UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP CÂMPUS DE JABOTICABAL FLAPE DO MÚSCULO ESTENOCEFÁLICO NO REPARO DE DEFEITO PARCIAL DE TRAQUEIA EM COELHO (ORYCTOLAGUS CUNICULUS) Gustavo Fernandes Médico Veterinário 2022 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP CÂMPUS DE JABOTICABAL FLAPE DO MÚSCULO ESTERNOCEFÁLICO NO REPARO DE DEFEITO PARCIAL DE TRAQUEIA EM COELHO (ORYCTOLAGUS CUNICULUS) Discente: Gustavo Fernandes Orientadora: Profa. Dra. Paola Castro Moraes Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Unesp, Câmpus de Jaboticabal, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Cirurgia Veterinária. 2022 DADOS CURRICULARES DO AUTOR GUSTAVO FERNANDES- Nascido em 12 de setembro de 1989, na cidade de Patrocínio em Minas Gerais, filho de Maria Helena dos Santos Fernandes e Roberto Clarimundo Fernandes de Castro. Graduado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU (2016). Concluiu Residência em Clínica Cirúrgica em Animais de Companhia no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia – UFU em 2020. Atualmente aluno regular do programa de pós graduação Strictu Sensu em Cirurgia Veterinária, nível mestrado, na Universidade Estadual Paulista- FCAV- UNESP de Jaboticabal, sob orientação da Profa. Dra. Paola Castro Moraes com ênfase em cirurgia de tecidos moles e endoscopia. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, aos meus pais, Roberto Clarimundo Fernandes de Castro e Maria Helena dos Santos Fernandes, por toda educação, apoio, cuidado, carinho e empenho que tiveram comigo. Sempre me apoiaram em todas as minhas escolhas em busca de meu sonho. Foram eles quem me proporcionaram esse caminho que levou a tantas vitórias. São o maior presente de minha vida, ao qual tenho muito orgulho e amor pelos pais que são. Aos meus irmãos Renan Fernandes e Euzébio Fernandes Neto, que como irmãos mais velhos, contribuíram na minha educação com tantos ensinamentos, e que sempre me deram apoio e proteção ao longo de toda minha trajetória. São meus exemplos de vida, de força, de dedicação, me mostrando que toda pequena conquista deve ser comemorada como uma grande vitória e que desistir não é uma opção. À minha querida orientadora Professora Paola Castro Moraes, que me abriu as portas da UNESP, proporcionando enriquecimento científico, acadêmico e pessoal. Sempre de coração aberto e acolhedor, com seus conselhos profissionais e pessoais, que se tornaram ainda mais importantes pelo período difícil que passamos de pandemia. Tenho maior respeito e admiração, sendo um exemplo a ser seguido. Obrigado por tudo. Aos meus amigos Marcelo Carrijo e Marcella Leite, pela convivência pessoal ao longo dos meses que moramos juntos, dos momentos de café, conversas, desabafos e de diversão. Foi uma experiência maravilhosa e enriquecedora, onde pude aprender com cada um de vocês e amadurecer ainda mais. Aos meus amigos Gabriel Carra, Gabriel Montanhim e Ariadne Rein, que a pós-graduação me presenteou. Agradeço pelo acolhimento e ajuda ao meio acadêmico e pela maravilhosa convivência pessoal. Obrigado a todos por estarem presente neste período, por todo apoio, carinho, ajuda e aprendizado que me proporcionaram. À minha esposa, que de forma direta e indiretamente, sempre esteve ao meu lado, por me confortar, apoiar e ajudar sempre que precisei. Além de me ensinar como ser cada vez mais uma pessoa e um profissional melhor. Tenho sorte e o privilégio em ter uma pessoa tão incrível como você, que me apoia e caminha comigo, sempre em busca de novas conquistas e sonhos. Te amo imensamente. Agradeço a todos os funcionários, residentes e pós-graduandos do Hospital Veterinário da UNESP de Jaboticabal que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho e para minha evolução como profissional e pessoa. Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), pela bolsa de estudos e auxílio financeiro que possibilitou a dedicação integral ao programa de pós-graduação e operacionalização do estudo. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. 1 SUMÁRIO CERTIFICADO DA COMISSÃO DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS ............................ 2 CAPÍTULO 1 – Considerações Gerais ........................................................................ 5 1 Introdução ........................................................................................................................... 5 2 Revisão de literatura ........................................................................................................... 7 2.1 Anatomia e Fisiologia da Traqueia ........................................................................ 7 2.2 Principais causas e sinais clínicos ......................................................................... 8 2.3 Tratamento Cirúrgico ............................................................................................. 9 2.4 Traqueoscopia .................................................................................................... 10 2.5 Histopatologia ..................................................................................................... 11 3 Objetivos Gerais ............................................................................................................... 12 4 Referências....................................................................................................................... 12 CAPÍTULO 2 – Flape do músculo esternocefálico no reparo de defeito parcial de traqueia em coelho (Oryctolagus cuniculus) ...................................................................................... 16 Introdução ............................................................................................................................ 16 Material e Métodos .............................................................................................................. 17 Protocolo anestésico e procedimento cirúrgico ......................................................... 18 Avaliação pós-operatória ........................................................................................... 21 Traqueoscopia .......................................................................................................... 22 Avaliação histopatológica .......................................................................................... 22 Análise estatística ..................................................................................................... 23 Resultados ........................................................................................................................... 23 Discussão ............................................................................................................................ 29 Conclusão ............................................................................................................................ 31 Referências ......................................................................................................................... 31 2 CERTIFICADO DA COMISSÃO DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS 3 FLAPE DO MÚSCULO ESTERNOCEFÁLICO NO REPARO DE DEFEITO PARCIAL DE TRAQUEIA EM COELHO (ORYCTOLAGUS CUNICULUS) RESUMO - O objetivo do estudo foi avaliar, com auxílio da traqueoscopia e histopatologia, o reparo de defeito parcial da traqueia pela utilização do flape muscular, por nova técnica de avanço e padrões de suturas combinadas. Foram utilizados 16 coelhos como modelo experimental, machos, saudáveis da linhagem Nova Zelândia Branco, submetidos à criação de um defeito parcial de traqueia na região ventral do 4º ao 8º anel traqueal, com posterior reparo através de flape do músculo esternocefálico. Os animais foram distribuídos em quatro grupos, para avaliação pós-operatória pela análise clínica, traqueoscópica e histopatológica. Cada grupo foi separado de acordo com o momento das eutanásias, programadas com intervalo de sete (G7), quinze (G15), trinta (G30) e sessenta dias (G60). Um animal do G60 veio a óbito, os demais apresentaram boa recuperação cirúrgica sem alterações graves do padrão respiratório. Os principais sinais clínicos observados foram estridor e tosse. Pela traqueoscopia observou-se secreção no lúmen traqueal, granulação exuberante e estenose. Houve crescimento do epitélio respiratório ciliar no local do flape a partir de 30 dias de implantação. A reparação parcial mostrou resultados satisfatórios, devido à localização anatômica do músculo, suporte vascular próprio, manutenção estrutural e fisiológica sem alterações graves ao sistema respiratório. Palavras chave: cirurgia, histopatologia, retalho muscular, sistema respiratório, traqueoscopia 4 FLAPE OF THE STERNOCEPHALIC MUSCLE IN THE REPAIR OF PARTIAL TRACHEA DEFECT IN RABBIT (ORYCTOLAGUS CUNICULUS) ABSTRACT- The aim of the study was to evaluate, with the aid of tracheoscopy and histopathology, the repair of a partial defect of the trachea using a muscle flap, using a new advancement technique and combined suture patterns. Sixteen healthy male New Zealand White rabbits were used as an experimental model, submitted to the creation of a partial tracheal defect in the ventral region of the 4th to 8th tracheal ring, with subsequent repair through a sternocephalic muscle flap. The animals were divided into four groups for postoperative evaluation by clinical, tracheoscopic and histopathological analysis. Each group was separated according to the time of euthanasia, scheduled with an interval of seven (G7), fifteen (G15), thirty (G30) and sixty days (G60). One animal from the G60 died, the others showed good surgical recovery without serious changes in the respiratory pattern. The main clinical signs observed were stridor and cough. Tracheoscopy revealed secretion in the tracheal lumen, exuberant granulation and stenosis. Histopathological analysis showed growth of the ciliary respiratory epithelium at the flap site after 30 days of implantation. Partial repair showed satisfactory results, due to the anatomical availability of the muscle, its own vascular support and structural and physiological maintenance without serious changes to the respiratory system. Keywords: histopathology, muscle flap, respiratory system, surgery, tracheoscopy 5 CAPÍTULO 1 – Considerações Gerais 1 Introdução A traqueia é um órgão tubular, semirrígido e flexível, constituído por diversas cartilagens em formato de “C”, do tipo hialina, conectadas por ligamentos anulares, tanto em sua região lateral como ventral e pela membrana traqueal na sua porção dorsal, que se estende desde a laringe até os brônquios principais bifurcados pela carina (MACPHAIL, 2015). As principais injúrias traqueais traumáticas são de aspecto penetrante, em conjunto ou não aos traumas torácicos, lesões por mordeduras, neoplasias, ferimentos por projéteis balísticos e acidentes automobilísticos. Adicionalmente, pode ocorrer de forma iatrogênica, associados à intubação, superinsuflação de "cuffs e no trans ou pós-operatório de procedimentos cirúrgicos deste órgão ou região (KIRPENSTEIJN; HAAR, 2006). Há diversidade de procedimentos cirúrgicos que permitem o reparo e reconstrução da traqueia, a depender do grau de comprometimento da lesão (GRILLO, 2002). No entanto, traumas extensos e de grandes proporções exigem tratamentos eficazes e satisfatórios que, apesar de muito estudado, ainda não há consenso sobre a abordagem ideal para tais casos de trauma traqueais (MARTINOD et al., 2005; GONFIOTTI et al., 2014). Algumas estruturas biológicas podem ser utilizadas para recobrir falhas causadas na traqueia, tal como membranas biológicas de cartilagem, musculatura e pele. Apesar do fornecimento restrito, o enxerto autógeno torna-se ideal para procedimentos de reconstrução (GENDEN; GOVINDARAJ, 2006). Há diversas técnicas descritas para o reparo traqueal após injúria tecidual, que compreendem desde o fechamento primário, ressecção traqueal seguida de anastomose e interposição de retalho muscular pediculado (MACCHIARINI et al., 2000; WOLF et al., 2000; GOLASH, 2006). Uma das complicações após o reparo da traqueia é a estenose do órgão, devido ao processo cicatricial em torno da linha de sutura, com formação de tecido 6 de granulação que se estende pelo reparo entre os segmentos suturados. Este processo cicatricial pode protuir em direção ao lúmen, levando ao seu estreitamento, o que pode interferir no transporte normal de ar e muco (WRIGHT et al., 2004; MACPHAIL, 2015). O objetivo deste trabalho foi avaliar, com auxílio da traqueoscopia e histopatologia, o reparo de defeito parcial da traqueia por nova técnica de flape com a utilização do músculo esternocefálico. 7 2 Revisão de literatura 2.1 Anatomia e Fisiologia da Traqueia A traqueia estruturalmente trata-se de um tubo semirrígido e membranoso, constituído por diversas cartilagens que se estende desde a laringe até os brônquios principais bifurcados pela carina, em posição dorsal à base do coração, aproximadamente na altura da quarta à sexta vértebra torácica (DYCE et al., 2010; BYANET; BOSHA; ONOJA, 2014). A extensão traqueal é dividida em região cervical e torácica, constituída de anéis cartilaginosos em forma de “C”, fixados por ligamentos anulares fibroelásticos, o que lhe oferece flexibilidade e movimentação, sem comprometimento do padrão respiratório (AKERS; DENBOW, 2008). A traqueia cervical se dispõe entre diversos grupos musculares, como músculos esternohioideos, esternotireoideos, esternocefálicos e braquiocefálicos. As estruturas que compõem a bainha carotídea percorrem a traqueia em posição dorsolateral, da metade cranial do pescoço e em seguida lateralmente na região caudal do pescoço. Na extremidade cervical cranial do órgão, encontram-se as glândulas tireoide e paratireoide dispostas lateralmente (DYCE et al., 2010; MACPHAIL, 2015). A traqueia realiza a umidificação, aquece e conduz o ar das vias aéreas até os pulmões, bem como a sua eliminação após sua troca gasosa (CUNNINGHAM, 2004). As células ciliadas do epitélio da mucosa, permitem a eliminação de muco e debris em direção à faringe por meio do transporte mucociliar, como forma de defesa e proteção ao organismo (ALBERTS et al., 2002). A região dorsal da traqueia não possui cartilagem e é composta pelo músculo traqueal, tecido conjuntivo e mucosa. Esta estrutura permite a contração e relaxamento dos anéis traqueais, aumentando ou diminuindo a resistência da via respiratória, auxiliando assim na velocidade de condução do ar (GRANDAGE, 2007). Os principais vasos responsáveis pelo suprimento sanguíneo da traqueia, são as artérias tireóideas cranial e caudal. Sua vascularização é segmentar e estes vasos possuem inúmeras ramificações, que percorrem entre os anéis cartilaginosos 8 formando uma rede de vasos até o plexo subepitelial, o que promove irrigação sanguínea intraluminal do órgão. É inervada principalmente pelo nervo vago e laríngeo recorrente, importantes na estimulação parassimpática do músculo liso e mucosa traqueal, promovendo contrações musculares e secreção de glândulas (CUNNINGHAM, 2004; DYCE et al., 2010). 2.2 Principais causas e sinais clínicos do trauma traqueal As lesões traqueais são de baixa prevalência, porém potencialmente fatais e a eficácia no pronto atendimento, estabilização e intervenção cirúrgica correta são imprescindíveis para a sobrevida do paciente (LEAL et al., 2013). Os traumas e lesões cervicais ocorrem principalmente devido a feridas por mordedura, acidentes de carro, lesões por coleiras e neoplasias, acometendo assim a região do pescoço e mais profundamente a traqueia. As lesões por mordedura são graves e frequentemente ocorrem devido as brigas entre os animais. A região cervical é a área mais comumente afetada, que pode corresponder a 90% dos casos de feridas, em comparação ao restante do corpo, após ataque entre os cães (BASDANI et al., 2016). Podem ainda ocorrer de forma iatrogênica, associados a complicações da intubação ou de procedimentos cirúrgicos (KÄSTNER; GRUNDMANN; BETTSCHART-WOLFENSBERGER, 2004; NIKAHVAL et al., 2015). Os sinais clínicos a serem observados após trauma traqueal são taquipneia, dispneia e enfisema subcutâneo, associados ou não ao pneumotórax ou pneumomediastino, visto que tais alterações podem aparecer desde horas ou até dias após a injúria do órgão (SCOTT et al., 2006). A insuficiência respiratória ocorre em 50% dos casos e pode acontecer devido ao acúmulo intraluminal de sangue, tal como pelos tecidos adjacentes como musculatura e pele que se deslocam devido as lesões graves (BASDANI et al., 2016). O enfisema subcutâneo secundário ao trauma pode ser observado em 70% dos cães acometidos, podendo ocorrer isoladamente na região peritraqueal ou de forma generalizada, se espalhando por todo o corpo do animal. Além disso, o estridor respiratório é evidente em 30% dos cães, devido à estenose traqueal ou obstrução parcial (BASDANI et al., 2016). 9 O diagnóstico baseia-se em anamnese, achados clínicos e radiografia cervical. As alterações radiográficas de perfuração traqueal incluem acúmulo de ar peritraqueal, enfisema subcutâneo cervical ou generalizado, pneumomediastino, além de visualização de pontos de ruptura e deslocamento. Porém, muitas vezes, os achados podem ser inespecíficos (BASDANI et al., 2016; NIKAHVAL et al., 2015). 2.3 Tratamento cirúrgico da traqueia Traumas graves das vias aéreas devem ser corrigidos cirurgicamente, por meio de reparo imediato da laceração, reparo primário por meio de suturas ou ressecção traqueal seguido de anastomose, desde que seja preservado mais de 50% do comprimento total da traqueia. Ainda como alternativa, é possível realizar a reconstrução de grandes defeitos traqueais pela utilização de enxertos autógenos de pele, músculo e cartilagem, apesar do fornecimento restrito a região (GENDEN; GOVINDARAJ, 2006; MACPHAIL, 2015). Algumas complicações podem ocorrer após a ressecção e anastomose traqueal, incluindo granulomas por reação ao material de sutura utilizado (absorvível ou inabsorvível), deiscência de sutura por tensão excessiva após grande ressecção de anéis traqueais, necrose por comprometimento da irrigação sanguínea, estenose pela formação de tecido de granulação e danos a inervação adjacente, principalmente ao nervo laríngeo recorrente (JORDAN; HALFACREE; TIVERS, 2013). Retalhos musculares, principalmente o esternohioideo, são amplamente utilizados para reconstrução de laringe e traqueia, principalmente em amplas excisões de casos neoplásicos, permitindo boa recuperação anatômica e funcional ao paciente (DEDIVITIS et al., 2009; GAROZZO et al., 2010). Porém, exige conhecimento anatômico e dissecção cuidadosa a fim de preservar a artéria tireoidiana cranial, principal ramo de suprimento vascular para o músculo esternohioideo. Este suprimento sanguíneo comprometido, pode resultar de forma gradual em atrofia isquêmica e fibrose do retalho em até 40% dos casos, o que restringe a sua utilização (WANG et al., 1998; YU et al., 2014). Outras alternativas para o reparo traqueal são a utilização de protéses sólidas de material biocompatível. Estas próteses mantém a patência das vias aéras além 10 de corrigir o defeito causado no orgão. Porém apresentam resultados variados, com complicações relacioandos a migração da prótese, crescimento intraluminal de tecido de granulação, estenose e infecção da interface entre o tecido e material (GRILLO, 2002). Porém, outros estudos em modelo experimental animal, apontaram bons resultados pelo uso de implantes traqueais confeccionados a partir de um polímero impresso em 3D. Os resultados demostraram viabilidade do implante, com crescimento de epitélio respiratório ciliar em algumas semanas (JUNG et. al, 2016). 2.4 Traqueoscopia A endoscopia é um método de exame complementar minimamente invasivo e não traumático, com finalidade diagnóstica e terapêutica, caracteriza-se pela avaliação e exame da mucosa e superfície interna de órgão ocos, assim como a remoção de corpos estranhos e pela obtenção de biópsias intraluminais para melhor diagnóstico de determinadas doenças. Utiliza-se tanto o equipamento endoscópico flexível ou rígido, sendo que o método de escolha dependerá do órgão de interesse (RADHAKRISHNAN, 2016). Este procedimento teve início na medicina veterinária por volta da década de 70, e ao longo dos anos vem ganhando destaque, por proporcionar maior qualidade aos procedimentos clínico-cirúrgico ao aliá-los à alta tecnologia (CHAMNESS, 2005). O procedimento endoscópio permite a visualização do interior de órgãos e cavidades, onde cada técnica empregada possui nomenclatura específica de acordo com o sistema avaliado, como: sistema gastrointestinal - endoscopia digestiva alta (esôfago, estômago e duodeno) e baixa (ceco, cólon e reto); do sistema respiratório - laringoscopia, traqueoscopia, broncoscopia; do sistema urinário (cistoscopia); exame das articulações (artroscopia); exame da cavidade torácica (toracoscopia) e abdominal (laparoscopia) (RADHAKRISHNAN, 2016). O aparelho flexível é utilizado principalmente na avaliação de estruturas tubulares que necessitam de maior movimentação do equipamento, devido as angulações anatômicas, possibilitando melhor observação à medida que for introduzido pelo órgão. O endoscópio flexível tem como vantagens sua mobilidade ao realizar manobras específicas, aumento da área de visualização intraluminal e versatilidade ao ser aplicado em diversos procedimentos de acordo com o sistema 11 avaliado, porém exige alto custo inicial, maior custo de manutenção, além da qualidade de imagem inferior e menor tempo de vida útil do equipamento (CHAMNESS, 2011). O aparelho rígido aplica-se principalmente a estruturas não tubulares, como trato respiratório superior, ouvido, bexiga urinária, articulações, além de cavidade abdominal e torácica. Possui limitação na área de visualização, porém possui maior qualidade de imagem, menos custo adicional inicial e de manutenção, e maior durabilidade do equipamento. Seu uso está muito relacionado a videocirurgia, permitindo diversos procedimentos de laparoscopia, toracoscopia com intervenção cirúrgica minimamente invasiva (CHAMNESS, 2011). A traqueoscopia ou traqueobroncoscopia é um procedimento endoscópio do sistema respiratório eficaz na avaliação da traqueia quanto a coloração de sua mucosa, vascularização, diâmetro intraluminal e posição e movimentação de sua membrana dorsal (PADRID, 2011). Tem ampla indicação que varia desde a inspeção de obstruções das vias aéreas por corpo estranho, colapso traqueal e estenose luminal, até afecções inflamatórias e/ou infecciosas agudas e crônicas, além de possibilitar a coleta por aspiração de secreções para exames citológicos ou culturas e antibiograma (PASSOS et al., 2004; BENVENHO et al., 2018) 2.5 Histopatologia A estrutura histológica da traqueia é formada por diferentes camadas divididas em mucosa, submucosa, musculocartilaginosa e adventícia. A mucosa se dispõe em inúmeras pregas longitudinais, revestida por um epitélio pseudoestratificado ciliado, composto por diversas células caliciformes. Os cílios têm como função o transporte de secreções mucosas e partículas estranhas em direção à laringe. A submucosa difere da mucosa pela lâmina própria, que é constituída de tecido conjuntivo frouxo, rico em colágeno e fibras elásticas, além de conter glândulas secretoras de muco que se abrem no lúmen traqueal. A região musculocartilaginosa é formada por anéis cartilaginosos, tecido fibroelástico e músculo traqueal. Os anéis possuem conformação em “C”, e são constituídos por cartilagem do tipo hialina e suas extremidades livres ficam direcionadas para a região dorsal do órgão (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2008; DYCE et al., 2010). 12 A cartilagem é composta por células denominadas de condrócitos, que são responsáveis pela manutenção de seu controle metabólico, além da produção da matriz extracelular. Estas células expressam um núcleo excêntrico e proeminente circundado por citoplasma levemente basofílico e granular. Além disso, é possível identificar o pericôndrio, sendo este, formado por tecido conjuntivo denso não modelado que envolve o tecido cartilaginoso. A células localizadas próximo ao pericôndrio são de aparência mais alongada, com seu eixo longitudinal paralelo às fibras do pericôndrio. Os condrócitos possuem pouca atividade metabólica e baixas tensões de oxigênio, devido ao fato de a cartilagem ser desprovida de irrigação sanguínea (DALLMAN et al., 1988; JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2008). A matriz extracelular é formada por diversas substâncias, principalmente água com cerca de 70 a 80%, além de colágeno do tipo II, glicosaminoglicanos, proteoglicanos e glicoproteínas. São diversas as moléculas distribuídas pela matriz extracelular como sulfato de 4-condroitina, sulfato de 6-condroitina, sulfato de queratan, ácido hialurônico, dentre outros. Sendo estas fundamentais para conformação, manutenção e rigidez da cartilagem (ALBERTS et al., 2002; JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2008). 3 Objetivos Gerais Avaliar, com auxílio da traqueoscopia e histopatologia, o reparo de defeito parcial da traqueia com a utilização do músculo esternocefálico, por nova técnica de avanço e padrões de suturas combinadas. 4 Referências AKERS, R. M; DENBOW, D. M. Respiratory system. In: Akers RM. Anatomy and Physiology of Domestic Animals. 1.ed. Iowa: Elsevier. 2008; 379-397. ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J. et al. Junções celulares, adesão celular e matriz extracelular. In: Biologia molecular da célula. 4 ed. São Paulo: Artmed, 2002, Cap. 19, p. 1065-1124. BASDANI, E. et al. Upper airway injury in dogs secondary to trauma: 10 dogs (2000- 2011). Journal of the American Animal Hospital Association, v. 52, n. 5, p. 291– 296, 2016. BENVENHO, A. C. R. et al. 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Foram utilizados 16 coelhos como modelo experimental, machos, saudáveis da linhagem Nova Zelândia Branco, submetidos à criação de um defeito parcial de traqueia na região ventral do 4º ao 8º anel traqueal, com posterior reparo através de flape do músculo esternocefálico. Os animais foram distribuídos em quatro grupos, para avaliação pós-operatória pela análise clínica, traqueoscópica e histopatológica. Cada grupo foi separado de acordo com o momento das eutanásias, programadas com intervalo de sete (G7), quinze (G15), trinta (G30) e sessenta dias (G60). Um animal do G60 veio a óbito, os demais apresentaram boa recuperação cirúrgica sem alterações graves do padrão respiratório. Os principais sinais clínicos observados foram estridor e tosse. Pela traqueoscopia observou-se secreção no lúmen traqueal, granulação exuberante e estenose. A análise histopatológica demostrou crescimento do epitélio respiratório ciliar no local do flape a partir de 30 dias de implantação. A reparação parcial mostrou resultados satisfatórios, devido à localização anatômica do músculo, suporte vascular próprio e manutenção estrutural e fisiológica sem alterações graves ao sistema respiratório. Palavras chave: cirurgia, histopatologia, retalho muscular, sistema respiratório, traqueoscopia Introdução As principais causas de lesões traqueais ocorrem devido as mordeduras, acidentes de carro, lesões por coleiras e neoplasias, além de fatores iatrogênicos associados a complicações anestésicas como intubação ou por procedimentos cirúrgicos da região cervical [1,2]. As injúrias traqueais podem ser potencialmente fatais, exigindo rápido atendimento e abordagem cirúrgica, ações fundamentais para a sobrevivência do paciente [3]. Diversas alternativas cirúrgicas são empregas no reparo traqueal, seja por meio de suturas ou a ressecção seguida de anastomose, além de enxertos 17 autógenos de pele, músculo e cartilagem [4]. Um dos músculos amplamente utilizados na reconstrução de laringe e traqueia é o esternohioideo, porém exigem dissecção cuidadosa para preservação de seu suprimento sanguíneo, que caso seja comprometido, pode causar atrofia isquêmica e fibrose local [5,6]. O emprego de exames complementares, como a endoscopia, proporciona um novo método de avaliação interna de cavidades e órgãos ocos, com finalidade diagnóstica e terapêutica minimamente invasiva e não traumático [7]. Através da traqueoscopia é possível diagnosticar as principais afecções relacionadas ao sistema respiratório, como obstruções das vias aéreas por corpo estranho, colapso traqueal e estenose. Além de processos inflamatórios ou infecciosos, por meio da aspiração de secreções para exames citológicos ou de cultura e antibiograma. Trata- se de um exame complementar de inspeção direta do órgão, permitindo identificar alterações e associá-las aos achados clínicos [8,9]. O exame histopatológico permite uma análise microscópica dos tecidos na detecção de possíveis lesões existentes, além de classifica-las quanto a extensão, evolução e natureza da injúria local. A estrutura histológica normal da traqueia é formada por diferentes camadas, responsáveis por determinadas funções. A mucosa é revestida por um epitélio pseudoestratificado ciliado, composto por células caliciformes, responsáveis pela produção e o transporte de secreções. A submucosa constitui-se de tecido conjuntivo frouxo, rico em colágeno e fibras elásticas. A região musculocartilaginosa é formada por anéis cartilaginosos, tecido fibroelástico e músculo traqueal. Os anéis possuem uma conformação em “C”, e são constituídos por cartilagem do tipo hialina [10, 11, 12]. Objetivou-se com este estudo avaliar, com auxílio da traqueoscopia e histopatologia, a aplicabilidade do flape do músculo esternocefálico no reparo de defeito parcial da traqueia, com nova técnica de avanço e padrões de suturas combinadas. Material e Métodos O projeto foi realizado no biotério do curso de Pós-graduação em Cirurgia Veterinária na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, Câmpus Jaboticabal. O estudo seguiu às normas e princípios éticos de experimentação animal aprovados pelo Conselho Nacional de Controle e Experimentação Animal 18 (CONCEA) e pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Instituição. O projeto foi protocolado sob o nº 006161/19. Foram utilizados 16 coelhos (Oryctolagus cuniculus) como modelo experimental, da linhagem Nova Zelândia Branco, saudáveis, machos, com peso entre 3 - 3,5 quilogramas provenientes do Biotério Central da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, UNESP, Câmpus Botucatu. Os animais foram distribuídos em quatro grupos, separados de acordo com o período de avaliação pós-operatória, sendo, G7 (grupo de sete dias), G15 (grupo de quinze dias), G30 (grupo de trinta dias) e G60 (grupo de sessenta dias), com quatro animais em cada momento. Protocolo anestésico e procedimento cirúrgico A anestesia iniciou-se pela medicação pré-anestésica com cloridrato de clorpromazina, na dose de 0,5 mg/kg e morfina, na dose de 0,5 mg/kg, por via intramuscular. A indução anestésica foi realizada com propofol, na dose de 10 mg/kg, por via intravenosa e intubação orotraqueal com sonda endotraqueal n° 3.0. A manutenção anestésica ocorreu por via inalatória, com isofluorano diluído em oxigênio a 100%, através do aparelho de anestesia com fornecimento de fluxo total de 1L/min. Para o preparo cirúrgico do animal realizou-se ampla tricotomia da região cervical ventral até o manúbrio, antissepsia com álcool 70% e clorexidine degermante 2%. A técnica cirúrgica foi realizada seguindo todos os princípios assépticos, assim como o uso de material cirúrgico, luvas, gaze, compressas e panos de campo esterilizados. A equipe cirúrgica foi a mesma em todos os procedimentos. A pele foi incisada desde a linha média da região cervical ventral, caudal à cartilagem cricoide estendendo até o manúbrio. Procedeu-se por divulsão do subcutâneo seguida da localização e afastamento do músculo esternohioideo até a visualização e exposição da traqueia, sempre de maneira delicada para evitar danos adjacentes à irrigação e à inervação local. Foi criado um defeito na região ventral da traqueia, por ressecção do 4º ao 8º anel traqueal sob os ligamentos anulares, com auxílio de uma lâmina de bisturi nº15, para gerar um defeito parcial ventral, porém em espessura completa, expondo o lúmen da traqueia (Fig. 1). 19 Identificou-se os músculos esternocefálicos e o defeito previamente preparado foi recoberto por estes como um flape de avanço bilateral, foram fixados inicialmente por duas suturas em padrão simples separado distribuídos em cada extremidade do defeito. Em cada borda lateral do defeito foram posicionadas três suturas em padrão simples separado junto à musculatura e posterior fixação, utilizando polipropileno 4-0 (Fig. 2). A região central foi aposicionada por sutura do padrão tipo Gelly, causando aproximação e vedação do defeito por intermédio da musculatura. A extremidade cranial e caudal dos músculos sobre o defeito foram aposicionadas por sutura do padrão tipo Wolf (Fig. 3). Após o término da técnica, o subcutâneo e a pele foram aproximados de maneira convencional. Fig. 1. Imagem fotográfica do procedimento cirúrgico para criação de defeito parcial em traqueia de coelho (Oryctolagus cuniculus), por ressecção do 4º ao 8º anel traqueal. Jaboticabal, 2021. 20 Fig. 2. Procedimento cirúrgico para criação de defeito parcial em traqueia de coelho. A, Defeito parcial de traqueia em coelho (pontilhado branco). B, Flape de avanço bilateral do músculo esternocefálico (seta branca) fixados por pontos de reparo nas extremidades do defeito. C, Borda do defeito com sutura do padrão simples separado junto à musculatura. D, Fixação de cada ventre muscular ancorado ao defeito traqueal. Jaboticabal, 2021. 21 Avaliação pós-operatória No pós-operatório imediato, institui-se como protocolo terapêutico a hidrocortisona na dose de 50mg/kg/IV (aplicação única); cloridrato de tramadol na dose de 4mg/kg/IM e enrofloxacina na dose de 5mg/kg/SC. Os animais foram monitorados e aquecidos até recuperarem a consciência e apresentarem padrão respiratório normal. O mesmo tratamento pós-operatório com antimicrobiano e analgésico foi mantido por cinco dias, com intervalo de 12 horas. Os coelhos permaneceram em gaiolas individuais próprias para o manejo da espécie, com medidas 50x80x60cm (altura, comprimento, profundidade), água e ração comercial à vontade e ambiente climatizado, durante todo o período de análise. Fig. 3. Procedimento cirúrgico para criação de defeito parcial em traqueia de coelho A, Sutura do padrão tipo Gelly entre as musculaturas. B, Aproximação e vedação do defeito traqueal. C, Extremidade cranial e caudal dos músculos suturada no padrão tipo Wolf. D, Reparo total do defeito por flape de avanço bilateral dos músculos esternocefálico. Jaboticabal, 2021. 22 A avaliação clínica dos coelhos ocorreu de forma periódica, levando em consideração os parâmetros vitais, padrão respiratório, ruídos respiratórios, presença ou ausência de contaminação na ferida cirúrgica, enfisema subcutâneo e comportamento dos animais. Foram realizadas eutanásias dos grupos nos intervalos de 7, 15, 30, e 60 dias após o procedimento cirúrgico. O método de eutanásia obedeceu aos princípios éticos em experimentação animal estabelecidos pelo CONCEA, sendo realizado por meio da administração intravenosa de propofol (dose-efeito) e após certificada a ausência de reflexos de córnea e pupila, foi administrado 20 mL de cloreto de potássio via intravenosa, para indução de assistolia. Traqueoscopia A avaliação por meio da traqueoscopia foi realizada imediatamente após a eutanásia. O aparelho utilizado foi o endoscópio rígido de 4 mm e 30º (Karl Storz- endoskope®️, micro-câmera Telecam SL NTSC®️, ótica Hopikins II ®️ com fonte de luz fria halógena 250 Twin ®️ e Xenon 100 ®️). O endoscópio foi introduzido na cavidade oral do animal após delicada tração lateral da língua, progredindo pela região da orofaringe, até que fosse possível a visualização e filmagem da laringe e traqueia. As imagens foram capturadas e gravadas por um notebook Acer Aspire 5741- 5775®. O lúmen traqueal foi avaliado após a eutanásia de cada animal em seus devidos grupos e tempos de avaliação. Foram analisados quanto à presença de secreção, tecido de granulação exuberante, fio de sutura intraluminal e estenose traqueal. A estenose foi determinada conforme o grau de estreitamento do lúmen, considerando como 0%: ausente, < 25%: discreta, 26%-50%: moderada, > 50%: acentuada; a presença dos pontos de sutura intraluminal, secreção e granulação exuberante foram categorizados como: presente ou ausente. Avaliação histopatológica Após a eutanásia dos coelhos, as traqueias foram dissecadas e retiradas até dois centímetros da carina, para análise histopatológica. Os fragmentos foram 23 mantidos em frascos contendo formol a 10% por no mínimo 72 horas e encaminhados para a confecção das lâminas. Os segmentos de traqueia fixados em formol foram desidratados em série crescente de álcoois, diafanizados e inclusos em parafina histológica e, em seguida, foram realizadas seções semisseriadas no micrótomo (Leica modelo RM2145) com espessura de 5 μm. Foram confeccionadas lâminas na coloração de Hematoxilina-Eosina (HE) para leitura em microscopia de luz convencional e posteriormente analisadas quanto à regeneração e epitelização da mucosa traqueal, no local da lesão. Análise estatística Os testes estatísticos foram realizados com auxílio do Software Estatístico R (The R Project for Statistical Computing, version 4.2.0). As variáveis dos parâmetros de avaliação clínica, traqueoscópica e histopatológica, foram submetidas à análise descritiva pela distribuição das variáveis, teste de correlação Spearman e teste de comparação Kruskal-Wallis. Para o teste de comparação, o nível de significância foi de 5%, sendo assim, todos os testes que obtiveram p-valor menor que 5%, são considerados significativos. Resultados A maioria dos coelhos operados apresentou boa recuperação cirúrgica sem apresentar alterações graves referente ao local do procedimento, como deiscência da sutura, enfisema subcutâneo, seroma ou contaminação e secreção da ferida cirúrgica. Os sinais clínicos mais observados foram estridor traqueal, estando presente na mesma quantidade nos grupos de 15 e 30 dias (50%) e tosse, predominantemente no grupo de 15 dias (50%). O que não interferiu na qualidade e sobrevida dos animais, mantendo-se ativos e sem alterações do sistema respiratório. A distribuição dos dados está apresentada na Tabela 1. Do total de 16 coelhos operados, apenas um do G60 veio a óbito (6%), 12 dias após o procedimento cirúrgico. Este animal apresentou dispneia grave, cianose, posição ortopneica e rápida evolução até o óbito. Após avaliação macroscópica post 24 mortem, notou-se grande quantidade de secreção serosa, porém sem aumento de volume local, deiscência de sutura ou estenose no lúmen da traqueia. As principais alterações observadas pela traqueoscopia foram secreção no lúmen traqueal, granulação exuberante sobre o flape e estenose local (Fig. 4). A visualização dos pontos de sutura intraluminal foram identificados de forma variada. Porém, considera-se que não ocorreu complicações pós cirurgicas, visto que nenhum dos coelhos apresentaram deiscência do flape e complicações adjacentes a região cervical, como secreção ou enfisema subcutâneo. A secreção intraluminal foi obrsavada nos animais em todos os grupos, principalmente no grupo de 15 dias (75%). Apresentava aspecto mucoide, com distribuição e quantidade variada sobre parede traqueal e flape muscular. A formação de granulação exuberante sobre a musculatura, teve como prevalência o grupo de 7 dias (100%). Como fase do processo cicatricial, foi evidenciado pelo exame a deposição de fibrina sobre o local do flape. Quanto ao compromentido Avaliação clínica Traqueoscopia Histopatológico Animal Grupo (dias) Estridor Traqueal Tosse Dispneia Secreção Granulação exuberante Estenose Epitelização da mucosa traqueal A1 7 + - - + + - - A2 7 - - - - + - - A3 7 - - - - + - - A4 7 - - - - + - - A1 15 + + - + - - - A2 15 - - - - + discreta - A3 15 - - - + - - - A4 15 + + - + + - - A1 30 - - - - - - + A2 30 + - - + + moderada + A3 30 - - - - - - + A4 30 + + - + + moderada - A1 60 - - - - - - + A2 60 - + - + - - + A3 60 - - - - - - + A4 60 - - + * * * * Tabela 1: Avaliação clínica, traqueoscópica e histopatológica, dos respectivos grupos de 7, 15, 30 e 60 dias, após o flape do músculo esternocefálico no reparo de defeito parcial de traqueia em coelho (Oryctolagus cuniculus). * óbito do animal; + presente; - ausente. 25 estrutural intraluminal da traquea, dois (50%) dos animais do grupo de 30 dias, apresentaram grau de estenose moderado (Tabela 1). Não houve comprometimento respiratório grave nos animais que apresentaram estenose traqueal. A área de interface entre traqueia e o flape, foi analisada pela coloração histológica de Hematoxilina-Eosina (HE) e leitura em microscopia de luz convencional. Foi possível evidenciar a formação de um novo epitélio na região do defeito traqueal nos animais a partir de 30 dias (75%) e 60 dias (100%), cobrindo completamente o lúmen na região do flape muscular (Tabela 1). Foi identificado mucosa respiratória completa, recém formada por epitélio pseudoestratificado, células caliciformes e cílios. A área de lesão era composta por proliferação discreta de tecido conjuntivo imaturo, formado por fibroblastos reativos e infiltrado inflamatório mononuclear focal e discreto. Além de áreas de Fig. 4. Imagens traqueoscópicas representativas de coelhos submetidos ao reparo traqueal com flape muscular. A, Animal do grupo de 7 dias, presença de granulação exuberante sobre o flape muscular (*) e visualização do fio de sutura (seta). B, Animal do grupo de 15 dias, deposição de fibrina sobre o flape e presença discreta de secreção (*). Nota-se estenose discreta, devido ao comprometimento intraluminal (seta). C, Animal do grupo de 30 dias, apresentando boa cicatrização sobre o flape e nenhum comprometimento intraluminal (*). D, Animal do grupo de 60 dias, apresentando boa cicatrização sobre o flape (*) e visualização do fio de sutura (seta). Jaboticabal, 2021 26 neovascularização discreta e hiperemia passiva. Não houve necrose intensa com solução de continuidade no local, evidenciando assim boa integração entre o último anel traqueal e o músculo estenocefálico (Fig. 5). De acordo com a Tabela 2, tem-se que o teste de Kruskal – Wallis, apresentou p-valor significativo apenas para as variáveis de granulação exuberante (0,016*) e epitelização da mucosa traqueal (0,002*). Pode-se dizer que, há diferença significativa, entre o processo cicatricial de regressão do tecido de granulação e regeneração por epitelização, quanto maior for os dias de avaliação. Fig. 5. Fotomicrografias com coloração de Hematoxilina-Eosina (HE), da região de interface entre o último anel traqueal e flape do músculo esternocefálico, de coelhos submetidos ao reparo de defeito após 30 dias. L: Lúmen. A, Corte longitudinal da cartilagem hialina do último anel traqueal (*). Mucosa respiratória normal (seta). Crescimento interno, típico de mucosa respiratória traqueal (cabeça de seta) sobre a região do flape. B, Corte longitudinal da região de transição do defeito e implantação do flape. Fibras musculares do músculo esternocefálico (*). C, Área de lesão constituída por proliferação discreta de tecido conjuntivo, formado por fibroblastos, presença de neovascularização e infiltrado inflamatório mononuclear focal e discreto. D, Crescimento de novo epitélio respiratório pseudoestratificado, ciliar e células caliciformes (cabeça seta). 27 A correlação entre as variáveis de diferentes avaliações, pelo teste Spearman, mostrou que, a variável epitelização da mucosa traqueal apresenta correlação razoável negativa entre granulação exuberante, 7 dias e 15 dias (Figura- 06). Ou seja, conforme a granulação exuberante está presente, a epitelização da mucosa traqueal tende a estar ausente. Porém, a epitelização apresentou correlação razoável positiva com 30 dias e fortemente positiva com 60 dias. Com o decorrer dos dias, a epitelização da mucosa traqueal tende a estar presente. Entre as outras variáveis, as correlações foram fracas ou nulas. Variável Dias Ausente Presente p-valor Estridor Traqueal 7 3 1 0,483 15 2 2 30 2 2 60 4 0 Tosse 7 4 0 0,617 15 2 2 30 3 1 60 3 1 Dispneia 7 4 0 0,179 15 4 0 30 4 0 60 3 1 Secreção 7 3 1 0,905 15 1 3 30 2 2 60 2 1 Granulação Exuberante 7 0 4 0,016* 15 2 2 30 2 2 60 3 0 Estenose 7 4 0 0,602 15 3 1 30 2 2 60 3 0 Epitelização 7 4 0 0,002* 15 4 0 30 1 3 60 0 3 Tabela 2: Teste de comparação Kruskal – Wallis, para identificar nível de significância entre a variável analisada e o período em dias (grupos) de avaliação. 28 A variável estenose apresentou correlação razoável positiva em relação ao estridor traqueal e granulação exuberante no período de 30 dias. Desta forma, conforme essas variáveis estão presentes a estenose tende a estar presente. E demonstrou uma correlação razoável negativa em 7 dias, ou seja, neste período de avaliação, a variável estenose tende a estar ausente. Em relação as outras variáveis, as correlações são fracas ou nula (Fig. 6). Secreção apresentou correlação razoável positiva com a variável estridor traqueal e forte positiva com a tosse, no período de 15 dias, ou seja, quando essas variáveis estão presentes a secreção tende a estar presente. Porém apresenta correlação razoável negativa em 7 dias, com a variável tosse. Sendo assim, há ausência de tosse no período inicial de avaliação. Nas demais variáveis a correlação foi nula ou fraca (Fig. 6). Fig. 6. Análise de correlação de Spearman, entres as variáveis de estridor traqueal, tosse, secreção, granulação exuberante, estenose e epitelização da mucosa traqueal. E seus respectivos grupos de 7, 15, 30 e 60 dias. 29 Discussão O músculo esternocefálico tem como principal função a lateralização e flexão da cabeça e pescoço. A lateralização ocorre por meio da contração unilateral e a flexão pela contração bilateral dos músculos. Pode ainda auxiliar na abertura da boca, nas espécies que apresentam origem mandibular deste músculo [12]. Após o procedimento cirúrgico os coelhos foram avaliados quanto à movimentação na gaiola, apreensão de alimento e ingestão de água, se mostrando normais. Sendo assim, a utilização do músculo esternocefálico, pelo avanço e sutura bilateral dos ventres, se mostrou eficiente ao não comprometer a movimentação da cabeça e pescoço. A tosse é uma função fisiológica importante do trato respiratório, tendo como principal ação a remoção e expulsão de partículas indesejadas ou prejudiciais, como corpos estranhos, detritos celulares e muco [13]. Dos animais que apresentaram o sinal clínico de tosse, todos apresentaram secreção mucoide em quantidade variável, identificados pelo do exame de traqueoscopia, o que sugere a tentativa de sua eliminação e preservação da via aérea. O estridor caracteriza pela presença de ruídos sincrônicos a respiração, devido às obstruções das vias aéreas e comprometindo normal da corrente de ar. Processos obstrutivos incluem presença de muco, corpo estranho, colapso ou estenose traqueal [14]. Os animais identificados com estenose traqueal moderada apresentaram estridor traqueal na avaliação clínica, o que condiz com os aspectos obstrutivos que inteferem na patência do fluxo normal de ar. A traqueoscopia possibilita inspeção visual direta da traqueia, permitindo avaliá-la quanto à presença de colapso traqueal, estenose luminal, processos inflamatórias e infecciosas, com presença de secreção e lesão tecidual da mucosa, além de acometimentos neoplásicos [8, 15]. Após injúria, a reparação tecidual inicia- se por estímulos de células locais na região lesionada. A produção de fibrina, além de promover aderência ao ferimento, estimula a migração de células de defesa como leucócitos, macrófagos e neutrófilos, assim como de fibroblastos, importantes na deposição de colágeno local [16]. O processo cicatricial de maturação, na área lesada, acarreta em contração das bordas do tecido, que em órgão ocos, ocasiona retração e consequente diminuição intraluminal [17]. Tal informação justifica a 30 granulação exuberante e estenoses, identificados pelo exame traqueoscópico, sendo compatíveis com as fases e processos fisiológicos de cicatrização. A reparação do defeito traqueal tem como característica importante a preservação da biomecânica do orgão e manuntenção do fluxo de ar pelas diferentes pressões exercidas na respiração. O emprego de enxerto muscular homólogo ou próteses de fabricação em 3D, se mostraram eficientes no local implantado, suportando a pressão intratraqueal e evitando colabamento ou colapso do orgão [17, 18]. Pela traqueoscopia, foi possível notar baixo índice de estenose traqueal nos animais operados e, mesmo quando presente, não apresentaram comprometimento grave da função respiratória ou sobrevida no tempo avaliado, o que corrobora estudos anteriores na manutenção das propriedades biomecânicas. Pesquisas recentes destacaram o uso de prósteses, impresso em 3D com material biocompatível, na reconstrução de defeitos traqueais, permitindo integração biológica e função biomecânica compatível ao órgão Jung et al. (2016) [18], avaliaram a reconstrução de defeito parcial de traqueia, pela utilização de prótese 3D de poliuretano e constataram a formação de mucosa respiratória, com epitélio cuboide, cílios e células caliciformes, totalmente funcional sobre a prótese, após 60 dias de implantação. No presente estudo foi possível evidenciar a formação de nova mucosa respiratória completa a partir de 30 dias de avaliação, sobre o flape muscular. Supõe-se que as condições que implicam no processo cicatricial a partir do músculo esternocefálico utilizado, ocasionaram o processo regenerativo local mais rápido, do que no uso de próteses. Para que ocorra o processo de regeneração tecidual da traqueia, é necessário, primeiramente, a revascularização local. Os estudos realizados por Delaere; Raemdonck (2016) [19] mostraram que, ao envolver a traqueia sobre um retalho de fáscia muscular bem vascularizado, permitiu importante revascularização alcançada pelo crescimento rápido a partir de brotos capilares dos vasos remanescentes receptores, unidos aos vasos doadores do seguimento muscular. Criando assim anastomoses vasculares diretas entre o retalho tecidual e a adventícia da traqueia. Enxertos musculares homólogos também foram utilizados no reparo traqueal em cães, com bons resultados. Porém, nestes casos, a análise histológica 31 demostrou progressiva substituição das fibras musculares do enxerto por tecido conjuntivo fibroso maduro e menor vascularização local, provavelmente por se tratar de segmento livre, com ausência de irrigação própria [17]. Estima-se que a presença de irrigação própria do flape muscular implica em melhores condições no processo cicatricial e regenerativo local, justificado pela presença de fibras musculares íntegras e proliferação discreta de tecido conjuntivo, além de maior vascularização, como foi visto no corte histológico. A mucosa das vias aéreas possui alta capacidade proliferativa, que se renova continuamente após lesões superficiais, e sua regeneração ocorre acima da membrana basal, desde que as células tronco não tenham sido comprometidas. Porém em injúrias graves, com danos da túnica submucosa, o processo de reparação tecidual ocorre pela deposição de colágeno e cicatrização [19]. Porém, maiores análises devem ser realizadas visando ao processo regenerativo a partir da migração das células basais epiteliais das margens da ferida em contato com as extremidades tecido implantado, no processo de epitelização. Conclusão O reparo do defeito parcial de traqueia em coelho, como modelo experimental, pela utilização do músculo esternocefálico, se mostra satisfatório devido à disponibilidade anatômica do músculo, suporte vascular próprio e manutenção estrutural, sem comprometimento ou alterações graves ao sistema respiratório. Além disso, permite a regeneração epitelial a partir do leito de tecido implantado, processo este, importante na manuteção fisiológica da mucosa respiratória. Referências [1] NIKAHVAL, B. et al. Generalized subcutaneous emphysema caused by concurrent cricoid cartilage fracture and cricotracheal detachment in a German shepherd dog. Iranian Journal of Veterinary Research, v. 16, n. 2, p. 226–228, 2015. [2] BASDANI, E. et al. 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