão, propriedades térmicas e mecânicas entre outros (MOTHÉ; ARAUJO, 2002). A análise térmica possui muitas vantagens pelo fato de necessitar de uma pequena quantidade de amostra, de apresentar uma variedade de resultados em um único gráfico e de não haver necessidade de preparo da amostra a ser analisada. 36 Porém, possui um custo relativamente alto dos equipamentos além de ser uma técnica destrutiva (MOTHÉ; ARAUJO, 2002). Para que uma análise térmica seja considerada analítica, três critérios devem ser satisfeitos; são esses: uma propriedade física deve ser medida, esta medida deve ser expressa direta ou indiretamente em função da temperatura e ser realizada sob um programa controlado de temperatura (CANEVAROLO, 2004). Baseando-se na propriedade física medida em função da temperatura tem-se uma classificação lógica dos métodos termoanalíticos. Essa classificação está apresentada na Tabela 2.2 na qual consta também a técnica correspondente à propriedade física e suas respectivas abreviaturas. Tabela 2.2 - Classificação das principais técnicas termoanalíticas (CANEVAROLO, 2004). Propriedade física Principais técnicas Abreviatura Massa Termogravimetria TGA Detecção de gás desprendido EGD Análise de gás desprendido EGA Análise térmica por emanação ETA Temperatura Determinação da curva de aquecimento (*) Análise Térmica Diferencial DTA Entalpia Calorimetria exploratória diferencial (**) DSC Dimensões Termodilatometria TD Características mecânicas Análise termomecânica TMA Análise termomecânica dinâmica DMA (*) Quando o programa de temperatura for ao modo resfriamento, torna-se determinação da curva de resfriamento. (**) A confusão surgida acerca desse termo parece resolvida separando-se duas modalidades: DSC com Compensação de Potência e DSC com fluxo de calor. 2.9.1 Análise Termogravimétrica (TGA) A termogravimetria (TGA) é uma técnica de análise térmica na qual a variação de massa da amostra (perda ou ganho) é determinada em função da temperatura e/ou tempo, enquanto a amostra é submetida a uma programação controlada de temperatura. Esta técnica possibilita conhecer as alterações que o aquecimento pode 37 provocar na massa das substâncias, de forma a estabelecer a faixa de temperatura em que a amostra adquire uma composição química, fixa, definida e constante, a temperatura em que começa a se decompor e acompanhar o andamento de reações de desidratação, oxidação, combustão e decomposição (CANEVAROLO, 2004). Curvas TGA são de natureza empírica, pois vão depender principalmente de parâmetros da amostra e o tipo de equipamento utilizado (MOTHÉ; ARAUJO, 2002). 2.10 Estudo da degradação térmica de polímeros Os processos de degradação como a fotorradiação, degradação térmica, oxidação e hidrólise são capazes de proporcionar mudanças nas propriedades químicas, físicas e mecânicas dos materiais (BAR, 2008). Em compósitos poliméricos reforçados com fibras sintéticas e/ou naturais esses processos de degradação não afetam somente o material polimérico, mas afetam também outros componentes com o reforço (BAR, 2008; SAHIN; SINMAZÇELIK; SAHIN, 2007). Em matrizes poliméricas a degradação pela ação do intemperismo, como a exposição à radiação UV e a água, por exemplo, pode ocorrer por meio de alguns mecanismos de fotoxidação como (CAMARGO, 2006): - formação de radicais livres; -cisão da cadeia - ocorrência de fragilização; - alterações de cor. Nas fibras lignocelulósicas os mecanismos de degradação ou envelhecimento podem ocorrer devido à (CAMARGO, 2006): - absorção de UV pela lignina; - formação de estruturas quinoidais; - reações do tipo Norrish que ocorrem na lignina; - reações de foto-amarelecimento. O estudo da degradação pela exposição ao intemperismo, ação combinada de radiação UV, calor e umidade, pode ser realizada através do envelhecimento natural ou 38 artificial. O envelhecimento natural consiste de um material submetido à influência de elementos naturais, intempéries ou na ação do meio no qual o material está submetido em condições de utilização (BORRELLY, 2002). O envelhecimento acelerado ocorre em câmaras de envelhecimento que simulam um clima natural de maneira controlada. A vantagem em se utilizar a análise de degradação feita numa câmara de intemperismo artificial é que, além de ser mais rápida do que a exposição natural, existe a importante característica de ser reprodutível (BORRELLY, 2002). Por outro lado os resultados obtidos não possuem correlação exata com o que acontece na realidade devido à regularidade dos ciclos - duração, intensidade e condições de exposição. Os efeitos da degradação em virtude da ação do intemperismo sejam pelo envelhecimento natural ou artificial, podem ser avaliados através da quantificação da degradação química e/ou da análise das propriedades físicas como comportamento mecânico e aspecto visual (BORRELLY, 2002). 39 3 MATERIAIS E MÉTODOS O fluxograma da Figura 3.1 descreve de maneira geral todas as etapas de obtenção e caracterização do material desenvolvido. Figura 3.1 - Fluxograma esquemático da metodologia empregada neste trabalho. 3.1 Obtenção das fibras de coco e bagaço de cana de açúcar As fibras lignocelulósicas utilizadas neste trabalho foram obtidas conforme descrito a seguir: - Fibra de coco verde: os resíduos do coco verde foram obtidos da comercialização em quiosques da cidade de Guaratinguetá/SP (Figura 3.2). No laboratório de preparação de amostras do Grupo de Fadiga e Materiais Aeronáuticos da FEG/UNESP, as fibras de coco verde foram retiradas do exocarpo e do mesocarpo fibroso. A remoção das fibras foi realizada através de extração manual e posteriormente as fibras foram secas em estufa a 50ºC durante 48 horas. Em seguida, 40 as fibras passaram por processos físicos de moagem e de classificação granulométrica, passando por peneiras de 24, 28 e 48 mesh, sendo que somente as fibras passantes da peneira de 48 mesh (abertura de 0,3 mm) foram utilizadas na manufatura dos compósitos. Figura 3.2 - Frutos de coco obtidos após o consumo de sua água. - Fibra de bagaço de cana de açúcar: As fibras de bagaço foram gentilmente fornecidas pela empresa Edras Ecossistemas, localizada em Cosmópolis, SP. Antes do processo de moagem as fibras foram secas em estufa a 50°C por 48 horas e após os processos de moagem foram peneiradas utilizando peneiras de 24, 28 e 48 mesh. A fração passante da peneira de 48 mesh foi utilizada na manufatura do compósito. 3.2 Reagentes Utilizados Para a realização dos tratamentos químicos foram utilizados os seguintes reagentes: � hidróxido de sódio (NaOH) PA, fabricador por Nuclear; � clorito de sódio (NaClO2) PA, fabricado por Cromolina – Química Fina; � ácido acético glacial PA, fabricado por Synth. 41 3.3 Compósito Poliéster/fibra de vidro O compósito poliéster/fibra de vidro foi caracterizado quanto às suas propriedades mecânicas em tração, antes e após a exposição ao intemperismo acelerado, e quanto às suas propriedades térmicas através da termogravimetria (TGA/DTG). A caracterização deste material usado na fabricação de luminárias anticorrosivas para ambientes frigoríficos foi baseada em sua possível substituição pelo compósito reforçado com fibra natural. O objetivo desta caracterização foi comparar propriedades do mesmo com os compósitos de fibras naturais, preparados neste trabalho. As amostras do compósito poliéster/fibra de vidro foram obtidas de uma luminária modelo LFA gentilmente fornecida pela empresa Fibrel - Luminárias Anticorrosivas, localizada na cidade de Mogi das Cruzes/SP (Figura 3.3). Figura 3.3 - Luminária modelo LFA fornecida pela empresa Fibrel Luminárias Anticorrosivas. A luminária doada para análise foi fabricada pelo método de laminação manual, como mostra esquema da Figura 3.4. 42 Figura 3.4 Processo de laminação para obtenção da luminária utilizada em frigorífico. 3.4 Tratamentos químicos das fibras 3.4.1 Tratamento alcalino (Mercerização) Após a classificação granulométrica (peneiramento) as fibras (200 g) foram imersas em uma solução alcalina de NaOH 1% (m/v) (2 L), onde permaneceram por 1 hora sob agitação constante na temperatura ambiente (Figura 3.5). Decorrido o tempo de tratamento, a suspensão foi filtrada a vácuo e as fibras lavadas com água destilada até a neutralidade. Em seguida, as fibras foram secas em estufa a 50ºC por 24 horas. Figura 3.5 - Vista do tratamento de mercerização das fibras. 43 3.4.2 Tratamento de Branqueamento O branqueamento das fibras foi realizado no laboratório de preparação de amostras do Grupo de Fadiga e Materiais Aeronáuticos da FEG/UNESP. O procedimento em escala de laboratório utilizou o clorito de sódio para remover a lignina residual contida nas fibras previamente mercerizadas. As fibras mercerizadas (24 g) foram branqueadas utilizando-se 200 mL de uma solução de água destilada contendo 1 mL de ácido acético glacial e 3 g de clorito de sódio (80%). A suspensão permaneceu sob agitação durante 2 horas à temperatura de 70°C. Decorrido o tempo do tratamento, a suspensão foi filtrada a vácuo e as fibras lavadas com água destilada até a neutralidade e, em seguida, secas em estufa a 50°C por 12 horas antes de serem utilizadas para a manufatura do compósito. 3.5 Análise da composição química das fibras As fibras “in natura”, mercerizadas e branqueadas foram caracterizadas quimicamente com o objetivo de avaliar o efeito dos tratamentos na composição química, através da quantificação dos teores de celulose, hemicelulose, lignina e cinzas. A caracterização foi realizada pelo Departamento de Biotecnologia da Escola de Engenharia de Lorena (EEL/USP) seguindo a metodologia analítica descrita por Rocha et al. (1997) e validada por Gouveia et al. (2009). 3.6 Difratometria de raios X das fibras (DRX) Os difratogramas de raios X das fibras “in natura”, mecerizadas e branqueadas foram obtidos em um difratômetro de raios X da marca Shimadzu modelo XDR-6000, disponível no Departamento de Engenharia de Materiais da Escola de Engenharia de Lorena/USP, com fonte de radiação CuK�, voltagem de 40 kV, corrente de 40 mA, varredura 0,05 ( 2�/5 s) para valores de 2� entre 10 e 50º. 44 Com os resultados obtidos no difratômetro foi possível calcular os índices de cristalinidade das fibras lignocelulósicas por meio da Equação (1) definida pelo método empírico de Segal et al. (1959), que fornece um valor aproximado de cristalinidade: 100 )002( )()002( � � I II I am c (1) na qual: Ic � índice de cristalinidade em porcentagem; I002 � máxima intensidade do pico de difração que representa o material cristalino na vizinhança de 2θ = 220; Iam � mínima intensidade do pico de difração que representa o material amorfo na região de 2θ = 180. Na Figura 3.6 são apresentados os picos de difração característicos dos materiais lignocelulósicos com a indicação dos picos utilizados para calcular o índice de cristalinidade (Ic). 10 15 20 25 30 35 40 I101 I002 In te ns id ad e (u .a ) 2� (grau) Iam Figura 3.6 - Difratograma de raios X com as indicações dos picos referentes as partes cristalina e amorfa do material. 45 3.7 Matriz Poliestireno de alto impacto (HIPS) O poliestireno de alto impacto utilizado neste trabalho foi o HIPS 825, produzido por FINA Technology e que foi gentilmente fornecido pela Videolar, localizada na cidade de Barueri/SP. O mesmo é usado na fabricação das luminárias modelo LFDA Advanced da empresa Fibrel Luminárias Anticorrosivas. O HIPS possui baixo custo quando comparado a outros polímeros termoplásticos e apresenta rigidez adequada ao uso proposto e facilidade de processamento, podendo ser processado em temperaturas abaixo da temperatura de degradação da celulose (200-220°C). Na Tabela 3.1 estão descritas algumas das principais características do HIPS 825. Tabela 3.1 - Propriedades do HIPS 825, fabricado pela FINA Technology, Inc. Propriedades Sistema Internacional Valores Unidades Índice de Fluidez (200°C/5 kg) 6,5 g/10min Resistência ao Impacto IZOD 107 J/M Resistência à tração, Ruptura 23 MPa Elongação 50 % Módulo de Elasticidade em tração 2140 MPa Resistência à Flexão 44 MPa Temperatura de Amolecimento, VICAT 96 °C Temperatura de Deflexão @ 264 psi 90 °C Massa específica 1,04 g/ cm3 Fonte: Ficha Técnica do HIPS 825. 3.8 Processos de obtenção dos compósitos Os compósitos descritos na Tabela 3.2 foram obtidos em um homogeneizador de plásticos de laboratório da MH Equipamentos (modelo MH-50H), disponível na Divisão de Materiais (AMR) do Instituto de Aeronáutica e Espaço do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) em São José dos Campos/SP. A mistura entre as fibras (mercerizadas e branqueadas) e o polímero ocorreu dentro da cápsula bipartida (Figura 3.7), refrigerada externamente com água. 46 Tabela 3.2 - Composição dos sistemas investigados. Amostra Reforço Reforço (%) HIPS/10FCM Fibra de coco mercerizada 9 HIPS/20FCM Fibra de coco mercerizada 23 HIPS/30FCM Fibra de coco mercerizada 33 HIPS/10FCB Fibra de coco branqueada 9 HIPS/20FCB Fibra de coco branqueada 23 HIPS/30FCB Fibra de coco branqueada 33 HIPS/10FBM Fibra de bagaço mercerizada 9 HIPS/20FBM Fibra de bagaço mercerizada 23 HIPS/30FBM Fibra de bagaço mercerizada 33 HIPS/10FBB Fibra de bagaço branqueada 9 HIPS/20FBB Fibra de bagaço branqueada 23 HIPS/30FBB Fibra de bagaço branqueada 33 (a) (b) Figura 3.7 - Detalhe da cápsula de mistura: (a) fibras e HIPS antes da mistura; (b) fibras e HIPS após a mistura A mistura fibra/polímero foi realizada por meio da rotação das palhetas que giram com aproximadamente 2600 rpm no primeiro estágio de velocidade, que serve apenas para retirar o motor e o eixo do ponto de inércia, e a 5250 rpm no segundo estágio, para efetuar a mistura do material. O tempo de mistura foi determinado pela própria máquina que ao atingir a rotação máxima necessitava ser desligada. Desta forma, o tempo de mistura variou de acordo com a quantidade de fibra utilizada e com o tempo de operação da máquina. Para os compósitos com maiores porcentagens de fibras e no início do processo 47 onde a máquina ainda não estava aquecida, o tempo de mistura era maior. Em média os compósitos levaram de 50 segundos a 3 minutos para serem misturados. Para a obtenção dos compósitos, primeiramente as fibras de coco e de bagaço mercerizadas e branqueadas foram secas em estufa a 50ºC por 3 h. O HIPS também foi seco na mesma temperatura, porém por 1 h. Posteriormente, os materiais foram pesados nas proporções de 9, 23 e 33% (m/m) de fibras. Foram preparados cerca de 500 g de cada material compósito, alimentado em bateladas de 50 g no homogeneizador de plásticos. Após a mistura, o material fundido passou entre rolos de aços inox (calandras) a temperatura ambiente, com o objetivo de facilitar a etapa de granulação. Ao sair da calandra, a mistura foi resfriada por imersão em água também a temperatura ambiente, com o indicado na Figura 3.8. Figura 3.8 - Detalhe da calandra e da mistura resfriada em água. Após a imersão em água, os compósitos foram moídos em moinho granulador (RONE) até passar por peneira de 13 mm e secos em estufa a 50ºC por 3 h (Figura 3.9). Rolos de aço inox (calandras) Placas da mistura fundida HIPS/fibra 48 (a) (b) Figura 3.9 - (a) Moinho granulador; (b) compósito moído Os compósitos moídos e secos foram posteriormente injetados em molde contendo cavidades com dimensões específicas para ensaios mecânicos de tração e flexão ( normas ASTM D638 e D790, respectivamente) utilizando uma injetora marca Battenfeld modelo HM 60/350 (Figura 3.10), disponível na Central de Laboratórios Mecânicos do Centro Universitário da FEI em São Bernardo do Campo/SP. Figura 3.10 - Máquina Injetora Battenfeld HM 60/350. A temperatura do molde durante a injeção foi de 30°C e o perfil de temperatura utilizado para a injeção está o descrito na Tabela 3.3. Os demais parâmetros de injeção utilizados estão descritos no ANEXO 1 - Parâmetros de Injeção. 49 Tabela 3.3 - Zonas de aquecimento durante a injeção. Zonas de Aquecimento Temperatura (°C) Zona 0 205 Zona 1 210 Zona 2 210 Zona 3 205 3.9 Exposição ao intemperismo acelerado Considerando que os compósitos manufaturados neste trabalho estão sendo estudados quanto à uma possível aplicação em luminárias anticorrosivas, e sabendo-se que uma vez em operação estas luminárias estão expostas à água em abundância e à radiação ultravioleta, fez-se necessário o conhecimento do comportamento mecânico dos compósitos após a exposição nesses ambientes. Para tanto, foi utilizado o ensaio de exposição ao intemperismo acelerado, no qual os corpos de prova de tração dos compósitos produzidos e do compósito poliéster/fibra de vidro foram submetidos, durante 900 horas, a ciclos repetitivos de 8 horas de radiação UV-B (lâmpada UVB-313) com energia de 0,76W (m2 .nm) a 60°C e 4 horas de condensação de água a 50°C de acordo com a norma ASTM G-154. Para a realização do ensaio foi utilizada uma câmara de teste de radiação UV/condensação (Figura 3.11), modelo QUV - Accelerated Weathering Testers disponível no DMT/FEG/UNESP (Figura 3.11). Figura 3.11 - Câmara de intemperismo acelerado marca QUV. 50 3.10 Análises térmicas das fibras e dos compósitos 3.10.1 Termogravimetria (TGA/DTG) As amostras (10 mg) foram analisadas em uma termobalança Seiko modelo TGA-50, disponível no DMT/FEG/UNESP, operando sob fluxo de nitrogênio, em uma faixa de temperatura de 40 a 600ºC com uma razão de aquecimento de 10ºC.min-1. A análise foi aplicada aos insumos individuais e aos compósitos processados neste estudo, bem como ao compósito convencional (poliéster/fibra de vidro) utilizado na fabricação de luminárias anticorrosivas, a fim de determinar a temperatura de degradação e a perda de massa em cada evento térmico. 3.11 Espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) A técnica de FTIR foi utilizada para determinar os grupos funcionais presentes nas fibras lignocelulósicas e matriz polimérica, bem como determinar se a dição destas fibras à matris provocou alguma alteração ou reação química. Os espectros das fibras e dos compósitos previamente secos foram determinados em um espectrofotômetro Perkin Elmer, modelo Spectrun GX, disponível no Departamento de Engenharia Bioquímica da Escola de Engenharia de Lorena/USP. As fibras foram analisadas pelo método de transmissão, sendo medidos os valores de absorbância no intervalo de 400-4000 cm-1 com 64 varreduras. As amostras foram preparadas na forma de pastilhas de KBr. Pesou-se cerca de 2 mg da amostra seca e moída e adicionou-se a 200 mg de KBr grau espectroscópico, seco a 105ºC por 2 horas. Macerou-se esta mistura até que fossem eliminados visivelmente todos os cristais, por cerca de 1 minuto. A amostra macerada foi transferida para um molde pastilhador, e prensada (1-1,5 kgf/cm2) sob vácuo por 5 minutos, formando então a pastilha para análise. Os compósitos foram analisados no intervalo de 400-4000 cm-1 com 64 varreduras, diretamente por Refletância Difusa (DRIFT), não sendo necessário o preparo da amostra com KBr. 51 3.12 Ensaios mecânicos dos compósitos 3.12.1 Resistência à tração Os compósitos obtidos e o compósito fornecido poliéster/fibra de vidro foram analisados em uma máquina universal de ensaios Shimadzu modelo AG-X, com célula de carga de 50 kN, disponível no Departamento de Materiais e Tecnologia da FEG/UNESP. Foram analisados para cada compósito cinco corpos de prova expostos e não expostos ao intemperismo acelerado, com dimensões de acordo com as normas ASTM D638 (compósitos HIPS/fibra natural) e ASTM 3039 (compósitos poliéster/fibra de vidro). O formato e as dimensões dos corpos de prova utilizados estão indicados na Figura 3.12. As propriedades mecânicas de resistência à tração, alongamento e módulo de elasticidade em tração foram avaliadas. (a) (b) Figura 3.12 - Corpo de prova de tração: (a) Norma ASTM D630, tipo I e (b) Norma ASTM 3039. 3.12.2 Resistência à flexão em três pontos Os compósitos manufaturados e o HIPS foram analisados em uma máquina universal de ensaios Shimadzu modelo AG-X disponível no Departamento de Materiais e Tecnologia da FEG/UNESP. Foram analisados para cada compósito cinco 52 corpos de prova com dimensões de acordo com as normas ASTM D790, seguindo o procedimento A (Figura 3.13). Foram utilizadas a razão L/d (onde L= distância entre apoios) igual a 16, velocidade de ensaio de 1,4 mm/min, com célula de carga de 5 kN. Para o cálculo da tensão de flexão (MPa) foi utilizada a Equação (2): (2) Sendo P a carga em Newtons, L a distância entre os apoios, b a largura do corpo de prova e d é a espessura do corpo de provas em milímetros. As propriedades mecânicas de resistência à flexão e o módulo elástico foram avaliadas. Figura 3.13 - Corpo de prova para ensaio de flexão de acordo com a norma ASTM D790. 3.13 Análises fractográficas dos compósitos 3.13.1 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) As amostras das fibras “in natura”, mercerizadas e branqueadas, bem como a superfície de fratura dos compósitos, foram analisadas em um microscópio eletrônico de varredura JEOL JSM5310, disponível no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais/INPE em São José dos Campos/SP, operando de 15 a 20 kW e utilizando detector de elétrons secundários. As amostras foram fixadas em um suporte, com auxílio de uma fita de carbono autocolante dupla face, e submetidas ao recobrimento metálico com ouro. 53 3.13.2 Microscopia Óptica (MO) Para a caracterização com base na microscopia quantitativa foi escolhido um corpo de prova de tração de cada um dos compósitos manufaturados. As amostras foram cortadas conforme esquema da Figura 3.14, para posterior análise da distribuição e a morfologia das fibras dispersas na matriz. Após serem cortadas as amostras foram embutidas com resina epóxi. O lixamento foi realizado com lixa d’água de granulometria 220 para a planificação e a etapa de polimento foi realizada em uma politriz automática da marca STRUERS Labopol-5. O polimento foi feito com uma velocidade de rotação de 250 rpm, durante 10 minutos com pastas de diamante de 3 e 9 µm, com mantas próprias para cada solução e, em seguida, mais cinco minutos com solução de sílica coloidal (OP-U) em pano aveludado. Para a análise da morfologia das fibras foram obtidas imagens em microscópio óptico, sobre iluminação campo escuro, de toda a superfície da amostra. As imagens foram captadas com uma ampliação de 50x por uma Câmera Spot Insight QE associada ao microscópio óptico Nikon Model Epiphot 200, disponível no Departamento de Engenharia de Materiais e Tecnologia da FEG/UNESP. Figura 3.14 - Esquema das amostras que foram utilizadas para a microscopia óptica. As imagens obtidas foram processadas digitalmente através do software NIH Image J, de domínio público, seguindo etapas de conversão para escala de cinza, aplicação de filtro através de transformada de Fourier (FFT/Bandpass filter), aplicação da limiarização (Threshold), resultando em uma imagem binária, aplicação do filtro Binary/fill holes e análise das partículas de fibra através da ferramenta Set 54 Measurements. Para a obtenção dos valores das dimensões e do parâmetro de forma de cada partícula analisada foram aplicados em cada imagem binária os recursos Set Measurement/Fit Ellipse e Set Measurement/Shape Descriptors, que medem os diâmetros (máximo e mínimo) e a circularidade de cada partícula. Os valores de circularidade foram calculados de acordo com a Equação (3) e variam de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1 mais circular é a partícula analisada: Circularidade = 4*π * Área Perímetro2 (3) 55 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 Obtenção e tratamento químico das fibras As fibras de coco verde quando extraídas da casca apresentavam o aspecto indicado na imagem da Figura 4.1(a), com diâmetros e comprimentos variados. Após a extração, as fibras foram trituradas até se tornarem um pó fino, como observado na imagem da Figura 4.1(b). (a) (b) Figura 4.1 - (a) Fibras de coco após extração; (b) Fibras de coco moídas As fibras em forma de pó passaram por uma classificação granulométrica com o objetivo de manter a uniformidade das dimensões, sendo que as fibras utilizadas para o processamento dos compósitos foram as fibras passantes da peneira de 48 mesh (abertura de 0,3 mm) . Após a classificação granulométrica foi realizado o tratamento de mercerização para remover parte das substâncias amorfas e sujeiras presentes na fibra. Após este tratamento, as fibras apresentaram uma alteração na tonalidade, passando de marrom para marrom escuro (Figura 4.2(a)). Segundo Rosa et al. (2009), esta mudança na tonalidade é um indicativo qualitativo de que o efeito esperado para o tratamento alcalino foi alcançado, ou seja, foi possível remover parte das substâncias amorfas tais como ceras, extrativos, lignina e hemicelulose. 56 (a) (b) Figura 4.2 - (a) Fibras de coco mercerizadas (FCM); (b) Fibras de coco branqueadas (FCB). As fibras tratadas com solução alcalina foram então branqueadas com o objetivo de intensificar os efeitos do tratamento alcalino, removendo a lignina residual e aumentando a exposição da celulose. Após o branqueamento, as fibras passaram de marrom para amarelo claro (Figura 4.2(b)), indicando que assim como observado no tratamento alcalino, o branqueamento atingiu os resultados esperados. As fibras de bagaço foram recebidas na forma como mostra a Figura 4.3 (a). Essas fibras foram trituradas e, em seguida, peneiradas até a obtenção de um pó fino na mesma granulometria das fibras de coco. (a) (b) Figura 4.3 - (a) Fibras de bagaço após extração; (b) Fibras de bagaço moídas. As fibras trituradas (Figura 4.3 (b)) passaram pelos mesmos tratamentos de mercerização e branqueamento e sofreram alteração de cores menos intensas quando comparadas às fibras de coco. As imagens das fibras de bagaço após os tratamentos de mercerização e branqueamento podem ser observadas nas Figuras 4.4(a) e 4.4(b), 57 respectivamente. (a) (b) Figura 4.4 - (a) Fibras de bagaço mercerizadas (FBM); (b) Fibras de bagaço branqueadas (FBB). As fibras lignocelulósicas são compostas basicamente por lignina, celulose e hemicelulose, além de ceras, extrativos e cinzas. A quantidade de cada um destes componentes presentes nas fibras varia de acordo com o tipo de fibra (casca do coco, bagaço, juta, sisal entre outras) além do tempo de maturação da planta e do solo onde foi cultivada (WALLENBERGER; WESTON, 2004). A celulose, hemicelulose e lignina são responsáveis pelas características de comportamento térmico e mecânico desses materiais. Sendo assim, é de fundamental importância determinar a quantidade de cada um desses componentes presentes na fibra. Nesta análise, para a caracterização química do material lignocelulósico, foi utilizada uma hidrólise ácida com ácido sulfúrico, o que provoca a despolimerização do polissacarídeo (GOUVEIA et al., 2009). No caso da hemicelulose, as maiores frações obtidas são de xilose, ácido acético e furfural. Já para a celulose são formados a glicose e o hidroximetilfurfural (HMF), que pode ser convertido a ácido fórmico (GOUVEIA et al., 2009). A quantidade determinada para cada um desses componentes separadamente está detalhada na memória de cálculo no Anexo 2 - Determinação da composição química das fibras. As análises foram realizadas em duplicata e a média dos valores para cada um dos componentes contidos nas fibras de coco e de bagaço de cana nas condições “in natura”, mercerizadas e branqueadas estão apresentadas na Tabela 4.1 e no gráfico da 58 Figura 4.5. Tabela 4.1- Composição química (%) das fibras de bagaço de cana e casca do coco verde. Fibras Hemicelulose Celulose Lignina Cinzas Total FB 20,8 62,2 12,9 1,5 97,4 FBM - - - - - FBB 19,2 62,7 7,8 0,6 90,3 FC 10,6 52,8 33,5 3,7 100,7 FCM 11,3 53,8 31,5 0,4 96,9 FCB 12,0 58,4 19,2 0,5 90,1 Analisando-se os resultados, foi possível observar que, de maneira geral, as fibras de bagaço de cana possuem maior porcentagem de celulose e menor porcentagem de lignina em sua composição, quando comparadas às fibras de coco. Este resultado já era esperado, visto que, na literatura muitos trabalhos destacam a maior quantidade de lignina da fibra de coco frente às outras fibras naturais (ESMERALDO, 2006). Como a análise é dada em relação ao percentual de cada componente na massa total da fibra, com a realização dos tratamentos químicos verificou-se que a remoção de um dos componentes acarretou no aumento percentual do outro. Nas fibras de coco mercerizadas e branqueadas, o aumento da porcentagem de celulose se deu com a diminuição do teor de cinzas e de lignina, e com a perda de material que ocorreu durante a separação dos componentes. Esta perda de material também justifica o fato do total ser menor que 100%. Neste caso, a perda de material foi de 10%, um valor considerado alto para este tipo de análise. Para as fibras de coco branqueadas, tanto o aumento da celulose, quanto a redução da lignina foram mais expressivos, indicando a importância em se realizar este tratamento após o tratamento alcalino. Foi possível concluir que a mercerização provocou a remoção dos constituintes amorfos, não sendo capaz de remover uma quantidade significativa de lignina. Este fato está relacionado às condições experimentais brandas adotadas neste trabalho, isto é, baixa concentração de álcali e temperatura ambiente. 59 Em trabalhos que utilizaram maiores concentrações de álcali e/ou temperaturas mais elevadas, o tratamento mostrou-se mais eficiente na remoção da lignina (SAHA et al., 2010). FB FBB FC FCM FCB 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 C om po si çã o Q ui m ic a (% ) Fibras Hemicelulose Celulose Lignina Cinzas Figura 4.5 - Composição química das fibras de bagaço de cana e casca do verde com diferentes tratamentos químicos. Para as fibras de bagaço, embora não tenha sido possível realizar a análise química das fibras mercerizadas, foi possível concluir que, com a realização dos tratamentos químicos houve uma redução nos teores de hemicelulose, lignina e cinzas com consequente aumento no teor de celulose. Comparando-se com as fibras de coco, o aumento no percentual de celulose das fibras de bagaço foi menos significativo. Isto porque, neste caso, a remoção de lignina foi menor, devido à menor quantidade deste componente nas fibras do bagaço de cana. 4.2 Raios X das fibras naturais Os difratogramas de raios X das fibras de coco e de bagaço nas condições “in natura”, mercerizadas e branqueadas estão representadas nas Figuras 4.6 e 4.7. Para as fibras com diferentes tratamentos foi observado a ocorrência de dois picos intensos, 60 próximo aos valores de 2θ = 16° e 22°. O pico em 2θ = 16° corresponde ao plano cristalográfico (101) e os picos em 2θ = 22° e 34° correspondem aos planos (002) e (023) ou (004), respectivamente (SPINACÉ et al., 2009; GUIMARÃES et al., 2010). Segundo Troedec et al. (2008), o plano cristalográfico (002) corresponde à celulose nativa denominada celulose I. Para as fibras que apresentam alto teor de celulose, como as do algodão, são normalmente observados dois picos próximos a 16°. Contudo para o caso das fibras de coco e bagaço, apenas um pico foi encontrado nessa região, o que é atribuído à presença de material amorfo, como lignina e hemicelulose, responsáveis por encobrirem um dos picos referente à celulose (SPINACÉ et al., 2009). 10 15 20 25 30 35 40 (004)(023) (002) FCB FCM In te ns id ad e (u .a ) 2� (grau) FC (101) Figura 4.6 - Difração de raios X das fibras de coco verde. A análise dos difratogramas de raios X indicou que as características dos sinais das fibras com diferentes tratamentos foram semelhantes. No entanto, os picos das fibras mercerizadas e branqueadas foram mais intensos e definidos se comparados aos das fibras “in natura”, indicando que ambos os tratamentos foram adequados na remoção de parte do material amorfo constituinte da fibra. A remoção do material amorfo promoveu um melhor empacotamento das microfibrilas de celulose, aumentando o teor de cristalinidade da amostra, o que se reflete no aumento de intensidade e estreitamento dos picos 101 e 002 (PICKERING, 2008). 61 10 15 20 25 30 35 40 150 300 450 600 750 900 1050 1200 1350 FBM FBB (004)(023) (002) (101) In te ns id ad e (c ps ) 2� (grau) FB Figura 4.7 - Difração de raios X das fibras de bagaço de cana. Os índices de cristalinidade obtidos para as fibras variaram de acordo com a origem (bagaço de cana ou coco) e com o tratamento químico realizado, e estão apresentados na Tabela 4.2. Tabela 4.2 - Índice de cristalinidade das fibras de coco verde e bagaço de cana. As fibras de coco, em geral, apresentaram menores índices de cristalinidade quando comparadas às fibras de bagaço, o que é atribuído à maior quantidade de lignina presente na fibra de coco, como foi observado através da análise de composição química. Com a realização dos tratamentos químicos, as fibras de coco apresentaram um aumento de 14% no índice de cristalinidade das fibras mercerizadas e de 38% para as fibras branqueadas quando comparadas às fibras “in natura”. Material I(am) I(002) Ic (%) FC 500,64 876,05 43 FCM 770,46 1514,76 49 FCB 1061,14 2261,42 60 FB 1243,21 766,54 58 FBM 1303,47 793,14 65 FBB 1382,17 751,94 72 62 Para as fibras de bagaço, o aumento da cristalinidade das fibras tratadas quimicamente em relação às fibras “in natura” foi de 11% para as mercerizadas e 23% para as branqueadas. O maior índice de cristalinidade das fibras branqueadas, frente às fibras apenas mercerizadas, foi associado à remoção da lignina residual com o branqueamento. 4.3 FTIR das fibras lignocelulósicas Os espectros obtidos, na região do infravermelho, das fibras sujeitas a diferentes condições de tratamentos, possibilitaram monitorar a eficácia dos tratamentos através do aumento e/ou redução de intensidade de picos relacionados a grupos funcionais característicos. Na Tabela 4.3 estão descritas as principais bandas observadas nos espectros de FTIR para as fibras lignocelulósicas. Tabela 4.3 - Principais vibrações na região do FTIR observadas nas fibras naturais (TROEDEC et al., 2008) Número de onda (cm-1) Vibrações Fonte 3300 O-H deformação axial Polissacarídeos 2885 C-H estiramento simétrico Polissacarídeos 2850 CH2 estiramento simétrico Gorduras 1732 C=O estiramento Xilanas (hemicelulose) 1650-1630 OH (água) Água 1505 C=C estiramento simétrico aromático Lignina 1335 C-O anel aromático Celulose 1240 C-O grupo aril Lignina 1162 C-O-C estiramento assimétrico Celulose, hemicelulose 895 Ligações glicosídicas simétricas Polisacarídeos 670 C-OH ligação fora do plano Celulose Os espectros de infravermelho das fibras de coco e de bagaço de cana com diferentes tratamentos estão apresentados nos gráficos das Figuras 4.8 e 4.9, respectivamente. 63 4000 3600 3200 2800 2400 2000 1600 1200 800 400 Numero de onda (cm-1) FCB A bs or bâ nc ia FCM FC 1731 1258 650 Figura 4.8 - Espectros na região do infravermelho (400-4000 cm-1) das fibras do coco verde. Analisando-se os espectros das fibras de coco e de bagaço, foi possível identificar uma banda de absorção entre 3200 e 3800 cm-1 que representa a deformação axial da ligação O-H presente nos polissacarídeos, a qual diminuiu de intensidade e de largura com a realização dos tratamentos químicos. Segundo Saha et al. (2010) a redução da intensidade desta banda está relacionada à quebra da ligação de hidrogênio entre os grupos O-H das moléculas de celulose e hemicelulose. O pico referente ao estiramento da ligação C=O presente nas xilanas apresentou uma redução de intensidade, praticamente desaparecendo nos espectros das fibras de coco onde o pico ocorreu em 1731 cm-1 e das fibras de bagaço na região de 1743 cm-1. As absorções da região de 1258 cm-1 para as fibras de coco e na região 1249 cm-1 para as fibras de bagaço também apresentaram diminuição de intensidade, indicando a remoção da lignina com os tratamentos químicos, como observado na análise de composição química. A absorção nesta região está relacionada ao grupo C-O presente na lignina. 64 4000 3600 3200 2800 2400 2000 1600 1200 800 400 Numero de ondas (cm-1) FBB A bs or bâ nc ia FBM FB 1743 1249 650 Figura 4.9 - Espectros na região do infravermelho (400-4000 cm-1) das fibras de bagaço de cana. Nos espectros das fibras de coco e de bagaço tornou-se visível, também, um aumento da intensidade no pico entre 400 e 800 cm-1, que está relacionada à vibração da ligação fora do plano do grupo C-OH presente na celulose. O aumento de intensidade nesta banda indicou a maior exposição da celulose, devido à remoção de material amorfo pelos tratamentos químicos. No caso particular das fibras de coco, este aumento de intensidade do pico em 650 cm-1 foi mais evidente para as fibras branqueadas. 4.4 Análise térmica das fibras As fibras de coco verde e de bagaço de cana de açúcar ambas “in natura”, mercerizadas e branqueadas, foram analisadas por termogravimetria com o objetivo de avaliar a influência dos tratamentos químicos na estabilidade e nas propriedades térmicas das fibras. As curvas de TGA e DTG das Figuras 4.10 e 4.11 apresentam a perda de massa relativa à degradação térmica das fibras nas diferentes condições de tratamento. Com a análise da curva de TGA observou-se que as fibras são estáveis 65 termicamente no intervalo aproximado de temperatura entre 100°C e 200°C. A partir desta temperatura, as fibras começaram a se decompor até a perda máxima de massa próxima a 600°C. 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600 20 30 40 50 60 70 80 90 100 M as sa (% ) Temperatura (°C) FC FCM FCB (a) 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600 0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 55 C 330 C D TG (m g/ m in ) Temperatura (°C) FC FCM FCB 330 C 314 C 274 C (b) Figura 4.10 - Curvas de TGA (a) e DTG (b) para as fibras da casca do coco verde, sob atmosfera de N2. A decomposição das fibras de coco foi caracterizada por três picos distintos, que 66 podem ser observados nas curvas de DTG da Figura 4.10(b). O primeiro pico é referente à perda de umidade que ocorreu abaixo de 100ºC. O segundo pico representa a decomposição de componentes amorfos, na faixa entre 200ºC e 300ºC, apresentando um pico em 274°C. Este pico é mais evidente para as fibras “in natura”, tornando-se menos intenso nas fibras mercerizadas e quase imperceptível nas fibras branqueadas. O desaparecimento deste pico com os tratamentos das fibras indicou que grande parte dos constituintes amorfos foi removida pelos tratamentos de mercerização e branqueamento, como já constatado nas análises de composição química e FTIR. O terceiro pico, na faixa de 300ºC a 400°C, em 330°C para as fibras “in natura” e mercerizadas e, 314°C para as fibras branqueadas, é devido à perda de massa promovida pela decomposição térmica da celulose. Este mesmo comportamento térmico foi observado por Rosa et al. (2009) no estudo de fibras de coco “in natura”, lavadas com água e tratadas com NaOH 10% (m/v) a 70°C. A mudança de inclinação da curva próxima à temperatura de 400°C está relacionada aos processos de decomposição que envolvem reações simultâneas, como quebra das ligações C-C da lignina, liberação de água, CO e CO2 (CASTRO, 2010). Os parâmetros de decomposição térmica das fibras de coco estão apresentados na Tabela 4.4. Tabela 4.4 - Perda de massa e temperaturas de degradação para as fibras de coco. Amostra ΔT (°C) Tpico (°C) Tonset (°C) Perda de Massa (%) Resíduo (%) FC 50-100 55 6,5 23,6 170-300 274 170 25,8 300-380 330 32,6 FCM 50-100 55 5,8 21,9 200-300 274 200 21,4 300-380 330 40,7 FCB 50-100 55 6,7 24,5 200-350 314 200 54,4 A temperatura ini