UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS SAN TIAGO DANTAS – UNESP, UNICAMP E PUC-SP THIAGO GODOY GOMES DE OLIVEIRA O nacionalismo e a política externa dos Estados Unidos: o Partido Republicano no século XXI São Paulo 2021 THIAGO GODOY GOMES DE OLIVEIRA O nacionalismo e a política externa dos Estados Unidos: o Partido Republicano no século XXI Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência para obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais, na área de concentração “Instituições, Processos e Atores”, na linha de pesquisa “Estudos sobre Estados Unidos”. Orientadora: Cristina Soreanu Pecequilo São Paulo 2021 THIAGO GODOY GOMES DE OLIVEIRA O nacionalismo e a política externa dos Estados Unidos: o Partido Republicano no século XXI Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência para obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais, na área de concentração “Instituições, Processos e Atores”, na linha de pesquisa “Estudos sobre Estados Unidos”. Orientadora: Cristina Soreanu Pecequilo BANCA EXAMINADORA Prof. Dra. Cristina Soreanu Pecequilo (Universidade Federal de São Paulo) Prof. Dr. Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Prof. Dr. Filipe Almeida do Prado Mendonça (Universidade Federal de Uberlândia) São Paulo, 2 de março de 2021 A todos que acreditam em dias melhores. AGRADECIMENTOS O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações aqui expressas são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão das instituições que apoiaram esta pesquisa. Aqui também cabe o agradecimento ao Programa San Tiago Dantas, seu corpo docente, em especial ao professor Samuel Soares, Giovana e Isabela da Secretaria do Programa, Graziela da Biblioteca do Programa, aos membros do NEAI, alunos e colegas de turma. Muito obrigado por todas as trocas, atenção e oportunidades ao longo desses últimos dois anos. Serei eternamente grato. Meus primeiros agradecimentos vão para a pessoa mais especial em minha vida. Lari, muito obrigado por todo o apoio, amor, compreensão e pela vida que nós partilhamos juntos há mais de três anos. Obrigado pelos inúmeros artigos lidos por você e por ter sempre me motivado e acreditado em mim. Você é sensacional e acho que um parágrafo é pouco para agradecer o quanto você fez parte desse processo desde o início. Meu amor eterno é seu. Gostaria de agradecer toda minha família pelo apoio e todo o amor, em especial aos meus pais. Muito obrigado por acreditaram em mim e me apoiar nesse processo. Apesar da distância física, o laço de amor familiar nunca diminui. Cabe um agradecimento especial aos meus amigos que também estiveram presentes ao longo desse processo, em especial ao Tiago, Paulo, Rachel, Victor, Edu, Júlio, Mari, Júlia e Lucas. Aos alunos que tive e ainda tenho o prazer de lecionar, meu muito obrigado pela confiança e por cada aula dada. Meus imensos agradecimentos à professora Cristina Pecequilo pela orientação, auxílio e amizade. Muito obrigado por ter aceitado esse desafio, por ter acreditado no meu tema de pesquisa e por ter me ensinado tanto ao longo desse processo. Espero que nossa parceria possa perdurar durante muito tempo. Meu muito obrigado também ao professor Carlos Gustavo por ter sido meu orientador nos momentos iniciais da pesquisa. Mesmo que o destino tenha interrompido formalmente sua orientação, o apoio e amizade ainda continuam. Gostaria de agradecer também aos professores Lucas Leite, Fernanda Magnotta e Igor Alves pela amizade, apoio e por serem fontes de inspiração para o profissional que desejo ser. Ao professor Carlos Eduardo, muito obrigado pelas aulas, ensinamentos, apontamentos nesse trabalho e disponibilidade para participar da banca. Ao professor Filipe Mendonça, muito obrigado pelos apontamentos realizados até aqui e por também ter topado o desafio de fazer parte da banca. O trabalho não teria chegado nesse resultado final sem as contribuições feitas por vocês na banca de qualificação. Cabe um agradecimento também aos professores que tive o prazer de terem sido meus mestres ao longo dos anos: Viviane Franco, David Magalhães, Laíz Azeredo, Diego Lopes, Mekitarian, Paulo Dutra, Ana Paula, Vanessa e Joyce Luz Meus agradecimentos também aos meus filhos felinos, Jesse, Ludovica e Bartolomeu. Meu último obrigado vai para meu filho mais velho, Ringo, que sempre esteve presente desde os meus 9 anos de idade. The point is that as soon as fear, hatred, jealousy and power worship are involved, the sense of reality becomes unhinged. (ORWELL, 2018). RESUMO Dentro da história dos Estados Unidos, o nacionalismo sempre se fez presente em distintos momentos, se materializando no contexto de um sentimento cívico. Nos últimos anos, a ascensão de um sentimento nacionalista mais agressivo e escancarado ficou nítida dentro do Partido Republicano, alcançando seu ápice na administração de Donald Trump. Logo, é de suma importância explorar o crescimento histórico do nacionalismo dentro do principal agente globalizador, buscando compreender a dinâmica do nacionalismo com o Partido Republicano. Para tal, a abordagem utilizada pelo trabalho será o método hipotético-dedutivo. Sob o ponto de vista procedimental, a pesquisa utilizará o método histórico, uma vez que se faz necessário compreender o ponto de partida do Partido Republicano e as transformações ocorridas no decorrer histórico. A pesquisa será de caráter exploratório, baseando-se no levantamento bibliográfico. Os dados utilizados serão secundários, fazendo uso de elementos qualitativos e quantitativos. Os resultados obtidos demonstram que o Partido Republicano, desde o switch partidário na década de 1960, buscou conciliar sua base mais moderada com outra mais nacionalista. Nesse sentido, com flertes com essa base nacionalista em cada ciclo eleitoral, o não comprometimento do partido com essa parcela nacionalista viria a frustrar grande parte de seu eleitorado, criaria um cenário propício a uma tomada nacionalista do partido. Trump, logo, não seria a causa do avanço do nacionalismo, mas sim um sintoma e um potencializador, justamente por ter sido capaz de identificar elementos nacionalistas cada vez mais presentes na sociedade norte-americana e, consequentemente, instrumentalizá-los no âmbito político. Palavras-chave: Grand Old Party. Donald Trump. Política Internacional. ABSTRACT Within the history of the United States, nationalism has always been present at different times, materializing in the context of a civic sentiment. In recent years, the rise of a more aggressive and wide-ranging nationalist sentiment has been evident within the Republican Party, reaching its peak in the administration of Donald Trump. Therefore, it is extremely important to explore the historical growth of nationalism within the main globalizing agent, seeking to understand the dynamics of nationalism with the Republican Party. For this, the approach used by the work will be the hypothetical-deductive method. From a procedural point of view, the research will use the historical method, since it is necessary to understand the starting point of the Republican Party and the transformations that occurred in the historical course. The research will be exploratory in nature, based on the bibliographic survey. The data used will be secondary, making use of qualitative and quantitative elements. The results obtained demonstrate that the Republican Party, since the party switch in the 1960s, sought to reconcile its more moderate base with another more nationalist. In this sense, as it would flirt with this nationalist base in each electoral cycle, the non- commitment of the party to this nationalist portion would frustrate a large part of its electorate, creating a favorable scenario for a nationalist takeover of the party. Trump, therefore, would not be the cause of the advance of nationalism, but rather a symptom and an enhancer, precisely because he was able to identify nationalist elements increasingly present in American society and, consequently, instrumentalize them in the political sphere. Keywords: Grand Old Party. Donald Trump. International Politics. RESUMEN Dentro de la historia de Estados Unidos, el nacionalismo siempre ha estado presente en diferentes momentos, materializándose en el contexto de un sentimiento cívico. En los últimos años, el surgimiento de un sentimiento nacionalista más agresivo y de amplio alcance ha sido evidente dentro del Partido Republicano, alcanzando su punto máximo en la administración de Donald Trump. Por tanto, es de suma importancia explorar el crecimiento histórico del nacionalismo dentro del principal agente globalizador, buscando comprender la dinámica del nacionalismo con el Partido Republicano. Para ello, el enfoque utilizado por el trabajo será el método hipotético- deductivo. Desde el punto de vista procedimental, la investigación utilizará el método histórico, ya que es necesario comprender el punto de partida del Partido Republicano y las transformaciones ocurridas en el curso histórico. La investigación será de carácter exploratorio, basada en el relevamiento bibliográfico. Los datos utilizados serán secundarios, haciendo uso de elementos cualitativos y cuantitativos. Los resultados obtenidos demuestran que el Partido Republicano, desde el cambio de partido en la década de 1960, buscó conciliar su base más moderada con otra más nacionalista. En este sentido, con coqueteos con esta base nacionalista en cada ciclo electoral, el no compromiso del partido con esta parte nacionalista frustraría a gran parte de su electorado, creando un escenario propicio para una toma nacionalista del partido. Trump, por tanto, no sería la causa del avance del nacionalismo, sino un síntoma y un potenciador, precisamente porque supo identificar elementos nacionalistas cada vez más presentes en la sociedad estadounidense y, en consecuencia, instrumentalizarlos en el ámbito político. Palabras clave: Grando Old Party. Donald Trump. Política Internacional. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Esquema da Overton Window.................................................................................18 Figura 2 – Botton com o slogan musical utilizado na campanha de Eisenhower..................45 Figura 3 – Bandeira de Gadsen e da “II Revolução Americana” em comício do Tea Party Express com Sarah Palin.............................................................................................................78 Figura 4 – Público na cerimônia de posse de Obama, à esquerda, e de Trump, à direita....96 Gráfico 1 – Visões por inclinação ideológica acerca de imigrantes.......................................101 Gráfico 2 – Expressão de protecionismo cultural nos Estados Unidos.................................102 Gráfico 3 – Prioridades na política externa entre Democratas e Republicanos..................114 Gráfico 4 – Apoio à candidatura de Trump por 67 republicanos Congresso......................120 Gráfico 5 – Taxa de votos em conjunto com Trump no Congresso (2017-2021).................124 Gráfico 6 – Rejeição ativa por Casa do Congresso contra projetos apoiados por Trump (2017-2021)..................................................................................................................................125 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Dez características comuns do Neonacionalismo.....................................................98 Tabela 2 – Declarações de Trump sobre a crise da Covid-19..................................................109 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADM Armas de Destruição em Massa CIA Central Intelligence Agency CNR Comitê Nacional Republicano DHS Department of Homeland Security DPG Defense Policy Guidance DS Defense Strategy for the 1990s: The Regional Defense Strategy EUA Estados Unidos da América FBI Federal Bureau of Investigation FDR Franklin Delano Roosevelt GOP Grand Old Party JFK John F. Kennedy KKK Ku Klux Klan NAFTA Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio OANN One America News Network ONU Organização das Nações Unidas OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PNAC Project for the New American Century TTP Tratado Transpacífico UE União Europeia URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USMCA Acordo Estados Unidos-México-Canadá SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 15 2 O PARTIDO REPUBLICANO E O NACIONALISMO (O GRAND OLD PARTY)……………….....………...……........................................................ 20 2.1 O nacionalismo……………..……………..….…..……................................. 20 2.2 A ideologia conservadora no Partido Republicano.....…..…....…................ 26 2.3 O nacionalismo norte-americano e a história do GOP ……....…................. 32 2.3.1 O nacionalismo na formação dos EUA ………….....………….....…..….….... 33 2.3.2 De Lincoln ao início do Século XX: As transformações Internas do GOP......... 36 2.3.3 A Reconfiguração Partidária (1914/1969) …………...……....…..…….….…. 41 2.3.4 O início de uma polarização com o partido democrata (1969)…..…....…..…... 47 2.3.5 Os anos de Reagan (1980/1989)……………................…....….....…….….…. 49 3 O PERÍODO DE EFERVESCÊNCIA: DE H. W. BUSH À OBAMA (1989-2017)……………….….….….…..….….….…..….…..….…..…...….. 54 3.1 Antecedentes: O movimento conservador de H. W. Bush à Bill Clinton (1989/2001).………………....…..…….….….…….….….…….….….......… 54 3.1.1 H. W. Bush, o DPG e as Eleições de 1992 (1989/1992)…….........…...…....…. 55 3.1.2 Bill Clinton, o Contrato com a América e as Eleições de 2000 (1993/2000)...... 58 3.2 George W. Bush e o nacionalismo no GOP (2001/2009)………….....….…. 61 3.2.1 A Doutrina Bush ………...……....…..…….….….………………...………… 62 3.2.2 Neoconservadorismo X nacionalismo conservador ……………...….....….…. 65 3.2.3 A “falsa promessa” de Bush ………………....…..……....……..…...…..….... 69 3.3 A Radicalização do Partido Republicano (2008/2017)…...………..……… 72 3.3.1 As eleições presidenciais de 2008 ……………….…......…………………….. 73 3.3.2 O movimento do Tea Party ………………....….…….…....….……………… 75 3.3.2.1 Composição e ideologia ………………....….…….…..……………………... 76 3.3.2.2 As midterms de 2010, o SarahPAC e o Tea Party Caucus .....………..……….. 78 3.3.2.3 O nacionalismo e o Tea Party ……………......…..……………………....…... 80 3.3.3 As eleições presidenciais de 2012……….…....….….….………………...….. 81 3.3.4 O GOP e Obama ………………....….…….….….………………………...… 83 4 O NACIONALISMO NA ERA TRUMP (2017-2020)....………..………… 86 4.1 As primárias republicanas, as eleições de 2016 e a plataforma de Trump 87 4.2 Trump e o neonacionalismo…..…………..……………………………….... 93 4.2.1 As características e estratégias do neonacionalismo …………..…....………... 96 4.2.2 O neonacionalismo e sua instrumentalização na era Trump ………......……... 99 4.2.2.1 Nativismo e exclusão ………………...………….....………………………… 100 4.2.2.2 Liderança carismática e antielitismo………..……...……………………...…. 104 4.2.2.3 Simplificação da realidade, o apelo emocional e a Democracia iliberal............ 107 4.2.2.4 Protecionismo e multilateralismo………..……...…………………………..... 112 4.2.2.5 Partidos autoritários ou conservadores sociais ………………......………..…. 117 5 O GOP E TRUMP ……………...…….….….….….….….….….….…....…. 119 5.1 Da revolta para o “Partido de Trump” …………………………………..... 119 5.2 As novas “facções” do GOP ………………...…………………………....… 127 5.3 Os limites do neonacionalismo trumpista ………………...……...……...… 134 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 140 REFERÊNCIAS........................................................................................... 143 15 1 INTRODUÇÃO Partidos políticos representam instituições essenciais no processo político de nações democráticas. São responsáveis por auxiliar na organização da liderança executiva, congregar representantes eleitos por suas siglas e defender seus princípios fundacionais no processo legislativo. Todavia, desde a independência do país em 1776, os pais fundadores expressavam seus medos frente a ascensão de facções políticas no país, uma vez que poderiam resultar no domínio de uma agenda política específica a um grupo. Após assumir a presidência em 1789, George Washington buscou criar uma administração livre de facções políticas, indicando dois adversários políticos ao seu gabinete: Alexander Hamilton, como Secretário do Tesouro, e Thomas Jefferson, como Secretário de Estado. Na expectativa de que os dois adversários pudessem trabalhar em prol do benefício nacional, as expectativas de Washington foram frustradas quando, frente discordâncias com Jefferson quanto o papel do governo na sociedade, Hamilton rompeu com a visão de uma nação sem facções políticas, fundando o Partido dos Federalistas em 1789, o primeiro partido político moderno. Em contraposição, Jefferson, juntamente de Thomas Madison, fundaram o Partido Republicano-Democrata – muito diferente do partido que viria a se tornar na era de Lincoln (HOFSTADER, 1969). As subsequentes transformações políticas, como a evasão do Partido dos Whigs, viriam a transformar o partido de Jefferson no Partido Democrata em 1828, enquanto o Partido Republicano de Lincoln, com a união de Whigs, uma parcela de democratas e membros do partido Free-Soil (contra a escravidão), viria a se formar em 1854 (HOLT, 2003). Os símbolos que representam os partidos, diferentemente da ideologia atual de cada um, permanecem os mesmos desde 1840: um burro e um elefante para democratas e republicanos, respectivamente. Criados por Thomas Nast, um cartunista do período, os animais foram escolhidos conscientemente para cada partido como uma forma de satirizar suas imagens. Os democratas, sendo o partido em defesa da escravidão e o grande responsável por iniciar a Guerra Civil do país e, posteriormente, por criar a primeira encarnação da Ku Klux Klan (KKK), era representado pelo burro como uma forma de representar a ignorância política no partido. Todavia, o elefante representava um animal inseguro de seu próprio peso, arrastando-se pesadamente por uma base que representava sua própria plataforma partidária. O Partido Republicano, nesse sentido, era caracterizado como um partido forte e com uma força política elevada, porém incerto quanto seus passos políticos. Apesar de os dois partidos terem mudado drasticamente de posições no século XX, a caracterização do elefante de Nast ainda viria a estar presente na forma como os republicanos viriam a lidar com sua base ao longo das décadas (NIX, 2015). 16 O Partido Democrata, por sua parte, viria a se distanciar gradativamente de sua base branca escravocrata do Sul, aproximando-se do trabalhador da classe média e defendendo cada vez mais pautas progressistas dentro da sociedade. O movimento dos direitos civis na década de 1960 foram o ponto de virada para o partido, uma vez que significou um afastamento do eleitorado branco ao sul, e sua solidificação no norte do país e no voto negro. Desde as eleições de 2016, frente o efeito da presidência de Trump, a ala mais à esquerda do partido vem obtendo cada vez mais força e representatividade com o eleitorado. A popularidade de figuras como Bernie Sanders, o segundo colocado à nomeação democrata em duas eleições seguidas, e a eleição de novas representantes, como Alexandria Ocasio-Cortez, do estado de Nova Iorque, refletem justamente uma quinada mais progressista do partido nos últimos quatro anos. Destarte, as raízes fundacionais escravocratas dos democratas são um passado remoto frente o partido de figuras recentes como a de Barack Obama e de Kamala Harris. Após a presidência de Donald Trump, o Partido Republicano do século XXI se distanciou de seus ideais progressistas fundacionais, defendendo uma agenda política cada vez menos bipartidária, altamente conservadora e mais nativista. Os ataques do 11 de setembro e as subsequentes guerras do Iraque e Afeganistão, assim como a ascensão do Tea Party e de novos movimentos ligados ao nacionalismo branco, foram eventos que agravaram ainda mais nas mudanças sofridas pelo partido. Compreender os processos internos e externos que levaram as mudanças observadas nas últimas décadas dentro do partido apresenta-se como um elemento essencial frente o atual cenário político nos Estados Unidos: uma eleição que dividiu o país e na qual, instigados pelo próprio ex-presidente, eleitores republicanos invadiram o Capitólio com o objetivo de alterar os resultados eleitorais e “salvar a democracia” – mesmo que isso significasse realizar um rompimento democrático. Frente o trauma político que ainda permanece, compreender essas mudanças no Partido Republicano também nos permitiria compreender, consequentemente, qual a presença do nacionalismo – agora mais nítido do que nunca – nesse processo. Esse partido, sendo um produto da história da formação política do país ao longo dos séculos, tem justamente em suas drásticas mudanças ideológicas a interferência do fenômeno nacionalista. A predisposição de Trump em se reconhecer como um nacionalista, como fez durante um comício em Houston, Texas, e sua proximidade com lideranças nacionalistas internacionais, como Viktor Orbán, da Hungria, Vladimir Putin, da Rússia, e Jair Bolsonaro, no caso brasileiro. Além disso, a defesa de uma agenda doméstica e internacional que valorizavam um abandono do multilateralismo, um protecionismo econômico e uma valorização de elementos subjetivos intrinsecamente ligados à cultura nacional, denotam a importância em compreender as dinâmicas internas do Partido Republicano que acabaram por resultar na ascensão de Trump, resgatando 17 movimentos históricos dentro da história do partido, como o Macartismo, Goldwater e o Tea Party. Logo, o objetivo central dessa dissertação é compreender qual a influência do nacionalismo nas transformações ocorridas no Partido Republicano e que, por consequência, resultaram na presidência de Donald Trump em 2017. Para tal, o trabalho parte da seguinte pergunta problema: “Como se dá a relação do Partido Republicano com o crescente nacionalismo na sua base de eleitores?” A hipótese proposta é a que se segue: “O Partido Republicano, desde o switch partidário na década de 1960, encontra uma constante dificuldade entre consolidar-se como um partido conservador moderado ou como um partido nacionalista conservador. As constantes tentativas de moderar o partido, quando não frustradas, são seguidas de momentos de flerte com sua base de apoio popular mais nacionalista, buscando não se comprometer totalmente com essa parcela mais radical. O não comprometimento total de republicanos com sua base nacionalista, ao longo de cada ciclo presidencial, geraria uma crescente insatisfação com o partido ao mesmo tempo em que se cultivava um terreno fértil para um avanço nacionalista. A ascensão de Donald Trump não seria a causa de uma tomada nacionalista no partido, mas sim um sintoma. Destarte, o controle de Trump sobre o partido e o alinhamento da maior parte de seus representantes com o presidente, até mesmo em situações extremas, denota justamente uma tomada nacionalista do Grand Old Party (GOP).” Nesse sentido, o conceito da Overton Window, como apresentado na Figura 1 apresenta-se como um elemento crucial para que possamos compreender a dinâmica do partido com sua base eleitoral. Esse conceito corresponde a um modelo que busca explicar como as ideias na sociedade mudam ao longo do tempo e influenciam a política. Sua ideia central é que os políticos são limitados quanto as ideias de políticas que podem apoiar, buscando na maior parte do tempo por políticas que são amplamente aceitas e legítimas. Essas políticas estão dentro da janela de Overton, isto é, do que é aceitável. As outras ideias políticas que estariam fora dessa janela, normalmente, seriam evitadas – por conta da baixa adesão popular – ou utilizadas como uma forma de alterar a opinião pública acerca de certa ideia. Essa janela, logo, pode ser deslocada a partir da ação de políticos que busquem introduzir novas ideias políticas que, antes com baixa popularidade, poderiam se tornar aceitáveis (MACKINAC CENTER FOR PUBLIC POLICY, 2019). Nesse sentido, sendo Trump um sintoma e um potencializador, este foi capaz de identificar a crescente presença de elementos nativistas dentro da sociedade norte-americana, lhes dando uma representação política comprometida antes ausente. Consequentemente, ao longo de seu mandato, Trump viria a ser capaz de deslocar a janela de Overton, introduzindo elementos nativistas mais extremos no campo político. 18 Figura 1 – Esquema da Overton Window. “Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Mackinac Center For Public Policy (2019).” O objetivo central do trabalho consiste em compreender a dinâmica do nacionalismo com o Partido Republicano, tendo como objetivos secundários identificar os diferentes tipos de nacionalismo presentes nos Estados Unidos, elencar os principais movimentos nacionalistas relacionados ao partido, analisar o fenômeno do neonacionalismo na administração Trump, discorrer sobre a instrumentalização do neonacionalismo na última administração republicana e identificar os novos movimentos nacionalistas proeminentes no país e suas consequências para a política nacional. Para tal, a abordagem utilizada será o método hipotético-dedutivo. Sob o ponto de vista procedimental, a pesquisa utilizará o método histórico, avaliando a trajetória do partido. A pesquisa, portanto, será de caráter exploratório, baseando-se no levantamento bibliográfico de artigos, livros, revistas, documentos governamentais, discursos e fontes jornalísticas. Os dados utilizados serão secundários, fazendo uso de elementos qualitativos e quantitativos, uma vez que serão utilizados levantamentos de opinião pública e de votos no Congresso dos Estados Unidos. Cabe pontuar que as transformações sociais e demográficas ocorridas no país são fatores de influência nas transformações políticas sofridas pelo Partido Republicano. Estando essa pesquisa inserida no estudo do processo histórico desse partido, transformações sociais econômicas e demográficas, mesmo que pontualmente presentes em partes dessa pesquisa, são elementos que, por enfoque metodológico, não serão explorados à fundo devido a sua a alta complexidade. Nesse sentido, a pesquisa será dividida em 5 capítulos. O primeiro capítulo abordará a relação histórica do Partido Republicano com o nacionalismo, dividindo-se em três subitens. O subitem inicial discorrerá sobre o conceito do nacionalismo, buscando compreender também os diferentes tipos de nacionalismo, sendo eles o nacionalismo cultural, étnico, expansionista, revolucionário, conservador, econômico, o cívico e o 19 neonacionalismo. O próximo subitem abordará a ideologia conservadora dentro do partido, identificando os momentos em que estiveram presentes e seus principais representantes. Por fim, o último abordará a experiência norte-americana com o nacionalismo na história do partido, analisando desde Lincoln até Reagan. O segundo capítulo irá analisar o período que consiste na presidência de George H. W. Bush até o final da administração de Obama, caracterizado aqui como o período de efervescência dentro do Partido Republicano, uma vez que é marcado pelo crescente avanço de nacionalistas conservadores dentro das estruturas do partido. Destarte, o primeiro subitem do capítulo abordará a administração H. W. Bush, evidenciando o DPG e a ascensão de Newt Gingrich dentro do partido, assim como seus efeitos para as eleições de 1992, e a administração Clinton, analisando o Contrato com a América e a oposição republicana no período. Em seguida será analisada a administração de George Walker Bush, identificando elementos do nacionalismo na Doutrina Bush, as distinções do nacionalismo com o neoconservadorismo e as dinâmicas políticas do período. Igualmente, aborda-se a era Obama, buscando discorrer sobre a ascensão de um radicalismo de oposição dentro do GOP, potencializado pelo surgimento do movimento do Tea Party. O terceiro capítulo analisará a presença do nacionalismo no governo de Donald Trump. O primeiro subitem tratará dos antecedentes à eleição de Trump, analisando as primárias republicanas, as eleições de 2016 e a plataforma política do ex-presidente. O segundo discorrerá sobre a relação de Trump com o neonacionalismo, visando compreender as características e estratégias do neonacionalismo, elencando dez principais características: nativismo, exclusão, liderança carismática, antielitismo, simplificação da realidade, o apelo emocional, democracia iliberal, protecionismo, baixo multilateralismo e a presença de líderes neonacionalistas em partido autoritários ou conservadores. As estratégias a serem analisadas, logo, consistem no conceito de Firehose of Falsehoods e o deslocamento da Overton Window. Em seguida, será abordada a forma como Trump instrumentaliza esse tipo de nacionalismo com base nas estratégias e características apresentadas, cabendo utilizar políticas adotadas em sua administração e sua retórica política. O último capítulo discorrerá sobre a relação do Partido Republicano com Trump, evidenciando uma trajetória inicial de recusa de diversos republicanos para um alinhamento público, na maior parte dos temas, com o ex-presidente. Também se abordará a consequência desse alinhamento, quando consolidado, demonstrando a ascensão de novas facções e grupos políticos na política conservadora, desde a Alternative Right até os Proud Boys e o QAnon no último ano de Trump. Por fim, serão analisados os limites do neonacionalismo trumpista para a política, seguindo-se a conclusão da dissertação. 20 2 O PARTIDO REPUBLICANO E O NACIONALISMO (O GRAND OLD PARTY) Apesar de não ser o partido mais antigo na história dos Estados Unidos, o Partido Republicano, ou GOP, se apresenta como o partido com maior legitimidade política nacional, especialmente em relação ao Partido Democrata. Nesse sentido, esse capítulo tem como principais objetivos discorrer sobre a formação do partido, seu desenvolvimento ao longo das décadas, seus valores e ideais, suas principais lideranças e as mudanças profundas que sofreu desde sua fundação sob a perspectiva do elemento do nacionalismo histórico – evidenciando que mudanças recentes dentro do partido já estavam em curso no último século. O capítulo será dividido em duas partes. A primeira terá dois subitens, o primeiro abordará o conceito histórico do nacionalismo e de suas distintas vertentes, e o último irá discorrer sobre a ideologia dominante dentro do partido: o conservadorismo e suas subsequentes derivações no contexto da política norte-americana. A segunda parte do capítulo abordará a história do partido desde sua fundação até o final do governo de Ronald Reagan, elencando como o nacionalismo se fez presente nas transformações históricas sofridas pelo partido. 2.1 O nacionalismo O nacionalismo, como um fenômeno social e cultural, tomou frente em diversas nações no final do século XIX e, essencialmente, desde o início do século seguinte. A provável memória coletiva acerca do nacionalismo corresponde justamente ao início do século XX com os movimentos nazifascistas do período. Nesse entendimento, o nacionalismo seria uma força destrutiva, belicista estritamente ligada a exclusão de determinados grupos dentro de uma nação. Essa faceta do nacionalismo não deve ser desprezada ou negada na trajetória da história, todavia, o nacionalismo não deve ser simplificado de tal forma. Além do nacionalismo do século XX, esse fenômeno está estritamente ligado com a formação e a consolidação dos Estado-nações modernos – sendo nos Estados Unidos o sentimento nacionalista um exemplo notório da força motriz da construção nacional. O Cambridge Dictionary (2020) define nacionalismo como “o desejo de uma nação e sua tentativa de ser politicamente independente” ou “um amor grande ou muito grande pelo seu próprio país”, sendo que a primeira definição remete a movimentos nacionalistas dentro de um Estado – muitas vezes com percepções distintas – e a segunda a reafirmação do sentimento nacionalista dentro e fora de uma nação. Além disso, pode corresponder a “identificação com a própria nação e apoio aos seus interesses, 21 especialmente para a exclusão ou detrimento dos interesses de outras nações” (OXFORD LIVING DICTIONARIES, 2020). No século XVIII, o filósofo francês David Hume reconheceu que a união entre indivíduos e a sobreposição de interações culturais, com o passar do tempo, agregam para a formação de uma identidade nacional entre eles. Em contrapartida, Jean-Jacques Rousseau argumenta que as formas particulares de cada nacional e o zelo patriótico de indivíduos são determinantes para sua identidade nacional (LOWRY, 2018, p. 39). Entretanto, essas definições, especialmente a de Hume, podem implicar que o movimento de autodeterminação de um grupo necessariamente desponta para um movimento nacionalista. Nesse sentido, cabe distinguir esse movimento do nacionalismo, uma vez que A autodeterminação é simplesmente o direito de qualquer grupo determinar seu governo, em outras palavras, a extensão dos direitos do homem com o grupo. O nacionalismo vai mais longe ao assumir que o grupo não é acidental, mas possui continuidade histórica e uma identidade comum. A nação deriva seus direitos não apenas da vontade coletiva de seus participantes, mas também de sua própria existência como nação. (BEN-ISRAEL, 1992, p. 374, tradução nossa1). Discorrer sobre toda a história do nacionalismo, por mais tentador que seja, não corresponde ao objetivo do trabalho por duas razões. Primeiramente, a interferência do nacionalismo na história da humanidade pode ser datada desde a Grécia Antiga e o nacionalismo grego nas Guerras Médicas contra os persas. Logo, uma linha temporal da evolução do nacionalismo, além de ser uma tarefa difícil, merece uma pesquisa inteiramente dedicada ao estudo histórico desse fenômeno e destoa do objeto de análise desse trabalho. Em segundo lugar, fazendo referência ao objeto de estudo, a interferência e origem do nacionalismo nos Estados Unidos ocorre em um momento distinto e sob circunstâncias específicas em relação a de nações europeias, por exemplo. Sendo assim, o enfoque dessa secção recai sobre as definições de nacionalismo e suas diferentes modalidades que surgiram ao longo da história moderna. Apesar de aparentar ter uma definição clara, o nacionalismo, inserido em dinâmicas sócio-políticas e culturais, representa um fenômeno altamente complexo e imputado de valorizações subjetivas distintas em cada nação. Dessa forma, as abordagens acerca do nacionalismo propostas por Ernest Gellner, Benedict 1 “Self-determination is simply the right of any group to determine its government, in other words, the extension of the rights of man to the group. Nationalism goes further in assuming that the group is not accidental but possesses historical continuity and a common identity. The nation derives its rights not merely from the collective will of its participants but also from its very existence as a nation.” (BEN-ISRAEL, 1992, p. 374). 22 Anderson e Eric Hobsbawm nos auxiliam na compreensão dos aspectos mais subjetivos presentes no nacionalismo. O antropólogo social Ernest Gellner classifica o nacionalismo como um instrumento que fornecesse às sociedades industrializadas os meios para coesão cultural e linguística – uma uniformidade nacional necessária através do poder estatal. A nação não seria um fenômeno natural, mas algo necessário para unificar o Estado a uma cultura, sendo a padronização da cultura uma necessidade do nacionalismo. Por sua vez, o nacionalismo surge a partir do reconhecimento de seus membros entre si enquanto compatriotas dotados de direitos e deveres comuns, não de quaisquer características pré-existentes compartilhadas (BEN-ISRAEL, 1992, p. 371-372). Já Anderson, por reconhecer a nação como uma fabricação que cria elos de conexão através da identificação de semelhanças entre indivíduos que não se conhecem, aborda o nacionalismo sob a ótica de uma comunidade imaginada. Nessa comunidade política, aspectos socioculturais são mais determinantes na união entre indivíduos do que a ligação com o território em si. O exemplo clássico citado pelo cientista político seriam as lápides e mausoléus de soldados desconhecidos, uma vez que, apesar de muitas estarem vazias ou preenchidas com restos mortais não identificados ou de soldados de outras nacionalidades, diversas nações reivindicam um soldado desconhecido como um que partilha da mesma nacionalidade de um Estado. A nação, segundo Anderson, é imaginada justamente por a maioria de seus integrantes não se conhecerem, mas ainda existirem sob uma mesma nacionalidade a partir de um forte senso de fraternidade que precede as características em comum criadas ao longo dos tempos. Logo, os aspectos subjetivos, imaginados, que determinam as identificações nacionais são mais determinantes (ANDERSON, 2008, p. 6-7). Por fim, o historiador Eric Hobsbawm reconhece que qualquer grupo volumoso que se identifica como uma nação pode ser assegurado como tal. Por trazer uma perspectiva histórica, Hobsbawm caracteriza os primeiros movimentos nacionalistas como tentativas de unificar territórios e povos, contribuindo para a construção dos Estados modernos entre o século XVIII e XIX e do conceito de soberania estatal – num momento que caracteriza como protonacionalismo. Segundo o autor, a construção de uma nação seria um reflexo de determinado contexto social e econômico em constante mudança, e não por características pré-existentes de identificação entre grupos. Frente seu caráter marxista, a ideologia nacional da classe dominante – establishment político – não corresponde a ideologia nacional da classe trabalhadora. Cada classe e grupo detém uma forma de caracterizar sua identidade nacional, fazendo com que os elementos que definem um Estado-nação mudem de maneira gradual ou repentina. Logo, para compreender-se o fenômeno do nacionalismo, o entendimento de uma nação deve ocorrer de baixo para cima (HOBSBAWM, 1990, p. 159-170). 23 Mesmo que com alta visibilidade, ainda há a utilização do patriotismo como um sinônimo ao nacionalismo, quase como se esse fosse uma versão mais “radical” do sentimento patriota. Tendo em vista que o termo patriotismo é constantemente citado na bibliografia histórica acerca da formação dos Estados Unidos, torna-se necessário apresentar de maneira sucinta sua distinção com o termo “nacionalismo”. O sentimento patriota origina-se de uma forma mais “positiva” em relação ao nacionalismo, uma vez que esse é caracterizado como o “gêmeo do mal” e altamente individualista por reter uma percepção da superioridade de uma nação perante outras (KOSTERMAN; FESCHBACH, 1989, p. 271 apud BONIKOWSKI; DiMAGGIO, 2016, p. 4). Há a presença de elementos patriotas no nacionalismo e no patriotismo, a distinção crucial corresponde ao fato de o sentimento patriota não possuir uma relação causal de superioridade de um Estado-nação frente outro ou o flerte com tendências mais autoritárias em determinadas circunstâncias – uma vez que no patriotismo há a valorização das instituições de um Estado-nação, sendo os valores democráticos uma delas e o respeito aos poderes legislativo, executivo e judiciário algumas delas (LONGLEY, 2019). Nesse capítulo o conceito de patriotismo ainda será resgatado para que seja possível clarificar que, mesmo que com diversas produções na área de estudo e com referências históricas documentadas, o sentimento patriota ao longo da história dos Estados Unidos encontra-se mais próximo de um nacionalismo – mais especificamente, do nacionalismo cívico. Novas concepções acerca do nacionalismo buscam compreendê-lo com base em subdivisões. Apesar de diversas modalidades de nacionalismo se fazerem presentes nos estudos desse fenômeno, por enfoque metodológico do trabalho a ser desenvolvido, serão elencadas apenas sete: o cultural, étnico, expansionista, revolucionário, conservador, econômico, o cívico e, mais recentemente, o neonacionalismo. O nacionalismo cultural, apesar de estar ligado à preservação da identidade cultural de um Estado, encontra-se mais próximo a preservação de uma identidade histórico-cultural, uma vez que a cultura nacional, apesar de altamente subjetiva e em constante mudança, é uma fonte de sentimentos nacionalistas. A cultura aqui citada não necessariamente se apega a laços raciais, justamente por a cultura histórica de diversas nações não estar estritamente ligada a etnias, mas sim a costumes e a um imaginário histórico-coletivo – tendo a União Europeia (UE) e sua presença na formação histórica do nacionalismo nos Estados Unidos como claros exemplos (NIELSEN, 1999, p. 120-128). Segundo o sociólogo Anthony D. Smith, o nacionalismo étnico origina-se com base em um mito de ancestralidade comum. Nessa dinâmica, a pátria é definida a partir de um critério genealógico de associação natural, e não territorial. Valores culturais aqui também são valorizados assim como no nacionalismo cultural, somente mais regados por um aspecto mais étnico. Logo, há uma ultra valorização de elementos como o idioma nativo do que a igualdade perante a lei, uma 24 vez que a narrativa racial é a dominante nesse nacionalismo (SMITH, 1995, p. 118). O nacionalismo expansionista, assim como o étnico, também pode fazer uso dessa mesma narrativa racial – de forma ainda mais agressiva. O expansionismo presente em seu nome remete ao expansionismo territorial e militar, buscando recuperar territórios antes perdidos. O aspecto racial se materializa na mistura de narrativas de identidades e de aspectos patrióticos com narrativas de aversão e recusa ao “outro” – estrangeiro ou nativo – que não faz parte do mesmo “grupo”, potencializando a violência e o sentimento de medo. Em sua forma mais racial, o nacionalismo expansionista pende para o objetivo da criação de etno-Estados formados por nacionais com características étnicas próximas, tendo a Alternative-Right, que será abordada no quarto capítulo, como um exemplo contemporâneo (HEYWOOD, 2017, p. 176-187). O nacionalismo revolucionário possui como exemplo histórico o fascismo italiano de Benito Mussolini no período anterior e no decorrer da Segunda Guerra Mundial. Seus primórdios são traçados nos movimentos revolucionários sindicais na França e na Itália. Diferentemente do nacionalismo étnico, o revolucionário se caracteriza pela unidade e comunhão nacional, originando um sentimento de destino e propósito à uma nação e um povo, promovendo a perseguição a estrangeiros e conterrâneos que ameaçassem ou se opusessem a tal união. Por obter suas origens em movimentos sindicais, o nacionalismo revolucionário obteve maior apoio da classe proletária na Itália (GREGOR, 1979, p. 95-99). Mesmo que tenha sido um ponto de partida para o fascismo, cabe pontuar a diferença entre o nacionalismo revolucionário – e do nacionalismo como um todo – do fascismo. Ainda segundo Anthony Smith, para os fascistas, a nação representava uma mera ferramenta para o uso da vontade através da força, visando a obtenção de seus objetivos políticos que não se limitam ao fortalecimento do Estado, mas também a conquista exterior. Além disso, o culto e a lealdade singular ao líder são características que não são essenciais ao nacionalismo, uma vez que a submissão popular a figuras como as de Mussolini e de Adolf Hitler são características notórias dos movimentos fascistas desse período (SMITH, 1979 apud LOWRY, 2019, p. 56-7). Por sua vez, o nacionalismo conservador aproxima-se de um conservadorismo social, promovendo a defesa da família e da estabilidade do status social como elementos essenciais para a preservação da identidade nacional. Aqui há também a incompatibilidade desse nacionalismo com a presença de imigrantes, uma vez que diverge do conservadorismo mais tradicional por dar maior importância a aspectos de uma nação homogênea. Ao mesmo tempo em que não corresponde a vertente mais radical, este nacionalismo visa a defesa do interesse da nação acima de tudo, tendo como exemplos contemporâneos os partidos europeus eurocéticos e o Partido Republicano – especialmente ao longo do século XX (HEYWOOD, 2018). Em contrapartida, o nacionalismo econômico prima pela defesa dos interesses econômicos de uma nação sob a 25 perspectiva de ganhos absolutos em um jogo de soma-zero2, mesmo que isso signifique prejudicar até mesmo nações aliadas. Em um cenário de interdependência econômica e de fóruns econômicos internacionais, mesmo que em níveis desiguais, as nações presentes acabam obtendo benefícios nessa dinâmica. Frente ao nacionalismo econômico, a cooperação presente no liberalismo econômico estabelecida desde Bretton Woods perde força e importância para nações no qual esse tipo de nacionalismo se faz presente, gerando um cenário de competição e desconfiança entre os Estados (GLADDING, 2018). O nacionalismo cívico, também conhecido como nacionalismo liberal, possui mais semelhanças com o patriotismo. As instituições de uma nação e seus princípios liberais são mais valorizados do que aspectos ligados a identidade cultural ou étnica. Corresponde ao nacionalismo mais inclusivo, uma vez que a participação nessa nação cívica é voluntária, sendo somente necessário a internalização desses valores liberais para que um indivíduo faça parte da mesma. A liberdade, direitos individuais e a igualdade são algumas das instituições presentes e mais valorizadas no nacionalismo cívico. Na história dos Estados Unidos, o nacionalismo cívico serviu como influência para a formulação de um sistema representativo no país, sendo assim um dos principais tipos de nacionalismo responsáveis pela formação nacional – discussão que, novamente, será aprofundada na secção três. Apesar de similar ao patriotismo, a principal diferenciação entre ambos corresponde justamente a valorização de uma nação em detrimento de outras. No patriotismo, diferentemente do nacionalismo cívico, esse sentimento de superioridade não se faz presente. Mesmo que similares, o nacionalismo, mesmo em sua modalidade mais inclusiva, ainda realça certa exclusão frente os que não compõe um grupo ou que residem em outras nações “menos excepcionais” (LIEVEN, 2012, p. 15-9). O neonacionalismo, ou “novo nacionalismo”, diferentemente de seus antecessores, originou-se em um período de mudanças profundas na estrutura do capitalismo internacional desde o início do século XX, sendo as instituições internacionais, aumento da migração e criação de normas e condutas internacionais e outros fatores cruciais para a redefinição do conceito do “outro”. Aqui não mais definido por questões territoriais ou puramente étnicas, o “outro” pode tomar a forma de imigrantes, “elites globalistas” ou um establishment político – seja ele doméstico ou estrangeiro – que promove a perda de liberdade de ação, identidade e homogeneidade cultural de uma nação. Logo, a narrativa neonacionalista, ao mesmo tempo em que é difusa e mutável, é 2 Preceito de uma situação na qual, se uma parte ganha determinada vantagem, a outra deve sofre uma desvantagem equivalente (COLLINS, 2020). 26 extremamente eficaz perante seu público, uma vez que ecoa de forma clara e radicaliza ainda mais o cenário político de uma nação (TEPPER, 2018, p. 16-8). Destarte, há uma clara mistura de aspectos do nacionalismo étnico e cultural, uma vez que a retórica é composta por conotações fóbicas, xenofobia e islamofobia, e por “ismos”, racismo, sexismo e machismo, sempre justificados por narrativas de ansiedade econômica e cultural. O sentimento “nacional” não está mais somente ligado ao território ou a aspectos específicos e seletos, mas sim a aderência não específica à brancura, cristianismo, cultura ocidental, anti- globalismo e a heterossexualidade cisgênera, sendo esses os componentes dessa nova tradição nacionalista. Nesse quesito, diferentemente do nacionalismo cultural e étnico, por exemplo, não há a criação de certas obrigações com a cultura ou um povo em específico, elevando ainda mais a complexidade das comunidades imaginadas postuladas por Anderson. Aqui, a narrativa política está em constante mudança. (TEPPER, 2008, p. 14). Destarte, o neonacionalismo faz uso de justificativas ideológicas trans e supranacionais, detendo um caráter forte na política exterior por haver uma similaridade na retórica e discursos entre diversas lideranças, promovendo um distanciamento das identidades e das estruturas propostas por organizações regionais e internacionais. Contudo, é muito mais institucionalizado do que outras modalidades do nacionalismo, uma vez que é capaz de eleger representantes para cargos legislativos e executivos, fazendo com que tal legitimidade permita a utilização de uma retórica mais agressiva no debate político nacional (TEPPER, 2008, p. 14-5). 2.2 A ideologia conservadora no Partido Republicano Como abordado anteriormente, o pensamento conservador, em suas distintas modalidades, predomina dentro do GOP. Denominar-se como um conservador nos Estados Unidos ultrapassa a ótica política do conceito bruto de conservadorismo. O conservador valoriza mais o presente e o passado em detrimento do futuro. Não por temor ao mesmo, mas sim por corresponderem a uma alternativa real e tangível e não hipotética ou mutável, como o futuro. Pode-se destacar, contudo, uma certa aversão a mudança: Ser conservador, então, é preferir o familiar ao desconhecido, o testado ao nunca testado, o fato ao mistério, o atual ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, o riso presente à felicidade utópica. (OAKESHOTT, 1991, p. 408). O linguista e filósofo George Lakoff busca em sua obra “Moral Politics: What Conservatives Know that Liberals Don't” explicar o pensamento conservador partindo de um 27 contraste com o pensamento liberal e fazendo uso de modelos familiares para exemplificar esse pensamento. Um conservador envolve seus valores morais e familiares quando trata de questões políticas ou pessoais, sempre abordando em seus discursos palavras como caráter, virtude, disciplina, rigidez, normas e padrões, autoconfiança, responsabilidade individual, preservação de patrimônios físicos e ideológicos, meritocracia, autoridade, direito a propriedade, liberdade, punição, trabalho árduo, dentre outras (LAKOFF, 1996, p.18-30). Segundo Lakoff, a visão de mundo de um conservador segue um modelo paternal estrito: Esse modelo coloca um núcleo familiar tradicional, com o pai tendo a responsabilidade primária de sustentar e proteger a família bem como a autoridade para definir a política geral, para estabelecer regras rígidas para o comportamento das crianças e para reforçar as regras. A mãe tem a responsabilidade diária de cuidar da casa, criando as crianças e apoiando a autoridade do pai. As crianças devem respeitar e obedecer aos pais; fazendo isso, constroem caráter, isto é, disciplina própria e auto resiliência. Amor e nutrição são, claramente, uma parte vital da vida familiar, mas não pode nunca sobrepor a autoridade paternal, sendo em si uma expressão de amor e nutrição – amor firme. Autodisciplina, auto resiliência e respeito para com a autoridade legitima são elementos cruciais que a criança deve aprender. Quando maduras, as crianças estão por si só e devem depender da autodisciplina adquirida para sobreviver. Sua auto resiliência lhes dá autoridade sobre seus próprios destinos e seus pais não devem interferir em suas vidas (LAKOFF, 1996, p. 33, tradução nossa).3 A moralidade desse modelo se baseia no pressuposto de que o próprio exercício da autoridade é moral, justamente por estabelecer um sistema moral de recompensas por obediência e punições por desobediências. Esse sistema parte do pressuposto de que a vida em si corresponde a uma luta pela sobrevivência a partir da competição entre indivíduos, sendo necessário que a criança seja punida e recompensada nesse meio para que possa obter autodisciplina e, por fim, alcançar sucesso e prosperidade futura. A presença da competição nesse sistema é crucial para compreender a visão conservadora acerca da meritocracia – uma vez que aqueles que obtêm sucesso sem autodisciplina ou merecimento são indivíduos imorais – e da sobrevivência, pelo fato de que somente irão triunfar os que merecem – abraçando uma realidade na qual alguns, por falta de empenho, naturalmente não serão melhores que outros que se mantiveram empenhados. 3 “This model posits a traditional nuclear Family, with the father having primary responsibility for supporting and protecting the family as well as the authority to set overall policy, to set strict rules for the behavior of children, and to enforce the rules. The mother has the day-to-day responsibility for the care of the house, raising the children, and upholding the father’s authority. Children must respect and obey their parents; by doing so they build character, that is, self-discipline and self-reliance. Love and nurturance are, of course, a vital part of family life but can never outweigh parental authority, which is itself an expression of love and nurturance – tough love. Self- discipline, self-reliance, and respect for legitimate authority are the crucial things that children must learn. Once children are mature, they learn on their own and must depend on their acquired self-discipline to survive. Their self-reliance gives them authority over their own destinies, and parents are not to meddle in their lives.” (LAKOFF, 1996, p. 33). 28 Portanto, a força moral conservadora, remetendo a dicotomia da Guerra Fria de Reagan, subdivide a realidade entre duas escolhas: o bem ou o mal (LAKOFF, 1996, p. 67-70). Entretanto, a prática do conservadorismo na política utiliza-se de ambições futuras que podem resultar em mudanças. Sendo assim, reside aqui a diferença entre um conservador político e a sua faceta mais radical e caricata que acaba por rotular todos aqueles que se autodenominam conservadores, o reacionário (QUINTON apud COUTINHO, 2014, p. 24-25). O pensamento futuro do conservador político opera de maneira reativa ao avanço de outras ideologias vistas como utópicas que ameacem a preservação dos fundamentos básicos de uma sociedade. Logo, o conservadorismo surge como uma “ideologia emergencial” frente a fortes mudanças políticas, culturais e sociais (HUNTINGTON apud COUTINHO, 1957, p. 460-461). O conservador compreende a realidade como complexa e diversa, se opondo a ideia de que valores como liberdade, igualdade e fraternidade serão usufruídos por todos na mesma intensidade. Tal falácia corresponde a “falácia agregadora” de Roger Scruton, repudiada pelo pensamento conservador (SCRUNTON, 2013, p. 153-165). A ação do político conservador se baseia na preservação da tradição e de valores que devem guiar e manter uma sociedade ou nação estáveis. O indivíduo nesse meio é moldado e deve atuar positivamente na preservação de tradições, instituições e valores que devem ser usufruídos pelas gerações futuras, deixando de lado seu comportamento natural que pode comprometer a efetivação desse compromisso (BURKE apud COUTINHO, 2014, p. 60-61). Logo, revoluções e reformas, ao passo em que tentam instaurar mais liberdade, igualdade e fraternidade somente resultarão, na ótica de um conservador, em um grau mais perverso de servidão, desigualdade e violência. Mudanças devem ser somente superficiais ou pautadas nas leis, já que as bases estruturais da sociedade permanecerão as mesmas assim como os costumes e tradições do povo dessa sociedade. Toda e qualquer mudança deve ser realizada de forma prudente e com base na tradição. Realizadas de tal maneira, a reforma e a mudança passam a ser um grande mecanismo de conservação (COUTINHO, 2014, p. 68-74). Burke aponta que “Um estado sem a possibilidade de alguma mudança é incapaz de se conservar.” (apud COUTINHO, 2014, p. 74). A inovação também possibilita a preservação e o melhoramento daquilo que é precioso e que está em risco, podendo esta ser de origem exógena ou endógena. A primeira, ao mesmo tempo em que traz perdas inevitáveis de algum aspecto da tradição, materializa também um ganho possível, cabendo ao conservador ponderar quais vantagens essa inovação pode ou não angariar. No segundo caso, quando originada pelo conservador, deve partir de uma base concreta, ser uma reação a algum defeito dentro do Estado, ser mínima e parcelada, ocorrer de maneira gradual e com o devido acompanhamento e, por fim, 29 ser limitada somente ao elemento que se encontra em falta, reduzindo os efeitos indesejáveis ou imprevisíveis que tal inovação pode trazer (COUTINHO, 2014, p. 75-76). A função do conservadorismo político enquanto governo deve, portanto, respeitar cinco premissas: (1) respeitar a imperfeição intelectual do homem – predisposição a buscar ideais completamente utópicos – frente a complexidade da realidade no ato de governar, (2) reconhecer as diferentes concepções do bem que definem sociedades democráticas, abertas e plurais, (3) respeitar profundamente as tradições para que sobrevivam por diversas gerações, (4) defender reformas que não degradem ou destruam as bases estruturais da sociedade e (5) valorizar e proteger o comércio dentro da sociedade como garantia do bem-estar entre os indivíduos. Logo, o Estado conservador atua de maneira modesta e prudente, preservando a existência de valores primários – individuais – e secundários – presentes na sociedade como um todo –, garantindo a homogeneidade nacional (COUTINHO, 2014, p. 99-102). Portanto, a mente conservadora assume que negar regras absolutas e padrões sociais e comportamentais seria o mesmo que dizer que não há padrões morais ou regras de convivência, somente restando duas escolhas: absolutismo moral ou o caos social. Logo, o padrão moral conservador pautado no modelo paternal estrito descrito anteriormente necessita de quatro requisitos mentais básicos para funcionar corretamente na mente de um indivíduo: categorização absoluta, sendo que tudo deve estar dentro ou fora de uma categoria para adquirir sentido; todas as regras devem ser literais; comunicação perfeita, na qual o ouvinte compreende o mesmo significado que seu interlocutor desejava transmitir; e o comportamento humano pautado nas premissas de recompensa e punições, sendo isso o que motiva determinadas ações individuais (LAKOFF, 1996, p. 366-370). Assim como em diversas ideologias, o conservadorismo na política norte-americana criou diversas ramificações. Para que seja possível uma melhor compreensão de diferentes grupos e forças presentes na política dos Estados Unidos, serão abordadas sete dessas ramificações. A primeira delas, o conservadorismo cristão, preocupa-se fundamentalmente com valores familiares entrelaçados em valores religiosos. Nesse sentido, são contrários ao aborto, favoráveis ao ensino religioso em escolas e ao casamento exclusivo entre indivíduos heterossexuais – buscando preservar esses valores até mesmo na esfera do entretenimento e das grandes mídias. Na história dos Estados Unidos, os conservadores cristãos são representados por uma aliança entre ativistas religiosos – sejam eles representantes oficiais ou não da igreja – e políticos da ala conservadora do GOP, representando uma das principais bases de apoio ao governo de Ronald Reagan nos anos de 1980 (LIENESCH, 1982, p. 5-7). 30 Em contrapartida, o conservadorismo constitucional se orienta com base nos limites estipulados pela constituição do país de 1787. Sendo a defesa da liberdade o elemento central desse conservadorismo, surgiu dentro do partido como uma forma de barrar medidas e pautas progressistas, apontando que estas estariam em desacordo com os princípios fundadores da nação. Por distintas interpretações que podem se originar da constituição, em suas manifestações mais extremas, serviu como fonte de influência para o Tea Party, como oposição à reformas sociais de seu período, e para a Alternative Right, que utilizou-se dos princípios da constituição para justificar o nacionalismo branco como parte natural da fundação dos Estados Unidos (KRAUTHAMMER, 2019). Já o conservadorismo fiscal, ou econômico como também é conhecido, ascendeu na política norte-americana na era Reagan, advogando por uma redução de impostos e da dívida nacional e um gasto governamental limitado. É justificado em termos de eficiência econômica nacional, mais presente no setor privado, preocupando-se com os custos econômicos presentes que serão herdados por gerações futuras – elemento principal que busca conservar (GIULIANI, 2007). O conservadorismo social, por sua vez, realça a preservação de valores e crenças tradicionais dentro de uma nação, isto é, a preservação de valores morais que estão em constante risco frente a degradação moral da sociedade – sendo sua preocupação central valores de matéria não fiscal. Logo, elementos do conservadorismo religioso compõe essa ideologia, somando-se também questões relacionadas a preservação dos valores culturais centrais ao país. Surgiu nos Estados Unidos ao final do século XX como uma resposta a interferências governamentais que promoviam o progressismo social, sendo interpretado como uma ameaça à ordem social. Além disso, defende a participação de instituições religiosas nas esferas do governo, opondo-se ao “ateísmo governamental” (HIMMELSTEIN; McRAE JR, 1984, p. 592-594). O conservadorismo libertário, por fundir-se ao libertarianismo4, defende a maior liberdade econômica possível e a menor interferência governamental possível na sociedade e na liberdade de um indivíduo. Diferentemente do libertarianismo bruto, a liberdade econômica e individual garantida é utilizada para atingir fins conservadores, buscando minar a disseminação de ideais liberais de democratas. Na contemporaneidade, é a ideologia que norteia as principais ideias do movimento do Tea Party (HEYWOOD, 2015, p. 37). A penúltima ideologia a ser abordada, o neoconservadorismo, encontra suas origens na década de 1970, como uma resposta ao movimento da contracultura que visava questionar os 4 Filosofia política que coloca a liberdade de um indivíduo como o maior valor político. Apesar de serem liberais clássicos, vão além da filosofia posta por John Locke, defendendo que o papel do Estado deve ser o mínimo possível para garantir o máximo de liberdade política e econômica a todos. Baseado no princípio de não agressão, a função principal do Estado deve ser punir todo uso ilegítimo da força frente qualquer desrespeito a individualidade de terceiros – evitando, também, ser tirano frente a liberdade individual. (BOAZ, 2020). 31 valores culturais e institucionais vigentes do período. No mesmo momento em que democratas se tornavam cada vez mais progressistas, antigos democratas, insatisfeitos com os rumos do partido, abandonam o partido. Nesse sentido, inicia-se como um movimento reativo dentro do liberalismo frente a corrupção dos valores tradicionais promovidos pela esquerda do período. Outro elemento que auxílio no surgimento dos neoconservadores fora a nomeação democrata à George McGovern, defensor de um discurso isolacionista. Para esses antigos democratas, tal política externa mostrava- se indiferente ao comunismo internacional que deveria ser combatido com voracidade. Segundo Irving Kristol, considerado o “pai” do movimento, um neoconservador nada mais seria do que “um liberal que caiu na realidade5”. Ganhando mais espaço e notoriedade nos anos de Reagan e no combate ao comunismo, defendendo uma política externa que misturasse um internacionalismo wilsoniano a um pragmatismo mais oportunista. Todavia, na administração de George W. Bush, obtiveram a presença requisitada em matérias de política exterior – sendo representada pela Guerra ao Terror iniciada após os ataques do 11 de setembro de 2001 (TEIXEIRA, 2010, p. 23-7). Logo, Carlos Gustavo Teixeira elenca quatro temas fundamentais da política externa neoconservadora, sendo o primeiro a defesa de um internacionalismo não-institucional – sem limitações provenientes de instituições internacionais –, mais nacionalista e menos defensivo. Em seguida, o unilateralismo internacional destaca-se como uma forma de não somente defender os interesses nacionais dos Estados Unidos, mas de preservar a estabilidade e a ordem do cenário internacional. Consequentemente, a promoção da democracia no âmbito internacional, o penúltimo tema, complementa o unilateralismo internacional, uma vez que a promoção de regimes democráticos em outras nações auxiliaria na preservação da segurança nacional dos Estados Unidos e, consequentemente, resgataria uma moralidade necessária para a política externa do país e para as relações entre nações – promovendo a mudança de regimes em determinadas nações. Por fim, a promoção internacional do poder militar norte-estadunidense e o constante investimento nacional no mesmo, entrando em conflito direto com correntes como o conservadorismo fiscal – uma vez que promove déficits governamentais e um Estado forte e que, domesticamente, defende, por exemplo, a manutenção do bem-estar-social (TEIXEIRA, 2007, p. 82-94). A última modalidade de conservadorismo, os paleoconservadores, enfatizam uma forte conexão com o passado, as vezes sendo categorizados como reacionários. Encontram em Russell Kirk, Edmund Burke e William F. Buckley Jr as principais premissas morais e políticas das quais fazem uso. Assim como os neoconservadores, são orientados para a proteção da família, valores religiosos e se opõe deterioração da cultura. Entretanto, são contra a imigração em massa e a 5 “A liberal mugged by reality”. 32 presença de tropas militares dos Estados Unidos em países estrangeiros, sendo um nacionalismo forte e não-intervencionista – representando o auge do isolacionismo conservador em política externa. Foram fortemente marginalizados desde a década de 1950, justamente por possuírem um caráter de conservadorismo mais retrógrado, ressurgindo nas eleições de 1992 com seu principal representante, Pat Buchannan. Apesar de perder a nomeação para George H. W. Bush, Buchannan conseguir mais de dois milhões de votos nas primárias, sendo responsável por auxiliar na derrota de Bush para Clinton. Se fizeram presentes dentro do Congresso até o início do século XXI, perdendo espaço para os neoconservadores na administração Bush. Todavia, com uma aparente crise da globalização sentida desde o primeiro mandato de Obama, paleoconservadores ganharam cada vez mais espaço no debate político dos Estados Unidos, criando think thanks e revistas digitais que acabaram por influenciar futuros movimentos da direita “anti-establishment”, como o Tea Party, a Alternative Right – sob a qual gerou profunda influência ideológica – e o subsequente movimento “trumpista” das eleições de 2016. Possuem convicção de que correspondem aos verdadeiros herdeiros do movimento conservador nos Estados Unidos da América (EUA), criticando outras vertentes existentes do conservadorismo, uma vez que acreditam que estas não serão capazes de preservar as tradições e valores que tanto prezam (DROLET; WILLIAMS, 2019, p. 17-18). 2.3 O nacionalismo norte-americano e a história do GOP Nessa secção, a história do Grand Old Party será apresentada de uma maneira breve, uma vez que o objetivo principal consiste em demonstrar os principais momentos e mudanças na trajetória histórica do partido, resultando em uma melhor contextualização do partido no período contemporâneo. A história do Partido Republicano inicia-se em meados do século XIX até os dias atuais. Ao longo desse período, o partido passou por momentos de construção, rupturas e de transformações profundas dentro de sua estrutura e de seus ideais e valores. Por esta razão, essa seção não tem como objetivo discorrer acerca do todo da trajetória histórica do GOP, uma vez que esse enfoque se distancia do objetivo principal do trabalho em questão. Além disso, obras como The Republicans: A History of the Grand Old Party (2014), de Lewis Gould, e To Make Men Free: A History of the Republican Party (2014), de Heather Cox Richardson, cumprem, de forma detalhada, com a proposta de apresentar uma trajetória histórica completa do partido. Logo, caberá nesse momento apresentar um breve histórico da origem do partido e os principais momentos ao longo de sua história que distanciaram o Partido Republicano contemporâneo de sua faceta inicial 33 – destacando determinados presidentes e períodos cruciais nos quais não estiveram no poder, mas que foram essenciais para sua evolução histórica. Para que os principais períodos sejam melhor compreendidos, foram realizadas cinco subdivisões. Na primeira, será abordado nacionalismo norte-americano no momento que precede a criação do GOP. A segunda etapa abordará a trajetória do partido desde sua criação em 1854 até o início do século XX, evidenciando um gradativo distanciamento de seus ideais fundacionais mais progressistas. Em seguida, será abordado o momento de reconfiguração partidária de 1914 a 1969, no qual há uma inversão de ideais entre os republicanos e os democratas, respectivamente, se aproximando de valores mais conservadores e de valores mais progressistas. O terceiro momento abordará o início do acirramento político com o Partido Democrata a partir de 1969, no qual há o desenvolvimento de uma polarização política e a consolidação de seus respectivos eleitorados. Finalmente, o governo Reagan e de H. W. Bush marcam o último período a ser abordado, correspondendo, ao mesmo tempo, no período de ápice do partido republicano e no início de crises internas que se potencializariam nos subsequentes governos. 2.3.1 O nacionalismo na formação dos EUA Perante outras nações, os Estados Unidos destacam-se como uma nação com um sentimento patriota latente, manifestado em comemorações fervorosas, como a o Dia da Independência em 4 de julho, na utilização de símbolos nacionais e, principalmente, na promoção de mensagens como America is number one. Como introduzido no início desse capítulo, o sentimento de superioridade nacional perante outros Estados acaba por distanciar os Estados Unidos de um sentimento patriota e o aproximar de um sentimento mais nacionalista – especificamente do nacionalismo cívico. Diferentemente de outros povos, o norte-americano valoriza sua nação como um todo de uma forma excludente. O slogan nacional citado acima representa de forma clara essa dinâmica: se os EUA é o número um, o pódio não é compartilhado. Para compreendermos a razão pela qual o distanciamento do sentimento patriota sempre ocorrera de forma quase que natural e, especialmente para os próprios norte-americanos, de maneira imperceptível, devemos compreender o sentimento do excepcionalismo norte-americano. Esse corresponde a convicção de que o povo norte-americano é o resultado de uma trajetória histórica única, sendo eles responsáveis por uma missão mundial também igualmente única (COX; STOKES, 2008 apud MAGNOTTA, 2016, p. 27). 34 O excepcionalismo, portanto, cultiva um sentimento de superioridade e que é facilmente reconhecido por terceiros e por aqueles que possuem o mesmo sentimento. Logo, tanto no campo doméstico quanto exterior, o excepcionalismo pode materializar-se através de dois elementos: o iluminismo ou a American civil religion. O aspecto iluminista corresponde a utilização de conceitos europeus na nova experiência norte-americana. Partindo-se do pressuposto de que os Estados Unidos seria uma tábula rasa6, esse seria a possibilidade de realizar o novo início proposto pela corrente iluminista europeia, livre do controle europeu e possibilitando a propagação da liberdade individual e do progresso por meio da razão. Logo, o experimento norte-americano seria o ponto de partida desse novo início, explicando assim o caráter missionário do excepcionalismo. Já a religião civil americana permite que seu povo expresse sentimentos patrióticos através de uma linguagem religiosa, e vice-versa. Esse aspecto cria um elo de consistência entre as preferências políticas e os imperativos religiosos da nação – razão pela qual a retórica religiosa se faz tão presente na história política dos Estados Unidos. A American civil religion constrói, portanto, uma aura de aprovação e de providência divina nas decisões tomadas dentro e fora da nação, evocando sempre uma confiança inabalável e um destino nacional solidificado por meio da providência (McCARTNEY, 2004, p. 403-406). Ainda há considerável hesitação entre nativos e autores norte-americanos em classificar e reconhecer que o patriotismo no país se assemelha mais a um nacionalismo cívico. Rich Lowry, editor-chefe do National Review, além de reconhecer a importância do nacionalismo na história dos Estados Unidos, o defende como sendo um fenômeno natural e essencial na história humana. O nacionalismo deve justamente ser infundido com os ideais de um país e seu senso de missão; deve ser uma força unificadora hostil ao racismo e a todas as distinções desagradáveis que operam nas lealdades subnacionais e nas políticas de identidade; deve ser respeitoso com as prerrogativas de outras nações, mesmo que tenha ciúmes. E o fato é que o nacionalismo é um fenômeno antigo, natural e incrivelmente difundido. (LOWRY, 2019, p. 15, tradução nossa7). 6 Teoria postulada por John Locke que pressupõe que construção do conhecimento e de ideias ocorre ao longo da experiência de um indivíduo. Dessa forma, “[…] que a mente é, como dissemos, um papel branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer ideias; como ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento está nela fundado e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento” (apud WEFFORT, 2011, p. 66-67). 7 “Nationalism should rightly be infused with a country’s ideals and its sense of mission; it should be a unifying force hostile to racism and all invidious distinctions that play into sub-national loyalties and identity politics; it should be respectful of the prerogatives of other nations, even as it is jealous of its own. And the fact is that nationalism is an age-old phenomenon that is natural and incredibly widespread.” (LOWRY, 2019, p. 15). 35 Além disso, o autor deixa claro que o nacionalismo cívico – abordados por muitos como o pilar do nacionalismo norte-americano – não possui tanto força quanto o nacionalismo cultural no país. Mesmo que os Estados Unidos cumpram com os requisitos de inclusão presentes em um nacionalismo cívico, a nação ainda apresenta um viés cultural muito forte, como a língua e a celebração de feriados específicos a história nacional. Para Lowry, nações não são compostas por associações voluntárias de indivíduos sob instituições políticas e ideias, mas sim pátrias que são sentidas dessa forma por indivíduos que a habitam e que estão ligados por uma rede de associações e memórias (2019, p. 18-19). Em contrapartida, Colin Dueck ressalta que o nacionalismo conservador representaria a tradição mais antiga de política externa do país, dominando o Partido Republicano especialmente no século XX após a primeira guerra, dividindo o partindo entre não-intervencionistas, unilateralistas de linha-dura e conservadores internacionalistas – já abordados na secção anterior (2019, p. 2-4). Nesse sentido, cabe ressaltar momentos cruciais na história do país e do GOP em que o nacionalismo se fez presente, tanto em questões domésticas quanto de política exterior. O primeiro momento crucial de manifestação do nacionalismo na história americana inicia- se na Revolução Americana (1775-1783) contra seus colonizadores britânicos, resultando na Declaração de Independência em 4 de julho de 1776 e no reconhecimento da mesma por parte da Grã-Bretanha ao final do conflito com a assinatura do Tratado de Paris. A conquista armada pela independência nacional representou duas significantes na formação dos Estados Unidos: seus nacionais estavam dispostos a derramar seu próprio sangue pelo direito de ser um Estado-nação livre e que o direito de autogoverno seria essencial na construção do nacionalismo no país. Após o fim do conflito, os Estados Unidos encontraram-se obrigados a lidar com as pretensões francesas e inglesas acerca de seus territórios e atividade comercial. O primeiro presidente norte-americano, George Washington (1789-1797) buscou conciliar possíveis desacordos entre essas duas nações de forma pacífica, como uma forma de preservar a paz ao longo de duas décadas e permitir que os Estados Unidos se fortalecessem como nação e aumentasse suas capacidades – anulando a possibilidade de ameaças exteriores. Nesse sentido, juntamente com seu então Secretário do Tesouro, Alexander Hamilton, é elaborado um dos mais importantes documentos da história do país, o Farewell Address (LOWRY, 2019, p. 117). Como seu próprio nome exemplifica, era superficialmente um discurso de despedida de Washington de sua vida pública. Entretanto, o Farewell Address foi responsável por elucidar diretrizes nacionais que definem a nação perante seu povo até os dias atuais. Em relação ao povo, Washington define que o povo americano, apesar das distinções individuais, é ligado pela mesma religião, costumes, hábitos e princípios políticos, e unido por uma causa em comum pela qual 36 lutaram e triunfaram juntos. No campo internacional, é defendida uma política externa clara e livre de amarras provenientes de alianças permanentes, buscando defender justamente a liberdade de agir de forma independente – também conhecido como freedom of action –, que irá perdurar até as reformulações de Woodrow Wilson e Franklin Roosevelt frente os dois grandes conflitos no início do século XX. Mesmo após essas reformulações o conceito de freedom of action ainda seria resgatado em inúmeras ocasiões por diferentes presidentes, visando preservar o interesse nacional frente restrições provenientes de alianças externas. Por fim, o documento prevê uma grandeza nacional perante o cumprimento das diretrizes propostas, sendo os Estados Unidos um modelo de liberdade política para outras nações (LOWRY, p. 127-129). A Doutrina Monroe de 1823 surge posteriormente como uma forma de cessar a intervenção de qualquer nação europeia no continente americano, buscando impedir qualquer possibilidade de reconquista de territórios nos EUA e encorajar o surgimento de um sistema amigável de regimes republicanos por toda a América Latina (DUECK, 2019, p. 12-13). Logo, o Destino Manifesto ao longo do século XIX representou um momento de teor nacionalista expansionista forte na história do país, uma vez que correspondia a crença de que seu povo seria eleito por Deus para liderar outras nações, sendo sua expansão ao longo do Norte– tanto sob o ponto de vista territorial quanto político e cultural – uma simples demonstração de seu dever divino (BONIKOWSKI, DiMAGGIO, 2016, p. 2). 2.3.2 De Lincoln ao início do Século XX: As transformações Internas do GOP Fundado em 20 de março de 1854, o Grand Old Party surgiu como uma resposta ao Kansas-Nebraska Act (1854) que ameaçava a resolução do Missouri Compromise (1820), que proibia a implementação da escravidão nos novos territórios do Colorado, Nebraska, Wyoming, Montana, Dakota do Sul e Dakota do Norte. A utilização do sistema econômico escravocrata nessas novas regiões, segundo a percepção de muitos nortistas, correspondia a uma ameaça ao princípio de oportunidades econômicas igualitárias, além de expandir um modelo econômico sulista arcaico para regiões que foram livres por mais de trinta anos. Confrontados com estruturas partidárias que se demonstram indiferentes ou subservientes a escravidão, nortistas abolicionistas e anti-escravidão uniram-se para a criação do Partido Republicano. O termo “republicano” foi empregado como uma forma de remeter a Thomas Jefferson – terceiro presidente do país e que chamava seu próprio partido de Republicano – e aos princípios da Declaração de Independência de 4 de julho de 1776, que justamente evocava o princípio da igualdade (RICHARDSON, 2014, p. 20-22). 37 Por mais que aparente ser um sistema bipartidário, os Estados Unidos desde sua fundação, até os dias de hoje, sempre foram um sistema multipartidário – apesar de nas últimas décadas o debate político ter orbitado entre os partidos Democrata e Republicano. No período anterior a sua criação, a política do país era dominada pelo Partido Democrata e pelos Whigs. O Partido Democrata desse período é extremamente diferente de sua faceta atual, justamente por defender um Estado pequeno e que não interferisse na economia, defendendo, dessa maneira, a supremacia branca no Sul do país. Já os Whigs, como o próprio nome denota, remetia ao partido britânico de mesmo nome, sendo contra o resgate de um sistema monárquico. Logo, esse partido detinha uma forte desconfiança no abuso de poder por parte do executivo. Ao mesmo tempo em que defendiam o interesse comum da sociedade, o partido possuía uma ligação estreita com grandes negócios e interesses comerciais. O descontentamento de alguns membros de ambos os partidos com o Kansas-Nebraska Act resultou em dissidência partidária e, consequentemente, levou a fundação do Partido Republicano (GOULD, 2014, p. 7-14). Nos anos iniciais de sua criação, o partido acreditava que o Estado deveria propiciar um ambiente econômico para o desenvolvimento de trabalhadores livres, e não privilegiar elites econômicas nacionais. A igualdade de oportunidades representou um pilar do movimento republicano ao longo do século XIX. Todavia, cabe destacar uma breve diferença entre os abolicionistas e o republicanos anti-escravidão. Os abolicionistas, compondo uma minoria, eram a favor da emancipação e da adoção de direitos civis aos negros, ao passo que o segundo grupo, do qual Abraham Lincoln – primeiro presidente do GOP – fazia parte, era também contrário a escravidão por acreditar em sua imoralidade, mas acreditava que a emancipação deveria ser gradual e que antigos escravos não deveriam possuir os mesmos direitos da população branca. A razão pela qual a emancipação ocorrera de forma abrupta em 1862 justifica-se a partir de uma política militar, buscando incrementar o contingente do exército da União, utilizando antigos escravos que desertavam de territórios do Sul contra as forças dos Confederados que defendiam a secessão dos territórios sulistas no período da Guerra Civil (1861-1865) (RICHARDSON, 2014, p. 40-47). A recusa a escravidão por parte de Lincoln e dos republicanos ao longo de seu mandato justificava-se com base na incompatibilidade de um sistema econômico escravocrata, que privilegiava elites oligárquicas e monopólios, com um futuro econômico prospero à nação, permitindo a oportunidade de prosperidade igual tanto para homens brancos quanto negros. Diferentemente do nativismo presente hoje no partido, no período da guerra, o Partido Republicano fora abertamente a favor da entrada de imigrantes no país, uma vez que o conflito acarretava baixa mão de obra que poderia ser suprida por estrangeiros (RICHARDSON, 2014, p. 48-53). 38 O período da presidência de Abraham Lincoln (1861-1865), e que tange o período da Guerra Civil, representou um momento essencial na consolidação nacional. No período anterior ao conflito, sob a ameaça de secessão territorial, Lincoln, mesmo sendo contrário a escravidão, não era contrário à proibição da mesma nos territórios ao Sul do país, uma vez que a tal contestação poderia ameaçar a preservação da União. Em 1854, Lincoln argumentou que por mais que eu odiasse a escravidão, consentiria em sua extensão, em vez de ver a União dissolvida, assim como consentiria a qualquer grande mal, para evitar um maior. Após o início do conflito, em 1862 afirmou em carta que “Meu objetivo primordial nesta luta é salvar a União, e não salvar ou destruir a escravidão” (LINCOLN, 1862, apud LOWRY, 2019, p. 152, tradução nossa8). Segundo sua visão, a escravidão não era compatível com os ideais fundadores da nação e, uma vez preservada a União, a escravidão simplesmente não resistiria. Todavia, com a tentativa de implementar a escravidão em territórios recém-anexados e subsequente oposição do Norte a expansão do modelo ao sul, Lincoln passou a observar a questão da abolição como uma medida necessária à guerra que auxiliaria na preservação da União. O Gettysburg Address9 serve como um exemplo claro do nacionalismo conservador de Lincoln nesse período, justamente por remeter aos princípios de igualdade e liberdade da Declaração de Independência (LOWRY, 2019, p. 153). Após o final da Guerra Civil, Lincoln e os republicanos conseguiram levar o partido de um player quase que irrelevante na política doméstica para um partido estruturado e altamente fortalecido, garantindo a seu presidente a sua reeleição. Todavia, em 15 de abril de 1865 Abraham Lincoln foi assassinado por John Wilkes Booth, ator e simpatizante dos confederados, em seu camarote durante uma peça de teatro. No período da reconstrução nacional – no qual o país se reestruturava após a guerra de secessão – a presidência do antigo vice-presidente de Lincoln, o republicano Andrew Johnson (1865-1869), acabou por quase que colocar em risco os ideais de igualdade defendidos pelos republicanos na concepção do partido, uma vez que o atual presidente era favorável a supremacia branca no país (GOULD, 2014, p. 36-8). A presidência de Johnson representou um momento curioso na história do partido, uma vez que após vetar o Civil Rights Act (1866) – primeiro documento legal que definia a cidadania e delimitava que todos eram iguais perante a lei e protegidos pela mesma – os congressistas do próprio partido do presidente derrubaram o veto presidencial. Além disso, a implementação de um processo de impeachment contra Andrew Johnson, apesar de não ter ocorrido, demonstrou o quão 8 “Much as I hate slavery, I would consent to the extension of it rather than see the Union dissolved, just as I would consente any great evil, to avoid a greater one. […] My Paramount object in this struggle is to save the Union, and is not either to save or to destroy slavery.” (LINCOLN, 1862 apud LOWRY, 2019, p. 152). 9 Discurso realizado no cemitério nacional dos soldados em Gettysburg, Pensilvânia, em 19 de novembro de 1863 (CORNELL UNIVERSITY, 2020). 39 dispostos estavam os republicanos desse período para garantir que os esforços para garantir a construção de uma nação moldada a partir dos ideais defendidos ao longo da Guerra Civil (GOULD, 2014, p. 42). Passados os dois mandatos do general republicano, Ulysses S. Grant (1869-1877), o período da reconstrução encerrou-se com a problemática posse do republicano Rutherford B. Hayes (1877-1881) nas eleições de 1876. Dúvidas e disputas acerca da supressão de votos da população negra fizeram com que os resultados fossem levados a comissão eleitoral, fazendo com que republicanos necessitassem da aprovação democrata para garantir a presidência de Hayes. No final, a barganha resumia-se em por um fim ao processo de reconstrução, retirando tropas da União dos assuntos políticos dos estados do Sul, uma concessão garantida e cumprida por Hayes após assumir a presidência. Nesse sentido, o compromisso firmado representava um abandono dos objetivos republicanos estabelecidos para a reconstrução nacional, já que permitiu que os estados sulistas abandonassem compromissos de direitos civis e se tornassem mais e mais segregados ao longo de setenta e cinco anos (GOULD, 2014, p. 59-60). Como aponta Heather Cox Richardson, os republicanos no último quarto do século XIX – a chamada Gilded Age – acabaram por se afastar, cada vez mais, dos princípios presentes na fundação do partido, consolidando uma distância da defesa de direitos civis da população negra e dos pequenos trabalhadores e uma aproximação maior dos grandes empresários e negócios, caracterizando o direcionamento de impostos para áreas de auxílio a sociedade como atitudes comunistas e socialistas – sendo que, ironicamente, os próprios republicanos que criaram a income tax10 no período da Guerra Civil (RICHARDSON, 2014, p. 100-3). Cada vez mais, os republicanos liberais ganhavam mais espaço e força dentro do partido. Enquanto as peculiaridades das eleições de 1872 levaram os republicanos liberais a dividir o mundo em trabalhadores esforçados e preguiçosos que queriam caridade, a política dos próximos anos cimentou essa divisão no partido como um todo. Nas duas décadas seguintes, uma nova geração de líderes republicanos solidificou o movimento do partido em direção aos grandes negócios. Eles abandonaram a ideia de que a economia cresceu de baixo para cima e começaram a argumentar que ela cresceu de cima para baixo. Refinando a crença dos fundadores republicanos de que todos compartilhavam uma harmonia de interesses econômicos, eles insistiram que a legislação que protegia as empresas beneficiava todos os americanos trabalhadores: empresas fortes criariam empregos, mais pessoas encontrariam trabalho e o país cresceria. As autoridades republicanas insistiram em uma tarifa alta para proteger a indústria. Eles cortaram impostos e atacaram qualquer tipo de regulamentação. Então, ignorando o fato de o sistema industrial que eles promoveram estar gerando crescente desigualdade econômica, os republicanos argumentaram que os trabalhadores que tentavam sobreviver com centavos por dia ou os agricultores que operavam com prejuízo 10 Equivalente ao Imposto de Renda nos Estados Unidos. 40 que tinham culpa: eram preguiçosos. Em vez de se prenderem ao trabalho, essas pessoas esperavam uma ajuda do governo, paga por dólares em impostos coletados de homens que trabalhavam duro. (RICHARDSON, 2014, p. 104, tradução nossa11). Ainda distante de adotar o discurso de defesa ao livre-comércio – nesse período defendido ainda pelos democratas – o GOP defendia tarifas protecionistas perante o comércio estrangeiro. A diferença era que essa tarifa, a partir de agora, tinha como objetivo beneficiar os grandes negócios (GOULD, 2014, p. 81). Em contrapartida, a subsequente presidência de Theodore Roosevelt (1901-1909) trouxe um flerte com a defesa do livre-comércio e uma retomada do sentimento de que os partidos políticos deveriam engajar em soluções para solucionar problemas sociais, e não defender grandes corporações – sentimento fortemente presente na população desse período. Para Roosevelt, pouco simpático ao protecionismo tarifário, o GOP era o partido responsável por um “nacionalismo construtivo”, sendo o poder governamental poderia ser empregado para permitir que todos os cidadãos compartilhassem os frutos de uma economia em expansão – com o tempo, vindo a crer que uma regulamentação governamental mínima da economia fosse necessária. Apesar não possuir habilidades persuasivas com membros de seu partido, sua conduta pública fez com que se tornasse uma “celebridade” perante o povo, sendo o primeiro presidente a utilizar sua família como um elemento de construção positiva de sua imagem política e, consequentemente, dando início a uma tradição comum na política dos Estados Unidos e de outras nações nas décadas seguintes (GOULD, 2014, p. 105-6). A presidência dos republicanos William McKinley (1887-1901) e Theodore Roosevelt (1901-1909) inauguram um novo momento no nacionalismo norte-americano em política externa, fazendo com que os Estados Unidos tomassem um papel de liderança ativa no cenário internacional. Na administração de McKinley, a nação adentrou a Guerra Hispano-Americana (1898), marcando uma intervenção norte-americana no auxílio a independência cubana, iniciada 11 “Whereas the peculiarities of the 1872 election prompted Liberal Republicans to divide the world into hard workers and lazy louts who wanted a handout, the politics of the next few years cemented that division into the regular party. Over the next two decades, a new generation of Republican leaders solidified the party’s swing toward big business. They abandoned the idea that the economy grew from the bottom up and began to argue that it grew from the top down. Refining the belief of Republican founders that everyone shared a harmony of economic interests, they insisted that legislation protecting business benefited all hardworking Americans: strong businesses would create jobs, more people would find work, and the country would grow. Republican officials insisted on a high tariff to protect industry. They cut taxes and attacked any sort of regulation. Then, ignoring the fact that the industrial system they promoted was driving growing economic inequality, Republicans argued that workers trying to survive on pennies a day or farmers operating at a loss had only themselves to blame: they were lazy. Instead of buckling down to work, these people expected a handout from government, paid for by tax dollars collected from men who were hard workers.” (RICHARDSON, 2014, p. 104). 41 pelos chamados Rough Riders12– sendo caracterizados por muito como o primeiro momento de manifestação de um imperialismo norte-americano na região (GOULD, 2014, p. 97). Já com Roosevelt, sua estratégia internacional foi sumarizada em speak softly and carry a big stick13, usando primeiramente um tom mais calmo e tático no campo discursivo – buscando solucionar disputas pacificamente – ao mesmo tempo em que a nação tem a capacidade militar para agir e defender seus interesses, dando maior poder ao discurso norte-americano. Durante seu mandato, a criação e a expansão da força marítima norte-americana foram partes essenciais para cumprir com os requisitos de uma nova política externa mais internacionalista (DUECK, 2019, p. 38-42). Logo, Roosevelt compreendia o subsequente papel pelo qual os Estados Unidos seriam responsáveis no século XX: “Quer desejemos ou não, não podemos evitar a partir de agora termos deveres a cumprir diante de outras nações. Tudo o que podemos fazer é estabelecer se iremos cumpri-los bem ou mal” (ROOSEVELT apud LOWRY, 2019, p. 165, tradução nossa14). Com a administração de seu sucessor, William Howard Taft (1909-1913), e a subsequente cisão entre os dois políticos, as eleições de 1912 que acabaram por eleger o democrata que comandaria o país no decorrer da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Woodrow Wilson (1913-1921), representaram um momento obscuro na história do partido. Se antes nenhum indivíduo estava acima do partido, Roosevelt, ao não conquistar a nomeação, personificou sua figura política e buscou concorrer através de um partido independente que havia criado15, e Taft acabou por firmar alianças com os indivíduos mais “sombrios” da ala conservadora do partido para garantir seu sucesso (GOULD, 2014, p. 141). 2.3.3 A Reconfiguração Partidária (1914-1969) Ao longo dos oito anos da presidência de Wilson, os republicanos, sem os ideais pregados por Roosevelt, distanciaram-se totalmente de reformas progressistas moderadas e ressurgiram como o partido conservador que viria a se manter pelo restante do século. Apesar da intervenção norte-americana na guerra espanhola, o consenso majoritário, tanto republicano quanto da nação como um todo, era de um isolacionismo dos Estados Unidos perante outras nações, buscando não 12 Primeira cavalaria voluntária no conflito contra a Espanha e que foi recrutada pelo sucessor de McKinley. Obteve alta publicidade nacional pelo uso extravagante de símbolos e roupas que remetiam ao orgulho nacional norte- americano (LIBRARY OF CONGRESS, 2011). 13 Fale manso, mas carregue um grande bastão. 14 “Whether we wish it or not, we cannot avoid hereafter having duties to do in the face of other nations. All that we can do is to settle whether we shall perform these duties well or ill.” (ROOSEVELT apud LOWRY, 2019, p. 165). 15 O chamado Partido Progressista, que durou somente quatro anos (1912-1916), sendo dissolvido pelo seu próprio criador, Theodore Roosevelt (MILKIS, 2009). 42 interferir ou tomar lados