Amanda da Silva Cuim A abordagem de gênero textual nos anos iniciais de escolarização: um olhar ontológico São José do Rio Preto 2019 Câmpus de São José do Rio Preto Amanda da Silva Cuim A abordagem de gênero textual nos anos iniciais de escolarização: um olhar ontológico Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino e Processos Formativos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Orientador: Prof.ª. Drª. Maria Eliza Brefere Arnoni São José do Rio Preto 2019 Amanda da Silva Cuim A abordagem de gênero textual nos anos iniciais de escolarização: um olhar ontológico Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino e Processos Formativos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Comissão Examinadora Prof.ª. Drª. Maria Eliza Brefere Arnoni UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto Orientador Prof. Dr. Mauricio dos Santos Matos USP – Ribeirão Preto Prof. Dr. Edilson Moreira de Oliveira UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto São José do Rio Preto 02 de setembro de 2019 AGRADECIMENTOS Gostaria de registrar aqui minha gratidão às pessoas que foram grandes apoiadoras para a meu ingresso e permanência nesses anos de mestrado. À Prof.ª. Drª Maria Eliza Brefere Arnoni, minha paciente e dedicada orientadora, que não mediu esforços para me guiar, com sua compreensão e dedicação, juntas conseguimos alcançar nossos objetivos e concluirmos a presente pesquisa. Não conseguirei aqui expressar o tamanho de minha gratidão e honra por tê-la em minha vida acadêmica. Obrigada! Aos professores que aceitaram ser banca, obrigada pelas contribuições e sugestões, aos Prof. Dr. Edilson Moreira de Oliveira e Prof. Dr. Mauricio dos Santos Matos. À Prof.ª. Drª Adriana Juliano Mendes de Campos pelas considerações feitas na banca de qualificação. A todos os docentes do Programa Ensino e Processos Formativos, gratidão! Ao Prof. Dr. Humberto Perinelli Neto, obrigada pela compreensão e paciência nesses anos com todos os discentes deste Programa. Ao meu esposo Rafael, que firmemente me apoiou em todos os momentos de minha vida pessoal, profissional e agora acadêmica, que com sua paciência, dedicação, não mediu esforços para me ajudar, muitas vezes apenas dando colo, nos momentos de incertezas e angústias. Sua participação foi decisiva para que eu chegasse até aqui, meu eterno amor e respeito. A meu filho, Carlos Eduardo, que desde o meu ventre, participou desta caminhada e, mesmo tão pequeno, me deu forças para seguir, meu amor eterno. Aos meus pais, que desde sempre não medem esforços para me apoiar e guiar, pela paciência, amor e dedicação, obrigada! À minha mãe Marisete, em especial, também professora da educação básica, obrigada por me mostrar o caminho da docência, você é minha eterna inspiração! Aos meus amados Marco, Vanessa, Gabriel e Paloma, agradeço, imensamente, todo carinho e amor dispensados a mim! À minha amiga irmã Iara, por me apoiar e torcer por mim! Obrigada sempre! Às minhas amadas Paula e Priscila, por me apoiarem e acreditarem no meu trabalho. À minha amada amiga Elimeire, que tanto fez e faz por mim, e juntas conseguimos vencer nesta batalha acadêmica, meu muito obrigado. Às minhas amigas dialéticas, Alexsandra, Marcela, Patrícia e Verena, foi um imenso prazer conviver e aprender muito com vocês, sou grata pela nossa amizade! RESUMO A intencionalidade desta pesquisa é investigar a organização didático-pedagógica de atividades que objetivam o desenvolvimento do conceito de gêneros textuais nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Selecionamos como objeto de análise o conceito educativo, ou seja, a organização metodológica do conceito científico de gênero textual no processo educativo, tendo a mediação dialética como categoria de análise, segundo a “Teoria Pedagógica da Metodologia da Mediação Dialética M.M.D.” que fundamenta a perspectiva ontológica da atividade educativa (ARNONI, 2014, 2016, 2017, 2018). Elegemos como objetivos: estudar os fundamentos ontológicos da linguagem, em especial, sua natureza social que reflete as relações sociais e veiculam o efeito das lutas sociais, numa sociedade organizada em classes sociais; compreender a linguagem das crianças como diversificação de gêneros textuais que expressam a natureza social de seu cotidiano; analisar a apresentação de gênero textual no livro didático (LD). Em relação aos gêneros textuais, apontamos os limites dos exercícios do LD, os quais dificultam e cerceiam a compreensão conceitual das crianças e apresentamos a proposição teórico- metodológica da M.M.D. como possibilidade do professor estudar e desenvolver o conceito científico de gênero textual, resgatando as ideias iniciais que os alunos trazem deste conceito, via linguagem cotidiana, valorizando-a (RESGATANDO), para, então, elaborar a questão problematizadora, pautada no conceito científico de gênero textual, que permita ao aluno estabelecer a contradição com suas ideias iniciais (PROBLEMATIZANDO), encaminhando o processo educativo para a sistematização do conceito ensinado, em que o professor discute conceitualmente a contradição, permitindo ao aluno superar suas ideias iniciais, via elaboração conceitual (SISTEMATIZANDO), potencializando, assim, a oportunidade do aluno expor suas ideias via elaboração de textos, em diferentes modalidades (PRODUZINDO). Explicitamos a relação pedagógica da mediação dialética entre professor e aluno, na perspectiva da ontologia do ser social, articulando dialeticamente - subjetividade e objetividade -, como elementos essenciais do processo educativo, gerando o movimento em espiral da produção do conhecimento (ARNONI, 2018). Palavras-chave: Conceito educativo, Teoria Pedagógica e Metodologia da Mediação Dialética, Gêneros Textuais. ABSTRACT The intent of this research is to investigate the didactic-pedagogical organization of activities that aim the development of the concept of textual genres in the early years of elementary school. We selected as an object of analysis the educational concept, ie the methodological organization of the scientific concept of textual genre in the educational process, with dialectical mediation as a category of analysis, according to the “Pedagogical Theory of the Methodology of Dialectic Mediation MMD” that underlies the perspective. ontological analysis of educational activity (ARNONI, 2014, 2016, 2017, 2018). We chose as objectives: to study the ontological foundations of language, especially its social nature that reflects social relations and convey the effect of social struggles in a society organized into social classes; understand children's language as a diversification of textual genres that express the social nature of their daily lives; analyze the presentation of textual genre in the textbook (LD). Regarding the textual genres, we point out the limits of the exercises of LD, which hinder and limit the conceptual understanding of children and present the theoretical-methodological proposition of M.M.D. as a possibility for the teacher to study and develop the scientific concept of textual genre, rescuing the initial ideas that students bring from this concept, through everyday language, valuing it (RETURNING), to then elaborate the problematizing question, based on the scientific concept of textual genre, which allows the student to establish the contradiction with his initial ideas (TROUBLEMAKING), directing the educational process to the systematization of the concept taught, in which the teacher conceptually discusses the contradiction, allowing the student to overcome his initial ideas, via conceptual elaboration ( SYSTEMATIZING), thus enhancing the student's opportunity to expose their ideas via text writing, in different modalities (PRODUCING). We explain the pedagogical relationship of dialectical mediation between teacher and student, from the perspective of the ontology of social being, dialectically articulating - subjectivity and objectivity - as essential elements of the educational process, generating the spiral movement of knowledge production (ARNONI, 2018). Keywords: Educational concept, Pedagogical Theory and Methodology of Dialectical Mediation, Textual Genres. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Competências Específicas de LP para o EF. ................................................... 24 Figura 2 Esquema da M.M.D .............................................................................................. 77 Figura 3 Coleção do Livro Didático "Buriti Mais Português" 2º ano do EF (anos iniciais) ..................................................................................................................................... 80 Figura 4 História em Quadrinhos ...................................................................................... 84 Figura 5 Para compreender o texto ................................................................................... 87 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Matriz Curricular curso de Pedagogia UNIVESP. ......................................... 31 Quadro 2 O gênero textual ao longo da história (BORGES, 2012). ............................. 38 Quadro 3 Definição de Tipos e Gêneros textuais. ........................................................... 43 Quadro 4 Correspondente curricular de Língua Portuguesa. ........................................ 81 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ATPC Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo BNCC Base Nacional Comum Curricular CNE Concelho Nacional de Educação EF Ensino Fundamental GPMMD Grupo de Pesquisa Metodologia da Mediação Dialética HQ História em Quadrinhos HTPC Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDESP Índice de desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo LD Livro Didático LP Língua Portuguesa M.M.D Metodologia da Mediação Dialética MEC Ministério Nacional da Educação PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PISA Programa Internacional de Avaliação de Estudantes SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11 2 GÊNEROS TEXTUAIS NOS ANOS INICIAIS DE ESCOLARIZAÇÃO................... 17 2.1 “PCN” (1998) e “BNCC” (3ª versão, 2017) ...................................................... 17 2.2 A formação do professor dos anos iniciais da Educação Básica .................... 27 2.2.1 Documentações oficiais na formação inicial e continuada dos professores dos anos iniciais da educação básica ................................................................... 28 2.3 Escola como lócus formador ........................................................................... 32 2.3.1 Gêneros Textuais ........................................................................................ 33 2.4 Gêneros e Tipos Textuais ............................................................................... 41 3 LINGUAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR: COLABORAÇÕES DE BAKHTIN, VIGOTSKI E ARNONI .............................................................................................. 46 3.1 Bakhtin (1997, 2006, 2009) e os Gêneros do Discurso ................................... 48 3.2 Vigotski (1993, 2001, 2007) e a abordagem da linguagem, em sua natureza social .................................................................................................................... 55 3.3 Arnoni (2014, 2016, 2017, 2018) e a “Teoria pedagógica da Metodologia da Mediação Dialética M.M.D.” .................................................................................. 68 4 GÊNEROS TEXTUAIS NO LIVRO DIDÁTICO DO 2º ANO DE ESCOLARIDADE 80 4.1 Análise do conceito de “Gênero Textual História em Quadrinhos” presente no LD do 2º ano ........................................................................................................ 83 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 89 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 92 11 1 INTRODUÇÃO “O nascimento da linguagem só pode ser compreendido em relação com a necessidade, nascida do trabalho, que os homens sentem de dizer alguma coisa”. (LEONTIEV, 1978, p.86) Debates promovidos pelos educadores da Educação Básica, a respeito do ensino da linguagem no Ensino Fundamental confirmam que as práticas educativas desenvolvidas não condizem com a realidade dos alunos e não têm favorecido o avanço adequado da proficiência dos alunos em Leitura e Escrita. Um dos aspectos que corrobora para mantê-lo, assim, são os modelos pedagógicos impostos pelos órgãos oficiais que se apresentam por meio das sequências didáticas que prescrevem a ação do professor e do aluno e se caracterizam como aprendizagem mecânica. Tais imposições enfraquecem tanto a capacidade de o professor elaborar uma aula, quanto a capacidade do aluno de aprender. É comum, também, no meio acadêmico, a discussão sobre a questão metodológica do ensino da linguagem constantemente apontada pelos professores como dificuldade na alfabetização, o que é comprovado pelos baixos índices de aprendizagem das crianças, segundo dados divulgados pelas avaliações externas que recaem sobre a educação escolar brasileira, como o IDEB (Índice de desenvolvimento da Educação Básica) e o IDESP (Índice de desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo), dentre outros. A literatura educacional e os manuais pedagógicos, usualmente, não informam a “maneira” ou “o como” o professor deve atuar para que os alunos compreendam as informações conceituais abordadas, ou seja, não apresentam orientações metodológicas adequadas para o professor se pautar quando ensina conceitos que os alunos desconhecem. E mais, determinam que sejam feitas perguntas, sem delimitar as etapas processuais e sem informar o que fazer com os registros parciais elaborados pelo aprendiz, ou seja, não explicitam os conceitos curriculares que o aluno deve passar a dominar; não potencializa suas ideias iniciais ou raciocínios reflexivos que constituem a aprendizagem, em direção ao conceito educativo; permanecendo somente transposição desarticulada do livro didático para a prática de sala de aula. Decorrente de minha prática docente, em 2007, numa sala de 1º ano do ensino fundamental, numa rede municipal de ensino, passei a perceber que a 12 alfabetização representava um grande desafio profissional. Como a graduação e a formação continuada não proporcionavam subsídios teóricos e metodológicos para a alfabetização, as atividades eram guiadas por sites de internet, coleções de livros comprados ou emprestados e, muitas vezes, improvisadas via utilização de materiais oficiais, que traziam os gêneros textuais, sem conceituá-los e, assim, professores como eu apenas utilizavam o que estava no material, ensinando características dos textos, sem sua funcionalidade. No entanto, eram notórias as dificuldades de leitura e de escrita dos alunos, apesar do trabalho com gêneros textuais, desenvolvido nas atividades em sala. Pude verificar que os gêneros textuais na escola são tratados de maneira fragmentada, com ênfase nas suas características estruturais e de composição, gerando dificuldades em encontrar sua funcionalidade educacional, como mostram os PCN’s: (...) no processo de ensino e aprendizagem dos diferentes ciclos do ensino fundamental espera-se que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania (BRASIL, 1998, p. 32). Este contexto despertou meu interesse pela área de pesquisa acadêmica, quando em 2013, frequentei as aulas do mestrado em Educação na UNESP de Araraquara, com o professor Francisco Mazzeu, na disciplina “Alfabetização e trabalho: Múltiplas Determinações”, em que o professor abordava os estudos de Marx, que dava suporte à minha prática e, a cada aula, uma nova descoberta, num mundo paralelo ao que vivenciava, porém, ainda em busca de um aporte metodológico que me permitisse exercer a docência segura de que estava ocorrendo, de fato, a aprendizagem efetiva e significativa pelos alunos, no que diz respeito à aquisição do substrato linguístico. Continuei estudando, pesquisando, e então, em 2016, com a abertura do Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos no IBILCE/UNESP, fiz uma disciplina com a professora Solange V. Lima D’Água, conheci os professores da linha de Tecnologia, Diversidades e Culturas e, no processo seletivo de 2017, entrei como aluna regular orientada pela professora Maria Eliza Brefere Arnoni. 13 Nos HTPC’s – Horas de Trabalhos Pedagógicos - e nos planejamentos, as leituras sobre a questão de alfabetizar utilizando gênero textual suscitavam dúvidas, visto que a literatura que consultava remetia à necessidade de utilizar uma variedade significativa de textos; no entanto, não estabelecia critérios para uma seleção e nem meios para desenvolver suas relações com o processo de ensino e aprendizagem. Esta situação educacional explicita a situação atual do ensino referenciado em textos no Brasil, comprovada pelas Avaliações externas, como IDEB (2017) e PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) (2015) que apresentam dados demonstrando a necessidade de avanço em relação ao ensino de língua portuguesa em interpretação de texto, principalmente no ensino público que atinge as classes de trabalhadores. Segundo o Relatório Nacional PISA (2015), O desempenho dos alunos no Brasil está abaixo da média dos alunos em países da OCDE em ciências (401 pontos, comparados à média de 493 pontos), em leitura (407 pontos, comparados à média de 493 points) e em matemática (377 pontos, comparados à média de 490 pontos). A média do Brasil na área de leitura também se manteve estável desde o ano 2000. Embora tenha havido uma elevação na pontuação de 396 pontos em 2000 para 407 pontos em 2015, esta diferença não representa uma mudança estatisticamente significativa. (PISA, 2015) Mesmo que se considere as limitações existentes neste tipo de avaliação, não se pode negar a existência de uma deficiência no ensino de língua portuguesa no nosso país. Frente a isto, pensando sobre as dificuldades que surgiram em minha prática, elaboramos algumas questões que nortearam esta pesquisa: - A apresentação de “gênero textual” nos documentos oficiais como PCN (Parâmetros Nacionais Curriculares) e BNCC (Base Nacional Comum Curricular) permite ao professor conceituá-lo cientificamente? - A formação inicial do professor da Educação Básica, via licenciatura em Pedagogia, desenvolve conceitualmente o “Gênero Textual” como base da alfabetização? - O professor percebe a necessidade de compreender o conceito de Gênero textual para ensiná-los aos alunos, em processo de alfabetização? - A organização do livro didático (LD) “Buriti Mais Português” permite aos alunos do 2º ano do Ensino Fundamental a elaboração inicial do conceito de gênero textual? 14 E, em relação aos procedimentos metodológicos, delimitamos, como universo da investigação, os documentos oficiais presentes na escola (PCN, BNCC, LD) no que se refere ao ensino do conceito científico de gênero textual nos anos iniciais no EF; como objeto de análise, o conceito educativo que propõe a organização metodológica do conceito científico de gênero textual no processo educativo e, como categoria de análise, a mediação dialética ancorada na linguagem na composição da relação pedagógica da mediação dialética que o professor estabelece como aluno, no desenvolvimento conceito educativo, via M.M.D.. (ARNONI, 2014, 2016, 2018). Como objetivo geral desta pesquisa, pretendemos analisar a apresentação do conceito científico de gênero textual no livro didático, via conceito educativo. E, como objetivos específicos, pretendemos, a) estudar os fundamentos ontológicos do conceito de linguagem em Vigotski (1993, 2001, 2007) e Bakhtin (1997, 2006, 2009); b) explorar o conceito científico de gêneros textuais; c) estudar os conceito específico do gênero textual Histórias em Quadrinhos; d) examinar os conceitos específicos e depreender a finalidade/função da linguagem na apresentação do conceito dos gêneros textuais nos livros didáticos selecionados, segundo seu autor; e) identificar a contribuição da linguagem como natureza social, presente no processo educativo por meio da Metodologia da Mediação Dialética, segundo Arnoni (2014, 2016, 2018). De maneira geral, a pesquisa foi delineada por momentos distintos e articulados, que atendem aos objetivos apresentados, via capítulos, abaixo apresentados. Capítulo 1 Introdução - Apresentamos a formação profissional e inicial da pesquisadora, bem como a motivação para cursar a Pós-graduação em Ensino e Processos Formativos, a nível de Mestrado Acadêmico e o questionamento da presença oficial dos gêneros textuais nas salas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, cujas discussões compõem os capítulos que seguem. Na introdução também são apresentadas as questões que nortearam a pesquisa Capítulo 2 - O entendimento de gênero textual nos documentos oficiais que tratam da formação inicial do professor da Educação Básica, como os PCN’s e a BNCC, bem como de autores que se dedicam ao estudo da Língua Portuguesa, 15 numa perspectiva educacional, como Marcuschi (2002, 2010), Dolz e Schneuwly (2004, 2010), Bronckart (1999), Bazerman (2005), dentre outros. Capítulo 3 - A natureza social da linguagem expressa nos gêneros textuais, fundamentada pelos autores clássicos, como Bakhtin (1997, 2006, 2009) e Vigotski (1993, 2001, 2007), como também este conceito de Linguagem na relação pedagógica da mediação dialética, desenvolvida por Arnoni (2014, 2016, 2018), em que aborda questões sobre o desenvolvimento intelectual do ser social. Capítulo 4 - Análise do gênero textual “História em Quadrinho” no Livro Didático “Buriti Mais”1 (2o ano do Ensino Fundamental), fundamentado em Arnoni (2014, 2016, 2018), acerca do conceito educativo, unidade da atividade educativa, desenvolvido na prática educativa, via Metodologia da Mediação Dialética, enriquecida por elementos relativos à linguagem presentes nos estudos de Vigotski (1993, 2001, 2007) e Bakhtin (1997, 2006, 2009). Considerações Finais - As reflexões desenvolvidas nesta pesquisa, confirmam que a linguagem - gerada pela necessidade de os homens comunicarem- se entre si, posta trabalho, uma atividade essencialmente humana - constitui-se na base essencial do desenvolvimento cognitivo do ser social, ao gerar seus processos mentais superiores. E, devido estas propriedades, a linguagem constitui-se, também, na base do processo educativo, ao desenvolver a mediação dialética entre professor e aluno, veiculando e dialetizando o conhecimento entre ambos, via conceito educativo, por intermédio da M.M.D. E, dentre as dificuldades que o professor se depara ao desenvolver a docência nos anos iniciais, em relação à ausência do conceito científico de gênero textual, em sua natureza social, citamos oficialmente a qualidade da formação inicial e da continuada; as legislações que determinam a grade curricular a ser seguida no EF; a presença determinante do livro didático, um elemento mercadológico, pautado no modelo burguês de aula, nos quais, apontamos como elemento consensual, o esvaziamento conceitual pela ausência de conceitos científicos em todas as dimensões de que envolvem a prática de sala de aula. Esta situação é discutida no planejamento processual da atividade educativa, elaborada por Arnoni (2014, 2016, 2017), em especial, na 1ª Fase, dedicada ao desenvolvimento da profissionalidade da docência, em que o professor 1 SANCHES, Marisa M. Coleção Buriti Mais Português 2º ano. São Paulo: Moderna, 2017. 16 se apropria de conceitos científicos, oriundos de áreas do conhecimento específicas que se articulam na composição da atividade educativa. A que produz os conceitos científicos a serem desenvolvidos com os alunos e a que produz os fundamentos teórico-metodológicos que orientam o professor na organização metodológica do conceito científico a ser ensinado nos anos de escolaridade, independente dos níveis de ensino. Os elementos teóricos e metodológicos presentes nesta organização metodológica, possibilita que o professor, conscientemente, transforme a linguagem formal do conceito científico em conceito educativo de gêneros textuais, adequando à sua prática docente na perspectiva da atividade educativa emancipadora. 17 2 GÊNEROS TEXTUAIS NOS ANOS INICIAIS DE ESCOLARIZAÇÃO Os Gêneros textuais são apresentados como objeto de ensino da disciplina de Língua Portuguesa e surgem na escola básica oficialmente via referenciais curriculares nacionais, como os PCN’s (Parâmetros Nacionais Curriculares) e o mais recente documento, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular). E, são apesentados nas formações continuadas como reuniões de ATPC (Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo) ou HTPC (Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo), em que os professores têm contato com o assunto de maneira fragmentada. Estes estudos são geralmente pautados em autores como Marcuschi, Dolz e Schneuwly, por meio de resumos de seus estudos, os quais exemplificam o assunto por meio de tópicos e, assim, o estudo das partes não correspondem à compreensão do todo e, neste sentido, o professor não depreende o conceito científico do gênero textual e, portanto, não estuda seus aspectos históricos, culturais e sociais. Esse assunto exige um aprofundamento que demandaria tempo e espaço não condizentes com a delimitação desta pesquisa. Nesse sentido, as considerações aqui apresentadas têm por objetivo pontuar questões centrais relacionadas à discussão do conceito científico de gênero textual, tendo por base os documentos oficiais previamente selecionados. 2.1 “PCN” (1998) e “BNCC” (3ª versão, 2017) Os materiais da BNCC (2017) e dos PCN’s (1998) são documentos oferecidos por órgãos Nacionais aos professores da Educação Básica das escolas públicas, nos quais constam os objetivos, as habilidades e as competências de leitura e de escrita a serem aplicadas. Enfim, os documentos objetivam orientar professores do Ensino Fundamental quanto ao trabalho com a Língua Portuguesa (LP), expondo procedimentos e estratégias para o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem de leitura e escrita, a fim de que os estudantes possam ser capacitados a ler, interpretar e escrever. Os PCN’s, implementados no ensino brasileiro na década de 90, constituem documento que não possui caráter de uso obrigatório, no entanto, é utilizado na formação dos currículos e organização dos municípios, Estados e da União, pois, 18 Segundo o entendimento do CNE, conforme dispõe o Parecer CNE/CEB nº 3/97: Os PCN´s não dispensam a necessidade de formulação de diretrizes curriculares nacionais que deverão fundamentar a fixação de conteúdos mínimos e a base nacional comum dos currículos, em caráter obrigatório para todo o território nacional, nos termos do Artigo 26 da Lei no 99.394/96 (LDB). O tema foi revisitado, quando da emissão da diretriz para o Ensino Fundamental, conforme estabelece o Parecer CNE/CEB nº 4/98: Embora os Parâmetros Curriculares propostos e encaminhados às escolas pelo MEC sejam nacionais, não têm, no entanto, caráter obrigatório, respeitando o princípio federativo de colaboração nacional. De todo modo, cabe à União, através do próprio MEC o estabelecimento de conteúdos mínimos para a chamada Base Nacional Comum (LDB, art. 9º). (BRASIL, 2017, p.05) No livro 1 dos PCN (1998) temos a seguinte afirmação, A conquista dos objetivos propostos para o ensino fundamental depende de uma prática educativa que tenha como eixo a formação de um cidadão autônomo e participativo. Nessa medida, os Parâmetros Curriculares Nacionais incluem orientações didáticas, que são subsídios à reflexão sobre como ensinar. (BRASIL, 1997, p.61) Neste trecho, o documento é apresentado como orientações didáticas sobre como ensinar, como subsídios para a organização e planejamento das aulas no Ensino Fundamental (EF), que tenha como eixo a formação de um cidadão autônomo e participativo, sem apresentar os fundamentos que subsidiam esta formação na sociedade atual, em que o cidadão é aquele que obedece as determinações impostas pela classe que está no poder (TONET, 2005, 2012), daí o aspecto ideológico que permeia o referido documento. O livro 2 dos PCN (1998) é apresentado como específico de Língua Portuguesa, trazendo aspectos do ensino da língua materna, O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Por isso, ao ensiná-la, a escola tem a responsabi l idade de garanti r a todos os seus alunos o acesso aos saberes l ingüísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos. (Grifos nosso) (BRASIL, 1997, p.15) Nota-se a preocupação, na elaboração do documento, em relação ao ensino da língua oral e escrita como prática social, contudo, não há conceitos ou definições sobre estas modalidades de linguagem, gerando a multiplicidade de entendimentos, que tenham como eixo a formação de um cidadão autônomo e participativo, numa sociedade de classes. Explicitam-se, assim, as contradições plantadas pelo documento oficial, por não apresentar as referências bibliográficas de suas asserções. Trata-se de atitudes reiteradas oficialmente que, neste contexto, definem 19 a linguagem como a relação de comunicação entre professor/aluno e aluno/aluno, como senso comum, diferentemente da concepção de Vigotski (1993, 2001, 2007), como considera Padilha (2013), Assumindo que o homem passa do estado de natureza para o estado de cultura pela atividade simbólica, as funções humanas, denominadas por Vygotsky de funções superiores, são constituídas nas relações entre pessoas, ou seja, nas relações interpessoais. Nessas relações é que acontecem as possibilidades de cada pessoa beneficiar-se da experiência cultural da espécie humana. A própria incapacidade de viver por conta própria ao nascer é condição natural da passagem do estado de natureza ao estado de cultura. Inserido no meio humano, adquire-se a condição humana, portanto, cultural. (Grifos nosso) (PADILHA, 2013, p.8) Nesse sentido, a linguagem como natureza social não é definida apenas pela relação com o outro, mas pela transformação do homem biológico para o social, por sua imersão no meio histórico, cultural e social. Assim, é preciso que a escola considere, na formação do aluno, necessariamente, as funções psicológicas de cada um, em suas relações interpessoais. Vigotski (1993, 2001, 2007) enfatiza a importância fundamental da linguagem como atividade simbólica responsável pelo desenvolvimento das funções psicológicas superiores da espécie humana, o que a vivência escolar tem propriedade de realizar, via relações interpessoais, se os professores se apropriarem dos fundamentos linguísticos clássicos, dentre outros. Entretanto, é necessário considerar as informações oficiais, Pode-se considerar o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa na escola como resultantes da articulação de três variáveis: o aluno, a língua e o ensino. O primeiro elemento dessa tríade, o aluno, é o sujeito da ação de aprender, aquele que age sobre o objeto de conhecimento. O segundo elemento, o objeto de conhecimento, é a Língua Portuguesa, tal como se fala e se escreve fora da escola, a língua que se fala em instâncias públicas e a que existe nos textos escritos que circulam socialmente. E o terceiro elemento da tríade, o ensino, é, neste enfoque teórico, concebido como a prática educacional que organiza a mediação entre sujeito e objeto do conhecimento. Para que essa mediação aconteça, o professor deverá planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno. (BRASIL, 1997, p.25) A tríade, definida no trecho acima, segundo o documento oficial, compõe-se de elementos e/ou variáveis que o professor deve considerar no ensino e na aprendizagem de Língua Portuguesa na escola: o aluno, a língua e o ensino. Definindo, o aluno, como sujeito da ação de aprender, por agir sobre o objeto de conhecimento; a Língua Portuguesa, como objeto de conhecimento, tal como se fala 20 e se escreve fora da escola; a língua que se fala em instâncias públicas e a que existe nos textos escritos que circulam socialmente; o ensino, como a prática educacional que organiza a mediação entre sujeito e objeto do conhecimento. Uma primeira observação, apesar de o documento ser encaminhado para o professor, não se dirige a ele, trata-o como ensino, o que permite depreender que esta proposta retira sua essencialidade. Ainda na perspectiva do Documento, é o ensino quem estabelece a mediação, outo aspecto que merece atenção, devido à diversidade de sinônimos que o termo congrega, dentre os quais, o de “professor mediador”, como se o professor estivesse entre o conceito ensinado e o aluno, como informa a referida citação, não considerando a proposição de Arnoni (2018), em que a linguagem, como mediação dialética, estabelece a relação pedagógica entre professor e aluno, no desenvolvimento do conceito educativo, via M.M.D., na atividade educativa. Diante desta constatação, apontamos a necessidade de situar o professor como o terceiro elemento, por ser ele o responsável pela organização da prática educacional. Assim, entendemos, primeiramente, que o documento oficial deve apresentar as referências bibliográficas que embasam cientificamente as informações que apresentam, caso contrário, torna-se um simples relato, em que as informações são vulneráveis, passíveis de interpretações antagônicas e equivocadas, no caso, em relação ao ensino e aprendizagem de LP. E mais, segundo Vigotski (1993, 2001, 2007) e Arnoni (2014, 2016, 2017, 2018), autores que embasam nosso estudo, a mediação é a relação sócio- pedagógica que se estabelece entre seres sociais, como o professor e o aluno, via linguagem no desenvolvimento do processo educativo. Padilha (2013) reitera esta concepção de mediação (VIGOTSKI, 1993, 2001, 2007 e ARNONI, 2014, 2016, 2017, 2018), ao citar Marx, O processo não é de humanização apenas, mas de hominização – transformação do biológico do homem em cultural, de acordo com a perspectiva histórico-cultural, cuja matriz marxista leva-me a citar o próprio Marx: “[...] Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo [o homem] modifica a sua própria natureza”. Hominizar-se e fazer-se homem nas relações concretas de vida social, mediadas pela linguagem, o que só é possível com outros homens, ou seja, a essência do processo de desenvolvimento cultural consiste exatamente na apropriação e no domínio do social. (PADILHA, 2013, p.8) 21 Depreendemos, nos documentos oficiais, um cuidado demasiado com a questão didática e um descaso em relação aos conceitos científicos, fundamental no processo de ensino e aprendizagem, em que, (...) esta ausência do referencial teórico dos termos básicos dos documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1997), por exemplo, leva o professor a comprometer-se com a educação escolar proposta pelo sistema político atual (...) (ARNONI, 2018, p. 24) Nesse sentido, o professor sem embasamento teórico para avaliar o livro didático, posto oficialmente na escola básica, o reproduz, juntamente com a reprodução do sistema, o qual, ideologicamente, faz com que ele, o professor, sinta- se culpado pelo fracasso dos alunos, algo enraizado em sua formação e que passa despercebido por ele. Por isso, a necessidade de o professor apropriar-se do conceito científico que irá ensinar e, também, dos pressupostos teórico- metodológicos que lhe explicam a organização metodológica do conceito científico a ser ensinado (ARNONI, 2018a). Segundo Arnoni (2018a), conceito científico pode ser compreendido como, (...) o conhecimento histórico e socialmente produzido pelo homem, ao ser validado cientificamente, ganha o status de científico. Ele tem como unidade básica o conceito científico, universal e provisório, o que lhe permite superações. Neste sentido, é possível afirmar que o conceito científico expressa, provisoriamente, a superação das contradições que o homem depreende na atividade estabelecida pelo mundo do trabalho, na produção e na reprodução da sua existência material e espiritual, ou, intelectual, compondo o repertório cultural e intelectual da educação escolar, no desenvolvimento do intelecto. (ARNONI, 2018a, p.41-42) É possível encontrar no PCN, (...) sob o título “Gêneros discursivos”, em coerência com o princípio didático que prevê a organização das situações de aprendizagem a partir da diversidade textual, estão especificados gêneros adequados para o trabalho com a linguagem oral e com a linguagem escrita. Embora não se tenha, neste documento, estabelecido exatamente quais gêneros seriam adequados para o trabalho específico com a leitura e com a produção de textos, isso não significa que devam ser utilizados indiscriminadamente. (BRASIL, 1997, p. 71) É preciso destacar que, no trecho acima, o documento utiliza o termo gêneros discursivos, modo descrito por Bakhtin (1997, p. 262), “Evidentemente, cada enunciado particular e individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais são denominamos gêneros do discurso”. (BAKHTIN, 1997, p.262) No PCN encontra-se os seguintes gêneros discursivos: 22 Gêneros discursivos: Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem oral: contos (de fadas, de assombração etc.), mitos e lendas populares; poemas, canções, quadrinhas, parlendas, adivinhas, trava-línguas, piadas; saudações, instruções, relatos; entrevistas, notícias, anúncios (via rádio e televisão); seminários, palestras. Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem escrita: receitas, instruções de uso, listas; textos impressos em embalagens, rótulos, calendários; cartas, bilhetes, postais, cartões (de aniversário, de Natal etc.), convites, diários (pessoais, da classe, de viagem etc.); quadrinhos, textos de jornais, revistas e suplementos infantis: títulos, slides, notícias, classificados, etc.; anúncios, slogans, cartazes, folhetos; parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas, trava-línguas, piadas; contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas populares, folhetos de cordel, fábulas; textos teatrais; relatos históricos, textos de enciclopédia, verbetes de dicionário, textos expositivos de diferentes fontes (fascículos, revistas, livros de consulta, didáticos etc.). (BRASIL, 1997, p.72) O referido documento apresenta gêneros discursivos e gêneros adequados para a linguagem escrita, não utilizam a denominação gênero textual. Aspectos encontrados em Bakhtin (1997): A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo. (1997, p. 262) A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), instituída pelo MEC, pela Resolução CNE/CP Nº 2, 22/12/2017, em relação linguagem, prevê em seu artigo 14º: I. Linguagens: a. Compreender as linguagens como construção humana, histórica, social e cultural, de natureza dinâmica, reconhecendo-as e valorizando-as como formas de significação da realidade e expressão de subjetividades e identidades sociais e culturais; (Grifos nosso) Ainda no artigo 14º: e. Desenvolver o senso estético para reconhecer, fruir e respeitar as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio cultural da humanidade, bem como participar de práticas diversificadas, individuais e coletivas, da produção artístico-cultural, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas; O documento informa que o aluno deve compreender as linguagens e desenvolver o senso estético, porém, não informa a relevância destas ações, como práticas educativas, as quais que, “(...) exercem o papel fundamental de inserir cada ser humano no mundo simbólico ou cultural”. (Padilha, 2013, p.9). E, mais, que pelas práticas educativas o professor insere o aluno no ambiente educacional cultural e 23 simbólico, concorrendo para o desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores, definidas por Vigotski (2001). A BNCC, no Ensino Fundamental (Anos Iniciais), cita gêneros textuais no eixo Produção de textos, como ampliação do eixo Leitura/Escuta, “(...) no eixo Leitura/Escuta, amplia-se o letramento, por meio da progressiva incorporação de estratégias de leitura em textos de nível de complexidade crescente, assim como no eixo Produção de Textos, pela progressiva incorporação de estratégias de produção de textos de diferentes gêneros textuais. (BRASIL, 2017, p.87). O trabalho com gêneros textuais propõe conscientizar os sujeitos do seu ‘ser-pensar-fazer’ e gerar um ‘saber-fazer’, informando o professor que o saber baseado na reflexão é uma transformação que modifica o sujeito, que passa do fazer imediato para um fazer informado, persuasivo e interpretativo. Assim, afirma que é importante os alunos se apropriem das especificidades linguísticas, sem perder a visão do todo a que estão inseridas e percebam que as particularidades têm sentidos construídos para determinados fins. As competências específicas para o ensino de LP encontradas na BNCC (figura 1) para o EF: 24 Figura 1 Competências Específicas de LP para o EF. Fonte: BNCC (2017), p.85 25 Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. (BRASIL, 2017, p.8) As competências de LP (Figura 1), definidas como conceitos e procedimentos, trazem nos itens 1 e 7, um encaminhamento similar ao que explicita a natureza social e ideológica do gênero textual, ao informar que a língua é um fenômeno cultural, histórico e social (item 1) e reconhecendo o texto com local de manifestação e negociação ideológica (item 7), não afirmando que a natureza da linguagem é de natureza social. Se a natureza social do conceito de linguagem fosse compreendida pelo professor, ele entenderia que a linguagem guarda a perspectiva ideológica da classe social que a utiliza, como as legislações oficiais, por exemplo, os livros didáticos. Por outro lado, entendemos que a escola só é capaz de promover a mobilização no conhecimento do aluno se o processo educativo partir das ideias que ele já elaborou em sua vivência anterior, caso contrário, ele se torna uma construção sem alicerce, que não oferece elementos que permitam ao aluno realizar a aprendizagem conceitual, o que inviabiliza uma “tomada de decisões pertinentes à vida prática e às suas relações sociais”. E, também, a expressão “pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”, por não trazer o pressuposto teórico que lhe informa, torna-se senso comum, cujo uso depende da noção que o sujeito tem deste assunto. Nesse aspecto, para Tonet (2012), A cidadania moderna tem a sua base no ato que funda o capitalismo, que é o ato de compra-e-venda de força de trabalho. Ao realizar este contrato, capitalista e trabalhador se enfrentam como dois indivíduos livres, iguais e proprietários. E esta é a base do desenvolvimento – certamente processual e conflitivo – de todos os subseqüentes direitos civis, políticos e sociais. (TONET, 2012, p. 34) E complementa, Reconhecer as limitações intrínsecas da cidadania não significa, de modo nenhum, menosprezar a importância que ela teve e tem no processo de autoconstrução do ser social. Significa apenas reconhecer que ela integra necessariamente– ainda que de modo contraditório e tensionado – a sociabilidade regida pelo capital. De modo que cidadania, por mais plena que seja, jamais será sinônimo de liberdade plena (TONET, 2012, p. 34) 26 Nesse sentido e, em termos acadêmicos, os materiais pedagógicos pautados na legislação oficial que descrevem as tarefas do professor, sem conceituar cientificamente os termos utilizados e sem apresentar referências bibliográficas, considerando que o professor os domine, torna-se senso comum, em que o professor utiliza de acordo com suas possibilidades como leitor. No entanto, o documento, afirma que é preciso que os alunos compreendam que as linguagens estão em constante mudança e que todos participam direta ou indiretamente do processo. Tal proposta assume a centralidade do texto como unidade de trabalho e as perspectivas enunciativo-discursivas na abordagem, de forma a sempre relacionar os textos a seus contextos de produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso significativo da linguagem em atividades de leitura, escuta e produção de textos em várias mídias e semioses. (BRASIL, 2017, p. 67) O trabalho com gêneros textuais e linguagem propõe conscientizar os sujeitos do seu ‘ser-pensar-fazer’ e gerar um ‘saber-fazer’, informando o professor que o saber baseado na reflexão é uma transformação que modifica o sujeito, que passa do fazer imediato para um fazer informado, persuasivo e interpretativo. Assim, afirma que é importante os alunos se apropriarem das especificidades linguísticas, sem perder a visão do todo a que estão inseridas e percebam que as particularidades têm sentidos construídos para determinados fins. Na esteira do que foi proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, o texto ganha centralidade na definição dos conteúdos, habilidades e objetivos, considerado a partir de seu pertencimento a um gênero discursivo que circula em diferentes esferas/campos sociais de atividade/comunicação/ uso da linguagem. Os conhecimentos sobre os gêneros, sobre os textos, sobre a língua, sobre a norma-padrão, sobre as diferentes linguagens (semioses) devem ser mobilizados em favor do desenvolvimento das capacidades de leitura, produção e tratamento das linguagens, que, por sua vez, devem estar a serviço da ampliação das possibilidades de participação em práticas de diferentes esferas/ campos de atividades humanas. (BRASIL, 2017, p.65) (Grifos nossos) Nesse aspecto, ressaltamos que o documento considera que o professor dos anos iniciais estudou gêneros textuais profundamente em sua formação inicial, a Pedagogia e, portanto, sendo capaz de entendê-los conceitualmente e desenvolvê- los com os seus alunos. Entretanto, o documento não explicita a natureza social do texto, vinculando-o à classe social que o elaborou, assim como as teorias pedagógicas oficiais atuais que se voltam para esta finalidade. Daí, o professor 27 culpar-se pelos problemas ocorridos em sala de aula, como se fossem frutos de seu trabalho mal realizado, ou seja, como expressão de seu fracasso. Para Arnoni (2018a), ensinar conceito científico é (...) a única possibilidade de a educação escolar valorizar o acervo cultural que traz, em sua história, a origem e o desenvolvimento da atividade humana laborativa e educativa estabelecida pelo mundo do trabalho. Compreender o conceito científico, em sua totalidade, potencializa, ao homem, a compreensão de si, do ambiente e dele no ambiente - natureza e sociabilidade, numa totalidade complexa, estabelecida prioritariamente pelo mundo do trabalho. E, potencializa, também, a proposição de transformações, por ele, pretendidas. (ARNONI, 2018a, p.41-42) No entanto, o fazer do professor é regulamentado por legislações, referenciais, emendas e diretrizes que prescrevem a rotina da prática, cujo uso gera acerto ou erro. Nesse contexto, (...) os dados estatísticos das avaliações internas e externas apontam para a ineficácia deste modelo educacional, sem valorar o empobrecimento da escola pública, em todos seus aspectos, do material ao cultural e, em especial, no conceitual. (ARNONI, 2018, p.25) Entendemos que o empobrecimento conceitual da escola pública, legalmente consolidado, é responsável pelo fracasso do processo educativo, cuja culpa recai sobre o professor e o aluno, ou melhor, sobre o meio em que vive. E, ainda, o aluno, por outro lado, assume o papel de agente do processo de aprendizagem sendo avaliado por meio de órgãos externos, onde o fracasso escolar já é contabilizado e esperado nessas avaliações. 2.2 A formação do professor dos anos iniciais da Educação Básica Ao analisarmos as discussões a respeito de atividades com textos nas escolas, nota-se uma grande preocupação por parte dos professores, por não ser algo fácil de ser realizado. E, existe uma resistência por parte dos alunos frente às suas dificuldades de leitura e escrita; muitos encaram esse exercício como maçante e desestimulante, mas geralmente possuem facilidade em se expressarem oralmente. Comumente a alfabetização pautava-se em cartilhas com textos fragmentados e desconexos, totalmente distantes da noção de discurso, visão embasada na teoria de Bakhtin (1997, 2006, 2009). Contudo, no contexto educacional atual, o conceito de texto foi aceito como a base do ensino da língua portuguesa, embora muitos educadores ainda não utilizem o texto em sua dimensão 28 discursiva. A esse respeito, Rojo e Cordeiro (2004) afirmam que o ensino na educação brasileira forma leitores que retiram dos textos apenas informações básicas e simples. E, nesse aspecto, o professor, antes de ser formador e ensinar um conceito ao aluno, precisa pesquisá-lo e estudá-lo, para entendê-lo, em sua totalidade complexa, o que lhe potencializa organizá-lo metodologicamente (ARNONI, 2018), e, assim, iniciar no processo educativo considerando o estado cognitivo do aluno. Trata-se, portanto, (...) da inclusão do professor que, participando e se apropriando do conhecimento que vem sendo acumulado pela humanidade, constrói respostas concretas às suas necessidades como parte do gênero humano. (PADILHA, 2013, p.7) É relevante asseverar que a inclusão do professor no contexto educacional se dá pela apropriação do conhecimento sócio-histórico e cultural que lhe permite compreender-se como ser social nesta sociedade excludente e, assim, incluir o aluno no contexto escolar, para que ele possa também apropriar-se do conhecimento sistematizado e socialmente produzido, objetivo da escola e direito de todos. Assim, em relação ao professor dos anos iniciais de escolaridade, ele necessita de uma formação inicial que lhe permita estudar os fundamentos teóricos das áreas de conhecimento que compõem o currículo dos anos iniciais para compreender os conceitos científicos que ensina e os fundamentos que lhe ensina a ensinar, ou seja, uma metodologia de ensino que relaciona o processo de ensinar/professor com o processo de aprender/aluno, considerando o aluno como ser social que se faz na relação que estabelece entre sua subjetividade e a objetividade posta, sendo esta predominante. No entanto, esses princípios ontológicos não são presentes explicitamente na legislação educacional que organiza a formação inicial, como discorreremos no item 2.2.1, a seguir. 2.2.1 Documentações oficiais na formação inicial e continuada dos professores dos anos iniciais da educação básica 29 Pela definição do parecer do CNE/CP/ 5/2005 (Conselho Nacional de Educação nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia), (reexaminado pelo parecer CNE/CP nº 3/2006), no artigo 6º trata: A estrutura do curso de Pedagogia, respeitadas a diversidade nacional e a autonomia pedagógica das instituições, constituir-se-á de: I - um núcleo de estudos básicos que, sem perder de vista a diversidade e a multiculturalidade da sociedade brasileira, por meio do estudo acurado da literatura pertinente e de realidades educacionais, assim como por meio de reflexão e ações críticas, articulará: (...) i) decodificação e utilização de códigos de diferentes linguagens utilizadas por crianças, além do trabalho didático com conteúdo pertinentes aos primeiros anos de escolarização, relativos à Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, Artes, Educação Física; (BRASIL, 2005, p. 21) Tendo como princípio básico da docência (ARNONI, 2018b), a relação dialética que o professor estabelece entre distintas áreas de conhecimento que a sustentam, a que informa os fundamentos dos conceitos científicos a serem ensinados e a que informa os fundamentos de como organizar metodologicamente os conceitos científicos a serem ensinados, depreende-se uma não preocupação das diretrizes da Pedagogia em propiciar ao futuro professor o estudo dos conceitos científicos que serão desenvolvidos nos anos iniciais da educação básica, respeitando a autonomia pedagógica das instituições. No entanto, entendemos que o sucesso da aprendizagem depende sobremaneira do conhecimento histórico sistematizado cientificamente que o professor se apropria principalmente na sua formação inicial que, (...) exige aprofundamento científico, resgate e sistematização de conceitos, bem como uma vivência acadêmica intensa, a partir da qual os universitários passarão a participar, mesmo quando ainda estudantes, da mobilização e produção do conhecimento científico, cultural e social, engajados na esfera de atuação de sua profissão. Socializar essa produção e conhecimento é tarefa de qualificação da formação inicial e continuada. (ARNONI, 2018b, p.8) De acordo com o parecer CNE/CP/ 5/2005, cada Instituição de Ensino Superior, estabelece a sua grade curricular, seguindo os pressupostos definidos nos pareceres disposto pelo MEC (Ministério Nacional da Educação), (...) conforme os Pareceres CNE/CES nos 776/1997, 583/2001 e 67/2003, que tratam da elaboração de diretrizes curriculares, isto é, de orientações normativas destinadas a apresentar princípios e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular. Visam a estabelecer bases comuns para que os sistemas e as instituições de ensino possam planejar e avaliar a formação acadêmica e profissional oferecida, assim como acompanhar a trajetória de seus egressos, em padrão de qualidade reconhecido no País. (Grifos nosso) (BRASIL, 2006, p.5-6) 30 No Parecer do CNE/CP 009/2001 das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, encontramos a seguinte afirmação: Os professores em formação precisam conhecer os conteúdos definidos nos currículos da educação básica, pelo desenvolvimento dos quais serão responsáveis, as didáticas próprias de cada conteúdo e as pesquisas que as embasam. É necessário tratá-los de modo articulado, o que significa que o estudo dos conteúdos da educação básica que irão ensinar deverá estar associado à perspectiva de sua didática e a seus fundamentos. (Grifos nosso) (BRASIL, 2001, p.39) Enfatizamos, neste trecho, a clareza da determinação oficial sobre a necessidade de a formação inicial garantir ao futuro professor o conhecimento dos “conteúdos definidos nos currículos da educação básica, pelo desenvolvimento dos quais serão responsáveis, as didáticas próprias de cada conteúdo e as pesquisas que as embasam” E, complementa, “É necessário tratá-los de modo articulado, o que significa que o estudo dos conteúdos da educação básica que irão ensinar deverá estar associado à perspectiva de sua didática e a seus fundamentos”. Depreendemos, neste documento oficial, duas ações complementares e fundamentais para a docência, as quais determinam que: (a) o desenvolvimento do conceito científico (definido como conteúdo) nos anos iniciais de escolarização é de responsabilidade do professor; (b) a aprendizagem destes conceitos científicos é responsabilidade das instituições de formação dos futuros profissionais. E, por serem complementares, devem relacionar-se. No intuito de analisar como esses pareceres são operacionalizados, selecionamos a Grade Curricular do curso de Pedagogia da UNIVESP - Universidade Virtual do Estado de São Paulo) 2019: Idealizado pelo Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Ensino Superior, o Programa UNIVESP (...) em parceria com a Unesp, que é o curso semipresencial de pedagogia. (...) cursos de graduação das três universidades estaduais – USP, Unicamp e Unesp. (...) curso de graduação da UNIVESP, que ousa ao ampliar vagas com o uso de tecnologias e oferece aos alunos um nível de qualidade próprio da Unesp (...) A oferta de vagas de graduação na Unesp aumentou 21% com as 1.350 vagas oferecidas via UNIVESP (...) as vagas UNIVESP significam, ainda, uma expansão de 6,5% relativamente ao total de cursos de graduação das três universidades estaduais – USP, Unicamp e Unesp. Além disso, o número de vagas para pedagogia nas três universidades praticamente triplicou com o curso UNIVESP/Unesp, passando de 745 para 2.095. (Do Portal do Governo UNIVESP 2 ) 2 http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/ultimas-noticias/aulas-de-pedagogia-univesp-unesp-comecam-na- segunda-feira/. Acesso em: 05 de agosto de 2019. http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/ultimas-noticias/aulas-de-pedagogia-univesp-unesp-comecam-na-segunda-feira/ http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/ultimas-noticias/aulas-de-pedagogia-univesp-unesp-comecam-na-segunda-feira/ 31 Numa primeira leitura, é possível depreender, pela nomenclatura das disciplinas, a não preocupação deste curso de graduação em Pedagogia em ensinar conceitos das áreas específicas do conhecimento que compõem a Educação Básica. A esse respeito, Padilha (2013) considera que: “O esvaziamento do saber elaborado, fruto do pensamento pós-moderno, tem colocado em risco o aprofundamento das discussões sobre o cotidiano da escola”. (PADILHA, 2013, p.7) Quadro 1 Matriz Curricular do curso de Pedagogia UNIVESP. 1º ANO 1º Bimestre CH 2° Bimestre CH Fundamentos Históricos, Filosóficos e Sociológicos da Educação. 80 Teorias da Aprendizagem 80 Psicologia da Educação 80 Teorias do Currículo 80 Produção de Texto e Comunicação 40 Políticas Educacionais e Estrutura e Organização da Educação Básica 40 3º Bimestre CH 4° Bimestre CH Matemática básica 80 Avaliação Educacional e da Aprendizagem 80 Didática 80 Inglês instrumental 80 Escola e Cultura 40 Metodologias para a pesquisa em Educação 40 Projeto Integrador para Licenciatura I 80 2º ANO 5º Bimestre CH 6° Bimestre CH Educação mediada por tecnologias 80 Sociologia da Educação 80 História da Educação 80 Filosofia da Educação 80 Projeto Integrador para Licenciatura II 80 7º Bimestre CH 8° Bimestre CH Fundamentos da Educação Infantil I 80 Educação Especial e LIBRAS 80 Alfabetização e letramento I 80 Alfabetização e letramento II 80 Projeto Integrador para Licenciatura III 80 3º ANO 9º Bimestre CH 10° Bimestre CH Fundamentos da Educação Infantil II 80 Desenvolvimento de Materiais Didáticos para o Ensino 80 Letramento em LIBRAS para professores 80 Metodologias ativas de aprendizagem 80 Projeto Integrador para Licenciatura IV 80 11º Bimestre CH 12° Bimestre CH Fundamentos e práticas no ensino de História 80 Metodologia para o ensino na Educação Básica 80 Fundamentos e práticas no ensino de Matemática 80 Fundamentos e práticas no ensino de Geografia 80 Projeto Integrador para Licenciatura V 80 4º ANO 13º Bimestre CH 14° Bimestre CH Organização do trabalho pedagógico 80 Educação de Jovens e Adultos 80 Fundamentos e práticas no ensino de Ciências da Natureza 80 Educação, corpo e arte 80 Projeto Integrador para Licenciatura VI 80 15º Bimestre CH 16° Bimestre CH Gestão escolar 80 Educação em espaços não formais 80 Design Educacional 40 Educação Matemática 40 Trabalho de Conclusão de Curso 200 Estágio: · 100 (cem) horas de estágio em sala de aula, acompanhando o efetivo exercício da docência na Educação Infantil, bem como vivenciando experiências de ensino. · 100 (cem) horas de estágio em sala de aula, acompanhando o efetivo exercício da docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental (1° ao 5° ano), bem como vivenciando experiências de ensino. · 100 (cem) horas dedicadas ao acompanhamento das atividades da gestão da escola de Educação Infantil, nelas incluídas, entre outras, as relativas ao trabalho pedagógico coletivo, conselhos da escola, reuniões de pais e mestres, reforço e recuperação escolar. ‘· 100 (cem) horas dedicadas ao acompanhamento das atividades da gestão dos anos iniciais do Ensino Fundamental, nelas incluídas, entre outras, as relativas ao trabalho pedagógico coletivo, conselhos da escola, reuniões de pais e mestres, reforço e recuperação escolar. ATPA: · Será realizado por meio do TCC, com 200 (duzentas) horas de atividades dedicadas preferencialmente à problemática da inclusão e ao estudo dos direitos humanos, diversidade étnico racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, entre outras. Fonte: https://univesp.br/cursos/pedagogia Uma das causas que o esvaziamento do saber elaborado causa no ambiente escolar, segundo Arnoni (2018b), é a presença oficialmente marcante do https://univesp.br/cursos/pedagogia 32 material didático que determina o fazer do professor, retirando-lhe a possibilidade de ele, subjetivamente, “planejar teórico e metodologicamente o processo educativo para seus alunos reais” e objetivá-lo na prática educativa, considerando as ideias iniciais de seus alunos. E, nesse aspecto, o material didático desconsidera os saberes iniciais que os alunos já trazem de sua vivência, os quais são imprescindíveis no seu processo de aprendizagem escolar. Para a autora, um dos motivos dessa situação atual deve-se à opção institucionalizada por (...) uma lógica utilitarista, em que a ênfase recai sobre os saberes da prática. Esta situação vem consolidando a implementação de um modelo aligeirado de formação inicial e continuada, movido pela deslegitimação do professor como profissional, este submisso ao currículo que determina os conteúdos disciplinares, concorrendo para o estabelecimento e a manutenção do hiato entre teoria e prática. (ARNONI, 2018b, p. 2) Corroborando com esta reflexão, Moraes (2001, p.3) afirma que, atualmente, (...) basta o "saber fazer" e a teoria é considerada perda de tempo ou especulação metafísica e, quando não, restrita a uma oratória persuasiva e fragmentária, presa à sua própria estrutura discursiva. Percebe-se pela análise feita neste tópico que o professor ao não ter uma formação sólida conceitual científica, coloca-se em questão também a sua formação intelectual, assim, concordando que o esvaziamento conceitual, que a educação escolar vem enfrentando, deve-se prioritariamente à formação inicial que não atende às necessidades postas pela profissionalidade da docência (ARNONI, 2018b), tornando-se necessário verificar como é apresentado o conceito de gêneros textuais nos materiais didáticos e referenciais curriculares. 2.3 Escola como lócus formador A formação inicial do professor de Educação Básica em sua maioria não contempla o ensino de conceitos científicos das áreas do conhecimento, assim, é na escola que este profissional encontra a possibilidade de uma formação continuada, nas reuniões pedagógicas como os ATPC (Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo) e HTPC (Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo). A LDBEN (Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional) n.9.394/96, afirma que a formação inicial e continuada dos professores é primordial para o avanço e melhoria da educação no Brasil. Na Resolução nº 02 de 1º de julho de 33 2015, do CNE, é definida as Diretrizes Curriculares Nacionais da formação continuada, que é definida no Artigo 16, A formação continuada compreende dimensões coletivas, organizacionais e profissionais, bem como o repensar do processo pedagógico, dos saberes valores, e envolve atividades de extensão, grupos de estudos, reuniões pedagógicas, cursos, programas e ações para além da formação mínima exigida ao exercício do magistério na educação básica, tendo como principal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de aperfeiçoamento técnico, pedagógico, ético e político do profissional docente (BRASIL, 2015). (Grifos nossos) Mediante este artigo, tem-se uma referência do papel das reuniões pedagógicas como espaço de formação e reflexão sobre a prática docente, assim, uma possibilidade de estudar os conceitos científicos a serem ensinados, analisar os materiais didáticos propostos pelo sistema, possibilitando ao professor o conhecimento do que precisa ensinar cientificamente. Assim, Amorim (2019) afirma que, Acreditamos que analisar o agir do coordenador pedagógico pode contribuir com as discussões acerca da formação continuada, pois a constituição do agir profissional dele durante a HTPC pode contribuir ou não para o desenvolvimento dos professores. Assim, destacamos que os coordenadores também precisam de formação continuada, de prescrições claras e de momentos para refletirem sobre seu papel. (AMORIM, 2019 p. 31) Devido a grandiosidade desta discussão, nos atentaremos em esclarecer que os HTPC e ATPC são de responsabilidade do Coordenador Pedagógico, figura responsável pela organização e execução dessas reuniões e, assim, como os professores de educação básica, sua formação inicial na maioria das vezes, não lhe dá subsidio para que possa formar o professor frente ao ensino de conceitos específicos a serem ensinados nas salas de aula do Ensino Fundamental. 2.3.1 Gêneros Textuais Os materiais da BNCC (2017) e PCN’s (1998) são documentos distribuídos por órgãos Nacionais aos professores da Educação Básica das escolas públicas, contendo habilidades e competências de leitura e escrita, com objetivo de orientar professores do Ensino Fundamental, em relação aos gêneros textuais, expondo-lhes procedimentos e estratégias para que possam desenvolver o processo de ensino e aprendizagem de leitura e escrita, a fim de que os estudantes possam ser capacitados a ler, interpretar e escrever diversos gêneros textuais. 34 Os Gêneros Textuais, segundo Marcuschi (2012) expressam práticas sociodiscursivas com funções cognitivas, comunicativas e institucionais que subsidiam as situações de comunicação cotidiana e, podem ser considerados, como a forma prática da comunicação oral ou escrita. O sujeito, ao participar constantemente de situações comunicativas ou práticas sociais comunicativas, como um simples diálogo, um bilhete ou até um artigo científico, se estabelece socialmente, via estes construtos da utilização da língua, formando os gêneros textuais. Nesse aspecto, ao ensinar os alunos a ler e a escrever, o professor sempre utiliza os gêneros, pois, toda maneira de comunicação cristaliza-se na linguagem, entendendo que “(...) há um desdobramento que se opera em que o gênero não é mais instrumento de comunicação somente, mas é, ao mesmo tempo, objeto de ensino-aprendizagem”. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p.76) Contudo, Machado (2009) nos alerta sobre a diversidade teórica infindável dos gêneros e suas variáveis presentes nos textos, o que representa dificuldade em relação à questão metodológica. Para se conceituar cada um deles, organizando suas especificidades e características, aconselha que, (...) devemos primeiro ter algum conhecimento sobre o que eles são. Mesmo assim, seria possível efetuar um estudo dessas características a partir de um conjunto de textos intuitivamente classificados em gêneros diferentes, levantando suas características e construindo “modelos” que os caracterizam. A comparação de diferentes modelos poderia nos oferecer pistas para encontrarmos semelhanças e/ou diferenças que podemos não perceber de início, o que nos levaria a reformular os “modelos de gêneros” ou os “gêneros teóricos” inicialmente construídos. (MACHADO, 2009, p.129) Assim, é imprescindível que o professor estude e se aproprie do conceito de gênero textual, compreendendo a complexidade que se expressa pela diversidade teórica dos gêneros, para compreender e “ter a consciência de que a escola é um “autêntico lugar de comunicação” e que as situações escolares “são ocasiões de produção e recepção de textos”. (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p. 78). Para os autores, o professor, ao explorar a diversidade de textos, consegue aproximar o aluno de situações de produção de textos extraescolares, proporcionando-lhe uma compreensão dos gêneros textuais e seu uso na sociedade, além de facilitar o aprendizado de leitura, compreensão e produção textual. 35 Entretanto, se os gêneros mais informais vão sendo apropriados no decorrer das atividades cotidianas, sem necessidade de ensino formal, os gêneros formais, orais ou escritos, segundo Machado (2009, p.129), necessitam ser aprendidos sistematicamente sendo seu ensino uma responsabilidade da escola, que teria a função de propiciar o contato, o estudo e o domínio de diferentes gêneros usados na sociedade. Para Dolz (2010, p.40), (...) um gênero é um pré-construto histórico, resultante de uma prática e de uma formação social. A aprendizagem da língua oral e escrita se faz pela confrontação com um universo de textos que já nos são dadas de antemão. É uma apropriação de experiências acumuladas pela sociedade. Desse ponto de vista, o ensino escolar se organiza em uma perspectiva histórica e cultural. Nesse aspecto, Miller (2009) afirma que, ao compreendermos os gêneros socialmente, conseguimos explicar e interpretar a criação de alguns textos, pois, sejam orais ou escritos, permeiam as ações humanas e a maneira de agir no mundo, de acordo com os saberes sociais criados culturalmente e historicamente. E, dessa forma, as atividades de linguagem entendem o texto como um objeto de ensino e pressupõem que sejam diversificados, que pertençam a gêneros diferentes, de forma a ampliar a experiência do aluno como leitor e produtor de textos, ou seja, de linguagem. (...) o gênero, objeto de ensino, também é um instrumento cultural e didático. E, sobretudo, porque eles permitem o reagrupamento de uma variedade de textos disponíveis em funções de aspectos genéricos, tais como os conteúdos, a estrutura comunicativa e as configurações de unidades linguísticas. (DOLZ, 2010, p. 40) Então, os gêneros textuais surgem nas salas de aula no ensino de Língua Portuguesa, como um instrumento didático ou como megainstrumento didático, segundo “o paradigma vigotskiano de gênero” (SCHNEUWLY, 1994; DOLZ, MORO e POLLO, 2001). Por instrumento (DOLZ, 2010, p.44), (...) nos referimos ao meio que o homem constrói para si, a fim de transformar a natureza. Da mesma forma, a transformação e o domínio dos processos psíquicos necessitam de instrumentos mentais. Assim, compreendemos o desenvolvimento humano como uma adaptação artificial, mediada por instrumentos psíquicos que transformam fundamentalmente as capacidades psíquicas. (Grifos nossos) 36 Nessa perspectiva, o autor, em sua definição, traz o gênero como um instrumento de natureza semiótica, construído nos esquemas cognitivos de cada indivíduo, via relações pessoais. No entanto, (...) há visivelmente um sujeito, o locutor do-enunciador, que age discursivamente (falar/escrever), numa situação definida por uma série de parâmetros, com a ajuda de um instrumento que aqui é um gênero, um instrumento semiótico complexo, isto é, uma forma de linguagem prescritiva, que permite, a um só tempo, a produção e a compreensão de textos.(SCHNEUWLY, 2004, P.27) Para o autor, desenvolvemos a ideia de gênero como instrumento para ação em situações linguísticas, com uma particularidade: ele é constitutivo de situações comunicativas, pois, para ele, sem romance não existe a situação de leitura e escrita deste gênero. Segundo o autor, “A maestria de um gênero aparece, portanto, como co-constitutiva da maestria de situações de comunicação”. (SCHNEUWLY, 2004, p.52) Nesse sentido, Bazerman (2006) afirma que os gêneros não representam somente formas de textos, e sim, formas de vida, maneiras de ser; seriam fremes para a ação social, ambientes de aprendizagem, construindo sentidos, moldando o pensar humano, a comunicação e a interação social. É interessante saber que a introdução do gênero textual no ensino brasileiro pautou-se no modelo de Genebra, que atendia às necessidades de como ensinar melhor e com mais eficácia. Para Dolz (2010), os gêneros tornam-se organizadores para o ensino da produção escrita e são considerados manifestação das práticas linguageiras que “se caracterizam, ao mesmo tempo, por serem tipos estáveis de enunciados, produtos de sua história, e por seu caráter variável, dinâmico”. (p.41) Marcuschi (2002) afirma que o surgimento dos gêneros textuais está diretamente ligado à sua função cultural e social, sendo utilizados em funções cognitivas, comunicativas e institucionais, sem visar questões estruturais e aspectos linguísticos. Defini-los formalmente, segundo o autor, é uma dificuldade, pois o uso dos gêneros textuais como práticas sociais, em seus aspectos pragmáticos e discursivos, do mesmo modo que surgem nas relações de uso sociais, podem desaparecer. O gênero textual é designado a partir da funcionalidade em que é utilizado, Marcuschi (2002) afirma que surgem novas maneiras de discurso como videoconferências, e-mails, notícias em sites de internet, mensagens 37 virtuais via aplicativos de comunicação, entre outras. O autor afirma que a relação que os novos gêneros e os emergentes colocam sobre o uso da linguagem permitem redefinir conceitos centrais na relação entre oralidade e escrita. Acrescenta, ainda, que os gêneros que surgiram no último século em diversas mídias permitem formas comunicativas em contextos de hibridismo, que distancia a oralidade e a escrita da maneira dicotômica, muito presente em manuais de ensino da língua portuguesa. Assim, os gêneros (...) prefiguram as ações de linguagem possíveis: a existência de romance, seu conhecimento, senão seu controle pelo menos parcial, é a condição necessária da ação discursiva “escrever um romance”, assim como o conhecimento e o controle do machado são condições necessárias da ação de cortar uma árvore. Por outro lado, há possibilidade de escolha do gênero (pelo menos, parcialmente) para, por exemplo, persuadir alguém a parar de fumar: panfleto, tratado teórico, relato ou diálogo. A ação discursiva é, portanto, ao menos parcialmente, prefigurada pelos meios. O conhecimento e a concepção da realidade estão parcialmente contidos nos meios para agir sobre ela. (SCHNEUWLY, 2004, p.28) É impossível haver comunicação senão por algum gênero. A esse respeito, Marcuschi (2002) considera que a comunicação verbal só ocorre por meio de um gênero textual. Trata-se, assim, de uma noção de língua como atividade social, histórica e cognitiva que “Privilegia a natureza funcional e interativa e não o aspecto formal e estrutural da língua”. (MARCUSCHI, 2002, p.3). Para o autor, (...) esses novos gêneros não são inovações absolutas, quais criações ab ovo, sem uma ancoragem em outros gêneros já existentes. O fato já fora notado por Bakhtin (1997) que falava da transmutação dos gêneros e na assimilação de um gênero por outro gerando novos. A tecnologia favorece o surgimento de formas inovadoras, mas não absolutamente novas. Veja-se o caso do telefonema, que apresenta similaridade com a conversação que lhe pré-existe, mas que pelo canal telefônico, realiza-se com características próprias. Daí a diferença entre uma conversação face a face e um telefonema, com as estratégias que lhe são peculiares. O e-mail (correio eletrônico) gera mensagens eletrônicas que têm nas cartas (pessoais, comerciais etc.) e nos bilhetes seus antecessores. Contudo, as cartas eletrônicas são gêneros novos com identidades próprias, como se verá no estudo sobre gêneros emergentes na mídia virtual. (MARCUSCHI, 2010, p. 21) Essa relevância talvez seja devido ao fato de se utilizar o conceito de gênero como parte do ambiente de ensino na atualidade, pois aparecem vinculados às necessidades socioculturais. Com o advento da tecnologia, pode-se constatar o uso de vários gêneros textuais no dia-a-dia da sociedade, que se adaptam às novas TIC’s – Tecnologia de Informação e Comunicação, como exemplo, o e-mail, mensagem de celulares e aplicativos de comunicação. 38 Borges (2012, p. 121) considera que: Ao longo da história ocidental, os gêneros textuais receberam diversas definições. Na Antiguidade clássica, os gêneros eram definidos de acordo com os elementos: forma (prosa ou verso), composição (expositiva, representativa ou mista) e conteúdo (subjetivo ou objetivo). Havia, então, três gêneros, o lírico, o épico e o dramático. Na Idade Média, a distinção referia-se à teoria dos três estilos: elevado, médio e humilde, distinção baseada no aspecto literário e no aspecto social, já que considerava o papel social ocupado pelos personagens na obra para poder classificá-la. Já no século 18, o modelo clássico proposto pelos gregos e assumido pelos renascentistas entra em decadência frente às revoluções que ocorreram nesse século. E, a partir do século 19, o estudo dos gêneros assume novas e importantes perspectivas com o surgimento da ciência da Linguagem, a Linguística. (BORGES, 2012, p.121) Apresentamos, a título de ilustração, os teóricos que apresentaram novas perspectivas ao estudo dos gêneros. Quadro 2 O gênero textual ao longo da história (BORGES, 2012). a) Sócio-histórica e dialógica (Bakhtin); b) Sociorretórica e sócio-histórica cultural (Carolyn Miller, John Swales, Charles Bazerman, Amy Devitt); c) Interacionista e sociodiscursivas de caráter psicolinguístico e atenção didática voltada para a língua materna (Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz e Jean-Paul Bronkcart); e) Sistêmico-funcional (Halliday); f) Sociorretórica de caráter etnográfico voltada ao ensino de segunda língua (Swales, Bhatia); g) Análise crítica (N. Fairclough, G. Kress) Fonte: Flávia Girardo Botelho Borges Cabe ressaltar que os autores supracitados aceitam a linguagem como mediação nas práticas sociais, em que, “As práticas de linguagem implicam tanto dimensões sociais como cognitivas e linguísticas do funcionamento da linguagem numa situação de comunicação particular”. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p.73) Eles informam que, No que concerne às práticas de linguagem, o conceito visa, é claro, às dimensões particulares do funcionamento da linguagem em relação às práticas sociais em geral, tendo a linguagem uma função de mediação. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p.72), Os autores afirmam que a linguagem aparece no meio social de diversas formas, manifestando a capacidade do sujeito adaptar-se ao contexto e a 39 capacidade discursiva, além do domínio de ações linguísticos-discursivas, e consideram como hipótese “(...) que é através dos gêneros que as práticas de linguagem se materializam nas atividades dos aprendizes”. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p.74) Para Schneuwly, A psicologia tende, em geral, a conceber a atividade do indivíduo como acontecendo entre dois polos: o sujeito, de um lado, e o objeto sobre o qual ele age ou a situação na qual ele age de outro. (...) Na perspectiva do interacionismo social, a atividade é necessariamente concebida como tripolar: a ação é mediada por objetos específicos, socialmente elaborados, frutos das experiências das gerações precedentes, através dos quais se transmite e se alargam as experiências possíveis. Os instrumentos encontram-se entre os indivíduos que age e o objeto sobre o qual ou a situação na qual ele age: eles determinam seu comportamento, guiam- no, afinam e diferenciam sua percepção da situação na qual ele é levado a agir. (2004, p.24) Nesse aspecto, Rojo (2005) afirma que, Segundo Bronckart (1997), é por causa da grande diversidade das espécies de textos que se manifestou, desde a Antiguidade grega até nossos dias, uma preocupação com sua delimitação e designação, que se traduziu na elaboração de propostas de classificação múltiplas, centradas, na maior parte dos casos, na noção de gênero de texto ou de gênero do discurso. Resulta que toda espécie pode atualmente ser qualificada em termos de gênero e que, portanto, todo exemplar de um texto observável pode ser considerado como pertencente a determinado gênero. (ROJO, 2005, p.189) Nota-se que qualquer variável de texto se enquadra em algum gênero. É impraticável elencar e separar a diversidade que existe de gêneros textuais, já que Chamamos de texto toda unidade de produção de linguagem situada, acabada e autossuficiente (do ponto de vista da ação ou da comunicação). Na medida em que todo texto se inscreve, necessariamente, em um conjunto de textos ou em um gênero, adotamos a expressão de gênero de texto em vez de gênero discursivo. Enquanto, devido a sua relação de interdependência com as atividades humanas, os gêneros são múltiplos, e até mesmo em número infinito, os segmentos que entram em sua composição (segmentos de relato, de argumentação, de diálogo etc.) são em número finito, podendo, ao menos parcialmente, ser identificados por suas características linguísticas especificas. (BRONCKART, 1997, p.75) Assim, podemos destacar a necessidade de a educação formal adaptar-se a esse contexto, como lócus formador, através da ação social que exerce sobre os indivíduos, podendo criar situações comunicativas, pois os gêneros, segundo Marcuschi (2002), “(...) não são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos”. 40 Entretanto, Bakhtin opta pelo termo gênero do discurso, definindo-os como tipos relativamente estáveis de enunciados ou verbal comum dos gêneros a que o autor se refere, é a relação dialética que estabelece entre os gêneros e os enunciados, ou seja, olha os gêneros a partir de sua historicidade (eles não são unidades convencionais) e lhes atribui a mesma natureza dos enunciados (natureza social, discursiva e dialógica) ao tomá-los como seus tipos históricos. (RODRIGUES, 2005, p.163) (Grifos nossos) Segundo Dolz e Schneuwly (2004), o ensino e aprendizagem escolar podem ser compreendidos com a teoria de Vigotski (1993, 2001, 2007) em relação aos conceitos espontâneos e científicos, retomando três ideias que podem definir o contexto de gênero. A primeira ideia é dizer que os gêneros primários nascem (isto vimos na própria definição desses gêneros) na troca verbal espontâneas. Estão fortemente ligados à experiência pessoal da criança e se aplicam a uma situação à qual estão ligados de maneira quase indissociável, por assim dizer, automática, sem real possibilidade de escolha é o que mais os caracteriza – num nível muito pouco evoluído de desenvolvimento, isto é, precisamente antes da aparição dos gêneros secundários. Vygotsky descreve essa relação como sendo inconsciente e involuntária. (DOLZ, SCHNEUWLY, 2004, p.33) Para Dolz e Schneuwly (2004), os gêneros primários de Bakhtin possuem dimensões como: interação, troca, funcionalidade imediata de gênero, uma unidade, pouco controle de ação linguística. Os gêneros e, mais particularmente, os gêneros primários são o nível real com o qual a criança é confrontada nas múltiplas práticas de linguagem. Eles instrumentalizam a criança (é claro que aqui se colocam todo o problema do ensino e do desenvolvimento e o problema das interações sociais para a aprendizagem) e permitem-lhe agir eficazmente em novas situações (o instrumento se torna instrumento de ação). (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p.30) É preciso salientar o que envolve os dois gêneros (primário e secundário), são os enunciados verbais e a diferenciação ocorre pelo grau de elaboração e complexidade que se apresentam. Para o autor os gêneros discursivos nascem da necessidade de expressão humana. Os gêneros secundários para Schneuwly (2004) possuem três particularidades: “a) modos diversificados de referência a um contexto linguisticamente criado” (p.30) – contextos linguísticos definidos e criados pelos textos – “b) modos de desdobramentos do gênero” (p.31) – seria a complexidade e autonomia de um gênero referente a uma situação imediata, mais a fala se enriquece – “c) (...) a gestão eficaz dos gêneros secundários pressupõe a existência e a construção de um aparelho psíquico de produção de linguagem que não 41 funciona na ‘imediatez’”. (p.31)” - seria baseado em diferentes níveis, de certa maneira autônomos, permitindo a decisão em relação ao gênero. 2.4 Gêneros e Tipos Textuais As definições de gênero e tipos textuais na escola ainda não são claras tanto para os docentes quanto para os discentes. A esse respeito Marcuschi (2002) apresenta algumas distinções: Vejamos aqui uma breve definição das duas noções: (a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição [aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas]. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. (b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante. (MARCUSCHI, 2010, p.5) Nessa visão é possível compreender tipos textuais como construções teóricas como narração, argumentação, exposição, descrição e injunção. Este aspecto não é muito compreendido nos meios escolares, já que a questão de gênero textual apareceu nas escolas brasileiras no final da década de 90, e os professores estão acostumados a seguir os padrões determinados pelos materiais didáticos e referenciais curriculares, que passaram a aceitar os gêneros, na maioria das vezes, sem questionar. Em geral, a expressão "tipo de texto", muito usada nos livros didáticos e no nosso dia a dia, é equivocadamente empregada e não designa um tipo, mas sim um gênero de texto. Quando alguém diz, por exemplo, "a carta pessoal é um tipo de texto informal!", ele não está empregando o termo "tipo de texto" de maneira correta e deveria evitar essa forma de falar. Uma carta pessoal que você escreve para sua mãe é um gênero textual, assim como um editorial, horóscopo/ receita médica, bula de remédio, poema, piada, conversação casual, entrevista jornalística, artigo científico, resumo de um artigo, prefácio de um livro. É evidente que em todos estes gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral topologicamente variado (heterogêneo). (MARCUSCHI, 2010, p.5) 42 O autor considera que os gêneros textuais não são estáticos e definidos e podem ser considerados como famílias de textos definidos por suas semelhanças e serem entendidos como eventos linguísticos caracterizados por atividades sociodiscursivas. “Sendo os gêneros fenômenos sócio-histórico e culturalmente sensíveis, não há como fazer uma lista fechada de todos os gêneros”. (MARCUSCHI, 2002, p.10) Para o autor, quando se domina um gênero textual não significa que se dominou uma forma de representação linguística, mas, sim poder realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais e culturais particulares. Assim, afirma Bronckart (1999), apropriar-se de um gênero significa atividades de socialização e comunicação humana. (...) os textos são produtos da atividade da linguagem em funcionamento permanente nas formações sociais: em função de seus objetivos, interesses e questões específicas, essas formações elaboram diferentes espécies de textos, que apresentam características relativamente estáveis (justificando as que sejam chamadas de gêneros de textos). (BRONCKART, 1999, p.137) Acrescenta Marcuschi (2010, p.10): “(...) que os gêneros textuais operam, em: certos contextos, como formas de legitimação discursiva, já que se situam numa relação sócio-histórica”. O autor supracitado afirma que os apontamentos sobre gêneros textuais como artefatos linguísticos concretos, permitem aos gêneros ser heterogêneo, híbridos, referente à maneira de utilizá-los. Portanto, “(...) dizer que os gêneros são modelos comunicativos, servem, muitas vezes, para criar uma expectativa no interlocutor e prepará-lo para determinada ação”. (MARCUSCHI, 2010, p.35) E, neste aspecto, Qualquer que seja o gênero a que pertençam os textos, de fato é constituído, segundo modalidades muito variáveis, por segmentos de estatutos diferentes (segmentos de exposição teórica, de relato, de diálogo etc.) E é unicamente no nível desses segmentos que podem ser identificadas regularidades de organização e de marcação linguísticas. Consequentemente, sustentamos que são esses segmentos constitutivos de um gênero que devem ser considerados como tipos linguísticos, isto é, como formas específicas de semiotização ou de colocação em discurso. (BRONCKART, 1999, p.138) Para melhor entendimento, trouxemos as considerações de Marcuschi (2002), 43 Quadro 3 Definição de Tipos e Gêneros textuais. TIPOS TEXTUAIS GÊNEROS TEXTUAIS 1. Constructos teóricos definidos por propriedades linguísticas intrínsecas. 1. Realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sócio-comunicativas 2. Constituem sequências linguísticas ou sequências de enunciados e não são textos empíricos. 2. Constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas. 3. Sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal; 3. Sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função; 4. Designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição 4. Exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo e aulas virtuais etc. Fonte: Marcuschi (2002) Considerando as questões que orientam esta pesquisa, um de nossos objetivos foi analisar propostas didáticas referentes ao gênero textual para os anos iniciais, apresentadas em livros didáticos, decorre da representatividade deste recurso didático que orienta o professor na prática em sala aula. Esta análise é voltada para a alfabetização e tem por objetivo verificar como o conceito de gênero textual é apresentado pelo(s) autor (es) do material didático e como ele(s), organiza(m) as propostas didáticas que orientam a prática docente. Nesse sentido, compreender o conceito científico de gêneros textuais, constitui-se em uma alternativa para o professor de educação básica perceber a necessidade de ensiná-los na escola, criando situações que exigem comunicação, em que os alunos possam utilizar a variedade de gêneros para comunicarem suas ideias, discuti-las para mantê-las o transformá-las. E, também ensinar o conceito científico de gênero textual, via proposição teórico-metodológica da M.M.D (Metodologia da Mediação Dialética) qualificando o processo educativo na perspectiva da emancipação humana, fundamentada em Arnoni (2014, 2016, 2017, 2018). 44 Entretanto, ao analisar as legislações, os documentos oficiais e os autores que se dedicam ao estudo da Língua Portuguesa, em específico, os textos na escola, percebemos que o gênero textual é tratado de maneira isolada, sem referência histórica e, portanto, sem considerar sua natureza social, dificultando que o professor se aproprie de conhecimentos científicos relacionados ao papel social que os gêneros textuais desempenham no desenvolvimento intelectual do aluno, bem como, no entendimento do influxo do contexto social na sua escolaridade. O gênero textual, compreendido como prática de linguagem que se caracteriza pelos diálogos que ocorrem na escola entre professor e alunos, alunos e alunos, expressa sociabilidade, o contato social entre os alunos, como sujeitos sociais, em que vão incorporando comportamentos desejáveis, definições e as visões de mundo que aquele contexto social possui. Esta modalidade de sociabilidade não expressa a natureza social da linguagem, pautada em Bakhtin (1997, 2006, 2009), em que se entende que o social é determinado pela estrutura social, objetivamente posta pela classe social que comanda esta estrutura. Para Arnoni (GPMMD3), a M.M.D. desenvolve-se pautada na origem social da linguagem, em especial, no Resgatando, em que o aluno livremente apresenta suas ideias iniciais, expressando sua vivência cotidiana, a qual é considerada como ponto de partida para o desenvolvimento do processo educativo, cuja intencionalidade é potencializar ao aluno a superação de suas ideias iniciais pela elaboração conceitual. Portanto, ao entendermos que a estrutura social, objetivamente posta, determina as condições materiais e econômicas de vida do ser social, e que, este contexto sócio-político-econômico influencia na qualidade da linguagem da criança, compreendemos a sua natureza social. E, assim, valorizamos as práticas de linguagem como recursos pedagógicos que permitem ao professor depreender a realidade social de seus alunos, considerando-as como ponto de partida da escolarização, em que a vivência de gêneros textuais potencializa ao aluno o entendimento de sua realidade e, consequentemente, das causas de suas dificuldades escolares, as quais têm possibilidades de serem superadas. E, assim, entendemos também que o modelo atual de organização da sociedade inviabiliza o pleno desenvolvimento da prática da linguagem pautada em 3 Grupo de pesquisa Ensino, aprendizagem e conceito educativo na Metodologia da Mediação Dialética: dimensão ontopedagógica e didática da atividade educativa. gp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/6024133524404473 45 Bakhtin (1997, 2006, 2009) e em Vigotski (1993, 2001, 2007), visto que, historicamente, este modelo burguês de aula foi oficialmente determinado para a escola, visando a manutenção da estrutura socioeconômica que a gerou. No entanto, as produções acadêmicas propiciam o conhecimento científico referente à centralidade da linguagem no processo de desenvolvimento humano do ser social, visto que ela, assim como ser social, são produtos sociais, ou seja, de natureza social. A necessidade de compreender a natureza social da linguagem deve-se ao fato de ela, a linguagem, constituir-se num elemento fundamental da “Teoria Pedagógica da Metodologia da Mediação Dialética M.M.D.”, elaborada por Arnoni (2018), que a conceitua como substrato da relação pedagógica da mediação dialética que o professor estabelece com o aluno, veiculando e dialetizando o conhecimento entre ambos, no desenvolvimento da atividade humana educativa que perspectiva a emancipação humana. O capítulo seguinte tem como proposta apresentar a teoria de Bakhtin (1997, 2006, 2009) e de Vigotski (1993, 2001, 2007), em especial, a natureza social da linguagem, bem