0 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ENGENHARIA DE BAURU PROGRAMA DE MESTRADO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO CARLA GONÇALVES MACHADO ESTUDO DA APLICABILIDADE DOS CONCEITOS DA MANUFATURA SUSTENTÁVEL NO RERREFINO DE ÓLEOS LUBRIFICANTES USADOS Bauru 2011 1 CARLA GONÇALVES MACHADO ESTUDO DA APLICABILIDADE DOS CONCEITOS DA MANUFATURA SUSTENTÁVEL NO RERREFINO DE ÓLEOS LUBRIFICANTES USADOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, da Faculdade de Engenharia de Bauru da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção (Área de Concentração: gestão de operações). Orientador: Prof. Dr. Vagner Cavenaghi Bauru 2011 Machado, Carla Gonçalves. Estudo da aplicabilidade dos conceitos da manufatura sustentável no rerrefino de óleos lubrificantes usados / Carla Gonçalves Machado, 2011. 147 f. Orientador: Vagner Cavenaghi Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Engenharia, Bauru, 2011 1. Manufatura sustentável. 2. Global report initiative. 3. Rerrefino. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Engenharia. II. Título. 3 Dedico este trabalho primeiramente a Deus, porque tudo é por ele e para ele. Aos meus pais e familiares, pelo apoio e incentivo para vencer este desafio. Ao Prof. Vagner, pela sua visão. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço ao Prof. Dr. Vagner Cavenaghi pela orientação e confiança durante os estudos que resultaram neste trabalho e, principalmente, por enxergar em minha formação e experiência profissional uma fonte de contribuição para a Engenharia de Produção e estudos da área de Gestão de Operações. Aos meus pais, irmãos, cunhadas e amigos pela paciência, cuidado, compreensão e apoio durante este período de dedicação. Ao Grupo Lwart, na figura de seu presidente Carlos Renato Trecenti e à Lwart Lubrificantes na figura de seu diretor Thiago Trecenti, pela oportunidade concedida a mim para conclusão das disciplinas e realização do estudo de caso. À Eliane Oliveira, Gerente de Marketing Corporativo e amiga, pela compreensão, confiança no trabalho e incentivo. Aos professores do Departamento de Engenharia de Produção que contribuíram para o meu desenvolvimento acadêmico e profissional. E por fim, a todos que de alguma maneira contribuíram para a realização desta dissertação. Deus abençoe a todos. A Ele toda honra, toda a glória e todo o poder. 5 “Precisamos de uma geração de líderes com diferentes pontos de vista no mundo, com força suficiente para impulsionar mudanças mais radicais “[...] um dos economistas mais famosos do século 20, John Maynard Keynes, disse que nosso problema não é a falta de novas ideias, mas a dificuldade de nos desvincularmos do passado. Então, a questão não é que as pessoas sejam más ou que não tenham propostas, mas sim que estão presas aos moldes do passado. Dessa forma, a não ser que elas encontrem uma maneira de se permitir desenvolver novas soluções, a mudança não será possível” (Simon Zadek, Consultoria Inglesa AccountAbilitty,2009) 6 RESUMO Diante das novas demandas em prol do desenvolvimento sustentável, é comum ouvir as empresas falando em produtos sustentáveis, em produção “verde”. Mas para que essas afirmações sejam realidade existe a necessidade urgente de que as empresas compreendam e incorporem a visão da sustentabilidade aos seus negócios. O objetivo dessa dissertação é apresentar e relacionar os princípios e escopo da Manufatura Sustentável, alinhando-os aos indicadores do Global Reporting Initiative (GRI), demonstrando a viabilidade das empresas utilizarem os indicadores para a gestão das operações com foco sustentável. A dissertação tem como base a revisão bibliográfica sobre a Manufatura Sustentável e de alguns instrumentos que auxiliam a sua implementação, como o Ecodesing, a Produção Mais Limpa e a Avaliação do Ciclo de Vida. O estudo de caso fornece indicadores que evidenciam que o processo de implementação de um processo de produção sustentável é possível, quando realizado de forma estruturada e com a liderança da alta direção na condução desse processo gradual e contínuo. Os resultados obtidos com o cruzamento do estudo de caso com os indicadores, evidenciam que o processo analisado tem potencial para ser efetivamente uma manufatura sustentável, além de estar apto a realizar e divulgar o seu relatório de sustentabilidade, com base no GRI. Os dados obtidos são reforçados numa tabela de indicadores (essenciais e adicionais) com potencial de atendimento. Com isso, essa dissertação demonstra que os indicadores de sustentabilidade também podem ser utilizados como norteadores para a manufatura sustentável. Palavras chaves: Manufatura Sustentável; Global Reporting Initiative; Rerrefino 7 ABSTRACT Due to the new demands when it comes to sustainable development, it has become very usual for companies to discuss sustainable products, in "Green" production. In order to make these statements true, however, companies need urgently to understand and incorporate the vision of sustainability into their own business. The objective of this dissertation is to present and relate the principles and the scope of the Sustainable Manufacturing, thus aligning them with the indicators of the Global Reporting Initiative (GRI), demonstrating the corporate feasibility in using such indicators to the management of sustainable focus operations. This dissertation is based on the bibliographical review on Sustainable Manufacturing and some instruments which help its implementation, such as: Ecodesing, the Cleaner Production and the Life Cycle Assessment. The case study of a re-refining process provides indicators evidencing that the implementation process of a sustainable production process is possible – when performed in a structured manner and led by the company’s high management. This process is gradual and continuous. The results obtained when crossing the case study with the indicators show that the process analysis has potential to effectively become a sustainable manufacturing, in addition to being able to perform and divulge its sustainability report, based on GRI. The data obtained are reinforced in a scorecard (essential and additional) and have attendance potential. This way, this dissertation demonstrates that the sustainability indicators can also be utilized as guidelines for the sustainable manufacturing. Keywords: Sustainable Manufacturing, Global Reporting Initiative, Re-refining 8 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Fluxo de resolução de problema de pesquisa ................... 21 FIGURA 2 Estrutura para condução de estudo de caso ..................... 24 FIGURA 3 Visão geral da dissertação ................................................. 27 FIGURA 4 Processo input – transformação – output .......................... 29 FIGURA 5 Modelo geral da administração de produção ..................... 31 FIGURA 6 Dimensões da Sustentabilidade......................................... 33 FIGURA 7 Conceito do berço ao túmulo ............................................. 34 FIGURA 8 Modelo de sistema “fechado” ............................................. 36 FIGURA 9 Estratégia 1 para a manufatura sustentável ...................... 38 FIGURA 10 Estratégia 2 para a manufatura sustentável ...................... 39 FIGURA 11 Estratégia 3 para a manufatura sustentável ...................... 39 FIGURA 12 Estratégia 4 para a manufatura sustentável ...................... 40 FIGURA 13 Estratégia 5 para a manufatura sustentável ...................... 40 FIGURA 14 Seis níveis de esforços e práticas para a implementação da manufatura sustentável ................................................ 44 FIGURA 15 Importância do desenho de produtos e de sistemas de manufatura para a sustentabilidade .................................. 45 FIGURA 16 Formas de atuação da P+L para gerar oportunidades de melhoria ............................................................................. 48 FIGURA 17 Mudança do pensamento para prevenção ........................ 49 FIGURA 18 Fases de uma ACV ............................................................ 56 FIGURA 19 Etapas da ACV .................................................................. 57 FIGURA 20 Ilustração do ICV ............................................................... 58 FIGURA 21 Elementos da etapa de AICV ............................................. 59 FIGURA 22 Relação dos elementos da fase de interpretação com as outras fases da ACV .......................................................... 60 FIGURA 23 Como diferentes departamentos contribuem para o Life Cycle Management ............................................................ 62 FIGURA 24 Estágios do processo produtivo ......................................... 63 FIGURA 25 Modelo de valor sustentável .............................................. 65 FIGURA 26 Mapa estratégico do BSC .................................................. 66 9 FIGURA 27 Ciclo PDCA......................................................................... 67 FIGURA 28 Associação de indicadores e a sustentabilidade ............... 68 FIGURA 29 Níveis de avaliação GRI .................................................... 74 FIGURA 30 O ciclo de vida dos lubrificantes ........................................ 85 FIGURA 31 Modelo da cadeia direta e reversa do setor ...................... 87 FIGURA 32 Processo de rerrefino utilizado na matriz ........................... 92 FIGURA 33 Ilustração da etapa de descarregamento .......................... 93 FIGURA 34 Ilustração da etapa de desidratação .................................. 94 FIGURA 35 Ilustração da etapa de destilação do OLUC ...................... 95 FIGURA 36 Ilustração do evaporador de película ................................. 96 FIGURA 37 Ilustração da etapa de desasfaltamento ............................ 97 FIGURA 38 Ilustração da etapa de tratamento químico ....................... 98 FIGURA 39 Ilustração da etapa de clarificação e neutralização ........... 99 FIGURA 40 Ilustração dos filtros prensa ............................................... 99 10 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 Características de métodos de pesquisa ...................... 23 QUADRO 2 Quatro estágios de Wheelwright & Hayes..................... 31 QUADRO 3 Diferenças entre estratégia e gestão de operações ...... 32 QUADRO 4 Diretrizes e ações UNEP para implementação de manufatura sustentável ................................................. 43 QUADRO 5 Práticas de Ecodesign ................................................... 47 QUADRO 6 Barreiras para implementação da P+L .......................... 51 QUADRO 7 Série de Normas ISO 14000 ......................................... 56 QUADRO 8 Indicadores e Métricas de Sustentabilidade .................. 72 QUADRO 9 Escopo do Relatório GRI – versão G3 .......................... 74 QUADRO 10 Relação entre critérios da MS e Indicadores GRI ......... 84 QUADRO 11 Tecnologias e características comuns em processos de rerrefino .................................................................... 91 QUADRO 12 Disposição dos resíduos do processo de rerrefino estudado ........................................................................ 101 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Comparativo Guia Exame ............................................. 70 Tabela 2 Visão do mercado em 2009 ........................................... 86 Tabela 3 Percentual mínimo de coleta do OLUC por região e país ................................................................................ 89 Tabela 4 Mapa de coleta de óleos usados em 2009 .................... 89 Tabela 5 Indicadores GRI aplicados ao estudo de caso .............. 113 12 LISTA DE ABREVIATURAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas ACV Avaliação do Ciclo de Vida AEM Avaliação Ecossistêmica do Milênio AICV Análise do Inventário do Ciclo de Vida ANP Agência Nacional de Petróleo BSC Balanced Scorecard CEBDS Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável CERES Coalition for Environmentally Responsible Economy CMMAD Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente Desenvolvimento CNP Conselho Nacional de Meio Ambiente CNUMAD Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente DJSI Dow Jones Sustainability Index DVA Demonstração do valor adicionado ETE Estação de tratamento de efluentes FUP Fundo Uniforme de preço FSC Forest Stewardship Council GRI Global Report Initiative IBICIT Instituto Brasileiro de Ciência e Tecnologia ICV Inventário do Ciclo de Vida ISO International Organization for Standardization LCA Life Cycle Assessment LCC Life Cycle Costing LCM Life Cycle Management MBDC MacDonough Design Chemistry 13 MS Manufatura Sustentável OECD Organisation for Economic Co-operation and Development OLUC Óleo lubrificante usado ou contaminado OIT Organização Internacional do Trabalho ONU Organização das Nações Unidas PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente REPA Resource and Environmental Profile Analysis SETAC Society of Environmental Toxicology and Chemistry SINDIRREFINO Sindicato Nacional das Empresas de Rerrefino TBL Triple Bottom Line UNEP United Nations Environmental Programn 14 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................... 16 1.1 OBJETIVO E QUESTÕES DE PESQUISA ................................ 19 1.2 DELIMITAÇÃO ........................................................................... 20 1.3 MÉTODO DE PESQUISA UTILIZADO ...................................... 21 1.4 JUSTIFICATIVA ......................................................................... 26 1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ............................................. 27 2 REVISÃO DA LITERATURA ..................................................... 30 2.1 MANUFATURA SUSTENTÁVEL ............................................... 35 2.1.1 Ecodesign ................................................................................. 46 2.1.2 Produção mais limpa ............................................................... 49 2.1.3 Avaliação do ciclo de vida ...................................................... 52 2.2 INDICADORES PARA MANUFATURA SUSTENTÁVEL ........... 64 2.3 O RERREFINO DO ÓLEO LUBRIFICANTE USADO OU CONTAMINADO ........................................................................ 84 3 ESTUDO DE CASO ................................................................... 91 3.1 DETALHAMENTO DO PROCESSO DE RERREFINO ANALISADO ............................................................................... 92 3.2 ANALISE DO MICROAMBIENTE PARA IDENTIFICAR TENDÊNCIAS DE GESTÃO SUSTENTÁVEL ........................... 102 3.2.1 Indicadores referentes ao desempenho econômico, presença de mercado e impactos econômicos indiretos .... 102 3.2.2 Indicadores referentes aos materiais e energia .................... 103 3.2.3 Indicadores referentes à água e biodiversidade .................. 104 3.2.4 Indicadores referentes às emissões, efluentes e resíduos .. 104 3.2.5 Indicadores referentes à produtos e serviços ....................... 105 3.2.6 Indicadores referentes à conformidade ................................. 106 3.2.7 Indicadores referentes ao transporte ..................................... 106 3.2.8 Indicadores gerais ............................................................ 107 15 3.2.9 Indicadores referentes ao emprego, relações entre os trabalhadores e a governança, saúde e segurança do trabalho, treinamento e educação, diversidade e igualdade de oportunidades .................................................................... 107 3.2.10 Indicadores referentes às práticas de investimento e processos de compra .............................................................. 108 3.2.11 Indicadores referentes a não discriminação e liberdade de associação coletiva .................................................................. 108 3.2.12 Indicadores de trabalho infantil, trabalho forçado ou análogo ................................................................................ 109 3.2.13 Indicadores de práticas de segurança ................................... 109 3.2.14 Indicadores relativos à comunidade ...................................... 109 3.2.15 Indicadores relativos à corrupção e políticas públicas ....... 110 3.2.16 Indicadores relativos à concorrência desleal e à saúde e segurança do cliente ................................................................ 111 3.2.17 Indicadores relativos à rotulagem de produtos e serviços .. 111 3.2.18 Indicadores relativos à comunicação de marketing, a conformidade e a compliance ................................................ 111 3.3 ANÁLISE DO ESTUDO DE CASO ............................................. 112 4 CONCLUSÕES .......................................................................... 115 REFERÊNCIAS .......................................................................... 117 APÊNDICE A ............................................................................. 128 ANEXO A ..... ............................................................................. 129 ANEXO B ..... ............................................................................. 130 ANEXO C ................................................................................... 137 16 1 INTRODUÇÃO As mudanças climáticas e a escassez de recursos não-renováveis demonstram que a humanidade está pagando um alto preço pelo desenvolvimento promovido de forma desequilibrada, principalmente, após a Revolução Industrial. As transformações que marcaram o período da industrialização trouxeram importantes avanços tecnológicos, econômicos, sociais e culturais. Entretanto, o crescimento econômico foi incentivado em detrimento de quaisquer consequências, como, por exemplo: impactos ao meio ambiente com o aumento da poluição ambiental e sonora; uso indiscriminado dos recursos naturais; diminuição da produção agrícola; aumento do desemprego e da desigualdade social, entre outros. A estrutura industrial dominante no processo de industrialização foi concebida em torno de um fluxo dependente da força bruta (incluindo o uso de combustíveis fósseis e grandes quantidades de produtos químicos), utilizando soluções generalizadas, oprimindo e ignorando a diversidade natural e cultural do mundo e produzindo grandes quantidades de resíduos. A limitação natural do planeta e de seus recursos naturais para o abastecimento da alta demanda industrial, além do consumo excessivo e do crescimento populacional, estão promovendo rapidamente o esgotamento dos recursos e a degradação do meio ambiente. Os impactos do crescimento insustentável estão sendo verificados mais rapidamente do que as primeiras previsões apontavam. Segundo Almeida (2007), dos 24 serviços ambientais avaliados pela Avaliação Ecossistêmica do Milênio (AEM) referentes à sobrevivência humana, 60% estão em estágio acelerado de degradação. Ainda conforme avaliação do IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (2007 apud Manufaturing Skills Australia, 2008), o aquecimento global é evidente e os seres humanos são causadores da maior parte do aquecimento global desde 1950 As alterações climáticas impactam sobre os seres humanos e o meio ambiente de muitas maneiras e a busca por soluções sustentáveis tornou-se um foco primário dos governos, indústrias e comunidades em todo o mundo. Com força a partir de 1970, as discussões sobre o futuro do planeta e da 17 humanidade cresceram. Em 1983, a ONU – Organização das Nações Unidas criou a CMMAD - Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente Desenvolvimento. O objetivo desse organismo independente é analisar questões relativas às relações do desenvolvimento e do meio ambiente para viabilizar uma maior compreensão das pessoas, das empresas, do governo, organizações voluntárias, entre outros para uma atuação mais assertiva (CMMAD, 1991). Dos trabalhos da CMMAD surgiu o relatório Nosso Futuro Comum (CMMAD, 1991, p. 46) que define desenvolvimento sustentável como “[...] aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades”. De acordo com o Compêndio para a Sustentabilidade (LOUETTE, 2008), documentos importantes com diretrizes para a sustentabilidade foram formalizados nas últimas três décadas, dentre eles: Diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) para multinacionais (1976); Convenção de Viena para a proteção da Camada de Ozônio (1985); Cúpula da Terra (1992); Diversidade Biológica (1993); Convenção Aarhus (1998); Convenção de Roterdã (1998); Protocolo de Kyoto (1999); Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (2000); Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (2001); Relatório Stern (2006); Relatório IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (2007). O termo desenvolvimento sustentável foi amplamente difundido após a realização Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), chamada também de Rio 92, realizada em 1992 no Rio de Janeiro com o objetivo de buscar soluções para conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra. Representantes de diversos países reuniram-se para definir medidas a serem tomadas para diminuir a degradação ambiental e garantir a existência das gerações futura. Durante a Rio 92 foi firmado também a Agenda 21, documento com 2.500 recomendações ambientais para os anos seguintes (OESP, 2010). Com o aumento das discussões a respeito da sustentabilidade, verificou-se a necessidade de um maior esclarecimento de como o conceito deveria estar presente no dia-a-dia das empresa e, nesse contexto surge o Triple Bottom Line (TBL). Chamado no Brasil de Tripé da Sustentabilidade, o TBL foi criado em 1994 por Jonh Elkington incorporarando os três componentes do desenvolvimento 18 sustentável nas operações, viabilizando o salto da sustentabilidade teórica para a prática, representando a incorporação dos valores sociais e ambientais às medidas econômicas tradicionais de uma corporação, tornando-as mensuráveis (ELKINGTON, 1997). Diversos instrumentos de medição de desempenho, certificações e outros movimentos de normatização e verificação também surgiram, a fim de corroborar as práticas para o desenvolvimento sustentável e mensuração de ativos intangíveis. Isso reforça que este posicionamento será, em curto prazo, condição e não um diferencial, para a sobrevivência das empresas. O relatório do Global Report Initiative (GRI) é um dos mais conhecidos instrumentos que representa esse novo paradigma. O GRI é uma reunião de indicadores, criado em 1997, através de uma parceria entre organização não- governamental Coalition for Environmentally Responsible Economy (Ceres) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Os critérios do GRI buscam dar diretrizes para as empresas comunicarem seus resultados de sustentabilidade (LOUETTE, 2008). Diante desse cenário, emerge o conceito da Manufatura Sustentável (MS), que representa a integração do tripé da sustentabilidade no sistema de manufatura buscando o desenvolvimento sustentável na produção industrial (Yuan, 2009). Um dos desafios da difusão da MS é demonstrar que os inventimentos em inovação e em práticas sustentáveis podem trazer ganhos reais e vantagem competitiva às empresas. Para isso, diversas técnicas e instrumentos de produção e gestão ambiental podem ser utilizados, como por exemplo: o Ecodesign para a minimização dos impactos ambientais, otimização de recursos, concepção de projetos produtos, projeto e produção industrial (BORCHARDT; SELITTO; PEREIRA (2009); a Produção Mais Limpa para mitigar a poluição durante todas as etapas do processo (CEBDS, 2009); a Avaliação do Ciclo de Vida para realizar o balanço das entradas e saídas em toda a cadeia (da extração ao produto final) (IBICIT, 2008); e os Indicadores de Sustentabilidade, como o Global Report Initiative, que fornece um padrão mundial para avaliação da gerenciais e operacionais com foco no tripé da sustentabilidade (GRI, 2006). Essa tendência foi destaque em pesquisa realizada pela consultoria Mackinsey & Co., em conjunto com o Banco Mundial no ano de 2000, “[...] 19 investidores estão dispostos a pagar entre 18% e 28% a mais por ações de empresas que adotam melhores práticas de administração e transparência” (LOPES, 2008, p. 23). Partir de um processo tradicional de produção para um modelo voltado para a sustentabilidade pode ser considerado uma quebra de paradigma e o estabelecimento de um novo norte para a gestão de operações. Atualmente, muitas empresas trabalham em pesquisas e buscam novas alternativas para processos mais “sustentáveis”, integrando as esferas econômicas, ambientais e sociais, dentro da medida do conhecimento e das tecnologias disponíveis. Entretanto, isso não significa que exista um consenso teórico-conceitual. O estabelecimento deste novo paradigma traz um momento de mudanças nas estratégias de produção e do modo de pensar dos responsáveis por seu projeto e implementação. 1.1 OBJETIVOS E QUESTÕES DE PESQUISA O objetivo macro desta pesquisa é verificar o enquadramento dos conceitos da Manufatura Sustentável com os Indicadores de Sustentabilidade, no caso o GRI, a fim de que seja avaliada a aplicabilidade da utilização dos Indicadores para avaliação, projetos e implementação de estratégias produtivas com foco em sustentabildiade. Derivam-se desse objetivo macro objetivos específicos: a) avaliar a aplicabilidade do uso das práticas de Ecodesign, da Produção Mais Limpa e da metodologia da Avaliação do Ciclo como instrumentos de apoio para a implementação da Manufatura Sustentável b) analisar um microambiente para verificar a possibilidade de identificar tendências internas de gestão e práticas produtivas voltadas para a sustentabilidade, com a utilização do enquadramento dos critérios da Manufatura Sustentável com o GRI. 20 1.2 DELIMITAÇÃO Esta dissertação foi desenvolvida com base de que o Desenvolvimento Sustentável tem sido mundialmente difundido, porém, observa-se que a aplicação do conceito nos sistemas de produção (práticas), bem como na formulação das estratégias encontra campo para estudos complementares. A difusão e aplicação dos conceitos relacionados à Manufatura Sustentável representam a adoção de um novo paradigma, que exige a análise das dimensões econômicas, sociais e ambientais para verificação de sua efetividade, ou seja, ampliar o entendimento de que “[...] diminuir a insustentabilidade não é o mesmo que criar sustentabilidade” (EHRENFELD, 2005). O escopo para implementação da Manufatura Sustentável apresenta convergência com critérios do Ecodesign, a Produção Mais Limpa (P+L) e a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) (UNEP, 2009). Aplicado ao processo produtivo, o Ecodesign cria oportunidades para redução dos custos, menor geração de resíduos e propicia a geração da inovação (OMETTO et al., 2010). O Programa de Produção Mais Limpa, contribui também para a redução e eliminação dos resíduos. A P+L representa uma estratégia ambiental de prevenção da poluição para os processos, reduzindo os riscos ambientais e trazendo benefícios econômicos para a empresa (CEBDS, 2009). Com a ACV é possível a identificar oportunidades de melhoria, definir critérios para seleção de fornecedores, facilitar a comunicação (marketing verde), contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas, contribui com as práticas do Ecodesign e com rotulagem ambiental (Silva e Kulay, 2010) De acordo com Louette (2008), os relatórios de sustentabilidade agrupam indicadores, por meio dos quais, empresas podem incorporar a sustentabilidade em suas práticas. O Instituto Ethos (2008) indica o GRI como um modelo aceito mundialmente. 21 1.3 MÉTODO DE PESQUISA UTILIZADO Com o propósito de atender aos propósitos científicos a que se destina, esta pesquisa está estruturada em bases metodológicas estabelecidas e reconhecidas pela validade e aplicabilidade de seus resultados. Para Kuhn (1975), a revolução científica corresponde ao abandono de um paradigma e adoção de um novo pela comunidade científica de maneira geral. Um paradigma é uma reunião de conceitos específicos por meio do qual o mundo é visto e um conjunto de técnicas experimentais e teóricas, que pode entrar em crise caso não consiga explicar alguns fenômenos. Para Popper (1978), a construção do conhecimento se inicia com a formulação de uma situação problema e a definição do caráter da pesquisa. A qualidade do problema e a audácia e a originalidade da solução sugerida determinam o valor ou a ausência de valor de uma proposta científica. Neste momento de “crise” pode surgir um novo paradigma, que deve suprir as lacunas do paradigma anterior, somando-se ao que o antigo já explicava. O uso da metodologia científica é fundamental para garantir que novos estudos possam ser realizados a partir deste, incrementando e difundindo de forma organizada a base do conhecimento. Conforme ressaltado por Miguel et al. (2007, p. 217), a importância metodológica de um trabalho pode ser justificada pela necessidade de embasamento científico adequado [...] O resultado é o desenvolvimento de trabalhos melhor estruturados que podem ser replicados e aperfeiçoados por outros pesquisadores visando, acima de tudo, a busca do desenvolvimento da teoria, por meio da sua extensão ou refinamento ou, em última instância, da proposição de novas teorias, contribuindo assim para a geração de conhecimento. Miguel et al. (2010) compartilha da abordagem de Popper (1978), quando o autor afirma que a pesquisa científica parte de um problema e utiliza um método para encontrar e aplicar a solução no problema, que trará conhecimentos que complementarão ou negarão o já existente, conforme o fluxo de resolução de problema demonstrado na Figura 1. 22 Figura 1 – Fluxo de resolução do problema de pesquisa Fonte: adaptado de MIGUEL (2010, p. 7). Segundo Miguel et al. (2010), o processo de pesquisa científica na área de gestão de produção e operações deve seguir os seguintes passos: a) primeiras idéias – inquietação; b) consulta à literatura – levantamento de literatura; c) refinamento e posicionamento diante da literatura; d) definição do problema de pesquisa; e) consulta à literatura – revisão da literatura; análise crítica dos modelos/teorias que lidam com problema; f) elaboração de um novo modelo/teoria como solução; g) hipóteses, proporsições e previsões a partir do modelo; h) delineamento do teste do modelo (teoria); escolha do(s) método(s). Segundo Miguel (2007), os métodos de pesquisa mais utilizadas atualmente na engenharia de produção são: levantamento tipo survey; modelagem e simulação; pesquisa-ação; e estudo de caso. O Quadro 1 apresenta as principais características de cada método e os objetivos para cada aplicação. 23 Quadro 1 – Características de métodos de pesquisa Fonte: adaptado de MIGUEL (2007, p. 219). Com base nas características apresentadas no Quadro 1, foi possível escolher o método mais adequado ao objetivo desta pesquisa científica, optando-se pelo estudo de caso. O estudo sobre o conceito e aplicação da manufatura sustentável enquadra- se na investigação de um fenômeno contemporâneo e real, conforme descrito nas características do estudo de caso. Eisenhardt (1989), orienta que a utilização do estudo de caso é mais apropriada nos primeiros estágios de pesquisa de um determinado tema. Para o autor, ele é resultado de uma combinação de métodos de coleta de dados, como consulta de arquivos, realização de entrevistas, aplicação de questionários e observações diretas e indiretas, que podem descrever fenômenos, colocar novas teorias em teste, ou mesmo gerar uma nova teoria. Segundo Yin (2005), em geral, os estudos de caso representam a estratégia mais adequada para responder perguntas do tipo “como” e “por quê”, quando o investigador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco do estudo se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos na vida real. Souza (2005 apud MIGUEL, 2007) ressalta que com o estudo de caso é possível desenvolver novas teorias, aumentar o entendimento sobre eventos reais e contemporâneos e analisar novos conceitos da gestão de operações e engenharia Tipos de abordagem de pesquisa Características Teórico conceitual Conceitos que se transformam em novas teorias. Estudo de caso De natureza empírica que investiga um fenômeno contemporâneo e real. Propociona conhecimento mais detalhado acerca de um problema para aumentar a compreensão, desenvolver mais a teoria e acrescenta novas hipóteses. Levantamento tipo survey Levantamento de dados de amostra acerca do problema para que, po meio de análise quantitativa, obter conclusões. Contribuem para aumentar o conhecimento sobre área específica, fornecem subsídios para construção de novas teorias ou para refiná-las. Modelagem e Simulação Técnicas matemáticasque descrevem o funcionamento de um sistema ou de parte dele. O uso complementar de simulação insere técnicas computacionais para simular a operação de sistemas produtivos. Pesquisa-ação Concebida e realizada em estreita ligação com uma ação ou resolução de um problema coletivo, onde os pesquisadores estão envolvidos de modo participativo ou cooperativo. Pesquisa bibliográfica / revisão da literatura Importante para identificar, conhecer e acompanhar o desenvolvimento em determinada área do conhecimento. Permitem identificar novas perspectivas para futuras pesquisas. Pesquisas experimentais Estuda a relação causal entre variáveis de um sistema sob condições controladas pelo pesquisador. 24 de produção, surgidos de outros estudos de casos e incorporados ao conhecimento técnico. De acordo com Miguel et al. (2010), o objetivo maior da escolha da realização de um estudo de caso é a contribuição que o mesmo traz à teoria vigente ou em construção. Sendo assim, a escolha desta metodologia vai ao encontro dos objetivos propostos para esta dissertação. De acordo com Miguel (2010), o estudo de caso é estruturado nos níveis de estratégia e operação, sendo: a) estratégia - é realizada a definição do escopo do estudo, escolha da literatura e conceitos de base, os limites da pesquisa, recursos necessários, objetivos, restrições, as questões do problema levantado; b) operacional - envolve o mapeamento e a revisão da literatura, para extrair as linhas mestras e referenciais teóricos que conduzirão a análise. É escolhida a unidade(s) de objeto de estudo, destacando que a escolha de um único objeto de análise pode, ao mesmo tempo, aprofundar o conhecimento e, ao mesmo tempo, limitar a possibilidade de generalização das conclusões. Nesta etapa define-se também se o estudo será retrospectivo (investigando o passado para conclusões) ou longitudinal (que investiga o presente). Devem ser escolhidas as ferramentas adequadas para coleta e análise a fim de se cumprirem as metas propostas e que sejam definidos o plano de trabalho e os protocolos básicos para orientar os trabalhos. A análise dos dados traz o detalhamento do caso, formando o cenário completo da pesquisa para que, a partir de então, seja dado início às conclusões e ao relatório final da pesquisa, conforme fluxograma ilustrado na Figura 2. A validade da pesquisa está baseada na conformidade das análises com a revisão da teoria apresentada. A estrutura apresentada na Figura 2 foi utilizada como apoio no desenvolvimento dessa dissertação. 25 Figura 2 – Estrutura para condução de estudo de caso Fonte: adaptado de MIGUEL (2007, p. 221). Esta pesquisa constitui-se em uma Pesquisa Teórica, tendo como objetivo ampliar generalizações a respeito da Manufatura Sustentável, a fim de auxiliar na avaliação e implementação de estratégias de produção com foco na sustentabilidade. Quanto aos seus objetivos, caracteriza-se como Pesquisa Exploratória e Descritiva. De acordo com Gil (1999), a Descritiva é um tipo de pesquisa que proporciona proximidade com o problema, com o objetivo de torná-lo mais explícito e a Exploratória descreve características e possibilita a análise das relações entre as variáveis. Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados a Pesquisa Documental, realizada pela análise de documentos da empresa e entidades do setor, dentre os quais: apresentações em power point cedidas pela empresa, publicações do Sindicato Nacional das Empresas de Rerrefino (SINDIRREFINO); legislações reguladoras do Conselho Nacional do Meio Ambiente e Agência Nacional do Petróleo (CONAMA nº 362/2005 e Portarias da ANP 19 e 20); instruções de trabalho das áreas de produção e meio ambiente; entre outros. O levantamento bibliográfico foi realizado a partir de análises de artigos científicos nacionais e internacionais, teses, dissertações, livros, sites e revistas. Como critério para a bibliografia referente à manufatura sustentável optou-se por produções a partir do ano 2000. 26 Foram realizadas quatro entrevistas semi-estruturadas junto a gestores da área de produção, meio ambiente e marketing para auxiliar a descrição dos processos e análise do modo de produção. Todas as entrevistas seguiram protocolo, que consta no Apêndice A, e foram registradas digitalmente, porém, não foi autorizado à pesquisadora inserir a gravação como evidência da coleta de dados, sendo autorizado somente o uso das informações técnicas transmitidas. Além das entrevistas, foram realizadas duas visitas de campo no parque industrial da Empresa para observação. Assim como as entrevistas, a visita não pode ser registrada por imagens (fotos/vídeos). O estudo de caso aplicado a esta pesquisa está centrado na análise do processo industrial da Lwart Lubrificante, empresa localizada na cidade de Lençóis paulista/SP. Os critérios para a escolha do microambiente do estudo de caso basearam- se nos seguintes critérios: oportunidade da realização de uma pesquisa em uma grande indústria de reciclagem, responsável pelo fechamento do ciclo de vida do óleo lubrificante mineral; apesar de não ser certificada pela norma ISO 14001, a unidade industrial está em conformidade com as licenças ambientais e de operação exigidas; interesse e aprovação da empresa para a realização da pesquisa, com disponibilidade de acesso ao parque industrial e documentos; em uma primeira visita de campo verificou-se algumas ações ligadas à boas práticas, como o uso de energia proveniente de biomassa, que apontavam para uma pré-disposição da empresa para a gestão sustentável. 1.4 JUSTIFICATIVA Um dos desafios para a gestão de operações, em termos da sustentabilidade, é a consolidação dos conceitos da Manufatura Sustentável e criar um arcabouço de implementações, para que o conhecimento seja compartilhado de forma acessível e assertiva. Esse novo modelo de desenvolvimento com foco na sustentabilidade tem como objetivos: a otimização do uso dos recursos naturais; a mitigação dos 27 possíveis efeitos da produção e do produto no meio ambiente; a saúde e segurança de todos os stakeholders; e integração do ciclo produção-logística-consumo- recuperação, tendo como foco a fase de recuperação do produto (ANNES, 2005). Esta dissertação busca contribuir com a difusão do conhecimento a cerca dos conceitos de Manufatura Sustentável em processos industriais de remanufatura e/ou reciclagem.A importância de aprofundar as discussões sobre o assunto está no fato de que a Manufatura Sustentável é um conceito contemporâneo da gestão de operações e, com base na literatura consultada para esta dissertação, verificam-se lacunas, principalmente, referente a processos de implementação. Também com a revisão da literatura foi possível constatar que o conceito da Manufatura Sustentável encontra-se em fase de consolidação de escopo e, principalmente de difusão, a fim de que mais empresas adéquem seus processos com foco na sustentabilidade. O processo do rerrefino de óleos lubrificantes usados, objeto de análise do estudo de caso, é um complexo processo de produção que tem como foco a recuperação das características do óleo mineral básico, extraído do óleo lubrificante usado ou contaminado. 1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO Esta dissertação está estruturada em quatro capítulos dispostos de forma a situar a teoria atual sobre o tema e outros conceitos correlatos, a fim de embasar a análise de campo e validar as conclusões apresentadas. Apóia-se nos objetivos de: propor a aplicação dos conceitos da manufatura sustentável no processo estudado; evidenciar os benefícios gerados pela implementação das práticas da manufatura sustentável; demonstrar as diferenças entre a teoria abordada e as práticas implementadas, na busca de um denominador comum para implantação em outras empresas; demonstrar como as práticas de MS podem otimizar insumos e que o redirecionamento de resíduos demonstrando que processos de produção sustentáveis também podem se tornar oportunidades de negócios que se revertam em resultados econômicos. A estrutura completa da pesquisa está ilustrada na Figura 3. 28 Figura 3 – Visão geral da dissertação A primeira parte do estudo apresenta a revisão teórica que embasa a análise do estudo de caso. Constam na introdução os objetivos e questões da pesquisa, o método utilizado, as premissas básicas e a contribuição para a formação do conhecimento. O capítulo 2 é dedicado à revisão da literatura. As seções estão divididas nos conceitos de Manufatura Sustentável , os instrumentos de gestão que apóiam a sua implementação, como o Ecodesign, a Avaliação do Ciclo de Vida e os relatórios de sustentabilidade, como o GRI, escolhido como referencial de indicadores de sustentabilidade, que também está relacionado aos conceitos da Manufatura Sustentável. O capítulo 2 detalha ainda o processo de rerrefino do óleo lubrificante usado ou contaminado, sua importância para o meio ambiente e para a economia e a legislação aplicada. O capítulo3 apresenta o estudo de caso, os principais dados levantados com base no enquadramento do escopo da Manufatura Sustentável com os indicadores GRI e outros detalhes sobre o processo de rerrefino analisado. Nas considerações finais são abordados os resultados obtidos com relação às 1. INTRODUÇÃO 1.1 Objetivo e questões de pesquisa 1.2 Método de pesquisa utilizado 1.3 Justificativa 1.4 Estrutura da dissertação 3. Estudo de caso 3.1 Detalhamento do processo de rerrefino analisado 3.2 Análise do microambiente para identificar tendências de gestão sustentável 3 Análises do estudo de caso 4. CONCLUSÕES 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Manufatura Sustentável 2.1.1 Ecodesign 2.1.2 Produção Mais Limpa (P+L) 2.1.3 Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) 2.2 Indicadores para Manufatura Sustentável 2.3 O rerrefino do óleo lubrificante usado 29 questões de pesquisas, além de recomendações para a realização de novas pesquisas acadêmicas e também sugestões de melhorias à empresa do estudo de caso. 30 2 REVISÃO DA LITERATURA De acordo com o dicionário Houaiss (2010), entende-se por manufatura “[...] o estabelecimento industrial mecanizado; “fábrica”, ou seja, a parte estrutural que dá suporte a realização da produção”. Segundo o Houaiss (2010), a produção é “[...] a capacidade de produzir; criação de bens e serviços para suprir as necessidades do ser humano”. A representação do fluxo do processo de produção pode ser expressa na Figura 4. Figura 4 – Processo input – transformação – output Fonte: adaptado de SLACK; CHAMBERS; JOHNSTON (2002, p. 9). Esta dissertação estabelece como base referencial teórica algumas considerações datadas a partir da obra de Skinner (1969), autor que mudou paradigmas sobre o conceito da estratégia de manufatura até então estabelecidos. Para Skinner (1969), a estratégia da produção não deve ser definida apenas por técnicos e engenheiros, mas em conjunto com outros especialistas e a alta administração, os quais devem estar inseridos no processo de decisão. Estabelece- se, a partir de então, um novo referencial para a produção, integrando-a ao planejamento estratégico empresarial. Hayes e Wheelwright (1984, p. 30) afirmam que “[...] a estratégia de manufatura consiste em uma seqüência de decisões que, com o tempo, permitem 31 que a unidade de negócios alcance uma estrutura de manufatura, uma infra- estrutura e um conjunto de capacidades específicas desejadas”. O modelo de estratégias de manufatura composto por quatro estágios de Hayes e Whelwright (1984), descrito no Quadro 2, pode nortear a análise do papel estratégico que a produção desempenha na empresa, variando do reativo ao proativo com foco na contribuição efetiva para a vantagem competitiva. Quadro 2 - Quatro estágios de Wheelwright & Hayes Fonte: adaptado de HAYES; WHEELWRIGHT (1984). Garvin (1992, p. 14) destaca que a produção não deve ser vista isoladamente como o processo de transformação insumos em produtos acabados, a produção deve ser compreendida de forma mais abrangente “[...] que engloba diferentes fases: projeto, engenharia, aquisição, controle de qualidade, marketing e atendimento ao cliente”. O modelo da administração de produção proposto por Slack, Chambers, Estágio 1 Estágio 2 Estágio 3 Estágio 4 Função da Manufatura Internamente neutra Neutralização de concorrentes Suporte à estratégia de negócios Vista como vantagem competitiva Mudança na estratégia de operações Especialistas internos Busca paridade com principais concorrentes Investimentos são constantes com estratégia de negócios Manufatura é tratada como recurso estratégico Gestão de Recursos Humanos Pouca importância a política de RH Resposta a representação de interesses trabalhistas Estratégia de negócios transmitida ao pessoal da manufatura Valorização de Recursos Humanos como ativos Gestão da Mudança Tecnológica Desenvolvimento tecnológico adquirido fora Melhorias incrementais de processos Investimentos em novos equipamentos e instalações como meio para ganhar vantagem competitiva Progresso tecnológico – com sequência cuidadosa de investimentos como resposta a mudanças na estratégia de negócio e na posição competitiva Encoraja desenvolvimento interativo do negócio da manufatura e das demais estratégias funcionais Planejamento Pouco reativo e flexível Horizonte de ciclo de negócio para adquirir competência reativa Visão de longo prazo vinculando manufatura com outras partes da organização Programas de longo prazo para adquirir competência pró- ativa Gerência da Produção Sistemas internos e detalhados para monitoramento de desempenho Economia de escala como principal fonte de eficiência na manufatura Sistematização de sistemas e procedimentos Atividades estruturais e de infra-estrutura como fontes de melhoria contínua e vantagem competitiva 32 Johnston (2002) representa a visão abrangente, ilustrado na Figura 5. Figura 5 – Modelo geral da administração de produção Fonte: adaptado de SLACK; CHAMBERS; JOHNSTON (2002, p. 29) A estratégia representa a maneira como a empresa alcançará a sua visão para o negócio. De acordo com Corrêa e Corrêa (2007), existem diferenças entre a estratégia e a gestão de operações, descritas no Quadro 3. Quadro 3: Diferenças entre estratégia e gestão de operações Fonte: adaptado de CORRÊA; CORRÊA (2007, p. 59). Escopo Estratégia de operações Gestão de operações Natureza Conformação e manutenção do padrão de tomada de decisão; Apoio a tomada de decisões individuais de recursos de operações; Escala de tempo Escala de médio e longo prazo (1 a 10 anos); Escala de curto prazo (até 1 ano); Grau de agregação das decisões Preocupação com níveis agregados como unidades produtivas, novas linhas de produtos e serviços, clientes, competências; Decisões detalhadas referentes a produtos e processos Ênfase Como a operação está relacionada com ambientes internos e externos ao negócio; Interface entre operações e as outras áreas internas ou outras unidades de negócio; Nível hierárquico decisório Em geral, está no âmbito decisório da alta direção; Decisões são compartilhadas por grande número de gestores; Nível de abstração Lida mais com conceitos e idéias abstratos, análise de cenários; Trata de questões rotineiras (operacionais); Subordinação Decisões de estratégia de operações definem mais em longo prazo as capacitações (competências) que a operação apresentará, limitando e definindo os graus de flexibilidade e liberdade dos tomadores de decisão; Limitada aos graus definidos pela estratégia; 33 A estratégia de operações está ligada à estratégia do negócio e tem como foco o processo global para o atendimento dos objetivos definidos, principalmente os de longo prazo. A gestão de operações é a ação de gerenciamento da estrutura de recursos e processos que produzem o produto ou serviço entregue ao cliente. Apesar das diferenças, sendo uma em âmbito mais global e outra restrita, verifica-se um olhar para a “gestão estratégica de operações”, aglutinando os conceitos tradicionais de estratégia e de gestão de operações para que a tomada de decisão, de forma geral, seja mais embasada no foco do negócio. A integração entre a estratégia e a gestão de operações proporciona uma velocidade maior de resposta a mudanças do mercado ou de tecnologias, aumentando a vantagem competitiva. Com o processo de globalização, intensificado a partir da década de 1990, novos desafios como a melhoria da qualidade, a eficiência na produção, o design de novos produtos e o aumento demandas dos stakeholders, ou partes interessadas, proporcionaram uma nova etapa de desenvolvimento às estratégias de produção. A partir do fim do século XX, registra-se a forte pressão para a preservação ambiental, para a diminuição das diferenças sociais e para maior transparência na prestação de contas das empresas. Tiveram início, com mais efetividade, ações de mitigação dos efeitos do um estilo de vida considerado “insustentável”, adotados, principalmente após a revolução industrial com o aumento do consumo e do uso de combustíveis de fontes não-renováveis pelas indústrias para atender a produção em massa. A partir de então, impulsionados também pelo movimento das certificações, como a série de normas da International Organization for Standardization e o Forest Stewardship Council, a visão sustentável adentra aos sistemas de produção, inserindo no contexto estratégico análise as variáveis econômica, ambiental e social. As dimensões da sustentabilidade e a demonstração gráfica de suas interações para uma atividade economicamente viável, ambientalmente correta e socialmente justo, encontram-se ilustradas na Figura 6. Analisando as dimensões da sustentabilidade fica evidente que as empresas devem expandir da função econômica, seu foco primário, para as dimensões sociais e ambientais. 34 Figura 6 – Dimensões da Sustentabilidade Fonte: adaptado de UNEP (2007, p.10). O objetivo é conduzir atividades que gerem o desenvolvimento econômico, mas que explorem de forma racional os recursos naturais mitigando quaisquer impactos ao meio ambiente, que seja justo e proporcione boas condições de trabalho e qualidade de vida para colaboradores e comunidades do entorno e que seja gerenciado de forma transparente. Westkamper, Alting, Arndt (2000, p. 505) destacam que a “[...] tarefa da engenharia de produção em termos de desenvolvimento sustentável é, portanto, empurrar a industrialização necessária. Isto diz respeito aos processos em si, a um elevado nível de automatização e tecnologias de fabricação”. Labuschagne, Bert e Van Erck (2005, p. 373, apud MARTINS; ARAUJO; OLIVEIRA, 2008, p. 281) tratam da inclusão do pensamento sustentável no ambiente de negócios, segundo os quais é representado pela “[...] adoção de estratégias e ações que atendem as necessidades das empresas e dos diferentes stakeholders, enquanto protegem, mantém e melhoram os recursos humanos e naturais que podem ser necessários no futuro”. A nova dinâmica de mercado e de consumo requer um posicionamento consciente e transparente das empresas. Essa nova postura pede mudanças nos padrões de condução dos negócios, tanto nas estratégias comerciais quanto nos processos produtivos. Sendo assim, Ruthes (2006, p.17) afirma que, [...] a solução que se apresenta é a promoção de uma nova revolução industrial que promova a economia sustentável baseada no capitalismo natural, no qual o ecossistema entra como valor ativo de capital e há um aumento radical da produtividade dos recursos. 35 Pensar em processos sustentáveis requer uma nova estratégia de produção. A estratégia do “berço ao túmulo”, ilustrada na Figura 7, comumente adotada pelas empresas, não se enquadra no novo paradigma de produção sustentável e necessita ser substituída. Figura 7 – Conceito do berço ao túmulo Fonte: adaptado de SILVA; KULAY (2010). A estratégia do “berço co túmulo” compreende da retirada das matérias- primas elementares que entram no sistema até a disposição final do produto manufaturado. Analisando essa estratégia sob o foco do desenvolvimento sustentável, verirfica-se que ela não se adequa, pois não contempla o ciclo de vida completo do produto e do processo. De acordo com Ljungberg (2005) e Tingstrom e Karlsson (2006), a estratégia denominada do “berço ao berço” engloba desde as entradas no sistema à re-entrada do produto descartado no mesmo processo ou em outros como nova matéria-prima, é a escolha mais adequada para processos sustentáveis. Para Lima, Costa e Bahr (2008, p. 1), a nova visão estratégica da produção representa a “[...] interação empresa e ambiente na sua essência e este é o grande desafio da empresa moderna [...]”. A MBDC – MacDonough Design Chemistry (2010) apresenta o que seria a chamada nova Revolução Industrial, [...] onde as pessoas e as indústrias estejam estabelecidas para criar o seguinte: prédios que, como árvores, sejam exportadores líquidos de energia, produzam mais energia do que consumam, que acumulem e armazenar energia solar, e purifiquem a água dos seus próprios resíduos e libere-as lentamente de uma forma mais pura; produção de efluentes de água que é mais limpo do que o afluente; produtos que, quando sua vida útil é longa, não se tornem inúteis, mas possam ser se decompor e se tornar alimento para animais e plantas, ajudar na reconstrução do solo, ou, alternativamente, retornar aos ciclos industriais para fornecer matérias- primas de alta qualidade para novos produtos; bilhões ou mesmo trilhões de dólares de materiais acumulados para fins humanos e naturais a cada ano; um mundo de abundância e não de limites, poluição e resíduos (MBDC, 2010b). 36 A estratégia de Manufatura Sustentável representa esse novo paradigma, que possibilita uma visão da produção com foco na gestão do ciclo de vida do produto e dos processos. 2.1 MANUFATURA SUSTENTÁVEL Para Rasheed e Sarkis (1995), a Manufatura Sustentável engloba a concepção de produtos que possam ser reciclados, remanufaturados ou reusados, utilizando processos ambientalmente corretos e que utilizem os recursos naturais e energia de forma racional, mantendo o negócio em níveis competitivos com solidez econômica. Gungor e Gupta (1999 apud ANNES, 2005) destacam que a MS significa conduzir a produção de modo que os aspectos e impactos ambientais sejam minimizados. Este objetivo está embasado na minimização de geração de resíduos e emissões, otimização de insumos e uso de matérias-primas de fontes renováveis. Annes (2005) define a MS como a compreensão do ciclo de vida do produto e seu impacto ambiental em cada estágio da vida útil, a fim de que sejam tomadas melhores decisões durante o projeto e a produção para que os atributos do produto e do processo de produção estejam nos níveis desejados. A Manufatura Ambientalmente Consciente é composta por sistemas “fechados”, onde os 3R´s – reduzir, reutilizar e reciclar - estão diretamente associados à estratégia da produção. Nessa perspectiva os objetivos são: utilizar novamente os sistemas e subsistemas dos objetos em sua forma original; processar determinados produtos (sistemas e subsistemas) novamente não obrigatoriamente como da forma original; aproveitamento dos produtos descartados, a fim de que os materiais possam voltar para as indústrias como matéria-prima para a fabricação de novos produtos, conforme demonstrado no fluxo da Figura 8. 37 Figura 8 – Modelo de sistema “fechado” Fonte: adaptado de NIST (2010). O ciclo representado evidencia que se faz necessário o comprometimento de todos os envolvidos na cadeia de produção e de consumo para garantir os resultados esperados de um sistema de manufatura sustentável. Caso algum elo da cadeia falhe no atendimento às demandas implícitas nesse sistema, todo o resto fica comprometido. Annes (2005, p. 53) elenca cinco áreas relevantes na empresa que devem estar integradas na MS e, para cada área, a autora propõe uma metodologia de implementação: a) Administração Organizacional - inserção da variável sustentabilidade no planejamento estratégico e na declaração de Missão da empresa; - caso necessário, implementar novos formatos de gestão; - definição da política de atuação com foco na inovação; - promover o engajamento das equipes e a consolidação da cultura da sustentabilidade por toda a empresa; - demandas ligadas a gestão ambiental devem ser prontamente atendidas pelas demais áreas; - formalização e disponibilização de procedimentos e instruções de trabalho. 38 b) Vendas e Marketing - devem preparar a empresa para responder às demandas do mercado, como por exemplo, o consumo consciente; - destacar postura da empresa e características sustentáveis do produto/processo que sejam valorizadas pelos clientes e outros públicos de interesse ligados à empresa; - preparar a equipe de venda na cultura da sustentabilidade, transmitindo de forma efetiva a Missão da empresa. c) Finanças/ Custos - buscar o equilíbrio das variáveis de custo e qualidade por meio da produtividade e do reaproveitamento e uso otimizado de insumos; - o Ecodesign cria oportunidades de melhora no desempenho que pode trazer economia direta e indireta à empresa, como por exemplo, redução dos custos de remediação de impactos ambientais. d) Recursos Humanos - realização de treinamentos para atendimento dos novos requisitos do processo; - difundir entre o público interno a Missão da empresa; - estabelecimento de programas internos que incentivem a melhoria contínua e a inovação com foco na sustentabilidade. e) Produtos/Manufatura - pesquisa para novos produtos; - pesquisa para novos modelos industriais ou reestruturação dos existentes; - pesquisa para substituição de matérias-primas prejudiciais ao homem e ao meio ambiente e que sejam ecologicamente corretas; - execução das políticas estabelecidas pela empresa no que diz respeito a utilização de recursos renováveis ou não-renováveis, otimização no uso de energia e água etc. Platts (2007), define a MS como a transformação de produtos sem emissão de gases do efeito estufa, sem utilização de recursos não renováveis, sem utilização de produtos tóxicos e sem geração de resíduos. De acordo com Platts (2007) os objetivos da MS englobam cinco estratégias para: a) redução dos recursos materiais e energia; 39 b) substituição de recursos materiais nocivos e fontes de energia não renováveis energia; c) melhorar a proporção dos produtos desejados em relação às saídas não desejadas; d) reutilização dos elementos de saída; e) redefinir a proposta de negócio. A primeira estratégia, ilustrada na Figura 9, trata dos inputs iniciais do processo, do volume de entrada das matérias-primas e da quantidade de energia despendida para transformá-la em produtos acabados. Para promover a redução dos insumos de entrada é importante desenvolver uma política transparente e colaborativa com a rede de fornecedores, fundamental para a execução, comprometimento das equipes e ambiente propício à inovação. A otimização das etapas do processo, a identificação de gargalos da produção, entre outras ações, contribuem para a redução da energia gasta no processo de transformação. Figura 9 - Estratégia 1 para manufatura sustentável Fonte: adaptado de PLATTS (2007,p.24). Com a utilização de instrumentos de análise, como a Análise do Ciclo de Vida, é possível verificar pontos críticos nos insumos utilizados e os impactos a eles associados. Insumos nocivos ao meio ambiente e ao homem devem ser, na medida do possível, substituídos por outros que ofereçam resultados semelhantes com menos impactos. É necessária a troca de fontes de energia não renováveis pelas de fonte renovável, como por exemplo a biomassa, fundamentais para a implementação da Estratégia 2, ilustrada na Figura 10. 40 Figura 10 - Estratégia 2 para manufatura sustentável Fonte: adaptado de PLATTS (2007,p.29). Dessa forma podem ser aplicadas ações corretivas ou preventivas que tragam benefícios ao consumo nas etapas de produção, como por exemplo, índices de captação e reutilização de água. Com a otimização de insumos e recursos torna-se possível a implementação da Estratégia 3, relativa à proporção entre os produtos desejados e as saídas não desejadas inerentes ao processo, ilustrado na Figura 11. Figura 11 - Estratégia 3 para manufatura sustentável Fonte: adaptado de PLATTS (2007, p.41). A quarta estratégia tem por objetivo estimular o reuso dentro do próprio processo produtivo, demonstrado na Figura 12. Transformação 41 Figura 12 - Estratégia 4 para manufatura sustentável Fonte: adaptado de PLATTS (2007, p.51). De acordo com estratégia 4, a reutilização das saídas não desejáveis contribue para a conservação ambiental e oferece possibilidades de economia. Em alguns casos é necessário levar em consideração a opção de um redesenho do sistema produtivo e/ou produto, ilustrado na Figura 13. Figura 13 - Estratégia 5 para manufatura sustentável Fonte: adaptado de PLATTS (2007, p.60). A decisão pelo redesenho também pode ser influenciada por mudanças da legislação, do mercado e também da sociedade. Segundo Selinger, Kim e Zettl (2008), a MS está centrada no estudo do ciclo de vida, por meio da: a) implementação de tecnologias inovadoras: estratégia centrada na avaliação e aplicação de tecnologias viáveis e inovadoras para a economia de recursos; 42 b) melhorar o uso intensivo: estratégia para melhorar o uso da produtividade através do aumento em relação a utilização de um produto. Esta estratégia tem a intenção de maximizar a produtividade / entrada de recursos; c) extensão do Ciclo de Vida do Produto: estratégia que se concentra sobre a extensão do tempo entre berço ao túmulo de um produto, expandindo a fase de utilização e realização de uso em múltiplas fases. Com esta estratégia, o consumo de recursos para a produção e eliminação dos produtos deve ser reduzido. Para Yuan (2009), a MS é “[...] um conceito expandido da manufatura verde (também chamada de Manufatura Ambientalmente Consciente)”. A MS representa, para o autor, a integração da sustentabilidade no sistema de manufatura buscando o desenvolvimento sustentável da produção industrial. Segundo a Organisation for Economic Co-operation and Development - OECD (2009), a indústria precisa ser reestruturada e tecnologias existentes ou inovadoras devem ser aplicadas para promover o crescimento verde. Ações de curto prazo podem estimular investimentos em tecnologias e infra-estruturas que propiciarão a inovação e permitirão alterações. Segundo orientação do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS, 2008), os principais benefícios de se optar por programas de produção sustentáveis são: o aumento da rentabilidade; melhora na imagem institucional; melhor relacionamento com a comunidade, órgãos públicos e entidades não-governamentais; redução dos custos de produção e melhoria da produtividade; obtenção de retorno de investimento em curto prazo; criação de oportunidades de inserção em novos mercados; otimização no uso de insumos, matérias-primas, recursos hídricos e energéticos; mitigação do uso de produtos tóxicos; menor geração de resíduos, efluentes e emissões, consequentemente, redução de gasto com tratativas; oportunidades de melhoria no produto acabado; aumento dos graus de segurança ocupacional e ambiental; mitigação de custos por não cumprimento da legislação e ações de remediação; possibilidades de redução nos custos de seguro; facilidades no acesso a créditos para novos investimentos. A UNEP (2009) fornece 8 diretrizes macros e ações propostas para implementação de uma estratégia de MS alinhadas às práticas de P+L e de Ecodesign, conforme Quadro 4. 43 Quadro 4 – Diretrizes e ações UNEP para implementação de manufatura sustentável Fonte: adaptado de UNEP (2009, p. 108). De acordo com a Organization for economic co-operation and development - OECD (2009), as regulações promovidas pelo governo e normatizações tem ajudado a reduzir os impactos ambientais, mas ainda não são eficientes para reduzir as emissões e não oferecem incentivos suficientes para promover a inovação. Veleva e Ellenbecker (2001 apud MARTINS; ARAUJO; OLIVEIRA, 2008, p. 23) propõem um escopo para a MS com grupos distintos, cada um com ações e posturas para a sustentabilidade, sendo: Diretrizes Ações propostas Seleção de insumos de baixo impacto Envolve desde a escolha de produtos menos tóxicos, que não afetem a camada de ozônio, de alternativas para substituição de insumos não-renováveis, de preferência por outros reciclados, de insumos que consumam pouca energia, privilegiar fornecedores locais etc. Redução do uso de insumos e materiais Revisão dos volumes utilizados durante o processo e no próprio produto, que podem trazer otimização no estoque e logística como um todo etc. Otimização das técnicas de produção alternativa Com a implantação de técnicas de P+L, do uso de equipamentos que gerem baixas emissões com alta produtividade e eficiência, redesenho da produção para combinar funções e diminuir etapas, promover grupos de otimização envolvendo fornecedores para aumentar a eficiência energética e de incentivar o uso de energias renováveis reduzindo o uso de combustíveis fósseis, promover o design do produto com o objetivo de reduzir o desperdício de insumos e a geração de resíduos, promover a reciclagem de produtos dentro da própria empresa, promover a saúde e a segurança no trabalho, etc. Otimização do Sistema de Distribuição Utilizando menos embalagens/limpas/ reutilizáveis, escolher materiais adequados para cada tipo de embalagem (ex. evitar o uso de PVC e alumínio em embalagens não retornáveis), otimizar a logística com apoio do departamento de vendas para evitar sistemas ineficientes ambientalmente (ex.: o transporte por navio é preferível ao transporte por caminhão e o transporte aéreo deve ser evitado, sempre que possível), promover a distribuição simultânea de grandes quantidades de produtos diferentes e optar por embalagens padronizadas e de transporte a granel, formar consórcios com empresas de logística para distribuição e terceirização de transporte de forma eficiente e envolvendo os distribuidores locais. Redução do Impacto durante o uso Produtos que consumam menos energia durante o uso e que seja, de preferência de fontes energéticas menos prejudiciais ao meio ambiente como a solar, eólica etc., que o design privilegie a redução do uso de materiais auxiliares (como filtros descartáveis etc.), fornecer orientações para uso correto de fácil acesso e compreensão, criar produtos de acordo com as necessidades e possibilidades socioeconômicas dos grupos de consumidores e avaliar as possibilidades de concepção de produtos para grupos de baixa renda. Otimização do tempo de vida inicial Produtos de fácil conserto e manutenção, promover o uso de produtos com sistemas modulares que pode ser atualizado com novos módulos e funções ou onde módulos ultrapassados possam ser renovados, dar ao produto um valor agregado em termos de design e funcionalidade de tal forma que usuário relute em substituí-lo, na fase do design do produto levar em conta a rede de serviços de manutenção, dando prioridade aos fornecedores locais. Otimização do fim-de- vida Promover o reuso do produto, dar prioridade à reciclagem primária com materiais os quais já existe um mercado, levar em consideração o sistema de coleta de reciclados das áreas do entorno promovendo parcerias. 44 a) produtos e serviços: não nocivos ao meio ambiente e seguros por meio do seu ciclo de vida; duráveis, recuperáveis, recicláveis, compostáveis e biodegradáveis; produzidos e embalados com uma quantidade mínima de materiais e energia; b) processos: desperdícios e co-produtos devem ser eliminados, reduzidos ou reciclados; eliminar substâncias que representem ameaça à saúde e ao meio ambiente; conservar energia e reduzir o consumo de materiais; o local de trabalho deve minimizar ou eliminar ameaças químicas, ergonômicas e físicas; c) trabalhadores: eficiência e criatividade devem ser incentivadas e melhoradas; segurança e bem-estar são prioridade; desenvolver talentos e capacidades; participação no processo de decisão; d) comunidades: aspectos econômicos, culturais, sociais e físicos respeitados e melhorados. No escopo apresentado, nota-se que um sistema de manufatura envolve uma grande gama de públicos, ou stakeholders, incluindo fornecedores, consumidores, funcionários, reguladores, entre outros. O engajamento desses grupos se constitui em um dos fatores motivadores para a implementação de estratégias de MS, agregando-se ainda as pressões regulatórias, o acesso a incentivos econômicos e a obtenção de vantagem competitiva. De acordo com Yuan (2009), as barreiras para MS constituem-se em econômicas (investimentos necessários), tecnológicas (opção por novas tecnologias) e gerenciais (tomadores de decisão). Yuan (2009) apresenta também seis níveis de esforços e práticas para a implementação da Manufatura Sustentável, conforme representado na Figura 14. De acordo com a Figura 14, a decisão pela atuação pautada nos critérios da sustentabilidade está diretamente ligada ao posicionamento governamental sobre o tema, refletido por meio da formulação e aplicação de leis e regulações, além de apoio financeiro com orçamentos direcionados para questões ligadas ao tripé e linhas de financiamento especiais para iniciativas sustentáveis. 45 Figura 14 - Seis níveis de esforços e práticas para a implementação da Manufatura Sustentável Fonte: adaptado de YUAN (2009, p.24). A Avaliação do Ciclo de Vida, instrumento de avaliação dos impactos ambientais associados ao processo ou produto, é apresentada como uma das etapas da gestão Ambiental, mas que também pode ser complementado para atendimento de outras dimensões, como a performance financeira. Segundo Westkamper, Alting e Arndt (2000), o Life Cycle Management (LCM), ou a gestão do Ciclo de Vida, considera o ciclo de vida do produto de uma forma holística, a fim de alcançar a sua máxima performance. O LCM é composto por: Engenharia Ciclo de Vida - Life Cycle Engineering (LCE); Suporte Técnico; Avaliação do Ciclo de Vida - Life Cycle Assessment (LCA); Custo do Ciclo de Vida - Life Cycle Costing (LCC); e Sistema de Gerenciamento de Dados do Produto - Product Data Management . A modelagem de produtos e processos para a sustentabilidade pode ser realizada por meio das práticas de Ecodesign e de Produção Mais Limpa, que serão detalhados nas seções à frente, para maior aprofundamento das ações para 46 operacionalização da Manufatura Sustentável. 2.1.1 Ecodesign Inicia-se no start do processo e continua a permeá-lo até no final do ciclo de produção com a reutilização do produto descartado como nova matéria-prima. O design de produção sustentável deve primar pela redução no uso de materiais e energia, substituir a entrada de materiais (alternativos), redução de saídas não desejáveis, transformação de saídas em entradas (reciclagem e variantes) e mudanças nas estruturas de fornecimento, sistemas, produtos e serviços, conforme a comparação de sistemas demostrado na Figura 15. Figura 15 – Importância do desenho de produtos e sistemas para a sustentabilidade Fonte: adaptado de JAYACHANDRAN et al. (2006). Westkamper, Alting e Arndt (2000) afirmam que o Ecodesign desempenha um papel importante também para o “design para a economia, obtidos com a otimização de recursos, materiais e equipamentos, entre outros. Para Borchardt, 47 Sellito e Pereira (2009, p. 289) o Ecodesign, “[...] incorpora aspectos ambientais no processo de desenvolvimento de novos produtos e, juntamente com a Avaliação do Ciclo de Vida, promove uma releitura das técnicas de concepção, projeto e produção industrial”. Algumas práticas de Ecodesign, encontram-se descritas no Quadro 5. Quadro 5 – Práticas de Ecodesign Fonte: adaptado de BORCHARDT; SELLITO; PEREIRA (2009, p. 294). Vercalsteren (2001 apud BORCHARDT; SELLITO; PEREIRA, 2009) orienta a análise dos seguintes fatores para que uma empresa avalie o seu potencial para Escolha e consumo de materiais Usar matéria-prima mais próxima do seu estado natural; Evitar misturas de materiais não compatíveis que impeçam a separação dos materiais e componentes na reciclagem; Utilizar materiais que gerem menos poluentes no processo de produção Eliminar o uso de substâncias tóxicas/perigosas e materiais contaminantes; Usar materiais reciclados; Usar materiais renováveis. Escolha dos componentes do produto Prever recuperação de componentes (ou usar componentes recuperados); Prever facilidade de acesso aos componentes de modo a permitir recuperar componentes e reciclar partes que não possam ser usadas; Identificar materiais e componentes com códigos padronizados para facilitar a separabilidade de componentes e materiais; Determinar o grau de reciclagem de um componente ou produto. Características do produto Elaborar projetos voltados à simplicidade (formas mais simples); Reduzir o uso de matérias-prima; Projetar produtos com maior vida útil; Projetar produtos multifuncionais (funções paralelas ou sequenciais); Projetar produtos em que é possível realizar upgrade após dperíodo de uso. Uso de energia Usar formas de energia que utilizem recursos renováveis como a solar, a eólica e a hidroelétrica, substituindo as que usam recursos não renováveis, como por exemplo, os combustíveis fósseis; Empregar dispositivos de redução de consumo de energia durante o uso do produto; Reduzir o uso de energia na produção (equipamentos mais eficientes em termos energéticos, iluminação natural, exaustão eólica); Reduzir o consumo de energia durante o armazenamento de produtos. Distribuição dos produtos Planejar a logística de distribuição considerando aspectos físicos do produto (temperatura suportada, resistência mecânica, forma, peso); Privilegiar fornecedores/distribuidores que requeiram menos distãncia total para transportar matéria-prima, componentes e produtos; Usar modal de transporte de baixo consumo energético. Embalagem e documentação Reduzir peso e complexidade de embalagens; Usar documentação eletrônica; Prever embalagens que possam ser reaproveitadas por terceiros ou retornar para os fabricantes; Usar produtos com refil. Resíduos Minimizar os resíduos gerados no processo produtivo; Minimizar os resíduos gerados durante o uso do produto; reaproveitar os resíduos gerados; Garantir limites aceitáveis de substâncias perigosas (limite de emissões). 48 implementação de práticas de Ecodesign: a) a motivação da empresa: o que a leva a optar pelo Ecodesign? b) a inovação: capacidade de influenciar as especificações do produto; c) nível de competitividade: busca de liderança no setor ou oportunidade de aumento de share? d) o cenário do setor onde a empresa está inserida: benchmarks do setor e regulações existentes ou projetos em andamento; e) o pensamento dos clientes e do mercado: estão preparados para os produtos “verdes”? f) os fornecedores: que são parte da cadeia produtiva e devem estar alinhados à estratégia de sustentabilidade adotada pela empresa. Dentre os fatores de sucesso da implementação do Ecodesign estão: a motivação do grupo e gestores, seguida de ação, comunicação e treinamento; promessas gerenciais transformadas em ações concretas; formação de times de trabalho, entre outros (BORCHARDT; SELLITO; PEREIRA, 2009). Como riscos de falha apontam-se: carência de conhecimento ambiental por parte das pessoas envolvidas no projeto; incertezas quanto a fenômenos temporais; envolvimento de muitos parceiros; disponibilidade de diversas técnicas para promover o Ecodesign; a rápida mudança na legislação; a falta de entendimento dos aspectos legais e do potencial de redução de custos; a falta de visão das oportunidades competitivas ou de melhoria da imagem da empresa; a falta de métodos padrões de avaliação ambiental; existência de poucas normas reconhecidas internacionalmente sobre o Ecodesign; a falta de um consenso entre os critérios ambientais e os objetivos econômicos (BORCHARDT; SELLITO; PEREIRA, 2009). De acordo com Ometto et al. (2010, p. 229), a utilização das práticas de ecodesign reflete o amadurecimento de uma empresa com relação à gestão ambiental devido ao fato de que, [...] a prática de Ecodesign torna-se essencial para aquelas empresas que já reconheceram que a responsabilidade ambiental é de vital importância para o sucesso no longo prazo, pois promove vantagem como redução dos custos, menor geração de resíduos, gera inovações em produtos e atrai novos consumidores; fatores estes estão se tornando determinantes na obtenção de empréstimos e financiamentos bancários, participação em licitações, pontos estes que passam a comprometer os resultados da empresa pela limitação de mercado e pela má visão desta em mercados já existentes. 49 2.1.2 Produção Mais Limpa A operacionalização da MS encontra apoio nas práticas da Produção Mais Limpa (P + L), que tem como premissa eliminar a poluição durante o processo de produção e não no final (tecnologia fim-de-tubo). Segundo Rensi e Schenini (2005), o Programa Produção Mais Limpa (P+L) foi criado pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), em conjunto com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), e é voltado para a prevenção da poluição. A P+L se constitui na aplicação sistêmica de estratégia econômica, ambiental e tecnológica integradas aos produtos e processos. Dentre os principais benefícios obtidos com essa integração destacam-se: o aumento da rentabilidade do negócio; benefícios de imagem e marketing; redução de custos de produção; aumento de produtividade; retorno de investimentos em períodos curtos; abertura de novos mercados; uso racional dos insumos; mitigação do uso de produtos tóxicos; diminuição de resíduos e efluentes; aumento dos níveis de saúde e segurança no trabalho; aproximação com comunidades do entorno e órgãos públicos; cumprimento adequado às legislações; facilitação ao crédito; entre outros (QUINTANILHA, 2008). Segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável - CEBDS (2009), a P+L representa uma estratégia ambiental de prevenção da poluição, com foco nos produtos e nos processos, a fim de otimizar o emprego de matérias-primas de modo a não gerar ou a minimizar a geração de resíduos, reduzindo os riscos ambientais e trazendo benefícios econômicos para a empresa, conforme ilustrado na Figura 16. Figura 16 – Formas de atuação da P+L para gerar oportunidades de melhoria Fonte: adaptado de UNEP (1996, p.30). 50 De acordo com a ilustração, as práticas da P+L contribuem para o direcionamento processo de produção para a MS. Os resíduos oriundos de processos de manufatura geram custos, pois são comprados a preço de matéria- prima e consomem insumos, como água e energia. Também geram custos para tratamento e armazenamento, além de gerar multas pela falta de cuidados, ou ainda danos causados à reputação da empresa. Um dos principais desafios da gestão sustentável é reverter o pensamento de gerenciamento de “fim-de-tubo” que é focado na remediação dos impactos ambientais e que não atua na prevenção e mitigação. Linde e Porter (1995), afirmam que os resíduos/poluição devem ser vistos como fontes de perdas econômicas, ressaltando que o estabelecimento de processos sustentáveis não representam despesas para as empresas. A Figura 17 ilustra a mudança do fluxo dos investimentos para aumentar os investimentos em prevenção de não-conformidades em produtos e processos com foco sustentável. Figura 17 – Mudança do pensamento para prevenção Os investimentos em prevenção diminuem os gastos com correções ou remediações. Com isso, não se conseguem somente benefícios ambientais e sociais, mas também podem ser obtidos resultados econômicos. Da perspectiva industrial, a UNEP – United Nations Environmental Programn (2010) categoriza as principais barreiras para a implementação da P+L nas perspectivas: financeira, econômica, políticas, organizacional, técnica e conceitual. O Quadro 6 descreve as principais características de cada barreira apresentada pela UNEP (2010). 51 Quadro 6 – Barreiras para implementação da P+L Fonte: adaptado de UNEP (2010). Para que as barreiras sejam transpostas é fundamental para a empresa ter dados que demonstrem a viabilidade e as vantagens de utilizar práticas de P+L e para isso, faz-se necessário a realização de uma avaliação criteriosa dos processos. Segundo o CBEDS (2009), é fundamental a realização de balanços de massa e de energia em processos e produtos e a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) é um instrumento de gestão que possibilita a realização dos balanços ambientais, com o objetivo de identificar oportunidades de melhorias técnicas, ambientais e econômicas, além de orientar critérios de monitoramento para transpor as barreiras descritas no Quadro 6. Perspectiva Barreiras Financeira Alto custo de capital externo para investimentos na indústria; falta de mecanismos de fundos de investimentos apropriados para P+L; percepção de que os investimentos feitos apresentam um elevado risco financeiro, devido ao caráter inovador da P+L; não é apropriadamente avaliada pelos fornecedores de crédito em seus procedimentos de avaliação para concessão de empréstimos, participação no capital social etc. Econômica Os investimentos não são suficientemente rentáveis (em comparação com outras oportunidades de investimento), tendo em conta os preços dos recursos presentes; imaturidade interna dos cálculos de custos internos e práticas de alocações de custos das empresas; imaturidade de definição de budget e procedimentos de alocação de capital. Políticas Foco insuficiente da P+L em desenvolvimento e estratégias ambientais, tecnológicas, comerciais e industriais; imaturidade da estrutura de políticas ambientais. Organizacional Falta de liderança para assuntos ambientais; gestão de riscos relacionados à P+L; imaturidade da gestão ambiental nas operações da empresa; imaturidade da estrutura organizacional e da gestão dos sistemas de informação; experiência limitada com envolvimento dos empregados em projetos de trabalho. Técnica Ausência de uma sólida base operacional; complexidade da P+L; acessibilidade limitada a equipamentos de suporte para P+L; Acessibilidade limitada a informações técnicas confiáveis adaptada às necessidades da empresa e capacidade de assimilação. Conceitual Indiferença quanto ao seu papel de contribuir para a melhoria do ambiente; má interpretação ou má compreensão do conceito de P+L; resistência a mudanças. 52 Com a ACV, é possível estimar possíveis impactos potenciais em todas as etapas do processo produtivo e da utilização do produto, incluindo impactos não considerados em outros processos tradicionais de análise. Adicionadas a outras variáveis, como custos e desempenho, a estimativa auxilia os tomadores de decisão na seleção dos produtos e processos. 2.1.3 Avaliação do Ciclo de Vida Segundo o IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (2008), as questões ambientais estão cada vez ganhando mais destaque na sociedade e com isso surgiu a necessidade de desenvolvimento de abordagens e ferramentas de gestão onde as empresas: “[...] avaliar as conseqüências ambientais das decisões que tomavam em relação aos seus processos ou produtos [...] comparar produtos ou processos distintos, do ponto de vista das suas conseqüências ambientais”. Para se avaliar se um produto ou processo é ecoeficiente é necessário que todas as fases, desde a concepção até o descarte, sejam analisadas quanto aos seus impactos, defende Stano (2008). A metodologia da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) viabiliza este processo. No início da década de 1970 foram realizadas as primeiras tentativas de estabelecer uma ferramenta que auxiliasse nas decisões para atender as demandas ambientais do mercado, que começavam a surgir com mais efetividade. Impulsionados pelo REPA - Resource and Environmental Profile Analysis da Coca- Cola – utilizado para comparar os tipos de embalagens de refrigerantes e definir qual melhor opção ambiental – muitos estudos se seguiram e softwares foram desenvolvidos para auxiliarem nas análises (IBICT, 2008). A SETAC - The Society of Environmental Toxicology and Chemistry define a ACV como, “[...] um processo objetivo de avaliar a carga ambiental associada a um produto ou atividade identificando e quantificando energia e materiais usados e rejeitos deixados no meio ambiente” (SETAC, 1991 apud ANNES, 2005, p. 35). De acordo com a ISO 14040 (2001), a ACV realiza a avaliação dos aspectos e impactos ambientais associados a um produto ou processo utilizando para isso um 53 inventário base de entradas e saídas, avaliação dos impactos associados a tais entradas e saídas e a interpretação dos dados levantados relacionando-os aos objetivos e escopo definidos no início da ACV. De acordo com Ometto (2005, p. 4), [...] a ACV se apresenta como uma importante ferramenta para subsidiar as etapas do desenvolvimento do produto, a gestão da produção, o pós-uso, a logística convencional e a reversa, entre outras, a partir da compilação de informações e das avaliações técnicas. A aplicação da ACV possibilita diversas análises, entre elas: da entrada de matérias-primas; do processamento ou preparo das mesmas para o uso no processo; do próprio processo de produção; da embalagem; da logística; e da gestão dos resíduos e subprodutos (BARRETO et al., 2007). Viabiliza-se, assim, a análise das conseqüências ambientais associadas ao processo ou produto, as trocas ambientais para obter aprovações em projetos, a quantificação das emissões ambientais em cada estágio do ciclo de vida ou ao processo que mais contribui e avaliar os efeitos dos consumos de insumos. Ribeiro, Gianneti e Almeida (2003) reafirmam este conceito destacando que a ACV proporciona oportunidades de melhora nos aspectos ambientais; fornece subsídios para tomada de decisão; oferece base para seleção de indicadores e métricas de medição; e possibilidade de potencialização da reputação positiva da organização. De acordo com Ribeiro, Gianetti e Almeida (2003), com as informações fornecidas pela ACV os gestores podem tomar decisões importantes para a manufatura sustentável: minimizar o uso de insumos tóxicos, de reduzir o consumo de energia e água, mitigar a geração de resíduos e encontrar oportunidades que o que seja gerado encontre seja reaproveitados como subprodutos em outros processos, optar pela utilização de máquinas e equipamentos levando-se em conta sua obsolescência, ou seja, reutilização de partes e também como gerenciar ambientalmente outras atividades relacionadas ao processo industrial como manutenção, limpeza, entre outros. A ACV proporciona a análise de todos os processos da produção, realizando o balanço ambiental em todas as fases do ciclo de vida dos processos e do produto, por meio do ICV – Inventário do Ciclo de Vida (IBICT, 2008). A partir de então, é possível tomar decisões para desenvolver novos produtos, optar por tecnologias de melhor resultado, identificar a fase do Ciclo de 54 Vida em que os impactos ocorrem, selecionar indicadores ambientais relevantes, reformular produtos ou processos, identificar oportunidades para uma maior eficiência econômica e criar novos (IBICT, 2008). Silva (2008 apud GUTIERRES 2008, p. 2) destaca a importância da ACV na gestão ambiental, onde “[...] a ACV a única ferramenta de gestão ambiental que avalia, de forma quantificada e completa o desempenho ambiental dos produtos e de ser o único meio que permite a comparação do desempenho ambiental dos produtos”. De acordo com Machado e Cavenaghi (2009, p. 10) a ACV é uma sistemática que oferece muitos benefícios, [...] um instrumento de gestão multifuncional que traz benefícios como: proporcionar uma análise criteriosa de toda a cadeia; identificar os pontos fracos do processo produtivo; viabilizar a gestão ambiental atrelando-a a estratégia corporativa, enfim, se tornando apoio para tomadas de decisão e para definição de desenho operacional; permitir comparações para decisões assertivas e que garantam menor impacto, seja ambiental ou social. A indústria brasileira, mesmo que de forma pontual, tem utilizado a ACV para o desenvolvimento de uma avaliação dos impactos associadas a um produto, analisar as trocas ambientais, aprovar planos estratégicos, quantificar emissões, efeitos do uso/consumo e identificação de novos mercados e oportunidades (IBICIT, 2008). Silva e Kulay (2010, p. 7) elencam que as dentre as aplicações da ACV estão: a comparação de produtos; identificação de oportunidades de melhoria; seleção de fornecedores; comunicação (marketing verde); políticas públicas; Ecodesign; e a rotulagem ambiental. Em síntese, a aplicação da ACV viabiliza a análise detalhada e específica do processo para a implementação e gestão de uma produção voltada para a sustentabilidade, ou seja, desde a entrada de matérias-primas, o processamento ou preparo das mesmas para o uso no processo, o próprio processo de produção, embalagem, logística, e gestão dos resíduos e subprodutos, utilização do produto, descarte e a disposição final/reutilização. Para clientes e fornecedores é importante a percepção de que as suas atividades estão associadas a uma empresa que apresenta uma postura responsável e que os produtos comercializados agregam valor à sua própria marca como co-participantes num processo sustentável, conforme destacado por (NEGRÃO, 2008, p. 38) 55 [...] as certificações constituem a verificação de uma terceira parte independente, comprometendo a companhia com os padrões que são negocidos por todos os stakeholders. As verificações mostram que os consumidores precisam comprar por padrões éticos e existem consequencias negativas – por assim dizer – para as empresas. Chamo isso de contabilidade com dentes, pois se é mordido quando não se segue os padrões (NEGRÃO,2008, p.38). Chamado por Conroy (2007) de a “Revolução das Certificações”, este movimento global é importante para a difusão e implementação da Manufatura Sustentável. Segundo o autor, [...] a novidade no século 21 é que as certificações constituem a verificação de uma terceira parte independente, comprometendo a companhia com os padrões que são negocidos por todos os stakeholders. As verificações mostram que os consumidores precisam comprar por padrões éticos e existem consequencias negativas – por assim dizer – para as empresas. Chamo isso de contabilidade com dentes, pois se é mordido quando não se segue os padrões (CONROY apud NEGRÃO, 2008, p. 38) A Avaliação do Ciclo de Vida está incorporada em normas da série ISO 14000. Os primeiros trabalhos para criação da série ISO 14000 foram realizados pela SETAC - Society of Environmental Toxicology and Chemistry e, a partir de 1993, pela International Organization for Standardization (ISO), que criou o Comitê Técnico TC 207, responsável pela elaboração das Normas que regem o Sistema de Gestão Ambiental. As normas da série ISO 14000 são instrumentos que permitem o bom gerenciamento ambiental e podem interagir e complementar também outras normas como a ISO 9001 (Sistema de Gestão da Qualidade), a OHSAS 18001(Saúde e Segurança do Trabalho) e SA 8000 (Responsabilidade Social), formando um Sistema Integrado de Gestão, englobando a qualidade, a saúde e segurança e a responsabilidade social. A ACV é normalizada pela ISO 14040, criada em 2001 e recomenda-se sua utilização para aprofundar os tópicos tratados, entre eles a análise de aspectos e impactos ambientais e o controle operacional. A execução das fases da ACV são orientadas pelas normas ISO 14041 (ABNT, 2004(b)), ISO 14042 (ABNT, 2004(c)) e ISO 14043 (ABNT, 2005). Existem também relatórios e especificações técnicas, ainda não publicados no Brasil, como a ISO/TR 14047 e a ISO/TS 14048 que tratam, respectivamente, de exemplos de aplicação da ISO 14042 e ISO 14041. 56 O Quadro 7 apresenta um sumário das normas relacionadas a ACV. Quadro 7 – Série de Normas ISO 14000 Fonte: adaptado de LYONS et al. (2008, p. 06). Conforme as normas indicam, a ACV é composta basicamente por quatro fases/etapas: objetivo e escopo; análise do inventário; avaliação do impacto; interpretação. As fases da ACV estão inter-relacionadas e os resultados da ACV podem ter diversas aplicabilidades na empresa e ser apoio para definição de estratégias com foco na gestão ambiental. No escopo de cada fase encontra-se um conjunto de levantamento de dados que devem ser coletados, analisados e avaliados tendo como base as necessidades do estudo. A estrutura, as fases da ACV e as aplicações diretas que podem ser obtidas com a execução da análise encontram-se descritas na Figura 18. NORMA ESCOPO ISO 14001:2004 Requisitos com orientações para uso do SGA ISO 14004:2004 Orientações gerais sobre os princípios sistemas e técnicas de apoio ISO/CD 14005 Orientações para implementação de um sistema de gestão ambiental, incluindo a avaliação de performance ambiental ISO 14015:2001 Avaliações ambientais de locais e organizações (EASO) ISO 14031:1999 Orientações para avaliação de performance ambiental ISO/TR 14032:1999 Exemplos de avaliação de performance ambiental (EPE) ISO 14040:2006 Avaliação de Ciclo de Vida – princípios e estrutura ISO 14044:2006 Avaliação de Ciclo de Vida – requisitos e orientações ISO/TR 14047:2003 Avaliação de Impacto de Ciclo de Vida – exemplos de aplicação da ISO 14042 ISO/TR 14049:2000 Avaliação de Ciclo de Vida – exemplos de aplicação da ISO 14041 para definição de metas e escopo e análise de inventários ISO/DIS 14050 Vocabulário ISO 14050:2002 Vocabulário ISO/TR 14062:2002 Integração dos impactos ambientais no design e desenvolvimento de produto ISO 14063:2006 Comunicação ambiental – orientações e exemplos 57 Figura 18 – Fases de uma ACV Fonte: adaptado de ABNT (2001(b), p.5). A análise de todas as etapas do ciclo de vida permite a identificação e avaliação das fases críticas do processo, a oportunidade de otimizar insumos e energia, de indicar quais são as métricas mais adequadas para o controle e análise de desempenho e, principalmente, de melhorar a performance ambiental. Orientado pela ISO 14041 (ABNT, 2004, p. V), a definição do Objetivo e do Escopo da ACV é a primeira e fundamental etapa para a validação e o sucesso da Avaliação. Na primeira etapa é definido o porquê da realização da ACV, é definido o sistema a ser avaliado e os indicadores a serem estudados, as metodologias para coleta de dados, cálculos, formas de validação dos dados, unidade funcional para quantificação dos dados, as limitações e a profundidade da Avaliação. Acrescenta-se a descrição do processo e definição dos parâmetros e extensão das avaliações,