1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Filosofia e Ciências – Campus de Marília Programa de Pós-graduação em Educação Arihel Hart Perdonatti Camargo Escolha profissional: estudo comparativo entre estudantes com e sem indicadores de altas habilidades/superdotação Marília 2020 2 Arihel Hart Perdonatti Camargo Escolha profissional: estudo comparativo entre estudantes com e sem indicadores de altas habilidades/superdotação Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – Unesp – Campus de Marília, para a obtenção do título de Mestre em Educação. Área de Concentração: Educação Linha de pesquisa: Educação Especial Orientador: Dr. Miguel Claudio Moriel Chacon MARÍLIA 2020 3 4 ARIHEL HART PERDONATTI CAMARGO ESCOLHA PROFISSIONAL: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE ESTUDANTES COM E SEM INDICADORES DE ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO Dissertação de Conclusão de Curso para obtenção do título de Mestre em Educação, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, na área de concentração Educação Especial: Altas Habilidades/Superdotação BANCA EXAMINADORA Orientador: Miguel Cláudio Moriel Chacon, professor doutor da Unesp de Marília __________________________________________________________ 1° Examinador: Alessandra de Morais, professora doutora da Unesp de Marília __________________________________________________________ 2º Examinador: Soraia Napoleão Freitas, professora doutora da Universidade de Santa Maria ___________________________________________________________ Marília, 17 de fevereiro de 2020 5 Resumo Estudantes com altas habilidades/superdotação (AH/SD), possuem necessidades educacionais especiais e constituem um público da Educação Especial, seus direitos a um atendimento especializado são garantidos pela lei e políticas públicas devem proporcionar condições para o desenvolvimento de suas especificidades, o projeto de pesquisa e extensão da Unesp-FFC de Marília foi um espaço para a identificação e desenvolvimento desses estudantes. Durante os encontros e oficinas do Programa de Atenção ao Aluno Precoce com Comportamento de Superdotação (PAPCS), coordenado pelo professor Dr. Miguel Claudio Moriel Chacon, foi possível observar a necessidade de discussões acerca da temática de escolha profissional pelos participantes, que de forma recorrente levantavam questionamentos e dúvidas. Nesse contexto a pesquisa teve como objetivo identificar e comparar aspectos comportamentais, sócio econômicos e de interesses profissionais que podem influenciar o processo de escolha em um grupo de estudantes com AH/SD e outro não. O comportamento de dissincronia que o fenômeno de AH/SD apresenta em relação aos seus pares, se manifesta em diferentes situações do cotidiano desses sujeitos e poderia se manifestar no período de escolha profissional. Para que fosse possível a investigação foi utilizado como instrumentos de coleta, um questionário socioeconômico, uma escala de maturidade para escolha profissional (EMEP) e uma escala de avaliação de interesses profissionais (AIP), que possibilitaram a comparação dos resultados intra e inter grupos. Os dados coletados foram tabulados e interpretados a priori de análise estatística não paramétrica Mann-Whitney, por meio do software de computador Statistical Package for Social Sciences (SPSS). Nessa análise estatística a maturidade para escolha profissional não apresentou diferença significativa nos resultados do primeiro e segundo grupo. Na avaliação dos interesses profissionais, apenas no campo simbólico/linguístico foi encontrado uma diferença significativa entre as pontuações, tendo prevalência de interesse pelo grupo com AH/SD, o que pode indicar uma influência do fenômeno. Com a preocupação de não favorecer a construção de mitos sobre as AH/SD em relação à escolha profissional é que se fundamenta a pesquisa, o estudo expressa comparações, possíveis caminhos de interpretação e busca por conceituações. Faz-se necessário uma ampliação do número da amostra, com aplicações em regiões diferentes do Brasil, para que conclusões mais pontuais possam ser desenvolvidas. Palavras chave: Educação especial; Escolha profissional; Altas habilidades/superdotação. 6 Abstract Students with high skills/giftedness (HA/GD), have special educational needs and constitute a special education audience, their rights to specialized assistance are guaranteed by law and public policies must provide conditions for the development of their specificities, the project of research and extension of the Unesp-FFC of Marília was a space for the identification and development of these students. During the meetings and workshops of the Program for Attention to the Early Student with Giftedness (PAPCS), coordinated by Professor Dr. Miguel Claudio Moriel Chacon, it was possible to observe the need for discussions about the theme of professional choice by the participants, that recurrently raised questions and doubts. In this context, the research had as objective identify and compare behavioral aspects, socioeconomic and of professional interests that can influence the choice process in a group of students with HA/GD and another not. The dyssynchrony behavior that the HA/GD phenomenon presents in relation to its peers, manifests itself in different situations of the daily lives of these subjects and could manifest itself in the period of professional choice. In order to make the investigation possible, a socioeconomic questionnaire, a maturity scale for professional choice (EMEP) and a professional interest assessment scale (AIP) were used as collection instruments, which made possible the comparison of the results within and between groups. The collected data were tabulated and interpreted a priori from non-parametric Mann-Whitney statistical analysis, using the computer software Statistical Package for Social Sciences (SPSS). In this statistical analysis, the maturity for professional choice showed no significant difference in the results of the first and second groups. In the evaluation of professional interests, only in the symbolic / linguistic field, a significant difference was found between the scores, with a prevalence of interest in the group with HA/GD, which may indicate an influence of the phenomenon. With the concern of not favoring the construction of myths about HA/GD in relation to professional choice is that the research is based, the study expresses comparisons, possible paths of interpretation and the search for conceptualizations. It is necessary to expand the sample number, with applications in different regions of Brazil, so that more specific conclusions can be developed. Keywords: Special education; Professional choice; High skills / giftedness. 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Modelo dos Três Anéis ............................................................................. 24 Figura 2 - Participantes da pesquisa por grupo ......................................................... 33 Figura 3 - Modelo de Maturidade para a Escolha Profissional .................................. 36 Figura 4 - Frases indicando itens positivos e negativos por comportamento: ........... 37 Figura 5 - Nomes dos campos com respectivas siglas ............................................. 39 Figura 6 - Respostas de G1 e G2 sobre o tipo de escola na qual cursou o Ensino Fundamental (EF) e Ensino Médio (EM): .................................................................. 43 Figura 7 - Respostas sobre Modalidades de Ensino ................................................. 44 Figura 8 - Pretendem fazer cursinho pré-vestibular .................................................. 44 Figura 9 – Respostas, por grupo, sobre a razão pela qual quer continuar os estudos .................................................................................................................................. 45 Figura 10 - Respostas às alternativas que indicam maior incentivador ..................... 46 Figura 11 - Quantidade de livros lidos ....................................................................... 47 Figura 12 - Quantidade de horas de estudo extraclasse por semana. ...................... 48 Figura 13 - Composição Familiar .............................................................................. 49 Figura 14 - Alternativas assinaladas sobre a escolaridade dos pais ......................... 50 Figura 15 - Renda Familiar ........................................................................................ 50 Figura 16 - Respostas sobre a inserção no mundo do trabalho. ............................... 51 Figura 17 - Respostas para o nível de ansiedade para a escolha profissional ......... 52 Figura 18 – Pontuação dos participantes por grupo, na subescala Determinação:... 53 Figura 19 - Pontuação dos participantes por grupo, na subescala Responsabilidade: .................................................................................................................................. 56 Figura 20 - Pontuação dos participantes por grupo, na subescala Independência: .. 57 Figura 21 - Pontuação dos participantes por grupo, na subescala Autoconhecimento .................................................................................................................................. 59 Figura 22 - Pontuação dos participantes por grupo, na subescala Conhecimento da Realidade: ................................................................................................................. 60 Figura 23 - Pontuação da Maturidade Total de cada participante por grupo: ............ 62 Figura 24 - Total de interesse dos participantes no Campo Físico/Matemático ........ 64 Figura 25 - Total de interesse dos participantes no Campo Físico/Químico ............. 66 Figura 26 - Total de interesse dos participantes no Campo Cálculos/Finanças ........ 67 Figura 27 - Total de interesse dos participantes no Campo Organizacional/Administrativo ................................................................................... 68 Figura 28 - Total de interesse dos participantes no Campo Jurídico/Social .............. 69 Figura 29 - Total de interesse dos participantes no Campo Comunicação/Persuasão .................................................................................................................................. 70 Figura 30 - Total de interesse dos participantes no Campo Simbólico/Linguístico.... 71 Figura 31 - Total de interesse dos participantes no Campo Manual/Artístico............ 72 Figura 32 - Total de interesse dos participantes no Campo Comportamental/Educacional ................................................................................... 73 Figura 33 - Total de interesse dos participantes no Campo Biológico/Saúde ........... 74 Figura 34 - Demonstração da análise estatística para os resultados da Escala de Maturidade para Escolha Profissional. ...................................................................... 75 Figura 35 - Demonstração da análise estatística para os resultados da Avaliação dos Interesses Profissionais. ........................................................................................... 76 8 SUMÁRIO SUMÁRIO.................................................................................................................... 8 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ............................................................................. 13 2.1 Escolha Profissional ......................................................................................... 13 2.2 Legislação e Altas Habilidades / Superdotação ............................................... 21 3 BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA EM BASE DE DADOS ................................. 28 3.1 Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) ...................................................................... 28 3.2 Revista Brasileira de Orientação Profissional (RBOP) ..................................... 29 4 METODOLOGIA ..................................................................................................... 33 4.1 Participantes .................................................................................................... 33 4.2 Critério de Escolha ........................................................................................... 33 4.3 Instrumentos de Coleta .................................................................................... 34 4.3.1 Instrumento 1 ............................................................................................. 34 4.3.2 Instrumento 2 ............................................................................................. 35 4.3.3 Instrumento 3 ............................................................................................. 38 4.4 Procedimentos ................................................................................................. 40 4.4.1 Procedimentos éticos ................................................................................. 40 4.4.2 Procedimentos de coleta ........................................................................... 41 4.4.3 Procedimentos de devolutiva aos participantes ......................................... 42 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ........................................................................... 43 5.1 Instrumento 1 – Caracterização sociodemográfica .......................................... 43 5.2 Instrumento 2 – Escala de Maturidade para a Escolha Profissional ................ 53 5.2.1 Pareando dados pela subescala Determinação ........................................ 53 5.2.2 Pareando dados pela subescala Independência ....................................... 57 5.2.3 Pareando dados pela subescala Autoconhecimento ................................. 58 5.2.4 Pareando dados pela subescala Conhecimento da Realidade .................. 59 5.2.5 Pareando dados da Maturidade Total ........................................................ 62 5.3 Instrumento 3 – Avaliação dos Interesses Profissionais .................................. 63 5.3.1 Pareando dados do Campo Físico/Matemático ......................................... 64 5.3.2 Pareando dados do Campo Físico/Químico .............................................. 65 5.3.3 Pareando dados do Campo Cálculos/Finanças ......................................... 66 5.3.4 Pareando dados do Campo Organizacional/Administrativo ....................... 67 5.3.5 Pareando dados do Campo Comunicação/Persuasão .............................. 69 5.3.6 Pareando dados do Campo Simbólico/Linguístico..................................... 70 5.3.7 Pareando dados do Campo Manual/Artístico ............................................ 71 5.3.8 Pareando dados do Campo Comportamental/Educacional ....................... 72 5.3.9 Pareando dados do Campo Biológico/Saúde ............................................ 73 5.4 Síntese dos Resultados Estatísticos ................................................................ 75 5.4.1 Escala de Maturidade para Escolha Profissional ....................................... 75 5.4.2 Avaliação dos Interesses Profissionais ...................................................... 76 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 77 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 82 9 1 INTRODUÇÃO O tema desta pesquisa surgiu por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), da Universidade Estadual Paulista (UNESP), que possibilitou a pesquisa e a dedicação acadêmica à temática das Altas Habilidades / Superdotação (AH/SD), na graduação de Pedagogia, por intermédio do projeto de extensão e pesquisa coordenado pelo Professor Dr. Miguel Claudio Moriel Chacon, intitulado Programa de Atenção ao Aluno Precoce com Comportamento de Superdotação (PAPCS), iniciado em 2008 e finalizado em 2018. Esse grupo de trabalho atuava com identificação, avaliação e enriquecimento de estudantes com AH/SD, de forma longitudinal e multimodal, tendo sido, também, fonte de coleta de dados do primeiro grupo comparativo desta pesquisa. Constituído por uma equipe de graduandos, mestrandos, doutorandos e voluntários, reunia diversas formações acadêmicas de forma multiprofissional e interdisciplinar: tais como de psicólogos, pedagogos, musicistas, historiadores, educadores físicos, bem como de profissionais das áreas de artes. As atividades semanais aconteciam em dois grupos, sendo um de estudantes com indicadores de AH/SD, e outro com familiares. Estas oficinas eram planejadas com a equipe, semanalmente, dentro da área de interesse de cada estudante, e tinham como objetivo enriquecê-los, em suas potencialidades, no sentido de propor a esses discentes tarefas pedagógicas, artísticas, acadêmicas, de desenvolvimento interpessoal e emocional. No grupo de familiares, os materiais trabalhados giravam em torno da informação sobre precocidade e AH/SD, esclarecendo dúvidas, orientando e empoderando os responsáveis pelos estudantes acerca da temática e da legislação que influenciam diretamente a vida dessas pessoas. Em alguns momentos, as atividades de enriquecimento artístico, pedagógico, musical, de informática, entre outras, eram aplicadas com o objetivo de instigar os familiares a desenvolver suas 10 habilidades e a se conscientizarem da importância de apoiar seus filhos no desenvolvimento das potencialidades referentes a AH/SD destes. Os estudantes chegavam ao programa por meio de indicação de profissionais da escola e de seus respectivos professores, os quais observavam comportamentos diferenciados no dia a dia dos alunos. Estes comportamentos também eram identificados por meio de pesquisa de campo, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Marília/SP. O PAPCS disponibilizava uma equipe para visitar algumas escolas com o intuito de avaliar, por meio de testes psicométricos, pedagógicos e musicais, os estudantes que possuíam indicadores de AH/SD. A minha primeira graduação em psicologia além de possibilitar a aplicação dos instrumentos, que serão mencionados no decorrer do texto, também possibilitou observar nas atividades do programa, em nuances diferentes, uma preocupação com a escolha profissional que se manifestava em diferentes idades, não só nos estudantes que estavam prestes a prestar o vestibular ou conseguir inserção em alguma ocupação. Algumas vezes os educandos demonstravam interesse e relatavam a necessidade de um espaço para dialogar sobre suas possíveis escolhas, caminhos, angústias, ansiedades, pressão escolar e influência familiar que faziam parte de seu contexto de vida. Em geral, estudantes com AH/SD, segundo Terrassier (2011), apresentam um desenvolvimento heterogêneo específico, com peculiaridades em seu relacionamento e na integração no contexto da vida, a que o psicólogo francês chama de dissincronia. Existem pesquisas que avaliam essa dissincronia no contexto do aprendizado da leitura escrita, na apreensão dos conceitos matemáticos, entre outros tipos. Então se intensificou o interesse em investigar a existência de uma possível dissincronia quando se tratava de escolha e orientação profissional de estudantes avaliados com indicadores de AH/SD. Os programas de orientação profissional encontrados na literatura de investigação do referencial desta pesquisa podem não colocar nenhuma especificidade para alunos com um desenvolvimento diferenciado, como aqueles 11 com AH/SD, que possuem particularidades em seu desenvolvimento, as quais devem ser atendidas para a utilização das potencialidades do sujeito. Cupertino (2008, p. 13) coloca: A educação especial dos talentos é necessária porque, como no caso das outras necessidades especiais, opções educativas condizentes com as características dessa população não podem ser deixadas ao acaso, como ainda acontece em muitos lugares. Têm que ser sistemáticas, num contexto articulado e coerente. A partir de elementos prévios desse contexto, alguns questionamentos começaram a surgir: poderiam existir diferenças nas circunstâncias da escolha profissional para estudantes com indicadores de AH/SD? Por conta de sua necessidade educacional especial, esse grupo precisaria de uma intervenção diferenciada na orientação da escolha profissional? Os indicadores de AH/SD interferem na escolha profissional? A adolescência é, pois, um período que, além de muitas mudanças, impõe inúmeros desafios a serem enfrentados. Um deles, certamente, é aprender a lidar com os próprios desejos e também com o desejo do outro […]. Quando estão presentes características de altas habilidades, a marca da diferença está mais evidenciada, o que pode exigir desse adolescente maior investimento emocional para fazer frente às expectativas de seu meio. (COSTA, 2006, p. 115) Partindo dessas considerações, pretendeu-se, com esta pesquisa, identificar e comparar aspectos comportamentais, sócio econômicos e de interesses profissionais que podem influenciar a escolha de um grupo com AH/SD e outro não. O processo de inserção social no mundo adulto e do trabalho não pode ser concebido ao acaso. Os alunos em fase de escolha profissional buscam, segundo suas possibilidades e contexto socioeconômico, sanar a angústia e as dúvidas geradas, muitas vezes com uma qualidade duvidosa das informações. Não existe uma receita para uma escolha profissional assertiva e de sucesso; não é uma determinação genética. As particularidades da Biologia do ser humano podem trazer facilidades e/ou habilidades em determinadas tarefas, mas os fatores sócio-históricos desempenham uma influência significativa nas escolhas às quais os indivíduos são submetidos no decorrer de suas vidas. 12 O trabalho e a vida em sociedade são duas características da vida humana que vão permitir um salto de qualidade no desenvolvimento humano. O homem liberta-se de suas limitações biológicas para “inventar” a condição humana. Queremos, com isso, frisar a ideia de que as habilidades e os comportamentos humanos, a partir daquele momento, não estavam mais previstos no código genético. Por isso, dizemos que o homem não estava mais submetido às leis biológicas, e sim às leis sócio-históricas. (BOCK, 2004, p. 28). Por intermédio dessas relações de particularidades e contextos de estudantes com e sem indicadores de AH/SD, que podem estar relacionadas à escolha profissional, com algumas questões ligadas à inserção no mundo adulto e do trabalho, pretendemos discutir no corpus desta pesquisa com o referencial de autores da área. 13 2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS Para escrever os capítulos a seguir, diversos foram os corredores da biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências que foram explorados, sendo que pesquisamos, em cada título consultado, aqueles que poderiam contribuir com a construção dos caminhos desta dissertação de mestrado. Os corredores dessa biblioteca, com suas estantes de livros, além de estarem classificados em uma ordem numérica, estão categorizados por áreas temáticas. E isso nos possibilitou, durante o período de levantamento bibliográfico, observarmos a transformação de nosso percurso de projeto de pesquisa, abarcado por diversos temas, em um trabalho interdisciplinar. Nossa pesquisa fez uso de livros para que pudéssemos redigir os textos concernentes à nossa fundamentação teórica, da área de Psicologia, sendo que a maior parte do material referente à temática da escolha profissional encontrava-se imiscuída nos instrumentos de coleta fundamentados teoricamente. Para definir as altas habilidades, a estante de livros referente ao campo do conhecimento da Educação foi a que mais nos prestou auxílio. Já no corredor que trata dos temas ligados ao Direito, foi-nos possível encontrar a legislação que embasou a oportunidade de equidade para os alunos com AH/SD. As bibliotecas virtuais e os sites de busca, em um tom não tão poético e um pouco impessoal, foram igualmente importantes, para nós, no desenvolvimento do texto com o qual pretendemos expor o conteúdo científico de que esta pesquisa se utilizou para construir seu significado. 2.1 Escolha Profissional A escolha profissional só assume relativa importância quando, de forma definitiva, instala-se o modo de produção capitalista. Esta passagem do feudalismo para o capitalismo marca mudanças importantes e profundas no modo de produção e reprodução da existência humana. 14 Segundo Braverman (1981), a nova ordem social engendrada pelo capitalismo só aparece quando algumas características fundamentais dominam o processo de produção, no qual o trabalhador se torna totalmente alijado da propriedade de todos os meios de produção que poderiam garantir sua subsistência. Dessarte, ele deve vender sua força de trabalho para os proprietários dos meios de produção em troca de sua subsistência. O principal objetivo do trabalho também sofre transformações, pois não se constitui mais na satisfação das necessidades humanas. Portanto, passa-se a produzir para o mercado visando ao incremento da unidade de capital empregado (lucro). Mais tarde, a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, introduziu a divisão técnica do trabalho, e novos ofícios começaram a surgir, oferecendo a possibilidade de se escolher entre as alternativas ocupacionais que estavam emergindo. A ideologia que dá suporte a esse novo modo de produção é a liberal, que alcança sua maior expressão na Revolução Francesa por meio do emblemático lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (1789). A posição do indivíduo no capitalismo não é mais determinada pelos laços de sangue. Agora, esta posição é conquistada pelo indivíduo, segundo o esforço que desprende para alcançar essa posição. Se antes essa posição era entendida em função das leis naturais referendadas pela vontade divina, agora, ao contrário, o indivíduo pode tudo, desde que lute, estude, trabalhe, se esforce e também (por que não?) seja um pouco aquinhoado pela sorte. (BOCK, 2006, p. 24). Agora, o ser humano nasce com atributos específicos que passam a encontrar expressão na realidade, localizando o indivíduo na estrutura societária, da mesma forma servindo para justificar seu fracasso. Se um indivíduo “não se deu bem na vida” (não obteve, segundo os parâmetros da sociedade, riqueza, prestígio, poder, etc.), a justificativa para tal gira em torno da má escolha de sua profissão; portanto, da não identificação de sua “verdadeira vocação”, ao invés de se proceder a uma análise da realidade socioeconômica para entender a situação […] (BOCK, 2006, p. 24). 15 Consequentemente, surgiu, também, a necessidade de que os indivíduos fossem orientados quanto às escolhas que tinham a oportunidade de fazer. Para cumprir essa tarefa, nasceu, em 1902, a Psicologia Vocacional, com instalação do primeiro centro de Orientação Profissional em Munique, na Alemanha. Segundo Gemelli (1963), esse centro tinha como objetivo principal identificar os indivíduos desprovidos de capacidade para executar determinadas tarefas, visando minimizar acidentes de trabalho. A preocupação estava mais voltada às atividades a serem desempenhadas do que às necessidades e capacidades dos trabalhadores. Porém, já havia sido dado início à realização de atividades institucionais voltadas às necessidades sociais e pessoais dos indivíduos com relação à profissão. Somente após a Segunda Guerra Mundial é que os programas de Orientação Profissional tomaram forma. Eles se expandiram rapidamente, ampliaram seu alcance e atingiram seu status atual. Surgiram estimulados pelo desenvolvimento da Psicologia Industrial e Pessoal durante o período subsequente à Primeira Guerra, pelo desenvolvimento de procedimentos e instrumentos psicométricos e pelas mudanças na filosofia educacional da época. É difícil conceber a inserção e a transição ao mundo adulto sem pensar em escolhas profissionais, que são, em sua complexidade, atravessadas por inúmeras variáveis, incluindo o momento em que aquela inserção e transição ganham mais representatividade por estarem atreladas às mudanças físicas e psíquicas que acontecem na adolescência. Atualmente, o período da adolescência tem aumentado em anos devido às necessidades das sociedades complexas, que exigem, cada vez mais, cursos e especializações antes que o jovem possa assumir responsabilidades adultas. Com isso, o ingresso deste indivíduo tem acontecido cada vez mais tardiamente no mundo social adulto justamente devido a esse aumento no tempo de preparo para a inserção no mercado de trabalho. 16 A adolescência é uma construção social. Esse conceito não existia nas sociedades pré-industriais; as crianças eram consideradas adultas quando amadureciam fisicamente ou iniciavam um aprendizado profissional. Foi apenas no século XX que a adolescência foi definida como um estágio de vida separado no mundo ocidental. Hoje, a adolescência tornou-se um fenômeno global, embora ela possa assumir formas diferentes em culturas diferentes. Na maior parte do mundo, a entrada na vida adulta leva mais tempo e é menos definida do que no passado. (PAPALIA; OLDS, 2000, p. 387). Nesse momento, começam as cobranças internas e externas por parte dos familiares, mídia e da sociedade, como um todo, voltadas a um posicionamento a respeito de possíveis atuações profissionais. Knobel (1981) ressalta que a adolescência: É a etapa da vida durante a qual o indivíduo procura estabelecer sua identidade adulta, apoiando-se nas primeiras relações objeto-parentais internalizadas e verificando a realidade que o meio social lhe oferece, mediante o uso dos elementos biofísicos em desenvolvimento à sua disposição, e que, por sua vez, tendem à estabilidade da personalidade num plano genital, o que só é possível quando consegue o luto pela identidade infantil (Ibid idem p. 26). Nos dias de hoje, esse período do desenvolvimento humano e a opção por uma vocação são atravessados pelos avanços tecnológicos, que possibilitam o acesso e o compartilhamento de informações de forma mais fácil e veloz. O desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Comunicação ofereceu estímulos infinitos, os quais exigem a expansão de certas competências, para que seja possível uma interpretação e utilização assertiva dessas informações em conhecimentos que consigam fundamentar a escolha de uma ocupação. Belluzzo, Santos e Júnior (2014) fizeram a seguinte análise: Com o aumento do contingente informacional, em grande parte proveniente do advento das tecnologias, qualquer pessoa, em qualquer lugar, tem acesso a um vasto “mar” de recursos e fontes informacionais, os quais, muitas vezes, apresentam informações não confiáveis, conflitantes e tendenciosas, e que podem causar, inclusive, a desinformação. (Ibid idem, p. 61). Para dar conta dessas necessidades, existem programas de orientação profissional, bem como instituições regulamentadoras dessa prática, como a Associação Brasileira de Orientação Profissional (ABOP), que possui uma publicação semestral, em parceria com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão 17 Preto, da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), indexada nas principais bases de dados que compartilham as práticas que buscam solucionar essa demanda de Orientação Profissional. A mudança da realidade escolar para a inserção no mundo adulto acontece ao longo dos anos de estudo e do desenvolvimento pessoal, e não se limita ao momento da escolha profissional, a qual vestibular se vai prestar ou aos anos finais do Ensino Médio. Trata-se de uma situação complexa, que precisa ser contextualizada, para que propicie a constituição de um momento congruente na vida do sujeito. A vida só se resume a escolhas quando há o que se escolher e, certamente, quando está implícita, no ato, a capacidade de discernimento e avaliação de diferentes situações que compõem o intricado gesto de escolher algo ou alguma coisa dentro de um dado contexto social, político, econômico, educacional, cultural, familiar, etc. (MOTTA, 2015, p. 10). A predileção de um afazer considera questões sociais, subjetivas, sendo particular para diferentes grupos da sociedade e para os diferentes indivíduos que possuem seu capital intelectual e cultural constituído pelas vivências em seu ambiente familiar, escolar e comunitário, que são construídos de formas únicas e singulares. Por vezes, o período de escolha profissional é atravessado pelas mudanças corporais e hormonais da adolescência, por uma possível separação familiar, pelos estudos da graduação ou referentes ao trabalho e pela constituição da personalidade: Exigimos, do adolescente, a escolha de seu futuro ocupacional imediato (o trabalho). Isso implica a busca de uma identidade profissional. Busca-se essa, que, atualmente, ocorre ao mesmo tempo em que o jovem está formando seu caráter. (MAHL; SOARES; NETO, 2005, p. 19). Escolher pode significar tomar uma posição entre alternativas semelhantemente atraentes e renunciar a uma outra série de possibilidades. A escolha de uma ocupação, neste caso, está ligada, concomitantemente, às decisões pertinentes a um importante ciclo de vida, que é a adolescência, e ao desenvolvimento da autonomia enquanto adulto em potencial. Na opção por uma área de trabalho, alguns sujeitos podem não ter a oportunidade de realmente optar por seu futuro profissional, tendo que trabalhar cedo, 18 dentro da disponibilidade de vagas daquele determinado período, no qual, por vezes, essa decisão é atribuída ao acaso. Em alguns estudos de diversas áreas, pode-se encontrar a referência de que em cada fase do desenvolvimento humano é necessário que sejam respeitadas algumas condições ideais para que o resultado seja positivo na formação do sujeito. Mas, o que seria considerado ideal? […] O ideal seria que cada um pudesse escolher, racionalmente, a melhor profissão para si. Para tanto, ele deveria dispor de amadurecimento suficiente e de informações sobre si mesmo, bem como sobre o mundo dos cursos e o mundo do trabalho. O amadurecimento requer tempo, desenvolvimento e educação; o autoconhecimento e as informações requerem ações específicas para serem obtidas. (GIACAGLIA, 2003, p. 18). Quando deixada ao acaso, a inserção no mundo laboral pode, algumas vezes, colocar os indivíduos em ocupações que não contemplem o desenvolvimento integral de suas potencialidades, surgindo a possibilidade de um acarretamento que percorre um caminho que vai desde frustrações, até a fragilidade da saúde física e emocional por não estar em congruência com o ambiente com o qual se relaciona. Para contemplar essa necessidade e estudar as razões pelas quais um sujeito escolhe uma ocupação profissional, algumas teorias foram construídas. Crites (1969) as descreveu como teorias de escolha vocacional, e suas correntes teóricas ele as dividiu em três grupos: não psicológicas, psicológicas e gerais. A primeira seria a escolha por influência de elementos externos ao indivíduo, podendo estes ser Clássicos, Neoclássicos, Culturais e/ou Sociológicas. De certa forma, os autores que procuram explicações, nesse terreno, encontram a escolha como algo acidental: Circunstâncias e/ou acidentes, felizes ou até infelizes, como falecimento de familiares, acidentes etc., colocadas em seu caminho e em sua trajetória de vida, são responsáveis por ele se encontrar em determinada profissão (GIACAGLIA, 2003, p. 35). As teorias psicológicas possuem quatro movimentos teóricos: o traço e fator; desenvolvimentais; de decisão; e psicodinâmicas. Consideram os elementos internos do sujeito para compreender suas possíveis escolhas. As teorias gerais seriam 19 interdisciplinares, pois utilizam tipologias e arquétipos na identificação das inclinações profissionais. O que diferencia as teorias ditas psicológicas das não psicológicas é o fato de que, enquanto os autores das sociológicas colocam o foco da escolha no indivíduo, nas suas características psicológicas, as não psicológicas veem a escolha, se não em sua totalidade, principalmente como devida ao ambiente. Seria, segundo elas, o ambiente que levaria o indivíduo a escolher dentro das condições oferecidas pelo ambiente. (GIACAGLIA, 2003, p. 12). Cada teoria apresenta pressupostos psicológicos próprios, ou definições distintas; e, em alguns momentos complementares, para tentar compreender como se constitui um processo de tomada de decisão para a escolha profissional. As teorias psicológicas serão explicitadas nos parágrafos seguintes. Quando o caminho para pensar as opções profissionais utiliza as diferenças apresentadas entre traços de personalidade, procurando mensurar e evidenciar as diferenças para encontrar ocupações pertinentes, estamos utilizando teorias traço- fator, que racionalizam e objetivam a escolha, como afirma Ferreti (1988, p. 18): a) os indivíduos diferenciam-se entre si em termos de habilidades físicas, aptidões, interesses e características pessoais; b) as ocupações também se diferenciam entre si, cada uma exigindo, para um desempenho produtivo, que o profissional apresente aptidões, interesses e características pessoais requeridas pela profissão; c) é possível conduzir a compatibilização ideal dessa dupla ordem de fatores através de um processo racional de escolha. Para pensar essa escolha de uma forma não tão estrutural, as teorias psicodinâmicas, que explicam de uma forma hipotética, embasadas em observações, de acordo com Giacaglia (2003, p. 17), podem ser subdividas em: psicanalíticas; de necessidades; e do “eu” (self). Cada uma delas parte de pressupostos diferentes, todos de natureza psicológica, porém baseados em “escolas” e autores diversos. Com inspiração na Psicologia do Desenvolvimento, entender a escolha, a priori, das fases de desenvolvimento e como elas influenciam constitui a base do Pensamento Desenvolvimental. Critica-se a ideia de “momento de escolha”, passando-se a defender a concepção de desenvolvimento vocacional. O indivíduo possui um ciclo de 20 vida, e a questão profissional perpassa-o como um todo: os indivíduos desenvolvem-se vocacionalmente, e este processo dura a vida toda. (BOCK, 2006, p. 330). As Teorias Decisionais consideram que as sucessivas avaliações, que são realizadas no decorrer da vida, se confrontam com aquilo que se vivencia, buscando entender qual é o processo de tomada de decisão que aquele indivíduo percorreu. Giacaglia (2003, p. 29) insere três passos referentes a uma tomada de decisão: estudo dos dados disponíveis; procura de informações; e confronto com a realidade. Bock (2006, p. 36) esclarece a teoria de decisão: As teorias decisionais importam seus pressupostos da administração de empresas e da economia visando à racionalidade das escolhas. Assim, a decisão deve ser fruto de análise minuciosa dos elementos que intervêm no processo. Para finalizar, a terceira teoria do bloco que sistematiza as reflexões acerca da fundamentação da escolha profissional segue as Teorias Gerais. Como nos mostra Bock (2006, p. 37), que tenta entender a escolha profissional determinada ora por aspectos psicológicos, ora por aspectos socioeconômicos, novas abordagens não são formuladas, mas sim se justapõem às anteriores. São consideradas teorias gerais aquelas que destacam o caráter multivariado da escolha profissional e, principalmente, que não deixam de dar relevo, ao lado dos fatores psicológicos, ao papel do ambiente sociocultural e econômico, ambiente no qual e para o qual são exercidas as profissões escolhidas. (GIACAGLIA, 2003, p. 40). Apresentados esses autores e suas produções acadêmicas acerca dessa temática, podemos colocar em voga a importância desse tópico e a necessidade de que esse momento de decisão não fique relegado ao acaso, sem um processo de reflexão fundamentado, intencional e assertivo. Livros, revistas, artigos científicos e pesquisas encontram-se inseridos na tarefa de esclarecer esse momento que apresenta uma complexidade que, algumas vezes, pode ser subestimada. Como os jovens desenvolvem metas em relação à carreira que querem seguir? Como decidem se vão para a faculdade e, caso contrário, como entrar no mercado de trabalho? Muitos fatores influenciam, incluindo a capacidade individual e a personalidade; a educação; os ambientes econômico e étnico; 21 o conselho de orientadores educacionais; as experiências de vida e os valores sociais. (PAPALIA; OLDS, p. 416). 2.2 Legislação e Altas Habilidades / Superdotação As altas habilidades/superdotação (AH/SD) estão caracterizadas na legislação e lhes foi assegurado o atendimento educacional especializado para todo estudante que se encontra nessa situação. A perspectiva de educação inclusiva assegura algumas condições necessárias para o desenvolvimento do potencial de todos dentro do ambiente escolar. No início da década de 1970, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que regulamentava o ensino de 1º e 2º graus, distinguiu os alunos superdotados, em seu capítulo 1, artigo 9°, o qual estabelece que: Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acôrdo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação. (BRASIL, 1971). Intencionalmente, nos Estados Unidos, nessa mesma época foi encomendado, pelo Congresso Norte-americano, o Relatório Marland ao Departamento de Saúde, Educação e Bem-estar. E, nesse relatório, a primeira definição sobre o fenômeno toma forma: São consideradas crianças portadoras de alta habilidade as que apresentam notável desempenho e/ou elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual, aptidão acadêmica ou específica, pensamento criador ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial para artes visuais, artes dramáticas e música e capacidade psicomotora (ALENCAR; FLEITH, 2001, p. 56). Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) avança colocando uma definição mais consistente da Educação Especial e insere as Altas Habilidades/Superdotação no atendimento educacional especializado: Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. (BRASIL, 1996). 22 No artigo seguinte (Art. 59, Lei nº 9.394/96) ficam claras quais medidas devem ser respeitadas para que esse atendimento aconteça. E o parágrafo IV ressalta a importância dessa educação para o trabalho, visando à integração na sociedade. O parágrafo vai ao encontro desta pesquisa, que considera a orientação profissional necessária na educação especial, contextualizada em consonância com as particularidades de cada fenômeno, de cada condição do público-alvo da educação especial, mais especificamente em relação a particularidades de que o grupo de AH/SD pode dispor e que estejam ligadas à escolha profissional e à inserção do jovem no mundo adulto, do trabalho. IV - educação especial para o trabalho, visando à sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive com condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora. (BRASIL, 1996). Em 2008, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, com o intuito de fundamentar medidas de equidade quanto aos direitos humanos, define o público-alvo da educação especial e caracteriza as altas habilidades em seu capítulo V: […] estudantes com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. (BRASIL, 2008). Outro documento relevante que está inserido na construção de sistemas mais inclusivos e que coloca a importância de se considerar as especificidades das AH/SDs é a Declaração de Salamanca, construída a partir da Conferência Mundial de Educação Especial, realizada em 1994, que reuniu 88 governos e 25 organizações internacionais para pensar uma educação para todos, referenciando as AH/SDs como superdotadas na declaração. 23 2.3 Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) O registro de pessoas com contribuições significativas à sociedade, dentro das diversas áreas do saber, pode ser encontrado nas diferentes culturas. E o valor atribuído a essas contribuições depende de uma necessidade social. E alguns sujeitos apresentam habilidades incomuns e potenciais desenvolvidos acima da média ao conseguirem solucionar problemas diários ou, nos dias de hoje, sobressair na escola, no trabalho ou no teatro: A fascinação por pessoas com habilidades incomuns e potenciais para realizações extraordinárias, em todos os campos do desempenho humano, deu lugar a uma área de estudo, em Psicologia e Educação, conhecida como Educação do Superdotado. (VIRGOLIM; KONKIEWITZ, 2014, p. 220). Para esta dissertação de mestrado, um dos autores que levamos em conta para entendermos o fenômeno de AH/SD foi Joseph S. Renzulli, psicólogo norte- americano, pesquisador e responsável por materiais de identificação, estratégias de intervenção e conceituação da superdotação. Quando apareci em cena, no final da década de 1960 e início da década de 1970, uma série de observações ajudou a delinear o que veio a se tornar a Concepção da Superdotação dos Três Anéis e o Modelo Triádico de Enriquecimento. (Idem, 2004, p. 81). Sua concepção de superdotação definiu e caracterizou o público que apresenta comportamentos diferenciados dentro de seu desenvolvimento e ofereceu, com o “Modelo Triádico”, uma forma de intervenção para desenvolver um potencial que normalmente é negligenciado. Pensando para além da testagem psicológica e quociente intelectual, o autor elabora o conceito de três formas, superdotação acadêmica, superdotação produtivo-criativa e superdotação mista, com a definição de seus respectivos indicadores comportamentais que possibilitam identificá-las. A teoria dos três anéis de Joseph S. Renzulli, como se mencionou anteriormente, forneceu um novo olhar para os comportamentos de superdotação, especificamente os superdotados produtivo-criativos, o que proporcionou grande contribuição para os estudos dessa área. Dessa maneira, com o advento da teoria dos três anéis, tornou-se possível valorar tanto a superdotação acadêmica como produtivo-criativa em virtude da teoria dos anéis ser comum aos dois tipos de superdotação. (KOGA, 2017, p. 38). 24 Esse modelo se apresenta com essa definição por ter, em seu marco conceitual, um conjunto de traços que interagem, representando a presença dinâmica, no dia a dia dos estudantes, de habilidade acima da média em alguma área de domínio, comprometimento com a tarefa e elevados níveis de criatividade. Figura 1 – Modelo dos Três Anéis Fonte: Renzulli (1986) O fenômeno de AH/SD está no encontro desses três comportamentos, considerando o ambiente em que se manifesta: “os três anéis estão graficamente representados sobre um padrão em forma de malha xadrezinha, que representa uma interação entre personalidade e fatores ambientais” (VIRGOLIM, 2014, p. 233). O anel da habilidade acima da média faz referência ao alto desempenho apresentado pelo estudante em uma determinada área de domínio do conhecimento, diferenciando-o significativamente dos demais sujeitos que compõem sua realidade social. O envolvimento com a tarefa implica no interesse, na motivação e na dedicação com os quais o sujeito se desprende na atividade, com níveis de perseverança, atenção e concentração incomuns. A criatividade pode ser observada pela inovação na resolução de problemas do cotidiano, por meio da flexibilidade e com a originalidade de pensamento. É importante salientar que a simples manifestação de um ou dois anéis não caracteriza a superdotação. É preciso que haja a intersecção dos três anéis. 25 Dessa maneira, o avaliador deverá ter sempre em mente a medida da normalidade em comparação com a da superdotação. (KOGA, 2017, p. 41). Nessa perspectiva, três categorias de superdotação são consideradas: a primeira, como superdotação acadêmica ou escolar; e a segunda, produtivo-criativa, podendo existir interações entres ambos os tipos, o tipo misto. A superdotação escolar é caracterizada por alto desempenho nas notas escolares e nos resultados de testes de quociente intelectual. De identificação mais fácil, pode ser observada em alunos que apresentam um alto desempenho escolar. Estes seriam os melhores alunos da sala para os professores, pois, em geral, seus resultados são mais que satisfatórios. […] ela existe em vários níveis, pode ser identificada por técnicas de avaliação padronizadas e, por isso deveríamos fazer tudo ao nosso alcance para modificar apropriadamente o programa para alunos com capacidade de cobrir o material curricular regular em ritmos e níveis de entendimento avançados. (RENZULLI, 2004, p. 228). Para a superdotação produtivo-criativa, os elementos considerados nos estudantes, para a identificação, estão ligados a pensamentos incomuns e estimulantes, a experimentar o mundo de formas novas e originais, ou, ainda, a mudar a cultura de maneira significativa. A superdotação criativo-produtiva, portanto, descreve esses aspectos da atividade e do envolvimento humano nos quais a ênfase é colocada no desenvolvimento de pensamentos, soluções, materiais e produtos originais, propositadamente desenvolvidos para impactar uma ou mais audiências. (RENZULLI, 2004, p. 231). Em outro momento, MÖNKS (1992), considerando o conceito dos três anéis de Renzulli, insere mais algumas situações para explicitar como se expressam os elementos da superdotação. Também MÖNKS, em seu modelo de superdotação, complementa os fatores destacados por Renzulli, incluindo elementos do ambiente social que são cruciais ao desenvolvimento de indivíduos mais capazes. (ALENCAR, 2001, p. 65). O professor alemão de Psicologia e Pedagogia para crianças superdotadas (1992) define sua teoria como Modelo Multifatorial da Superdotação, que considera 26 necessário para identificar um AH/SD por meio de motivação, criatividade, altas habilidades intelectuais, considerando a influência, no discentes, do ambiente escolar, de seus familiares e colegas. Os comportamentos passíveis de serem observados na identificação de estudantes com AH/SD podem ser variados. Muitas vezes, são associados a um comportamento de alto desempenho nas atividades acadêmicas, mas não se resumem a apenas isso: Na literatura especializada, algumas dessas características são recorrentemente mencionadas por diferentes autores, mesmo não compartilhando dos mesmos referenciais teóricos subjacentes: precocidade; gosto e nível elevado de leitura; interesses variados e diferenciados; tendência a se associar com pessoas muito mais velhas (ou muito mais novas) em lugar de pessoas da mesma idade; assincronismo; preferência por trabalhar ou estudar sozinho; independência; autonomia; senso de humor refinado; sensibilidade estética muito desenvolvida; elevada capacidade de observação; liderança e gosto; e preferência por jogos que exijam estratégia, como xadrez, entre outras. (FREITAS; PEREZ, 2012, p. 19). Ellen Winner (1998), psicóloga e professora no ensino superior norte- americano, para explicar o fenômeno, atribui às AH/SDs o termo superdotado, que pode ser identificado com base na manifestação de três características atípicas: precocidade; insistência em fazer as coisas a seu modo; fúria por dominar. Com relação à precocidade, que seria a facilidade em dominar alguma atividade em um período cronológico anterior ao que se espera para determinada ação em uma criança, o exemplo mais encontrado na literatura é o bebê que consegue andar de forma precoce, que aprende a falar primeiro do que os outros, ou que lê bem antes do esperado para sua idade. Outra característica, a insistência em fazer as coisas a seu modo, em linguagem comum seria a automotivação para a realização, a busca de caminhos próprios para suas realizações, um comportamento de autonomia e autenticidade no desenvolvimento das potencialidades. Por último, o indivíduo superdotado apresenta o que a autora norte-americana coloca como “fúria por dominar”. Trata-se da manifestação de comportamentos 27 intensos e obsessivos, nas quais a capacidade de concentração e interesse são tão grandes, que a necessidade de extrair o máximo da experiência se torna imprescindível. Winner indica a necessidade de compreender que a superdotação e a manifestação das características descritas não acontecem de forma global em todas as áreas do conhecimento e da vida: A suposição subjacente, aqui, é que as crianças superdotadas possuem um poder intelectual geral que lhes permite serem superdotadas em tudo. Eu chamo isso de o mito da capacitação global. Porém, superdotação escolástica, frequentemente, não é uma capacidade global que atravessa as duas grandes áreas do desempenho escolástico. A criança, com uma combinação de pontos fortes e fracos acadêmicos, vem a ser a regra, não a exceção. As crianças podem até mesmo ser superdotadas em uma área acadêmica e apresentar distúrbio de aprendizagem em outra. (Idem, 1998, p. 15). Essas concepções reforçam a necessidade de definições, ferramentas e pesquisas, de forma igualitária, tanto no desenvolvimento humano típico como no atípico. A investigação, a comprovação e a divulgação das particularidades e necessidades diferenciadas corroboram com práticas assertivas na intervenção educacional do público-alvo da Educação Especial. 28 3 BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA EM BASE DE DADOS 3.1 Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Realizamos um levantamento no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, uma fundação do Ministério de Educação que tem como finalidade a expansão e a consolidação da pós- graduação stricto sensu em todos os estados da Federação. As linhas de ação da CAPES consideram a avaliação da pós-graduação stricto sensu, seu acesso e a divulgação da produção científica como investimentos na formação de recursos de alto nível no país e no exterior; como uma promoção da cooperação científica internacional; indução e fomento da formação inicial e continuada de professores para a educação básica nos formatos presencial e a distância. Relacionando dois descritores, “altas habilidades/superdotação” e “escolha profissional”, encontramos um total de 84 trabalhos indexados, 61 dissertações de mestrado e 23 teses de doutorado. Buscando esses descritores de forma delimitada a um recorte temporal de 2013 a 2018, utilizando um filtro para a grande área das Ciências Humanas, considerando o título das pesquisas e, em alguns casos, seus resumos, a temática relacionada não foi apresentada nos documentos avaliados. Em sua grande maioria, o material levantado tem como referência a AH/SD em relação à formação de professores para a atuação nessa demanda e a identificação das características comportamentais que indicam o fenômeno. O material acadêmico que mais se aproximou do objeto de pesquisa da presente dissertação de mestrado foi um trabalho que investiga a autoeficácia para a escolha profissional, porém de estudantes, em geral, do Ensino Médio, e não com o público-alvo da Educação Especial. 29 Do resultado encontrado, 2016 foi o ano com o maior número de indexações de pesquisas, com um percentual de 29,7%, ao passo que 2018 e 2014 apresentaram os menores índices de publicações científicas sobre o tema supracitado, com 13% e 10,7%, respectivamente. Selecionadas as áreas de avaliação, 55,9% desses temas encontrados estão na área da Educação, e 36,9%, na Psicologia. O restante se encontra em outras áreas de avaliação da CAPES. As teses e dissertações encontradas estão espalhadas em diversas instituições de ensino, sendo que as quatro mais significativas são a Universidade de São Paulo (8,3%); Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (4,7%); Universidade Federal de Pernambuco (4,7%); e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (3,5%). 3.2 Revista Brasileira de Orientação Profissional (RBOP) Na tentativa de encontrar temas ligados à escolha profissional de estudantes com AH/SD em um material específico que trabalhasse transversalmente a orientação profissional, utilizamos 242 títulos de artigos acadêmicos e seus resumos, encontrados em publicações da Revista Brasileira de Orientação Profissional no período de 2003 a 2018, em sua versão on-line, cujo ISSN é 1984-7270, que aborda a temática relacionada à escolha profissional e suas implicações nas áreas da Psicologia, Educação, Trabalho e Saúde A missão à qual esse periódico está designado é publicar trabalhos originais relacionados a Orientação Profissional que se enquadrem nas seguintes categorias: relatos de pesquisa; estudos teóricos; revisões críticas da literatura; relatos de experiência profissional; resenhas; e notícias. Trata-se de uma publicação semestral da Associação Brasileira de Orientação Profissional, indexada nos seguintes portais: PsycINFO, Scopus, Redalyc, Clase, Lilacs, Latindex, Psicodoc e IndexPsi, disponíveis nas bibliotecas da Rede Brasileira de Bibliotecas da Área de Psicologia (ReBAP) e no PePSIC (Portal de Periódicos Eletrônicos em Psicologia), utilizados nesta pesquisa. A revista aceita trabalhos em português, espanhol e inglês, e estabelece normas para publicação com avaliação dos manuscritos pelo conselho editorial, que 30 conta com consultores ad hoc. É patrocinada pela Associação Brasileira de Orientação Profissional. Após a tabulação dos títulos dos trabalhos publicados e de seus resumos, utilizamos alguns descritores para encontrarmos uma relação entre a Orientação Profissional e as AH/SDs. A questão era: investigar se, dentro de uma revista que discute os diversos temas ligados a Orientação Profissional, poderia existir publicações que dialogassem com a AH/SD. Para isso, fizemos uso, na busca, dos cinco descritores: superdotado; superdotação; altas habilidades; precocidade; e dotação. Por meio deles, foram localizados dois artigos, que são:  “Escolha e interesses profissionais de talentosos: análise cientométrica”. Autores: Karen Cristina Alves Lamas e Altemir José Gonçalves Barbosa Período: 2011. O resultado de uma revisão bibliográfica desse traz uma análise da produção científica de 2000 a 2009 ,relacionando a temática da Orientação Profissional a Altas Habilidade/Superdotação em artigos indexados nas bases de dados virtuais PsycNET e ERIC (Education Resources Information Center), utilizando os termos gifted and career choice ou gifted and vocational interests. Os autores apresentaram 28 artigos recuperados, que possibilitaram para eles a conclusão de que a produção cientifica analisada prioriza obter evidências empíricas apenas de parte das variáveis associadas ao desenvolvimento ocupacional de pessoas com dotação e talento. As variáveis ligadas a cognição, diferenças entre os sexos e influencias sociais são os temas mais abordados, com pesquisas de amostras compostas apenas pelo público com AH/SD. Essas 28 publicações do recorte temporal mencionado, coincidiram com a época em que o levantamento estava sendo realizado, sendo que o procedimento aplicado, nesse apanhado, foi uma análise de conteúdo sobre esse procedimento, tendo um dos autores efetuado a análise, e o outro, atuado como juiz, tendo sendo obtida concordância superior a 75%. 31 Prevaleceram as pesquisas empíricas frente às revisões de literatura, e apenas quatro dessas publicações possuem sua amostra composta por grupos de estudantes com AH/SD em comparação com outros grupos. Em suas considerações finais, deixa clara a necessidade tanto em termos de quantidade como em relação à diversidade da produção científica sobre a escolha profissional de indivíduos com altas habilidades/superdotação.  “Características sociocognitivas de estudantes com dotação e talento: estudo comparativo”. Autores: Karen Cristina Alves Lamas e Altemir José Gonçalves Barbosa Período: 2015. Esse artigo é resultado de uma pesquisa comparativa entre um grupo de estudantes com e sem características de dotação e talento, analisando-se fatores pessoais, contextuais e experiências de aprendizagem que possam contribuir com a escolha profissional. Para isso, os autores supramencionados utilizaram um questionário elaborado a partir da Teoria Sociocognitiva do Desenvolvimento de Carreira, uma escala de autoeficácia para atividades ocupacionais, voltada à escolha profissional, a valores do trabalho e, por último, á avaliação dos tipos profissionais de Holland. Participaram da pesquisa 275 estudantes do primeiro, segundo e terceiro ano 9,1% deste estudantes possuíam os indicadores de AH/SD A pesquisa encontrou semelhanças entre as variáveis que compõem o processo de escolha profissional dos estudantes com AH/SD e o grupo comparativo, e especificidades que demandam atenção especial para o primeiro grupo. A conclusão geral é que a necessidade de orientação profissional é equivalente em ambos os grupos. Os dois trabalhos encontrados são da mesma dupla de autores, que estão vinculados à Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, ambos graduados, mestres e doutores em Psicologia. Uma das pesquisadoras, dentre outras 32 atividades, atua com psicometria, avaliação psicológica e orientação profissional, enquanto o outro pesquisador desempenha um trabalho acerca de dotação e talento; tecnologia educacional; e desenvolvimento humano. Antes de 2011 não foram encontrados os descritores que indicam a temática de Altas Habilidades/Superdotação nos resumos de artigos publicados na revista. Dos 242 trabalhos encontrados, apenas 2 fazem referência ao estudo da escolha profissional de superdotados. 33 4 METODOLOGIA 4.1 Participantes A pesquisa levou em conta doze participantes, sendo seis identificados e avaliados com indicadores de AH/SD que integram o grupo 1 (G1), e outros seis sem indicadores de AH/SD, compondo o grupo 2 (G2). Figura 2 - Participantes da pesquisa, por grupo G1 G2 Sexo Idade Escolaridade Sexo Idade Escolaridade P1 M 17 3º ano do Ensino Médio P1 M 17 3º ano do Ensino Médio P2 F 17 3º ano do Ensino Médio P2 F 17 3º ano do Ensino Médio P3 F 16 2º ano do Ensino Médio P3 F 16 2º ano do Ensino Médio P4 M 16 2º ano do Ensino Médio P4 M 16 2º ano do Ensino Médio P5 M 15 1º ano do Ensino Médio P5 M 15 1º ano do Ensino Médio P6 M 14 9º ano do Ensino Fundamental P6 M 14 9 º ano do Ensino Fundamental Fonte: elaborada por nós (2019). 4.2 Critério de Escolha Os critérios de escolha dos participantes do G1 consideraram as seguintes variáveis: ter sido estudante do Programa de Atenção ao Aluno Precoce com Comportamento de Superdotação (PAPCS); ter idade entre 14 e 19 anos; estar necessariamente cursando do 9º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, independentemente de a instituição de ensino ser pública ou privada. Os estudantes do G2 foram escolhidos por pareamento com os do G1, considerando-se as mesmas variáveis. Porém, esses alunos não deveriam pertencer 34 a nenhum programa de AH/SD, ou terem passado por qualquer tipo de identificação e avaliação para tal. 4.3 Instrumentos de Coleta Para o levantamento, compreensão ou estudo das diferenças e particularidades das características psicológicas, fez-se necessária a utilização de instrumentos de investigação e avaliação que conseguissem mencionar os dados dentro da pesquisa científica e garantir a qualidade dos resultados encontrados. Por investigar aspectos emocionais e inclinações profissionais, esta pesquisa utilizou, como instrumentos, dois testes psicológicos, desenvolvidos para explorar e mensurar situações específicas da escolha profissional. Os testes estão relacionados à vertente da evolução da Psicologia Experimental, que foi desenvolvida por volta do século XIX como consequência da necessidade de cientificidade e objetividade nas pesquisas da época. […] o teste psicológico pode ser definido como uma situação padronizada que serve de estímulo a um comportamento por parte do examinando; esse comportamento é avaliado por comparação estatística com outros indivíduos submetidos à mesma situação, permitindo, assim, sua classificação quantitativa e qualitativa. (SCHEEFFER, 1968, p. 3). Além dos testes, foi utilizado um terceiro instrumento, o questionário socioeconômico, com o objetivo de compreender o contexto social no qual a amostra se encontra inserida. A seguir, apresentamos a descrição dos três instrumentos. 4.3.1 Instrumento 1 Questionário socioeconômico (Anexo 3) composto por 17 questões, sendo 16 de múltipla escolha e uma indicando o grau de importância e intensidade, tendo como parâmetro, na adaptação desse instrumento, o Questionário Socioeconômico do Exame Nacional do Ensino Médio (2008) e o Questionário do Estudante do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (2017). O questionário mencionado no início deste parágrafo foi utilizado como ferramenta comparativa de variáveis pontuais implícitas e explícitas à escolha profissional. 35 4.3.2 Instrumento 2 A Escala de Maturidade para a Escolha Profissional (EMEP), aplicada na pesquisa, em ambos os grupos, avaliou o nível de maturidade para a escolha profissional e detectou quais aspectos compõem a maturidade; quais são mais ou menos desenvolvidos (NEIVA, 2014). A validade da escala foi verificada por meio da Análise Fatorial, um conceito estatístico que: […] tem como objetivo verificar, por meio da análise de matrizes de correlações (que são obtidas a partir das respostas aos itens do teste), se os itens se agrupam em conjuntos (chamados de fatores), em função das características que avaliam, seguindo os pressupostos teóricos que os fundamentam. (Ibid idem, p. 87). Essa escala é indicada para indivíduos que estão matriculados a partir do 9º ano do Ensino Fundamental, até universitários que necessitem rever suas escolhas profissionais. Em geral, é utilizado como pré e pós-teste para indicativos em Orientação Profissional. Pode ser aplicado individualmente ou em grupo. Nessa pesquisa foi aplicado individualmente, para um melhor controle das variáveis envolvidas em testagem psicológica. O teste considera que a escolha de uma profissão exige o desenvolvimento de certas atitudes e a aquisição de determinados conhecimentos. Este conjunto constitui o conceito de maturidade, utilizado na construção do instrumento. Ter maturidade para escolher uma profissão, na perspectiva de Neiva (2014), autora do teste, que relata ter fundamentado seu trabalho nas ideias de Crites (1978) e Super (1957), se dá por meio do desenvolvimento e da presença de cinco comportamentos frente à escolha: Determinação – o quanto o indivíduo já tem definida sua escolha profissional; Responsabilidade – o quanto ele está empreendendo, por meio de ações responsáveis, para a efetivação da escolha; Independência – o quanto está processando sua escolha profissional, de forma independente, sem se influenciar por familiares, amigos, professores e meios de comunicação; Autoconhecimento – o valor que avalia o conhecimento de diferentes aspectos do indivíduo: características pessoais, interesses, habilidades e valores; e o Conhecimento da realidade educativa e socioprofissional, que mensura o grau de conhecimento de diferentes aspectos da 36 realidade socioprofissional e educativa: profissões, mercado de trabalho, níveis salariais, instituições de ensino etc. Figura 3 – Modelo de Maturidade para a Escolha Profissional Fonte: adaptado de Neiva (2014) Essas atitudes e conhecimentos, no teste, são representados por frases que indicam um comportamento, e estão sistematizadas como uma escala do tipo Likert, na qual o participante avalia a frequência (1 = nunca; 2 = raramente; 3 = às vezes; 4 = frequentemente; e 5 = sempre) com que atua ou pensa, segundo a forma indicada em cada enunciado. A pontuação máxima, na escala total, é de 225 pontos. Essas frases podem indicar itens positivos e negativos, relacionados à experiência de escolha profissional, levando em conta as atitudes e os conhecimentos suprarreferidos, havendo, na escala de maturidade, subescalas para cada comportamento, com uma variação na quantidade de enunciados em cada situação, podendo ser expressas da seguinte forma: MATURIDADE PARA A ESCOLHA PROFISSIONAL ATITUDES FRENTE À ESCOLHA PROFISSIONAL DETERMINAÇÃO RESPONSABILIDADE INDEPENDÊNCIA CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS PARA A ESCOLHA PROFISSIONAL AUTOCONHECIMENTO CONHECIMENTO DA REALIDADE 37 Figura 4 – Frases indicando itens positivos e negativos, por comportamento Fonte: Elaborado pelo autor (2019). Seu material é composto por um manual, um livro de aplicação, uma folha de relatório de resultados e um crivo de avaliação. No manual, constam o referencial teórico e o histórico de construção da escala; instruções para aplicação, avaliação e interpretação; exemplos de avaliação e interpretação; pesquisas realizadas com o instrumento; estudos psicométricos recentes; e tabelas de normas e classificação. O Livro de Aplicação contém a Folha de Respostas, com espaços específicos nos quais devem ser preenchidos alguns dados pessoais (nome; idade; gênero; escola; tipo de escola em que estuda; série/turma; e data) e o tipo de aplicação (individual ou coletiva, pré ou pós-Orientação Profissional), seguido do nome do psicólogo responsável, com seu número de registro no Conselho Regional de Psicologia (CRP). Ainda no Livro de Aplicação, estão as instruções para a realização do teste e o quadro de resultados no qual serão anotados, pelo orientador, os valores obtidos em cada subescala e na escala total. O Crivo de Avaliação contém 6 crivos necessários: Crivo de Conversão dos Itens Negativos; Crivo da Subescala Determinação; Crivo da Subescala Responsabilidade; Crivo da Subescala Independência; Crivo da Subescala Autoconhecimento; e Crivo da Subescala Conhecimento da Realidade Educativa e Socioprofissional. No Livro de Avaliação, está a folha de Relatório de Resultados, que tem o objetivo de apresentar um documento contendo os frutos da análise, facilitando a comparação entre os dois grupos distintos da pesquisa, por meio da parte frontal SUBESCALA ITENS POSITIVOS ITENS NEGATIVOS TOTAL DE ITENS DETERMINAÇÃO 5 5 10 RESPONSABILIDADE 5 5 10 INDEPENDENCIA 4 4 8 AUTOCONHECIMENTO 4 3 7 CONHECIMENTO DA REALIDADE 5 5 10 TOTAL DA ESCALA 23 22 45 38 desse documento, via espaços específicos que devem ser preenchidos, também, na Folha de Respostas. Explicações sobre o que a EMEP mede, suas subescalas e explicações de como compreender os resultados, assim como o significado da pontuação percentil e exemplos, são apresentados. Ao final, foi elaborado um quadro de resultados, cujo verso traz um gráfico de barras com um espaço para a redação da interpretação desses resultados, finalizando o instrumento de análise. Os resultados são apresentados em sua pontuação bruta, que é utilizada para encontrar um percentil que expressa a classificação do nível de maturidade em: muito inferior; inferior; médio inferior; médio; médio superior; superior; e muito superior. O tempo de aplicação foi livre, e, no manual, descreveram-se, em termos gerais, que são necessários de 15 a 30 minutos para sua execução. 4.3.3 Instrumento 3 Com a intenção de buscar possíveis diferenças significativas relacionadas aos interesses profissionais entre os grupos da pesquisa, fizemos uso de um inventário denominado Avaliação dos Interesses Profissionais (AIP). Este instrumento organiza as grandes áreas do conhecimento em campos de interesse e apresenta frases para que o participante indique aquela que lhe desperta maior interesse. No AIP, o sujeito precisa escolher, em cada par de frases, aquela que mais lhe interessa. Esse sistema, além de promover a expressão do interesse do sujeito, proporciona que ele exercite o processo de escolha, fundamental para a futura tomada de decisões. (LEVENFUS, 2009, p. 60). São 10 campos de interesse, que indicam as inclinações profissionais dos participantes, representados por frases que apontam, de forma objetiva, uma preferência por determina atividade, inserida em um dos 10 campos, conforme nos mostra a Figura 5. 39 Figura 5 – Nomes dos campos, com suas respectivas siglas Fonte: adaptado deLevenfus (2004) Cada campo da Figura 5 possui 20 questões, que caracterizam atividades referentes às áreas do conhecimento. No final, o participante escolheu, dentre 200 enunciados diferentes, os que são apresentados no livro de exercícios em pares; e a escolha deveria priorizar a questão que despertou mais interesse, tendo sido possível, também, a existência de interesse em mais de uma opção. Caso o participante não tivesse interesse em nenhuma das afirmações, mesmo assim deveria indicar uma delas, algo que o teste considerou como interesse parcial. A AIP fez uso, como material, de um manual contendo sua fundamentação teórica/histórica; os campos de interesse; precisão; validação; aplicação do teste; normas; classificação; e um guia de profissões. Ele foi utilizado durante todo o processo de coleta de dados: desde a aplicação, passando pela correção, até a interpretação dos dados. Para a aplicação, o participante teve acesso a um livro de exercícios com 100 pares de enunciados indicando algumas atividades dentro de determinado campo de interesse. O total de 20 atividades por campo foi proposital, para que os participantes fossem confrontados uns com os outros e com si mesmo duas vezes. Os pares de atividades, nesse livro, foram numerados e demarcados graficamente. As escolhas foram indicadas na folha de respostas, que possui, para cada atividade numerada, um quadrado. Este corresponde ao respectivo espaço que foi A CFM Campo Físico/Matemático B CFQ Campo Físico/Químico C CCF Campo Cálculos/Finanças D COA Campo Organizacional/Administrativo E CJS Campo Jurídico/Social F CCP Campo Comunicação Persuasão G CSL Campo Simbólico/Linguístico H CMA Campo Manual/Artistico I CCE Campo Comportamental/Educacional J CBS Campo Biológico/Saúde Campo de Interesse 40 assinalado, conforme o interesse real ou relativo do participante pela atividade, de acordo com as instruções. Para a correção, foi utilizado o Crivo de Apuração, que é uma folha vazada, a ser colocada sobre a folha de respostas, a fim de apurar o índice de interesse em cada campo. A contagem e a apuração foram registradas em um outro material, chamado de protocolo de levantamento, composto de dados de identificação; uma tabela para o registro dos interesses reais, relativos e totais; e gráficos de registro para cada gênero (feminino ou masculino). No final, a soma dos interesses indicados resultou em um percentil que traduziu, por meio da tabela de padronização do teste, a qual consta no manual, o nível de interesse em muito inferior; inferior; médio inferior; médio; médio superior; superior; e muito superior para cada campo do conhecimento. As autoras Levenfus e Bandeira (2009) indicaram que a precisão do instrumento foi avaliada por meio da análise da consistência, que verifica a homogeneidade do teste a partir de uma única aplicação. Foram verificados os índices de cada uma das escalas, e a validação, que confirmou a ligação dos interesses apresentados com os campos, ocorreu por meio de três professores doutores de universidades federais da área de Orientação Profissional, juízes do quanto o conteúdo das frases ao campo vinculado era pertinente. 4.4 Procedimentos 4.4.1 Procedimentos éticos O projeto de pesquisa foi apresentado à Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Paulista (UNESP), campus de Marília/SP, e também a ela submetido, no Seminário de Pesquisa em Pós-graduação, de caráter anual. Ele foi enviado para a avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), relacionado a pesquisa com seres humanos, pela Plataforma Brasil, e teve o parecer aprovado, com a inscrição CAAE: 12387419.7.0000.5406. 41 Utilizou um termo de consentimento livre e esclarecido para os pais dos participantes e um termo de assentimento para os adolescentes, apresentando a pesquisa, solicitando a autorização dos pais ou responsáveis e reforçando o caráter voluntário de participação e a possibilidade de que se pudesse deixar de participar, a qualquer momento. 4.4.2 Procedimentos de coleta Os dois testes e o questionário socioeconômico foram aplicados de forma individual. O procedimento de orientação para a realização dos instrumentos seguiu as instruções dos manuais, em sua íntegra. Além disso, as dúvidas que surgiram foram respondidas de maneira objetiva, conforme orientação de aplicação de cada teste. A interação com o pesquisador foi limitada, para que não existisse nenhuma influência ou tendenciosidade nas respostas do participante. A sala estava localizada em um lugar silencioso, o que possibilitou que as aplicações fossem feitas sem nenhuma intervenção ou intercorrência. Após a apresentação da pesquisa aos participantes e a seus familiares, e assim que os termos de consentimento e assentimento foram assinados, a família foi convidada a aguardar a aplicação dos instrumentos em outro ambiente, para que o adolescente se encontrasse na melhor condição de neutralidade. No momento de devolutiva dos resultados obtidos por cada participante, os familiares foram convidados a participar. Os três instrumentos foram aplicados em um mesmo encontro, com um intervalo de 10 minutos de um para o outro. Para realizar as atividades, o participante utilizou, como material, um lápis, uma borracha e as fichas que precisavam ser preenchidas. As orientações eram verbais, objetivas e repetidas sempre que necessário. No primeiro instrumento, a diretriz consistiu em assinalar a alternativa que fosse mais 42 representativa no contexto social do participante, ao passo que no segundo instrumento a orientação se deu por meio da sinalização, com um “X”, em relação ao grau de intensidade de determinada afirmação. Além disso, na terceira sinalização, entre duas afirmações, qual destas despertou mais interesse no participante, ou se o fez em relação a ambas. 4.4.3 Procedimentos de análise de dados Os dados obtidos pelos instrumentos são resultados de escalas quantitativas, e foram tabulados, agrupados e apresentados em gráficos ou tabelas para a discussão e a análise. As medidas encontradas pelos instrumentos 2 e 3 foram submetidas a análise estatística para avaliar a significância entre as amostras a partir do software de computador Statistical Package for Social Sciences (SPSS), em sua versão PASW Statistics 18 para Windows. Por se tratar de uma amostra pequena, utilizou-se um teste não paramétrico, para comparar os grupos com e sem superdotação, por meio do Teste de Mann- Whitney, destinado a amostras independentes, considerando, como significativo, um p menor ou igual a 0,05. 4.4.4 Procedimentos de devolutiva aos participantes Após a coleta dos dados, correção dos testes psicométricos e resultados, um encontro para a discussão das avaliações foi agendado, em grupo as pontuações dos testes de maturidade e as inclinações profissionais foram o centro das discussões. Para além de apresentar as classificações, os estudantes dialogaram o quanto acreditam estar representados pelo resultado e quais estratégias poderiam desenvolver para melhorar seu processo de escolha profissional. Os familiares receberam um material com a autorização dos participantes, representando as suas respectivas pontuações. 43 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES 5.1 Instrumento 1 – Caracterização sociodemográfica Com este instrumento, tivemos a intenção de contextualizar aspectos sociais e econômicos relacionados à vida familiar do participante e buscar semelhanças ou diferenças dentro do grupo. Nas questões 1 e 2, os participantes foram abordados quanto a seus níveis de escolarização e em que instituição (se pública ou privada) estudavam. Os respondentes assim se posicionaram: Figura 6 – Respostas de G1 e G2 sobre o tipo de escola em que cursaram o Ensino Fundamental (EF) e o Ensino Médio (EM): Alternativas EF EM G1 G2 G1 G2 (A) Somente em escola pública 2 1 2 2 (B) A maior parte em escola pública 1 0 0 0 (C) Somente em escola particular 0 2 4 4 (D) A maior parte em escola particular 3 3 0 0 (E) Somente em escola indígena 0 0 0 0 (F) A maior parte em escola não indígena 0 0 0 0 (G) Somente em escola situada em comunidade quilombola 0 0 0 0 (H) A maior parte em escola não situada em comunidade quilombola 0 0 0 0 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Depreende-se, da Figura 6, que em G1 não houve preponderância de frequência em escola pública ou privada no EF; mas, houve preponderância desse item em relação às escolas referentes ao Ensino Médio, muito provavelmente visando à melhoria do ensino para o acesso ao terceiro grau. Na terceira questão, sobre a modalidade de ensino na qual vão terminar o Ensino Médio, os grupos indicaram a mesma alternativa (das 3 possíveis), como nos aponta esta tabela. 44 Figura 7 – Respostas sobre Modalidades de Ensino Alternativas G1 G2 (A) Ensino Regular 6 6 (B) Educação para Jovens e Adultos 0 0 (C) Ensino Técnico Profissionalizante 0 0 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Todos os participantes possuem idade compatível com a série escolar que frequentam – motivo pelo qual não houve nenhuma resposta para a alternativa B. Nenhum participante assinalou a alternativa C, pois a meta estabelecida nos dois grupos foi a inserção desses jovens, no mundo adulto e profissional, por meio do vestibular. Os participantes da pesquisa, de ambos os grupos, demonstraram não existir, para eles, possibilidades de inserção ao mundo do trabalho que não fosse pelo vestibular, ENEM, ou qualquer outro processo seletivo para o ingresso no ensino superior. O que pode indicar um comportamento desse público na sociedade. Para outros sujeitos a mesma situação poderia ter caminhos bem diferentes. Quando arguidos sobre a pretensão de frequentar aulas em cursinhos pré- vestibulares ou cursos preparatórios para a inserção no Ensino Superior, os grupos assinalaram: Figura 8 – Pretendem fazer cursinho pré-vestibular Alternativas G1 G2 (A) Sim 4 1 (B) Não 2 5 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Observa-se, na Figura 8, que há preponderância em buscar a formação complementar por meio dos cursinhos, na maioria dos participantes do G1, e inversamente, na maioria dos estudantes do G2. Tais dados podem, provavelmente, estar relacionados ao grau de conhecimento ou à falta dele no tocante às dimensões profissionais e pessoais. 45 Quase todos os participantes do G2 objetivavam a aprovação em vestibulares para ingressarem no Ensino Superior com a preparação que tiveram no ensino regular. O único participante que indicou pretender fazer um curso preparatório foi o P6, que está no 9º ano do Ensino Fundamental. O fato da diferença na idade e na série escolar pode ser responsável pela resposta divergente dos outros integrantes do grupo. Para o G1, mais da metade pretende fazer o curso pré-vestibular, e esse resultado pode estar associado ao nível de autoexigência que estudantes com AH/SD podem apresentar, a terem a oportunidade de se prepararem melhor e, talvez, terem a possibilidade de obtenção de um resultado mais elevado, que pode ser a lógica da maioria do grupo. […] As crianças superdotadas são bem conhecidas como perfeccionistas. O termo perfeccionismo tem uma conotação negativa, sugerindo alguém nunca satisfeito com seu trabalho, ou até mesmo paralisado pelo medo de não atingir perfeição. Mas, é bem possível que ser um perfeccionista fosse algo bom se isso significasse ter altos padrões, pois altos padrões acabam conduzindo a alto desempenho. (WINNER, 1998, p. 170). Na 5ª questão, os participantes responderam sobre o principal motivo para que continuassem seus estudos após a conclusão do Ensino Médio. Figura 9 – Respostas, por grupo, sobre a razão em continuar os estudos Alternativas G1 G2 (A) Conseguir um emprego 1 1 (B) Ter um carreira profissional 3 4 (C) Adquirir mais conhecimento, ficar atualizado 2 1 (D) Atender à expectativa de meus familiares sobre estudos 0 0 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Nessa questão, a maioria das respostas, em ambos os grupos, foi semelhante, pois a maioria dos participantes acenou para a possibilidade de seguirem uma carreira profissional, com uma diferença: a de que, no grupo G1, um participante a mais que o G2 pretendia adquirir mais conhecimentos, ficar atualizado. 46 A pergunta seguinte investigou de quem o participante recebe mais incentivos para futuramente cursar o Ensino Superior; e os respondentes assinalaram: Figura 10 – Respostas às alternativas que indicam maior incentivador Alternativas G1 G2 (A) Ninguém 0 0 (B) Pais 4 6 (C) Outros membros da família que não os pais 0 0 (D) Professores 0 0 (E) Líder ou representante religioso 0 0 (F) Colegas ou amigos 0 0 (G) Outras pessoas 2 0 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Todos os participantes do G2 recebem o incentivo, por parte de seus pais, para estudar; a maioria do G1 também assinalou a mesma resposta que o G2. No entanto, apenas dois participantes assinalaram que recebem esse incentivo de outras pessoas, não relacionado à família, à escola, à religião ou aos amigos. Na checagem de todas as respostas às perguntas que foram assinaladas, ainda com o participante permanecendo na sala, perguntamos quem seriam essas outras pessoas. Ambos os alunos do G1 justificaram que seriam eles mesmos quem forneceriam o incentivo para que continuassem estudando. Não importa qual o domínio de dom, as crianças com alta habilidade tipicamente são independentes, autodirecionadas, teimosas, dominantes, inconformistas (conforme medido tanto por avaliações de pais como de professores). Estas crianças não são “bonzinhos” passivos. Frequentemente, elas são difíceis de conviver porque elas querem “comandar o show”. Ainda assim, a mesma qualidade também as torna as mais interessantes e estimulantes para estar perto. (WINNER, 1998, p. 172) Os dois participantes que indicaram a alternativa G demonstram criatividade ao responderem à pergunta e ao justificarem suas respostas com uma alternativa de autoria um tanto quanto surpreendente, ressaltando que são responsáveis pelo próprio interesse em estudar. Em relação à P1, que foi uma das respondentes, afirmou ter uma inclinação profissional mais definida. Além disso, em relação ao nível de maturidade mais elevado de todos participantes, o participante P5 também indicou que se automotiva. 47 Quando questionados sobre quantos livros leram do começo do ano até a aplicação do teste, excetuando os indicados na bibliografia do ensino regular comum, os grupos responderam: Figura 11 – Quantidade de livros lidos Alternativas G1 G2 (A) Nenhum 0 0 (B) Um ou dois 3 4 (C) De três a cinco 1 2 (D) De seis a oito 2 0 (E) Mais de oito 0 0 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Observa-se, pela Figura 11, que G1 tem um hábito de leitura maior em comparação com a quantidade de livros mencionada pelos participantes do G2. Mas, ambos os grupos de estudantes costumam ler livros fora das atividades curriculares obrigatórias, o que pode indicar um aumento no interesse pela leitura, já que nenhum deles respondeu não ter lido nenhum livro. Apesar de não ser possível aferir quanto à ampla divulgação e análise sobre os índices de leitura pelos brasileiros, pela mídia, impactou nas representações sobre leitura pela população quando comparamos as respostas dadas em 2007 com as de 2015; percebemos que aumentou a opção pelas respostas positivas relacionando leitura a: acesso ao conhecimento (de 42% para 49%); crescimento profissional (de 8% para 23%); ou melhora de vida. Também houve aumento considerável no número de pessoas que disseram que a identificam como uma atividade prazerosa (de 4% para 13%). (FAILLA, 2016, p. 23). Quanto à quantidade de horas dedicadas ao estudo durante a semana, excluindo-se as carga horária de aulas no ensino regular, os participantes responderam: 48 Figura 12 – Quantidade de horas de estudo extraclasse, por semana. Alternativas G1 G2 (A) Nenhuma, apenas assisto às aulas 0 0 (B) De uma a três 5 1 (C) De quatro a sete 0 1 (D) De oito a doze 1 2 (E) Mais de doze 0 2 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Pela Figura 12, depreende-se que o G2 costuma dispor de mais horas de estudo extraclasse do que seus pares. No grupo G1, a participante P2 assinalou a alternativa (D), tendo justificado que intensificou os estudos por estar prestes a fazer o vestibular. Podemos depreender que o resultado do G1 em relação ao número de horas nos quais participaram em atividades extraclasse, menor, pode estar relacionado ao fenômeno de AH/SD, como a psicóloga e docente norte-americana afirma: Em geral, tais crianças parecem aprender com pouca ajuda ou estímulo de adultos. Elas meramente precisam de acesso a um domínio de conhecimento (que elas podem obter em livros, ou de adultos) e de alguém para responder suas perguntas persistentes. (WINNER, 1998, p. 30). Os indicadores de AH/SD imprimem um aprendizado mais acelerado em relação aos de seus pares, com persistência e concentração, o que pode favorecer a obtenção de um aproveitamento diferente em sala de aula, resultando em uma necessidade menor de atividades extraclasse. Na questão 9 e 10, perguntamos com quem o participante morava e a situação conjugal de seus pais. As respostas foram: 49 Figura 13 – Composição Familiar Alternativas G1 G2 Sozinho 0 0 Pai 6 5 Mãe 5 6 Companheiro(a) 0 0 Filhos 0 0 1 Irmão 3 4 2 Irmãos 0 0 Mais de 3 irmãos 0 0 Outros parentes 0 0 Amigos ou colegas 0 0 Situação conjugal dos pais (A) Vivem Juntos 5 4 (B) Separados 1 2 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Quanto à situação familiar dos grupos de participantes, a maioria do G1 e do G2 é composta por mãe, pai e participante. Metade desse grupo tem um irmão, e apenas uma família do G1 tem a situação conjugal dos pais como divorciados, além do fato de que dois participantes do G2 se encontram na mesma situação. Todos os participantes, de ambos os grupos, responderam, na questão 12, que suas casas estavam localizadas na zona urbana. As opções eram: (A) zona rural; (B) zona urbana; e (C) comunidade indígena. As questões 13 e 14 referiam-se à escolaridade do pai e da mãe do participante, que responderam da seguinte forma: 50 Figura 14 – Alternativas assinaladas sobre a escolaridade de seus pais Alternativas Pai Mãe G1 G2 G1 G2 (A) Da 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental 0 0 1 0 (B) Da 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental 1 0 0 0 (C) Ensino Médio completo 3 2 4 2 (D) Ensino Superior completo 1 0 1 2 (E) Especialização 1 4 0 2 (F) Não estudou 0 0 0 0 (G) Não sei 0 0 0 0 Fonte: elaborado pelo autor (2019). O nível de escolarização dos pais dos participantes representados na Figura 14 indica que os pais e as mães do G2, em sua maioria, apresentam uma de escolarização maior do que a do G1. Quanto à renda mensal das pessoas que moram com os participantes, 7 opções de respostas foram enquadradas em faixas salariais com opções de nenhuma renda, até mais de 15 salários mínimos por mês. Figura 15 – Renda Familiar Alternativas G1 G2 (A) Nenhuma renda. 0 0 (B) Até 1 salário mínimo (até R$ 937,00). 0 0 (C) De 1 a 3 salários mínimos (de R$ 937,00 a R$ 2.811,00). 0 0 (D) De 3 a 6 salários mínimos (de R$ 2.811,00 a R$ 5.622,00). 2 0 (E) De 6 a 9 salários mínimos (de R$ 5.622,00 a R$ 8.433,00). 4 2 (F) De 9 a 12 salários mínimos (de R$ 8.433,00 a R$ 11.244,00). 0 3 (G) De 12 a 15 salários mínimos (de R$ 11.244,00 a R$ 14.055,00). 0 1 (H) Mais de 15 salários mínimos (mais de R$ 14.055,00). 0 0 Fonte: elaborado pelo autor (2019). 51 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o rendimento domiciliar per capita de 2018. Os valores referentes a este ano foram levantados por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD). A amostra da pesquisa considera o total dos rendimentos domiciliares e indica que, para o estado de São Paulo, o valor do rendimento mensal seria de R$ 1.898,00. Todos os participantes de G1 e G2 apresentaram sua renda familiar como sendo maior do que a calculada estatisticamente na pesquisa, sendo que 66% dos participantes do G2 possuem uma renda familiar maior do que a do G1 (entre 9 e 15 salários mínimos), enquanto o G1 apresentou uma renda que varia de 3 a 9 salários mínimos. Sobre uma possível experiência de atuação no mercado de trabalho, ganhando algum salário ou rendimento, uma questão foi apresentada aos participantes. As alternativas do questionário e as respostas dos alunos estão aqui ilustradas: Figura 16 – Respostas sobre a inserção no mundo do trabalho. Alternativas G1 G2 (A) Trabalho, estou empregado com carteira de trabalho assinada 0 0 (B) Trabalho, mas não tenho carteira de trabalho assinada 0 0 (C) Trabalho por conta própria, sem registro 1 1 (D) Já trabalhei, mas não estou trabalhando 0 0 (E) Nunca trabalhei 4 5 (F) Nunca trabalhei, mas estou procurando trabalho 1 0 Fonte: elaborado pelo autor (2019). A maioria dos respondentes nunca trabalhou e não pretende trabalhar no momento da coleta dos dados. Uma participante do G1, P2, comentou que dá aulas particulares de reforço escolar para alguns alunos que estudam na mesma escola que ela, e uma participante do G1, P3, relatou dar aulas de dança na academia de balé que frequenta. O P1 do G1 assinalou a alternativa de que está procurando emprego, e ele foi o único participante, de ambos os grupos, que vislumbrou sua inserção no mundo adulto, com escolha profissional sem vinculação à realização de vestibular. Mesmo 52 sendo vestibulando, disse não ter problemas em trabalhar e, posteriormente, fazer uma faculdade, pois acredita que precisa de mais tempo e de algumas outras experiências para que fique seguro da escolha do curso superior. A última pergunta do questionário solicitou que os participantes escolhessem, em uma pequena escala, de 1 a 5, o nível de ansiedade relacionado a sua escolha profissional: Figura 17 – Respostas para o nível de ansiedade quanto à escolha profissional Alternativas G1 G2 (1) Nenhuma ansiedade 1 0 (2) Pouca ansiedade 1 0 (3) Ansiedade média 2 2 (4) Ansiedade acima da média 1 0 (5) Muita ansiedade 1 4 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Essa questão apresenta uma diferença expressiva entre a resposta dos participantes, que descreveram um nível de ansiedade para a escolha profissional maior no G2. Além disso, nenhum respondente de G2 assinalou não ter ansiedade; e mais da metade das respostas ficou na faixa de variação máxima (5) muita ansiedade) das alternativas possíveis. Para o G1, a intensidade assinalada se diversifica, pois a maioria das repostas indicou um nível menor de ansiedade, em comparação com as alternativas assinaladas pelo G2. A psicóloga e docente norte-americana, Winner (1998), postulou que crianças superdotadas apresentam um perfil de personalidade diferente dos de crianças medianas, e que a qualidade de suas vidas emocional e social é distinta, em muitas formas. 53 5.2 Instrumento 2 – Escala de Maturidade para a Escolha Profissional 5.2.1 Pareando dados pela subescala Determinação O teste utilizou a subescala de determinação para avaliar o quanto o indivíduo estava definido e seguro com relação à sua escolha profissional, tendo sido apresentados ao participante 5 enunciados com itens positivos e 5 com itens negativos. Dentro dos itens positivos, que foram apresentados na folha de respostas do teste, para o participante, estão as afirmações: “sinto que logo me decidirei”; “sinto que estou quase decidindo minha futura profissão”; “penso que já decidi minha futura profissão”; “sinto-me seguro com relação à minha futura profissão”; “acho que sei onde eu gostaria de trab