UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Trabalho de Graduação Curso de Graduação em Geografia As Classes Sociais e o Empresariamento na Produção da Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo Oliver Cauã Cauê França Scarcelli Prof. Dr. Fabrício Gallo Rio Claro (SP) 2017 1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Oliver Cauã Cauê França Scarcelli As Classes Sociais e o Empresariamento na Produção da Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo (Brasil) Trabalho de Graduação apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Rio Claro - SP 2017 Scarcelli, Oliver Cauã Cauê França As classes sociais e o empresariamento na produção da linha 4-amarela do metrô de São Paulo / Oliver Cauã Cauê França Scarcelli. - Rio Claro, 2017 31 f. : il., figs., gráfs., tabs., fots., mapas Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Geografia) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Fabrício Gallo 1. Geografia urbana. 2. Mobilidade urbana. 3. Planejamento urbano. 4. Urbanização. I. Título. 910.13 S285c Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP 3 Oliver Cauã Cauê França Scarcelli As Classes Sociais e o Empresariamento na Produção da Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo (Brasil) Trabalho de Graduação apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Comissão Examinadora Prof. Dr. Fabrício Gallo (orientador) Prof. Dr. Angelita Matos Souza Prof. Dr. Fábio Candotti Rio Claro, _____ de novembro de 2017. ________________________________ _______________________________ Oliver Cauã Cauê França Scarcelli Fabrício Gallo 4 As Classes Sociais e o Empresariamento na Produção da Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo (Brasil) Resumo: As “jornadas de junho” de 2013, ciclo de protestos no Brasil que nasceu ligado à pauta pela revogação do aumento das tarifas do transporte coletivo, escancararam o penoso deslocamento nas grandes cidades brasileiras. Chama a atenção a situação da metrópole paulista – centro da economia brasileira –, devido à extensão de seu crescimento urbano horizontal, que impõe enormes desafios à mobilidade. Assim, dada a relevância que as discussões sobre transporte coletivo urbano assumem na metrópole, dedicamo-nos a pesquisar a formação socioespacial de suas linhas de metrô, a fim de compreender as transformações em seus traçados e seu papel na modelação do espaço urbano. Em nosso artigo, propomo-nos a analisar o longo processo de criação da Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo a partir de seus projetos. Integrando cinco linhas do Metrô (existentes e em implantação) e três linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, essa Linha é responsável pela formação de uma “rede” de metrô na região metropolitana, conectando o centro “velho” da capital à Avenida Paulista e ao centro "Berrini". Discutiremos as variações em seu traçados, desde os estudos de 1968 realizados pelo consórcio teuto-brasileiro Hochtief- Montreal-Deconsult até o plano executivo mais recente, levado a cabo pelos consórcios construtores. Apresentaremos as transformações nos projetos, procurando desvendar as intencionalidades por trás de cada um deles – e aqui verificamos que o neoliberalismo representou uma enorme inflexão no ritmo de expansão da rede e que negociações entre o Metrô e investidores (em Hong Kong, por exemplo) ditaram o traçado da Linha 4-Amarela. Palavras-chave: mobilidade urbana; Metrô; planejamento urbano; urbanização; classes sociais. 5 Social Classes and the Business-oriented Design of the Subway Line 4 of São Paulo (Brazil) Abstract: The July 2013 protests in Brazil, born out of the demand for revocation of the public transportation fare rise, exposed how challenging and distressing mobility had become in major Brazilian urban areas. Noteworthy is the situation of São Paulo – the neural center of Brazil's economy – given the enormous challenges its horizontal extension impose on urban mobility. Based on the heightened relevance urban public transportation policy discussions have gained in São Paulo, we explore the socio-spatial formation process of its subway lines, seeking to comprehend the transformations in its drawing and their respective roles in the planning and modelling of the urban space. In this article, we analyse the long creation process of subway Line 4 based upon its projects. Connecting five lines (including existing and planned ones) and three train commuter lines managed by São Paulo's Metropolitan Train Company (CPTM), this line is responsible for consolidation of a subway network in the metropolis, connecting the Old Downtown to the financial hotspots of Avenida Paulista and Berrini. We discuss the variations in its itinerary drawing from the 1968 planning sketches of the German- Brazilian Hochtief-Montreal-Deconsult until its most recent iteration implemented by the association of construction companies. We present these different projects in order to unveil the intentionalities informing each one of them. We conclude by arguing that neoliberalism caused a drastic reduction in the rhythm of the subway network expansion and that negotiations between São Paulo's Subway Company (Metrô) and investors defined the itinerary drawing of subway Line 4. Keywords: urban mobility; subway; planning; urbanization; social classes. 6 Índice Introdução....................................................................................................................................7 A metrópole e a segregação espacial.........................................................................................11 1969 – O Metrô na Ditadura.......................................................................................................14 Anos 1990 – O Neoliberalismo Vem de Metrô............................................................................22 Considerações finais..................................................................................................................27 Referências bibliográficas...........................................................................................................29 7 As Classes Sociais e o Empresariamento na Produção da Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo (Brasil) Introdução Projetos para o metrô de São Paulo surgiram em 1927, com a Cia. Light. Sua proposta era integrar os bondes a quatro linhas de metrô propostas nas direções norte, sul e leste (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, p. 11, v. 1). Em 1956, o “Ante-Projeto de um Sistema de Transporte Rápido Metropolitano” do prefeito Prestes Maia, ainda que previsse a construção de um metrô na cidade, subordinava o projeto aos automóveis (ANELLI, 2007). Após a fundação da Companhia do Metropolitano de São Paulo em 1968, o traçado passa a acompanhar mais claramente o percurso que as elites realizaram no seu deslocamento em direção sudoeste, e também garante o atendimento a bairros das classes médias nos quadrantes norte, leste e sudeste. Mesmo que existam estudos anteriores, o Metrô que conhecemos hoje se baseia nas análises realizadas pelo consórcio Hochtief-Montreal-Deconsult em 1969 para a recém- fundada Companhia. Foi o mais abrangente plano para o Metrô de São Paulo, realizado no contexto do Estado autoritário. O momento, de liquidez de capitais, permitiu maiores investimentos em infraestruturas e o florescimento do planejamento centralizado. Nessa década, sonhava-se com velocidades de 120 km/h em plena rua Augusta – utopia que não se realizou. As avenidas que foram construídas pelos sucessivos governos saturaram-se em pouco tempo. Os “doze anos de esperança”, conforme o filósofo Paulo Gaudêncio chamou o Metrô em seu programa de tevê1, prolongaram-se – e os investimentos em Metrô viram a paralisa total com a crise dos anos 1980. Desde então, os baixos índices de ampliação da rede permaneceram. No Mapa 1, podemos ver a estrita inserção do metrô na região metropolitana ou mesmo na capital paulista. 1 https://www.youtube.com/watch?v=X4vu1qjep-k Acesso: 07 abr 2017. 8 Mapa 1: Redes de Transporte de Alta Capacidade (Trem e Metrô) da Região Metropolitana de São Paulo (2010) Fonte: LUZ, 2010, p. 14. O deslocamento intraurbano se tornou um problema e as manifestações de Junho de 2013 vieram para denunciar que temos uma das tarifas de transporte mais caras do mundo, um dos menores metrôs do mundo e filas de congestionamento que superam os 300 quilômetros. Os protestos levantaram centenas de cidades e conquistaram mais de três milhões para as ruas no dia 20 de junho de 2013 (SECCO, 2013, p. 75). Pressionados, Governo do Estado e Prefeitura de São Paulo anunciaram a revogação do aumento das tarifas do transporte público. Acreditamos, como Ruy Braga (2013, p. 81), que “a questão da efetivação e ampliação dos direitos sociais é chave para interpretarmos a maior revolta popular da história brasileira”. No âmbito dos direitos sociais, parece-nos que o direito à cidade – sempre lembrado pelos militantes 9 do Movimento Passe Livre, organizador dos protestos – é muito importante. Nesse sentido, uma densa malha de metrô cumpriria um importante papel na sua efetivação. Nas discussões sobre transporte público, este trabalho se propôs a investigar a relação entre o metrô e a distribuição e circulação das classes sociais na metrópole. Procuramos identificar as intencionalidades por trás de cada trecho da Linha 4-Amarela do Metrô, analisando os projetos da ditadura militar e do período democrático subsequente. Para nós, o caráter de “espoliação urbana” (KOWARICK, 1979) promovido pela rede de transportes, longe de ser uma “falta de planejamento” ou incapacidade técnica, financeira ou política, foi antes de mais nada uma conformação intencional de determinadas forças sociais. Segundo Harvey (2013, p. 479), o espaço, ainda que substrato material, é fundamentalmente uma produção social — e não mero “reflexo dos processo de acumulação e reprodução de classe”, mas “momento ativo” da reprodução social. Assim, um importante meio de transporte de massa não pode ser encarado como decorrência das localizações, mas também como produtor delas — o que nos indicou a necessidade de investigação de suas determinantes. O aprofundamento da tensão política do país, que atingiu seu ápice nas massivas manifestações de Junho de 2013, deita raízes em questões eminentemente urbanas (MARICATO, 2013)2, o que recolocou os debates sobre mobilidade urbana com a centralidade que lhe é devida (COSTANZO, 2016; MOURA, 2016; ORTELLADO, 2017; SINGER, 2014; ALONSO et al, 2015). Contudo, percebemos lacunas no tratamento dado ao Metrô de São Paulo que não condizem com o seu papel estruturador da segregação em São Paulo (VILLAÇA, 2001). Se a imprensa hegemônica limita-se a reclamar do atraso das obras, a bibliografia acadêmica, com notáveis exceções (VILLAÇA; ZIONE, 2015; VILLAÇA, 2001), não discutiu a fundo os porquês e os embates em torno da localização das estações. Em nossos esforços de interpretação, primeiramente retomaremos Francisco de Oliveira, Milton Santos, James Holston, Flávio Villaça e Teresa Pires do Rio Caldeira para discutir a “desmesura” da metrópole paulista, onde a rede de 2 Em trabalho de 2016, exploramos a vinculação entre o “inferno urbano” e as recentes mobilizações dos “rolezinhos” e do Movimento Passe Livre (SCARCELLI, 2016). 10 transporte de alta capacidade Metrô está inserida. Os autores, como veremos, darão destaque ao papel do Estado na produção da segregação espacial. Em seguida, apresentaremos a metodologia do trabalho e traçaremos o histórico da Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo a partir de dois grandes documentos: “Metrô” (1969), realizado pelo consórcio Hochtief-Montreal-Deconsult, sob encomenda do Metrô, e “Metrô de São Paulo – Linha 4-Amarela – Histórico e Configuração Atual” (2001), de autoria da Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ), empresa estadual responsável pelo sistema. A bibliografia especializada destaca a importância do primeiro livro, “Metrô”, considerando-o inovador: “o desenvolvimento deste plano instaura no Brasil o uso de um conjunto amplo de procedimentos investigativos e de análise dos sistemas de transportes (o processo de modelagem de transporte)” (ISODA, 2013, p. 63). A realização da primeira pesquisa Origem e Destino, a previsão de avançados métodos construtivos (“shield” ou “tatuzão”) e a utilização de sistemas informatizados para a sua elaboração são méritos desse estudo. A bibliografia também destaca uma paralisia do planejamento de transportes (ISODA, 2013) e no financiamento das empresas públicas (PINTO; CINTRA; CAVALCANTI, 2006) nos anos 1980, vinculados à crise da dívida3. Com restrições de ordem orçamentária, a expansão da rede é retomada no governo de Orestes Quércia (PMDB) e nos governos do PSDB. A importância do segundo relatório, “Metrô de São Paulo – Linha 4-Amarela – Histórico e Configuração Atual”, de 2001, deve-se ao nível de detalhe das negociações em torno do traçado. Reuniões com investidores em Hong Kong e Londres motivaram profundas mudanças no projeto, com vistas a torná-lo mais barato e rentável aos administradores da Parceria Público Privada. Estas negociações redefiniram o traçado da linha, retirando o atendimento a diversas regiões da cidade de São Paulo. 3 Políticas econômicas recessivas capitaneadas pelo Fundo Monetário Internacional, a ruptura com o padrão de financiamento externo e interno e a centralização das receitas tributárias marcam o período. Sobre as finanças do Estado de São Paulo nesse contexto de “ajuste”, convém ler a análise de Márcio Percival Alves Pinto, Marcos Antonio Macedo Cintra e Carlos Eduardo G. Cavalcanti (2006). 11 A Metrópole e a Segregação Espacial O Metrô pretende atender a região metropolitana de São Paulo (METRÔ, 2014, p. 37), ainda que atualmente esteja completamente inserido na capital. A metrópole de São Paulo é composta por 39 municípios e foi fundada em 8 de junho de 1973, por ocasião da Lei Complementar nº 14. Exercendo a função de topo na hierarquia urbana brasileira (IBGE, 2008), detém o maior Produto Interno Bruto do país (na ordem de R$ 786 bilhões) e seu índice de urbanização beira os 100% (SEADE, 2015). Seus 20 milhões de habitantes fazem-na a maior metrópole do Brasil e uma das maiores do mundo. Mas como a metrópole cresceu a esse ponto? As razões da concentração remontam à industrialização do começo do século, que viria a substituir a economia do café. O ambiente construído aparenta – e só aparenta – ser um caos: Na virada do século, a construção era intensa: erguiam-se novas fábricas uma atrás da outra, e residências tinham que ser construídas rapidamente para abrigar as ondas de trabalhadores chegando a cada ano. As funções não eram espacialmente separadas, as fábricas eram construídas perto das casas, e comércio e serviços intercalavam-se com residências. (CALDEIRA, 2000, p. 213) Para Francisco de Oliveira, o aparente caos relaciona-se com o baixo padrão de acumulação brasileiro, baseado no uso extensivo de mão de obra: (...) com a continuidade da expansão industrial, esta vai compatibilizar-se com a ausência de acumulação capitalística prévia, que financiasse a implantação dos serviços, lançando mão dos recursos de mão-de-obra, reproduzindo nas cidades um tipo de crescimento horizontal, extensivo, de baixíssimos coeficientes de capitalização, em que a função de produção sustenta-se basicamente na abundância de mão-de-obra (2003, p. 55). Nos anos 1970, quando o metrô começou a ser construído, a cidade estava estruturada à base de grandes distâncias e grandes disparidades sociais. A ocupação nas periferias não foi regulada pelo Estado, sendo permitida a plena ação de especuladores e impostores, que vendiam terrenos sem infraestrutura e distantes do centro. Sua prática expandiu a metrópole através dos “vazios urbanos”, já detalhados por Milton Santos: O resultado, como em São Paulo, é o reforço de um modelo de expansão radial, deixando espaços vazios nos interstícios e abrindo campo à especulação fundiária. A localização periférica dos conjuntos residenciais serve como justificativa à instalação de 12 serviços públicos, ou, em todos caso, à sua demanda. É assim que se criam nas cidades as infra-estruturas a que Manuel Lemes chama de “extensores” urbanos, como a adução de água, os esgotos, a eletricidade, o calçamento, que, ao mesmo tempo, revalorizam diferencialmente os terrenos, impõem um crescimento maior à superfície urbana e, mediante, o papel da especulação, asseguram a permanência de espaços vazios (1990, p. 31). O modelo era o da autoconstrução, onde o trabalhador constrói sua casa nos períodos de folga do trabalho, normalmente com a ajuda dos vizinhos, o que resulta em habitações extremamente precárias. Num segundo momento, precisamos destacar, um novo padrão se instalaria. A oposição periferia-pobre e centro-rico se manteria, mas de maneira menos dicotômica. O advento dos condomínios “fortificados” romperia com o paradigma anterior. A classe média passaria a dividir a localização com pobres, mas as duas classes estariam separadas por muros, cercas elétricas e uma parafernália de segurança (CALDEIRA, 2000). Nas discussões sobre o papel do Estado e a reprodução espacial das classes sociais, Flávio Villaça (2011) indica novas responsabilidades. Para ele, os meios de transporte são estruturadores da dinâmica de ocupação e circulação na cidade. Suas pesquisas indicam que podemos dividir os citadinos em inúmeros subgrupos, de acordo com: 1. a sua localização (se próximo a um centro ou não); 2. a classe social (e, consequentemente, o emprego que ocupam); 3. o veículo que utilizam (carro, trem, metrô, ônibus, etc.) e; 4. o tipo de sistema viário que o atende (se em trilhos ou em pneus, numa primeira abordagem). Seguindo essa metodologia, Flávio Villaça e Silvana Zione (2005) irão analisar a renda dos moradores do entorno das estações do metrô de São Paulo. Os autores concluirão que a recente e a futura expansão do sistema privilegia “os mais ricos” (compreendidos como aqueles que ganham acima de 20 salários mínimos mensais), pois seus bairros de residência serão atravessados por uma linha. Além dessa concentração espacial dos investimentos públicos, há, para esses privilegiados, uma superposição entre local de trabalho e local de moradia. Se isso significa menos 13 deslocamentos para os mais ricos, esse padrão4 impõe grandes distanciamentos aos mais pobres. Vejamos mais de perto esse processo. Em termos gerais, o traçado que comporia a Linha 4-Amarela é muito antigo e aparece pelo menos desde o projeto da Cia. Light, de 1927. A Linha Sul desse projeto percorria, em túnel, a Rua Xavier de Toledo até a então projetada Av. Nove de Julho, atravessando o maciço da Av. Paulista. O traçado acompanha o exato percurso que as elites realizaram no seu deslocamento em direção sudoeste da cidade de São Paulo – forçando, inclusive, o deslocamento da centralidade em sua direção (FRÚGOLI, 2000; VILLAÇA, 2001). A ocupação em direção a sudoeste pelas classes altas foi realizada de acordo com ideais de afastamento da cidade, em direção aos morros ondulados de Santa Efigênia e Santa Cecília. Planos urbanísticos, como o de João Theodoro, e a instalação do Mackenzie College, no final do século XIX, teriam estimulado o mercado de habitações em direção à Avenida Paulista. Além da atratividade natural do sítio e a segurança, o requisito da acessibilidade ao centro foi fundamental (VILLAÇA, 2001). Essa tendência viria a consolidar-se após os anos 1970. Incomodados com a presença de comerciantes ambulantes nas ruas do centro “velho” (Sé) e a deterioração dos edifícios residenciais e comerciais, grandes empresários lograram a transferência das sedes das companhias para o centro “novo” da Av. Paulista. Mais recentemente, nos anos 1990, os vultosos investimentos realizados pela prefeitura para a ampliação de avenidas e remoção de favelas na região da Avenida Luís Carlos Berrini fariam com que o centro “Berrini” se firmasse (FRÚGOLI, 2000, 2001). No entanto, o trabalho está localizado diferencialmente entre esses três centros e em outro ponto da região metropolitana, conforme veremos a seguir (VILLAÇA, 2011):  o quadrante sudoeste concentra empregos de comércio e serviços para as classes altas. No mesmo quadrante residem os mais ricos e estão concentrados seus centros de compras (shoppings) e de serviços (escolas, restaurantes, etc.). A mesma área comporta muitos empregos das camadas de baixa renda, que trabalham para as classes altas; 4 Desde Richard Sennett (1988, p. 171) sabemos que a separação de classes no espaço urbano remonta ao período haussmanniano, quando se pretendeu dar mais segurança aos investimentos imobiliários: “os investidores em novas construções ou em reformas acharam mais racional essa homogeneização, na medida em que sabiam exatamente em que tipo de área estavam aplicando seu capital”. 14  o centro “velho” (Sé), a zona industrial do ABC (Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul) e o quadrante sudoeste compõem os locais de trabalho da baixa renda. Villaça conclui que: São Paulo tem, assim, no mínimo três grandes concentrações de empregos de baixa renda, contra apenas uma concentração de empregos de alta renda. Por outro lado, as áreas de moradia da baixa renda ocupam cerca de ¾ da metrópole (VILLAÇA, 2011, p. 380). Essa formação espacial resulta em grandes deslocamentos para os mais pobres, que dificilmente conseguirão morar próximo ao trabalho e já foi compreendida como “injusta e penosa” (VILLAÇA, 2011, p. 380). Ora, se esses pontos não são dados, mas socialmente produzidos, a Companhia do Metropolitano poderia tomar dois caminhos: enfrentar as leis do mercado e as forças políticas que produzem esses pontos ou atender aos interesses das camadas de alta renda. Discutiremos, a seguir, qual a opção tomada pela Companhia no período da ditadura militar brasileira. 1969 – O Metrô na Ditadura Ainda que o general Costa e Silva tenha dito que as eleições municipais de 1965 foram “uma experiência a caminho da democracia” e que “agora vamos ver se a Revolução pode confiar no povo” (O ESTADO DE S. PAULO, 1965a, p. 18), medidas preventivas foram tomadas, com vistas a garantir a vitória do Brigadeiro Faria Lima na cidade de São Paulo. O deputado Afrânio de Oliveira, da UDN, afirmou que, “na verdade” (O ESTADO DE S. PAULO, 1965b, p. 4), a vitória do militar deveu-se à cassação dos direitos políticos de Jânio Quadros, então favorito para o pleito. Um ano e cinco meses depois (31/08/1966), o prefeito Faria Lima nomearia entusiastas do regime, como José Figueiredo Ferraz e Antônio Delfim Neto5, para o Grupo Executivo do Metrô. Durante quase dois anos de funcionamento, e sem produzir nenhum 5 O primeiro viria a ser prefeito “biônico”, ou seja, nomeado pela ditadura, entre 1971 e 1973; o segundo, foi ministro da Fazenda entre os governos Costa e Silva e Médici. 15 relatório6, o grupo seria encerrado em meio à grande crise política de 1967-1968, no momento de fundação da Companhia do Metropolitano. Compreender esse momento de tensão política é fundamental para conhecermos a nova fase de militarização do Estado, que culmina no AI-5 em 1968. Ao longo do biênio, a “média burguesia industrial, certos representantes da grande propriedade fundiária e da agricultura de exportação, a classe operária, as camadas médias tradicionais [e] os setores mais avançados das baixas camadas médias” (SAES, 1985, p. 195) lutarão contra o regime militar. A Companhia do Metropolitano de São Paulo foi fundada em 24/04/1968, alguns dias após o massacre do restaurante estudantil Calabouço, na primeira grande crise política do regime militar. No discurso de inauguração da empresa, Faria Lima defendeu a obra, que “abriria importantes setores da nossa vida econômica”, inaugurando uma “nova fase para o progresso não só de São Paulo como do Brasil”. Seu discurso prossegue. Nas palavras do jornal O Estado de S. Paulo (1968, p. 19), o prefeito: afirmou que São Paulo responde à juventude criando novas frentes de trabalho e abrindo novas perspectivas. Enalteceu o ex-presidente Castelo Branco, o sr. Roberto Campos e o prof. Otávio Bulhões pelo atendimento das reivindicações das Capitais dos Estados mediante promoção da reforma tributária que possibilitou recursos para a realização de obras de vulto. As obras da primeira linha começaram em 14/12/1968, menos de oito meses depois, conforme ilustrado na Figura 1: 6 Após realizarmos buscas no Centro de Memória e na biblioteca do Metrô, não encontramos nenhum documento produzido pelo Grupo Executivo do Metrô. Em resposta à solicitação que fizemos via Lei de Acesso à Informação, a Companhia reiterou não possuir registros de eventuais trabalhos realizados. 16 Figura 1: Comemoração de Início das Obras do Metrô. Fonte: Centro de Memória do Metrô. A data escolhida pelo Brigadeiro Faria Lima para manipular uma retroescavadeira e dar início às obras foi milimetricamente orquestrada com o governo federal: um dia após a assinatura do Ato Institucional nº 5. A ditadura civil e militar que instalava no Brasil mandava prender, mandava desaparecer e também mandava planejar (SOUZA, 1999). Nesse contexto, o Metrô assume ares de “prioridade nacional”. O momento, de grande liquidez de capitais, permitiu maiores investimentos em infraestruturas e o florescimento do planejamento centralizado. Historicamente, o país é marcado por uma enorme dependência externa, no âmbito econômico e político (SOUZA, 2001). Isso reflete-se na subordinação da política de transportes aos interesses dos bancos internacionais de financiamento, que pode apresentar-se ora numa política de altas tarifas ao usuário, ora no uso de métodos de previsão de demanda – também chamados de modelagem – que seguem os procedimentos do Bureau of Public Roads do Department of Transportation do governo dos Estados Unidos. Alegadamente, a modelagem consiste em “conhecer os 'desejos de deslocamento' da população, ou seja, determinar as direções ao longo dos quais os passageiros deslocar-se-iam, caso não houvesse restrições de qualquer natureza” (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, v. 1, p. 14). Este pressuposto é o cerne das pesquisas Origem e Destino que, em tese, orientam as decisões do Metrô. 17 Milton Santos esclarece que as redes não seguem padrões “espontâneos” ou “naturais” no atual período técnico-científico-informacional. Para ele, “quanto mais avança a civilização material, mais se impõe o caráter deliberado na constituição de redes” (SANTOS, 2017, p. 265). A definição das redes necessariamente pressupõe uma antevisão de suas funções. Ademais, estas seriam fruto das chamadas “verticalidades”, “linguagem das normas e ordens que atores longínquos fazem repercutir (...) imperativamente sobre outros lugares distantes” (SANTOS, 2017, p. 266). Assim, seguindo as pistas de Milton Santos, identificamos as intencionalidades e verticalidades presentes no principal estudo dos militares para o traçado da rede de metrô de São Paulo. Vamos a elas: 1. O desenvolvimento é “natural”. O documento de fundação da Companhia informa que, baseado em “tendências naturais” (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, p. 135, v. 1*), o mais “conveniente” seria manter o desenvolvimento do centro urbano existente. De forma admitidamente “grosseira”, face à “topografia da região e sua grande extensão”, optou-se pela “inviabilidade da implantação de reformas radicais” (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, p. 135, v. 1) na estrutura espacial de São Paulo. Essa opção – conservadora – assemelha-se à um “determinismo” verificado por David Harvey. Para ele, uma das formas de evitar-se as complexidades inerentes à interação entre o processo social e o espaço é considerar-se um “servo” desse processo (1980, p. 32). 2. Um plano sem alternativas. A primeira publicação é explícita ao dizer que “fastidioso seria tentar reunir neste trabalho todas as considerações a favor das várias formas que poderia tomar a rede” (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, p. 135, v. 1). Mesmo discussões conservadoras – ou seja, que não alterassem o padrão radial concêntrico da cidade – foram poupadas dos registros. Para os autores do documento, seriam “considerações de ordem técnica, razão pela qual a escolha [do desenho a ser proposto] foi realizada pela equipe responsável pelo ante-projeto do sistema” (HOCHTIEF; MONTREAL; 18 DECONSULT, 1969, p. 138, v. 1). Em sintonia com o autoritarismo crescente do Estado brasileiro, o consórcio impede o escrutínio público da rede de Metrô proposta. 3. Garantir o “pleno funcionamento” (HMD 1, p. 177) do centro. O plano para a metrópole que “crescia explosivamente” era transportar as “grandes massas” ao Distrito Comercial Central (DCC), atendendo às “exigências de tráfego evidenciadas sucessivamente, pelas etapas de pesquisas e análises (...)” (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, p. 135, v. 1). Figura 2: “Paulistanos bem vestidos e carros importados circulam na Rua Quinze de Novembro, nos anos 50” Fonte: ARRUDA, 2001, p. 76. 4. Prover a circulação de automóveis. Deslocamentos feitos a pé, por bicicletas ou ônibus não são entendidos como relevantes. Ao longo das 593 páginas da publicação em análise, nada é versado sobre os modais ativos e sua integração com o metrô. Os ônibus, por seu turno, existem, mas deveriam ter sua circulação 19 restrita “ao máximo” no centro (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, p. 114, v. 2). O plano era permitir a livre circulação de carros: “(...) a característica mais relevante [da situação atual] é a sobrecarga da rede viária no centro urbano. Isto significa que deverá a linha do metrô proporcionar um certo descongestionamento do centro pela eliminação parcial do trânsito de ônibus” (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, p. 115, v. 2). Assim, “os usuários de carros particulares [gozariam] de certa economia de tempo com o grande desimpedimento (...) trazido pelo afastamento dos ônibus” (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, p. 177, v. 1). 5. Metrô para a “cidade”, ônibus para as periferias. A Companhia não se propõe a alcançar todos igualmente, devendo ficar restrita ao que era considerado área urbana. Para ela, as periferias deveriam ser atendidas por trens e ônibus. O documento não vê problemas na periferização e no espraiamento urbano: As ferrovias devem ser planejadas para a interligação dos bairros mais importantes fora ou perto do perímetro interno da cidade, ficando o metrô para a área da cidade propriamente dita. As principais correntes de passageiros deverão portanto, [sic] ser dirigidas para esses meios de transportes, estendendo o mais possível suas áreas de influência por intermédio de ônibus que façam o serviço de ligação. Dever-se-á [sic] evitar a entrada de ônibus até a área central da cidade (...) (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, p. 177, v. 1). Ao longo do livro “Metrô” (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969), nenhuma medida concreta de desenvolvimento urbano é apresentada, possibilitando que o mercado fosse o único reestruturador possível. Desta forma, o Metrô deu sua contribuição para que as margens da cidade se tornassem o lócus, por essência, do trabalhador, permitindo que as elites “se livrassem da proximidade dos pobres” (HOLSTON, 2013, p. 243). 20 Mapa 2: Proposta da Rede do Metrô (1969) Fonte: HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, v. 1, p. 182. Adaptado por Estevão Sabatier. 21 Os planos são ambiciosos. A rede deveria estar pronta em dez anos. A ordem de implantação privilegiaria a formação de uma enorme cruz, em que as zonas leste, sul, norte e oeste convergiriam forçosamente para o centro (Sé), como mostra a Tabela 1. Tabela 1: Ordem de implantação das linhas da Rede de Metrô 1) Santana-Jabaquara, com ramal Paraíso-Moema (Azul); 2) Casa Verde-Vila Maria (Vermelha); 3) Jóquei Clube-Via Anchieta, com ramal de Vila Bertioga (Amarela); 4) Vila Madalena-Paulista (Verde). Fonte: HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, v. 1, p. 174 Grosso modo, a terceira linha compreende o que conhecemos hoje por Linha 4-Amarela. Vejamos de perto as características da Linha no projeto de 1969: 1969 Traçado – Começando na margem oeste do Rio Pinheiros, a estação terminal Jóquei Clube está localizada sobre o rio. A linha passa sob o bairro de Pinheiros e cruza subterraneamente a Linha 2-Verde. Em seguida, desce a rua da Consolação, vira sob a Av. Ipiranga e contorna a região central. Atravessa por baixo o Rio Tamanduateí. Em Pedro II, a linha tronco segue para o Museu do Ipiranga e a Via Anchieta. Também de Pedro II sai um ramal sob a Radial Leste, que atravessa a Moóca. Estações – 26 ao todo: Jóquei Clube, Pinheiros, Pedroso de Moraes, Francisco Leitão, Clínicas, Consolação, Maria Antônia, República, Santa Efigênia, Senador Queiroz, Mercado, Pedro II, Paz, Cambuci, Independência, Pedro I, Monumento, Museu do Ipiranga, Padre Chico, Sacoman e Via Anchieta. No ramal: Machado, Moóca, Pais de Barros, Alto da Moóca e Vila Bertioga. Estações de integração – Cinco ao todo: em Jóquei Clube com o trem, em Clínicas com L2-Verde; em República com L3-Vermelha; em Senador Queiroz com L2-Azul e em Pedro II com L3-Vermelha. Extensão – 23,83 km. Não foram estabelecidas funções para linhas ou estações específicas, sendo a rede compreendida como um todo coeso. Três funções foram estabelecidas para a rede: catalisadora, inovadora e dinâmica. A primeira (“catalisadora”) diz respeito 22 à coordenação entre os modais de transporte público para uma boa mobilidade. A segunda (“inovadora”) anima-se com a possibilidade de “reestruturar áreas” a partir da instalação da rede de alta capacidade Metrô. A terceira e última (“dinâmica”) versa sobre o caráter impositivo e estruturador deste modal sobre os outros: Como elemento dinâmico promove a eficiente distribuição dos passageiros, possibilitando o pleno funcionamento do DCC [Distrito Comercial Central, Sé] garantindo a sua permanência de forma equilibrada, compatibilizando a adequação urbanística do presente às condições futuras. A reformulação do sistema viário central torna-se possível pela retirada de grande número de ônibus e veículos particulares destas áreas (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, v. 1, p. 177). No que tange à relação entre valorização imobiliária e Metrô, o documento afirma: “em relação às áreas mais afastadas, o SITC [Sistema Integrado de Transporte Coletivo de São Paulo, composto pelo Metrô, trens e ônibus] promoverá a sua valorização uma vez que as torna mais próximas do centro, em termos de tempo de percurso, para a sua população” (HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT, 1969, v. 1, p. 177). A ideia de permitir o funcionamento e atualização do Distrito Comercial Central em muito se assemelha ao visto por Cottereau no metrô de Paris7. Mas as semelhanças param por aí. Se na capital francesa procurava-se reduzir os aluguéis, é preciso destacar que a valorização deu o tom no projeto paulista. Anos 1990 – O Neoliberalismo Vem de Metrô A partir da década de 1990, amplia-se o caráter dependente da economia brasileira, ao mesmo tempo em que crescem os índices de desemprego e a repressão policial. Para Décio Saes (1996), esta é a descrição perfeita do neoliberalismo. No âmbito da mobilidade urbana, a recessão e o desemprego reduzem a utilização dos sistemas de transporte (públicos ou privados). A menor arrecadação tarifária, somada à redução da arrecadação de tributos (decorrentes da desaceleração da atividade 7 “Pela escolha a favor de um metropolitano local, procurava se unir melhor os diversos bairros da cidade, reduzir os aluguéis, facilitar a construção na periferia e salvaguardar o centro. Tratava-se de formar certos efeitos úteis de aglomeração e coletivizar sua repartição, graças ao controle de um novo equipamento de transportes, ultrapassando as contradições habituais da concessão industrial dos equipamentos coletivos” (COTTEREAU, 1970 apud CASTELLS, 1983, p. 360). 23 econômica), derruba os investimentos na expansão da rede, como podemos ver a seguir: Gráfico 1: Número de estações de metrô entregues em cada ano (1974 – 2015) Fonte: METRÔ, 2015. Organizado pelo autor. A ideologia do “estado mínimo” significou privatizar uma ampla gama de serviços públicos, aqui incluídos os serviços de trem, rodovia e metrô de São Paulo. No caso específico da Linha 4-Amarela do Metrô, veremos a seguir como o planejamento estatal manipulou os “mecanismos ocultos da redistribuição” espacial (HARVEY, 1980, p. 60) após as barganhas do setor financeiro. Diagrama 1: Análise das Alternativas de Traçado Quanto ao Uso e Ocupação do Solo (1996) – Trecho Vila Sônia/Paulista Fonte: METRÔ, 1996, p. 29. 24 A comparação entre o traçado proposto em 1969 (Mapa 2) e o de 1994 irá notar semelhanças, mas também grandes diferenças. A linha foi reduzida para menos de 1/3 do projeto original. Permaneceram os atendimentos ao centros “Berrini” e “Paulista” e a integração com o trem. Foram excluídos o centro “velho” (Sé), a extensão para Ipiranga/Via Anchieta e o ramal para a Moóca. Ao excluir o centro “velho”, o Metrô passa o oferecer vantagens competitivas aos outros dois centros (“Paulista” e “Berrini”) e aprofunda a concentração de investimentos no quadrante sudoeste, onde residem e trabalham as camadas de alta renda. O traçado para 1994 seria, portanto: 1994 Traçado – Vila Sônia até Paulista; Integrações – Duas ao todo: com o trem e com Linha 2-Verde. O número de conexões com outras linhas é mínimo e representa uma radical inversão da prerrogativa anterior da Companhia, que visava dotar o Distrito Comercial Central (Sé) de densa malha. O Projeto Básico da Linha 4-Amarela começou a ser elaborado em 1993, no governo de Luiz Fleury (PMDB). No ano seguinte, foi solicitado ao Conselho de Financiamentos Externos do governo federal autorização para obter empréstimos estrangeiros para a construção da linha. Participariam da empreitada governo estadual, Banco Mundial e o japonês Eximbank, dividindo um investimento de US$ 1,27 bilhão (METRÔ, 2001). A presidência da república era ocupada por Itamar Franco, que assumiu após o impedimento de Fernando Collor (PRN). Em 1995, já com Mário Covas (PSDB) no comando do Estado, ainda aguardava-se autorização do governo federal para o financiamento externo. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) era o presidente do Brasil. Sendo ambos governantes do mesmo partido, podemos afastar a possibilidade de um boicote federal às iniciativas estaduais. Muito mais razoável é a análise de Pinto, Cintra e Cavalcanti, que tratarão do controle do endividamento imposto pelo “ajuste” neoliberal: (…) [O ajuste] agravou o processo de exclusão social, mediante reduções em programas sociais, em determinados serviços essenciais e em investimentos em 25 infra-estrutura, bem como gerou uma imobilização da capacidade de gastos do governo paulista, impossibilitando-o de exercer políticas de desenvolvimento regional, viabilizando um maior grau de governabilidade no âmbito de seu território (PINTO, CINTRA e CAVALCANTI, 2006, p.44). Em outras palavras, a formação de superávits primários para pagamento da dívida externa impediu a expansão do metrô. A retomada de empréstimos só seria autorizada em 2000, atrasando em cinco anos o início das obras. A Companhia do Metropolitano também relembra outro aspecto importante desse período: o incentivo às privatizações por parte do Banco Mundial. Para conseguir financiamento, a Companhia voltou-se a estudar os casos da privatização dos trens argentinos – conhecidos pelos graves acidentes, que forçaram sua reestatização recente (ROSSI, 2012) – e cariocas – famosos pela superlotação e pelas revoltas populares que incendeiam estações (MELLO, 2011). Convencido das “vantagens” da privatização, o Metrô contratou um braço do Banco Mundial (International Finance Corporation) para auxiliá-lo no processo de obtenção de financiamento externo e de privatização da Linha 4-Amarela. Essa contratada deveria (METRÔ, 2001):  fornecer acesso rápido do Banco Mundial a todas as informações disponíveis sobre a Linha 4-Amarela;  analisar e atestar a veracidade dos estudos do Metrô referentes a demanda, projeto, custos e operação;  fundamentar legalmente a privatização (para isto, terceirizou o serviço para escritórios de advocacia);  formular alternativas de composição financeira da privatização;  levantar receitas e despesas do projeto, “particularmente de sua viabilidade e atratividade para o setor privado” (p. 6) e;  “divulgar e discutir o projeto com os mercados nacionais e internacionais potencialmente interessados na Concessão” (p. 6). Em 1998, os consultores realizaram reuniões com interessados na Parceria Público Privada. Fornecedores de sistemas informacionais, fabricantes de trens, bancos e empreiteiras discutiram o projeto em São Paulo, Washington, Paris, Londres, Tóquio e 26 Hong Kong. Criou-se uma lista entre os investidores, onde foram disponibilizados dois documentos essenciais:  “Preliminary Background Memorandum”, que contém descrição detalhada do projeto e da modelagem;  “Transaction Structure Report”, relatório de síntese, que congrega a modelagem financeira, análise de riscos e uma análise de outras privatizações similares em andamento no mundo. Para facilitar o atendimento do mercado, foi instalado um escritório na Avenida Paulista, onde “uma grande quantidade de informações técnicas foi ali disponibilizada” (METRÔ, 2001, p.7), mediante prévio cadastro e agendamento de horário. Com essa medida, procurava-se restringir o acesso público às informações. A partir das tratativas com os agentes interessados na operação (empreiteiras, bancos, fornecedores de sistemas e fabricantes de trens) foram realizadas alterações no projeto. Em 1998, mudanças puderam ser percebidas (METRÔ, 2001): 1998 Traçado – Luz a Taboão da Serra; Estações – 13 ou 14, construídas em duas etapas; Custo – US$ 2,05 bilhões Neste momento, ao estender a linha da Luz até Taboão da Serra, o metrô adota as diretrizes que veríamos um ano depois (1999) no Plano Integrado de Transportes Urbanos 2020 (PITU 2020). Mesmo com o projeto pronto, inúmeras portarias do Banco Central do Brasil eliminaram a possibilidade de o Metrô pedir empréstimos para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do governo federal. A crise cambial de 1999 retardaria mais ainda o início das obras devido à redução da demanda de passageiros e ao quadro de “recessão e incertezas”, que inibiu investidores. Face às “incertezas”, Metrô, Banco Mundial e interessados na privatização acertaram cortar “custos” através da:  supressão de estações; 27  redução do número de trilhos para trocas de vias;  eliminação de passarelas de emergência (METRÔ, 2001, p. 10). Nesse quadro de “estrangulamento” financeiro, também firmou-se que a contrapartida do Estado na Parceria Público Privada da Linha 4 seria inteiramente financiada pelo Banco Mundial e pelo Japan Bank for International Cooperation (que fundiu-se com o Eximbank). Atualmente, a Linha 4-Amarela segue o traçado proposto em 1998, indo da Luz até Taboão da Serra. A obra foi dividida em três etapas:  Primeira Fase, abarcando a abertura do túnel entre Luz e Vila Sônia, a construção e acabamento de algumas estações e a obra bruta de outras. Esta etapa foi concluída;  Segunda Fase, compreendendo a construção de estações intermediárias. Está em obras. O governo estadual, mediante prévia aprovação do Banco Mundial, rompeu o contrato com a construtora Isolux Corsán. O argumento utilizado foi de que as obras estavam demasiadamente lentas. Após isso, houve nova licitação e o consórcio vencedor (TC-Linha 4-Amarela) retomou os trabalhos;  Terceira Fase, consistindo na construção em nível do trecho Vila Sônia – Taboão. Está em fase de projeto. Não há previsão para licitação e início das obras. Considerações finais Acreditamos que a mudança fundamental operada entre 1969 e os anos 1990 foi a alteração do papel estatal, ocorrendo maior “permeabilidade” ao planejamento realizado pelo sistema financeiro. No período recente, Metrô e Banco Mundial se debruçaram em torno de um projeto que oferecesse “rentabilidade do ponto de vista do concessionário” (METRÔ, 2001, p. 15). Essa mudança de enfoque teve consequências para a formação territorial da metrópole. A redução, em cerca de 50%, do traçado de 1969 para o de 1998 indica o aparecimento de novas funções. Se no projeto original buscava-se criar um “canal de escoamento” das massas trabalhadoras 28 para o centro “velho”, mais recentemente ocorrem preocupações de uma típica “cidade mundial”, tais como (SÃO PAULO, 1999):  a “superação” das deseconomias urbanas com vistas a “afirmar a metrópole de São Paulo como capital do Mercosul e sede das transações do capital transnacional na América do Sul (...)” (p. 12);  “busca de competitividade para a metrópole” (p. 13);  atender à nova atividade terciária, que “expande-se aceleradamente” (p. 12). Essa política, a nosso ver, atende a três objetivos. O primeiro relaciona-se à maximização da remuneração aos investidores. Como o pagamento ao concessionário ocorre a cada passageiro transportado (METRÔ, 2001), o atendimento dos três centros da capital e a integração com o maior número de linhas aumenta sua lucratividade. Sob essa ótica, fez sentido alterar o projeto original e não atender os moradores do Ipiranga, que embarcariam em seus bairros e deslocar-se-iam de uma extremidade da cidade até o centro, oferecendo baixas rotatividades e menores remunerações aos investidores. E para cortar “custos”, não se hesitou em suprimir estações e passarelas de emergência para os usuários. Isso é um escândalo. O segundo objetivo busca inserir a metrópole numa competitividade com outras “cidades mundiais” (SASSEN, 1998), respondendo ao que parece ser um “poder coercitivo externo”, de modo a alinhar a cidade “mais fortemente à disciplina e à lógica do desenvolvimento capitalista” (HARVEY, 1996, p. 56). Essa disciplina é o atendimento aos anseios de acumulação dos setores comerciantes e de serviços, sobretudo financeiros. O terceiro objetivo já foi magnificamente trabalhado por Flávio Villaça e Silvana Zione (2005), quando demonstraram que a expansão geral do metrô privilegia os mais ricos da metrópole. Para eles, quando as Linhas 4-Amarela e 5-Lilás estiverem prontas, apenas 10% dos mais pobres da região metropolitana passarão a contar com metrô próximo de suas casas. Essa política não dá respostas ao processo de expansão da metrópole e à fragmentação urbana. Então quando Ermínia Maricato (2013) e milhares de manifestantes gritam “é a questão urbana, estúpido!”, estamos diante de um desafio que, se não foi resolvido pelos planejadores, será resolvido nas ruas. 29 Referências bibliográficas ALONSO, Angela et al. Novos Estudos Entrevista Fernando Haddad. Novos Estudos, São Paulo, nº 103, p. 11-31, 2015. ANELLI, Renato Luiz Sobral. Redes de Mobilidade e Urbanismo em São Paulo: das radiais/perimetrais do Plano de Avenidas à malha direcional PUB. Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 082.00, mar. 2007. Disponível em: . Acesso em 10 out. 2015. ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e Cultura: São Paulo no Meio Século XX. Bauru: EDUSC, 2001. BRAGA, Ruy. Sob a sombra do precariado. In: MARICATO, Ermínia et al. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1. Ed. São Paulo: Boitempo, Carta Maior, 2013. p. 79-82. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros. São Paulo: 34, EDUSP, 2000. CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. São Paulo: Paz e Terra, 2009. COSTANZO, Daniela. Relações Público-privadas no Metrô de São Paulo. 2016. 121 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. FRÚGOLI, Heitor. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo: Cortez, EDUSP, 2000. ______. A Questão da Centralidade em São Paulo: o Papel das Associações de Caráter Empresarial. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 16, p. 51-66, jun. 2001. HARVEY, David. A Justiça Social e a Cidade. São Paulo: Hucitec, 1980. ______. Do Gerenciamento ao Empresariamento: a Transformação da Administração Urbana no Capitalismo Tardio. Espaço & Debates, São Paulo, n. 39, 1996. ______. Os limites do Capital. São Paulo: Boitempo, 2013 HOCHTIEF; MONTREAL; DECONSULT. Metrô. São Paulo: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 1969. 2 v. HOLSTON, James. Cidadania Insurgente: Disjunções da Democracia e da Modernidade no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Regiões de Influência das Cidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. ISODA, Marcos Kiyoto de Tani e. Transporte Sobre Trilhos na Região Metropolitana de São Paulo: estudo sobre a concepção e inserção das redes de transporte de alta capacidade. 2013. 159 p. Dissertação de mestrado – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. KOWARICK, Lúcio. A Espoliação Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.082/259 30 LUZ, Luciano Ferreira da. A geografia do transporte de passageiros: avaliação da modernização da CPTM e de seu papel no planejamento e na estruturação do espaço metropolitano de São Paulo. 2010. 114 p. Tese de doutorado – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. MARICATO, Ermínia. É a Questão Urbana, Estúpido! In: MARICATO, Ermínia et al. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1. Ed. São Paulo: Boitempo, Carta Maior, 2013. p. 19-26. MELLO, Igor. Trens da Supervia têm ao menos um incidente grave a cada 75 dias. 2011. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2017. METRÔ – COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO. Análise das Alternativas de Traçado Quanto ao Uso e Ocupação do Solo. São Paulo: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 1996 ______. Metrô de São Paulo – Linha 4-Amarela – Histórico e Configuração Atual. São Paulo: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 2001 ______. Relatório de Sustentabilidade – 2013. São Paulo: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 2014. ______. Linhas e Estações. São Paulo, 2015. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2015. MOURA, Geraldo. Diferenças entre a Retórica e a Prática na Implantação do Metrô de São Paulo. 2016. 238 p. Tese (Doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. MUNIZ, Cristiane. A cidade e os trilhos: o metrô de São Paulo como desenho urbano. 2005. 271 p. Dissertação de mestrado – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. O ESTADO DE S. PAULO. Foi Maciço o Comparecimento às Urnas. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 23 mar. 1965a. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2017 ______. Os Comentários Sobre o Pleito. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 24 mar. 1965b. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2017. ______. Formada Empresa do Metrô. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 25 abr. 1968. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2017. OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à Razão Dualista. São Paulo: Boitempo, 2003. ORTELLADO, Pablo. Redução da Tarifa Não é Populismo. São Paulo, 2017. Disponível em: . Acesso em: 14 set 2017. http://www.metro.sp.gov.br/sua-viagem/linha-1-azul/estacao-jabaquara.aspx 31 PINTO, Márcio Percival Alves; CINTRA, Marcos Antonio Macedo, CAVALCANTI, Carlos Eduardo G. Crise e “ajuste” das finanças do Estado de São Paulo (1980-2005). Texto para Discussão, Campinas, n. 118, set. 2006. ROSSI, Antonio. Trenes: Cristina justificó la falta de inversión y defendió su política. 2012. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2017. SAES, Décio. O Governo de FHC e o Campo Político Conservador. In: Princípios, São Paulo, ed. 40, p. 11-16, fev./abr. 1996. ______. Classe Média e Sistema Político no Brasil. São Paulo: T A. Queiroz, 1985. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: EDUSP, 2017. ______. Metrópole Corporativa Fragmentada: o Caso de São Paulo. São Paulo: Nobel, Secretaria de Estado da Cultura, 1990. SÃO PAULO (Estado). Plano Integrado de Transportes Urbanos para 2020. São Paulo: STM, 1999. SASSEN, Saskia. As Cidades na Economia Mundial. São Paulo: Nobel, 1998. SEADE. Informações dos Municípios Paulistas. São Paulo, 2014. Disponível em: . Acesso em 10 out. 2015 SECCO, Lincoln. As Jornadas de Junho. In: MARICATO, Ermínia et al. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1. Ed. São Paulo: Boitempo, Carta Maior, 2013. p. 71–78. SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. SINGER, Paul. Luta de Classes. São Paulo, 2014. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2017. SOUZA, Angelita Matos. Estado e Dependência no Brasil (1889-1930). São Paulo: Annablume, 2001. SOUZA, Maria Adélia de. O II PND e a política urbana brasileira. In: DEÁK, Csaba; SCHIFFER, Sueli Ramos (Org.). O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1999. VILLAÇA, Flávio. A Problemática do Transporte Urbano no Brasil. In: SILVEIRA, Márcio Rogério (Org.). Circulação, Transportes e Logísticas: diferentes perspectivas. São Paulo: Outras Expressões, 2011. ______. Espaço Intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, FAPESP, Lincoln Institute, 2001. ______; ZIONE, Silvana Maria. Os Transportes Sobre Trilhos na Região Metropolitana de São Paulo: o Poder Público Acentuando a Desigualdade. Rio de Janeiro: CBTU, Ministério das Cidades, 2005. Disponível em: . Acesso: 10 out. 2015. http://flaviovillaca.arq.br/zip/transp_trilhos.zip http://www.imp.seade.gov.br/