UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Trabalho de Graduação Curso de Graduação em Geografia TERRITÓRIO, GOVERNANÇA E DESENVOLVIMENTO LOCAL: Um estudo sobre a importância do Arranjo Produtivo Local de Equipamentos Médico- Hospitalar e Odontológico (APL-EMHO) de Ribeirão Preto (SP) para a dinâmica local- regional. José Renato Ribeiro Prof. Dr. Elson Luciano Silva Pires Rio Claro (SP) 2016 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro JOSÉ RENATO RIBEIRO TERRITÓRIO, GOVERNANÇA E DESENVOLVIMENTO LOCAL: Um estudo sobre a importância do Arranjo Produtivo Local de Equipamentos Médico-Hospitalar e Odontológico (APL-EMHO) de Ribeirão Preto (SP) para a dinâmica local-regional. Trabalho de Graduação apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Rio Claro - SP 2016 Ribeiro, José Renato Território, governança e desenvolvimento local : um estudo sobre a importância do Arranjo Produtivo Local de Equipamentos Médico-Hospitalar e Odontológico (APL-EMHO) de Ribeirão Preto (SP) para a dinâmica local-regional / José Renato Ribeiro. - Rio Claro, 2016 134 f. : il., figs., gráfs., tabs., quadros Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Geografia) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Elson Luciano Silva Pires 1. Geografia econômica. 2. Instituições. 3. Desenvolvimento territorial. I. Título. 910.9 R484t Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP JOSÉ RENATO RIBEIRO TERRITÓRIO, GOVERNANÇA E DESENVOLVIMENTO LOCAL: Um estudo sobre a importância do Arranjo Produtivo Local de Equipamentos Médico-Hospitalar e Odontológico (APL-EMHO) de Ribeirão Preto (SP) para a dinâmica local-regional. Trabalho de Graduação apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Comissão Examinadora Prof. Dr. Elson Luciano Silva Pires (orientador) Prof. Dr. Paulo Roberto Teixeira de Godoy Prof Dra. Maria Del Carmem Sanchez Carreira Rio Claro, _____ de ____________de _______. Assinatura do aluno Assinatura do orientador Rio Claro - SP 2016 DEDICATÓRIA Dedico o presente trabalho aos meus pais, José Mario Ribeiro e Inês Ribeiro. Ao meu irmão José Inácio. Aos meus tios Regina e Zito. Dedico às pessoas que deixaram marcas durante as suas trajetórias nesse mundo, meus avós maternos Joaquim e Pedrina, minhas tias Fátima e Araci, e ao meu querido tio Zé de Brito. Por fim, dedico mesmo que de forma simbólica a todos os estudantes secundaristas que em novembro de 2015, se opuseram aos mandos autoritários do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, ao Prof. Dr. Elson L. S. Pires, pela orientação, pelas conversas sempre francas sobre a realidade da universidade, do trabalho cientifico das questões políticas do Brasil. Agradeço por ter compartilhado experiências de quando estudante em Salvador e da época em que foi orientando do querido Professor Chico de Oliveira. Ao longo desses quase 5 anos o senhor me proporcionou grandes ensinamentos, os quais vou levar comigo como um enriquecimento pessoal e profissional. Muito obrigado. Agradeço aos amigos que fiz ao frequentar o Laboratório de Desenvolvimento Territorial (LADETER). São pessoas no qual devo momentos de aprendizados ímpares em minha formação. Agradeço a Adma por dado apoio na escrita desse trabalho. Um agradecimento especial ao Ricardo, pela amizade construída, pelo apoio que me foi dado quando tinha inquietações sobre a minha pesquisa e graduação, que muitas vezes se transformavam em verdadeiros momentos de descontração. Aos Professores Doutores Paulo R.T. de Godoy, Maria del Carmen Sanchez Carreira, Bernadete Aparecida Caprioglio de Castro e a Fernanda Cunha de Carvalho, por aceitarem compor a banca de avaliação do presente trabalho. À Professora Maria Bernadete Carvalho e a Maria Antônia Ramos de Azevedo pelos ricos ensinamentos sobre a profissão de educador. Espero nunca desapontá-las. Agradeço a minha companheira Estela Lemos Moreira, pelo apoio, carinho e atenção dados a mim em todos os momentos, além de sempre estar presente nos momentos mais difíceis. Ao meu grande amigo Alisson Henrique (Obama), pelas conversas, brincadeiras e risadas, enfim pela amizade que tenho muito apreço. Ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID) que foi fundamental para a minha formação e onde conheci pessoas sensacionais. Avança PIBID. Agradeço a 52ª e a 53ª turma de Geografia da UNESP de Rio Claro e a todos aqueles que compartilharam ensinamentos e trabalhos de campo onde nos divertíamos sem nem mesmo ter chegado ao destino final. Mas quero deixar aqui um agradecimento especial às pessoas nas quais considero amigos e irmãos. Obrigado Jéssica, Monique, Natalia, Vivian, Cecy, Carina, Nathalie, Rolver, Felipe e Ralf. Agradeço aos funcionários do DEPLAN, Bira, Bete e Cássia pela atenção sempre mostrada no tratamento com alunos. A Moradia Estudantil da UNESP de Rio Claro, no qual tive orgulho de residir por mais de cinco anos participando de discussões e assembleias. Aos moradores das casas 01, 02 e 03 pela convivência durante esses anos, principalmente a Audrei, Ana Leidy, Aline Mayumi, Diego, Karen e Wellinton, pessoas que tive o prazer de conviver durante a maior parte desses anos. Estendo esse agradecimento a Camila Appolinário, Camila Ribeiro, João Marcos, Daniele, Viviane, Abbul, Seninha, Raphael Malagholi, Leandro, Sobrinho, Nilton, Rebeca, entre outros. Agradeço aos amigos que fiz durante o intercâmbio em Santiago de Compostela. Obrigado pelas conversas na cozinha 7, no elevador, no Montaditos e pelos passeios na cidade, além das viagens que fizemos. Agradeço também, aos amigos que fiz durante o Estágio Visita da Câmara dos Deputados. Agradeço a minha prima Andréa Candido dos Reis por sempre acreditar nos meus sonhos. Aos meus primos Ricardo, Leandro e ao meu grande amigo de infância Thauan por sempre terem me apoiado nessa empreitada. Obrigado especial a Amarilis Maria Riani Costa, assistente social da UNESP - Rio Claro, pela atenção e carinho desprendido a mim. Agradeço ainda aos funcionários da Seção Técnica de Graduação, da Vice-diretoria e a Rosana Pesce, sempre auxiliando nas atividades acadêmicas. Em nome dessas pessoas, agradeço a UNESP, a minha universidade, donde guardarei lembranças nas quais caminharam comigo por toda a vida. Acredito que escolhi o curso certo e na universidade certa. Espero que a UNESP se mantenha uma universidade pública gratuita, laica, democrática e de qualidade. Vida longa a Universidade Estadual Paulista. Aos funcionários terceirizados que, apesar das dificuldades na relação de trabalho, desempenham as suas atividades deixando as salas organizadas para o desenvolvimento acadêmico dos alunos e professores. Agradeço a Fundação Polo Avançado da Saúde, em especial a Dalton Siqueira Pitta Marques (Gerente de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico do APL da saúde), que me concedeu uma reunião para apresentar detalhes sobre a iniciativa da fundação e do APL. Peço desculpas aqueles que não foram mencionados, mas que de alguma forma me apoiaram na empreitada universitária, agradeço imensamente. Por fim, agradeço a esperança e aos sonhos por sempre estarem ao meu lado e fazerem a minha vida mais feliz. “Não se desenvolve um país e seu povo por decretos e/ou assistencialismos! O desenvolvimento é resultado de um processo histórico e relacional, de múltiplas determinações econômicas, politicas, culturais, naturais-ambientais.” (Marco Aurélio Saquet, 2011) RESUMO Dentre as mudanças ocasionadas pela globalização está o aprofundamento da especialização das regiões e localidades, que passaram a mobilizar seus recursos tornando-os mais competitivos. Nesse contexto, no Brasil é promulgada a Constituição da República em 1988, que realizou um conjunto de reformas institucionais nas funções do Estado que agiram na transferência de serviços, recursos e competências do governo federal para os níveis estaduais e municipais. Tem-se o surgimento de ações locais para organizar estruturas institucionais e projetos de desenvolvimento que partissem do local, criando formas de regulação parciais de cadeias produtivas e do processo de desenvolvimento socioeconômico dos territórios de forma mais ampla, constituindo formas de coordenação endógena como a governança territorial. Nesse sentido, os Arranjos Produtivos Locais (APLs) podem ser entendidos como exemplos de estruturas de regulação e partilha de poderes, podendo interferir decisivamente nos mecanismos de geração e distribuição de riquezas. Para tanto, essa monografia tem como objetivo problematizar a importância da criação do Arranjo Produtivo Local de Equipamentos Médicos, Hospitalar e Odontológico para a dinâmica econômica e social do desenvolvimento do município e região de Ribeirão Preto, uma vez que este aglomerado está inserido em projetos de políticas públicas de desenvolvimento regional, como o Programa Estadual de Fomento aos Arranjos Produtivos Locais do Estado de São Paulo. Palavras-chave: Território; Governança Territorial, Arranjo Produtivo Local, Instituições; Desenvolvimento territorial. ABSTRACT Among the changes brought about by globalization is deepening the specialization of regions and localities, which began to mobilize their resources to make them more competitive. In this context, Brazil is enacted in the Constitution in 1988, which held a series of institutional reforms in the functions of the State who have acted in the transfer of services, resources and powers of the federal government to the state and municipal levels. It has been the emergence of local actions to organize institutional structures and development projects they left the place, creating forms of regulation partial supply chains and the process of socio-economic development of the territories more broadly, constituting forms of endogenous coordination and governance territorial. Accordingly, the Local Productive Arrangements (LPAs) can be understood as examples of regulatory structures and sharing of powers, may interfere decisively in the mechanisms of generation and distribution of wealth. Therefore, this monograph aims to discuss the importance of creating the Local Productive Arrangement of Medical Equipment, Hospital and Dental for dynamic economic and social development of the municipality and the region of Ribeirão Preto, since this cluster is embedded in public policy projects of regional development, as the State Program of Development of Local Productive Arrangements of São Paulo. Keywords: Territory; Territorial Governance, Local Productive Arrangement, Institutions, Territorial development. LISTA DE FIGURAS E QUADROS Figura1: Região Administrativa de Ribeirão Preto.........................................................17 Figura 2: Mapeamento da cadeia produtiva do setor de EMHO.....................................65 Figura 3: Logomarca do APL-EMHO de Ribeirão Preto..............................................102 Quadro 1: Concepções de território na geografia brasileira............................................29 Quadro 2: Tipologia dos fatores de concorrência espacial..............................................30 Quadro 3: Características da governança territorial........................................................35 Quadro 4: Tipos de governança.......................................................................................38 Quadro 5: Princípios básicos da governança territorial. Necessidades de uma governança democrática e triparte...................................................................................39 Quadro 6: Diferenças entre os enfoques do desenvolvimento de cima para baixo e de baixo para cima................................................................................................................41 Quadro 7: Principais políticas de desenvolvimento regional/territorial existente atualmente no Brasil........................................................................................................47 Quadro 8: Características básicas dos APLs...................................................................53 Quadro 9: Classificação dos ramos produtivos industriais por nível tecnológico.......................................................................................................................57 Quadro 10: Estrutura do programa de melhoramento da competitividade dos APLs................................................................................................................................62 Quadro 11: Arranjos Produtivos Locais comtemplados pelo PMC/SP...........................................................................................................................63 Quadro 12: Descrição dos subsetores..............................................................................66 Quadro 13: Tendências tecnológicas no setor de EMHO................................................68 Quadro 14: Ações para desenvolvimento do complexo econômico industrial da saúde................................................................................................................................74 Quadro 15: Categorias e produção do APL da saúde....................................................118 LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS Tabela 1: Comércio externo da indústria brasileira de EMHO entre 2013 e 2015 em milhões de US$................................................................................................................75 Tabela 2: Saldo da balança comercial da indústria brasileira de EMHO entre 2013 e 2015 em milhões de US$ ................................................................................................76 Tabela 3: Número de estabelecimentos por setor econômico segundo classificação do IBGE (2003-2014)...........................................................................................................88 Tabela 4: Valor Adicionado (VA) Total e por setor econômico de Ribeirão Preto em 2012.................................................................................................................................89 Tabela 5: Principais ramos industriais de Ribeirão Preto a partir do VA fiscal nos anos de 2003 e 2012.................................................................................................................90 Tabela 6: Número de empregos por setor econômico segundo classificação do IBGE (2010-2014).....................................................................................................................91 Tabela 7: Número de empregos formais e participação no setor nos anos de 2003 e 2012.................................................................................................................................92 Tabela 8: Rendimento médio dos empregos formais por setor econômico em Ribeirão Preto nos anos de 2003, 2012 e 2014 (em reais correntes)..............................................92 Tabela 9: Empregos formais por faixa etária em Ribeirão Preto (2006-2013)...............93 Tabela 10: Escolaridade dos trabalhadores formais de Ribeirão Preto (2006- 2013)................................................................................................................................94 Tabela 11: Número de empregos formais por tamanho da empresa (2003, 2006, 2010 e 2014)................................................................................................................................94 Tabela 12: Número de estabelecimentos da indústria do setor EMHO (2003- 2014)..............................................................................................................................113 Tabela 13: Tamanho das indústrias do setor EMHO (2003-2014)................................113 Tabela 14: Número de empregos formais no setor EMHO de Ribeirão Preto (2003- 2014)..............................................................................................................................114 Tabela 15: Número de empregos formais no setor EMHO de Ribeirão Preto por tamanho da empresa (2003-2014) ................................................................................115 Tabela 16: Participação do setor nas exportações locais em 2003................................115 Tabela 17: Participação do setor de EMHO nas exportações de Ribeirão Preto em 2014...............................................................................................................................116 Tabela 18: Número de estabelecimentos econômicos e de empregos totais e do setor em 2014...............................................................................................................................119 Gráfico 1: PIB total e per capita de Ribeirão Preto (2000-2012)...................................86 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................13 1. A NOVA ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: OS AGLOMERADOS INDUSTRIAIS.........................20 1.1. As mutações político-econômicas na crise do fordismo: a emergência de um novo regime de acumulação e os paradigmas do desenvolvimento...................................20 1.2. A renovação do conceito de território nos estudos geográficos e econômicos: o desenvolvimento territorial........................................................................................24 1.3. A governança e o território: as novas possibilidades para o desenvolvimento em sua face territorial............................................................................................................31 1.4. As modalidades de governança territorial no Brasil.................................................43 1.4.1. Conselhos Regionais de Desenvolvimento..........................................................44 1.4.2. Os Territórios da Cidadania.................................................................................44 1.4.3. Os Comitês de Bacia Hidrográfica......................................................................45 1.4.4. Os Circuitos Turísticos........................................................................................46 1.4.5. Câmaras Setoriais................................................................................................46 2. A GOVERNANÇA TERRITORIAL E OS APLS NO BRASIL: DIVERSIDADE SETORIAL E A PLURALIDADE DE ORGANIZAÇÕES TERRITORIAIS E INSTITUCIONAIS ..............................................................49 2.1. O conceito de Arranjo Produtivo Local e a sua trajetória no Brasil.........................50 2.2. A necessidade de Políticas Públicas de Apoio aos APL......................................... 57 2.3. As políticas de desenvolvimento para os APLs: o Plano de Melhoria da Competitividade no estado de São Paulo..................................................................60 3. O APL DE EQUIPAMENTOS MÉDICO-HOSPITALAR E ODONTOLÓGICO (APL-EMHO) DE RIBEIRÃO PRETO ...........................64 3.1.O setor de Equipamentos Médico-Hospitalares e Odontológicos e o panorama do setor no mundo e no Brasil........................................................................................64 3.1.1. Caracterização da cadeia produtiva e definição do setor de EMHO................. 65 3.1.2. O panorama mundial do setor..............................................................................69 3.1.3. O panorama do setor no Brasil............................................................................71 3.2.O desenvolvimento econômico de Ribeirão Preto....................................................77 3.3.Caracterização socioeconômica de Ribeirão Preto no inicio do século XXI e a importância do setor de EMHO.................................................................................85 3.3.1. Aspectos demográficos e sociais ........................................................................86 3.3.2. Infraestrutura e logística......................................................................................87 3.3.3. Estrutura produtiva..............................................................................................88 3.3.4. O mercado de trabalho.........................................................................................91 3.3.5. Instituições de ensino, pesquisa e inovação.........................................................95 3.3.6. O SUPERA: incubadora de empresa e Parque Tecnológico...............................97 4. O APL Equipamentos Médico-Hospitalar e Odontológico de Ribeirão Preto: formação e características..........................................................................................98 4.1. A formação do APL de EMHO de Ribeirão Preto.................................................100 4.2. A Fundação Polo Avançado da Saúde e a governança territorial...........................103 4.3. Os projetos de desenvolvimento executados no APL............................................107 4.3.1. Projeto APL de Desenvolvimento do setor de Saúde de Ribeirão....................108 4.3.2. Programa de Desenvolvimento do APL-EMHO do município de Ribeirão Preto e Região.............................................................................................................108 4.3.3. Supera Centro de Tecnologia............................................................................109 4.3.4. Eventos..............................................................................................................110 4.3.5. Plano de Melhoria da Competitividade (PMC).................................................111 4.4. A caracterização do setor de EMHO de Ribeirão Preto: dimensão empresarial, mercado de trabalho e comércio exterior................................................................112 4.5. A importância regional e a expansão do APL: o surgimento do APL da Saúde da Região de Ribeirão Preto.........................................................................................117 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................121 6. REFERÊNCIAS..................................................................................124 ANEXO.........................................................................................................................134 13 INTRODUÇÃO A segunda metade do século XX se mostrou como um período de profundas transformações no contexto mundial, associadas às técnicas de produção, organização espacial, regulação e controle do mercado de trabalho, da ação do Estado na economia e de novos paradigmas de aglomeração industrial e de desenvolvimento. Tem-se com isso a configuração de um novo regime de acumulação, denominado de regime de produção flexível, ou comumente chamado de globalização (BENKO, 1996). Dentre as mudanças ocasionadas pela globalização está o aprofundamento da especialização das regiões e localidades, que passaram a mobilizar seus recursos, tornando-os mais competitivos, haja vista que estavam diante de uma concorrência crescente intranacional e internacional possibilitada pela abertura das economias nacionais ao mercado internacional. Nesse cenário, é promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, que realizou um conjunto de reformas institucionais nas funções do Estado, passando-o de uma ação interventora e produtora de políticas centralizadas de desenvolvimento para um Estado regulador. Essas reformas agiram na transferência de serviços, recursos e competências do governo federal para os níveis estaduais e municipais. A descentralização procurou garantir os direitos e a representatividade das regiões frente às grandes desigualdades socioeconômicas. No entanto, essa transição apresentou alguns problemas que acabaram por prejudicar as políticas consequentes, como a ausência de definição precisa dos papéis que cada unidade federativa teria e a falta de uma política ou programa nacional de desenvolvimento liderado pelo poder federal. Surgem com isso ações locais para organizar estruturas institucionais e projetos de desenvolvimento que partissem do local e ligados a atores, recursos e conhecimentos também locais. Criam-se assim, formas de regulação parciais de cadeias produtivas e do processo de desenvolvimento socioeconômico dos territórios de forma mais ampla. Com essa nova relação estabelecida entre o Estado e as localidades, aqui entendidas como territórios, Fuini (2010, p.22) coloca que é “necessária à coordenação de agentes e instituições ancorados em suas regiões e localidades para definirem novas formas de administrar os fluxos econômicos, políticos e sociais que lhes foram 14 transferidos”. A estas formas de coordenação é apontada a governança territorial, que vem se mostrando como um requisito importante quanto ao planejamento dos territórios ou regiões em prol do desenvolvimento territorial. A temática do desenvolvimento local/territorial enfatiza aspectos importantes do campo geográfico e econômico como a centralidade urbana, as economias de escala e aglomeração, as proximidades geográfica e organizacional, os territórios produtivos e os distritos industriais. No Brasil, tem-se adotado como exemplos de estruturas de governança as Câmaras Setoriais do Agronegócio, os Circuitos Turísticos, os Comitês de Bacia Hidrográfica, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento e os Arranjos Produtivos Locais (APLs). Esses exemplos devem ser entendidos como exemplos de estruturas de regulação e partilha de poderes, que podem interferir decisivamente nos mecanismos de geração e distribuição de riquezas (PIRES, 2011). A partir disso, delimitamos como propósito desse trabalho a problematização e análise da importância da criação do Arranjo Produtivo Local de Equipamentos Médicos, Hospitalar e Odontológico (APL-EMHO) para a dinâmica econômica e social do desenvolvimento territorial do município e região de Ribeirão Preto, analisando o período entre os anos de 2003 a 2014. Considera-se, a partir da bibliografia utilizada, que os arranjos produtivos como exemplos de estruturas de governança compartilhada, podem garantir políticas de desenvolvimento territorial sustentável, cuja origem se construa pela escala local. Para tanto buscar-se-á mapear e caracterizar a cadeia produtiva e respectiva concentração espacial do APL a partir do município-sede, identificando os agentes econômicos e atores sociais envolvidos nos elos de produção e serviços utilizados; identificar a origem das empresas instaladas no APL (regional ou internacional); identificar na entidade de representação da governança local sua inserção nas empresas das cadeias produtivas e no envolvimento dos agentes púbicos e privados nas instâncias de funcionamento e gestão da governança territorial; compreender o papel da inovação (ou meio inovador) do ramo produtivo do APL, capaz de promover a competitividade e desenvolver uma diferenciação setorial/espacial; e apontar as relações sociais entre os diferentes atores que compõem a governança territorial e qual a sua importância para o bom funcionamento do arranjo. É importante fazermos um adendo: em 2014, o APL-EMHO passou por um processo de ampliação que abrangeu a inclusão de outros setores produtivos (saúde humana e animal em geral, fármacos e biotecnologia) e de outros municípios, 15 denominando-se agora como APL da Saúde. Como essa alteração é recente não vamos realizar aqui um estudo que abranja a escala desse APL, nos reservando apenas para a análise do até então, APL-EMHO. O arranjo produtivo aqui estudado é o segundo do estado de São Paulo e o quinto maior do Brasil, considerando a quantidade de empresas. Até o ano de 2013, segundo informações disponibilizadas no site da Fundação Polo Avançado da Saúde (FIPASE) o arranjo era composto por 69 empresas e com um total de 2.500 pessoas. Dessa forma, torna-se interessante estudar as formas de coordenação e desenvolvimento de um espaço produtivo específico, sobretudo em uma região marcada pelo avanço do agronegócio, uma vez que o município de Ribeirão Preto é considerado a capital nacional desse setor (ABAGRP, 2015). A justificativa desse estudo está na contribuição para a aplicação dos conhecimentos geográficos construídos até o momento, possibilitando a análise e a articulação de elementos fundamentais para o entendimento do território compreendido como um conceito com diferentes concepções teóricas. Isso porque ele é o resultado material e imaterial do processo histórico e que, portanto, apresenta relações de tempo e espaço específicas. Este trabalho está composto por cinco capítulos, sendo o primeiro esta introdução. No segundo capítulo abordamos as mudanças ocorridas com a configuração do regime de acumulação flexível e o estabelecimento das novas formas de organização sócioespacial da produção, como os aglomerados produtivos. No terceiro capítulo discutimos a questão da governança territorial como instrumento de desenvolvimento dos APL no Brasil, destacando a diversidade setorial, a pluralidade de organizações territoriais e institucionais existentes, bem como os investimentos destinados aos arranjos no país. O quarto capítulo dedicamos ao estudo do APL de Equipamentos Médico-Hospitalar e Odontológico (APL-EMHO) de Ribeirão Preto, apontando as principais características da indústria deste setor no Brasil e no mundo, a caracterização socioeconômica do município, além da análise do desenvolvimento do setor e da formação e crescimento do APL: o processo de territorialização, a formação da mão de obra, o meio inovador e, principalmente, a governança territorial. O quinto capítulo é reservado para a conclusão deste trabalho. 16 Metodologia A metodologia consiste na realização de uma revisão bibliográfica, aliada a uma análise empírica e na realização de uma pesquisa de campo, além de trabalhar e aprofundar os estudos realizados com o grupo de pesquisa “Estruturas de governança e desenvolvimento territorial”, coordenado pelo Prof. Dr. Élson Luciano Silva Pires (IGCE- UNESP). Fazemos o uso de análise documental, como as legislações local, estadual e federal sobre as políticas destinadas aos APLs, bem como a análise de relatórios setoriais da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (ABIMO), Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (Abdi), Serviço Apoio as Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Rede de Pesquisa em Sistemas e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (REDESIST), Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais (GTP- APL) e o Mapa da Competitividade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). O trabalho de campo consistiu na realização de uma entrevista semi-estruturada, na Fundação Polo Avançado da Saúde (FIPASE), entidade que rege a governança do APL- EMHO de Ribeirão Preto. A escolha do modelo de entrevista do tipo semi-estruturada, se deve a sua organização similar a uma conversação (diálogo) focada em determinados assuntos, do que numa entrevista formal, apresentando certa flexibilidade e a possibilidade de rápida adaptação quer ao individuo, quer as circunstâncias ocasionadas durante a sua realização, sendo uma importante ferramenta para a organização dos dados recolhidos (modelo de entrevista em ANEXO). Foram coletados vários dados secundários e organizados em diferentes formatos, como tabelas. As fontes dos dados são:  SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados): Produto Interno Bruto (PIB); PIB per capita, Valor Adicionado; Número de empregos formais e participação no setor; Rendimento médio dos empregos formais por setor; Empregos formais por faixa etária; e Escolaridade dos trabalhadores formais. Alguns dados não estão disponíveis em todos os anos.  RAIS (Relação Anual de Informações Sociais): Número de estabelecimentos por setor econômico segundo classificação do IBGE; Número de empregos 17 formais por setor econômico (classificação do IBGE); Número de empregos formais por tamanho da empresa. Para a coleta de dados sobre o setor de EMHO, utilizamos as classes 2660-4 (Fabricação de Aparelhos Eletromédicos e Eletroterapêuticos e Equipamentos de Irradiação) e 3250-7 (Fabricação de Instrumentos e Materiais para uso Médico e Odontológico e de Artigos Ópticos), para caracterizar as indústrias produtoras de equipamentos médico-hospitalares e odontológicos.  Alice web (MDIC): Exportação de Ribeirão Preto. Localização e apresentação da área de estudo: a cidade de Ribeirão Preto. Localizado na região nordeste do estado, Ribeirão Preto é a municipalidade sede da Região Administrativa homônima, agregando outros 24 municípios como pode ser observado na figura 1. A região abrange uma área total de aproximadamente 9.348 km² ou 3,8% do território paulista, apresentando condições físico-naturais que ajudaram no desenvolvimento da agricultura de produtos tropicais, aliado a vinda de imigrantes, o que nos permite compreender o sucesso do cultivo do café no inicio do século XX e da cana-de-açúcar desde os anos de 1970. Figura1: Região Administrativa de Ribeirão Preto Fonte: IGC (2015). 18 Como observado na figura 1, a região de Ribeirão Preto apresenta uma rede viária diversificada e articulada às outras regiões do estado de São Paulo, assim como de outros estados, favorecendo o deslocamento logístico dos produtos regionais. Outros elementos de destaque são a Rodovia Anhanguera (SP-330) e o Aeroporto Estadual Dr. Leite Lopes situado na cidade sede. Fundada em 19 de junho de 1856, a história aceita e divulgada pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto aponta que a fundação da cidade está vinculada à doação de terras feitas por vários proprietários de fazendas da região, e que são considerados, portanto, os fundadores do município. Apesar de o ano de 1856 ser considerado o ano de fundação do município, o processo de definição dos limites administrativos se deu a partir da lei provincial nº 51, de 2 de abril de 1870, com a criação da Freguesia (Distrito de Paz) de São Sebastião do Ribeirão Preto. Em 1874 o município de fato é instalado com a posse dos primeiros vereadores. Já em 1º de abril de 1889, através da lei nº 88, Ribeirão Preto recebe o predicado de cidade. A população do município atualmente é de 629.855 habitantes (2013), tendo 628.068 habitantes da zona urbana e os restantes 1.787 habitando na zona rural. A densidade demográfica local é de 927,51 hab./km2 e o grau de urbanização de 99,72%, sendo, portanto, um município com uma urbanização elevada. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município é de 0,8, considerado alto se comparado ao índice de outros municípios do estado; por esse indicador, Ribeirão Preto ocupa a 22ª posição no desenvolvimento humano estadual, e a 40º colocação, se comparado aos demais municípios brasileiros. Em relação ao desenvolvimento econômico da cidade, o primeiro grande ciclo econômico e a primeira fase de expansão populacional se deu com a produção de café, consolidado nesse contexto como o principal item exportado pelo país, até início da década de 1930, em que é afetado pela crise da Bolsa de Nova York em 1929. O período cafeeiro possibilitou as condições necessárias para a intensificação das atividades econômicas urbanas (comércio, serviços e a indústria) destinadas à demanda local/regional. Um novo período de desenvolvimento econômico pode ser observado a partir dos anos de 1970 com a agroindústria do açúcar e álcool através do beneficiamento da cana-de-açúcar. Essa atividade atualmente é a base da economia regional, na qual Ribeirão Preto, apesar de não ser produtora direta, exerce centralidade 19 sobre as demais cidades que compõe a região, extrapolando para outras regiões do estado. Cabe salientar que a centralidade de Ribeirão Preto também se dá pela sua estrutura educacional diversificada, contendo um grande número de estabelecimentos de ensino superior e técnico, além dos serviços voltados para a saúde, seja no atendimento direto hospitalar e clínico, seja ao desenvolvimento cientifico - no qual a Universidade de São Paulo é referência internacional, sendo um elemento importante no desenvolvimento do APL-EMHO de Ribeirão Preto. 20 CAPÍTULO 1 A NOVA ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: OS AGLOMERADOS INDUSTRIAIS Para pensarmos na nova organização territorial do capitalismo contemporâneo é importante analisarmos, mesmo que de forma sucinta, os condicionantes histórico- geográficos que substanciaram a conformação dessa nova organização. Nesse sentido, revisitar o fordismo e os seus 30 anos gloriosos é fundamental para que possamos compreender os 20 dolorosos anos que remete a sua crise e colapso, e que resulta na emergência de um novo regime de acumulação, denominado de flexível, estabelecendo uma nova organização da produção, das instituições e da sociedade. Esse é o objetivo desse primeiro capítulo que está organizado em quatro seções. A primeira seção busca descrever as principais características das mutações econômicas na produção industrial e na atuação da instituição Estado. A segunda seção analisa a importância da abordagem do território nos estudos econômicos. A terceira seção aborda a governança territorial entendida como uma nova possibilidade para o desenvolvimento. A última seção trata dos exemplos de governança territorial existentes no país, reservando os Arranjos Produtivos Locais para o capítulo seguinte. 1.1. As mutações político-econômicas na crise do fordismo: a emergência de um novo regime de acumulação e os paradigmas do desenvolvimento. As transformações ocorridas no último quarto do século XX atingiram todo o mundo. O excepcional dinamismo e crescimento econômico registrado pelos EUA, Japão e os países europeus ocidentais, observados após a década de 50, no período chamado por economistas e historiadores de “trinta anos gloriosos”, fora sucedido por um período contrário, os “vinte anos dolorosos”. Este se apresenta após a década de 70, onde os acontecimentos mais representativos foram as duas crises do petróleo (1973 e 1979), e segundo alguns autores os vinte anos dolorosos do fordismo fora o resultado dos trinta gloriosos anos de crescimento econômico até então registrados, apontando um fato contraditório ao regime de acumulação. 21 Sobre o fordismo, podemos entendê-lo como um regime institucional edificado sobre a Pax Americana, em que os métodos modernos de produção, a concorrência moderada, a existência de uma moeda de crédito puro e um Estado intervencionista, são suas principais características, e que a partir da década de 1980 irão se modificar a ponto de se reestruturar completamente, abrangendo as esferas social, econômica e a espacial (BOYER, 1998). A crise do regime de acumulação fordista, iniciada nos Estados Unidos, se espalha por outros países. As empresas americanas e europeias assoladas pela crise do regime de acumulação passaram a buscar no modelo japonês medidas para implantarem importantes reformas na produção. Com essas medidas, uma nova caracterização da ordem econômica mundial constituiu-se, agora marcada principalmente pela internacionalização da produção, o que marca o surgimento de um novo regime de acumulação, flexível e globalizado. De acordo com Gonçalves (2003), essa nova caracterização das relações socioespaciais em escala global, denominadas de “globalização”, é intensificada nos anos 1990. Para ele esse processo, a globalização, refere-se a um momento de transformações globais que tem atingido as esferas econômica, social, institucional, ambiental, geográfica etc. e que apresenta a ocorrência de três processos simultâneos: o aumento dos fluxos internacionais de bens, serviços, capitais (e pessoas); o acirramento da concorrência internacional e a crescente interdependência entre agentes econômicos e sistemas econômicos nacionais. Esse conjunto de processos promoveu modificações nas técnicas de produção (progresso tecnológico), organização espacial, regulação e controle do mercado de trabalho. Somam-se ainda o surgimento de novos paradigmas de aglomeração industrial, além do processo de abertura externa das economias nacionais e a financeirização da economia, que vão marcar esse novo regime de acumulação (BELLUZZO, 1995; COUTINHO, 1995; CHESNAIS, 1995, 1996; BENKO, 1996; BOYER, 1998; LLORENS, 2001; VASQUEZ, 2008). A palavra chave do novo regime de acumulação é a “flexibilidade” da produção e do trabalho, aspectos que caracterizam os novos espaços industriais que estão em mutação devido ao acirramento da concorrência e das incertezas do mercado. Essas mutações dizem respeito ao tamanho dos estabelecimentos produtivos, que passaram a ter dimensões inferiores ao observado nos estabelecimentos fordistas, podendo mudar a configuração dos processos produtivos, assim como dos produtos, com grande rapidez. Esses aspectos devem-se ao uso de tecnologias flexíveis e mais sofisticadas (uso da eletrônica e de maquinas especializadas), regimes flexíveis de trabalho e a desintegração 22 vertical da produção ou flexibilidade organizacional (terceirização produtiva e novas formas de subcontratação/linkages) (BENKO, 1996). No processo de globalização, os principais atores são as empresas multinacionais que detêm o poder econômico e os Estados nacionais que detêm o poder político, sobretudo os desenvolvidos ou hegemônicos que fazem uso de sua influência nas decisões de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial (RATTNER, 1994; GONÇALVEZ, 2003, SANTOS, 2010, 2012; COELHO, 2012). Mas, uma ressalva torna-se importante fazer em relação aos Estados nacionais, na medida em que, enquanto instituições sociais, eles também passaram por um processo de transformação que se constituiu na substituição do Estado Keynesiano por um Estado de cunho liberal. Na realidade, a crise do fordismo revitalizou as ideias liberais, agora denominadas de neoliberais, postulando o protagonismo da instituição mercado na direção da política econômica e social de muitos países. Esse pensamento neoliberal que delega ao Estado um papel reduzido e “subordinado” ao mercado tornou- se a ideologia da Globalização e foi largamente difundido nos países latinos, sendo o Chile governado por Augusto Pinochet (1973-1990) o principal expoente na região. Assim sendo, na globalização o Estado não é extinto no que se refere à importância enquanto aparelho político-jurídico. O uso feito por diferentes atores (agentes hegemônicos) na estrutura estatal é o que se altera. A política, a intencionalidade e os objetivos do Estado se modificam a fim de atender a demandas de classes hegemônicas em detrimento de classes desfavorecidas. Nesse sentido, é interessante entender a Globalização como um período de transformações com efeitos diversos, seja para a organização da produção ou para a reforma do papel do Estado na economia, oque nos leva as primeiras inquietações sobre a problemática do processo de desenvolvimento. O desmantelamento do Estado torna-se necessário no projeto neoliberal, pois este advoga pelo Estado Mínimo e pela lógica do mercado máximo, mesmo que de forma contraditória a existência do primeiro seja fundamental para a sua efetivação. (BELLUZZO, 1995, BENKO, 1996, BRUNO, 2005). A flexibilidade da produção e do trabalho não se limita ao espaço produtivo propriamente dito, mas também as instituições públicas através das políticas de privatização e as de concessão. A política de privatização e a sua “aparente” amenização que é a política de concessão são exemplos dessa flexibilidade. No primeiro caso é 23 deflagrada como principal ação dos governos neoliberais, e a segunda, vista como alternativa pelos governos pós-neoliberais ou progressistas. O discurso liberal obteve um cenário favorável para sua revitalização, o neoliberalismo. O modelo de desenvolvimento de caráter intervencionista, que no Brasil1 teve como exemplos, salvo especificidades, os governos Vargas (nacional- desenvolvimentismo), JK e João Goulart (desenvolvimentismo / aspecto keynesiano / cepalino) e o governo militar (modernização da economia / autoritarismo) entrou em crise no final dos anos 1970. Para Boyer (1991, p.11) a crise desse modelo se deve a aspectos diversos, dentre os quais “a multiplicidade de intervenções do Estado suscita a corrupção; o caráter autoritário, que ele assume com frequência, provoca sua contestação pelos movimentos democráticos”, soma-se a isso a ineficiência do setor público, a desaceleração do crescimento e a instabilidade econômica. É no cenário de crise do Estado desenvolvimentista e do regime de acumulação fordista que se tem o surgimento de estratégias alternativas que buscam estimular o mercado em grande parte da área econômica, ou seja, o neoliberalismo, que promove um conjunto de ações, acabando por desestruturar toda uma herança deixada pelo desenvolvimento pós-guerra. Mas não tardou para que a economia baseada no livre mercado (laissez-faire) se mostrasse ineficaz para a solução ou pelo menos a amenização das disparidades sociais, bem como regionais. E isso nos coloca na seguinte problemática: qual seria a forma mais eficaz de desenvolvimento, aquela liderada pelo Estado (intervencionista) ou aquela liderada pelo mercado (liberal)? Ao analisar as estratégias de desenvolvimento tomadas pelo Estado e pelo mercado, Boyer (1991) pondera que é preciso considerar a existência de relações equilibradas entre estes dois agentes. Nenhuma estratégia pura baseada só no Estado ou só no mercado teve êxito e podem-se perceber os limites inerentes aos regimes econômicos baseados em apenas um só destes dois mecanismos. Assim, a possível solução seria “compensar as falhas do mercado por meio de intervenções públicas 1Estado desenvolvimentista demonstra o protagonismo do poder do Estado e do setor público, encarnado nas empresas estatais na definição de estratégias e planejamento a longo prazo. Dentre as iniciativas desse Estado forte e interventor podemos citar o controle de acesso ao crédito e aos bens de equipamentos importáveis buscando favorecer a indústria nacional, nesse sentido observa-se um esforço a proteção do mercado interno. 24 adequadas e, vice-versa, ultrapassar as limitações do Estado graças a processos que mimetizem a concorrência do mercado” (BOYER, 1991, p.17). Ainda para este autor, a primeira década do século XXI possibilitará a superação do dilema Estado/mercado, demonstrando que se deve atentar a uma complementariedade entre essas duas lógicas, observando ainda a existência de ordenamentos institucionais intermediários. Esses ordenamentos intermediários entre o Estado e o mercado, exemplificados por associações, comunidades e parcerias, que podem assumir “um papel dominante na conciliação dos imperativos de eficiência dinâmica, isto é, um crescimento da produtividade e do nível de vida, e aqueles de justiça social, uma repartição não muito desigual dos dividendos do crescimento” (Boyer, 1991, p.17). Ainda sobre a discussão sobre o Estado neoliberal, a ciência política, a economia e a geografia tem contribuído grandemente para elucidar as suas características, bem como os seus ônus para as diferentes sociedades, sobretudo as periféricas. É nessa tônica que se torna importante analisar através de diferentes escalas espaciais (do global ao local) as formas de organização territorial que surgem com as mutações no campo político-institucional, e consequentemente econômico e produtivo. Esse esforço de compreensão nos leva a adotar uma perspectiva teórica, na qual iniciamos com a definição do conceito de território. 1.2. A renovação do conceito de território nos estudos geográficos e econômicos: o desenvolvimento territorial Presente em diferentes ciências, o território enquanto conceito vivenciou um período de renovação em sua definição e aplicação, resultado de seu retorno nas análises econômicas, sobretudo aquelas que buscam compreender as novas dinâmicas do mundo globalizado. Isso pode ser observado no trabalho de diferentes autores, tais como Benko (1996), Benko e Pecqueur (2001), Pires, Muller e Verdi (2006), Santos (2010), Saquet (2011) entre outros. Enquanto conceito geográfico, o território apresenta uma diversidade de concepções teóricas comprovando a sua complexidade científica. Mas, de forma geral, os principais teóricos da geografia que tratam desse conceito o concebem enquanto resultado do processo histórico contendo duas extensões, a material e a imaterial. Essas duas extensões apresentam ainda como traço importante a noção de poder, largamente 25 trabalhada por Raffestin (1993) e que tomou centralidade nas explicações sobre o conceito, entendido por ele enquanto um espaço modificado pelo trabalho e que, portanto, revela relações de poder, de dominação. Essas relações resultam em uma territorialidade assentada na construção de malhas, nós e redes que indicam os campos de ação, de exercício do poder, constituindo-se assim, os territórios. A contribuição de Raffestin é muito importante para pensarmos o conceito de território, sobretudo com a noção de sistema territorial que como bem salienta Saquet (2010, p.76) é o “resultado das relações de poder do Estado, das empresas e outras organizações e dos indivíduos”. Faremos uma breve revisão dos principais autores que trabalham com a noção de território e que permitem, tomadas às devidas ressalvas, pensar o desenvolvimento. Iniciamos com as contribuições feitas por Moraes (1984, 2006) no qual concebe o território como um espaço social e que expressa à relação sociedade - espaço. O território é uma entidade histórica onde se manifesta um controle social do espaço por uma instituição política legitimada ou institucionalizada (comumente, o Estado). Dessa forma, o território é o produto explicável do processo de formação territorial marcadamente protagonizado pela afirmação do domínio do Estado-nação, que exibe um processo cumulativo de superposição de formações pré-existentes. A consolidação dessas superposições estabelece o Estado-nação pela unificação dos processos econômicos, políticos e culturais ali manifestados. Ao discutir a questão do território brasileiro, Andrade (1994, p.213) chama atenção para o fato de o conceito aqui tratado estar vinculado diretamente à ideia de poder, seja o poder público ou o poder das grandes empresas que estendem os seus "tentáculos por grandes áreas territoriais”. Sobre a territorialidade, ele a conceitua como um processo de construção de consciência e/ou identificação de uma pessoa ou um grupo de pessoas em relação ao local que habitam. “Admitimos que a expressão territorialidade pode ser encarada tanto como o que se encontra no território e está sujeita à gestão do mesmo, como, ao mesmo tempo, ao processo subjetivo de conscientização da população de fazer parte de um território, de integrar o território.” (ANDRADE, 1994, p.214) Por sua vez, Souza (2010) critica a definição jurídico-política do conceito, o considerando restrito e limitado. Entretanto, ao conceber território como “um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 2010, p. 78) aponta para a necessidade de identificá-lo em diferentes escalas e com manifestações sociais 26 diferenciadas. Para ele o poder não se limita ao poder estatal ou da empresa, mas de diferentes agrupamentos sociais ou políticos que se manifestam de alguma forma relações de poder. Dessa forma, para o autor “assim como o poder não se circunscreve ao Estado nem se confunde com a violência a dominação (vale dizer, com a heteronomia), da mesma forma o conceito de território deve abarcar infinitamente mais que o território do Estado Nação” (SOUZA, 2010, p.111). É na articulação de diferentes dimensões para estabelecer o conceito de território que Haesbaert (2004) irá concebê-lo como um conceito crucial para entender as problemáticas que cercam a relação sociedade-espaço. Para ele, o território pode ser observado por diferentes dimensões e que deve ser compreendido através de uma perspectiva integradora. As dimensões são: a política (porção do espaço delimitado e controlado através do qual é exercido um poder – Estado), a cultural (prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva de um grupo em relação ao seu espaço vivido), a econômica (enfatizando a dimensão espacial das relações econômicas, fonte de recursos e/ou incorporado no embate entre classes sociais) e a dimensão natural (relação sociedade e natureza, principalmente em que se refere ao comportamento natural dos homens em determinados ambientes físicos). Apesar da concepção de Haesbaert apresentar uma integração entre diferentes percepções sobre o território, é importante ponderar que essa definição carece de precisão ou objetividade, pois conceber o território como um conceito tão abrangente, pode resultar na perda da importância da noção de poder, fundamental para a definição desse conceito, confundindo-se ainda com a noção de espaço tão complexo para a Geografia. Avançando na definição de Haesbaert, Saquet (2011) concebe o território como produto da relação sociedade-natureza determinadas historicamente, constituindo-se como um campo de forças que envolvem relações sociais permeadas pela dimensão econômica, política e cultural (EPC). Dessa forma, em sua análise, o território é produto de seu referente processo de territorialização, considerando a sua construção espaço- temporal realizado por um determinado grupo social através do exercício do poder. Diferentemente de Haesbaert, Saquet destaca a importância do poder para o estabelecimento de um território e que pode não ser unicamente aquele circunscrito ao Estado-Nação, possibilitando a compreensão de outros territórios e consequentemente de outras territorialidades. Mantendo ainda a perspectiva histórica, Silva (2009, p 1) sugere que “toda e qualquer ação que a sociedade desenvolve acontece e materializa-se no território através 27 de relações sociais”, ocorrendo nas mais diferenciadas escalas (local, nacional e global), interferindo na vida social, política, econômica e cultural das sociedades, constituindo- se em uma territorialidade. Dessa forma, podemos retomar as contribuições de Saquet (2011) que afirma que: “as forças sociais efetivam o território no e com o espaço geográfico, centrado nas territorialidades e temporalidades dos indivíduos e emanado delas, condicionando e sendo diretamente determinado por nossa vida cotidiana. Historicamente, formam-se territórios heterogêneos e sobrepostos” (SAQUET, 2011, p.27). Uma definição peculiar de território no campo geográfico é a construída por Santos (2002). Para ele o objeto de análise social da Geografia não é o território propriamente dito, mas sim, o território usado que inclusive é entendido por ele como sinônimo de espaço geográfico. Esse território, usado, é constituído por um conjunto de sistemas naturais e artificiais, abrangendo pessoas, instituições e as empresas, sendo considerado também um dos elementos que constituem o Estado-nação. Nesse sentido, o território é entendido em suas divisões políticas, seu legado histórico e seu atual conteúdo econômico, financeiro, fiscal e normativo, no qual é marcado pela Globalização, denominado por ele de Período Técnico-Científico-Informacional (SANTOS, 2001, 2002). Segundo ele, é importante pensar no território enquanto “nosso quadro de vida”, no qual é fundamental para que seja refutado o risco da alienação e da perda do sentido da existência individual e coletiva, sendo com isso uma perda ou renúncia ao futuro. O território “constitui, pelos lugares, aquele quadro da vida social onde tudo é interdependente, levando também, à fusão entre o local, o global invasor e o nacional sem defesa (no caso o Brasil)” (SANTOS, 2002,p.84). Completando o raciocínio, ainda afirma em outro momento, que “a arena de oposição entre o mercado – que singulariza – e a sociedade civil – que generaliza – é o território, em suas diversas dimensões e escala” (SANTOS, 1998, p. 18). Apesar do conceito de “território usado” ser passível de crítica e refutação, devido a sua aparente redundância, a sua importância teórica para a geografia é inconteste uma vez que Santos (1994) ao discutir a ideia do retorno do território buscou contrapor a noção de território herdada da modernidade desenvolvendo uma noção que pudesse permitir a leitura da realidade enfatizando traços sociais, econômicos e políticos do espaço geográfico. Quais e de que maneira os atores (sociedade, o Estado e as grandes corporações) usam o território? Essa é questão central do conceito de “território 28 usado” e no qual Moraes (2013), ao homenagear o trabalho teórico de Milton Santos, faz um alerta e um apelo àqueles que se baseiam em sua obra. Para Moraes o conceito de território usado é uma grande contribuição de Milton Santos para a geografia, uma vez que se trata de um trabalho fruto de uma abordagem heterodoxa. E diferentemente dos seus seguidores que fazem reproduções conceituais ou de forma mais clara, repetições, Milton utilizou as formulações de outros autores para que pudesse avançar sobre algumas demandas do campo geográfico, a própria noção de território. Embora aponte uma aparente redundância no conceito de território usado com o conceito de território, Moraes busca definir ambos os conceitos ao trabalhar com um exemplo, a formação territorial no processo de independência brasileira e de instalação do novo Estado (o império), no qual a reconceituação proposta por Milton Santos foi de grande valia. Nesse escopo, o território, enquanto conceito essencialmente político, diria respeito ao exercício da soberania (no caso, dinástica) sobre um âmbito espacial delimitado em tratados celebrados entre as Coroas ibéricas e ratificados (ou questionados) pelos Estados pós-coloniais. Seria, portanto, o conceito que responderia ao domínio geopolítico (mesmo que apenas formal), projetando a pretensão de controle político-territorial por parte do aparato estatal em construção. Já o território usado estaria referido ao habitat criado pelo colonizador, abrigando as instalações construídas pelo avanço da colonização nas novas terras, as quais expressavam sua inserção na economia colonial. Tratava-se assim, de um espaço econômico inserido na área acima qualificada de domínio estatal (colonial e, posteriormente, nacional), que na maior parte dos casos constituíam verdadeiras regiões produtivas cuja dinâmica respondia em muito as flutuações do comércio atlântico (MORAES, 2013, p.123). Dessa forma, notamos que existem diferenças conceituais sobre o conceito de território que comprovam sua complexidade. Alguns autores buscam estabelecer articulações que abarquem as diferentes dimensões do conceito na tentativa de entender a relações sociais inscritas no espaço. Buscando traçar as principais discussões sobre o conceito de território na Geografia brasileira, Fuini (2015) construiu um panorama teórico das diferentes contribuições envolvidas com a abordagem territorial em termos políticos, socioeconômicos e culturais, como pode ser observado no quadro 1. 29 Quadro 1: Concepções de Território na Geografia Brasileira a) Território político, com as nuances do: a1) histórico: trata do povoamento brasileiro e da formação do Estado territorial e seus mecanismos e ideologias de controle (exemplos: Manuel Correia de Andrade, Antônio Carlos Robert Moraes, Wanderley Messias da Costa); a2) institucional-administrativo: dá enfoque ao sistema político-administrativo e a distribuição das instituições no território, com rebatimentos sobre a governança, desenvolvimento e cidadania (exemplos: Iná Elias Castro, Valdir R. Dallabrida, Elson L. Pires, Lucas L. Fuini); a3) autonomia e soberania dos movimentos sociais: enfatizam as relações de poder no território e a autonomia e soberania de grupos e movimentos sociais suprimidos pelas formas hegemônicas de controle socioterritoral (exemplos: Marcelo Lopes de Souza, Bernardo Mançano Fernandes); b) Território nas perspectivas de usos e da gestão política e econômica: destaca as condições materiais e imateriais de uso do território pelas atividades produtivas, corporações e pelo Estado na organização/ordenamento territorial para a difusão capitalista (exemplos: Milton Santos, Roberto Lobato Corrêa; Bertha Becker, Eliseu Sposito); c) Território na perspectiva relacional e integradora: destacam a multidimensionalidade (do material e imaterial) e a multiescalaridade na análise territorial, enfatizado o binômio desterritorialização-reterritorialização como quadro da análise dos movimentos que ocorrem de criação e destruição de territórios e vínculos identitários (Rogério Haesbaert, Marcos Saquet). Fonte: Fuini (2015, p.140). Mesmo com as especificidades encontradas, as contribuições feitas até o momento apontam para uma concepção de território baseado em aspectos materiais e imateriais, tendo no poder o elemento basilar. Podemos aprofundar a compreensão de território relacionando-o ao processo de desenvolvimento socioeconômico buscando nas contribuições da Escola da Regulação Francesa. Destacando trabalhos de Benko (2001) e Benko e Pecquer (2001), que chamam a atenção para a existência de diferenças entre os territórios, uma vez que eles oferecem recursos específicos, intransferíveis e incomparáveis no mercado, assim como os atores e a política constituída localmente, pois também resultam em características de diferenciação já que agem na constituição e na gestão dos recursos presentes no espaço. Analisar os territórios como espaços que abarcam aspectos específicos e que os tornam diferenciados no cenário global, demonstra que a Globalização não significa a homogeneização dos espaços, do território. Ela, a Globalização, acentua o caráter competitivo, fazendo com que os territórios lancem mão de estratégias específicas em um ambiente marcado pela intensificação da concorrência, almejando a diferenciação e a especialização. Essa compreensão constituiu um importante diálogo sobre o desenvolvimento em sua dimensão local, uma vez que, conceber a existência e a oferta de recursos específicos por parte dos territórios tem possibilitado o entendimento de que o 30 desenvolvimento é localizado e, portanto, dependente de fatores próprios dos territórios. Para Benko e Pecquer (2001), existem dois tipos de fatores concorrenciais (ativos e recursos), podendo ter uma natureza genérica ou específica. Assim sendo, os ativos são entendidos como fatores em atividade, enquanto os recursos são os fatores a explorar ou reservas. No quadro 2 reproduzimos o quadro de Benko e Pecqueur (2001), onde é apresentada a tipologia dos fatores de concorrência espacial. Quadro 2: Tipologia dos fatores de concorrência espacial Genérico Específico Recursos Fatores de localização não utilizados, discriminados pelos preços e custos de transporte (cálculo, otimização). Fatores incomensuráveis e intransferíveis nos quais o valor depende da organização que os criou. Ativos Fatores de localização não utilizados, discriminados pelos preços e o custo de transporte (cálculo, otimização). -Alocação ótima dos ativos. Fator comparável onde o valor é ligado a um uso particular: -custos de irreversibilidade; - custos de reatribuição. Fonte: Benko e Pecqueur (2001, p.44). Buscando dialogar com as contribuições de Benko e Pecqueur (2001) e de outros teóricos do campo regulacionista francês, Pires, Muller e Verdi (2006) buscam uma definição de território que possa ser aplicada a realidade brasileira. É nessa proposta que assinalamos uma última leitura de território e que será utilizada nesse trabalho. Esses autores concebem o território não só como um espaço material, mas também como um espaço imaterial de cooperação entre diferentes atores com uma fixação geográfica. Essa cooperação é uma condição importante para produzir processos de criação de recursos particulares, sejam eles sociais, econômicos ou virtuais, tendo como objetivos a resolução de problemas, bem como a identificação de soluções inéditas (Pires et al, 2006). O território é um produtor de normas e de ordens implícitas que constituem um quadro regulador, um espaço geográfico fundado na proximidade organizacional particular (...). Ele é a constituição de um espaço abstrato de cooperação entre diferentes atores com uma ancoragem geográfica estabelecida, disposta a engendrar os processos de criação dos recursos particulares (...). O território se constitui em um produtor de externalidades complexas, uma escala geográfica de proximidades organizacionais, um espaço de coordenação de ações entre os atores sociais (Pires et al, 2006, p.443). Essa definição concebe o território não só em sua dimensão material, mas também destacando a sua dimensão imaterial-institucional. Tal perspectiva torna 31 possível considerá-lo como um espaço socialmente organizado, se configurando como um ator do desenvolvimento. Além do mais, o território enquanto categoria analítica permite a compreensão da heterogeneidade e da complexidade do mundo real, das particularidades, das territorialidades e que é fundamental ao se pensar um processo de desenvolvimento local. A importância atribuída ao território com base em sua complexidade pode ser explicada pela existência de características culturais e ambientais específicas, atores sociais atuantes e a mobilização em torno das diversas estratégias e projetos, assim como a disponibilidade a recursos estratégicos para o desenvolvimento econômico e social (Pires et al, 2006). Com o abordado até o momento, concebeu-se o território enquanto um construto social, histórico e espacial, permeado pela existência de identidade, contornos políticos, econômicos e sociais específicos, não devendo ser considerados como produtos estáveis ou imutáveis. O território deve ser concebido como um elemento fundamental para se pensar o processo de desenvolvimento territorial, local ou regional, analisando as políticas empregadas, as possibilidades, os desafios e os limites observados, tendo a governança (territorial) um recurso específico, como será esclarecido a seguir. 1.3. A governança e o território: as novas possibilidades para o desenvolvimento em sua face territorial O conceito de governança não é recente, sendo originalmente empregado nos estudos desenvolvidos pelo economista britânico Ronald Coase, na década de 1930, e retomado nos trabalhos do norte-americano Olivier Wlliamson, sobre as formas operacionais utilizados para a coordenação de empresas ou firmas. Já na década de 1980, o conceito é revisitado em trabalhos do Grupo Banco Mundial que o aplica nas análises sobre a capacidade administrativa dos Estados, elaborando políticas, diretrizes e metas econômicas (e sociais) para os países subdesenvolvidos, ou seja, as recomendações neoliberais para os países pobres. Nesse contexto de reordenamento das políticas econômicas e do papel do Estado na economia e na sociedade, o Fundo Monetário Internacional (FMI) também passou a defender medidas de boa governança para os países subdesenvolvidos alegando a eficiência da máquina pública. Segundo o FMI (2005) apud Pires et al (2011, p. 39) é fundamental que se promova a boa governança em diferentes esferas e aspectos da vida social e econômica, buscando e “melhorando a eficiência e a responsabilização do setor 32 público e combate à corrupção, como elementos essenciais de um quadro em que as economias podem prosperar”. As concepções e as ações do FMI, assim como as do Banco Mundial, são evidentemente políticas de cunho neoliberal, como pode ser observado em Coelho (2012) que ao tratar dos anos de ajuste econômico realizado por essas instituições na América Latina aponta os reais interesses políticos que essas medidas atendem. Para ele, esses interesses atendem as demandas de grandes empresas internacionais e dos Estados desenvolvidos (Estados Unidos, Reino Unido e França), além do apoio de grupos internos específicos dos países subdesenvolvidos, buscando o enfraquecimento do Estado na direção de políticas econômico-sociais e o aumento da participação do mercado nessas políticas. Nesse sentido, a leitura de Leborgne e Lipietz (1994) é interessante, pois chama atenção para a Flexibilidade Defensiva, forma que os autores construíram para definir as políticas econômicas territoriais que estavam sendo deflagradas, como a desregulamentação salarial, a ausência de mecanismos de proteção social, áreas intensamente especializadas e com ampla abertura e concorrência ao mercado mundial. Esse contexto, que já fora tratado anteriormente, apresenta as mutações econômicas registradas no último quarto do século XX com a crise do regime de acumulação fordista. A crise no regime de acumulação fordista se desvela no momento de grande instabilidade econômica internacional, nos esgotamentos dos sistemas técnicos predominantes e decadência da produção e consumo de massa, concomitante com os agravamentos das condições sociais e crise no bloco social-territorial (sistema estável de dominação) hegemônico (Boyer, 1994) que orientam as relações de trabalho fordista e modo de vida das classes sociais. Aliado a isso, novas relações inter e intra empresas se desenvolvem sob paradigma da flexibilidade. Também em crise está o modelo de Estado keynesiano, o que o obriga a reconfigurar suas políticas frentes aos novos dinamismos da economia globalizada (TOPPAN, RIBEIRO, 2014, p. 10). A questão do modelo de desenvolvimento volta à tona com a crise do fordismo e do Estado de bem estar social (Estado Keynesiano) e a emergência de um discurso que advoga um novo paradigma, agora baseado na atuação do mercado. Retomamos a discussão realizada anteriormente sobre a forma ou modelo mais eficaz de desenvolvimento (Estado ou Mercado)? Para Boyer (1991) é importante que se busque 33 uma relação de complementaridade entre essas duas lógicas e que atenda a existência de ordenamentos institucionais (e territoriais) intermediários entre o Estado e o mercado. Essa compreensão nos permite, de acordo com o referencial teórico constituído pela Escola da Regulação Francesa (R. Boyer, G. Benko, A. Lipietz, B. Pecqueur, M. Aglietta), que haveria um novo paradigma de mediação entre as forças do mercado, as políticas do Estado e as necessidades da reprodução social. Vê-se a necessidade de buscar o fortalecimento das instituições socais a partir dos “ordenamentos institucionais intermediários” ou “formas intermediárias” que articulassem em interesses privados e coletivos, sociais e econômicos, eficientes e com equidade, como salienta a perspectiva socialdemocrata. Nesse contexto o Estado não manteria mais sua política keynesiana stricto sensu de proteção e provedor do desenvolvimento (centralização das políticas de desenvolvimento), muito menos deixaria o Mercado atuar sobre seu território, como defendem as ideias neoliberais. Não se trata de pensar em um novo modelo de produção, mas sim, na emergência de novas formas de intervenção para o desenvolvimento, onde o Estado centralizador e a ação guiada pelo Mercado perdem importância relativa (MULS, 2008). Essa concepção de desenvolvimento pode ser mais bem compreendida quando a associamos a existência de estruturas de coordenação política abrangendo diferentes relações produtivas setoriais, normalmente concentradas espacialmente e que denotam a importância da participação de atores envolvidos em cada um dos setores contemplados. Isso nos leva a problematizar um elemento importante que é a necessidade em se incentivar a criação de uma rede de articulação entre os atores e instituições envolvidos no setor produtivo em questão, fortalecendo suas relações dadas à proximidade territorial (geográfica e organizacional). Isso é caraterizado por Muls (2008) na constituição de formas intermediárias de coordenação que egressas no território, não substituem a ação do mercado ou do Estado, mas buscam nas instituições e organismos locais os formuladores das estratégias de desenvolvimento local. A mobilização dos atores locais, a formação de redes entre organismos e instituições locais e uma maior cooperação entre empresas situadas em um mesmo território, são instrumentos que têm possibilitado aos territórios novas formas de inserção produtiva e uma atenuação das desigualdades sociais (MULS, 2008, p. 03). 34 Sobre essas formas intermediárias de coordenação que o referido autor salienta, é importante pensá-las enquanto estruturas onde são representados todos os tipos de organismos e instituições locais que atuam na esfera produtiva ou de regulação social de um determinado território: o tecido empresarial, o poder público local e os representantes da sociedade civil. Como articular essas três instâncias intermediárias de coordenação é a grande questão que se coloca para as novas estratégias de desenvolvimento. Buscando responder a essa questão que alguns autores têm trabalhado com a noção de governança territorial, que não deve ser pensada apenas como um espaço que deve abarcar os interesses do mercado, do Estado e da sociedade civil organizada, mas sim, enquanto construção sócio-institucional, com o intuito de promover além do desenvolvimento a descentralização política e econômica. Como destaca Fuini (2010), é a convergência de diferentes interesses que dá corpo as estratégias de desenvolvimento resultado de um processo de governança. Trata-se de “um processo institucional-organizacional de construção de uma estratégia para compatibilizar os diferentes modos de coordenação entre atores geograficamente próximos em caráter parcial e provisório” (Fuini, 2011, p.11). Para Dallabrida (2011, s/p) a governança territorial é o “conjunto de iniciativas ou ações que expressam à capacidade de uma sociedade organizada territorialmente para gerir os assuntos públicos a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais”, através das redes de poder socioterritorial. Referência nacional nos estudos sobre a governança territorial, esse autor desenvolveu uma concepção teórica interessante para se compreender as dinâmicas que constituem a governança territorial, são elas: dinâmica territorial, bloco sócio-territorial, concertação territorial, redes de poder sócio-territorial e pactos sócio-territoriais. As suas definições podem ser acompanhadas na quadro 3 elaborada por Fuini (2010 apud DALLABRIDA, 2003). 35 Quadro 3: Características da governança territorial ELEMENTOS DA GOVERNANÇA TERRITORIAL CARACTERÍSTICAS Dinâmica territorial Conjunto de ações relacionadas ao processo de desenvolvimento, empreendidas por atores/agentes, organizações/instituições de uma sociedade identificada histórica e territorialmente. Bloco sócio-territorial Refere-se ao conjunto de atores localizados histórica e territorialmente que pela liderança que exercem localmente, assumem a tarefa de promover a definição dos novos rumos do desenvolvimento do território, através de processo de concertação público-privada. Concertação social Processo em que representantes da diferentes redes de poder sócio-territorial, através de procedimentos voluntários de conciliação e mediação, assumem a prática da gestão territorial de forma descentralizada. Redes de poder sócio-territorial Referem-se a cada um dos segmentos da sociedade organizada territorialmente, representados pelas suas lideranças, constituindo na principal estrutura de poder que, em cada momento da história, assume posição hegemônica e direciona política e ideologicamente o processo de desenvolvimento. Pactos sócio-territoriais Referem-se aos acordos ou ajustes decorrentes da concertação social que ocorrem entre os diferentes representantes de uma sociedade organizada territorialmente relacionados à definição ao seu projeto de desenvolvimento futuro. Fonte: Fuini (2010, p.40). Acompanhando a perspectiva de Dallabrida (2011), temos que a (...) definição dos novos rumos para o desenvolvimento do território ou região depende da constituição e emergência de um novo bloco socioterritorial, que, por meio de processos de concertação público- privada que contemplem o caráter democrático-participativo, busquem construir consensos mínimos, pela articulação dos diferentes atores e de suas diferentes propostas e visões de mundo, resultando no pacto socioterritorial, ou seja, o projeto político de desenvolvimento da região (DALLABRIDA, 2011, s/p.). Dessa forma, a governança territorial engloba o Estado em todas as suas dimensões (municipal, estadual e federal) colocando em debate as suas relações com o setor público (sociedade civil) e o privado (mercado). Essas três instâncias como já apontadas por Muls (2008) são as instituições locais, entendidas como “todos os organismos, associações, representações de classe, sindicatos e órgãos públicos que existem em um território e cujas ações são voltadas para a defesa e a promoção dos interesses de um determinado grupo social ou de uma parcela de sua população” (MULS, 2008, p. 17). 36 É interessante um destaque feito por esse autor em relação ao universo das instituições locais. Ele destaca a existência de instituições, sejam elas organizações ou associações locais, informais ou não institucionalizadas, mas que também contribuem para a formação do capital social. Muls salienta ainda que é importante considerar as instituições locais informais, pois elas podem contribuir para o desenvolvimento local das regiões observando-se aí alguns contextos, como: a inexistência ou insuficiência de instituições formais para atender as demandas locais, nesse caso é importante que sejam instituídas; as instituições formais existem, mas não tem aderência com o contexto local, estando distante da realidade social do território em situações dessa natureza, é importante que se busque ações de imersão da instituição no âmbito local; existem instituições formais e informais, mas no caso destas, não conseguem estabelecer uma relação sinérgica, pois se tratam de formas latentes com pouca representação cívica, que devem ser incentivadas e canalizadas para que tenham implicações econômicas e produtivas. Desse modo, “Os conceitos de governança territorial resultam de estratégias dos atores coletivos que se engajam para coordenar ações que permitam resolver problemas locais e regionais oriundos da aglomeração, da especialização ou especificação territorial. Além disso, lançam as seguintes perguntas-chave sobre a regulação social e governança do território: Como os atores lançam mão de determinados meios para construir um padrão de estabilidade social? Como os atores lidam com planos que contemplam opacidades sociais? Como são estabelecidas pelo planejamento as relações entre normas regulatórias, funções operacionais, responsabilidades decisórias e avaliações?” (PIRES & NEDER, 2008, p. 34). Tendo em vista os aspectos que delimitam a construção ou existência de uma estrutura de governança, entendemos que ela deve ser compreendida enquanto um recurso específico, pois se trata de um fator de localização incomensurável, não podendo ser deslocado ou transferível, tampouco quantificável. Ela é o resultado da organização e das estratégias visando solucionar problemas específicos, ancorados no território. Essa concepção se enquadra profundamente no ideário regulacionista, o qual vê, na articulação dos atores e na regulação econômica, a chave para o desenvolvimento. Como bem salienta Toppan (2014), Toppan e Ribeiro (2014) a relação tripartite entre atores sociais se torna indispensável para o reconhecimento e a valorização das instâncias locais de poder, sendo vitais para a legitimidade das políticas públicas, além 37 da construção de um novo bloco social, onde se constitua formas de organização baseadas em um jogo de relações entre empregadores, empregados, sindicatos, associações, instituições escolares (técnicos e superiores) e administrações públicas locais, se caracterizando em um ambiente institucional aberto e democrático. Portanto, estamos de acordo com a compreensão de Fuini (2010, p. 39) que com base em Colletis, Gilly et. al (1999) entende a governança territorial como “um processo institucional- organizacional de construção de uma estratégia para compatibilizar os diferentes modos de coordenação entre atores geograficamente próximos em caráter parcial e provisório atendendo a premissa de resolução de problemas inéditos”. Desse modo, A governança de um território caracteriza, em um momento dado, uma estrutura composta por diferentes atores e instituições que permitem apreciar as regras e rotinas que outorgam a especificidade de um lugar em relação a outros lugares e em relação ao sistema produtivo nacional que os engloba. Para abordar a dinâmica da regulação do território deve-se apreciar também as estratégias dos atores, a capacidade local de adaptação do território e as lógicas exógenas dos ramos de atividade e os processos de aprendizagem. Dito de outra maneira, trata-se não somente de identificar as estruturas de governança, mas também questionar sobre aquilo que constitui sua coesão e seu êxito – ou não – no longo prazo. (COLLETIS, GILLY et. al, 1999, apud FUINI, 2010, p.39) É importante frisar sobre o campo de forças existente dentro da governança, que evidencia a existência de alianças e compromissos articulados entre os atores econômicos e estes com os atores institucionais-sociais e políticos através de “regras do jogo”. A própria relação da dimensão local com a global se dá através das mediações realizadas por atores ancorados no território, tendo em vista os seus diferentes graus de inserção no campo político-econômico. Uma importante consideração em relação às estratégias de governança está em seu caráter, que pode ser privado, público, privado-coletivo ou misto. Essa compreensão é relevante, pois busca considerar a importância da noção de governança territorial enquanto forma de organização do território em prol do desenvolvimento. A definição dessas características pode ser visualizada na quadro 4 que apresenta a metodologia proposta por Colletis, Gilly, et. alii (1999, p. 28-29) adaptada por Fuini (2010), a fim de fazer uma classificação da governança, a partir do caráter de sua composição. 38 Quadro 4: Tipos de governança CARÁTER CARACTERÍSTICAS DA GOVERNANÇA 1 – GOVERNANÇA PRIVADA São os atores privados dominantes que impulsionam e pilotam dispositivos de coordenação e criação de recursos de acordo com um objetivo de apropriação privada. A firma aparece como motor do sistema (por exemplo, o estabelecimento de um grande grupo, que estrutura o espaço produtivo local). 2 – GOVERNANÇA PRIVADA- COLETIVA O ator chave é uma instituição formal que agrupa operadores privados e impulsiona a coordenação das suas estratégias. Encontra-se neste caso as Câmaras de Comércio, os sindicatos profissionais e qualquer forma de clube que agrupe operadores privados. 3 – GOVERNANÇA PÚBLICA As instituições públicas têm modos de gestão dos recursos que diferem da apropriação privada, nomeadamente através da produção de bens ou de serviços coletivos, que por definição são utilizáveis por todos os atores, sem rivalidade nem exclusão de uso. São de maneira essencial, o Estado, as autarquias e todas as formas de inter-coletividades, inclusive os centros de investigação pública. 4 – GOVERNANÇA MISTA São raras as situações puras; encontra-se geralmente uma associação destas diferentes formas, mas com uma dominante, o que permite caracterizar cada território como um caso específico que entra numa categoria geral (antes público ou privado) com uma dosagem específica e variável. Fonte: Fuini (2010, p.84), adaptado de Colletis; Gilly (1999). Fica evidente que os atores sociais têm influências distintas na tomada de decisões e na representatividade não só no território, como também no ambiente organizacional instituído. Podemos entender esse processo de desenvolvimento como um mecanismo de desenvolvimento territorial, a partir de um caráter endógeno ou por fatores internos como bem explana Pires, Müller e Verdi (2006). Nesse sentido, poderíamos definir o desenvolvimento territorial como um processo de mudança social de caráter endógeno, capaz de produzir solidariedade e cidadania, e que possa conduzir de forma integrada e permanente a mudança qualitativa e a melhoria do bem- estar da população de uma localidade ou uma região. Nas estratégias competitivas da globalização, o desenvolvimento territorial é dinamizado por expectativas dos agentes econômicos nas vantagens locacionais, no qual o território é o ator principal do desenvolvimento econômico regional, e as políticas, as organizações e a governança são recursos específicos, a um só tempo disponível ou a ser criado; quando disponível, tratar-se-ia de sua difusão no território, quando ausente, de sua criação (invenção e inovação). Desta forma, o desenvolvimento territorial é o resultado de uma ação coletiva intencional de caráter local, um modo de regulação territorial, portanto, uma ação associada a uma cultura, a um plano e instituições locais, tendo em vista arranjos de regulação das práticas sociais (PIRES et al, 2006, p.448). Em um estudo realizado pelo grupo de pesquisa “Estruturas de Governança e Desenvolvimento Territorial”, coordenado pelo Prof. Dr. Elson Luciano Silva Pires, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP, campus de Rio 39 Claro) foi desenvolvida uma metodologia que ao elencar alguns princípios apontam para as necessidades de uma governança democrática e tripartite, como pode ser observado no quadro 5. Quadro 5: Princípios básicos da governança territorial Necessidades de uma Governança Democrática e Triparte ELEMENTOS DOS PRINCÍPIOS CARACTERÍSTICAS 1 – Foco Clareza na definição dos objetivos da estrutura institucional que facilita a atuação dos gestores e participantes, e o ponto para onde convergem as ações relacionadas com as políticas públicas de âmbito local/regional, estadual e nacional. Baixa, Média-Baixa, Média, Média-Alta, Alta. 2 – Mecanismos Dispositivos que buscam divulgar e operacionalizar os princípios da governança territorial (reuniões, grupos de trabalho, audiências, mesas de negociação etc), direcionadas para atingir as expectativas dos agentes. Baixo, Médio-Baixo, Médio, Médio-Alto, Alto. 3 – Transparência Qualidade das relações sociais entre os atores que permite evidência nas ações direcionadas aos objetivos, a clareza na definição das funções e responsabilidades dos atores, do compromisso dos gestores e lideranças com a publicação e acesso púbico às informações e dados. Baixa, Média- Baixa, Média, Média-Alta, Alta. 4 – Participação Qualidade e equilíbrio da composição da representação social e política, que permite o ato ou efeito de tomar parte nos processos decisórios, respeitando-se as condições de igualdade/desigualdade dos atores, organizações e instituições. Baixa, Média-Baixa, Média, Média-Alta, Alta. 5 – Representatividade Qualidade democrática da participação social e política dos atores, que garanta aos representantes um discurso coletivo que permite saber o que e quem participa, como se participa e as consequências da participação. Baixa, Média-Baixa, Média, Média-Alta, Alta. 6 – Accountability Qualidade da responsabilidade e obrigação de geração de informações e dados, de prestação de contas, de interação de argumentos e de justificar ações que deixaram de ser empreendidas. Baixa, Média-Baixa, Média, Média-Alta, Alta. 7 – Coerência Qualidade das ações e da integração dos agentes com o foco, estado ou atitude de relação harmônica entre situações, acontecimentos ou ideias; capazes de fortalecer a prática de gestão territorial descentralizada para promoção de acordos e ajustes relacionados ao projeto de desenvolvimento. Baixa, Média-Baixa, Média, Média-Alta, Alta. 8 – Confiança Efetividade e consenso das ações, segurança ou crédito depositado nas lideranças e gestores, que inspiram a cooperação e as boas práticas da gestão territorial descentralizada, para promoção de acordos e ajustes relacionados ao projeto de desenvolvimento da governança. Baixa, Média- Baixa, Média, Média-Alta, Alta. 9 – Subsidiaridade Recursos da estrutura para auxílios, agentes ou elementos que reforçam ou complementam outro de maior importância, ou para este converge. Baixa, Média-Baixa, Média, Média-Alto, Alta. 10 – Autonomia Faculdade relativa da estrutura de se reger por si mesma em relação ao Estado e as políticas públicas. Baixa, Média-Baixa, Média, Média-Alta, Alta. Fonte: Pires et al (2014, s/p) - Relatório de Pesquisa – FAPESP (Processo nº11/50837-9). 40 A concepção de desenvolvimento territorial estaria no campo do desenvolvimento regional/local, que diferentemente dos grandes planos de desenvolvimento, centralizados no Estado, sempre atenderam a uma política industrial, que na maioria das vezes desconhece ou ignora as características locais e a organização social de uma região. O desenvolvimento territorial, ou local, envolve a mobilização de atores, recursos e instituições com forte vínculo espacial, com objetivo de alavancar a competitividade das atividades econômicas locais e propiciar bem-estar social e cultural à comunidade que vive nesse meio (PIRES et al, 2011). Ainda de acordo com Pecqueur (2005, p.12), o “desenvolvimento territorial designa todo processo de mobilização dos atores que leve à elaboração de uma estratégia de adaptação aos limites externos, na base de uma identificação coletiva com uma cultura e um território”. De acordo com essa concepção, as estratégias e articulações dos atores, bem como a criação de um ambiente institucional favorável, não são dadas por leis e decretos, mas parte de uma construção histórica, de um território em resposta ao processo de globalização. Como bem assina-la Saquet (2011) ao trabalhar com as diferentes abordagens do conceito de território para se pensar o desenvolvimento (territorial) e se opondo a perspectiva de desenvolvimento verticalizado enfatiza que não é possível desenvolver um país e o seu povo por decretos e/ou assistencialismos. Para ele é fundamental que o desenvolvimento seja concebido como o resultado de um processo histórico e relacional, de múltiplas determinações econômicas, políticas, culturais e naturais presentes nos territórios. Apesar de apresentar aspectos de desequilíbrio social e politico, é importante salientar que valoriza a autonomia política relativa que um território, a depender da estrutura normativa do Estado e da capacidade de sua articulação, pode apresentar buscando instrumentos e estratégias para um desenvolvimento econômico mais participativo, envolvendo mais atores sociais. Essa noção de desenvolvimento não está isenta de crítica, como as feitas por Brandão (2002) e Vainer (2001, 2007), que de forma sucinta qualificam o desenvolvimento local, territorial ou endógeno como uma “endogenia exagerada”, que além de potencializar a fragmentação do território, descarta a importância do Estado nacional em suas responsabilidades de mediar e liderar a cooperação entre os entes federados, ou seja, a manutenção do pacto federativo. Em um ensaio, Brandão (2002) apresenta uma crítica ao desenvolvimento endógeno, questionando a capacidade do local de planejar o processo de desenvolvimento, elencando os limites da teoria e os elementos que a colocam no rol 41 das teorias neoliberais. Para ele, a teoria do desenvolvimento local compõe um pensamento único disseminador do discurso do fim das escalas intermediárias entre o local e o global, debilitando os centros nacionais de decisão e comando sobre o espaço nacional resididos no Estado central. Para ele é necessário revitalizar o pensamento estruturalista construído na CEPAL como forma de enfrentar a perspectiva do desenvolvimento local, pois esta desconsidera o conflito social, a existência das classes sociais, a superação do Estado pelo mercado, o fim da ação pública e a “vitória” da iniciativa privada e das parcerias. Diferentemente do que Brandão aponta sobre a teoria do desenvolvimento local em relação à superação do Estado e a consolidação do mercado, Llorens (2001) assinala que é preciso considerar a existência de novas estratégias de desenvolvimento e que elas são possíveis, principalmente na importância que elas demonstram em relação à geração de emprego e a construção de um território. As estratégias de desenvolvimento “de baixo para cima”, ou local, possuem um caráter mais difuso e são sustentadas por fatores não apenas econômicos, mas também sociais, culturais e territoriais. Geralmente, esse tipo de desenvolvimento econômico de caráter local ou regional (subnacional), baseado numa utilização de recursos endógenos e quase sempre conduzido por pequenas empresas, tem surgido com pouco (ou nenhum) apoio político ou administrativo por parte das esferas centrais da administração publica. O surgimento dessas iniciativas de desenvolvimento local vem dependendo, essencialmente, dos agentes, territoriais, mediante a articulação de esforços diversos (LLORENS, 2001, p.73). No quadro 6, Llorens (2001) elenca as diferenças entre o desenvolvimento concentrador (de cima para baixo) do local (de baixo para cima). Quadro 6: Diferenças entre os enfoques do desenvolvimento de cima para baixo e de baixo para cima. Cima para baixo Baixo para cima Crescimento Quantitativo como Guia (maximização da taxa de crescimento do PIB) Maior preocupação com  Distribuição da renda  Sustentabilidade ambiental  Qualidade de vida  Relações trabalhistas  Satisfação das necessidades básicas da população Estratégia baseada no Apoio Externo (investimentos estrangeiros, ajuda externa) Potencialização dos recursos próprios  Articulação do tecido produtivo territorial  Maior vinculação do tecido empresarial local  Maior controle do processo de desenvolvimento por atores locais 42 Tese de Transbordamento ou Difusão do Crescimento a partir dos Núcleos Centrais (tese da locomotiva: os países centrais, que arrastam os demais países em desenvolvimento) Estimulo a iniciativas de desenvolvimento local Fonte: Llorens (2001, p.75). Nesse sentido, o apoio político-administrativo originado dos gestores públicos locais, além da convicção do papel a desempenhar no fomento econômico do território, são fatores fundamentais para as iniciativas de desenvolvimento local. Torna-se necessário a reformulação das funções que as diferentes administrações públicas territoriais devem desempenhar, tendo como objetivo negociar com os agentes empresariais a construção de um entorno institucional que beneficie o tecido empresarial local, composto, sobretudo por micro, pequenas e medias empresas (MPMEs). O local, entendido como articulador de estratégias buscando promover políticas internas de desenvolvimento, não desqualifica a importância do Estado ou de outras instâncias federativas no planejamento do desenvolvimento. Elas continuam a ter a sua importância, mas com uma melhor participação das localidades, tendo com isso um ganho qualitativo nas políticas empregadas. Sobre a ação do poder político-administrativo local como uma gente importante nas estratégias de desenvolvimento, Llorens (2001) esclarece que, não é o desmantelamento do Estado que nos levará ao desenvolvimento, mas sim a definição de uma “nova agenda” de ações articuladas com o setor empresarial e o conjunto da sociedade civil territorial. Dessa forma, a depender da política a ser desenvolvida é importante à articulação entre diferentes instâncias públicas, buscando ações coerentes tendo aí a importância da descentralização político-administrativa (territorial). Daí a delegação de competências reais e a distribuição do poder que perpassa a descentralização político-territorial constituírem um requisito central para dotar os territórios da autonomia e liberdade necessárias para as estratégias de desenvolvimento local. Desse modo, torna-se possível o incremento da coesão e da capacidade de funcionamento autônomo, isto é, menos vulnerável e subordinado da economia e da sociedade locais. O resultado disso, longe de debilitar o Estado, fortalece-o notavelmente ao reforçar sua própria base social e econômica. 43 No Brasil, as estratégias descentralizadas de desenvolvimento surgem através do aparato institucional apresentado pela Constituição Federal de 1988. A Constituição foi um importante instrumento na definição de políticas descentralizadoras da atuação do Estado2, buscando transferir competências do poder central para os demais entes federados tendo como foco a garantia dos direitos e da representatividade das regiões frente às grandes desigualdades socioeconômicas que sempre acompanharam o país. A descentralização político-administrativa não fora