unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP MÔNICA ROBERTA ZACCARO SENE EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: uma análise do contexto brasileiro ARARAQUARA – SP 2021 MÔNICA ROBERTA ZACCARO SENE Educação para as mídias na Educação Básica: uma análise do contexto brasileiro Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara – como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação Escolar. Linha de Pesquisa: Teorias Pedagógicas, Trabalho Educativo e Sociedade. Exemplar apresentado para exame de defesa. Orientador: Profa. Dra. Cláudia Dias Prioste ARARAQUARA – SP 2021 MÔNICA ROBERTA ZACCARO SENE Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara – como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação Escolar. Exemplar apresentado para exame de defesa. Linha de pesquisa: Teorias Pedagógicas, Trabalho Educativo e Sociedade. Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Prioste Data da defesa: 17 / 05 / 2021. MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Profª. Drª. Cláudia Dias Prioste Faculdade de Ciências e Letras/Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Araraquara Membro Titular: Prof. Dr. José Luis Bizelli Faculdade de Ciências e Letras/Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Araraquara Membro Titular: Profª. Drª. Maria Filomena Rodrigues Teixeira Instituto Politécnico de Coimbra: Coimbra, Coimbra, Portugal Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Câmpus de Araraquara Aos meus familiares e especialmente ao Héber Luciano Polido Sene, in memoriam, pelos 25 anos de união e por me apoiar em meu desenvolvimento acadêmico. AGRADECIMENTOS Aos meus pais Dirce Martins Zaccaro e José Oscar Zaccaro, aos filhos Vinícius Zaccaro Sene, Laís Zaccaro Sene e Nícolas Zaccaro Sene, irmãos Fernanda Renata Zaccaro Rigolin e Marcos Rogério Zaccaro, sobrinhos Isabela Zaccaro Rigolin, Gustavo Rodrigues Zaccaro e Giovani Rodrigues Zaccaro e cunhada Talita Rodrigues Zaccaro por estarem presentes em minha vida nestes últimos anos, me confortando e incentivando. À minha orientadora Cláudia Dias Prioste, por me conduzir, ensinar e acreditar no meu potencial, bem como por ser um exemplo de mulher e inspiração, conquistando um alto nível intelectual e acadêmico. A todos os professores com quem tive a oportunidade de cursar disciplinas no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar entre 2018 e 2020. RESUMO Diante do crescente uso dos recursos dos dispositivos tecnológicos por crianças e adolescentes, pretendeu-se analisar e discutir a educação para as mídias no contexto educacional brasileiro, com enfoque nas orientações curriculares nacionais. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, realizada por meio de uma investigação bibliográfica e documental. Para tanto, a pesquisa partiu da análise das orientações internacionais da UNESCO voltadas à educação para as mídias e das problemáticas brasileiras que dizem respeito à inclusão digital, à saúde e à proteção das crianças e adolescentes em contextos midiáticos televisuais e digitais. Obedecendo à cronologia dos eventos, ainda empreendemos uma análise da legislação brasileira que visa à proteção da criança e do adolescente também em meio virtual. No âmbito educacional, foram analisados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para identificar como esses documentos abordaram a temática da educação para as mídias e se estavam em consonância com os debates propostos pela UNESCO. Os resultados das análises revelaram que os estudos sobre educação para as mídias no Brasil ainda são escassos. No que se refere às orientações curriculares, nos textos dos PCN, predominam perspectivas de uma educação pelas mídias, em que o uso das tecnologias se apresenta apenas como potencialidade formativa. Concernente ao texto da BNCC, prevalecem as expectativas do protagonismo estimulado pela cultura digital e uma visão mais técnica do uso das tecnologias; por outro lado, observa-se, nesse documento, maior preocupação com a formação de competências de análise crítica das mídias, como preconiza a UNESCO. Concluiu-se que, de modo geral, embora o Brasil apresente avanços, ainda se encontra em descompasso com as concepções internacionais de educação crítica para as mídias. Palavras-chave: Educação para as mídias. Inclusão digital. Tecnologia da informação e comunicação e educação. Mídia e infância. Adolescentes. ABSTRACT Given the increasing use of technological devices resources by children and adolescents, we intend to analyze and discuss media education in the Brazilian educational context, focusing on the national curriculum guidelines. This is a qualitative research, carried out through a bibliographic and documental investigation. The research was based on the analysis of UNESCO's international guidelines on media education and on Brazilian issues related to digital inclusion, health, and protection of children and adolescents in television and digital media contexts. Following the chronology of events, we also undertook an analysis of the Brazilian legislation that aims to protect children and adolescents also in the virtual environment. In the educational field, we analyzed the National Curriculum Parameters (PCN) and the Common National Curriculum Base (BNCC) to identify how these documents addressed the issue of media education and if they were in line with the debates proposed by UNESCO. The results of the analysis revealed that studies on media education in Brazil are still scarce. Regarding curriculum guidelines, in the PCN texts, perspectives of media education predominate, in which the use of technologies is presented only as a formative potentiality. Regarding the BNCC text, the expectations of the protagonism stimulated by the digital culture and a more technical view of the use of technologies prevail; on the other hand, it is observed, in this document, a greater concern with the formation of critical media analysis skills, as recommended by UNESCO. It was concluded that, in general, although Brazil has made advances, it is still out of step with international conceptions of critical media education. Keywords: Media education. Digital inclusion. Information technology and communication and education. Media and childhood. Teens. LISTA DE QUADROS Quadro 1 Declarações da UNESCO 17 Quadro 2 Recomendações da Agenda de Paris 25 Quadro 3 Resultados e elementos da alfabetização midiática e informacional 29 Quadro 4 Principais recomendações quanto ao uso das mídias digitais por crianças e adolescentes 42 Quadro 5 Cronologia da legislação brasileira de proteção à criança e juventude no meio 50 Quadro 6 Critérios de validade metodológica utilizados na revisão sistemática de literatura 54 Quadro 7 Lista de artigos selecionados na revisão sistemática de literatura 55 Quadro 8 Elementos de Alfabetização Midiática 77 Quadro 9 Principais temáticas abordadas pela UNESCO que envolvem as mídias e as tecnologias 78 LISTA DE FIGURAS Figura 1 A ecologia da AMI: noções de AMI 30 Figura 2 Atividades na Internet de crianças de 9 a 17 anos 35 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AGNU Assembleia Geral das Nações Unidas AMI Alfabetização Midiática Informacional ANDI Agência de Notícias dos Direitos da Infância BNCC Base Nacional Comum Curricular CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. CGI Comitê Gestor da Internet CERTIC Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação CF Constituição Federal CETIC Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade de Informação DNC Diretriz Nacional Curricular da Educação Básica DVD “Digital Versatile Disc" - Disco Digital Versátil ECA Estatuto da Criança e Adolescente EUA Estados Unidos da América ITU International, Telecommunication Union LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LER Lesão por esforço repetitivo LGPD Lei Geral de Proteção de Dados NIC Núcleo de Informação e Cooperação do Ponto BR ONG Organização não governamental ONU Organização das Nações Unidas PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PNE Plano Nacional da Educação RPG “Role-playing game”- jogo de interpretação de papéis ou jogo de representação SBP Sociedade Brasileira de Pediatria TDIC Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação TIC Tecnologias de Informação e Comunicação TV Televisão UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura SUMÁRIO INTRODUÇÃO 13 1. EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS: UM BREVE HISTÓRICO 16 1.1. A Declaração de Grünwald 18 1.2. A obra “Media Education” 19 1.3. A Conferência Internacional sobre Educação para os Media 21 1.4. A Conferência Internacional de Viena 22 1.5. Educação para os Media 23 1.6. A Agenda de Paris 24 1.7. A Alfabetização Midiática Informacional – Currículo para Formação de Professores 28 2. INCLUSÃO DIGITAL, SAÚDE E SEGURANÇA 33 2.1. As tecnologias digitais e a saúde das crianças e dos adolescentes 38 2.2. Legislação de proteção à infância e juventude no Brasil 47 2.3. Classificação indicativa 52 3. UMA VISÃO DE EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS A PARTIR DE PESQUISAS BRASILEIRA 54 3.1 Estudos teóricos acerca da educação para as mídias 56 3.2 Estudos empíricos: Experiências de educação para as mídias 59 4. A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL CURRICULAR BRASILEIRA E A TECNOLOGIA 63 4.1 Os parâmetros Curriculares Nacionais e a tecnologia 64 4.2 A Base Nacional Comum Curricular e as Tecnologias Digitais 69 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 81 REFERÊNCIAS 85 13 INTRODUÇÃO O mundo contemporâneo e globalizado pode ser descrito como um tempo em que a circulação de informações, impulsionada pela indústria de produtos culturais, exerce uma influência importante na formação moral, psicológica e cognitiva dos indivíduos. Setton (2002, p. 109) afirma que se trata “[...] de uma nova ordem social regulada por um universo cultural amplo e diversificado, embora fragmentado. Convivemos em uma formação social cujo paradigma cultural mundializado constitui uma realidade inexorável”. Dessa maneira é quase inevitável a exposição dos indivíduos aos produtos midiáticos informacionais, especialmente em espaços urbanos. Tal exposição, intensificada nas últimas décadas por diversos dispositivos tecnológicos que passam a fazer parte do cotidiano de adultos e crianças, implica em inúmeros desafios à educação escolar, sobretudo no que tange ao impacto das mídias na sociedade. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), preocupada com a ampliação do acesso às mídias e seus possíveis efeitos sociais, ao logo das últimas décadas realizou diversas conferências e elaborou documentos sobre a Educação Midiática, em que propõe orientações para a implementação da educação para as mídias nos países signatários de suas conferências. Nesse contexto, a educação para as mídias é definida como “[...] o conjunto de conhecimentos, capacidades e competências (e os processos da respectiva aquisição) relativas ao acesso, uso esclarecido, pesquisa e análise crítica dos media, bem como as capacidades de expressão e de comunicação através desses mesmos media” (PINTO et al., 2011, p. 24). No Brasil, as crianças e os adolescentes estão vivenciando um crescente acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Na última década, a conectividade e o uso das tecnologias digitais por crianças e adolescentes aumentou significativamente, de acordo com pesquisas conduzidas pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. A pesquisa TIC Educação 2019, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade de Informação (CETIC), constatou que 76% dos alunos de 4º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio acessavam a internet mais de uma vez ao dia. No entanto, pesquisa feita pela TIC Kids Brasil em 2019 constatou que 3 milhões de crianças e adolescentes, de 9 a 17 anos, não são usuários da internet e 1,4 milhões nunca tiveram a oportunidade de acessá-la (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2019). O crescente acesso de crianças e adolescentes às mídias traz a necessidade de a escola promover ações educativas sobre essa temática, pois “[...] coloca em evidência a necessidade 14 de preparar os cidadãos para saberem lidar, de forma crítica e criteriosa, com a panóplia de meios, de informações de conteúdos ao seu alcance” (PINTO et al., 2011, p .25). Nesse sentido, a presente pesquisa teve o objetivo de analisar e discutir a educação para as mídias no contexto educacional brasileiro. Para nos guiar ao longo deste trabalho, elencamos as seguintes questões: Como o tema da educação para as mídias se apresenta no contexto internacional, sobretudo em instituições de referência educativa, como a UNESCO? Quais são as principais temáticas de investigação científica a propósito da educação para as mídias no Brasil nos último dez anos? Quais legislações brasileiras são direcionadas à proteção da infância e da adolescência no que concerne aos riscos no mundo virtual e midiático? Quais são as orientações curriculares sobre educação para as mídias no Brasil? Nossa hipótese principal, decorrente da experiência de trabalho na rede pública de ensino municipal, é de que há uma ênfase na aquisição de equipamentos tecnológicos, como televisores, vídeos, computadores etc., sem uma proposta pedagógica crítica, que respalde as atividades docentes. Além disso, parece predominar, nos documentos oficiais brasileiros dos últimos 25 anos, uma visão ingênua de que as mídias seriam sempre uma grande aliada da educação, sem qualquer referência mais crítica a propósito da diversidade midiática, dos hábitos infantis e adolescentes diante da televisão e dos riscos que envolvem esses hábitos. Empreendemos uma revisão sistemática de literatura para conhecer as principais abordagens efetuadas pelas pesquisas sobre a educação para as mídias realizadas no Brasil na última década, levando-nos a perceber que pesquisas sobre essa temática são escassas neste país. Dizemos isso, porque buscamos, na plataforma da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), artigos publicados em revistas científicas, portanto, revisados por pares, entre 2009 e 2019, e em língua portuguesa, que abordassem a temática da Educação Midiática no contexto da Educação Básica brasileira e foram identificados apenas cinco artigos. Ao analisar e discutir a educação para as mídias no contexto educacional brasileiro, pretendemos contribuir para o possível aperfeiçoamento dos currículos e das ações pedagógicas direcionadas à conscientização sobre o uso informado, crítico e reflexivo das mídias. Pretendemos ainda refletir sobre a exclusão digital dos alunos brasileiros e sobre a promoção da segurança e da proteção das crianças e dos adolescentes no ambiente virtual. Para tanto, no primeiro capítulo, “Educação para as mídias: um breve histórico”, realizamos um levantamento histórico-bibliográfico sobre o conceito de “educação para as mídias”, construído a partir de várias conferências promovidas pela UNESCO, que resultaram 15 em documentos editados por essa agência. A partir desses documentos, demonstramos de que forma o conceito é construído, bem como as principais transformações sofridas por ele ao longo de sua história, revelando, assim, a evolução dessa temática, que é estudada desde a década de 1980. No segundo capítulo, “Inclusão digital, saúde e segurança”, abordamos as questões relacionadas com a inclusão social, a saúde, a segurança e a proteção de crianças e adolescentes, concernentes ao uso dos recursos tecnológicos e dos ambientes virtuais por essa parcela da população. Dessa maneira, identificamos os estudos e as pesquisas que demonstram a necessidade da inclusão digital de crianças e adolescentes de forma segura e protegida. Além disso, discutimos as legislações brasileiras de proteção às crianças e aos adolescentes promulgadas desde a Constituição Federal de 1988. No terceiro capítulo, “Uma visão de educação para as mídias a partir de pesquisas brasileiras”, a partir de uma revisão sistemática de literatura, identificamos e analisamos as abordagens dos artigos sobre a educação para as mídias publicados em revistas brasileiras no período de 2009 a 2019. No quarto capítulo, “A legislação educacional curricular brasileira e a tecnologia”, trazemos à luz o modo como as temáticas relacionadas aos usos dos recursos digitais em ambiente escolar são empregadas, identificando quando as tecnologias são apresentadas como ferramentas pedagógicas e quando há pretensão de utilizá-las como meio de expressão e comunicação ou como campo de estudo, a fim de compreender sua repercussão na vida social. Para encerrar, nas Considerações finais, realizamos uma reflexão sobre as contribuições do trabalho para a Educação Básica brasileira, identificando as lacunas nos documentos oficiais e nas políticas públicas, bem como a produção de conhecimento científico nessa área de estudo, validando a necessidade de implantação da educação para as mídias nos sistemas de ensino. 16 1. EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS: UM BREVE HISTÓRICO Este capítulo visa a apresentar os principais conceitos relacionados à temática da educação para as mídias e traçar um breve histórico do cenário internacional dessa problemática. Optamos por focalizar sobretudo os documentos da UNESCO, pois eles construíram, ao longo de várias décadas, um vasto material teórico-conceitual, com a finalidade de auxiliar os países a elaborarem políticas educativas voltadas às mídias. A UNESCO é uma agência vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU) e foi criada após a Segunda Guerra Mundial, em 1945. O seu objetivo é contribuir para “[...] garantir a paz por meio da cooperação intelectual entre as nações, acompanhando o desenvolvimento mundial e auxiliando os Estados-Membros – hoje são 193 países – na busca de soluções para os problemas que desafiam nossas sociedades”, conforme o Ministério da Educação (2020), atuando em áreas como a educação, as ciências naturais, as ciências humanas e sociais, a cultura, a comunicação e informação. O Brasil começou a ter representação no órgão em 1964, mas iniciou suas atividades apenas em 1972, quando lhe foi instituído um escritório em Brasília. A preocupação com a influência das mídias na educação de crianças e jovens por parte da UNESCO ocorre, praticamente, desde a sua fundação. No início, essa preocupação centrou- se nas mensagens difundidas pelo rádio, posteriormente, pela televisão, nas décadas de 1950 e 1960. O problema central estava relacionado com o papel dessas mídias em diferentes culturas, bem como com a melhoria da capacidade da população em compreender as mensagens difundidas pelos meios de comunicação em massa (BÉVORT; BELLONI, 2009). A relação entre mídia e educação começou a ser desenvolvida na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá nos anos 1950 e 1960, movida pela preocupação com os aspectos políticos e ideológicos das mensagens midiáticas. Nessa época, as mídias começaram a fazer parte da vida cotidiana das famílias e disseminavam muitas informações e conteúdos de ficção, notícias e entretenimento (BÉVORT; BELLONI, 2009). De acordo com Gonnet (2004), “educação para as mídias” ou “mídia-educação” foram expressões utilizadas pela UNESCO, e por outras organizações na década de 1960, para fazer referência à alfabetização em larga escala que, utilizando os novos meios de comunicação, passaram a abranger populações que não tinham a oportunidade de acesso ao ensino presencial empreendido por profissionais qualificados. Desse modo, se, no princípio, tratava-se de um recurso de educação a distância que utilizava determinadas tecnologias, como o rádio e a televisão, simultaneamente, ambas as expressões foram usadas, por educadores e intelectuais 17 da época, para exprimir a preocupação com a influência cultural e a persuasão política, comercial e publicitária dessas mídias. Nesse sentido, o enfoque era a necessidade de desenvolvimento de uma perspectiva mais crítica sobre os conteúdos midiáticos. Até meados da década de 1970, os estudos sobre comunicação eram pautados pelas consequências das mensagens veiculadas. Logo após, no início da década de 1980, a preocupação dos pesquisadores da área transferira-se para a compreensão de como as audiências se estabeleciam e se relacionavam com as mensagens midiáticas. Nesse momento, alguns pesquisadores começam a compreender o fenômeno da cultura das mídias com a intenção de entender como se constituía a audiência, esclarece Setton (2010, p. 69). Não é novidade, portanto, que a UNESCO, ao longo de décadas, tenha organizado vários documentos importantes sobre a temática mídia-educação. Tais documentos foram elaborados a partir de conferências empreendidas pela instituição, com contribuições de especialistas de diversos países. No quadro abaixo, relacionamos os documentos que consideramos mais expressivos: Quadro 1 - Declarações da UNESCO ANO DOCUMENTO 1982 Grünwald Declaration on Media Education Grünwald Declaração sobre Educação para a Mídia 1990 New Direction in Media Educatioon, Toulose Nova direção em educação para as mídias, Toulose 1999 Educating for the Media and the Digital Age, Viena Educando para a mídia e a era digital, Viena 2002 Youth Media Education Seminar, Seville Seminário sobre Educação para a Mídia para a Juventude, Sevilha 2007 Paris Agenda- Twelve recommendations for Media education Agenda de Paris - Doze recomendações para a educação para a mídia Fonte: Pinto et al, (2013, p. 47). Nas próximas seções, apresentaremos algumas das contribuições dos documentos ora relacionados para o entendimento de como a mídia e a educação se associam à formação crítica do cidadão. 18 1.1. A Declaração de Grünwald No ano de 1982, em Grünwald, na Alemanha Ocidental, representantes de 19 países contribuíram para a elaboração de uma declaração sobre a importância das mídias no âmbito educacional e sua relevância para os sistemas de ensino. Esse documento teve o objetivo de auxiliar as instituições e os países no desenvolvimento de uma consciência crítica sobre o uso das mídias. Além disso, nessa reunião a expressão “mídia-educação” foi legitimada e sua necessidade reafirmada (BÉVORT; BELLONI, 2009, p. 1087). Segundo Bévort e Belloni (2009, p. 1087), a Declaração de Grünwald enfatiza a necessidade de ações e políticas de mídia-educação como componente básico e condição indispensável para a formação para a cidadania. Ela também define a mídia-educação como uma formação para a compreensão crítica das mídias, ao mesmo tempo em que reconhece o papel de potencialidade das mídias para a “[...] promoção da expressão criativa e da participação dos cidadãos, pondo em evidência as potencialidades democráticas dos dispositivos técnicos de mídia”. O documento reconhece a relevância dos suportes de difusão da informação na vida dos cidadãos e demonstra preocupação com a necessidade de preparar todos para fazerem uso das mídias de forma que elas tragam benefícios às suas vidas, como mostra o seguinte excerto: Mais do que condenar ou apoiar o indubitável poder dos media, torna-se necessário aceitar o seu impacto significativo e a sua difusão por todo o mundo como um facto consumado, valorizando ao mesmo tempo a sua relevância como um importante elemento de cultura no mundo contemporâneo. Não deveria ser subestimado o papel da comunicação e dos media no processo de desenvolvimento, nem a sua função enquanto instrumento ao serviço da participação ativa dos cidadãos na sociedade. Os sistemas político e educativo devem reconhecer as suas obrigações respectivas na promoção deu uma compreensão crítica do fenômeno da comunicação entre os cidadãos. (UNESCO, 1982, p. 1). Sem desconsiderar possíveis aspectos negativos e prejudiciais das mídias nos processos educativos, a declaração procura destacar as mídias como elementos da cultura, que se constituem um fato e que por isso mesmo, necessita de um exame atento e constante em seu potencial formativo. Considerando que, o papel dos sistemas políticos é o de favorecer instrumentos de participação e de crítica sobre as mensagens midiáticas. A UNESCO recomenda aos governos que se proponham a promover programas de mídia-educação que incentivem o desenvolvimento da consciência crítica. Além disso, sugere que desenvolvam 19 cursos para professores com o objetivo de ampliar os seus conhecimentos sobre o uso críticos das mídias e dos meios de comunicação, e de estimular as pesquisas do campo das Ciências da Comunicação, da Sociologia e da Psicologia. Por fim, solicitam apoio dos governos nas ações da UNESCO e na promoção da mídia-educação (UNESCO, 1982). Na Declaração de Grünwald as recomendações foram consideradas diretrizes e estão apresentadas nos seguintes tópicos em L’education aux médias: actes, synthèse et recommendations do Encontro Internacional de Paris, da UNESCO (2007, p. 1, tradução nossa1): I desenvolvimento de programas abrangentes de educação para a mídia em todos os níveis de ensino; II treinamento de professores e conscientização das demais partes interessadas na esfera social; III pesquisa e suas redes de divulgação; IV cooperação internacional em ações. O princípio da necessidade de “[...] preparar os mais jovens para a vida num mundo dominado pelas imagens, palavras e sons” (UNESCO, 1982, p. 2) é outro aspecto importante da Declaração de Grünwald, que ressalta o papel dos meios de comunicação e das mídias no desenvolvimento dos indivíduos, bem como de “[...] instrumentos ao serviço da participação ativa dos cidadãos na sociedade” (UNESCO, 1982, p. 1). Dessa maneira, a educação tem a função primeira de desenvolver uma perspectiva mais ativa dos indivíduos, devendo partir do aprimoramento das capacidades de leitura e de interpretação de imagens e textos. 1.2. A obra “Media Education” No início da década de 1980, foi lançado um livro que se tornou referência na temática: Media Education. Publicada em 1984 pela UNESCO, a obra que conceitua a “educação para as mídias”, utilizando a definição do Conselho Internacional de Cinema e Televisão, de 1973. De acordo com esse documento, tanto o estudo e o ensino, quanto a expressão, são considerados “[...]parte de uma disciplina específica e autónoma em teorias e práticas pedagógicas, em oposição à sua utilização como auxiliares técnicos e de aprendizagem em outras áreas do 1 Trecho original: “I. development of comprehensive media education programs at all education levels; II. teacher training and awareness raising of the other stakeholders in the social sphere; III. research and its dissemination networks; IV. international cooperation in actions.”. 20 conhecimento, tais como matemática, ciências e geografia [...]” (UNESCO, 1984, p. 8, tradução nossa2). O texto complementa o entendimento sobre educação para as mídias retomando trechos de documento publicado em 1979, na cidade de Paris, a partir do qual, conclui que uma educação para as mídias abrange [...] todas as formas de estudo, aprendizagem e em todas as circunstâncias, a história, criatividade, utilização e avaliação dos media como artes práticas e técnicas, bem como o lugar ocupado pelos media na sociedade, o seu impacto social, a implicação da comunicação mediática, a participação, a modificação do modo de percepção que eles trazem, o papel do trabalho criativo e o acesso aos media. (UNESCO, 1984, p. 8, tradução nossa3). Considerada, desse modo, uma disciplina com um conjunto de conhecimentos inter- relacionados, podendo, os seus conteúdos e currículos apresentarem-se em todas as etapas de ensino, a mídia-educação tem, nessa obra, o objetivo principal de compreender o papel das mídias na sociedade e de como elas modificam as interações e as comunicações humanas. O documento também sugere, aos países, que elaborem planos de ação racionais, com a finalidade de sistematizar os conteúdos da educação para as mídias e “[...] harmoniosamente os objetivos, as atividades, as produções e os métodos de implementação, tanto da educação, quanto das tecnologias de comunicação contemporâneas” (UNESCO, 1984, p. 9, tradução nossa4). Como, na década de 1980, muitos países não produziam seus próprios programas televisivos, importando conteúdo do exterior, o documento procurou alertar os países não industrializados de que o consumo de conteúdos midiáticos importados tem o lado negativo de transmitir valores que nem sempre estão em harmonia com a identidade cultural do país. Nas palavras da UNESCO (1984, p. 9, tradução nossa5), 2 Trecho original: “[...] part of a specific and autonomuous discipline in pedagical theoriy and practice as opposed to their use as teching and learning auxilaries in other areas of knowledge, such as mathematics, science and geography”. 3 Trecho original: “[...] all ways of studying, learning and in all circumstances, the history, creativity, use and evaluation of media as practical and techinical arts, as well as the place occuped by media in society, their social impact, the implication of media communication, participation, modification of the mode of perception they bring oabut, the role of crative work and access to media”. 4 Trecho original: “[...] harmoniously the objectives, activities, productions and methods of implementation both of education and of contemporary communication technologies”. 5 Trecho original: “[...] reflection and action should be particularly cautious in the non-industralized counties since imported media are also beares of values and forms that are fam from neutral and not Always in Harmony with the requirement of cultural identity, the development of endogenous culture of cultural methods of passing on knowledge.”. 21 [...] a reflexão e a ação devem ser particularmente cautelosas nos países não industrializados, uma vez que a mídia importada também é portadora de valores e formas que estão longe de serem neutros e nem sempre [estão] em harmonia com as exigências da identidade cultural, do desenvolvimento de uma cultura endógena ou de métodos históricos de transmissão de conhecimento. Media Education não é, entretanto, a última colaboração da UNESCO com a discussão em torno da relação entre mídia e educação, pois outras conferências trouxeram novas contribuições e novas definições para essa problemática. 1.3. A Conferência Internacional sobre Educação para os Media Em 1990, aconteceu, em Toulouse (França), a Conferência Internacional sobre Educação para os Media, resultando em uma nova declaração, intitulada “Novas Direções na Educação para os Media”. No entendimento de Pinto et al (2011, p. 39), esse documento traz novas definições de mídia-educação, que pretendem integrar os aspectos críticos e técnicos em todas as suas dimensões, embora seja possível perceber uma ênfase nos aspectos ligados à produção de mensagens midiáticas. Como asseveram Bévort e Belloni (2009, p. 1090), a conferência considerou as diferenças locais dos países em desenvolvimento, promoveu medidas importantes para ações de formação de professores e enumerou as experiências realizadas por associações e Organizações Não Governamentais (ONG). Também ficou evidente uma predileção pelo campo da comunicação em detrimento ao da educação. De acordo com as autoras, Cabe, no entanto, ressaltar e saudar, como um avanço significativo, a alusão pela primeira vez em documentos desse tipo, à preocupação com a escuta e a participação efetiva de crianças e jovens, no espírito da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente”, em ações e programas de mídia-educação que lhes são destinados. (BÉVORT; BELLONI, 2009, p. 1091). Para Pinto et al (2011, p. 39), a Conferência Internacional sobre Educação para os Media (1990) defendeu que a literacia midiática seria “[...] idêntica à necessidade da alfabetização linguística, já mais antiga [...]. Trata-se, acima de tudo, de uma questão de continuidade até da própria democracia”. Nesse sentido, a alfabetização eletrônica, assim como a alfabetização midiática, seriam tão importantes quanto a alfabetização linguística, uma vez que se tornaram 22 uma necessidade contemporânea capaz de auxiliar os indivíduos a exercer a sua cidadania em uma sociedade democrática. 1.4. A Conferência Internacional de Viena Em 1999, a UNESCO realizou, em Viena, outra conferência internacional, da qual se originou o documento Educando para as mídias e para a era digital. Esse documento instaurou um novo marco para os estudos de mídia-educação, pois foi a primeira vez que foi ressaltada, como princípio norteador, a parceria efetiva de crianças e adolescentes durante todo o processo da conferência. Dessa vez, as mudanças tecnológicas foram incorporadas na qualidade de elementos essenciais a serem considerados e não como questões de suporte técnico, com o propósito principal de promover o estudo sobre os aspectos técnicos das novas mídias e de suas influências nos indivíduos concernentes aos aspectos cognitivos, linguísticos, estéticos e socioculturais (BÉVORT; BELLONI, 2009, p. 1092). Sobre a participação de crianças e adolescentes durante a conferência, segundo relato de Bévort e Belloni (2009), eles produziram um documentário e integraram as discussões e decisões sobre os assuntos que lhes diziam interesse; uma forma de propiciar a participação e a liberdade de expressão desses conferencistas. De sua parte, Pinto et al. (2011) salientam que a conferência evidenciou [...] a necessidade de esta educação ser dirigida às crianças, pais e professores, ciente de que controlar o conteúdo dos meios de comunicação a que os jovens têm acesso é contrário aos princípios da democracia, e tecnicamente impossível. A assembleia deixa recomendações ao Comitê de Ministros e de “incentivar a elaboração e desenvolvimento dos meios de programas de literacia dos media para crianças e adolescentes; promover a elaboração e o desenvolvimento de programas de formação de professores no domínio da Educação para os Media nos estados membros com vista a promover o mais bem sucedido; envolver no diálogo sobre estas questões entidades educacionais, organizações de pais, profissionais de media, provedores de serviços Internet, ONG, etc.”. (PINTO et al., 2011, p. 41). No trecho acima citado, nota-se que, devido à dificuldade do controle de acesso aos conteúdos midiáticos e considerando a censura a esses conteúdos um ato antidemocrático, a preocupação principal era propor a promoção, nos diversos países participantes, de programas de educação para as mídias, destinados a professores, crianças e adolescentes. A conferência fomenta, também, o envolvimento de várias entidades e instituições da sociedade, interessadas e envolvidas na discussão, no debate da problemática da educação para as mídias. 23 1.5. Educação para os Media No ano 2000, a UNESCO publicou o relatório Educação para os Media, que formula recomendações sobre o conceito homônimo e expressa inquietações em torno dessa expressão. Uma delas diz respeito ao fato dos indivíduos estarem cada vez mais envolvidos com os conteúdos midiáticos, motivo pelo qual questiona se esse envolvimento os deixa mais bem informados. Além disso, manifesta preocupação com o risco de surgimento de uma nova forma de exclusão social para os indivíduos que não podem se comunicar por meio das mídias e/ou não possuem a capacidade de analisar criticamente os conteúdos comunicacionais desses meios (PINTO et al, 2011, p. 41). O relatório salienta a necessidade de desenvolver programas de educação para as mídias com o objetivo de educar os cidadãos para uma atitude crítica em relação aos meios midiáticos, a fim de formar pessoas que sejam capazes de tomar suas próprias iniciativas mediante as informações disponíveis. O documento cita, também, a importância de a educação para as mídias ter como público-alvo as crianças, os pais e os professores, propiciando o aprendizado para a vida, construído ao longo dela, e o envolvimento de organizações não-governamentais e de profissionais dos meios midiáticos nesse processo, esclarecem Pinto et al (2011, p. 41). Os autores relatam, ainda, sobre o destaque dado, no relatório, a uma educação para as mídias que capacite os indivíduos para o exercício da liberdade de expressão e do direito à informação, visto que o benefício dessa aprendizagem não é destinado apenas ao desenvolvimento pessoal, mas também à participação e à interação social, preparando as pessoas, dessa maneira, para a cidadania democrática e a consciência política. Por fim, na perspectiva de Pinto et al (2011 p. 41-42), há, em Educação para os Media (UNESCO, 2000), uma clara intenção de que a educação para as mídias tenha uma abordagem mais ampla do que proteger os jovens da violência e de conteúdos perniciosos, na medida em que envolve aspectos políticos, sociais, culturais ou de consumo dos meios de comunicação. Dois anos depois, 2002, em continuidade a essa discussão, ocorreu, em Sevilha, na Espanha, o Seminário sobre Educação para os Media (2002). Desse evento, resultou um documento que demonstrou a importância de se garantir a divulgação e a legitimidade de uma educação midiática. Nessa ocasião, foi realizada uma distinção entre educar sobre e com as mídias, ficando definido que a educação para as mídias, nas palavras de Pinto et al (2011, p. 40), “[...] está mais com ensinar a aprender acerca dos media do que através dos media, envolvendo a análise crítica e produção criativa”. 24 1.6. A Agenda de Paris Em 2007, a UNESCO promoveu um encontro em comemoração aos 25 anos de Grünwald, que gerou o documento Agenda de Paris. Nele, foi registrado que, apesar de existirem algumas iniciativas interessantes sobre a temática da educação para as mídias, essas experiências foram insuficientes quanto à propagação e à abrangência do conceito, não saindo do contexto da experimentação (UNESCO, 2007). Constatou-se que “[...] 25 anos depois de Grünwald, a mídia-educação continua a ser, na maioria dos países, uma preocupação e uma prática de educadores e jornalistas militantes” (BÉVORT; BELLONI, 2009, p. 1095), com poucas repercussões consistentes na formação de crianças e jovens. Durante o evento, foram elaboradas 12 recomendações a respeito de ações importantes à promoção da educação midiática, pautadas nas quatro grandes diretrizes da Declaração de Grünwald (1982). O objetivo dessas recomendações foi estimular a mobilização dos envolvidos e de autoridades, bem como sugerir a realização de uma apuração dos progressos e das dificuldades encontradas no desenvolvimento da educação para a mídia em seus países. (UNESCO, 2007). No encontro, as quatro recomendações da Declaração de Grünwald (1982) tornaram- se os eixos temáticos da conferência, pois, foi verificado que elas continuavam emergentes no ano de 2007, uma vez que havia se constituído uma sociedade da informação e do conhecimento em contexto globalizado e, nesses 25 anos, as mídias ganharam força nos diversos contextos sociais. Na Agenda de Paris, atestou-se, ainda, que toda a sociedade precisava desenvolver uma análise crítica da informação, independentemente do sistema simbólico utilizado (imagem, som ou texto) e que, para a produção de conteúdo midiático, todas as partes interessadas deveriam se envolver, possibilitando, desse modo, o exercício da participação para a efetiva educação para as mídias (UNESCO, 2007). Outro ponto destacado foi a consideração de que a mídia- educação faz parte da formação para a cidadania, sendo importante na constituição de uma sociedade plural, inclusiva, participativa, em que sua população seja capaz de exercer a sua cidadania (BÉVORT; BELLONI, 2009, p. 1096). 25 Quadro 2 - Recomendações da Agenda de Paris DIRETRIZ RECOMENDAÇÃO I. Desenvolvimento de programas abrangentes de educação para a mídia em todos os níveis de ensino 1. Adotar uma definição inclusiva de educação para a mídia 2. Fortalecer os vínculos entre educação para a mídia, diversidade cultural e respeito pelos direitos humanos 3. Definir competências básicas e sistemas de avaliação II. Formação de professores e conscientização das demais partes interessadas na esfera social 4. Integrar a educação para a mídia na formação inicial de professores 5. Desenvolver métodos pedagógicos adequados e em evolução 6. Mobilizar todas as partes interessadas no sistema educacional 7. Mobilizar as demais partes interessadas da esfera social 8. Colocar a educação para a mídia no quadro da aprendizagem ao longo da vida III. Pesquisa e suas redes de divulgação 9. Desenvolver a educação e a pesquisa na mídia no ensino superior 10. Criar redes de troca IV. Cooperação internacional em ações 11. Organizar e tornar visíveis intercâmbios internacionais 12. Sensibilizar e mobilizar tomadores de decisões políticas Fonte: Adaptado de UNESCO (2007, tradução nossa6). 6 Trecho original: “1.To adopt an inclusive definition of media education; 2.To strengthen the links between media education, cultural diversity and respect for human rights; 3.To define basic skills and evaluation systems; 4.To integrate media education in the initial training of teachers; 5.To develop appropriate and evolving pedagogical methods; 6.To mobilize all the stakeholders within the education system; 7.To mobilize the other stakeholders of the social sphere; 8.To place media education within the framework of lifelong; 9.To develop media education and research in higher education; 10.To create exchange networks; 11. To organize and to make visible international exchanges; 12.To raise awareness and to mobilize political decision-makers”. 26 A primeira diretriz visa à garantia de que os governos promovam programas de educação para a mídia que abranjam os vários níveis de ensino. Para que essa diretriz possa ser implementada, foram propostas três recomendações, sendo que a primeira pretende operar o uso da mídia nos ambientes escolares, não só como ferramenta pedagógica, mas também como assunto de estudo, tendo em vista que os ambientes econômicos e sociais passam por transformações em decorrência da evolução tecnológica da informação e da comunicação. O caráter inclusivo da educação para as mídias possui três objetivos principais, sendo que o primeiro destaca os aspectos de acesso aos diferentes tipos de mídias enquanto ferramenta, o segundo enfoca o desenvolvimento de habilidade e análise crítica das mensagens midiáticas, e o terceiro aborda o incentivo à produtividade, à criatividade e à interatividade, como mostra o excerto: - dar acesso a todos os tipos de mídia que são ferramentas potenciais para entender a sociedade e participar da vida democrática; - desenvolver habilidades para a análise crítica de mensagens, seja em notícias ou entretenimento, a fim de fortalecer as capacidades de indivíduos autônomos e usuários ativos; - incentivar a produção, criatividade e interatividade nos diferentes campos da mídia comunicação. (UNESCO, 2007, p. 1, tradução nossa7). A segunda recomendação evoca o fortalecimento dos vínculos entre a educação para as mídias, a diversidade cultural e o respeito aos direitos humanos e, para tanto, propõe que os currículos considerem a diversidade cultural e evitem a utilização de modelos curriculares que sejam incongruentes com as realidades locais, promovendo estas culturas. A terceira recomendação dedica-se à definição de habilidades e competências básicas, para os diversos níveis de ensino, integradas a eles de modo transversal e interdisciplinar. Os sistemas de avaliação, para verificação da aprendizagem da educação para as mídias, devem considerar, nesse sentido, o desempenho dos professores e alunos de modo comparativo e com a finalidade de aperfeiçoar a eficácia dos currículos em construção. Concernente à segunda diretriz, que trata da formação de professores e da conscientização das demais partes interessadas na esfera social, cinco recomendações a constituem, enumeradas de quatro a oito na sequência do documento. Assim, a quarta 7 Trecho original: “- to give access to all kinds of media that are potential tools to understand society and to participate in democratic life; - to develop skills for the critical analysis of messages, whether in news or entertainment, in order to strengthen the capacities of autonomous individuals and active users; - to encourage production, creativity and interactivity in the different fields of media communication”. 27 recomendação busca integrar a educação para a mídia na formação inicial de professores por considerá-la primordial à integração das dimensões práticas e teóricas; a quinta discorre sobre os métodos pedagógicos e a necessidade do desenvolvimento de novos métodos de ensino, de maneira que eles sejam elaborados em colaboração entre professores e estudantes; a sexta busca mobilizar todos os integrantes do sistema educacional, dentre eles os gerentes de currículo, os diretores de escola e os demais profissionais da educação, com o objetivo de promover o envolvimento com as responsabilidades, a legitimação das ações e a participação em iniciativas de conscientização; a sétima recomendação trata da mobilização de outros atores da esfera social, pois considera que essa preocupação é também das famílias, das instituições de educação informal e dos profissionais da mídia; e a oitava menciona que a educação para a mídia deve ser uma aprendizagem ao longo da vida, uma vez que elas, da mesma forma, estão no cotidiano dos adultos. A terceira diretriz trata da importância da pesquisa e de suas redes de divulgação, contemplando, assim, mais duas recomendações da Agenda de Paris. A nona diz respeito ao desenvolvimento da educação e da pesquisa sobre mídia no ensino superior, por este ser considerado um elo entre a prática e a pesquisa, nas quais estão inseridas a pesquisa teórica, a pesquisa de avaliação de práticas pedagógicas, a pesquisa-ação e as investigações. Destaca também a importância de desenvolver uma conexão dos estudos sobre inovação pedagógica e o impacto das tecnologias na educação. A décima recomendação, por sua vez, retrata a importância da criação das redes de troca para compartilhamento das pesquisas e de seus resultados em âmbito regional, nacional e internacional. Quanto à quarta e última diretriz, esta dispõe sobre as ações de cooperação internacional. Desse modo, a décima primeira recomendação visa organizar e tornar visíveis os intercâmbios internacionais com a finalidade de difundir as práticas e os trabalhos existentes e, assim, compreender melhor a diversidade de situações concretas, promovendo a organização de eventos como simpósios internacionais, reuniões anuais de especialistas nacionais e festivais internacionais de produção midiática de jovens. Por fim, a última recomendação tem o objetivo de sensibilizar e mobilizar aqueles que tomam decisões políticas nos países participantes para que proponham ações de conscientização da opinião pública, em nível nacional, e que se juntem à UNESCO na promoção da cooperação com outras organizações internacionais ou regionais. Segundo Bévort e Belloni (2009) os estudos realizados na Agenda de Paris (2007) tiveram alguns avanços. O primeiro concerne à ênfase no papel dos sistemas educacionais na promoção da mídia-educação. O segundo aborda a importância de integrar a mídia-educação à 28 formação inicial de professores. Além disso, nota-se que, pela primeira vez, as recomendações apresentadas nos documentos sobre mídia educação dão prioridade ao ensino formal como alvo para o desenvolvimento das ações. Outro avanço é a relevância da formação inicial de professores. O documento ressalta, “[...] a necessidade da mídia-educação face à onipresença das mídias na vida social, principalmente na vida dos jovens, com elementos importantes da cultura contemporânea” (BÉVORT; BELLONI, 2009, p. 1099), tornando-se meio de participação como cidadão e como instrumento de expressão criativa individual. Mais um ponto que explicita o avanço dos estudos sobre mídia-educação é o fato de que ela pode ser importante na redução das desigualdades sociais e regionais, devido à sua capacidade de desenvolver, nos cidadãos, a formação de competências necessárias ao domínio técnico e à compreensão crítica das mensagens midiáticas e das forças político-econômicas que as envolvem. Dessa forma, esses cidadãos poderão desenvolver habilidades, conhecimentos e competências necessários ao exercício pleno da cidadania (BÉVORT; BELLONI, 2009, p. 1099). Contudo, o avanço mais relevante considerado no contexto da elaboração da Agenda de Paris (2007) é a definição de que a mídia-educação é [...] direito fundamental da humanidade, que reafirma, legitima e estende aos adultos os direitos à liberdade de expressão, ao acesso à informação e à participação na vida cultural e nas decisões [...]”; direitos resguardados pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) em 1989, conforme Bévort e Belloni (2009, p. 1099). 1.7. A Alfabetização Midiática Informacional – Currículo para Formação de Professores Em 2008, ainda em Paris, foi elaborado por um grupo de especialistas da UNESCO um currículo de formação, para professores, em mídia e literacia informacional, contendo os temas e as competências que um professor deve desenvolver quando o assunto se refere ao emprego das mídias. Trata-se do documento Media and Information Literacy Curriculum for Teachers, publicado em 2011, traduzido para o português como Alfabetização Midiática Informacional – Currículo para Formação de Professores, publicação de 2013. A partir desse documento o termo educação para as mídias passou a contemplar a unificação dos termos alfabetização midiática e informacional. No documento, consta a seguinte conceituação para alfabetização midiática: “[...] a alfabetização midiática enfatiza a capacidade de compreender as funções da mídia, de avaliar como essas funções são desempenhadas e de engajar-se racionalmente junto às mídias com 29 vistas à auto expressão” (WILSON et al., 2013, p. 18). Ele traz também uma conceituação para alfabetização informacional, sendo aquela que “[...] enfatiza a importância do acesso à informação e à avaliação do uso ético dessa informação” (WILSON et al., 2013, p. 18). O quadro abaixo, elaborado a partir do referido documento, sintetiza os resultados e elementos da alfabetização informacional: Quadro 3 – Resultados e elementos da alfabetização midiática e informacional ALFABETIZAÇÃO INFORMACIONAL ALFABETIZAÇÃO MIDIÁTICA • Definição e articulação de necessidades informacionais. • Localização e acesso à informação. • Organização da informação. • Uso ético da informação. • Comunicação da informação. • Uso das habilidades de TIC no processo da informação. • Compreensão do papel e das funções das mídias em sociedades democráticas. • Compreensão das condições sob as quais as mídias podem cumprir suas funções. • Avaliação crítica do conteúdo midiático à luz das funções da mídia. • Compromisso sobre o uso ético das mídias para autoexpressão e participação democrática. • Revisão das habilidades (incluindo as TIC) necessárias para a produção de conteúdo pelos usuários. Fonte: Adaptado de Wilson et al. (2013, p. 18). Conforme Wilson et al. (2013), a Alfabetização Midiática Informacional (AMI) uniu dois conceitos, alfabetização midiática e alfabetização informacional, sendo definida da seguinte maneira pelos autores: A alfabetização midiática e informacional incorpora conhecimentos essenciais sobre (a) as funções da mídia, das bibliotecas, dos arquivos e de outros provedores de informação em sociedades democráticas; (b) as condições sob as quais as mídias de notícias e os provedores de informação podem cumprir efetivamente essas funções; e (c) como avaliar o desempenho dessas funções pela avaliação dos conteúdos e dos serviços que são oferecidos. Esse conhecimento, por sua vez, deveria permitir que os usuários se engajassem junto às mídias e aos canais de informação de uma maneira significativa. As 30 competências adquiridas pela alfabetização midiática e informacional podem equipar os cidadãos com habilidades de raciocínio crítico, permitindo que eles demandem serviços de alta qualidade das mídias e de outros provedores de informação. Conjuntamente os cidadãos fomentam um ambiente propício em que as mídias e outros provedores de informação possam prestar serviços de qualidade. (WILSON et al., 2013, p. 16). A alfabetização informacional, para alguns estudiosos, pode ser considerada um campo amplo de estudos e, para outros, ela é apenas uma parte da alfabetização midiática. Da sua parte, a UNESCO criou o termo AMI com a intenção de incorporar as duas ideias, bem como outras terminologias utilizadas por vários autores ao redor do mundo (WILSON et al., 2013). Assim, nesse documento curricular de formação para professores, foram relacionadas algumas das várias terminologias utilizadas pelo mundo, formando uma ecologia da AMI, ou noções de AMI, e essa ecologia foi expressada como na figura 1: Figura 1- A ecologia da AMI: noções de AMI Fonte: Wilson et al (2013, p. 19). 31 O principal benefício da AMI, segundo os autores de Alfabetização Midiática Informacional (2013), é o aprimoramento da [...] capacidade das pessoas de usufruírem de seus direitos humanos fundamentais, em especial os expressos no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo o qual “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. (WILSON et al., 2013, p. 20). Como mostra o documento, o intuito da AMI parece ser o de contribuir para o desenvolvimento de competências e habilidades que permitam que as pessoas se expressem e difundam suas ideias de forma livre e consciente. Nesse sentido, pode ampliar as possibilidades de acesso às ferramentas de comunicação e aumentar as possibilidades de expressar seus pensamentos. Desse modo, os principais benefícios da AMI para a escola são: 1. no processo de ensino e aprendizagem, equipa os professores com um conhecimento aprimorado que contribuirá com o empoderamento dos futuros cidadãos; 2. a alfabetização midiática e informacional transmite conhecimentos cruciais sobre as funções das mídias e dos canais de informação nas sociedades democráticas. Além disso, fornece uma compreensão razoável sobre as condições necessárias para cumprir essas funções efetivamente e as habilidades requeridas para avaliar o desempenho das mídias e dos provedores de informação à luz das funções esperadas; 3. uma sociedade alfabetizada em mídia e informação promove o desenvolvimento de mídias livres, independentes e pluralistas, e de sistemas abertos de informação. (WILSON et al., 2013, p. 20). O objetivo é que os professores, ao se prepararem com os conteúdos da AMI, estejam mais preparados para contribuir para a aprendizagem de seus alunos que, com o conhecimento adquirido, se tornarão cidadãos empoderados, portanto, mais participativos na sociedade. Isso quer dizer que os alunos que forem beneficiados com os conhecimentos, as habilidades e as competências contidos na AMI terão a oportunidade de compreenderem os meandros midiáticos e informacionais, além de usar de meios críticos para consumir e entender a realidade da comunicação a que tiverem acesso. Além disso, a sociedade que se apropriar da AMI possuirá mais indivíduos participando e se expressando pelas mídias abertas, contribuindo para uma comunicação mais plural, no âmbito das ideias (WILSON et al., 2013, p. 20). De acordo com Wilson et al. (2013, p. 20), para que se possa usufruir dos benefícios da AMI, o documento elenca uma série de requisitos necessários à sua implementação. O primeiro 32 requisito menciona que a AMI precisa ser vista de forma integral, como a associação de capacidades que integram conhecimentos, habilidades e atitudes. O segundo declara que os professores promovam, com as aprendizagens contidas no currículo da AMI, condições e elementos para que os jovens possam se integrar às mídias e aos meios de comunicação e informação de forma autônoma e racional. O terceiro requisito, por sua vez, destaca a necessidade de oferecer, aos educandos, fundamentos de localização, consumo e produção de informações. No quarto, fica evidente a relevância da disseminação indiscriminada desses conhecimentos para todos os cidadãos, com a inclusão de todos os grupos marginalizados. O quinto e último requisito exalta a capacidade de promover um intercâmbio cultural entre os povos, possibilitando a compreensão entre eles. Dando sequência a este estudo, no próximo capítulo, trataremos da importância da inclusão digital, das possíveis consequências à saúde das crianças em razão do uso indiscriminado e livre de recursos digitais e ambientes virtuais, bem como da necessidade de se garantir a segurança e a proteção dos estudantes. 33 2. INCLUSÃO DIGITAL, SAÚDE E SEGURANÇA No contexto contemporâneo, a inclusão digital é um componente essencial para a educação e o exercício da cidadania. De acordo com Prioste e Raiça (2017), a inclusão digital não se restringe ao acesso aos dispositivos tecnológicos e ao uso da internet. Com base nas investigações do Comitê Gestor da Internet (CGI) e da International Telecommunication Union (ITU) a inclusão digital precisa ser compreendida a partir de sete fatores: conectividade, capacitação, conteúdo, confiança, continuidade, letramento e inclusão de pessoas com deficiência. Assim, a inclusão digital é definida como a: [...] efetiva participação de indivíduos e comunidades em todas as dimensões básicas econômicas e de conhecimentos da sociedade, através de seus acessos às TIC [...]. Além disso, e-inclusão refere-se à graduação pela qual as TIC contribuem para equalizar e promover a participação na sociedade em todos os níveis: relacionamentos sociais, trabalho, cultura, participação política, etc. (KAPLAN, 2005, p. 7, tradução nossa8). Como se pode constatar, a concepção de inclusão digital está diretamente vinculada à inclusão social e ao uso educativo das tecnologias. Desse modo, o mero acesso passivo, destinado ao entretenimento, sem que o indivíduo possa obter benefícios que lhe proporcionem ampliação dos direitos e exercício da cidadania, não significa, de fato, inclusão digital. Prioste e Raiça (2017, p. 864) afirmam que “o aumento de acesso às TIC não significaria, necessariamente, maiores oportunidades de inclusão social, sobretudo para as populações desprovidas de uma formação educacional consciente”. Para Duarte (2007), o contexto das desigualdades sociais foi intensificado pelos grandes oligopólios, que aumentaram a concentração de renda e direcionam a inserção das TIC conforme seus próprios interesses. O acesso às tecnologias tem sido ampliado em termos mundiais, como podemos identificar no relatório da International Telecommunication Union (ITU). O documento estimou que, no final de 2019, 53,6% da população global estaria usando a Internet. Além disso, no Brasil, em 2017, o percentual de uso individual da Internet era de 67,5%, indicando que o índice brasileiro ultrapassava o global. No entanto, os fossos digitais ainda são preocupantes. Mancinelli (2007) afirma que são muitos os fossos gerados e os fatores causadores são: o 8 Trecho original: “[...] effective participation of individuals and communities in all dimensions of the knowledge- based society and economy through their access to ICT [...]. Further, e-Inclusion refers to the degree to which ICT contribute to equalising and promoting participation in society at all levels (i.e. social relationships, work, culture, political participation, etc.)”. 34 gênero, a etnia, as instabilidades de vida, o fator econômico, a insegurança social e no trabalho. Esses fatores estão fortemente implicados na exclusão social, demonstrados em diversas pesquisas, sugerindo que os indivíduos que possuem maiores escolaridade, poder aquisitivo e melhores empregos são os que também possuem maior acesso às TIC, quando comparados com aqueles que não possuem as condições favoráveis, responsáveis por oportunizar o acesso às TIC (PRIOSTE; RAIÇA, 2017, p. 865). No âmbito do Brasil, o acesso às TIC também tem se expandido nas últimas décadas, especialmente entre as crianças e os jovens. Uma pesquisa da TIC Kids Brasil, realizada em 2019, demonstra que, das crianças e dos adolescentes, entre 9 e 17 anos que utilizam a Internet, 38% utilizam o computador (portátil ou de mesa), 12% o tablet e 95% o celular (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2019).Quando se trata dos alunos das escolas urbanas, as pesquisas do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CERTIC), que é um departamento do Núcleo de Informação e Cooperação do Ponto BR (NIC), ligado ao Comitê Gestor da Internet (CGI), a pesquisa nomeada TIC Educação 2019 apresenta, sobre a frequência de acesso à Internet, que entre os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, 54% utilizam-na mais de uma vez ao dia; entre os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, 83%; e entre os estudantes do 2º ano do Ensino Médio, o acesso chega a 90% (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2019). Na mesma pesquisa é informado que o índice dos alunos entre 9 e 17 anos que acessam a Internet na escola era de 39%, sendo que 15% estão no 5º ano do Ensino Fundamental, 42% frequentam o 9º ano do Ensino Fundamental e 61% são do 2º ano do Ensino Médio. Dessa forma, as informações obtidas evidenciam uma crescente conexão de crianças e adolescentes com os dispositivos interativos e, ao tratar do uso desses equipamentos na escola, a alta crescente nas oportunidades de acesso no ambiente escolar figura entre os alunos mais velhos. A figura 2 ilustra o acesso de crianças e adolescentes de 9 a 17 anos à Internet, levando em conta a frequência de uso desse serviço para a realização de atividades como ouvir música, assistir a filmes ou séries, enviar mensagens, acessar redes sociais, compartilhar textos, fazer chamadas de vídeo, etc.: 35 Figura 2 - Atividades na Internet de crianças de 9 a 17 anos Fonte: TIC Kids Online Brasil (2019). Em março de 2020, a pandemia causada pela Covid-19 resultou na paralisação das aulas presenciais em todo o Brasil, descortinando, no âmbito da educação, uma série de desafios relacionados ao uso das tecnologias nas aulas, que tiveram que ser realizadas de forma remota e a defasagem na aprendizagem parece-nos inevitável e as desigualdades podem se intensificar. Dias e Pinto (2020) destacam que a importância do papel do professor no ensino é essencial também no Ensino Remoto, mas, para que ele exerça plenamente suas potencialidades profissionais, é importante que ele tenha familiaridade com os recursos tecnológicos. Caso contrário, ocorrerá uma manutenção ou um aumento das desigualdades, devido à impossibilidade de exercer o seu potencial acadêmico profissional a serviço da educação. As autoras destacam ainda que o ensino remoto não deve ser o único meio utilizado para manter as aprendizagens, pois ele tende a acentuar as desigualdades sociais, uma vez que nem todos, alunos e professores, possuem equipamentos necessários para participar das aulas remotas satisfatoriamente. Neste momento de distanciamento social, Dias e Pinto (2020) relatam que os estados e municípios detectaram que muitos professores precisaram aprender a usar os aplicativos digitais para dar aula, enviar atividades e avaliar seus alunos à distância. Não obstante, muitos sistemas de ensino implementaram o ensino remoto sem ao menos testar as ferramentas e capacitar os docentes para o uso das plataformas. Assim, entre os obstáculos para a implantação do ensino - 10 20 30 40 50 60 70 80 90 Compartilham o local onde estão Compartilham textos, imagens e vídeos… Fazem chamada de vídeo Compartiham textos, imagens e vídeos Jogam na internet Acesso a redes sociais Enviam mensagens instantâneas Assistem filmes ou séries na TV Ouvem música na internet Atividades na Internet 36 remoto estão a falta de computadores, aparelhos celulares, aplicativos e conexão à Internet de qualidade. Outro fator de desigualdade apresentado por Dias e Pinto (2020), que emergiu durante o período de paralização das aulas presencias, é o fato de que muitas escolas entregaram, às famílias, a responsabilidade de realizar a mediação dos seus filhos com os conteúdos escolares sem observar aspectos familiares que podem ampliar a desigualdade na aprendizagem e o desenvolvimento intelectual de seus filhos, como: o tempo disponível para dedicação aos estudos dos filhos, auxiliando nas aulas remotas; a escolaridade dos responsáveis; e o acesso das famílias aos recursos tecnológicos. Bizelli (2015, p. 3) ao tratar da sociedade da informação argumenta que “O acesso deve proporcionar ao cidadão educação básica, educação tecnológica e educação para o trabalho. Para além do acesso aos meios digitais é preciso que o cidadão possa apropriar-se deste conjunto de inovações”. Para o autor são necessárias três direções básicas para se constituir uma sociedade da informação: o primeiro é o acesso universal: que trata do direito a todos os cidadãos a banda larga e a disponibilização de todas as informações do governo; o segundo é a educação universal: nela é defendida o direito à educação básica e tecnológica a todos os indivíduos; e o terceiro se trata da participação democrática criando locais de participação popular dentro das estruturas de governo. Prioste e Raiça (2017) afirmam que vários estudos correlacionam o protagonismo social ao nível de acesso às informações tecnológicas. A inclusão digital, nesse sentido, deve ser fator a ser considerado nas ações que visam à diminuição da desigualdade social e econômica dos cidadãos. Diante desse contexto, a apropriação dos recursos tecnológicos não pode ficar a cargo do esforço do próprio cidadão, pelo contrário, deve ser tema para propostas de implementação de políticas públicas que viabilizem a inclusão social, como propõem Livingstone e Helspser (2008). Nas palavras de Prioste (2017, p. 75), “estar incluído digitalmente significa ser capaz de obter benefícios pessoais e sociais nos meios digitais e isso está diretamente ligado à educação”. Desse modo, Prioste e Raiça (2017) abordam a inclusão para a diminuição das desigualdades na educação brasileira, evidenciando que se faz relevante a alfabetização plena dos indivíduos, condição de extrema necessidade para a boa utilização dos recursos digitais e da comunicação escrita nesses meios A proficiência da escrita e da leitura é primordial para subsidiar os indivíduos nas suas potencialidades no âmbito do letramento digital e na apropriação dos 37 recursos tecnológicos. Constata-se que a garantia de acesso e a boa utilização dos recursos digitais poderão contribuir para a o exercício da cidadania, no entanto, [...] para além da pretensão política de equipar as crianças com sofisticados dispositivos de informática, é imprescindível investir em ações que tenham impacto na proficiência em leitura e escrita, para, assim minimizar os riscos de que o laptop ou tablet se transformem em mais um objeto de distração, desprovido de função educacional e social. Cabe lembrar que uma gigantesca indústria de diversões audiovisuais trabalha no sentido de formar precocemente consumidores assíduos. (PRIOSTE; RAIÇA, 2017, p. 868). Prioste e Raiça (2017) consideram importante que as escolas públicas terem infraestrutura, conectividade à Internet e melhores equipamentos tecnológicos em sala de aula para o uso de professores e alunos, a fim de possibilitar a implantação de programas pedagógicos que tenham, como objetivo, a formação crítica e a diminuição da desigualdade social. Porém, os investimentos em equipamentos não bastam, é necessária a formação tecnológica dos professores; o esforço para a diminuição do analfabetismo; e o aumento da proficiência em leitura e escrita, que também são aspectos cruciais para as escolas cumprirem sua principal função social, que é formar cidadãos críticos e participativos. Da mesma forma que as demais formações, a tecnológica é crucial para que os alunos tenham uma melhor participação social e melhores condições de vida. Prioste e Raiça destacam sete desafios da inclusão digital na educação brasileira: i) a conectividade, que se refere à garantia de acesso aos conteúdos e recursos digitais; ii) a capacitação, que concerne às competências e habilidades desenvolvidas nos indivíduos para o uso das TIC; iii) o conteúdo, favorece à importância das mensagens informadas pela Internet; iv) a confiança, que diz respeito aos aspectos da segurança em ambiente virtual; v) a continuidade, que corresponde ao uso contínuo dos recursos e conteúdos digitais; vi) o letramento, que se faz primordial, principalmente no Brasil, devido ao seu baixo índice de proficiência de leitura e escrita, pois o uso eficiente das tecnologias digitais está relacionado à alfabetização; e por fim, vii) a inclusão das pessoas com deficiência, defendida pelo fato de que a inclusão dos alunos com deficiência nas salas regulares é uma realidade nas escolas brasileiras e esses alunos têm o direito de potencializar suas capacidades, utilizando, também, as tecnologias, pois os recursos tecnológicos, equipamentos e softwares podem, de diferentes maneiras, colaborar com as necessidades individuais dos estudantes com necessidades específicas. 38 Para contribuir com a proteção das crianças em relação a possíveis abusos por parte da mídia brasileira, foi criada em 1993, a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), definida como “[...] uma organização da sociedade civil, sem fins de lucro e apartidária, que articula ações inovadoras em mídia para o desenvolvimento” (ANDI, 2020, p. 1). É importante destacar que a sua missão é “contribuir para uma cultura de promoção dos direitos humanos, dos direitos da infância e da juventude, da inclusão social e do desenvolvimento sustentável a partir de ações no âmbito do jornalismo” (ANDI, 2020, p. 1). A ANDI (2013), ao tratar da inclusão e da proteção, enfatiza que os indivíduos estão cada vez mais pressionados a conhecerem amplamente os recursos tecnológicos para utilizarem na educação, no trabalho e para exercitarem sua cidadania. Caso não tenham essas competências tecnológicas, arriscam-se a serem isolados do contato com o conhecimento, com a produção e com o recebimento de informação. Diante dessa pressão, as políticas de inclusão digital são parte das ações que colaboram com a promoção do desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. Para a agência, entende-se, por inclusão digital, “[...] a integração de múltiplos esforços, tendo em vista a promoção do acesso qualificado às novas tecnologias digitais” (ANDI, 2013, p. 133). Além disso, a ANDI enfatiza a necessidade de haver esforços para a criação de políticas públicas de saúde, educação e assistência social que visem à garantia de acesso crítico às mídias. As pessoas que não dominam os meios e recursos digitais podem ser excluídas sociocultural e economicamente. Por isso, a ANDI (2013) defende que, para que haja inclusão, o poder público crie políticas que alcancem os grupos socialmente excluídos, amplie o acesso à Internet e propicie, à população, a aprendizagem dos conhecimentos e das habilidades necessárias ao bom uso dos recursos tecnológicos. Desse modo, as políticas de inclusão digital poderão contribuir para a diminuição da desigualdade social e cultural e para a inclusão digital. 2.1. As tecnologias digitais e a saúde das crianças e dos adolescentes. O crescente acesso às novas tecnologias midiáticas propiciaram um vasto conjunto de oportunidades educativas ao mesmo tempo em que esses acessos podem também aumentar as possibilidades de “[...] violação de direitos, expondo crianças a novas modalidades de violência sexual (como abuso, aliciamento e disseminação de pornografia infanto juvenil on-line) e ao cyberbullying” (ANDI, 2013, p. 135). De acordo com o documento, 39 Agressões, abusos e violências praticados por meio da internet geram graves consequências psicossociais às vítimas e, devido à sua complexidade, a solução não está apenas nas mãos do Estado, mas perpassa a família, a sociedade civil e as próprias empresas da área (ANDI, 2013, p. 135). Prioste e Raiça (2017) afirmam que as crianças e adolescentes necessitam da interferência dos adultos, pais e educadores, para impor limites em suas interações digitais e virtuais, comedindo o tempo de exposição às mídias e conduzindo o uso adequado dos recursos digitais. Concernente a isso, Prioste (2017) publicou os resultados de sua pesquisa que pretendeu “conhecer o uso doméstico e escolar dos dispositivos televisuais de crianças de duas escolas públicas” (PRIOSTE, 2017, p. 74), tendo em vista a hipótese de que o uso indiscriminado das mídias televisivas e digitais poderia fazer com que as crianças se tornarem menos dispostas aos esforços necessários para a atenção e a realização das atividades escolares inerentes ao processo de alfabetização. A mesma pesquisa também mostrou, mediante relatos dos pais, que as crianças investigadas apresentavam comportamentos como “[...] nervosismo, dificuldade em tolerar frustrações, falta de interesse, distração, falta de persistência nas tarefas, preguiça, irritação e agressividade” (PRIOSTE, 2017, p. 83); todos relacionados, em alguma medida, com os dispositivos televisuais. Esses comportamentos vão ao encontro daqueles identificados nas pesquisas reunidas pela Americam Psychological Association’s (2015), que, ao investigar os modos de agir dos usuários de videogames, encontraram uma ligação entre a violência nos jogos e as condutas violentas (agressividade, falta de empatia, problemas de socialização e entendimento moral). O trabalho de Prioste (2017) revela, dessa forma, que as famílias estariam deixando a educação de seus filhos sob a responsabilidade dos conteúdos televisuais, uma constatação que denota uma despreocupação dos pais e responsáveis com a análise dos conteúdos que seus filhos estão consumindo. Em outras palavras, o resultado de sua pesquisa evidencia que as crianças que acessam os dispositivos televisuais sem a adequada mediação de um responsável podem apresentar uma menor disposição para as atividades escolares que envolvem a leitura e escrita. Ademais, os games violentos estariam prejudicando o desempenho das crianças e de seu desenvolvimento intelectual, uma vez que, principalmente na fase de alfabetização, parte considerável delas fazia uso de jogos violentos, proibidos para menores. Cabe ressaltar, a esse respeito, que diversas pesquisas – as da Americam Psychological Association’s (2015) servem como exemplo, demonstrando correlação entre jogos violentos e aumento de comportamentos 40 e pensamentos agressivos, empobrecimento das relações sociais das crianças, e diminuição da empatia e amabilidade nas interações. Fora do ambiente familiar, a escola é responsável por desenvolver as competências necessárias à aquisição da leitura e da escrita, ajudando seus alunos a terem uma postura positiva diante das dificuldades encontradas no processo de aprendizagem. Como esclarece Prioste (2017, p. 87), Para o bom uso e apropriação ativa das próteses digitais, é essencial a capacidade de leitura e de compreensão de texto. Escrever ajuda a criança a avançar no desenvolvimento de suas funções psíquicas. Por isso, a escrita é terapêutica, contribui para conter o fluxo de impulsividade. A escola deve ser guardiã da escrita e os recursos tecnológicos podem e devem ser utilizados como meios de potencializar a capacidade de atenção, de concentração e de persistência durante o processo de alfabetização. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por meio do seu departamento de adolescência, elaborou o manual de orientação Saúde de crianças e adolescentes na era digital (2016), que traz recomendações para os pais, médicos e profissionais da educação. No documento, a SBP (2016) afirma que o uso das tecnologias digitais está invadindo e modificando significativamente as formas de comunicação, os comportamentos e as interações entre os indivíduos. Como uma parcela dos pais são usuários dos meios digitais de comunicação, esses pais não identificam que seus filhos, crianças e adolescentes, estão consumindo os produtos tecnológicos com idades cada vez mais precoces e deixam de observar algumas mudanças ou problemas relacionados à saúde física e mental decorrentes dessa prática. Assim, revela-se uma preocupação em torno do uso excessivo e precoce dos meios digitais por parte das crianças e dos adolescentes, visto que ele gera prejuízos à saúde desses usuários. De acordo com o manual, O uso precoce e de longa duração de jogos online, redes sociais ou diversos aplicativos com filmes e vídeos na internet pode causar dificuldades escolares; a dependência ou o uso problemático e interativo das mídias causa problemas mentais, aumento da ansiedade, violência, cyberbullying transtornos de sono e alimentação, sedentarismo, problemas auditivos por uso de headfones, problemas visuais, problemas posturais e lesões de esforço repetitivo (LER); problemas que envolvem a sexualidade, como maior vulnerabilidade ao grooming e sexting, incluindo pornografia, acesso facilitado às redes de pedofilia e exploração sexual online; compra e uso de drogas, pensamentos ou gestos de autoagressão e suicídio, além das “brincadeiras” ou desafios” online que podem ocasionar consequências graves e até o coma por anóxia cerebral ou morte. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p. 2, grifos dos autores). 41 Teixeira (2012, p. 19) considera que uma abordagem crítica para o uso das mídias é fator primordial na educação em sexualidade, nesse sentido, é importante analisar a hipersexualização das mensagens mediáticas “com a finalidade de conceber recursos didáticos para o trabalho em sala de aula que sejam úteis ao crescimento saudável de crianças e jovens.” A autora entende que uma das maiores dificuldades dos professores e escolas é a capacidade de desenvolver o pensamento crítico que auxilie na desconstrução de estereótipos sexistas disseminados pelas mídias. Também enfoca que o meio midiático é disseminador constante e generalizado de representações de gênero e de sexualidade, deste modo os conteúdos midiáticos podem tornar-se nocivos ao bom desenvolvimento saudável da sexualidade de crianças e adolescentes. As mídias aumentam a possibilidade da ocorrência do fenômeno da hipersexualização, de crianças e adolescentes, principalmente nas meninas; Tratando-se de crianças, as imagens reenviam para a sexualização das suas expressões, posturas ou códigos de vestuário, demasiado precoces e evidenciando sinais de disponibilidade sexual, forjados e desajustados para a idade. Num mundo em que as crianças estão sob o olhar atento de pedófilos e sujeitas a diversas formas de abusos sexuais, está situação é verdadeiramente, preocupante. (TEIXEIRA, 2015, p. 4). Teixeira (2015) sinaliza as influências das mídias nos modos de ser e viver, principalmente nas expressões da sexualidade evidenciadas por meio de suas posturas, vestimentas e condutas. Considera importante que educadores se atentem às vulnerabilidades à ação de predadores sexuais. Ao justificar a importância da recomendação da estipulação de limites para o uso de recursos digitais por crianças e adolescentes, a SBP (2016) utiliza os resultados de pesquisas do Comitê Gestor da Internet (CGI), do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade de Informação (CETIC) e da TIC KIDS ONLINE – Brasil. No ano de 2015, por exemplo, as pesquisas evidenciaram que grande parte dos jovens foi exposta ao uso excessivo de Internet. Uma vez que viram pessoas serem discriminadas, presenciaram discursos de ódio, intolerância e violência, bem como sofreram ofensas via rede mundial de computadores, esses jovens sofreram ou foram vítimas de algumas formas de cyberbulling. Pesquisas empreendidas no ano de 2015 demonstram que 21% dos adolescentes deixaram de dormir, tornando-se suscetíveis a problemas decorrentes da falta de sono e alimentação, na medida em que priorizaram a permanência na Internet. Ao pesquisarem as 42 buscas realizadas pelos jovens, surgiram temas como formas de emagrecer, meios de machucar a si mesmo, modos de suicídio e várias outras buscas que os colocaram em situações de risco como o contato com pessoas estranhas, o compartilhamento de fotos e vídeos e o repasse de informações pessoais. Desse modo, os fatos demonstram que há dificuldade de se garantir a segurança e a privacidade das crianças e dos adolescentes na Internet, esclarece a Sociedade Brasileira de Pediatria (2016). Constituída por 22.000 médicos pediatras, a SBP (2016) disponibiliza recomendações para seus associados a respeito das consequências da exposição diária aos recursos tecnológicos, especificando os efeitos nas diferentes faixas etárias de crianças e adolescentes, em virtude de seus diferentes estágios de desenvolvimento cerebral-mental-cognitivo- psicossocial. Quadro 4 – Principais recomendações quanto ao uso das mídias digitais por crianças e adolescentes Até dois anos É desaconselhável uso de mídia. Crianças entre 2 a 5 anos de idade A exposição às mídias não deve ultrapassar o limite de 1 hora por dia. Crianças até 6 anos Recomenda serem protegido da violência virtual, essa faixa etária não dissocia a ficção da realidade. Crianças até os 10 anos Não devem fazer uso de televisão ou computador nos seus próprios quartos. Adolescentes Devem ter uma rotina de sono de 8-9 horas durante a noite, não devem permanecer isolados nos seus quartos e ser estimulado a manter uma hora de atividade física diariamente. Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria (2016, p. 3). Além de limitar o tempo de exposição aos recursos digitais, a SBP (2016) recomenda aos pais que estabeleçam horários e estejam presentes durante o uso de atividades online, que propiciem atividades esportivas e recreativas em ambientes externos, conversem e adotem regras de uso, a fim de protegerem seus filhos. Também é importante que orientem seus filhos dos perigos que possam acontecer quando há o compartilhamento de senhas, fotos e 43 informações pessoais para pessoas estranhas. Além do mais os responsáveis devem monitorar todas as atividades virtuais realizadas pelas crianças e pelos adolescentes, principalmente nas redes sociais, e, ainda, manter os computadores e outros dispositivos sob a sua responsabilidade. Outro recurso disponível para os pais são os aplicativos tecnológicos de segurança, como antivírus e softwares que monitoram todas as ações realizadas na Internet. A SBP (2016) recomenda, também, que os responsáveis expliquem aos seus filhos os perigos existentes no meio virtual e ensine-os a bloquear os conteúdos inadequados, como a violência, o ódio, a intolerância e o conteúdo sexual. A respeito de riscos como a dependência virtual e os games violentos, é relevante considerar que A ciberdependência e a dependência por games violentos são dois outros importantes riscos quase sempre menosprezados quando se trata da relação de crianças com as TIC. A significância desse risco decorre especialmente do impacto negativo que o uso desmedido de jogos e da internet pode ter na vida escolar [...]. (PRIOSTE; RAIÇA, 2017, p. 874). O estabelecimento de regras, com a finalidade da proteção social de crianças e jovens, contribui “[...] para o uso saudável, crítico, construtivo e pró-social das tecnologias usando a ética de não postar qualquer mensagem de desrespeito, discriminação intolerância ou ódio” (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p. 3). Outro ponto importante é a promoção de vivências familiares e com o círculo de amigos sem a utilização da tecnologia, como também de momentos de afeto e alegria. Aos médicos pediatras, a SBP (2016), além das recomendações descritas no quadro 4, recomenda a inclusão de protocolos nas rotinas de atendimento que observem, a fim de prevenir e tratar, os prejuízos ocasionados à saúde física e mental, possivelmente causados pelo uso excessivos de recursos digitais. Além disso, esses profissionais devem permanecer atentos aos comportamentos agressivos que denotem uma dissociação entre a realidade e o mundo virtual, entre outras sintomatologias, pois tais comportamentos apontam para problemas decorrentes de uma rotina inadequada no ambiente virtual. Sendo assim, devem encaminhar os pacientes, e a família, se for o caso, para o tratamento. O manual aconselha, ainda, que os profissionais se atualizem constantemente, por meio das pesquisas científicas sobre as influências das tecnologias digitais no desenvolvimento mental e psicossocial de crianças e adolescentes, e que mantenham um diálogo com as famílias sobre as alterações nos hábitos e modos de vida que possam prejudicar a saúde de seus filhos. 44 O documento sugere que os médicos colaborem com a disseminação das informações referentes aos possíveis prejuízos causados pelo uso excessivo das mídias, concedendo entrevistas, palestras nas escolas e em espaços comunitários. Essas indicações têm o propósito de divulgar o direito que as crianças e os adolescentes possuem de viver e preservar sua saúde com segurança, proteção social e dos riscos contidos no ambiente virtual. A SBP (2016) também lembra aos pediatras que não divulguem exames, fotos, comentários ou qualquer informação que exponham crianças e adolescentes. As recomendações da SBP (2016) direcionadas aos educadores e professores diz respeito ao uso ético, seguro, saudável e adequado dos recursos tecnológicos nas escolas. Ela indica que eles organizem palestras de conscientização, com o objetivo de prevenir e proteger os alunos propondo temas como: o encontro com desconhecidos, marcado por intermédio da tecnologia; a importância de considerar os direitos autorais das fontes de pesquisas nas atividades escolares, citando-as adequadamente; o uso inadequado de programas sem licença. A instituição ainda sugere, aos educadores e professores, que utilizem os recursos virtuais de informação junto a seus alunos na divulgação de projetos escolares, estimulando, assim, o protagonismo juvenil e o exercício da utilização dos recursos digitais. À escola, enquanto coletividade, a SBP aponta a relevância de se programar atividades pedagógicas com a presença de profissionais especializados para tratar de temas complexos como sexualidade, uso de drogas, cyberbullying, entre outros, uma vez que esses eventos escolares atuam como forma de prevenir os alunos sobre os abusos no uso da Internet e de protegê-los desses abusos. A SBP (2016) também aconselha que os educadores busquem uma atualização profissional, envolvendo conhecimentos sobre os recursos tecnológicos para que, com isso, esteja mais preparado para fazer uso das ferramentas nas aulas e que, em decorrência desse ensino-aprendizagem, haja o diálogo sobre a cidadania digital. Pede, por fim, atenção aos sinais de comportamentos que possam indicar que seus alunos estejam expostos a riscos pessoais, sociais ou digitais e, ao perceberem alguma situação divergente informe os responsáveis pelo aluno para que eles tomem as devidas providências de proteção. Além do mais, sugere a utilização dos recursos digitais nas aulas, com a finalidade de produção de conhecimento sem deixar de observar se os alunos estão protegidos dos perigos da Internet. De acordo com as recomendações da SBP, cabe às escolas o estabelecimento de redes de proteção às crianças e aos adolescentes e sempre divulgar, na comunidade escolar, os locais de denúncia de casos de violência de todos os tipos, como os canais de denúncia - o disque- denúncia tel. 100, por exemplo. Também é dever das instituições de ensino, a introdução de 45 regras de convivência em seus regimentos, que contemplem os comportamentos em redes sociais, nas interações entre professores, alunos, funcionários e familiares, de modo que, no cotidiano, sejam preservados o respeito, a privacidade e a exposição de toda a comunidade escolar (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016). Quando a SBP (2016) direciona as recomendações aos pais, ela sugere que eles conversem com seus filhos sobre os riscos das redes sociais e do mundo virtual, mas que também se mantenham alertas quanto à classificação indicativa dos conteúdos audiovisuais e dos games que seus filhos consomem a fim de protegê-los de conteúdos inadequados às suas fases de desenvolvimento, estabelecendo restrições que delimitem o tempo de uso dos recursos tecnológicos (vídeo games, mídias audiovisuais e redes sociais). É importante que mantenham diálogo permanente sobre mensagens que carregam discursos que contenham conteúdo ofensivo, discriminatório, humilhante ou inapropriado e que veiculem imagens violentas ou sexuais, ensinando-os a bloquear os endereços que veiculam esses assuntos. Além disso, é dever paterno (e materno) orientar os filhos a nunca compartilharem as suas senhas, a não aceitarem brindes e não cederem à chantagem e/ou qualquer tipo de intimidação ou pressão de amigos, virtuais ou não. Ao final, pedem para que os pais evitem a exposição de imagens de seus filhos a pessoas desconhecidas ou em modo público nas mídias digitais. Também há orientações diretamente voltadas para as crianças e adolescentes, como: • Ter consciência de que o mundo virtual é fantasioso e imaginativo, não se deixando enganar ou distanciar do mundo real (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p.6); • Suspeitar de mensagens estranhas ou desconexas, bem como bloquear mensagens agressivas ou inadequadas (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p.6); • Compartilhar senhas apenas com seus responsáveis (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p.6-7); • Ter consciência de que o ambiente virtual é público, que as mensagens e publicações ficam arquivadas e acessíveis por tempo indeterminado, constituindo um histórico pessoal (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p.7); • Não adicionar pessoas desconhecidas em suas redes sociais (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p.7); • Não marcar encontros com estranhos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p.7); 46 • Ter cautela quanto ao compartilhamento de vídeo e envio de imagens (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p.7); • Ficar atentos a brindes, premiações e surpresas mágicas, pois elas podem ser ciladas e é possível que possa ser uma tentativa de invasão de privacidade (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p.7); • Não criar perfis paralelos ou avatares, pois essa brincadeira pode ser perigosa e colocá- los em risco (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p.7); • Cultivar a gentileza nas redes sociais, pois o respeito é muito importante. As mensagens ofensivas e humilhantes podem prejudicar quem a recebe (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p.7); • Ao sentir alguns sintomas como cansaço, sonolência, dor de cabeça ou nas costas, deixar de utilizar o celular, conversar com os responsáveis e agendar uma consulta para uma avaliação (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p.7). Em 2019, a SBP publicou outro manual de orientação, o Menos Telas, Mais Saúde, redigido pelo grupo de trabalho “Saúde na Era Digital”. No manual, é relatado que a luz azul emitida pela maioria das telas colabora com o bloqueio da melatonina, causando dificuldades para dormir. Alertam que essa luz prejudica a qualidade do sono, o que resulta no aumento de pesadelos e no acometimento de terror noturno. Durante o dia, em decorrência dessas dificuldades, há o aumento da sonolência, dificuldades de concentração, diminuição da memória, da aprendizagem e, consequentemente do rendimento escolar. Outro aspecto considerado é o da utilização de fones de ouvido, pois o uso de fones com o volume acima do razoável pode causar estresse, trauma acústico e perda auditiva. A SBP (2019) destaca que os ambientes virtuais, em suas diferentes plataformas, como os jogos e as redes sociais online são os locais em que crianças e adolescentes podem encontrar seus amigos muito facilmente. Esses encontros fazem com que eles permaneçam em meio virtual por mais tempo a cada vez e, com isso, gradativamente, acabam perdendo a noção de realidade. Por estarem em pleno desenvolvimento cerebral e mental, estão sujeitos a viver emoções e reações de medo, de estresse ou causadoras de ansiedade e depressão. Em pesquisas realizadas na década de 1990, nos EUA, foi demonstrado que a exposição de crianças à violência contida nas mídias está intimamente relacionada com a violência na vida real e os efeitos mais comuns são o comportamento agressivo nos relacionamentos sociais, a dessensibilização (banalização da violência) e o aumento do medo, deixando o jovem 47 expectador aterrorizado e suscetível ao desenvolvimento de doenças emocionais, de acordo com ANDI (2013). Quanto ao relacionamento dos bebês com as mídias digitais, a SBP (2019) destacou que muitos responsáveis disponibilizam seus smartphones para os bebês manusearem com o intuito de distrai-los com desenhos animados e jogos coloridos e atrativos. É enfatizado que o contato afetivo, o olhar, o aconchego, as relações humanas, o carinho dos seus tutores não devem ser substituídos por aparelhos de mídias digitais. Os responsáveis pelas crianças têm a missão de supervisionar constantemente a segurança, promover os cuidados necessários durante a primeira infância e não devem permitir que as tecnologias preencham lacunas afetivas devido à falta de apego e à negação de atenção por quaisquer motivos. Quando tratamos das influências negativas do uso inadequado dos recursos midiáticos digitais em longo prazo é importante considerar que, As experiências, tanto positivas e construtivas, como as negativas ou traumáticas, que ocorrem na primeira infância, idade escolar e adolescência, como a aprendizagem da agressividade e intolerância manifesta nos jogos e redes, que permanecem como modelo referencial, se não forem melhor reguladas e diagnosticadas, terão impacto duradouro nos comportamentos e nos estilos de vida, incluindo as questões de saúde, até a vida adulta. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019, p. 5). Nesse contexto, que abrange recomendações aos pais, aos educadores, crianças e adolescentes, a SBP (2019) faz um importante apontamento sobre a necessidade de implantação de ações de alfabetização midiática e de mediação parental, por meio de políticas públicas e campanhas que tenham como público-alvo os pais e responsáveis, as escolas e universidades, bem como os demais representantes da sociedade envolvidos com o tema, como as empresas midiáticas e os pediatras. O objetivo principal dessas ações públicas deve ser identificar a real finalidade dos conteúdos transmitidos às crianças e aos adolescentes, propiciando, para todo o público envolvido, uma aprendizagem sobre a importância do uso ético, protegido, saudável e pedagógico da Internet. 2.2. Legislação de proteção à infância e juventude no Brasil. Conforme a legislação brasileira, a proteção da infância e juventude é um dever de todos os cidadãos e instituições. No Brasil, a Constituição Federal (1988), em seu artigo 227, 48 determinou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura a proteção integral da criança e do adolescente. Além disso, em seu artigo 4º, assevera que É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de ne