UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS TITO FLAVIO BELLINI NOGUEIRA DE OLIVEIRA UMA NOVA OFENSIVA DO CAPITAL? Impactos do Neoliberalismo e da Reestruturação Produtiva na Ação Sindical e no Setor Calçadista de Franca – SP FRANCA 2013 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS TITO FLAVIO BELLINI NOGUEIRA DE OLIVEIRA UMA NOVA OFENSIVA DO CAPITAL? Impactos do Neoliberalismo e da Reestruturação Produtiva na Ação Sindical e no Setor Calçadista de Franca – SP Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista ”Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Campus de Franca para obtenção do Título de Doutor em História. Área de Concentração: História e Cultura. Orientador: Prof. Dr. Pedro Geraldo Tosi. FRANCA 2013 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Essa tese está registrada em Creative Commons. Atribuição – Compartilhamento pela mesma Licença (by-sa) Catalogação da Publicação Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação Faculdade de Ciências Humanas e Sociais UNESP - Franca Oliveira, Tito Flavio Bellini Nogueira de Uma nova ofensiva do capital? impactos do neoliberalismo e da reestruturação produtiva na ação sindical e no setor calçadista de Franca / Tito Flavio Bellini Nogueira de Oliveira. –Franca : [s.n.], 2013 260 f. Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Orientador: Pedro Geraldo Tosi 1. Calçados – Indústria. 2. Sindicatos - Calçados. 3. Neoliberalismo. 4. Reestruturação produtiva. I. Título. CDD – 320.51 TITO FLAVIO BELLINI NOGUEIRA DE OLIVEIRA UMA NOVA OFENSIVA DO CAPITAL? Impactos do Neoliberalismo e da Reestruturação Produtiva na Ação Sindical e no Setor Calçadista de Franca – SP Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista ”Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Campus de Franca para obtenção do Título de Doutor em História. BANCA EXAMINADORA __________________________________ Prof. Dr. Clayton Cardoso Romano Universidade Federal do Triângulo Mineiro ___________________________________ Prof.ª Dr.ª Edvânia Ângela de S. Lourenço Universidade Estadual Paulista __________________________________ Prof. Dr. Fábio César da Fonseca Universidade Federal do Triângulo Mineiro ___________________________________ Prof.ª Dr.ª Rita de Cássia Biason Universidade Estadual Paulista __________________________________ Prof. Dr. Pedro Geraldo Tosi Presidente Universidade Estadual Paulista Franca, _____ de ______________ de 2013. Aos meus amados pais, Maria Helena e Flávio. AGRADECIMENTOS Entro agora naquela etapa final de toda jornada, que é a da gratidão a todos e todas que de forma sempre direta, indireta, intencional ou mesmo sem se dar conta, acabam contribuindo para que nossas atividades sejam concluídas com relativo sucesso. Tendo em vista que esta tese é fruto de um amplo período que envolveu minha primeira passagem pelo doutorado, em 2005, minha candidatura à prefeitura de Franca como comunista e, logo em seguida minha desistência do projeto, até meu retorno em 2010, há muito e muitos a agradecer. Peço desculpa se alguém não for lembrado, mas deixei para escrever no último momento, então sei que eu mesmo vou lembrar após ter entregue a tese. Então de antemão já agradeço aos “esquecidos”. Primeiramente, à minha amada e preciosa mãe, Maria Helena, que sempre me apoiou, orientou e acolheu, mesmo quando tudo parecia ruir e o sentimento de incapacidade e parecia prevalecer. Você foi amor, luz, norte, força, calor, amizade, estímulo, confiança e crença. Eu, sempre ausente desde que me tornei francano, não conseguirei jamais agradecer à altura que você merece. Foice e martelo sempre! Te amo demais. Agradeço ainda a meu pai, Flávio de Oliveira, em memória e exemplo, cuja saudade sempre provoca lágrimas, mas será luz e inspiração eternas. Espero reencontrá-lo um dia. À Aretha, minha companheira, que com seu jeito exigente, soube nos momentos cruciais me fazer as cobranças e também me dar força e paz necessárias para a continuidade. Compartilhamos reflexões, sonhos, desilusões, mas sobretudo o desejo de construção de um mundo mais justo. Seu rigor para que as coisas sejam feitas de forma correta me mantiveram acordado, quando esse trabalho pareceu que iria tornar-se mais um pesadelo. Soube dar carinho, amor, luz e amizade nos momentos cruciais. Obrigado pelo companheirismo, pelos filmes, peças, músicas, viagens. Desculpe-me por tanta dor e lágrimas. Você faz parte da minha vida e desse momento. Te amo. Ao Pedro Tosi, que confiou em mim, uma vez que já havia desistido do doutorado em 2008, me dando nova oportunidade e condições para o pleno desenvolvimento desse trabalho. Foi orientador e amigo, dando pareceres, corrigindo o percurso quando necessário, e também dando conselhos, acolhendo nos momentos difíceis. Sou muito grato. À minha querida e amada irmã, Flaviana, sempre serena e sensata, e contundente quando tem que ser. Por trás de uma aparência frágil, uma grande mulher, uma lucidez, responsabilidade, carinho e sabedoria sem tamanho! Ao meu primo Emerson, que considero um verdadeiro irmão. Companheiro e cúmplice de dores, dilemas, angústias, sonhos. Apesar de não entender nada de futebol, te amo mesmo assim. Apesar de contratempos que passamos pela vida, a superação sempre servirá como motivação. Às minhas tias, Leile e Heloísa, ao Wanderlei e ao meu primo, Thiago pelo carinho e orações, torcendo para que tudo dê sempre certo e termine bem. Um abraço ao Paulo. À minha linda e amada sobrinha, Melinda, que quando tudo parecia trevas, iluminava meu caminho, com seu sorriso e carinho de criança. E à “Claquete”, por sua simpatia sempre cativante. Aos grandes amigos, sempre prontos para ouvir reclamações, choros, risadas, para a troca de conselhos: Clayton, Wagner Teixeira, Alex Degan, Rogério Murad, Angélica Gomes e Ana Paula. Um agradecimento especial aos grandes amigos José Henrique “Mate” e Daniela, que também me acolheram por diversas vezes em Uberaba, nessas idas e vindas de professor e motorista. Ao camarada Clécio, também agradeço pela amizade. Aos amigos de militância política: Tony, Daniel, Wellington, Geliane e Fabiano. Agradeço ainda aos camaradas de todo o PCB, pelo exemplo e acolhimento. À Perpétua e ao Roberto que me acolheram na família, pelo carinho, amizade e muitas risadas. Aos amigos da UFTM, especialmente ao Fábio Fonseca e ao Gustavo. Ao amigo e companheiro de eleições em 2008, Rogério Limonti, que me ajudou em entender alguns dados do DIEESE e do IBGE. Ao núcleo do projeto Memórias da Resistência, particularmente ao Marco Escrivão, ao Pedro Russo e ao Leonardo Stockler. Ao Cleiton Oliveira cuja curiosidade levou à descoberta dos documentos. Esse belo trabalho não existiria sem o empenho de vocês. Agradeço aos entrevistados do projeto, particularmente Áurea Moretti, Vanderlei Fontelas e Edson José de Senne. “Para que não se esqueça, que não mais aconteça jamais!” À Milena, por cuidar de minha sanidade mental durante o ano de 2012. Aprendi a ser mais calmo e menos impulsivo (eu acho). Aos amigos Ana Teresa “Tetê” e Flávio, que deram conforto e carinho quando o mundo parecia desmoronar. Obrigado de coração. À Flávia, Flora, Rebeca, Cisinho, Márcia, Alexandre Milito e Sandrinha, que permitiram que alguns dias fossem mais leves e agradáveis. Ao Carlos e à Mariana, por permitirem os momentos passados com a Melinda e a Clarice. Aos entrevistados, Jairo Ferreira, Rubens Facirolli, Jorge Martins, Regina Bastianini, Luiz Cruz, Gilmar Dominici, Vainer Ribeiro, Marcelo de Paula, Fábio Cândido, Jerônimo de Souza, José Carlos Brigagão, Hélio Augusto Ferreira. Aos funcionários, diretores ou ex-diretos do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados e Vestuário de Franca e Região, companheiros de luta que permitiram também que eu consultasse os acervos do sindicato, além de me orientarem em alguns momentos em que as fontes eram confusas: Laudeci, Clara, Egnaldo, Raquel, Marta e Valdir Barbosa. Às funcionárias do SINDIFRANCA, Ana Teresa, Márcia e Fernanda, por me fornecer dados e tirar dúvidas quando elas apareceram. Ao professor e pesquisador da UFPB, Maurício Sarda Faria, por te me atendido prontamente para dirimir dúvidas e pedir algumas orientações. Ao Deyvid Alves, da Prefeitura Municipal de Franca, pelos dados fornecidos. Aos colegas de Departamento de História da UFTM, particularmente à Sandra Dantas, que tão bem me acolheu em 2010. Permitiu que eu tivesse condições de pesquisa quando as condições de trabalho pareciam ser ruins. O espírito de camaradagem que lá predomina faz que com as limitações estruturais e institucionais sejam superadas pelo trabalho coletivo. À Maísa, sempre atenciosa e pronta para ajudar e esclarecer, e aos demais trabalhadores da seção de pós-graduação da UNESP-Franca. À Eliana, da Biblioteca da UNESP, pela presteza em elaborar a ficha catalográfica. Á Teresa Malatian, orientadora da primeira tentativa em fazer o doutorado. Infelizmente as condições objetivas foram muito adversas e tive que desistir. Aos demais docentes da banca de qualificação e da defesa: Profª Edvânia Lourenço e Profª Rita Biason. Á sabedoria, que sendo sempre um pedido meu desde a infância, faz com que o conhecimento se transforme e não seja apenas algo morto, mas sim algo aplicado à realidade. Como não poderia de esquecer, ao mais fiel, companheiro e amigo de todos: o Gordolino, ou simplesmente, Gordon, que no apogeu de seus 13 anos de idade correspondem a 74 anos de vida! Um idoso que agora só come, dorme e produz sons e cheiros estranhos. Alguns dizem que é uma encarnação canina do Munrá, de vida eterna! Agradeço ainda ao Instituto Práxis – IPRA, pelo apoio logístico, pela militância, e por ter possibilitado a existência do projeto Memórias da Resistência. Por fim, e tão importante quanto, ao Santos Futebol Clube, por toda minha rouquidão e por tornar meus dias mais “campeões”. Pra quem chegou até o fim dos agradecimentos, meu obrigado também. Valeu. A luta é coletiva e permanente. Numa pátria onde a verdade Tem correntes, como um cão, Quem morre por liberdade Quase nunca morre em vão. Edson José de Senne (Edinho Poeta) - Preso e torturado pela ditadura militar Tí tu lo O rig in al : H O M EM N A E N C R U ZI LH A D A Tí tu lo d a no va v er sã o: H O M EM , C O N TR O LA D O R D O U N IV ER SO Tí tu lo lo ng o: H om em n a en cr uz ilh ad a ol ha nd o co m e sp er an ça e a lta v is ão p ar a a es co lh a um n ov o e m el ho r f ut ur o. P in ta da o rig in ar ia m en te e m N ov a Y or k, n o R oc kf el le r C en te r, ac ab ou s en do d es tru íd a em 1 93 4 de vi do à re cu sa d o au to r e m re tir ar L ên in d o m ur al e in cl ui r A br ah an L in co ln . A o br a fo i r ef ei ta a in da e m 1 93 4, e m e sc al a m en or , n o P al ác io d e B el la s A rte s na C id ad e do M éx ic o, s en do e nt ão re ba tiz ad a. D ie go R iv er a, 1 93 4. OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO (Vinícius de Moraes) Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as asas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia por exemplo Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo sua liberdade Era a sua escravidão De fato como podia Um operário em construção Compreender porque um tijolo Valia mais do que um pão? Tijolos ele empilhava Com pá, cimento e esquadria Quanto ao pão, ele comia Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui Adiante um apartamento. Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria não fosse eventualmente Um operário em construção Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário: Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão O operário foi tomado De uma súbita emoção Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa - Garrafa, prato, facão Era ele quem fazia Ele, um humilde operário Um operário em construção. Olhou em torno: a gamela Banco, enxerga, caldeirão Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação! Tudo, tudo o que existia Era ele quem os fazia Ele, um humilde operário Um operário que sabia Exercer a profissão. Ah, homens de pensamentos Não sabeis nunca o quanto Aquele humilde operário Soube naquele momento Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara Um mundo novo nascia De que sequer suspeitava. O operário emocionado Olhou sua própria mão Sua rude mão de operário De operário em construção. E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela. Foi dentro desta compreensão Desse instante solitário Que, tal sua construção Cresceu também o operário Cresceu em alto e profundo Em largo e no coração. E como tudo que cresce Ele não cresceu em vão Pois além do que sabia - Exercer a profissão - O operário adquiriu Uma nova dimensão: A dimensão da poesia. E um fato novo se viu Que a todos admirava: O que o operário dizia Outro operário escutava E foi assim que o operário Do edifício em construção Que sempre dizia "sim" Começou a dizer "não" E aprendeu a notar as coisas A que não dava atenção Notou que sua marmita Era o prato do patrão Que sua cerveja preta Era o uísque do patrão Que seu macacão de zuarte Era o terno do patrão Que o casebre onde morava Era a mansão do patrão Que seus dois pés andarilhos Eram as rodas do patrão Que a dureza do seu dia Era a noite do patrão Que sua imensa fadiga Era a amiga do patrão. E o operário disse: Não! E o operário se fez forte Na sua resolução. Como era de se esperar As bocas da delação Começaram a dizer coisas Aos ouvidos do patrão Mas o patrão não queria Nenhuma preocupação. - "Convençam-no" do contrário Disse ele sobre o operário E ao dizer isto sorria. Dia seguinte o operário Ao sair da construção Viu-se súbito cercado Dos homens da delação E sofreu por destinado Sua primeira agressão Teve seu rosto cuspido Teve seu braço quebrado Mas quando foi perguntado O operário disse: não! Em vão sofrera o operário Sua primeira agressão Muitas outras seguiram Muitas outras seguirão. Porém, por imprescindível Ao edifício em construção Seu trabalho prosseguia E todo seu sofrimento Misturava-se ao cimento Da construção que crescia. Sentindo que a violência Não dobraria o operário Um dia tentou o patrão Dobrá-lo de modo contrário De sorte que foi levado Ao alto da construção E num momento de tempo Mostrou-lhe toda região E apontando-a ao operário Fez-lhe esta declaração: - Dar-te-ei todo este poder E a sua satisfação Porque a mim me foi entregue E dou-a a quem quiser. Dou-te tempo de lazer Dou-te tempo de mulher Portanto, tudo que vês Será teu se me adorares E, ainda mais, se abandonares O que te faz dizer não. Disse e fitou o operário Que olhava e refletia. Mas o que via o operário O patrão nunca veria O operário via casas E dentro das estruturas Via coisas, objetos Produtos, manufaturas. Via tudo que fazia O lucro do seu patrão E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca da sua mão. E o operário disse: não! - Loucura! - gritou o patrão Não vês o que te dou eu? - Mentira! - disse o operário Não pode me dar o é meu. E um grande silêncio fez-se Dentro do seu coração Um silêncio de martírios Um silêncio de prisão. Um silêncio povoado De pedidos de perdão Um silêncio apavorado Com o medo em solidão Um silêncio de torturas E gritos de maldição Um silêncio de fraturas A se arrastarem no chão E o operário ouviu a voz De todos seus irmãos Os seus irmãos que morreram Por outros que viverão Um esperança sincera Cresceu no seu coração E dentro da tarde mansa Agigantou-se a razão De um pobre e esquecido Razão que fizera Em operário construído O operário em construção. OLIVEIRA, Tito Flávio Bellini Nogueira de. Uma nova ofensiva do capital? Impactos do neoliberalismo e da reestruturação produtiva na ação sindical e no setor calçadista de Franca – SP. 2013. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2012. RESUMO Esta tese buscou analisar as transformações produtivas da indústria calçadista e a ação sindical sapateira de Franca com a difusão do neoliberalismo enquanto ideologia dominante no Brasil. A partir de uma ampla discussão conceitual, foi situado o debate sobre neoliberalismo e a nova ofensiva da reestruturação produtiva em escala mundial, a partir de modelos flexíveis de acumulação de capital, principalmente com o chamado “toyotismo”. Analisou-se a adoção das medidas de cariz neoliberal no Brasil e seus desdobramentos no setor calçadista de Franca, resgatando-se historicamente as transformações das forças produtivas e das relações de produção e suas conseqüências para a ação sindical sapateira. O período principal das análises é entre a década de 1990 e 2012, mas para isso foi necessário um certo recuo temporal com vistas a estabelecer importantes comparações. Palavras-Chave: Neoliberalismo. Sindicato dos Sapateiros. Indústria Calçadista. Reestruturação Produtiva. Toyotismo. OLIVEIRA, Tito Flávio Bellini Nogueira de. Uma nova ofensiva do capital? Impactos do neoliberalismo e da reestruturação produtiva na ação sindical e no setor calçadista de Franca – SP. 2013. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2012. ABSTRACT This thesis investigates the changes in production of the footwear industry and union action crab Franca with the spread of neo-liberalism as the dominant ideology in Brazil. From a broad conceptual discussion, was situated the debate on neoliberalism and new offensive productive restructuring worldwide, from flexible models of capital accumulation, especially with the so-called "toyotism". We analyzed the adoption of neoliberal measures in Brazil and its consequences in the footwear industry in Franca, redeeming themselves historically transformations of the productive forces and relations of production and their consequences for trade union action crab. The main period of analysis is between 1990 and 2012, but it was necessary some retreat time in order to establish important comparisons. Keywords: Neoliberalism. Shoemakers' Union. Footwear Industry. Productive Restructuring. Toyotism. OLIVEIRA, Tito Flávio Bellini Nogueira de. Uma nova ofensiva do capital? Impactos do neoliberalismo e da reestruturação produtiva na ação sindical e no setor calçadista de Franca – SP. 2013. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2012. RESUMEN Esta tesis investiga los cambios en la producción de la industria del calzado y el cangrejo acción sindical Franca con la expansión del neoliberalismo como ideología dominante en Brasil. A partir de una amplia discusión conceptual, se encuentra el debate sobre el neoliberalismo y las nuevas ofensivas productivas de reestructuración en todo el mundo, a partir de modelos flexibles de acumulación de capital, sobre todo en el llamado "toyotismo". Se analizó la adopción de medidas neoliberales en Brasil y sus consecuencias en la industria del calzado en Franca, redimirse históricamente transformaciones de las fuerzas productivas y relaciones de producción y sus consecuencias para la acción sindical de cangrejo. El principal período de análisis es entre 1990 y 2012, pero era necesario algún tiempo retirada con el fin de establecer comparaciones importantes. Palabras-clave: Neoliberalismo. Unión Zapateros. Industria del Calzado. Reconversión Productiva. Toyotismo. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: Site da Samello omite sua crise de 2006 ............................................ 143 FIGURA 2: Site da Sândalo omite o ano de 2006 ................................................. 144 FIGURA 3: Site da Agabê omite o fechamento da fábrica em 2008 ...................... 149 FIGURA 4: Vista Interna da Calçados Opananken ................................................ 152 FIGURA 5: Trabalhador manuseando máquina de corte ....................................... 152 FIGURA 6: Vista Interna da fábrica ........................................................................ 153 FIGURA 7: Máquina digital para chanfração ......................................................... 153 FIGURA 8: Ficha de devolução de couro .............................................................. 154 FIGURA 9: Máquina de Corte baseada em CAD/CAM: desenhando peças ......... 158 FIGURA 10: Máquina de Corte baseada em CAD/CAM: cortando o couro ........... 159 FIGURA 11: Resultado final da Eleição para prefeitura de Franca (1996) ........... 214 FIGURA 12: Resultado final da Eleição para prefeitura de Franca (2000) ........... 215 FIGURA 13: Dirigentes do STIC em encontro da INTERSINDICAL ...................... 224 LISTA DE TABELAS TABELA 1: Comparativo da Produção e Distribuição Anual de Calçados entre Brasil e Franca (1983 a 2012)............................................................................................. 22 TABELA 2: Produção e Distribuição Anual de Calçados - Franca (1976 a 2012) – Divisão entre Mercado Interno e Mercado Externo ................................................ 118 TABELA 3: Média do Número de Trabalhadores nas Indústrias Calçadistas de Franca (1977 a 2012) ............................................................................................. 120 TABELA 4: Número de indústrias calçadistas segundo o porte em Franca (1985 a 2006) ...................................................................................................................... 120 TABELA 5: Número de bancas registradas na Prefeitura Municipal de Franca (1982 a 2006).................................................................................................................... 122 TABELA 6: Micro-Empreendedores Individuais Registrados em Franca (2013)... 122 TABELA 7: Produtividade anual de calçados em Franca (1977 a 2012) .............. 124 TABELA 8: Importações Brasileiras de Calçados de Couro (2000 – 2012) .......... 128 TABELA 9: Importações Brasileiras de Calçados por Origem – Ásia (Pares de Calçados de Couro – NCM 6403) .......................................................................... 129 TABELA 10: Importações Brasileiras de Parte de Calçados por Origem – Ásia (Cabedal – Quantidade de Pares – NCM 6406) ..................................................... 131 TABELA 11: Número de Indústrias de Calçados de Franca (1981) ...................... 136 TABELA 12: Empresas de Franca Segundo o Porte (2000) ................................. 150 TABELA 13: Evolução da taxa de sindicalização em países com diferentes modelos de relações coletivas de trabalho (1978 a 2010) .................................................... 178 TABELA 14: Diferentes dados de sindicalização no Brasil (1987 a 2012) ............ 181 TABELA 15: Taxa Brasileira de Sindicalização (1989 a 2011) ............................. 182 TABELA 16: Novas Matrículas – STIC (1995 a 2013) .......................................... 184 TABELA 17: Taxa de sindicalização ao STIC (1982 a 2012) ................................ 185 TABELA 18: Distribuição Salarial da Makerli ........................................................ 198 TABELA 19: Resultado dos candidatos a prefeito pelo PT (1982-2012) .............. 213 TABELA 20: Vereadores Eleitos ligados ao STIC e ao PT (1982-2012) .............. 226 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1: Média de Funcionários das Indústrias de Calçados de Franca (2006 a 2012)....................................................................................................................... 119 GRÁFICO 2: Importação de Calçados de Couro da Ásia (2008 a 2012) ............... 130 GRÁFICO 3: Pesquisa eleitoral em Franca (29/09/1996) ...................................... 214 SIGLAS E ABREVIATURAS ABICALÇADOS Associação Brasileira das Indústrias de Calçados ACIF Associação do Comércio e Indústria de Franca ANTEAG Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão APL Arranjo Produtivo Local ASS Alternativa Sindical Socialista BANESPA Banco do Estado de São Paulo BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CAD/CAM Computer Aided Desing / Computer Aided Manufacturing CAMEX Câmara de Comércio Exterior CCQ Círculo de Controle de Qualidade CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas CONLUTAS Coordenação Nacional de Lutas CSD CUT Socialista e Democrática CUT Central Única dos Trabalhadores DIEESE Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos DS Democracia Socialista IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas IPES Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais MEI Micro Empreendedor Individual MTE Ministério do Trabalho e Emprego NCM Nomenclatura Comum do Mercosul NICC Núcleo de Inteligência Competitiva do Couro e do Calçado OIT Organização Internacional do Trabalho PCB Partido Comunista Brasileiro PEA População Economicamente Ativa PFL Partido da Frente Liberal PNAD Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios PLR Particição nos Lucros e Resultados PSB Partido Socialista Brasileiro PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PSOL Partido Socialismo e Liberdade PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores - Unificado PT Partido dos Trabalhadores RAIS Relação Anual de Informações Sociais SEADE Sistema Estadual de Análise de Dados SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SINDIFRANCA Sindicato das Indústrias de Calçados de Franca STIC Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados e Vestuário de Franca e Região TSE Tribunal Superior Eleitoral SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 19 CAPÍTULO 1 A “NOVA OFENSIVA” DO CAPITAL: O NEOLIBERALISMO COMO IDEOLOGIA DOMINANTE ................................................................................................... 31 1.1. Neoliberalismo enquanto superestrutura ideológica e política .................................. 32 1.1.1 O Caminho da Servidão: Hayek e os pressupostos iniciais do neoliberalismo ........ 36 1.1.2 Capitalismo e Liberdade: pressupostos de Friedman e experiências neoliberais .....46 1.1.3 Apontamentos críticos sobre as teses neoliberais .....................................................57 1.2. Reestruturação Produtiva, Toyotismo e Ação Sindical ..............................................69 1.3. Fim da História? Política, cultura e as relações de produção ................................... 93 CAPÍTULO 2 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, ENTRE CRISES, MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS ..................................................................................................................99 2.1. Neoliberalismo “à brasileira”: O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado ............................................................................................................................................. 100 2.2. Caracterização da Reestruturação Produtiva no setor calçadista de Franca ..........111 2.3. O fechamento de grandes indústrias de Franca: Samello, Sândalo, Agabê ...........135 2.4. Análise de dois casos: a Opananken e a Mariner ....................................................149 2.5. Limites e Impasses da produção calçadista em Franca ..........................................161 CAPÍTULO 3 TRANSFORMAÇÕES NA AÇÃO SINDICAL SAPATEIRA EM FRANCA ...174 3.1. Taxas de Sindicalização como Indicador Analítico ..................................................177 3.2. Virada Sindical e Inovação: 1982 a 1994 .................................................................186 3.2.1. Poder Operário e Propriedade coletiva dos meios de produção .............................189 3.2.2. O combate ao trabalho infantil e à terceirização fraudulenta .................... ..............200 3.3. O fim dos anos 90 e a consolidação do período de crise: 1995 a 2010 ..................207 3.3.1. A disputa pela representação dos sapateiros de Franca .........................................207 3.3.2. A derrota do PT nas eleições municipais de 2004 ...................................................213 3.3.3. CUT, Intersindical, CSD, ASS: o racha da diretoria do STIC ...................................217 3.4. O período das incertezas: de 2010 aos dias atuais .................................................224 3.4.1. As eleições de 2012: sapateiros novamente sem representação parlamentar .......225 3.5. Uma “nova ofensiva” do capital sobre o operariado calçadista de Franca ............. 229 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................237 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 243 ANEXOS ..............................................................................................................................253 19 INTRODUÇÃO Até o final dos anos 80 as grandes questões internacionais eram, sob muitos aspectos, influenciadas pelas duas principais potências mundiais, Estados Unidos da América - EUA e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS, desde o pós-guerra. O mundo, partido ao meio entre comunistas e capitalistas, viveu sob tensão constante pela iminência de um conflito que se ocorresse colocaria em risco a existência humana. A grande maioria dos conflitos ocorridos nesse período envolveram essas potências, que lutaram diretamente ou armaram dissidências, mas não em seus próprios territórios: Coréia, Vietnã, Afeganistão, além da forte disputa ideológica nas Américas, a partir da Revolução Cubana, que levou os EUA a apoiarem golpes de estado e ditaduras militares em diversos países, como Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Nicarágua, El Salvador entre outros. O início dos anos 90 marcou uma profunda mudança nessa tendência, tendo em vista o processo de colapso do chamado “socialismo real” e o que seria, para muitos, a vitória decisiva do “capitalismo real”. Anunciou-se, desse modo, o “fim da história” (FUKUYAMA, 1992) através de profundos processos que visavam a manutenção da hegemonia capitalista, agora sem o “perigo vermelho” para ameaçá- la. O enfraquecimento dos Estados nacionais, engendrado pelo neoliberalismo, levou até mesmo à afirmação do “fim da geografia”, conforme indicação de Otavio Ianni em sua obra “Teorias da Globalização”. (IANNI, 2002, p.133) Em resposta a isso, a esquerda internacional, grosso modo, tratou de romper com elementos fundamentais do pensamento marxiano, ou aprofundar componentes conciliadores com o capital, numa tentativa de mostrar-se menos ortodoxa. O que era inimaginável, até então, seria a aproximação entre setores políticos como o Partido Socialista Obrero Español, o Partido Revolucionario Institucional mexicano, amplos setores do peronismo argentino,o Partido dos Trabalhadores no Brasil e o Partido Socialista chileno com o liberalismo em sua versão hegemônica a partir dos anos 80, o neoliberalismo. Atílio Borón identifica o neoliberalismo como uma ideologia “de época”, com ampla capacidade de cooptar setores políticos, sociais e intelectuais até então refratários a tais ideologias. (BORÓN, 1999, p.17 in SADER, 1999) 20 Isso não representou novidade junto à esquerda mundial, uma vez que nos anos 40 ocorreu um processo de constituição e consolidação da social-democracia européia e a construção do “estado de bem estar social”. A aliança entre amplos setores operários e o empresariado capitalista na Europa, tão bem apontados por Alain Bihr (1999) em sua obra “Da Grande Noite à Alternativa”, representarão em escala mundial uma nova perspectiva para setores do proletariado em sua atuação, marcada por fortes traços de um pragmatismo e de um corporativismo sindical, abandonando-se as teses cruciais do classismo marxista. Foi um modelo político que pretendeu viabilizar a existência de um “capitalismo humano”, desconsiderando- se todas análises históricas e teóricas que demonstravam claramente os limites dessa “humanização”. O que não estava tão evidenciado ao longo do período da guerra fria, cuja ênfase na mídia referenciava-se a questões militares e políticas, era a luta que se travava internamente ao setor da produção para a conquista de melhores e mais eficientes procedimentos para potencializar a realização do lucro, otimizando-se a extração da mais-valia e modernizando-se o sistema internacional para produção de uma verdade econômica única, fortemente ideologizada. Octavio Ianni, em seu livro “Imperialismo e Cultura”, traça de maneira bem clara as determinações essenciais para a sobrevivência do capitalismo. Podemos afirmar que tais determinações não se restringem ao capitalismo, mas dizem respeito à manutenção da hegemonia de qualquer modo-de-produção. Evidentemente que este autor se referencia em Karl Marx: para a sobrevivência e estabilidade do capitalismo é essencial que este encontre formas mais dinâmicas de potencializar a geração do lucro (ou da mais-valia) e, ao mesmo tempo, modernize as relações produtivas de tal forma que não coloque em risco a existência do sistema. Entretanto, as contradições inerentes ao capitalismo impedem a criação de um sistema de equilíbrio perfeito (que será uma das bases da teoria neoliberal de Milton Friedman), que poderia significar a destruição completa do capitalismo. Dito de outro modo: é impossível para o capitalismo suprimir a exploração do trabalho e a corrida pela otimização da extração da mais-valia, então ele se utiliza fortemente de instrumentos e do aparelhamento de setores culturais ou educacionais, para minimizar artificialmente as contradições sociais e, conseqüentemente, diminuir os limites da resistência consciente dos trabalhadores. 21 Para que tal processo tenha sucesso relativo, é fundamental também o controle dos governos (ou ao menos uma grande influência sobre eles), para que ocorra a adequação da legislação e o controle da “violência legítima”. Desse modo fica mais ou menos assegurada a reprodução dos valores, a regulamentação legal e a coerção da oposição marginal, que garantam a segurança para a acumulação e reprodução do capital. O que não se imaginava, talvez oculto pelo ambiente de guerra fria, era a forte degradação ambiental, climática e social do planeta, colocando novamente de forma mais clara e evidente em risco a existência humana. O velho dilema do “socialismo ou barbárie” parece agora resolvido. Nas palavras de Michael Lowy, trata-se atualmente de “socialismo ou morte”. (CARCANHOLO, 1998, p.39) Esta tese representa um esforço de contribuição a este debate. Franca: aspectos gerais A indústria calçadista em Franca remonta aos anos 1930, tendo se consolidado a partir da década de 60. Sua especialidade é a produção de calçados masculinos de couro. Acentuou-se a partir da década de noventa, segundo a pesquisadora Vera Lúcia Navarro, um processo de racionalização produtiva que significou a flexibilização da produção em moldes que teriam incorporado elementos do toyotismo. (NAVARRO, 2006). O movimento sindical sapateiro, por sua vez, ganhou destaque a partir da década de 80, apresentando a partir de então uma combatividade que lhe será a característica principal, na maior parte desse período. Para Octávio Ianni O capitalismo é um modo de produção material e intelectual. Seja para constituir-se e generalizar-se, seja para reproduzir-se e recriar- se continuamente, as relações capitalistas engendram idéias, noções, valores e doutrinas. Sem estes elementos intelectuais, isto é, da cultura espiritual, as relações de apropriação econômica e dominação política específicas do capitalismo não poderiam constituir-se nem subsistir.(IANNI, 1976, p.22) 22 O complexo industrial calçadista de Franca e o seu movimento sindical sapateiro têm destaque no cenário nacional tanto por sua tradição produtiva, quanto pelo nível de pioneirismo e por relativa radicalidade sindical em certo período. A produção de calçados no Brasil entre 1993 e 2011 foi de 13.328 milhões de pares, com uma média anual de 701,48 milhões de pares, com grande retomada do crescimento da produção entre 2000 (580 milhões de pares) e 2010 (893,9 milhões de pares). A cidade de Franca, sozinha, produziu no período entre 1993 e 2011 um total de 596,7 milhões de pares, uma média de 31,4 milhões de pares anuais, ou seja, 4,48% da produção total do Brasil. 1 Entre 1983 e 1996, Franca apresentou um percentual de calçados exportados acima da média nacional, voltando a exportar acima da média nacional apenas em 2005 e 2006, para logo em seguida ficar abaixo da média de exportação, tendência mantida até 2011 e pelos dados apresentados relativos a 2012, possivelmente manterá essa tendência. TABELA 1 - Comparativo da Produção e Distribuição Anual de Calçados entre Brasil e Franca (1983-2012) Ano BRASIL Mercado Interno (%) Mercado Externo (%) FRANCA Mercado Interno (%) Mercado Externo (%) 1983 629,6 85,09 14,91 30,4 49,70 50,30 1984 570,2 74,71 25,29 32,0 64,06 35,94 1985 601,2 77,95 22,05 30,0 70,67 29,33 1986 694,9 79,55 20,45 35,0 78,00 22,00 1987 667,0 79,20 20,80 17,0 52,94 47,06 1988 637,5 76,22 23,78 24,0 65,00 35,00 1989 585,3 71,00 29,00 27,0 65,19 34,81 1990 502,3 71,55 28,45 27,0 67,41 32,59 1991 433,5 69,55 30,45 24,0 70,00 30,00 1992 485,1 67,45 32,55 25,7 57,98 42,02 1993 525,1 62,24 37,76 31,5 50,48 49,52 1994 590,4 71,99 28,01 31,5 59,05 40,95 1995 598,0 76,93 23,07 22,0 51,73 48,27 1996 554,0 74,25 25,75 24,8 66,93 33,07 1997 544 73,90 26,10 29,0 76,90 23,10 1998 516 74,61 25,39 29,0 84,59 15,41 1999 499 72,55 27,45 29,5 82,38 17,62 2000 580 71,90 28,10 32,5 77,53 22,47 2001 610 71,97 28,03 32,5 78,60 21,40 1 Dados do SINDIFRANCA, ABICALÇADOS e NICC. 23 2002 642 74,46 25,54 26,0 79,23 20,77 2003 896 79,02 20,98 28,6 81,12 18,88 2004 916 76,86 23,14 35,5 81,69 18,31 2005 877 78,45 21,55 35,3 72,24 27,76 2006 830 78,31 21,69 33,8 74,85 25,15 2007 808 78,10 21,90 35,0 82,29 17,71 2008 816,0 79,68 20,32 34,8 84,77 15,23 2009 813,6 84,44 15,56 32,2 86,02 13,98 2010 893,9 84,00 16,00 36,0 91,39 8,61 2011 819,1 86,20 13,80 37,2 92,80 7,20 2012 n.d. n.d. n.d. 37,8 92,82 7,18 Fontes: Resenha Estatística do SINDIFRANCA, março de 2011, dezembro de 2010 e agosto de 2001 e Relatório Mensal NICC, março de 2012. Brazilian Footwear 2011 e 2012. Dados nacionais entre 1983 e 1996: NAVARRO, 2002, p.149, 184 e 201. Dados de Franca de 1983: BRAGA FILHO, 2000b. Tabela elaborada pelo autor. Algumas características conferem certa particularidade à Franca em relação aos demais centros industriais do Brasil, com uma relativa autonomia em relação a eles, visto que o parque industrial completo existente é responsável pela produção, na cidade de Franca, desde o couro utilizado nos sapatos, como também de maquinários que irão compor as principais indústrias calçadistas do município. Isto se forjou após a crise de 1929 e a Revolução de 1930, seguindo a tendência industrialista pretendida por Vargas. Neste período de regulamentações trabalhistas e investimentos industriais é que foram criados os primeiros sindicatos, embora já houvessem existido órgãos de representação operária na cidade. 2 Atualmente Franca é considerada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, como área central de um Arranjo Produtivo Local3 (APL) da cadeia produtiva de calçados masculinos envolvendo ainda as cidades de, Itirapuã, Patrocínio Paulista, Pedregulho e São João da Barra. Esse APL foi responsável, em 2009, por cerca de 51 postos de trabalho diretos, e uma produção de mais de 37 milhões de pares de calçados. Ainda em 2009, foi criado o Núcleo de Inteligência Competitiva de Couro e Calçado (NICC), uma iniciativa do governo estadual de São Paulo em parceria com 2 PICCININI, V.C., ANTUNES, E. Di D., FARIA, M.S.de. “Estratégia Sindical dos Trabalhadores do Setor Calçadista” in LEITE,, 1997, p.219. 3 Os APLs concentram geograficamente empresas de micro a médio portes, de um mesmo setor ou cadeia produtiva que, sob uma estrutura de governança comum, cooperam entre si e com entidades públicas e privadas. Em todo o Estado, existiam até 2009, vinte e quatro Arranjos Produtivos Locais, que somavam 14.500 empresas e 350 mil postos de trabalho. Informações obtidas junto à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. 24 o Sindicato das Indústrias de Calçados de Franca – SINDIFRANCA, com investimento inicial de cerca de 400 mil reais, com sua implantação na própria sede do referido sindicato. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, os APL’s são assim definidos: Arranjos Produtivos Locais são aglomerações de empresas, localizadas em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm vínculos de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais, tais como: governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa. [...] O mesmo fenômeno é às vezes denominado arranjo produtivo local, sistema produtivo local ou mesmo “cluster”. No Brasil a expressão mais difundida é arranjo produtivo local. Entre os diversos conceitos existentes, destaca-se o descrito abaixo, de autoria da Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (Redesist), uma rede de pesquisa interdisciplinar, formalizada desde 1997, sediada no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu principal foco de pesquisa são os arranjos e sistemas produtivos locais. ‘Arranjos produtivos locais são aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais - com foco em um conjunto específico de atividades econômicas - que apresentam vínculos mesmo que incipientes. Geralmente envolvem a participação e a interação de empresas - que podem ser desde produtoras de bens e serviços finais até fornecedoras de insumos e equipamentos, prestadoras de consultoria e serviços, comercializadoras, clientes, entre outros - e suas variadas formas de representação e associação. Incluem também diversas outras organizações públicas e privadas voltadas para: formação e capacitação de recursos humanos, como escolas técnicas e universidades; pesquisa, desenvolvimento e engenharia; política, promoção e financiamento’.4 Por outro lado, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados de Franca (STIC) foi fundado em 1940 com o nome de Associação Profissional dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados, sendo reconhecido oficialmente apenas em 1941. No STIC as diretorias que se sucediam tinham seus presidentes ligados ao PTB, entre eles havia inclusive fundadores locais do partido. Sua atuação se pautava na conciliação de interesses e na oposição às greves. A prática da delação de trabalhadores aos patrões era constante, o que provocou o distanciamento entre a diretoria e a base sindical, que via com muita desconfiança o Sindicato (OLIVEIRA, 1998, p. 33-34). 4 Disponível em . Acesso em: 20 de maio de 2013. 25 A oposição sindical francana foi articulada através da Pastoral Operária (P.O.), que buscava, sob a luz do evangelho, discutir os problemas da classe trabalhadora e denunciar os abusos cometidos pela ditadura e pela classe patronal, apoiada no direcionamento oficial da Igreja na América Latina, de opções preferenciais pelos pobres. Este grupo, formado majoritariamente por sapateiros, estabeleceu como prioridade a conquista do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados de Franca (STIC) através de uma oposição empenhada em se organizar pela base, numa tentativa de transformar o Sindicato em instrumento de ação dos trabalhadores. Somente em 1982, com a vitória da Chapa 2 nas eleições daquele ano para a diretoria, é que o Sindicato adotou uma postura sindical mais agressiva e combativa, inspirado no novo sindicalismo nascido no ABC, abandonando sua postura anterior modelada no trabalhismo varguista. (CANOAS, 1993) Em Franca, o chamado “novo sindicalismo” não surgiu no interior da estrutura sindical oficial. Pelo contrário, ela se deu a partir das estruturas não burocratizadas e autônomas do movimento popular, conforme tendência apontada por Heloisa Martins (MARTINS, 1979), garantindo relativa autonomia e independência em ralação à essa estrutura. A partir de então o STIC renovado iniciou uma nova dinâmica nas relações com a categoria, politizando o debate e fomentando a “consciência crítica” dos trabalhadores. A grande base do Sindicato (em 1984 eram 34.500 trabalhadores, com mais de 7.500 sindicalizados; em 1993, mais de 27 mil trabalhadores, com mais de 11 mil associados) permitiu a Franca tornar-se um importante centro sindical no país. Muitos pesquisadores contemporâneos, como Alain Bihr, Giovanni Alves, Ricardo Antunes, István Mészáros, caracterizam o período atual do mundo do trabalho como de nova ofensiva do capital, com significativos impactos nas relações produtivas, na cultura operária e na ação sindical em geral. O pacto, chamado por Alain Bihr de “compromisso fordista”, que teria garantido o Welfare State por décadas em boa parte da Europa, após a II Guerra Mundial, encontra-se em crise aguda. “Essa ruptura foi provocada pela entrada em crise do regime de acumulação do capital que havia servido de base material para o compromisso fordista.” (BIHR, 1999, p. 69.) 26 A despeito de profundas transformações tecnológicas e democratização da política esse movimento não representou nem inserção econômica de vasta parcela da população mundial, nem tampouco o aprimoramento da legislação sindical e trabalhista que coadunasse com esse pretenso desenvolvimento. Com o desenvolvimento do capitalismo financeiro – que Giovanni Alves chama de “capitalismo-cassino” – a lucratividade não se assentaria mais apenas na produção, mas na especulação econômica. Para isso houve na Europa uma ruptura no acordo entre classes que garantiu por décadas o Welfare State. A nova ofensiva ideológica do capital assenta-se, assim, na fragilização dos Estados Nacionais, das entidades sindicais e da legislação trabalhista em escala mundial. A despeito dessa conjuntura, o STIC se manteve, pelo menos até 1995, num nível de mobilização e ação sindical ofensivo, com índices de sindicalização superiores aos nacionais (Tabelas 14 e 16) com mais de 45% em 1995, momento em que a base operária tinha sido diminuída em quase 10 mil postos de trabalho. Para o STIC, ao contrário do que poderia se supor, os anos 90 (até 1995) foram extremamente ricos. Além do permanente estado de mobilização atingido junto aos sapateiros as campanhas salariais e as campanhas de reposição, o Sindicato conseguiu desenvolver algumas ações significativas que evidenciavam uma perspectiva política emancipatória e classista, sem sucumbir ao corporativismo sindical. (BELLINI, 2000, p.188) Durante os anos de 1997 e 1998 desenvolvi uma pesquisa de iniciação científica (OLIVEIRA, 1998), financiada pela FAPESP, buscando, sob a forma de uma monografia de final de curso, introduzir uma análise da maior categoria do operariado francano, os sapateiros, ao nível da organização política. O período pesquisado, final dos anos 70 e início dos anos 80, privilegiou o movimento operário em suas principais representações, naquele período: desde a oposição sapateiro até a vitória para o sindicato, a ‘virada sindical’ em 1982, além das relações com o Partido dos Trabalhadores. Entre 1999 e 2002, novamente financiado pela FAPESP, desenvolvi uma pesquisa de mestrado (BELLINI, 2002), aprofundando as análises anteriores. Tal pesquisa procurou analisar comparativamente e qualitativamente a ação sindical desenvolvida pelos sapateiros de Franca no período de 1982 a 1995, 27 compreendendo os limites e avanços da ação sindical como elemento de resistência à tendência crescente de arrefecimento do movimento sindical no país. Pudemos aferir na dissertação que as ações do Sindicato dos Sapateiros, até 1995, foram permeadas de perspectiva classista, expresso em teses, falas, cursos, boletins e algumas ações reivindicativas. Foram, dessa forma, uma contribuição ao debate acerca da amplitude da ação política sindical possível nos limites da sociedade capitalista. O objetivo central dessa pesquisa foi analisar o processo de reestruturação produtiva a partir da década de noventa no Brasil, além de relacionar seus principais aspectos e compreender o papel da política econômica neoliberal nesse processo. Para isso, buscamos conhecer os pontos de convergência e de distanciamento dessa tendência industrial na indústria calçadista de Franca, bem como analisar seus impactos sobre o desenvolvimento do movimento sindical sapateiro, sua capacidade de resistência e suas mudanças. Foi importante a compreensão dos mecanismos de desenvolvimento da flexibilização da produção a seus desdobramentos no meio operário, tratando-se de delinear como a reestruturação produtiva atingiu objetivamente a organização fabril em Franca e suas conseqüências na ação sindical. As hipóteses centrais dessa tese eram: 1. A reestruturação produtiva em curso não significou, no parque industrial calçadista de Franca, o abandono do cariz taylorista da produção, coexistindo elementos originais, como a produção sob encomenda (just in time), a tentativa de experiências de produção enxuta, o envolvimento cooptado, e a manutenção ou aprofundamento e elementos já existentes anteriormente, como as terceirizações, a produção em linhas e a especialização de tarefas. 2. A ação sindical dos sapateiros em Franca conseguiu minimizar o impacto desarticulador da ofensiva do capital por um período maior que a tendência nacional, apresentando certa ofensividade e originalidade até pelo menos 1995, manifestado através de ações com desempregados, experiência autogestionável, combate à terceirizações fraudulentas, entre outras. 28 3. A partir de meados da década de 90 as transformações econômicas e políticas no Brasil, bem como as transformações superestruturais no município de Franca levaram a um gradativo enfraquecimento da capacidade de resistência do STIC, chegando-se então até a perda da base territorial de Franca como área de representação, bem como a perda de espaço na política institucional local. Do ponto de vista metodológico, desde os anos 20 a historiografia e a sociologia romperam a tradição de isolamento do contato entre métodos e técnicas de pesquisa dentro das ciências humanas, sob diferentes influências, como a Escola dos Annales e marxismo, levando ao fortalecimento da interdisciplinaridade e ao alargamento dos tipos de fontes históricas. No Brasil será a partir dos anos 70, sob influência dos Annales e do pensamento de Gramsci, que a História Política ressurge. Isto representa, segundo Vavy Pacheco Borges5, tanto o retorno da narrativa quanto a incorporação do tempo presente, da História Imediata, enquanto objeto da História Desse modo, no quadro da interdisciplinaridade de métodos e técnicas, supera-se o quadro tradicional da História Política metódica. O pensamento e as análises de Ciro Flamarion Cardoso (CARDOSO, 1988) contribuem muito para a melhor definição de aspectos da cientificidade e de questões metodológicas para a História. Cardoso assume, sob a influência marxista, o caráter falível e sócio-histórico da atividade humana, do conhecimento e, assim, da própria História. Será principalmente com o marxismo e os Annales que ocorrerá a fundamentação científica da História: inexistência de fronteiras estritas entre as ciências sociais, vinculação da pesquisa histórica com preocupações da atualidade, a criação da ‘história-problema’, ampliação das fontes diversidade dos tempos históricos, responsabilidade social do Historiador. Utilizamos a perspectiva marxiana nas análises do estudo proposto, tentando, através do materialismo histórico e dialético, caracterizar as estratégias ideológicas e 5 À intensa e tradicional interdisciplinaridade francesa que devemos atribuir o alargamento do campo da história, no qual rejuvenesce a história política. A noção do político se amplia e passa a incluir o comportamento dos cidadãos diante da política à evolução de suas atitudes ao tomarem posição deliberada e conscientemente para intervir nas áreas em na qual se decidam seus destinos. BORGES, 1972, p. 16. 29 de disputa de poder entre industriais e operários no setor calçadista, além de vincular as novas determinações tecnológicas e organizacionais a tais caracterizações. Foram utilizados instrumentos de pesquisa como a realização de entrevistas qualitativas e focadas ao setor técnico (gerências de produção), ao setor patronal (representantes do Sindicato da Indústria de Calçados de Franca) além de observação participante ocorrida entre 1996 e 2013, tando no interior do Partido dos Trabalhadores quando fora dele, e junto ao STIC. Em termos de fontes, foram utilizados dados estatísticos industriais e sindicais, jornais locais e estaduais, relalórios, atas, boletins, entre outros materiais referentes ao período da pesquisa das seguintes referências: Associação Brasileira das Indústrias de Calçados – ABICALÇADOS Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados e Vestuários de Franca e Região (antigo STIC) Jornais Folha de São Paulo, Comércio da Franca e Diário da Franca Sindicato das Indústrias de Calçados de Franca - SINDIFRANCA Prefeitura Municipal de Franca Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos – DIEESE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE Tribunal Superior Eleitoral – TSE Ministério do Trabalho e Emprego – MTE Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI Organização Internacional do Trabalho – OIT Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo Instituto de Pesquias Econômicas e Sociais da Uni-FACEF – IPES Associação do Comércio e Indústria de Franca - ACIF Foram realizadas entrevistas e colhidos depoimentos entre empresários e sindicalistas ligados ao complexo calçadista de Franca, além de mlitantes do PT. Utilizei entrevistas realizadas anteriormente, a partir de 1998, para outras pesquisas, 30 mas que traziam importantes informações não utilizadas até então. Junto aos trabalhadores buscou-se perceber qual sua percepção acerca das mudanças na esfera produtiva nas indústrias calçadistas a partir de 1996. Em relação aos empresários, focou-se a direção e os setores de planejamento e gerência de produção para compreendermos as estratégias de remodelamento da produção adotadas ao longo do período pesquisado. Com os sindicalistas, patronais e operários, buscou-se analisar a atuação desenvolvida durante esse período, considerado desmobilizante para os trabalhadores e para os movimentos sociais, e de crise produtiva tendo em vista a abertura econômica neoliberal. Desse modo, a tese ora apresentada, foi estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo, um amplo debate teórico foi proposto, enfocando-se o neoliberalismo, seus pressupostos e suas críticas. Também discutiu-se as concepções referentes à reestruturação produtiva, com foto no toyotismo, e suas implicações sobre o mundo do trabalho. Esboçou-se ainda uma crítica à idéia do “fim da História”, apresentando-se o desenvolvimento social enquanto um campo aberto de possibilidades, ainda que limitadas em parte pelas determinações concretas das relações de produção predominantes. O segundo capítulo procurou discutir especificamente a reestruturação produtiva e o neoliberalismo no Brasil e, particularmente, no setor calçadista em Franca, com seus efeitos sobre os meios de produção, com sua reconfiguração a partir da década de 90. Questões como a sindicalização, a produção, a produtividade, a crise das grandes indústrias, e a precaização do trabalho foram objeto desse capítulo. O terceiro e último capítulo procurou aferir as transformações ocorridas na ação do STIC ao longo do período entre a chamada “virada sindical” em Franca e 2012, indicando as ações que denotam capacidade de mobilização e combatividade, e as mudanças decorrentes das conjunturas nacional e local a partir do avanço neoliberal no Brasil e as disputas sindicais na base. 31 CAPÍTULO 1 A “NOVA OFENSIVA” DO CAPITAL: O NEOLIBERALISMO COMO IDEOLOGIA DOMINANTE Este capítulo tratará de compreender a dinâmica histórica que levou à hegemonia ideológica neoliberal em escala mundial, salvo algumas exceções, à consolidação do capitalismo financeiro na economia e suas conseqüências (objetivas e subjetivas) para a organização dos trabalhadores, manifestada, sobretudo através da ação sindical. O termo “nova ofensiva do capital” foi cunhado por Giovanni Alves, para se referir à atual etapa do desenvolvimento capitalista mundial, que associa a difusão do neoliberalismo enquanto superestrutura político- ideológica associado às transformações estruturais no mundo do trabalho através da dimensão da “modernização” do setor produtivo, sobretudo através da chamada “acumulação flexível” do toyotismo, com profundos impactos na ação dos trabalhadores. Esse complexo sócio-histórico posto pela nova crise do capital e que atinge, de modo estrutural, o mundo do trabalho, pode ser considerado como uma nova ofensiva do capital, que põe novos desafios para o movimento operário no limiar do século XX. (ALVES, 1998, p.119) Ricardo Antunes também apontava essa tendência em “Adeus ao Trabalho”, ao indicar que a internacionalização do modelo japonês de produção é um instrumento de aprofundamento dessa ofensiva, respeitando-se as singularidades de sua adequação a cada realidade própria, o que representaria um importante elemento da ofensiva do capital. (ANTUNES, 1998, p. 33) Giovanni Alves retoma sua compreensão da atual crise capitalista e a relação entre o âmbito estrutural, através principalmente das transformações produtivas, e superestrutural, ao afirmar que não é somente a partir da ideologia política neoliberal que as transformações produtivas são levadas a cabo, embora tenham sido fortemente beneficiadas por ela. O que o autor aponta como sendo a “ofensiva do capital de novo tipo” pode ser identificada com necessidades essenciais do capital em controlar e combater seu antagonismo, sem superar efetivamente a contradição 32 que o origina, tentando assim apenas mascarar a luta de classes que dela decorre, mantendo assim o sistema de dominação capitalista intacto. (ALVEZ, 1998, p.121) As conseqüências dessa “nova ofensiva”, que para Atílio Borón na verdade trata-se de uma contra-ofensiva burguesa, são evidentes e profundas nas sociedades em que sua aplicação foi relativamente efetivada. Para o autor, nos momentos menos favoráveis ao capital, quando os trabalhadores conseguiam mobilizações e conquistas importantes, houve uma “socialização de demandas”, ao passo que a partir do final dos anos 70 esse movimento foi invertido, em favor do capital, num vasto processo de privatizações e flexibilização de antigos direitos, que ele nomina como “descidadanização” social, relegando agora aos indivíduos a satisfação de necessidades até então postas como direitos dos cidadãos. Direitos, demandas e necessidades anteriormente consideradas como assuntos públicos transformaram-se, da noite para o dia, em questões individuais diante das quais os governos de inspiração neoliberal consideram que nada têm a fazer a não ser criar as condições mais favoráveis para que seja o mercado o encarregado de lhes dar uma resposta. [...] Se antes a saúde ou a educação eram direitos consubstanciais à definição da cidadania, a colonização da política pela economia os transforma em outras tantas mercadorias que devem ser adquiridas no mercado, por aqueles que podem pagá-las! (BORÓN, 1999, p 27-28 in SADER, 1999) Para isso, é de fundamental importância a compreensão de aspectos hegemônicos que permeiam a política, a economia e a ideologia dominantes a partir dos anos 80 em escala internacional. São eles, principalmente, o neoliberalismo, a reestruturação produtiva sob a perspectiva toyotista e a ofensiva cultural que afirmou o “fim das ideologias”, ou ainda o “fim da história. 1.1. Neoliberalismo enquanto superestrutura ideológica e política O neoliberalismo é muito anterior ao final do século XX. Ele foi apresentado internacionalmente em 1944, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, a partir de um de seus principais idealizadores, Friedrich Hayek, por meio da obra “O Caminho 33 da Servidão”, que inicialmente não teve muita aceitação, tendo em vista a forte adesão aos princípios keyneisianos que envolverão a economia das principais potências mundiais ocidentais, vitoriosas na Segunda Guerra Mundial: dos Estados Unidos aos países em reconstrução, como Japão, Alemanha, França, entre outros. Sua formulação é desenvolvida, sobretudo a partir da grande crise de 1929, que para muitos constituiria a maior evidência do que seria a crise terminal do capitalismo. Orientava-se inicialmente para a crítica ao Partido Trabalhista inglês, indicando que a qualquer tentativa de controlar ou regular o mercado levaria a algum tipo de totalitarismo, sendo que Hayek indicava que tanto o nazismo alemão quanto o comunismo soviético eram desdobramentos totalitários que possuíam em comum o mesmo fundamento intervencionista. Tinha como objetivos imediatos o combate às diferentes formas de estatismo, socialista ou keyneisiano, além de combater, os laços de solidariedade presentes no mundo do trabalho, preparando o terreno para um tipo de capitalismo mais voraz e livre de controle. [...] Hayek e seus companheiros argumentavam que o novo igualitarismo (muito relativo, bem entendido) deste período, promovido pelo Estado de bem-estar, destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos. Desafiando o consenso oficial da época, eles argumentavam que a desigualdade era um valor positivo – na realidade imprescindível em si –, pois disso precisavam as sociedades ocidentais. (ANDERSON, 1995, p.10 in SADER, 1995) Cabe ressaltar que, naquele contexto, a Revolução Russa apresentava-se notadamente jovem e promissora em termos de internacionalização do comunismo em contraposição ao capitalismo “decadente” e, desse modo, o neoliberalismo, ao buscar a retomada de pressupostos da Ciência Política Moderna e da Economia Política Clássica, representaria uma tentativa de solução ou alternativa à crise, sem romper com o sistema capitalista de acumulação de capital. Tal papel, entretanto, foi ocupado naquela conjuntura, conforme já afirmado acima, pela doutrina keyneisiana. As principais críticas ao neoliberalismo indicadas nessa tese fazem parte, sobretudo de duas publicações que são o resultado de um amplo ciclo de debates promovidos na Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 1994 e 1996, através de seminários internacionais chamados “Pós-Neoliberalismo”, com participações de Perry Anderson, Atílio Borón, Göran Therbon, Pierre Salama, Kiva Maidanik, Michael 34 Löwy, Robin Blackburn, Francisco de Oliveira, José Paulo Neto, José Ricardo Ramalho, entre outros, e organizados por Emir Sader e Pablo Gentilli. Cabe ressaltar que, dado o caráter ainda recente da ofensiva neoliberal no Brasil naquele momento, utilizei principalmente o debate mais geral. Os críticos do neoliberalismo são quase unânimes em apresentá-lo como superestrutura ideológica dominante a partir da década de 70, de alcance mundial e de caráter internacionalista. [...] este é um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional. (ANDERSON, 1995, p.22 in SADER, 1995) Göran Therborn, também realça esse aspecto do neoliberalismo, apresentando-o enquanto superestrutura política e ideológica da atual fase do capitalismo mundial, não restrito apenas a aspectos econômicos. (THERBORN, 1995, p.182 in SADER, 1995) Essa ofensiva teria sido facilitada pela crise do socialismo real e por uma reorientação privada no desenvolvimento material das forças produtivas. “De fato, podemos dizer que estamos experimentando o surgimento de uma nova etapa ou fase do capitalismo competitivo” (THERBORN, 1995, p.40 in SADER, 1995) É interessante perceber que, tal consolidação ideológica, só foi possível através do desenvolvimento de processos técnicos e tecnológicos que permitiram a chamada “produção flexível”, da qual o toyotismo é sua expressão mais acabada, ou seja, a ideologia neoliberal enquanto superestrutura, só se consolida com a existência de reformas estruturais que alteraram significativamente o modo de produzir mercadorias. Esta flexibilidade representou, de fato, uma maior capacidade de adaptação às demandas do mercado, que foi possível graças a certas inovações tecnológicas de manejo eletrônico e computadorizado do processo de produção. Em geral se costuma discutir esta produção flexível só em termos de relações industriais, de sistemas laborais ou sistemas de gerenciamento empresarial. No entanto, esse processo também teve uma grande importância em relação à dinâmica da macroeconomia do capitalismo avançado, ao modificar as relações de força e de poder entre as empresas 35 individuais e o poder do mercado. (THERBORN, 1995, p.44 in SADER, 1995) Nessa tese, a compreensão do conceito de ideologia é o apreendido em Marx por István Mészáros, que produziu um longo e aprofundado estudo sobre esse tema, resultando na obra “O poder da Ideologia” (1996) No sentido proposto, ideologia é um produto inevitável das sociedades de classes, sendo apenas superada através da superação da divisão em classes sociais da sociedade humana. [...] superação última da ideologia – a consciência prática inevitável das sociedades de classe – só poderia ser concebida sob a forma da eliminação progressiva das causas e dos conflitos antagônicos que os indivíduos, membros das classes, tinham de ‘resolver pela luta’ nas circunstâncias históricas prevalecentes. (MÉSZÁROS, 1996, p.519) Mészáros problematiza a questão da Ideologia em sua multiplicidade de aspectos, desde a questão propriamente epistemológica, até seus desdobramentos políticos, matizados pelos diferentes contextos sociais e econômicos. Retoma o antigo debate sobre a relação entre ideologia e ciência, apontando então para o contexto de divisão do trabalho dentro do sistema capitalista, e seus desdobramentos posteriores na construção da solidariedade e autonomia dos indivíduos, na perspectiva da emancipação humana. Como resultado inevitável da divisão da sociedade em classes, Mészáros solapa então uma corrente definição da ideologia enquanto opositora à ciência, enquanto mera “falsa consciência”. O segredo do grande poder das ideologias dominantes residiria no que ele chama de “mistificação”, mas que ele não atribui um sentido de falsa consciência. O poder da ideologia dominante é indubitavelmente imenso, mas isso não ocorre simplesmente em função da força material esmagadora e do correspondente arsenal político-cultural à disposição das classes dominantes. Tal poder ideológico só pode prevalecer graças à vantagem da mistificação, por meio da qual as pessoas que sofrem as conseqüências da ordem estabelecida podem ser induzidas a endossar, ‘consensualmente’, valores e políticas práticas que são de fato absolutamente contrários a seus interesses vitais. Neste aspecto, com em vários outros, a situação das ideologias em disputa decididamente não é simétrica. As ideologias críticas que tentam negar a ordem estabelecida não podem mistificar seus 36 adversários pela simples razão de que não têm nada a oferecer – por meio de suborno e de recompensas pela acomodação – àqueles que já estão bem estabelecidos em suas posições de comando, conscientes de seus interesses imediatos tangíveis. Por isso, o poder da mistificação sobre o adversário é um privilégio da ideologia dominante, e só dela. Esta circunstância, por si mesma, já mostra até que ponto é frustrante tentar explicar a ideologia simplesmente sob o título de ‘falsa consciência’. O que define a ideologia como ideologia não é seu suposto desafio à ‘razão’ ou seu afastamento das regras preconcebidas de um ‘discurso científico’ imaginário, mas sua situação real em um determinado tipo de sociedade. As funções complexas da ideologia surgem precisamente de tal situação – materialmente fundamentada – e não são absolutamente tornadas inteligíveis pelos critérios racionalistas e cientificistas a ela contrapostos, que não resolvem a questão. (MÉSZÁROS, 1996, p.523-524, grifo nosso) 1.1.1 O Caminho da Servidão: Hayek e os pressupostos iniciais do neoliberalismo Hayek abre sua obra o Caminho da Servidão indicando de antemão o caráter do ensaio proposto: uma obra política, sem pretensões maiores de apresentar um caráter teórico-filosófico. Essa observação é fundamental para orientar a leitura da obra e entender suas limitações teórico-metodológicas. (HAYEK, 1984, p.07) Trinta e três anos depois, no prefácio à edição norte-americana de 1973, Hayek retoma sua justificativa para o livro publicado em 1944, cujo público destinado teria sido prioritariamente os setores políticos ingleses, decorrendo inclusive dessa relação à dedicatória original do livro “aos socialistas de todos os partidos”. Hayek tencionava segundo suas observações, deixar um alerta à intelectualidade socialista da Inglaterra através de sua obra: atesta nesse prefácio a difusão e ampla aceitação nos anos 70 da afirmação publicada na década de 40, onde afirmava ser o fascismo e o comunismo variantes de um totalitarismo produzido essencialmente pelas tentativas de controle centralizado da atividade econômica, um alerta para o que ele considerava o perigo maior de qualquer tentativa de adoção de uma economia planificada, sob os auspícios de um poder central regulador, cujo resultado quase inevitável seria o desenvolvimento de regimes totalitários; haveria, portanto limitações intrínsecas na relação entre socialismo e democracia. 37 Entretanto, é no prefácio à edição inglesa de 1976 que Hayek revela abertamente como entendia sua obra publicada em 1944, embora aquele sentimento já não mais fosse o mesmo cerca de 30 anos depois, evidenciando o caráter do livro. Por muito tempo, ressenti-me de ser mais conhecido pelo que considerava um panfleto de ocasião [grifo meu] que por meu trabalho estritamente científico. Depois de reexaminar o que escrevi naquela época, à luz de cerca de trinta anos de estudos mais aprofundados sobre os problemas que então levantei, já não me sinto assim. Embora o livro possa conter muitas afirmações que, quando o escrevi, não tinha condições de demonstrar de forma convincente, constituiu um esforço genuíno para encontrar a verdade e deu lugar a descobertas que ajudarão mesmo àqueles que discordam de mim a evitar graves perigos. (HAYEK, 1984, p.26) Para o autor, a origem de qualquer regime totalitário seria a o elemento socialista, e ele indica então a aproximação entre nazi-fascismo e comunismo anteriormente às teses de Hanna Arendt. (HAYEK, 1984, p.37) A preocupação inicial de Hayek, posteriormente às suas notas introdutórias e ressalvas prefaciadas, é apresentar o que ele considera como uma tendência intelectual dos anos 40, de abandono dos principais pressupostos liberais dos séculos XVIII e XIX, sendo o individualismo o principal deles. Explicita ainda sua concepção de individualismo, diverso de sentido de mero egoísmo. O individualismo tem hoje uma conotação negativa e passou a ser associado ao egoísmo. Mas o individualismo a que nos referimos, em oposição a socialismo e a todas as outras formas de coletivismo, não está necessariamente relacionado a tal acepção. [...] Por enquanto podemos dizer que o individualismo, que a partir de elementos fornecidos pelo cristianismo e pela filosofia da antiguidade clássica pode desenvolver-se pela primeira vez em sua forma plena durante a Renascença e desde então evoluiu e penetrou na chamada civilização ocidental, tem como características essenciais o respeito pelo indivíduo como ser humano, isto é, o reconhecimento da supremacia de suas preferências e opiniões na esfera individual, por mais limitada que esta possa ser, e a convicção de que é desejável que os indivíduos desenvolvam dotes e inclinações pessoais. (HAYEK, 1984, p.40 e 41) O individualismo entendido como liberdade seria o elemento fundamental para o desenvolvimento da atividade econômica, e não apenas resultado de planejamento decorrente da liberdade política. A liberdade individualista teria 38 propiciado o progresso da ciência. Esse individualismo essencialmente livre e libertador teria entrado em decadência como resultado justamente do sucesso liberal do inicio do século XX, momento em que o autor entende como de maior obtenção de conforto material para o “trabalhador ocidental” comparativamente como o início do século XIX. Com o sucesso nasceu a ambição – e o homem tem todo o direito de ser ambicioso. O que tinha sido uma promessa animadora já não parecia suficiente, e o ritmo do progresso afigurava-se demasiado lento. Os princípios que haviam possibilitado esse avanço no passado começaram a ser considerados obstáculos à rapidez do progresso, a serem eliminados imediatamente, e não mais as condições para a preservação e o desenvolvimento do que já fora conquistado. [...] O princípio fundamental segundo o qual devemos utilizar ao máximo as forças espontâneas da sociedade e recorrer o menos possível à coerção pode ter uma infinita variedade de aplicações. [...] Tal posição enfraqueceu-se ainda mais devido ao progresso necessariamente lento de uma política que visava à gradativa melhoria do arcabouço institucional de uma sociedade livre. (HAYEK, 1984, p.43) Em outra passagem, de forma sintética, Hayek indica novamente os motivos da então tendência refratária ao liberalismo, e a nova tendência às tentativas de planejamento econômico central e dirigido, em substituição à liberdade econômica individual. Pode-se mesmo dizer que o próprio sucesso do liberalismo tornou- se a causa do seu declínio. [...] A impaciência crescente em face do lento progresso da política liberal, a justa irritação com aqueles que empregavam a fraseologia liberal em defesa de privilégios anti- sociais, e a ilimitada ambição aparentemente justificada pela melhoria material já conquistada fizeram com que, ao aproximar-se o final do século, a crença nos princípios básicos do liberalismo fosse aos poucos abandonadas. (HAYEK, 1984, p.44) Para Hayek há uma interdependência entre socialismo e autoritarismo, desde o que ele aponta como suas origens, ainda que não indique referências, recorrendo à Tocqueville para afirmar a democracia como uma instituição individualista, oposta ao socialismo, portanto. Para os socialistas, haveria, na verdade, não um acréscimo da riqueza mediante sua geração por iniciativa individual, mas apenas uma redistribuição igualitária da riqueza existente, o que é criticado pelo autor. 39 O socialismo democrático, a grande utopia das últimas gerações, não só é irrealizável, mas o próprio esforço necessário para concretizá-lo gera algo tão inteiramente diverso que poucos dos que agora o desejam estariam dispostos a aceitar suas conseqüências. (HAYEK, 1984, p.53) Apesar de não trazer uma referência explícita ao marxismo, referenciando-se mais em alguns socialistas pré-marxistas, Hayek expõe o que ele considera ser a definição de socialismo, decorrendo daí toda sua abordagem crítica e sua perspectiva de aproximação entre socialismo e nazi-fascismo: [...] socialismo equivale à abolição da iniciativa privada e da propriedade privada dos meios de produção, e à criação de um sistema de “economia planificada” no qual o empresário que trabalhava visando ao lucro é substituído por um órgão central de planejamento. (HAYEK, 1984, p. 55) Retomando Adam Smith, Hayek argumenta que a raiz autoritária do socialismo reside no seu caráter coletivista, que necessariamente haveria de impor um pensamento específico, uma doutrina econômica ou política, sobrepondo-se às especificidades dos indivíduos e impedindo a existência da livre iniciativa. Tal submissão somente seria possível de se estabelecer através da coerção de um grupo, classe, etnia ou gênero sobre os demais membros da sociedade. O limite aceitável para o planejamento estatal seria o da criação de uma estrutura econômica racional geradora de oportunidades e de uma estabilidade legal e social suficientemente amplas para assegurar então o livre exercício das iniciativas individuais, as responsáveis pela criação da riqueza. Dessa forma um equilíbrio seria criado a partir da concorrência entre os indivíduos, garantido e assegurado mediante uma estrutura legal prévia, que seria a plataforma para a coordenação dos “esforços individuais”. O bom uso da concorrência como princípio de organização social exclui certos tipos de intervenção coercitiva na vida econômica, mas admite outros que às vezes podem auxiliar consideravelmente seu funcionamento, e mesmo exige determinadas formas de ação governamental. [...] Em primeiro lugar, é necessário que os agentes, no mercado, tenham liberdade para vender e comprar a qualquer preço que encontre um interessado na transação, e que todos sejam livres para produzir, vender e comprar qualquer coisa que possa ser produzida ou vendida. E é essencial que o acesso às diferentes ocupações seja facultado a todos, e que a lei não tolere que 40 indivíduos ou grupos tentem restringir esse acesso pelo uso aberto ou disfarçado da força. Qualquer tentativa de controlar os preços ou as quantidades desta ou daquela mercadoria impede que a concorrência promova uma efetiva coordenação dos esforços individuais, porque as alterações de preço deixarão assim de registrar todas as alterações importantes das condições de mercado e não mais fornecerão ao indivíduo a informação confiável pela qual possa orientar suas ações. (HAYEK, 1984, p.58-59) Retoricamente, Hayek ainda tenta convencer que a existência de setores em que a concorrência e a iniciativa privada não funcionem adequadamente não é fator indicativo que em outros setores ela não deva continuar a ser o princípio econômico mais apropriado, do ponto de vista do capital, é evidente. O único planejamento central aceitável seria aquele com vistas a melhorar as condições de funcionamento da concorrência, sua eficiência. (HAYEK, 1984, p.62) Invertendo o funcionamento real das relações sociais, Hayek afirma que a tendência a criação de monopólios só pode acontecer por intermédio de um poder central dirigente, que os favorecesse através de privilégios legais. Entretanto, sabe- se que é inversamente a concentração do capital em grandes conglomerados, transnacionais, com fusões de empresas, que se apresenta como um poder real muito forte sobre a política e seus representantes, através de financiamentos eleitorais, lobbies, entre outras formas. Ou seja, não é a política que favorece a concentração de capital, mas a concentração de capital que pressiona a política a seguir ou acomodar seus interesses. Parece que o economista neoliberal acredita em um sistema de livre mercado em equilíbrio perfeito, cuja tendência seria a de fragmentação e divisão do capital, preferindo imputar à infraestrutura política a criação de elementos enfraquecedores da concorrência, como se a política fosse orientada predominantemente pela disputa de ideais e princípios, e não influenciada diretamente pelo poder econômico. (HAYEK, 1984, p.66) Outro indicativo importante é a percepção sobre democracia decorrente dos princípios indicados por Hayek. O autor afirma textualmente que não deseja fazer da democracia um “fetiche”, que em determinadas circunstâncias a democracia foi geradora de profundas opressões maiores que a de regimes autocráticos. Trata-se para o autor de defender a todo o custo os direitos de certas minorias, como os proprietários dos meios de produção, que não poderiam jamais ser suplantados por maiorias “homogêneas e ortodoxas”. Ou seja, sob um argumento aparentemente “humanitário”, a defesa das minorias, o autor tenta justificar seu inverso, ou seja, a 41 “ditadura das minorias”, como a existente no chamado “livre mercado”, indicando um caráter utilitarista da democracia. A democracia é, em essência, um meio, um instrumento utilitário para salvaguardar a paz interna e a liberdade individual. E, como tal, não é, de modo algum, perfeita ou infalível. Tampouco devemos esquecer que muitas vezes houve mais liberdade cultural e espiritual sob os regimes autocráticos do que em certas democracias – e é concebível que, sob o governo de uma maioria muito homogênea e ortodoxa, o regime democrático possa ser tão opressor quanto a pior das ditaduras. [...] O controle democrático pode impedir que o poder se torne arbitrário, mas a sua mera existência não assegura isso. (HAYEK, 1984, p.84) Dessa forma, qualquer tentativa de gestão de atividades econômicas por um por algum órgão central do Estado, representaria um ataque ao Estado de Direito tendo em vista um governo autoritário, uma vez que a atividade econômica deveria ser orientada livremente pelos indivíduos. A “irracionalidade do mercado” representa, para Hayek, o local mais apropriado para o pleno desenvolvimento das liberdades individuais, independentemente da “vontade da maioria”. É importante destacarmos o que o autor entende por “Estado de Direito”. Deixando de lado os termos técnicos, isso significa que todas as ações do governo são regidas por normas previamente estabelecidas e divulgadas – as quais tornam possível prever com razoável grau de certeza de que modo a autoridade usará seus poderes coercitivos em dadas circunstâncias, permitindo a cada um planejar suas atividades individuais com base nesse conhecimento. (HAYEK, 1984, p.86) Entretanto, ao que parece, não basta à legislação existir e orientar a ação do governo, mesmo sob a clássica divisão liberal dos poderes autônomos e independentes, nem importar se de fato a legitimidade desse governo advém da maioria, no caso dos governos democráticos. Isso não seria suficiente para estar configurado um “Estado de Direito” segundo os preceitos do ideólogo neoliberal. A idéia de que não há limites aos poderes do legislador é, em parte, fruto da soberania popular e do governo democrático. Ela tem sido fortalecida pela crença de que, enquanto todas as ações do Estado forem autorizadas pela legislação, o Estado de Direito será preservado. Mas isso equivale a interpretar de forma totalmente falsa o significado do Estado de Direito. Não tem este relação alguma com a questão da legalidade, no sentido jurídico, de todas 42 as ações do governo. Elas podem ser legais, sem, no entanto se conformarem ao Estado de Direito. O fato de alguém possuir plena autoridade legal para agir não nos permite distinguir se a lei lhe dá poderes arbitrários ou se prescreve de maneira inequívoca qual deve ser seu comportamento. [...] Conferindo-se ao governo poderes ilimitados, pode-se legalizar a mais arbitrária das normas; e desse modo a democracia pode estabelecer o mais completo despotismo. (HAYEK, 1984, p.93) Ou seja, não é o chamado “império da lei” o parâmetro para a existência do Estado de Direito, mas sim o fato das leis limitarem também a soberania popular, e de seus representantes. Não fica claro qual é o órgão, indivíduo, classe ou segmento social o responsável por balizar o caráter arbitrário das leis, sendo então um pressuposto mais fundamental o “inalienável direito do indivíduo”. Ou seja, ao invés do “império da lei” o que determinaria a validade de um Estado de Direito seria a segurança do “império do indivíduo”, ou, o que é mais grave, o “império da propriedade privada”. Oculto sob o rótulo de “liberdade individual” ocorre então a revelação de que de fato o poder real emana da atividade econômica, e esse controle não deverá estar nas mãos do Estado e de nenhum governo, devendo permanecer em mãos de indivíduos isolados, ainda que tal isolamento seja possível apenas em uma ficção. Quem controla a atividade econômica também controla os meios que deverão servir a todos os nossos fins; decide, assim, quais deles serão satisfeitos e quais não serão. É este o ponto crucial da questão. O controle econômico não é apenas o controle de um setor da vida humana, distinto dos demais. É o controle dos meios que contribuirão para a realização de todos os nossos fins. (HAYEK, 1984, p.101, grifo nosso). Enfim o autor revela em forma de crítica ao controle da economia pelo Estado, o caráter poderoso da atividade econômica sobre a vida dos indivíduos, e deixa evidente seu receio de ser controlado por algum agente externo, sob a forma de governo. O “humanitário” direito à liberdade agora aparece despido de sua áurea universal, uma vez que o número de proprietários sendo limitado cria uma “casta” detentora de um poder que não deve ser abalado ou questionado. Desse modo, o direito inalienável à propriedade ocultaria, em verdade, o inalienável direito de uma minoria proprietária “controlar os meios que deverão servir a todos os nossos fins” (HAYEK, 1984, p.101). 43 Mais importante que uma sociedade de plena vida, onde a necessidade inexistiria, Hayek contrapõe como fundamental a existência de condições de plena escolha pelo indivíduo, que seria engendrada através da liberdade de ação econômica. (p.107) Ou seja, o direito de escolha individual deve suplantar o direito de escolha da maioria, com limitações à democracia política, ainda que esse “indivíduo” não passe de uma abstração idealista, uma vez que a proposta neoliberal de Hayek não leva em conta o indivíduo concreto em suas relações sociais e determinações econômicas, fatores cruciais para a existência de poder de escolha efetivo. Trata-se evidentemente da defesa de um indivíduo abstrato, cujo principal objetivo seria uma liberdade também abstrata, uma vez que não seria decorrente da efetivação de certos objetivos, mas sim pela existência de um “direito” de vir a efetivá-los, ainda que materialmente não tenham condições para isso. Contra a concretude material de indivíduos reais em condições materiais objetivas mais plenas e sem necessidades, Hayek contrapõe um individuo abstrato, resultante de uma liberdade existente apenas formalmente. A citação é longa, mas fundamental, pois sintetiza sua concepção de liberdade formal, ainda que em situações de desigualdade social evidente. Sem dúvida, no regime de concorrência, as oportunidades ao alcance dos pobres são muito mais limitadas que as acessíveis aos ricos. Mas mesmo assim, em tal regime o pobre tem uma liberdade maior do que um indivíduo que goze de muito mais conforto material numa sociedade de outro gênero. No regime de concorrência, as probabilidades de um homem pobre conquistar grande fortuna são muito menores que as daquele que herdou sua riqueza. Nele, porém, tal coisa é possível, visto ser o sistema de concorrência o único em que o enriquecimento depende exclusivamente do indivíduo e não do favor dos poderosos, e em que ninguém pode impedir que alguém tente alcançar esse resultado. [...] em todos os sentidos, um trabalhador não-especializado e mal pago tem, na Inglaterra, mais liberdade de escolher o rumo da sua vida do que muitos pequenos empresários na Alemanha, ou do que um engenheiro ou gerente de empresa muito mais bem pago na Rússia. (HAYEK, 1984, p.110) Além disso, Hayek indica a situação para que esse sistema de concorrência funcione adequadamente, devendo para isso a propriedade estar dividida em vários donos agindo de forma independente, para impedir então a determinação artificial do valo da renda dos indivíduos e dos preços das mercadorias, ou seja, descarta a existência de associações de proprietários, cartéis e congêneres, com vistas à 44 interferência no mercado que estaria em equilíbrio perfeito, estando então os indivíduos em plenas condições de escolha, inclusive de trabalho. Ninguém fica vinculado a um proprietário, a não ser pelo fato de este oferecer condições melhores que qualquer outro. [...] Nossa geração esqueceu que o sistema de propriedade privada é a mais importante garantia da liberdade, não só para os proprietários, mas também para os que não o são. Ninguém dispõe de poder absoluto sobre nós, e, como indivíduos, podemos escolher o sentido de nossa vida – isso porque o controle dos meios de produção se acha dividido entre muitas pessoas que agem de modo independente. [...] Quem duvidaria que um membro de uma pequena minoria racial ou religiosa seja mais livre sem nada possuir – no caso de outros membros de sua comunidade terem propriedades e, portanto, estarem em condições de empregá-lo do que o seria se a propriedade privada fosse abolida e ele se tornasse possuidor nominal de uma parte da propriedade comum? (HAYEK, 1984, p.110-111) O poder de um órgão central de planejamento representa para Hayek uma estrutura muito mais poderosa que qualquer associação de diretores de empresas privadas, acreditando na plena separação entre interesses políticos e econômicos como garantia da liberdade individual. O indivíduo concreto, no sistema econômico de livre concorrência defendido por Hayek, é aquele em que, mesmo em situações econômicas adversas, não perde sua dignidade. Ou seja, ser demitido por um proprietário privado não representa um ataque à liberdade individual, mas o controle das atividades econômicas por um governo central acarretaria isso. No regime de concorrência, não representa desconsideração ou ofensa à dignidade de uma pessoa ser avisado pela direção da firma de que seus serviços já não são necessários ou de que não se lhe pode oferecer emprego melhor. É certo que, em épocas de desemprego em massa e prolongado, muitos poderão sentir-se assim. Há, porém, outros métodos de impedir essa desgraça, melhores que o planejamento central; e o desemprego ou a perda de rendimentos que nunca deixarão de atingir a alguns em qualquer sociedade são, por certo, menos degradantes quando causados por infortúnio do que quando deliberadamente impostos pela autoridade. Por mais amarga que tal experiência seja, seria muito pior numa sociedade planificada. (HAYEK, 1984, p.112) Há algumas circunstâncias em que Hayek considera justificada a intervenção direta do Estado para prover e auxiliar indivíduos na garantia de uma segurança 45 limitada, sendo elas prioritariamente os auxílios em caso de catástrofes, previdência social, ou ainda na garantia de alimentação, vestuário e habitação para assegurar minimamente a saúde e a capacidade de trabalho, desde que não coloque nunca em risco a preservação da liberdade individual. Ressalva ainda que o custo da liberdade individual “abstrata” é a exigência de grandes sacrifícios materiais para alguns. (HAYEK, 1984, p.124) Não há dúvida de que a segurança adequada contra as privações, bem como a redução das causas evitáveis do fracasso e do descontentamento que ele acarreta, deverá constituir objetivos importantes da política de governo. Mas, para que essas tentativas sejam bem-sucedidas e não destruam a liberdade individual, a segurança deve ser proporcionada paralelamente ao mercado, deixando que a concorrência funcione sem obstáculos. [...] Urge reaprendermos a encarar o fato de que a liberdade tem o seu preço e de que, com indivíduos, devemos estar prontos a fazer grandes sacrifícios materiais a fim de conservá-la. (HAYEK, 1984, p.132 – 133) O poder da propaganda é reconhecido pelo autor como capaz de criar e enraizar valores, sentimentos e impressões destoantes da realidade, ou seja, possui um componente de reforçamento ideológico poderoso, entretanto atribuído prioritariamente aos regimes totalitários e ignorando o poder da propaganda nas sociedades liberais e no chamado “livre mercado”. “Se o sentimento de opressão nos países totalitários é, em geral, bem menos agudo do que muitos imaginam nos países liberais, é porque [...] conseguem em grande parte fazer o povo pensar como eles querem” (HAYEK, 1984, p.148). Nesse aspecto a educação formal também adquire uma função importante, inculcando valores determinados de acordo com interesses dominantes, novamente, entretanto esse papel sendo atribuído principalmente aos países ditos “totalitários” e ignorando-se esse papel nos países liberais, embora o autor reconheça esse elemento também como constitutivo da ideologia dominante nos Estados liberais. “É verdade que a grande maioria das pessoas raras vezes é capaz de pensar com independência, aceitando em geral as idéias corrente e contentando-se com a ideologia em que nasceu ou para a qual foi levada”. (HAYEK, 1984, p.156) Por fim, como medida para assegurar a “todo custo” a liberdade do indivíduo, o livre mercado, a concorrência e o liberalismo, Hayek apresenta uma reflexão acerca da necessidade de se limitar a autodeterminação dos países, quando alguma 46 medida colocar em risco essa liberdade do mercado, inclusive indiretamente para outros países, devendo então alguma força ou organismo deliberar sobre os limites impostos a todo o mundo, bem como estruturar meios de fazer essa limitação ser efetiva, mesmo pela força. [...] não é necessário acentuar que haverá poucas esperanças de um ordem internacional ou de uma paz duradoura enquanto cada país puder aplicar quaisquer medidas que julgue úteis ao seu interesse imediato, por mais nocivas que sejam para os outros. [...] [...] não podemos esperar que reine a ordem ou a paz duradoura depois desta guerra se os Estados, grandes e pequenos, reconquistarem uma soberania irrestrita na esfera econômica. [...] Significa [...] que deve haver um poder capaz de impedir que as diferentes nações adotem medidas prejudiciais aos seus vizinhos; um conjunto de normas que defina o campo de ação de cada Estado; e uma autoridade capaz de fazer cumprir essas normas. (HAYEK, 1984, p.198-206) 1.1.2 Capitalismo e Liberdade: pressupostos de Friedman e experiências neoliberais Em 1962, o trabalho “Capitalismo e Liberdade”, de Milton Friedman, retomará a perspectiva apresentada por Hayek, dando um enorme impulso teórico ao neoliberalismo, que representava uma reação ao intervencionismo estatal, à “escola da regulação” capitalista ao estabelecer novas bases e importância ao chamado “livre-mercado”. Trata-se sem dúvida de uma das mais significativas contribuições para a consecução do neoliberalismo como ideologia a se tornar dominante, sendo que tal obra foi publicada a partir de uma compilação de palestras proferidas em 1956 nos Estados Unidos, ou seja, ainda no contexto de hegemonia keyneisiana. Os marcos dessa predomínio serão o final da década de 70 e início dos 80, após a profunda crise econômica internacional, que terá reflexos inclusive no Brasil, com o desmantelamento do até então chamado “milagre brasileiro”. A crise do petróleo de 1973 foi o ponto de partida para a revisão das orientações econômicas dominantes nos países capitalistas centrais. A partir das vitórias eleitorais de Margaret Thatcher na Ing