PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (ZOOLOGIA) Morfologia e distribuição dos dentículos e papilas orais em tubarões Galeomorphii (Chondrichthyes: Elasmobranchii): implicações ecológicas e filogenéticas ALINE NAYARA POSCAI Rio Claro – SP 2022 2 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (ZOOLOGIA) Morfologia e distribuição dos dentículos e papilas orais em tubarões Galeomorphii (Chondrichthyes: Elasmobranchii): implicações ecológicas e filogenéticas ALINE NAYARA POSCAI Tese apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Zoologia. Orientador: Otto Bismarck Fazzano Gadig Co-orientador: André Luis da Silva Casas Novembro - 2022 P855m Poscai, Aline Nayara Morfologia e distribuição dos dentículos e papilas orais em tubarões Galeomorphii (Chondrichthyes: Elasmobranchii): implicações ecológicas e filogenéticas / Aline Nayara Poscai. -- Rio Claro, 2022 204 p. : il., tabs., fotos Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientador: Otto Bismarck Fazzano Gadig Coorientador: André Luis da Silva Casas 1. Chondrichthyes. 2. Morfologia. 3. Dentículos dérmicos. 4. Microscopia. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Rio Claro Morfologia e distribuição dos dentículos e papilas orais em tubarões Galeomorphii (Chondrichthyes: Elasmobranchii): implicações ecológicas e filogenéticas TÍTULO DA TESE: CERTIFICADO DE APROVAÇÃO AUTORA: ALINE NAYARA POSCAI ORIENTADOR: OTTO BISMARCK FAZZANO GADIG COORIENTADOR: ANDRE LUIS DA SILVA CASAS Aprovada como parte das exigências para obtenção do Título de Doutora em CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (ZOOLOGIA), pela Comissão Examinadora: Prof. Dr. OTTO BISMARCK FAZZANO GADIG (Participaçao Presencial) UNESP / Instituto de Biociencias - Campus do Litoral Paulista Prof. Dr. JOÃO PAULO CAPRETZ BATISTA DA SILVA (Participaçao Presencial) Departamento de Sistemática e Ecologia / Universidade Federal da Paraíba - UFPB Prof. Dr. THIAGO SILVA LOBODA (Participaçao Presencial) Departamento Acadêmico de Ensino / Universidade Tecnológica Federal do Paraná Profa. Dra. PATRÍCIA CHARVET (Participaçao Virtual) Departamento de Sistemática, Uso e Conservação da Biodiversidade / Universidade Federal do Ceará - UFC Prof. Dr. MARCELO VIANNA (Participaçao Virtual) Departamento de Biologia Marinha / Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Rio Claro, 25 de agosto de 2022 Instituto de Biociências - Câmpus de Rio Claro - Av. 24-A no. 1515, 13506900 CNPJ: 48.031.918/0018-72. 3 AGRADECIMENTOS Eu gostaria de agradecer primeiramente à minha família amada, que é o meu marido e melhor amigo do mundo, o Polaco, o Bentinho e a Babi, que são tudo na minha vida, e que completam meu dia a dia e me fazem muito feliz. Principalmente durante os dois anos e pouco de isolamento que vivemos intensamente os altos e baixos disso tudo. À minha irmã Fabiola que sempre, mas sempre mesmo tá ali pra mim, torcendo, e celebrando qualquer conquista e chorando nas derrotas, um anjo na minha vida, sem você não ia rolar nada disso. Ao meu pai amado que sei que tem muito orgulho da filha que criou, e com todas as dificuldades que passamos nos últimos anos, é a pessoa que tem um espaço especial no meu coração. À minha mãe amada, Lilian e ao meu padrasto Anselmo Rienzo que também passaram por altos e baixos nesses últimos anos, sempre torcendo por mim, amo vocês. À minha segunda família, os Hilds, começando pela Sandra que é a melhor pessoa desse mundo, que eu admiro muito, minha cunhada maravilhosa Flávia e meu sogro querido Fábio, obrigada por tudo durante todos esses anos. Vocês sempre me dão todo o suporte e atenção, me espelho muito em todos vocês. Ao meu chefinho mais querido desse Brasil, Otto Gadig. Que aprendi que nada é por acaso, as coisas quando tem que acontecer, elas acontecem, e o universo se alinha pra tudo isso dar certo. Sou muito grata por você ter sido meu orientador e ser meu amigo. Lembrando de todas aquelas tardes e noites que a gente conversava e ficava no laboratório mexendo nas bombonas, procurando cabeça de tubarão, com muito álcool 70% e risada, vou sempre relembrar essa época com muito carinho no meu coração. E, obrigada acima de tudo por aquele café na cantina do CLP, quando apareceu um gatinho todo capenga que veio até mim e você me deu o maior incentivo para eu adotá-lo. O Bentinho simplesmente é o amor da minha vida, o bicho mais carinhoso e maravilhoso, e foi graças à você!!! À elas, as mulheres mais sensacionais, que são e pra sempre serão minha rede de apoio, não só de pós-graduação e pesquisa, mas pra tudo nessa vida: miglinha (Luiza Chelotti), Tixa (Fernanda Rolim), Pri (Priscila Dolphine), Mary (Mariana Martins) e Pitú (Aline Pasquino), não sei o que eu faria sem vocês, as melhores parceiras que existem. Aos parceiraços do lab, Ana Clara Athayde, muito querida na minha vida, Grazi (Graziela Cabral), Rodrigo Domingues e Pedro Furtado. 4 Ao meu co-orientador e amigo, André Casas, que me ajudou muito a conseguir a microscopia e a microtomografia. Por todas as viagens de Atibaia para Santos com muita conversa e risadas e toda parceria durante todos esses anos, muito antes do doutorado, obrigada meu amigo. Aos queridos e grandes amigos que fiz desde a época da USP, o Thiago Loboda, que participaram desde a primeira banca do meu doutorado, e em especial ao João Paulo Capretz que teve papel fundamental na minha tese e crescimento pessoal. Sempre ali quando eu precisei e além das expectativas, muito obrigada! Ao Phillip Lenktaitis do Laboratório de Histologia da Universidade de São Paulo que além de me ajudar com todas as microscopias do meu trabalho, incluindo o CT scan e microscopia eletrônica de varredura foi um exemplo de parceria e amizade. Obrigada, de coração. Ao querido Ênio também, sempre muito solícito. E a trilha sonora do laboratório sempre muito boa! Ao curador da coleção ictiológica do Museu Nacional de Praga, Dr. Radek Šanda, que desde o primeiro contato foi extremamente solícito e que me recebeu muito bem, me dando todo o suporte necessário e deixando eu fuçar em todos os tubarões que eu quis. Se todos os curadores de coleção fossem abertos dessa maneira, o mundo científico teria menos barreiras. Ao Michel Gianeti do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo e todo o pessoal que conheci por lá! Ao queridíssimo Arthur Lima do Museu também, virou meu grande amigo, me ajudou demais no início do meu doutorado, coletou amostras, dividiu sessões de MEV comigo. À Lara Guimarães, técnica do Laboratório de Microscopia Eletrônica do Museu de Zoologia por facilitar o acesso às análises de varredura. Ao Junior Tan, o famoso peixamento, que conheci no dia que fiz a prova na UNESP e desde então virou meu grande amigo pra vida toda. Aos colegas da faculdade que fiz durante meu doutorado, aos professores excelentes que tive a oportunidade de assistir aula, em especial ao Prof. Domingos Garrone e demais colaboradores da disciplina de Peixes Neotropicais, e à professora Renata Mari. Ao Elasmos_BR, página de divulgação científica que faço parte há alguns anos, junto com a Laís Barcellos, idealizadora, minha amiga, pesquisadora de elasmobrânquios e a pessoa com o melhor humor que existe. Ao Philippe Queiroz, Leonardo Feitosa e ao Arthur Lima, companheiros maravilhosos, obrigada pelo apoio e risadas. Aos meus colaboradores ao longo dessa jornada, em especial a Greiciane Amorim e Bianca Rangel, minha amiga de longa data, obrigada sempre. 5 Ao meu querido antigo orientador, Dr. José Roberto Kfoury Junior da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP) por tudo que aprendi com ele durante meu mestrado, pelo apoio e carinho. Aos meus amigos da USP, que por mais que nossos caminhos não sejam mais os mesmos, sempre guardo as lembranças e aprendizados que tivemos ao longo dos anos na pós- graduação. Em especial aos queridos Paulo Ramos, Tulio Yoshinaga, Flávia Ponce, Carla Soares, Pedro Bianchi, Natal (Franceliusa Delys), Renata Santos e Nathália Paulino. Aos meus amigos fora do mundo acadêmico, mas que compartilharam momentos bons e ruins dessa trajetória: Roberta Magro, Laura Clemente, Tamires Carvalho, Marina Ferraz, Letícia Hadano, Bruno Rossi, Ricardo Landroni, Jesus (Daniel Zenid), Natasha Fischer, Mariana Abibe, Giselle Marmo, Camila Malheiros e Igor Barreto. Gostaria de agradecer ao CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo financiamento da minha pesquisa, sob o número 142174/2018-1. À Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, que me concedeu a oportunidade de realizar meu doutorado, e ao Laboratório de Pesquisa de Elasmobrânquios (ElasmoBrasil) por todo suporte, apoio e coleção incrível, coordenado pelo Prof. Dr. Otto Bismarck Fazzano Gadig. E à todos de que alguma forma passaram pelo meu caminho durante esses últimos quatro anos da minha vida... muito obrigada! 6 RESUMO Os dentículos dérmicos são uma sinapomorfia em Chondrichthyes, e revestem além do tegumento, a membrana nictitante e a cavidade orofaríngea, desempenhando diferentes funções dependendo de sua morfologia e localização no corpo. Na cavidade orofaríngea, associadas aos dentículos, as papilas gustativas constituem o sistema quimiossensorial, desempenhando papel crucial na gustação. Apesar disso, ambas estruturas foram pouco exploradas na literatura. Pensando nisso, foram examinados os dentículos e papilas orais de 39 espécies de tubarões Galeomorphii, buscando compreender a morfologia e suas implicações funcionais diante de pressões seletivas ambientais (e.g. hábitos alimentares e habitat) e implicações filogenéticas. Por meio de microscopia eletrônica de varredura (MEV) e microtomografia computadorizada (MC), os dentículos e papilas foram analisados, medidos e suas densidades foram estimadas. Através da MEV, foram observadas as papilas e somente a coroa dos dentículos, limitando a visualização de outras estruturas. Enquanto a MC possibilitou a visualização do pedúnculo, placa basal, cavidade pulpar e a distinção entre dentículos em formação e dos completamente desenvolvidos, mostrando-se uma técnica que, unida à MEV se tornam uma combinação eficaz para o estudo dessas estruturas. Por meio da análise morfológica, foram identificados três morfotipos de dentículos orais nas espécies examinadas, sendo eles, resistência à abrasão (50%), funções generalizadas (46,8%) e defesa (3,2%). A alta ocorrência de resistência à abrasão indica que os dentículos desempenham primariamente a função de proteger a cavidade orofaríngea, seguido pelo modo contínuo do morfotipo de funções generalizadas indicando que os dentículos orais não estão relacionados necessariamente à ecologia, como estabelecido para os dentículos dérmicos do tegumento. Eles desempenham diversas funções como proteção contra abrasão e injúrias, canalização do fluxo de água para as papilas, entre outros. Em Atelomycterus marmoratus e Sphyrna tudes foi observado indícios de dimorfismo sexual nos dentículos orais, no qual as fêmeas apresentaram maiores densidades do que os machos. A ausência de dentículos orais indica uma possível sinapomorfia em Scyliorhinidae e Pentanchidae, assim como em Orectolobidae e Hemigaleidae. As papilas orais foram observadas em todas as espécies, sendo identificadas morfologicamente como circulares e ovais. Em Hemigaleus microstoma foi identificado o Tipo I, e nas demais espécies o Tipo II. 7 No estudo ontogenético de Carcharias taurus, a densidade de papilas foi a mais alta nos embriões menores, indicando potencial relação com a adelfofagia e ovofagia. Adicionalmente, não é possível inferir se a morfologia das papilas está diretamente associada ao habitat e alimentação. Por fim, vale ressaltar que mesmo que os dentículos orais não sejam usualmente utilizados como ferramenta taxonômica, a identificação de alguns táxons como Heterodontidae, Mitsukurinidae e alguns Carcharhinidae, principalmente Carcharhinus spp. é viável, mesmo levando em consideração as possíveis variações intra e interespecíficas. Palavras-chave: elasmobrânquios, tegumento, gustação, microscopia, ecomorfologia. 8 ABSTRACT Dermal denticles are a synapomorphy for Chondrichthyes and cover the integument, nictitating membrane and oropharyngeal cavity, performing different functions depending on their morphology and body location. In the oropharyngeal cavity, associated with denticles, taste buds or oral papillae constitute the chemosensory system, playing a crucial role in taste. However, in the literature these structures have been little explored. Herein, we examined denticles and papillae of 39 species of Galeomorphii sharks, evaluating the morphology considering environmental pressures such as feeding and habitat, as well as phylogenetic implications. Under scanning electron microscopy (SEM) and CT scan, denticles and papillae were analyzed, measured and the density was estimated. Noteworthily, under SEM, only the papillae and denticles crown were observed; this method limited the visualization of other structures. The CT scan allowed to observe the peduncle, basal plate, pulp cavity, and the differences between under development to fully developed denticles. This method is complementary and allied with SEM, can be more effective for the study of these structures. The morphology of denticles revealed three morphotypes in the species examined: abrasion strength (50%), generalized functions (46.8%), and defense (3.2%). The high occurrence of abrasion strength indicates that the denticles primarily play the role of protecting the oropharyngeal cavity, followed by the continuous type of the generalized functions indicating that the oral denticles are not necessarily related to ecology, as established for the dermal denticles of the integument. They perform different functions such as protection against abrasion and injuries, channeling the water flow into the papillae, etc. In Atelomycterus marmoratus and Sphyrna tudes, evidence of sexual dimorphism was observed in the oral denticles, in which females have higher densities than males. The absence of oral denticles indicates a putative synapomorphy in Scyliorhinidae and Pentanchidae, and possibly in Orectolobidae and Hemigaleidae. Oral papillae were observed in all species, however, Type I was identified only in Hemigaleus microstoma, and Type II in the other species. In the ontogenetic study of Carcharias taurus, papillae density was highest in the smallest embryos, indicating a potential relationship with adelphophagy and oophagy. Additionally, it is not possible to infer whether the morphology of the papillae is directly associated with habitat and feeding. Finally, it is worth mentioning that even though oral denticles are not usually used as 9 a taxonomic tool, the identification of some taxa such as Heterodontidae, Mitsukurinidae and some Carcharhinidae, especially Carcharhinus spp. is possible, even if considered the potential intra and interspecific variations. Keywords: elasmobranch, body integument, gustation, microscopy, ecomorphology. 10 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 18 1.1 BREVE HISTÓRICO DE ESTUDOS SOBRE DENTÍCULOS DÉRMICOS EM ELASMOBRÂNQUIOS ............................................................................................................ 22 1.1.1 REGISTRO FÓSSIL DOS DENTÍCULOS DÉRMICOS ................................................................ 22 1.1.2 TAXONOMIA ...................................................................................................................... 26 1.1.3 ASPECTOS MORFOLÓGICOS E IMPLICAÇÕES ECOLÓGICAS DOS DENTÍCULOS DÉRMICOS .. 27 1.1.4 APLICAÇÕES MORFOLÓGICAS DOS DENTÍCULOS DÉRMICOS ............................................. 34 2. OBJETIVOS................................................................................................................................. 37 2.1 GERAL ................................................................................................................................... 37 2.2 ESPECÍFICOS ......................................................................................................................... 37 3. MATERIAL E MÉTODOS.........................................................................................................38 3.1 ESPÉCIMES ANALISADOS ...................................................................................................... 38 3.2 MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA (MEV) ........................................................... 46 3.3 MICROTOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (MC) ................................................................. 46 3.4 FORMA DE ANÁLISE DOS RESULTADOS ................................................................................ 47 3.5 RELAÇÕES FILOGENÉTICAS ................................................................................................. 50 4. RESULTADOS.............................................................................................................................52 4.1 MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA (MEV) ........................................................... 52 4.2 MORFOTIPOS DOS DENTÍCULOS ORAIS ............................................................................... 110 4.3 MICROTOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (MC) ............................................................... 125 4.4. MORFOLOGIA DAS PAPILAS ............................................................................................... 141 5. DISCUSSÃO............................................................................................................................... 143 5.1 DENTÍCULOS ORAIS ............................................................................................................ 143 5.2 PAPILAS ORAIS: MORFOTIPOS E SUAS IMPLICAÇÕES ECOLÓGICAS E ALIMENTARES .......... 152 5.3 DIMORFISMO SEXUAL EM DENTÍCULOS E PAPILAS ORAIS .................................................. 166 5.4 RELAÇÕES FILOGENÉTICAS DOS MORFOTIPOS E AS ESPÉCIES ............................................ 168 11 5.5 COMPARAÇÃO DE METODOLOGIAS: MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA (MEV) E MICROTOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (MC) ...................................................................... 174 6. CONCLUSÕES.......................................................................................................................... 179 7. REFERÊNCIAS......................................................................................................................... 181 12 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Microvestígios de elasmobrânquios da Formação Quiricó atribuídos a Hybodontiformes, indicando dentículos dérmicos e orais retirado do sedimento ....................................................... 25 Figura 2. Os tipos funcionais de dentículos dérmicos e suas respectivas espécies ............................... 28 Figura 3. Estrutura da superfície dorsal de um dentículo dérmico tricuspidado de Scyliorhinus canicula ....................................................................................................................................................... 30 Figura 4. Neuromastos livres (setas brancas) entre os dentículos dérmicos do tronco de Glaucostegus typus ............................................................................................................................................... 32 Figura 5. Imagens de microscópio eletrônico das membranas sintéticas de pele de tubarão fabricadas ....................................................................................................................................................... 35 Figura 6. Carcharias taurus com a cavidade orofaríngea exposta evidenciando as regiões dorsal e ventral amostradas neste estudo ..................................................................................................... 39 Figura 7. Morfologia geral dos dentículos orais .................................................................................... 49 Figura 8. Reconstrução histórica dos diferentes morfotipos dos dentículos orais da cavidade orofaríngea na árvore filogenética de Naylor et al. (2012) ............................................................................... 50 Figura 9. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de embrião fêmea de Heterodontus francisci. .................................................................................... 53 Figura 10. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da região ventral da cavidade orofaríngea de embrião macho de Heterodontus japonicus ........................................... 54 Figura 11. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de embrião fêmea de Ginglymostoma cirratum ............................................................................. 55 Figura 12. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de macho adulto de Chiloscyllium punctatum ............................................................................... 56 Figura 13. Microscopia eletrônica de varredura das papilas orais da cavidade orofaríngea de macho juvenil de Orectolobus ornatus ..................................................................................................... 58 Figura 14. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de embrião fêmea de Rhincodon typus .......................................................................................... 59 Figura 15. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de embrião macho de Alopias superciliosus .................................................................................. 61 Figura 16. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de macho adulto de Alopias vulpinus ............................................................................................ 62 13 Figura 17. Microscopia eletrônica de varredura das papilas orais da cavidade orofaríngea de embriões de Carcharias taurus ..................................................................................................................... 64 Figura 18. Microscopia eletrônica de varredura das papilas orais da cavidade orofaríngea de Carcharias taurus ............................................................................................................................................. 66 Figura 19. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de juvenil de Isurus oxyrinchus ..................................................................................................... 68 Figura 20. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de juvenil de Lamna nasus ............................................................................................................ 69 Figura 21. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de fêmea juvenil de Mitsukurina owstoni ...................................................................................... 71 Figura 22. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos orais da região dorsal da cavidade orofaríngea de macho adulto de Odontaspis ferox ........................................................................ 72 Figura 23. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de dois espécimes de Atelomycterus marmoratus ......................................................................... 74 Figura 24. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de fêmea adulta de Schroederichthys chilensis ............................................................................. 75 Figura 25. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de macho adulto de Schroederichthys saurisqualus ...................................................................... 76 Figura 26. Microscopia eletrônica de varredura das papilas orais da cavidade orofaríngea de dois espécimes de Scyliorhinus sp ......................................................................................................... 77 Figura 27. Microscopia eletrônica de varredura das papilas orais da cavidade orofaríngea de fêmea adulta de Scyliorhinus haeckelii .................................................................................................... 79 Figura 28. Microscopia eletrônica de varredura das papilas orais da cavidade orofaríngea de macho adulto de Scyliorhinus ugoi ........................................................................................................... 80 Figura 29. Microscopia eletrônica de varredura das papilas orais da cavidade orofaríngea de macho adulto de Galeus melastomus ........................................................................................................ 82 Figura 30. Microscopia eletrônica de varredura das papilas orais da cavidade orofaríngea de fêmea adulta de Parmaturus angelae. ...................................................................................................... 83 Figura 31. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de fêmea embrião de Galeorhinus galeus ..................................................................................... 84 Figura 32. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de macho juvenil de Mustelus asterias .......................................................................................... 87 Figura 33. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de macho adulto de Mustelus schmitti ........................................................................................... 88 14 Figura 34. Microscopia eletrônica de varredura das papilas orais da cavidade orofaríngea de macho adulto de Hemigaleus microstoma ................................................................................................. 89 Figura 35. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de fêmea juvenil de Carcharhinus brevipinna .............................................................................. 91 Figura 36. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de machos juvenis de Carcharhinus leucas ................................................................................... 92 Figura 37. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de fêmea juvenil de Carcharhinus limbatus .................................................................................. 93 Figura 38. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de duas fêmeas juvenis de Carcharhinus obscurus ....................................................................... 94 Figura 39. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de juvenil de Carcharhinus plumbeus ........................................................................................... 95 Figura 40. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de adulto de Carcharhinus signatus .............................................................................................. 97 Figura 41. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de dois indivíduos juvenis de Galeocerdo cuvier .......................................................................... 98 Figura 42. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de macho juvenil de Isogomphodon oxyrhynchus ......................................................................... 99 Figura 43. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da região dorsal da cavidade orofaríngea de adulto de Rhizoprionodon porosus ....................................................... 101 Figura 44. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de fêmea adulta de Scoliodon laticaudus ..................................................................................... 102 Figura 45. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de macho juvenil de Eusphyra blochii ......................................................................................... 104 Figura 46. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de embrião de Sphyrna tiburo ...................................................................................................... 105 Figura 47. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da região ventral da cavidade orofaríngea de dois espécimes de Sphyrna tudes ......................................................... 106 Figura 48. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de juvenil de Sphyrna zygaena .................................................................................................... 109 Figura 49. Os morfotipos funcionais de dentículos orais reportados nas espécies aqui estudadas ..... 111 Figura 50. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais das regiões dorsal da cavidade orofaríngea de juvenil de Lamna nasus ....................................................................................... 126 15 Figura 51. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais da região ventral da cavidade orofaríngea de juvenil de Lamna nasus ....................................................................................... 127 Figura 52. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais isolados da região dorsal da cavidade orofaríngea de juvenil de Lamna nasus ....................................................................................... 128 Figura 53. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais isolados da região ventral da cavidade orofaríngea de juvenil de Lamna nasus ........................................................................ 129 Figura 54. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais isolados da cavidade orofaríngea de juvenil de Lamna nasus ............................................................................................................... 130 Figura 55. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais da cavidade orofaríngea de juvenil de Lamna nasus ........................................................................................................................... 131 Figura 56. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais da região dorsal da cavidade orofaríngea de juvenil de Carcharhinus leucas ........................................................................... 133 Figura 57. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais da região ventral da cavidade orofaríngea de juvenil de Carcharhinus leucas ........................................................................... 134 Figura 58. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais da região dorsal da cavidade orofaríngea de juvenil de Carcharhinus limbatus. ...................................................................... 135 Figura 59. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais da região ventral da cavidade orofaríngea de juvenil de Carcharhinus limbatus ....................................................................... 136 Figura 60. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais da região dorsal da cavidade orofaríngea de juvenil de Carcharhinus obscurus ....................................................................... 137 Figura 61. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais da região ventral da cavidade orofaríngea de juvenil de Carcharhinus obscurus ....................................................................... 138 Figura 62. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais da região dorsal da cavidade orofaríngea de juvenil de Galeocerdo cuvier .............................................................................. 139 Figura 63. Microtomografia computadorizada dos dentículos orais da região ventral da cavidade orofaríngea de juvenil de Galeocerdo cuvier .............................................................................. 140 Figura 64. Tipos de papilas encontradas nos tubarões examinados neste estudo ............................... 142 16 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Sumário de atributos ecológicos das espécies aqui estudadas ............................................... 44 Tabela 2. Sumário da morfologia e densidade estimada (cm2) dos dentículos dérmicos orais das regiões dorsal e ventral da cavidade orofaríngea das espécies examinadas ............................................. 112 Tabela 3. Sumário da largura e densidade estimada (cm2) das papilas orais das regiões dorsal e ventral da cavidade orofaríngea das espécies examinadas. ..................................................................... 118 17 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Frequência dos morfotipos (%) encontrados nas espécies que possuem dentículos orais examinadas neste estudo .............................................................................................................. 112 Gráfico 2. Tamanho em diâmetro (µm) dos dentículos orais nas espécies estudadas. ........................ 116 Gráfico 3. Relação entre a densidade de dentículos orais por cm2 nas regiões dorsal e ventral da cavidade orofaríngea nas espécies amostradas. .......................................................................................... 117 Gráfico 4. Relação entre o diâmetro das papilas orais (μm) nas espécies examinadas. ..................... 120 Gráfico 5. Relação entre a densidade de papilas por cm2 nas regiões dorsal e ventral da cavidade orofaríngea nas espécies amostradas neste estudo ....................................................................... 121 Gráfico 6. Dados sobre o desenvolvimento ontogenético das papilas, contendo informações de diâmetro (μm) das papilas com a densidade em cm2 nas regiões dorsal e ventral da cavidade orofaríngea de espécimes de diferentes tamanhos de Carcharias taurus. ........................................................... 122 Gráfico 7. Relação entre diâmetro (µm) das papilas e dos dentículos orais nas espécies estudadas em relação aos sexos. ......................................................................................................................... 123 Gráfico 8. Relação entre a densidade (cm2) de dentículos orais e papilas entre os sexos das espécies estudadas. ..................................................................................................................................... 124 18 1. INTRODUÇÃO A Classe Chondrichthyes compreende os tubarões, raias e quimeras, conhecidos por cerca de 1292 espécies, sendo 1236 de tubarões e raias (subclasse Elasmobranchii) e 56 de quimeras (subclasse Holocephali) (FRICKE; ESCHMEYER; FONG, 2022). É um grupo de vertebrados de longa história evolutiva, com pouco mais de 400 milhões de anos (COLLIN, 2012), e têm como características principais a calcificação pericondral prismática no esqueleto cartilaginoso e tegumento que apresenta dentículos dérmicos, presença de clásperes, e presença de glândula retal (COMPAGNO, 2001; EBERT; FOWLER; COMPAGNO, 2013). Dentre os tubarões, são usualmente reconhecidos dois grandes clados: Squalomorphii, representado por cinco ordens e 185 espécies (Hexanchiformes, Squaliformes, Echinorhiniformes, Squatiniformes e Pristiophoriformes); e Galeomorphii, grupo-irmão, composto por quatro ordens: Heterodontiformes, Orectolobiformes, Lamniformes e Carcharhiniformes, com cerca de 369 espécies (FRICKE; ESCHMEYER; FONG, 2022). A superordem Galeomorphii é um grupo monofilético (SHIRAI, 1992, 1996; CARVALHO; MAISEY, 1996; CARVALHO, 1996). No entanto, já havia sido anteriormente abordada por outros estudos (e.g., REGAN, 1906; GARMAN, 1913; WHITE, 1937) com classificação diferente do arranjo estabelecido e até hoje adotada. O monofiletismo do grupo também é corroborado por caracteres moleculares, havendo, porém, resoluções filogenéticas a serem ainda definidas no âmbito das espécies (VÉLEZ-ZUAZO; AGNARSSON, 2011; NAYLOR et al., 2012). Dentre os Galeomorphii, a ordem Heterodontiformes é representada por uma família, um gênero (Heterodontus) e nove espécies distribuídas no Indo Pacífico. São animais de pequeno a médio porte (até 1,6 m de comprimento), associados ao substrato, com baixa mobilidade, onde se alimentam de invertebrados, apresentando modo reprodutivo por oviparidade (EBERT; FOWLER; COMPAGNO, 2013; EBERT; DANDO; FOWLER, 2021; FRICKE; ESCHMEYER; FONG, 2022). Os Orectolobiformes incluem 45 espécies distribuídas em sete famílias e 13 gêneros. Distribuem-se mundialmente, com apenas duas espécies no Oceano Atlântico, já que são elasmobrânquios adaptados ao modo de vida em ambientes recifais do Indo Pacífico (EBERT; 19 FOWLER; COMPAGNO, 2013; EBERT; DANDO; FOWLER, 2021; FRICKE; ESCHMEYER; FONG, 2022). Todas as espécies (exceto o tubarão-baleia, Rhincodon typus) são associadas ao substrato de forma importante, onde passam a maior parte do tempo (COMPAGNO, 2001; GOMES et al., 2010; EBERT; FOWLER; COMPAGNO, 2013). Apesar do pequeno número de espécies, exibem diversidade considerável, com parâmetros biológicos, hábitos e morfologia diversificada (COMPAGNO, 2001; EBERT; FOWLER; COMPAGNO, 2013). Seu tamanho varia desde pouco mais de 30 cm de comprimento em Cirrhoscyllium expolitum até 20 m em R. typus. A reprodução se dá por viviparidade com bolsa vitelínica ou oviparidade (EBERT; DANDO; FOWLER, 2021). Tubarões Lamniformes estão agrupados em oito famílias, 11 gêneros e 16 espécies, todos associados aos ambientes pelágicos costeiros e oceânicos e a grande maioria de distribuição global (EBERT; FOWLER; COMPAGNO, 2013; FRICKE; ESCHMEYER; FONG, 2022). Usualmente, atingem grande tamanho, entre 2,5 e 11 m de comprimento, são nadadores ativos com adaptações fisiológicas e morfológicas que elevam a temperatura sanguínea acima da do ambiente marinho, através de um sistema complexo chamado rete mirabile (COMPAGNO, 2001; CAMPANA; MARKS; JOYCE, 2005). Sua reprodução se dá por viviparidade ovofágica e adelfofagia obrigatória em Carcharias taurus ou facultativa em Isurus oxyrinchus (COMPAGNO, 2001; EBERT; DANDO; FOWLER, 2021). A mais diversa das ordens, Carcharhiniformes é conhecida por cerca de 299 espécies e dez famílias, distribuídas em todo o mundo em regiões costeiras e oceânicas, da superfície até grandes profundidades, e até mesmo em ambiente dulcícola (GADIG, 2001; GOMES et al., 2010; EBERT; DANDO; FOWLER, 2021), das quais ocorrem cinco famílias e cerca de 45 espécies no Brasil (ROSA; GADIG, 2014). Como característica única apresenta membrana nictitante nos olhos, podendo ser rudimentar, como em Scyliorhinidae ou bem desenvolvida, como em Carcharhinidae e Sphyrnidae (GADIG, 2001; GOMES et al., 2010). Os Chondrichthyes exibem como sinapomorfia o tegumento revestido por dentículos dérmicos esmaltados, sendo essas estruturas amplamente distribuídas nos tubarões, em muitas raias e apenas na fase embrionária das quimeras (BIGELOW; SCHROEDER, 1948; COMPAGNO, 1977). Os dentículos dérmicos têm sido foco de numerosas pesquisas que consideram, principalmente, aspectos taxonômicos e hidrodinâmicos (RASCHI; TABIT, 1992; KEMP, 1999; MARSHALL, 2011; DILLON; NORRIS; O’DEA, 2017). De acordo com sua 20 funcionalidade, são reconhecidos cinco grupos principais de dentículos dérmicos: (1) redução de arrasto, (2) resistência à abrasão, (3) defesa, (4) luminescência e (5) funções generalizadas. Além de prover a proteção contra a abrasão, e a defesa contra ectoparasitas, os dentículos também acomodam órgãos sensoriais (REIF, 1985; DILLON; NORIS; O’DEA, 2017). No entanto, dentículos dérmicos também estão presentes na membrana nictitante de Carcharhiniformes (RASCHI; TABIT, 1992; POSCAI et al., 2017) e na cavidade orofaríngea (DANIEL, 1934; ATKINSON; COLLIN, 2012) e, neste caso, os estudos anatômicos são escassos, sobretudo com abordagem ecológica. A função dos dentículos orais não é claramente definida, embora haja postulações sobre sua ação mecânica complementar no processamento de alimentos, proteção contra abrasão da faringe e condução do fluxo de água através das fendas branquiais, notadamente das espécies com alta mobilidade e que dependem de ventilação ram (KEMP, 1999; ATKINSON; COLLIN, 2012; ATKINSON et al., 2016). Relacionadas aos dentículos orais, estão as papilas gustativas, responsáveis pela recepção de estímulos químicos associados à gustação, localizadas predominantemente em torno da boca, nas válvulas orais, na cavidade orofaríngea e muitas vezes também sobre a pele e seus apêndices (WHITEAR, 1971; GOMAHR; PALZENBERGER; KOTRSCHAL, 1992; HANSEN; REUTTER, 2004). Em teleósteos, três tipos de papilas gustativas podem ser encontradas: o Tipo I projeta-se mais acima do epitélio circundante e tem uma depressão em torno de sua base, que é mais baixa que o epitélio circundante; já o Tipo II é semelhante ao Tipo I, mas não apresenta a depressão e por fim, o Tipo III ocorre dentro de um poro no epitélio (REUTTER; BREIPOHL; BIJVANK, 1974; ATKINSON et al., 2016). Em elasmobrânquios, o sistema gustativo está relacionado à alimentação e incorpora o uso das papilas gustativas no processamento oral e avalia a palatabilidade dos alimentos (COLLIN, 2012). Os primeiros trabalhos sobre o sistema gustativo em elasmobrânquios foram apresentados por Bateson (1890), Imms (1905), Cook e Neal (1921), Nelson (1970) e Whitear e Moate (1994a, 1994b, 1998). Mais recentemente, também foram tema de estudos publicados por Nakaya, Matsumoto e Suda (2008), Atkinson e Collin (2012), Laranjeira et al. (2015), Atkinson et al. (2016), Ciena et al. (2016), Ferrando et al. (2016), Rangel et al. (2016a, 2017, 2018) e Poscai et al. (2021, 2022). Ainda assim, estudos que enfatizem os aspectos morfofuncionais dessas estruturas relacionados à ontogenia e dimorfismo sexual em diferentes táxons com enfoque nos hábitos alimentares, níveis tróficos ou habitat ao qual a espécie está 21 associada são poucos. Com base no exposto anteriormente, foi desenvolvido um estudo anatômico, de distribuição e de densidade dos dentículos e papilas orais em, pelo menos 39 espécies de tubarões da superordem Galeomorphii e seus quatro clados: Heterodontiformes, Orectolobiformes, Lamniformes e Carcharhiniformes, relacionando a ecomorfologia e as possíveis implicações filogenéticas dessas estruturas. 22 1.1 BREVE HISTÓRICO DE ESTUDOS SOBRE DENTÍCULOS DÉRMICOS EM ELASMOBRÂNQUIOS 1.1.1 Registro fóssil dos dentículos dérmicos Os dentículos dérmicos são constituídos por dentina, recoberta por camada enameloide e uma placa basal de “osso acelular” ancorada à fibras colágenas na derme (REIF, 1973, 1980, 1985). Em relação à sua morfogênese, dois tipos de dentículos são reconhecidos: os “não crescentes”, com reposição por novos dentículos maiores, presentes em Heterodontus; e os “crescentes”, presentes em tubarões paleozoicos, caracterizados por dentículos dérmicos cuja formação ocorre durante o estágio embrionário, e a partir daí, começam a crescer, mantendo-se constante ao longo da ontogenia (REIF, 1978). Em tubarões extintos Hybodontiformes, mais especificamente em Tribodus limae, os dentículos foram observados tanto no corpo quanto na cavidade orofaríngea (MAISEY; DENTON, 2016), assim como reportado por Reif (1978) em outros Hybodontiformes. O tegumento de alguns tubarões dessa ordem i.e, Hybodus delabechei inclui dentículos “não crescentes”, constituídos por uma coroa (odontódios ou monodontódios), bem como dentículos “crescentes” compostos por múltiplos odontódios, denominados poliodontódios, cada qual com sua própria coroa, base e rede vascular (REIF, 1978, 1980; MAISEY; DENTON, 2016). Em Hybodontiformes, os dentículos monodontódios são uma sinapomorfia compartilhada com os condrictes viventes (REIF, 1978, 1980; MAISEY; DENTON, 2016). Os dentículos monodontódios são caracterizados pela presença de uma coroa e os poliodontódios por coroas compostas (ANDREEV et al., 2017). Outras espécies extintas como Egertonodus basanus, E. fraasi e Hybodus obtusus possuíam dentículos “não crescentes” assim como a maioria dos elasmobrânquios atuais (REIF, 1978, 1980; MAISEY; DENTON, 2016). Observações em T. limae revelaram que apenas seus dentículos orofaríngeos eram poliodontódios, enquanto os corporais eram monodontódios (MAISEY; DENTON, 2016). Em comparação ao estudo de Reif (1978), os dentículos poliodontódios (encontrados próximos à boca) são virtualmente idênticos aos dentículos orofaríngeos em T. limae, e podem ter se originado no interior da cavidade orofaríngea. Ainda, segundo Maisey e Denton (2016) “a 23 noção de que dentículos poliodontódios existiam fora da cavidade orofaríngea em tubarões Hybodontiformes é, portanto, questionável, embora esses dentículos estivessem claramente presentes na cavidade orofaríngea de pelo menos alguns (possivelmente todos), ao contrário dos elasmobrânquios modernos”. Em vez disso, a presença de um “tecido” consistindo inteiramente de dentículos monodontódios pode ser uma sinapomorfia em Hybodontiformes e condrictes modernos, enquanto uma os dentículos monodontódios orofaríngeos podem representar uma sinapomorfia da coroa dos dentículos em elasmobrânquios (MAISEY, 2011, 2012). De acordo com as teorias clássicas (JOLLIE, 1968; SCHAEFFER, 1977; REIF, 1982), os dentículos dérmicos são estruturas homólogas aos dentes, e se originaram na ectoderme. No entanto, teorias modernas (SMITH; COATES, 1998, 2001; SMITH, 2003; FRASER et al., 2010) sugerem que os dentículos dérmicos e os dentes têm origens independentes de diferentes camadas de tecido (ou seja, endoderme e ectoderme, respectivamente). Os dentículos apresentam diferentes características morfológicas moldadas pelos hábitos de vida e desempenham direta ou indiretamente funções hidrodinâmicas e protetoras (DEYNAT; SÉRET, 1996). Tais caracteres são particularmente importantes para estudos filogenéticos e taxonômicos (APPLEGATE, 1967; CAPPETTA, 1987; MELLO; CARVALHO; BRITO, 2013). Descrições de espécies utilizam diferentes estruturas corporais, como espinhos de nadadeiras (CHAHUD et al., 2012; CHAHUD; PETRI, 2014; FIGUEROA; GALLO, 2017; RICHTER; BOSETTI; HORODYSKI, 2017; FIGUEROA; DA COSTA MACHADO, 2018; PAIS DE REZENDE et al., 2021) e principalmente dentes, com registros de mais de 350 anos de estudos (WARD, 1988), principalmente nos últimos 30 anos, i.e., CAPPETTA, 1987; RICHTER, 2005; CARVALHO; KRIWET; THIES, 2008; CHAHUD; PETRI, 2008; 2012, 2015a, 2015b; CHAHUD, 2018, 2020, 2021; PAULIV et al., 2014; AGUILERA et al. 2017; POLLERSPÖCK; STRAUB, 2017; FOSSILE et al., 2020; LOPES et al., 2020; FEICHTINGER et al., 2020. Segundo Hampe (2002), dentre os fósseis preservados de Xenacanthiformes é possível reconhecer dentes, espinhos, escamas e raros esqueletos articulados. Dentes e espinhos, por serem mais comumente preservados e abundantes, são as principais estruturas utilizadas para identificação e estudos sistemáticos. 24 Apesar dos dentículos dérmicos serem menos populares como uma ferramenta taxonômica em estudos paleontológicos, não são menos importantes. Diferentes estudos abordam o uso dessa estrutura em diversas identificações e classificações de táxons. Segundo Brito e Janvier (2002), em uma nota sobre os dentículos dérmicos da pele de um condricte, destacam que Larrazet (1886) descreveu um Ptychodontidae do Carbonífero por meio da morfologia denticular, caraterizado por um conjunto de elementos cônicos semelhantes a dentes. Contudo, os autores redescreveram a espécie com base nos dentes, referindo-se ao gênero Ptychodus. Já em outro estudo com tubarões Squatiniformes do Jurássico Superior, Carvalho, Kriwet e Thies (2008) citam que os dentículos dérmicos desses fósseis não foram utilizados como ferramenta taxonômica por não variarem de forma significativa. Oliveira, Toledo e Costa (2008) encontraram 400 dentículos de tubarões na Formação Pirabas, Pará, os quais classificaram em sete morfotipos, sendo a maioria Carcharhinus spp., que de acordo com os autores, é o gênero mais diverso e abundante no registro fóssil dessa localidade. Dillon, Norris e O’Dea (2017) realizaram estudo no qual examinaram dentículos dérmicos como ferramenta para reconstruir a fauna de tubarões em recifes de corais. Eles analisaram dentículos de tubarões modernos, associados a recifes ou não, e coletaram 330 dentículos de sedimentos, sendo essa amostra composta por 240 dentículos de tubarões modernos e 90 de fósseis, para fins comparativos. Eles obtiveram um alto grau de similaridade entre os dentículos encontrados nos sedimentos e os tubarões documentados na região estudada. Ainda, os autores propõem que assembleias de dentículos no registro fóssil podem ajudar a estabelecer linhas de base quantitativas de tubarões e podem complementar pesquisas tradicionais. Fragoso et al. (2019) examinaram dentes e dentículos dérmicos provenientes de lamitos (rochas sedimentares) da Formação Quiricó, Minas Gerais, e dentre essas amostras, estavam possivelmente, dentículos orais de tubarões Hybodontiformes (Fig. 1). 25 Figura 1. Microvestígios de elasmobrânquios da Formação Quiricó atribuídos a Hybodontiformes, indicando dentículos dérmicos e orais retirado do sedimento (Retirado e cedido direito de uso da imagem por Léo Galvão Carnier Fragoso – Fragoso et al. (2019). Fonte: Fragoso et al. 2019 Recentemente, Sibert e Rubin (2021) realizaram um estudo que indica a ocorrência de um grande evento de extinção de tubarões no Pacífico, durante o início do Mioceno, há cerca de 19 milhões de anos, e até então, nunca reportado. Eles analisaram dentículos isolados de dois núcleos de sedimentos, e quantificaram a variação morfológica classificando 1.263 dentículos. Comparando com os morfotipos de tubarões viventes, observaram uma taxa de extinção de >70% dos morfotipos no início do Mioceno, com >90% dos morfotipos desaparecendo do 26 registro fóssil. No entanto, apenas 20% restantes dos morfotipos “sobreviventes” foram encontrados nos tubarões modernos. Naylor et al. (2021) comentando Sibert e Rubin (2021), não concordaram que o número reduzido de dentículos dérmicos presentes nos sedimentos de diferentes localidades seja um padrão ou uma consequência de um evento de extinção, usando o argumento de que a variação ontogenética intraespecífica ocorre ao longo de diferentes regiões do corpo. Feichtinger et al. (2021), ainda sobre este tema, pontuaram que as interpretações foram baseadas em um desenho experimental que desconsiderou o aumento considerável na taxa de sedimentação, coincidindo com o evento proposto (extinção), e a variação intraespecífica na morfologia dos dentículos. Por fim, esses autores consideraram que além da possibilidade de extinção local, a renovação da fauna também pode ocasionar mudanças na morfologia e na frequência dos dentículos dérmicos nos sedimentos examinados. 1.1.2 Taxonomia Em estudos taxonômicos, os dentículos dérmicos são amplamente utilizados como ferramenta para fins de identificação de diferentes espécies de elasmobrânquios, principalmente utilizando métodos mais modernos, como a microscopia eletrônica, i.e., Compagno (1977), Compagno e Stevens (1993a,b), Last, Marshall e White (2007), Yano et al. (2004) e Marshall (2011). Mello, Carvalho e Brito (2013) estudaram os dentículos dérmicos de todos Sphyrnidae (tubarões-martelo), comparando com Hemigaleidae e Carcharhinidae, onde concluíram que eles possuem microestruturas distintivas em relação às outras espécies estudadas e que seus padrões morfológicos são similares nas diferentes regiões do corpo. Também observaram que ornamentos hexagonais estão presentes em toda superfície dos dentículos em todos os representantes do grupo, enquanto que em Hemigaleidae e outros Carcharhinidae, essas estruturas estão presentes apenas na região anterior dos dentículos ou podem ser ausentes. Assim, seguindo a hipótese de Naylor (1992), sugerem que em relação às microestruturas, os dentículos com ornamentações restritas à margem anterior são um caráter plesiomórfico, evoluindo para uma condição onde as microestruturas recobrem toda a superfície do dentículo, passando a ter função hidrodinâmica. Adicionalmente, concluíram que não foi possível 27 identificar as espécies de Sphyrnidae pela morfologia dos dentículos, mas que os dentículos podem ser adequados como ferramenta em análises filogenéticas (MELLO; CARVALHO; BRITO, 2013). Os dentículos são comumente utilizados complementarmente na diagnose de novas espécies de elasmobrânquios. Por exemplo, Viana et al. (2017) e Soares et al. (2019), descreveram Squalus bassi e Parmaturus angelae, indicando que essas espécies se diferenciam de seus congêneres, entre outras características, pela morfologia dos dentículos dérmicos. Além dos tubarões, alguns estudos focaram na descrição de espécies de raias, principalmente de água doce, pertencentes à subfamília Potamotrygoninae, empregando os dentículos dérmicos como características diagnósticas complementares (LOBODA; DE CARVALHO, 2013; DA SILVA; LOBODA, 2019; LOBODA et al., 2021). Além disso, o estudo da morfologia dos dentículos pode ajudar a elucidar questões taxonômicas. Segundo Vaz (2021), apesar do pouco conhecimento sobre a biologia de Scymnodon macracanthus, sua designação genérica tem variado ao longo do tempo. Em seu estudo, o autor diferenciou Scymnodon de Centroscymnus e Centroselachus pelo formato da coroa dos dentículos nas regiões do tronco e caudal em adultos. Ainda, utilizou os ornamentos hexagonais como ferramenta taxonômica, separando Scymnodon de Zameus e Scymnodalatias pela ausência dos mesmos na superfície dorsal das coroas e por possuir dentículos dérmicos dimórficos ontogeneticamente. Rincón et al. (2021) estudando Centroscymnus owstonii, encontraram diferenças ontogenéticas na morfologia dos dentículos dérmicos de diferentes regiões do corpo, onde neonatos apresentam três tipos diferentes de dentículos, enquanto os adultos possuem quatro tipos de dentículos e distribuição distinta do embrião. Por fim, a união de diferentes caracteres morfológicos dos dentículos podem auxiliar na diferenciação e resolução morfológica e taxonômica de alguns táxons. 1.1.3 Aspectos morfológicos e implicações ecológicas dos dentículos dérmicos Reif (1985) apontou que os primeiros estudos sobre dentículos dérmicos datam do século XIX, com os estudos de Hertwig (1874, 1876, 1879), trazendo dados morfogenéticos e 28 histogenéticos sob perspectiva comparativa da estrutura e evolução do esqueleto dérmico em vertebrados. Ainda, outros estudos histológicos são citados por Reif (1982, 1985), que destacou os importantes trabalhos de Klaatsch (1890) e Steinhard (1903). Reif (1974, 1978, 1985) explorou de forma pioneira aspectos funcionais da morfologia dos dentículos dérmicos, considerando sua importância em diversos parâmetros no modo de vida das espécies, como padrão de natação, habitat, etc., trazendo à tona a importância dessa abordagem, considerando o aparecimento de diversos estudos posteriores. Reif (1978, 1985) ilustrou a divergência evolutiva e especialização subsequente das diferentes morfologias dos dentículos, classificando-os em cinco morfotipos amplamente conhecidos, como segue: (1) funções generalizadas, (2) resistência à abrasão, (3) defesa, (4) redução de arrasto e (5) luminescência (Fig. 2). Figura 2. Os tipos funcionais de dentículos dérmicos e suas respectivas espécies. Retirado e modificado de Reif (1978). Fonte: Modificado de Reif (1978). 29 Raschi e Tabit (1992) realizaram uma revisão dos estudos prévios sobre os aspectos funcionais dos dentículos dérmicos destacando que a função mais amplamente utilizada é de proteção contra abrasão, a qual Reif (1978) classifica como “proteção contra ferimentos e abrasão por substrato rochoso”. O morfotipo relacionado consiste em um dentículo “liso” sem cristas em sua superfície e sem cúspides laterais. Reif (1974) estudou espécies do gênero Heterodontus e constatou que o padrão morfológico dos dentículos dérmicos de diferentes regiões do corpo se modifica a partir de um morfotipo inicial observado em estágio embrionário. Essa diferenciação morfológica se dá concomitantemente com o desenvolvimento ontogenético e as mudanças de habitat, e como consequência, os dentículos se modificam para formas maiores e mais robustas, de acordo com o habitat, i.e., adultos têm preferência por substratos rochosos (REIF, 1985). Defesa é uma função amplamente aceita, ainda que poucas evidências suportem isso. Raschi e Tabit (1992) destacaram que Applegate (1967) acreditava que dentículos semelhantes a espinhos na região dorsal de Squatina atuavam como mecanismo de defesa, devido ao hábito sedentário dessa espécie, muitas vezes associados a substratos arenosos. Ainda ressaltam que Reif (1982) citou que esses mesmos dentículos “espinhosos” encontrados em Echinorhinus, Somniosus e Oxynotus desempenham a mesma função indicada para Squatina. Ainda segundo Raschi e Tabit (1992), essa função é questionável, uma vez que elasmobrânquios que possuem tais dentículos são predados frequentemente e não faria muita diferença o tegumento ser recoberto por espinhos, espaçados no tegumento ou não. Uma segunda função defensiva seria contra ectoparasitas (APPLEGATE, 1967). No entanto, nenhuma relação robusta entre morfologia dos dentículos dérmicos e taxa de infestação foi apresentada até o momento, não havendo dados sobre isso na literatura (REIF, 1985; RASCHI; TABIT, 1992). No entanto, estudos mais recentes sobre biomimética têm demonstrado um papel mais funcional em relação aos dentículos de defesa de elasmobrânquios, a ação anti-incrustante (biofouling) (FELD et al., 2019). Através do estudo dos dentículos dérmicos de espécies de natação lenta como Squalus acanthias, Somniosus microcephalus e Scyliorhinus canicula, os autores postulam que classificação mais “correta” do morfotipo de defesa seria a ação anti-incrustante. Outra função amplamente atribuída aos dentículos dérmicos é a hidrodinâmica. Tubarões de nado ativo apresentam dentículos dérmicos com cristas longitudinais em sua coroa 30 (Fig. 3) que reduzem o arrasto (DEAN; BHUSHAN, 2010). Raschi e Tabit (1992) citam que muitos autores como Applegate (1967) e Reif (1978) indicam inicialmente a função hidrodinâmica unicamente pelas cristas dispostas longitudinalmente e ordenadas na superfície da coroa. Este arranjo resulta em uma canalização anteroposterior do fluxo de água e, portanto, reduziria o arrasto causado pelo atrito. Ornamentos hexagonais (microrelief ou ectodermal pits) foram descritos primeiramente por Hertwig (1874), e alguns outros autores como Muñoz-Chápuli (1985) assumiram que essas “impressões” são processos de Tomes, ou seja, projeções de ameloblastos que se desenvolvem após ocorrer a deposição da primeira camada de esmalte (KALLENBACH, 1973). Reif (1985) analisando algumas espécies de elasmobrânquios, notou que apenas algumas espécies possuíam esses ornamentos enquanto que na grande maioria da amostra essa condição estava ausente, levando-o a determinar que a proposta anterior era insuficiente para explicar a ausência desses ornamentos em certos dentículos e/ou áreas específicas. Figura 3. Estrutura da superfície dorsal de um dentículo dérmico tricuspidado de Scyliorhinus canicula, exibindo as cristas superficiais (setas). Barra de escala: 50 μm. Retirado e modificado de Sullivan e Regan (2011). 31 Fonte: Modificado de Sullivan e Regan (2011). A associação de órgãos sensoriais com dentículos dérmicos é bem documentada na literatura. Peach e Marshall (2009) examinaram a distribuição dos diferentes tipos de neuromastos da linha lateral em diversas espécies, i.e., Heterodontus portusjacksoni, Hemiscyllium ocellatum, Carcharhinus amblyrhynchos, C. melanopterus, Negaprion acutidens, Triaenodon obesus, Glaucostegus typus, Trygonorrhina sp. e Pastinachus sephen, e em todas foi constatada a associação de dentículos dérmicos e órgãos sensoriais (Fig. 4). Em determinadas espécies, o fluxo de água ocorre ao redor dos dentículos com o direcionamento do mesmo através ou ao longo dos neuromastos (REIF, 1985; RASCHI; TABIT, 1992; PEACH; MARSHALL, 2009). Em muitos casos, esses dentículos ou os dentículos adjacentes parecem atuar como direcionadores do fluxo de água para dentro dos canais e poros sensitivos (REIF, 1985; PEACH; MARSHALL, 2009). Além disso, os dentículos podem atuar como protetores contra o fluxo direto de água nesses canais (TESTER; NELSON, 1967). 32 Figura 4. Neuromastos livres (setas brancas) entre os dentículos dérmicos do tronco de Glaucostegus typus. Barra de escala: 100 um. Retirado e modificado de Peach e Marshall (2009). Fonte: Modificado de Peach e Marshall (2009). Atualmente, os dentículos da cavidade orofaríngea, chamados aqui de “dentículos orais” têm sido tema de diversos estudos focados na morfologia (REIF, 1985; ATKINSON; COLLIN, 2012; LARANJEIRA et al., 2015; ATKINSON et al., 2016; RANGEL et al., 2017, 2018, 2019; POSCAI et al., 2021, 2022), como possíveis fontes de informações para a compreensão da ecologia e taxonomia das espécies examinadas. Dentículo estomodeal era o termo utilizado à época em que os dentículos orais foram descritos por Hertwig (1874) e posteriormente por Steinhard (1903), que utilizou o termo “mucous membrane scales”, assim como Imms (1905) e Radcliffe (1916) (SAYLES; 33 HERSHKOWITZ, 1937). Steinhard (1903) sugeriu que eles poderiam auxiliar na trituração dos alimentos. Alternativamente, o aumento da aspereza devido às coroas de dentículos dérmicos espinhosos projetando-se da superfície tegumentar atuaria na apreensão do alimento durante a deglutição (RASCHI; TABIT, 1992). Nelson (1970) estudando os dentículos orais em diferentes espécies de tubarões, concluiu que essas estruturas participam da formação de unidades coesivas denominadas “almofadas faríngeas” (pharyngeal pads). Segundo ele, áreas de tecido espesso e constituído por dentículos são sustentadas por várias partes do esqueleto visceral e, portanto, podem funcionar de maneira unificada, analogamente às placas dentais faríngeas encontradas em muitos teleósteos. Essas estruturas poderiam atuar na movimentação de alimentos da faringe para o esôfago. Ele ainda indicou que esses dentículos podem ser uma potencial ferramenta em estudos de sistemática. Possíveis funções dos dentículos dérmicos orais podem estar relacionadas à alteração do fluxo hidrodinâmico sobre as brânquias durante a natação, especialmente em espécies que se deslocam constantemente para frente (ventilação ram), ou ainda, para proteção contra abrasão. As cristas podem estar relacionadas com a ventilação ram, presente em espécies pelágicas de nado mais ativo. Os dentículos dos Carcharhinidae embasam essa hipótese, pois exibem cristas bem demarcadas para reduzir o arrasto sob o epitélio da cavidade orofaríngea enquanto nadam com a boca aberta. Além disso, podem atuar como canalizadores do fluxo de água para as papilas orais, e ainda, podem funcionar como ancoragem dos alimentos durante alimentação (ATKINSON; COLLIN, 2012; POSCAI et al., 2021). Outra característica dos dentículos orais é sua ampla associação às papilas gustativas, ao qual sua distribuição parece ser inversamente proporcional ao número desses órgãos sensoriais (ATKINSON; COLLIN, 2012; RANGEL et al., 2017, 2018, POSCAI et al., 2021). Estudos sobre dimorfismo sexual dos dentículos dérmicos em elasmobrânquios são escassos. Crooks et al. (2013) analisaram esse aspecto em Scyliorhinus canicula e constataram que fêmeas possuem dentículos maiores do que machos, relacionando com aspectos do comportamento reprodutivo. Ainda, outros trabalhos apresentam evidências que em espécies de tubarões ovíparos, como o Cephaloscyllium ventriosum, duas fileiras de dentículos presentes na região dorsal de recém-nascidos demonstram que, possivelmente, os dentículos auxiliam a saída da cápsula de ovo (FORD, 1921; GROVER, 1974). 34 Outra função atribuída aos dentículos é a de auxiliar na alimentação, com a ancoragem do item alimentar na região caudal, na qual auxiliam nesse processo. As observações dos autores demonstraram que os juvenis de Scyliorhinus canicula usam os dentículos dérmicos para manipulação externa, ou seja, eles “fixam” o alimento na região lateral-caudal do corpo, onde os dentículos são mais alongados do que em outras regiões (SOUTHALL; SIMS, 2003). 1.1.4 Aplicações morfológicas dos dentículos dérmicos A biomimética é a área de estudo que utiliza do preceito básico de que “a natureza sempre serviu de modelo para imitar e inspirar os humanos em seu desejo de melhorar sua vida” (BAR-COHEN, 2005, 2006). Por meio de adaptações de mecanismos e recursos da natureza, as abordagens científicas têm ajudado os seres humanos a compreender fenômenos e seus princípios, a fim de desenvolver novas ferramentas e melhorar sua capacidade (BAR-COHEN, 2006). Bechert et al. (1986) analisou a redução de arrasto associada às cristas de espécies de tubarões de alta capacidade natatória. Segundo Lloyd et al. (2021) dentículos dérmicos têm fascinado físicos, engenheiros e biólogos por décadas, devido a sua estruturação complexa que possibilita a redução de arrasto. Entretanto, essa estruturação pode variar de acordo com a localização dos dentículos no corpo do animal, assim como variam de tamanho intra e interespecificamente (REIF, 1985; LLOYD et al., 2021). Nos anos 1980, iniciaram-se estudos sobre dentículos dérmicos de elasmobrânquios e sua aplicação em diferentes estruturas. Em barcos de corrida e em navios, filmes de vinil imitando dentes foram utilizados para reduzir o arrasto e obter maior velocidade. Além disso, em aeronaves, o uso de materiais que imitam as cristas longitudinais também foram avaliados (DEAN; BHUSHAN, 2010). Uma das aplicações mais conhecidas é a da roupa de natação para competições, cuja eficiência mostrou-se tão alta que posteriormente foi banida de competições oficiais (MATTHEWS, 2008; DEAN; BHUSHAN, 2010). Designs de membranas flexíveis impressas em 3D foram confeccionados (Fig. 5), a fim de desenvolver diferentes modelos para testar velocidades de natação (WEN; WEAVER; LAUDER, 2014). Os autores destacam que comparações quantitativas da hidrodinâmica entre 35 os modelos desenvolvidos fornece uma ferramenta experimental útil para trabalhos futuros sobre a diversidade natural de dentículos dérmicos tanto entre espécies quanto em diferentes localizações do corpo. Figura 5. Imagens de microscópio eletrônico das membranas sintéticas de pele de tubarão fabricadas. Matrizes escalonadas e lineares são mostradas de cima (a) e lateralmente (b). Os dentículos individuais têm 1,1 mm de largura. Retirado e modificado de Wen, Weaver e Lauder, 2014. Fonte: Modificado de Wen, Weaver e Lauder (2014). 36 Propriedades anti-incrustantes têm sido atribuídas aos dentículos. Dundar et al. (2018) combinaram padrões anti-incrustantes com nanopartículas de dióxido de titânio e produziram superfícies fotocatalíticas, o que permitiu a produção de revestimentos de grande área de alta performance que repelem e inativam bactérias. Outro estudo aborda essa ação em espécies de tubarões de natação mais lenta, onde os autores ressaltam que os dentículos dérmicos classificados como de defesa e resistência à abrasão induzem a uma instabilidade de fluxo que leva a maiores velocidades de pico intermitentemente, ou seja, eles especulam que pequenos agentes de incrustação possam ser “lavados” durante esse pico de velocidade (FELD et al., 2019). Além disso, foi verificado que os dentículos dérmicos que recobrem o tegumento de tubarões impedem o crescimento bacteriano, agindo assim como uma superfície antibacteriana. Um produto chamado Sharklet, que consiste em uma folha de plástico com a textura microscópica de dentículos, é utilizado para disseminar infecções bacterianas em hospitais, restaurantes e outros locais (DAS et al., 2015). Por fim, a NASA (National Aeronautics and Space Admnistration) encomendou um estudo sobre os aspectos hidrodinâmicos dos dentículos dérmicos em 15 espécies de tubarões, i.e., Prionace glauca, Carcharhinus plumbeus, C. signatus, C. obscurus, Rhizoprionodon terraenovae, Ginglymostoma cirratum, utilizando, dentre outros métodos, a microscopia eletrônica de varredura (RASCHI; MUSICK, 1986). 37 2. OBJETIVOS 2.1 Geral Analisar a morfologia microscópica dos dentículos dérmicos orais e das papilas orais em tubarões da superordem Galeomorphii (Heterodontiformes, Orectolobiformes, Lamniformes e Carcharhiniformes), relacionando a ecomorfologia e as implicações filogenéticas dessas estruturas. 2.2 Específicos • Analisar comparativamente essas estruturas ao nível de famílias, bem como em táxons menos inclusivos, para verificar possíveis variações nesse complexo morfológico. • Avaliar a relação de variações morfológicas entre os táxons em relação às preferências alimentares, nível trófico e habitat aos quais as espécies estão associadas. • Descrever eventuais variações ontogenéticas e sexuais nos caracteres morfológicos apresentados. • Avaliar as implicações filogenéticas entre os morfotipos funcionais dos dentículos orais e as espécies estudadas, por meio de um cladograma previamente estabelecido e os dados obtidos nesse estudo. 38 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1 Espécimes analisados Foram analisados 49 espécimes de 17 famílias e 39 espécies de tubarões Galeomorphii, obtidos em coleções nacionais provenientes do Laboratório de Pesquisa de Elasmobrânquios da UNESP (IB/CLP), em São Vicente, São Paulo; do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP), São Paulo; Hokkaido University Museum (HUMZ), Hakodate, Japão; e Museu Nacional de Praga (NMP), República Tcheca. O acesso a exemplares e espécies mantidos em outras coleções foi impedido pelo advento da Pandemia de SARS-Covid 19. O arranjo taxonômico aqui utilizado segue Compagno (1984a,1984b), Gadig (2001), Gomes et al. (2010) e Ebert, Dando e Fowler (2021). Para cada espécime, foram tomados, sempre que possível, o comprimento total (CT em cm), sexo e procedência. Amostras da cavidade orofaríngea que compreendem as regiões dorsal e ventral foram coletadas (Fig. 6). Alguns espécimes não possuíam catalogação no momento em que foram examinados, sendo referidos como N/C (não catalogados). Na lista de espécies examinadas apresentada a seguir, CT se refere ao comprimento total em centímetros. 39 Figura 6. Carcharias taurus com a cavidade orofaríngea exposta evidenciando as regiões dorsal e ventral amostradas neste estudo para análises de microscopia eletrônica de varredura (MEV) e de microtomografia computadorizada (MC). Barra de escala: 13 cm. Fonte: Aline N. Poscai e Otto B. F. Gadig 40 Abaixo, segue a lista dos espécimes examinados neste estudo, contendo informações sobre origem do material, número de tombo, sexo e comprimento total, quando disponíveis. A classificação taxonômica seguida foi a de Fricke, Eschmeyer e Fong (2022). Superordem Galeomorphii Subclasse Elasmobranchii Ordem Heterodontiformes Família Heterodontidae Heterodontus francisci (Girard 1855), IB/CLP 66: ♀ 27 cm CT Heterodontus japonicus Miklouho-Maclay & Macleay 1884, NMP6V 33767: ♂ 22,3 cm CT Ordem Orectolobiformes Família Ginglymostomatidae Ginglymostoma cirratum (Bonnaterre 1788) IB/CLP N/C: ♀ 26,5 cm CT Família Hemiscylliidae Chiloscyllium punctatum Müller & Henle 1838, IB/CLP 0024: ♂ 84 cm CT Família Orectolobidae Orectolobus ornatus (De Vis 1883), IB/CLP N/C: ♂ 50 cm CT Família Rhincodontidae Rhincodon typus Smith 1828, MZUSP N/C: ♀ 51,2 cm CT 41 Ordem Lamniformes Família Alopiidae Alopias superciliosus (Lowe 1841), IB/CLP N/C: ♂ 90 cm CT Alopias vulpinus (Bonnaterre 1788), IB/CLP N/C: ♂ 340 cm CT Família Carchariidae Carcharias taurus Rafinesque 1810, IB/CLP N/C: 16 cm CT; MZUSP 37280: ♀ 21,4 cm CT; IB/CLP N/C: ♂ 41 cm CT; IB/CLP N/C: cabeça, CT e sexo indeterminados Família Lamnidae Isurus oxyrinchus Rafinesque 1810, IB/CLP N/C: cabeça, CT e sexo indeterminados Lamna nasus (Bonnaterre 1788): IB/CLP N/C: 90 cm CT, cabeça, e sexo indeterminado Família Mitsukurinidae Mitsukurina owstoni Jordan 1898, MZUSP N/C: ♀ 111,2 cm CT Família Odontaspididae Odontaspis ferox (Risso 1810), IB/CLP N/C: ♂ 315 cm CT Ordem Carcharhiniformes Família Atelomycteridae Atelomycterus marmoratus (Anonymous [Bennett] 1830), NMP6V 33773: ♂ 54 cm CT; NMP6V 33774: ♂ 49 cm CT Schroederichthys chilensis (Guichenot 1848), NMP6V 80181: ♀ 51 cm CT Schroederichthys saurisqualus Soto 2001, IB/CLP 33535: ♂ 54,5 cm CT Família Scyliorhinidae Scyliorhinus haeckelii (Miranda Ribeiro 1907): IB/CLP 334: ♀ 43,8 cm CT Scyliorhinus ugoi Soares, Gadig & Gomes 2015, IB/CLP 0104: ♂ 53 cm CT Scyliorhinus sp. IB/CLP N/C: ♀ 40 cm CT; IB/CLP N/C: ♂ 37,5 cm CT 42 Família Pentanchidae Galeus melastomus Rafinesque 1810, NMP6V 33776: ♂ 48 cm CT; NMP6V 33777: ♂ 33,3 cm CT Parmaturus angelae Soares, Carvalho, Schwingel & Gadig 2019, MZUSP 124001: ♀ 42,5 cm CT Família Triakidae Galeorhinus galeus (Linnaeus 1758), IB/CLP N/C: ♀ 39 cm CT Mustelus asterias Cloquet 1819, NMP6V 80323: ♂ 40 cm CT Mustelus schmitti Springer 1939, IB/CLP N/C: ♂ 67,5 cm CT Família Hemigaleidae Hemigaleus microstoma Bleeker 1852, HUMZ 01823: ♂ 85 cm CT Família Carcharhinidae Carcharhinus brevipinna (Valenciennes 1839), IB/CLP N/C: ♀ 67 cm CT Carcharhinus leucas (Valenciennes 1839), IB/CLP 194: ♂ 80 cm CT; IB/CLP N/C: ♂ 85 cm CT Carcharhinus limbatus (Valenciennes 1839), IB/CLP 110: ♀ 65 cm CT Carcharhinus obscurus (Lesueur 1818), IB/CLP 106: ♀ 90 cm CT; IB/CLP 107: ♀ 90 cm CT Carcharhinus plumbeus (Nardo 1827), IB/CLP 018: cabeça, CT e sexo indeterminados Carcharhinus signatus (Poey 1868), IB/CLP N/C: 170 cm CT, cabeça, sexo indeterminado Galeocerdo cuvier (Péron & Lesueur 1822), IB/CLP: cabeça, CT e sexo indeterminados; IB/CLP N/C: cabeça, CT e sexo indeterminados Isogomphodon oxyrhynchus (Müller & Henle 1839), MZUSP 37289: ♂, 59,4 cm CT Scoliodon laticaudus Müller & Henle 1838, NMP6V 33797: ♀, 35 cm CT Rhizoprionodon porosus (Poey 1861), IB/CLP 022: cabeça, CT e sexo indeterminados 43 Família Sphyrnidae Eusphyra blochii (Cuvier 1816), NMP6V 80211: ♂, 41 cm CT Sphyrna tiburo (Linnaeus 1758), MZUSP 37341: cabeça, CT e sexo indeterminados Sphyrna tudes (Valenciennes 1822), MZUSP 44660: ♂ 17,4 cm CT; MZUSP 44660: ♀ 17,4 cm CT Sphyrna zygaena (Linnaeus 1758) IB/CLP N/C: cabeça, CT e sexo indeterminados As espécies aqui examinadas foram agrupadas de acordo com seus habitats, seguindo os critérios adotados em Gadig (2001), como segue: Costeiros: da zona entre-marés até 200 m de profundidade; espécies com ciclo de vida inteiramente ou usualmente na plataforma continental; Oceânicos: além da plataforma continental, incluindo ilhas oceânicas; espécies com ciclo de vida inteiramente ou usualmente associado a esses ambientes; Oceânico-Costeiro: área extensa; espécies com distribuição associada a padrões de movimentos migratórios reprodutivos, ontogenéticos ou mesmo por diferenças populacionais; Demersal: associado ao substrato ou muito próximo dele, desde a zona entre-marés até grandes profundidades das regiões demersais; Pelágico: a coluna de água; sem modo de vida usualmente associado ao substrato ou próximo dele. Dados sobre as espécies examinadas, como o número amostral (N), comprimento total em centímetros (CT), sexo, maturidade sexual (MAT), habitat (HAB), morfotipo dos dentículos, tamanho máximo do embrião ao nascer (TE), tamanho máximo do adulto em centímetros (TA) e nível trófico (Ntro) são indicados na Tabela 1. As informações sobre dados biológicos foram retiradas de Compagno (1984a, 1984b), Gadig (2001) e Ebert, Dando e Fowler (2021). A classificação dos morfotipos dos dentículos foram baseados nos estudos de Reif (1985) e Dillon, Norris e O’Dea (2017). 44 Tabela 1. Sumário de atributos ecológicos das espécies aqui estudadas. N = número amostral, CT = comprimento total em centímetros, sexo, MAT = maturidade sexual do espécime, HAB = habitat, morfotipo do dentículo – segundo Reif (1985) e Dillon, Norris e O’Dea (2017), TE = tamanho em centímetros do embrião ao nascer, TA = tamanho máximo do adulto em centímetros e NTro = nível trófico - segundo Cortés (1999). Espécie N CT (cm) Sexo MAT HAB Morfotipo TE (cm) TA (cm) Ntro Heterodontus francisci 1 ~ 27 F Embrião CO, DE Resistência à abrasão ~ 15 – 17 ~ 122 3.2 H. japonicus 1 ~ 22,3 M Embrião CO, DE Resistência à abrasão ~ 18 ~ 120 3.6 Ginglymostoma cirratum 1 ~ 26,5 F Embrião CO, DE Resistência à abrasão ~ 27 - 30 ~ 304 3.8 Chiloscyllium punctatum 1 ~ 84 M Adulto CO, DE Resistência à abrasão ~ 13 - 17 ~ 105 4.1 Orectolobus ornatus 1 ~ 50 M Juvenil CO, DE Ausente ~ 20 ~ 288 4.0 Rhincodon typus 1 ~ 51,2 F Embrião OC,CO Funções generalizadas ~ 46 ~ 1800 3.5 Alopias superciliosus 1 ~ 90 M Embrião OC, PE Resistência à abrasão ~ 100 - 140 ~ 461 4.2 Alopias vulpinus 1 ~ 340 M Adulto OC, CO, ES Resistência à abrasão ~ 114 - 160 ~ 635 4.2 Carcharias taurus 3 ~ 16 ~ 21,4 ~ 41 F (21,4 cm) / M (41 cm) Três embriões CO, DE Ausente ~ 95 - 105 ~ 320 4.4 Carcharias taurus 1 n/a n/a Adulto CO, DE Funções generalizadas ~ 95 - 105 ~ 320 4.4 Isurus oxyrinchus 1 n/a n/a Juvenil OC, PE Resistência à abrasão ~ 60 - 70 ~ 408 4.3 Lamna nasus 1 90 n/a Juvenil OC, PE Resistência à abrasão ~ 60 - 80 ~ 355 4.2 Mitsukurina owstoni 1 ~ 111,2 F Juvenil OC, DE Funções generalizadas/ defesa ~ 80 - 90 ~ 620 4.1 Odontaspis ferox 1 ~ 315 M Adulto OC, DE Funções generalizadas ~ 105 ~ 450 4.2 Atelomycterus marmoratus 2 ~ 49 ~ 54 M F Adultos CO, DE Resistência a abrasão ~ 10 - 13 ~ 70 4.1 Schroederichthys chilensis 1 ~ 51 F Adulto CO, DE Resistência à abrasão ~ 10 ~ 70 3.5 S. saurisqualus 1 ~ 54,5 M Adulto CO, OC, DE Ausente n/a ~ 69,2 3.8 45 Scyliorhinus sp. 2 ~ 43,8 F M Adultos DE Ausente n/a n/a 4.0 Scyliorhinus haeckelii 1 ~ 43,8 F Adulto CO, DE Ausente ~ 10 - 13 ~ 60 4.0 S. ugoi 1 ~ 53 M Adulto CO, OC, DE Ausente n/a ~ 63 3.9 Galeus melastomus 2 ~ 33,3 ~ 48 M Juvenil/ Adulto CO, DE Ausente n/a ~ 90 3.7 Parmaturus angelae 1 ~ 42,5 F Adulto OC, DE Ausente n/a n/a 3.6 Galeorhinus galeus 1 ~ 39 F Embrião CO, DE Resistência à abrasão ~ 30 - 40 ~ 195 4.2 Mustelus asterias 1 ~ 40 M Juvenil CO, DE Resistência à abrasão ~ 28 ~ 140 3.7 M. schmitti 1 ~ 67,5 M Adulto CO, DE Resistência à abrasão ~ 26 ~ 74 3.6 Hemigaleus microstoma 1 ~ 85 M Adulto CO, DE Ausente ~ 47 ~ 91 4.2 Carcharhinus brevipinna 1 ~ 67 F Juvenil CO Funções generalizadas ~ 48 - 80 ~ 280 4.2 C. leucas 2 ~ 80 ~ 85 M M Juvenis CO, ES, RI Funções generalizadas ~ 56 - 81 ~ 340 4.3 C. limbatus 1 ~ 65 F Juvenil CO Funções generalizadas ~38 -72 ~ 255 4.2 C. obscurus 2 ~ 90 ~ 90 F F Juvenis CO, OC Funções generalizadas ~ 70 - 100 ~ 400 4.2 C. plumbeus 1 n/a n/a Juvenil CO, PE Funções generalizadas ~ 40 - 76 ~ 300 4.1 C. signatus 1 ~ 170 n/a Adulto OC Funções generalizadas ~ 60 - 72 ~ 280 4.2 Galeocerdo cuvier 2 n/a n/a Juvenis CO, OC Funções generalizadas ~ 51 - 90 ~ 550 4.1 Isogomphodon oxyrhynchus 1 ~ 59,4 M Juvenil CO, DE Funções generalizadas ~ 42 ~ 160 4.5 Rhizoprionodon porosus 1 n/a n/a Adulto CO, DE, PE Funções generalizadas ~ 31 - 39 ~ 110 3.8 Scoliodon laticaudus 1 ~ 35 F Adulto CO, DE Funções generalizadas ~ 12 - 15 ~ 91 3.8 Eusphyra blochii 1 ~ 41 M Juvenil CO, PE Funções generalizadas ~ 32 - 45 ~ 152 4.1 Sphyrna tiburo 1 n/a n/a Embrião CO, DE Resistência à abrasão ~ 35 - 40 ~ 150 3.2 S. tudes 2 ~ 17,4 ~ 17,4 M F Embriões CO, DE Resistência à abrasão ~ 30 ~ 150 3.6 46 S. zygaena 1 n/a n/a Juvenil CO, OC, PE Resistência à abrasão ~ 49 - 63 ~ 400 4.2 3.2 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) Foram coletadas por incisão, amostras de tegumento de, no mínimo 2 cm x 2 cm, da cavidade orofaríngea, nas regiões do epitélio compreendendo o basihial, referido como ventral e a região do palato, referida como dorsal. As amostras foram conservadas em álcool 70% e em seguida, desidratadas em séries crescentes de álcoois (50%, 70%, 90% e 100%). Posteriormente foram inclusas em equipamento para realização do ponto crítico (Balzers CPD 030), coladas em stubs, metalizadas em ouro no aparelho metalizador (EMITECH K550) e micrografadas em microscópio eletrônico de varredura (POSCAI et al., 2017, 2021, 2022) no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP). Edições das imagens foram realizadas no software PhotoScape X (versão 4.1.1). 3.3 Microtomografia computadorizada (MC) As amostras utilizadas para o microtomografia computadorizada (MC) foram as mesmas processadas para MEV, para fins comparativos entre os dois métodos. As amostras foram dissecadas e conservadas em álcool 70%. Em seguida, colocadas sobre um suporte de isopor e cobertas por uma camada de Parafilm M, que impede a desidratação das mesmas. A voltagem aplicada foi entre 20 e 90 Kv. Após esse procedimento, foram examinadas no equipamento Micro-CT (SkyScan 1176) no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Foi realizado um total de 20 projeções das seguintes espécies: Lamna nasus, Carcharhinus leucas, C. limbatus, C. obscurus e Galeocerdo cuvier, referentes às regiões ventral e dorsal da cavidade orofaríngea. 47 As séries de imagens foram importadas para o software Amira (versão 5.0). A partir das reconstruções em 3D obtidas, as edições das imagens e montagem de pranchas foram realizadas utilizando o software PhotoScape X (versão 4.1.1). 3.4 Forma de análise dos resultados A partir das micrografias obtidas, análises quantitativas e qualitativas foram realizadas no software Image J (versão 1.50e). Inicialmente, o ajuste da barra de escala foi regulado de acordo com o aumento de cada imagem, usando o micrômetro como unidade de medida. A medida do dentículo foi obtida através da mensuração do diâmetro da coroa. Em ambas regiões, dorsal ou ventral, ao menos 25 dentículos foram mensurados, e a média e desvio padrão foram calculados. Em relação às medidas das papilas, o diâmetro da mesma (micrômetro) foi mensurado. Ao menos duas papilas por região foram mensuradas, e a média e desvio padrão foram calculados. A estimativa da densidade por cm2 de ambas estruturas foi dada a partir das imagens de MEV. Primeiramente, a escala foi ajustada de acordo com a unidade de medida (micrômetro), conforme o aumento e barra de cada imagem. Em seguida, um quadrado de 1 x 1 mm foi feito em pelo menos três quadrantes aleatórios em uma mesma imagem. Dentro de cada quadrante, os dentículos e papilas foram contados (foram considerados válidos os dentículos e papilas que estavam pelo menos 50% dentro do quadrante). Após determinar o número de papilas e dentículos, uma estimativa em cm2 foi determinada (número de papilas/dentículos por mm2 x 100). A contagem de ambas estruturas foi realizada na mesma seção de tecido para permitir determinar a correlação entre as mesmas. Essa metodologia foi adaptada de Rangel et al. (2017) e baseada em Poscai et al. (2021, 2022). Para distinguir os dentículos dérmicos provenientes do tegumento corpóreo superficial (incluindo os dentículos do corpo, membrana nictitante, nadadeiras, etc.) dos dentículos da cavidade orofaríngea (incluindo palato, basihial, arcos branquiais e adjacências) foram utilizadas as nomenclaturas (1) dentículos dérmicos do tegumento superficial ou corpóreo e (2) dentículos orais, respectivamente. O termo “dentículos orais” é amplamente utilizado em 48 estudos recentes i.e., Atkinson e Collin (2012), Laranjeira et al. (2015), Atkinson et al. (2016), Ciena et al. (2016), Rangel et al. (2017, 2018, 2019), Poscai et al. (2021, 2022). A morfologia dos dentículos aqui descrita foi baseada em Raschi e Tabit (1992), Marshall (2011) e Dillon, Norris e O’Dea (2017). O dentículo dérmico oral (Fig. 7) pode ser dividido nas regiões anterior e posterior. Ornamentos hexagonais ou “favos de mel” podem estar presentes na coroa, geralmente na porção anterior, mas podem ser encontrados em toda a superfície do dentículo. Além disso, a maioria dos dentículos possui uma crista anteroposterior primária, que se estende à borda anterior do pedúnculo até a superfície da coroa. No entanto, geralmente há mais de uma crista (uma a sete) cobrindo a coroa do dentículo dérmico. Além disso, os tamanhos e formas das cristas também variam dentro de uma mesma espécie e entre outras, assim como a morfologia geral do dentículo. Após a análise das micrografias de MEV, os morfotipos funcionais dos dentículos orais foram estabelecidos seguindo Reif (1985) e mais recentemente Dillon, Norris e O’Dea (2017) e Ferrón e Botella (2017), que classificam em cinco tipos: resistência à abrasão, defesa, redução do arrasto, funções generalizadas e bioluminescência. Considerando a variação inter e intraespecífica que os dentículos dérmicos apresentam, a classificação desses morfotipos aqui adotados seguiu os padrões estabelecidos por esses autores. Além disso, vale ressaltar que a maioria dos dentículos examinados neste estudo podem ser considerados como “contínuos”, na medida em que estão numa linha tênue entre dois morfotipos (Erin Dillon, University of California, comunicação pessoal). No entanto, a classificação foi a mais cautelosa possível considerando a localização desses dentículos e a morfologia dos mesmos. Por fim, em relação aos morfotipos de resistência à abrasão e resistência à abrasão das cristas, neste presente estudo, foi considerado apenas o grande grupo de “resistência à abrasão”. A diferença morfológica entre as duas formas é a ausência ou presença de cristas nos dentículos, no entanto, a função se mantém a mesma. 49 Figura 7. Morfologia geral dos dentículos orais. (a) Microscopia eletrônica de varredura do dentículo de Carcharhinus limbatus, composto pela vista dorsal da coroa e cúspides laterais (tricuspidado) na região posterior, cristas e ornamentos hexagonais na região anterior; (b) Microtomografia computadorizada do dentículo oral de Lamna nasus, com a vista lateral evidenciando a coroa, pedúnculo e placa basal, exemplificando a nomenclatura utilizada para descrição dos dentículos neste estudo; (c) Critérios utilizados para determinar o nível de proximidade dos dentículos – retirado e modificado de Marshall (2011). Barra de escala: a, b 100 μm. Fonte: Aline N. Poscai e modificado de Marshall (2011) 50 3.5 Relações filogenéticas Após o estabelecimento dos morfotipos funcionais das 39 espécies examinadas, uma matriz de caracteres foi elaborada no programa Mesquite versão 3.70 (MADDISON; MADDISON, 2021). A árvore foi construída manualmente no mesmo programa e seguiu as relações de parentesco de acordo com Naylor et al. (2012). Após essa etapa, os tipos funcionais propostos foram submetidos a uma reconstrução histórica com o intuito de compreender a sua evolução, e sobrepostos na árvore de interrelações dos elasmobrânquios, empregando a máxima parcimônia como método de otimização. Para compreender a variação dos morfotipos de dentículos orais ao longo da filogenia foi elaborada uma análise através de caracteres provenientes dessas estruturas, representada na árvore da Figura 8. 51 Figura 8. Reconstrução histórica dos diferentes morfotipos dos dentículos orais da cavidade orofaríngea na árvore filogenética de Naylor et al. (2012), utilizando a parcimônia como critério de otimização. Fonte: Aline N. Poscai e modificado de Naylor et al. (2012) 52 4. RESULTADOS 4.1 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) Ordem Heterodontiformes Família Heterodontidae Heterodontus francisci Em um embrião fêmea de H. francisci (CT = 27 cm), os dentículos orais estão distribuídos nas regiões dorsal e ventral da cavidade orofaríngea, e suas cúspides se direcionam ao esôfago. Apresentam tamanho médio de 244,3 ± 63,2 µm e densidade de aproximadamente 400 dentículos por cm2 dorsalmente e 350 por cm2 ventralmente. Os dentículos apresentam formato de “folha” e apresentam uma única cúspide pontiaguda (Tabela 2). Os dentículos possuem uma crista bem pronunciada da margem posterior a anterior do dentículo, ou em alguns casos, podem ser ausentes (Fig. 9a-b, d-e). Os dentículos estão distribuídos espaçadamente no epitélio orofaríngeo e, em alguns casos, formam um arranjo circular em volta das papilas orais (Fig. 9a,d). As papilas orais são circulares e se localizam entre os dentículos. O tamanho médio é de 133,3 ± 35,5 µm e densidade de ~ 140 papilas por cm2 dorsalmente (Fig. 9a,c) e ~ 150 por cm2 ventralmente (Fig. 9d,f) (Tabela 3). 53 Figura 9. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de embrião fêmea de Heterodontus francisci (CT= 27 cm). (a-c) região dorsal, com dentículos unicuspidados (d) localizados próximos as papilas circulares (setas brancas); (d-f) região ventral com dentículos unicuspidados (d) que em alguns casos formam um arranjo circular em torno das papilas (setas brancas). Barra de escala: a 200 μm; b, d, e 100 μm; c, f 20 μm. Fonte: Aline N. Poscai Heterodontus japonicus Em um embrião macho de H. japonicus (CT= 22,3 cm) os dentículos e papilas orais estão distribuídos espaçadamente entre si, somente na região ventral da cavidade orofaríngea. Majoritariamente, as cúspides dos dentículos se direcionam para o esôfago. Os dentículos são unicuspidados, não possuem ornamentos hexagonais e em alguns casos, possuem uma única crista, restrita a região anterior do dentículo. Apresentam tamanho médio de 295,7 ± 69,5 µm e densidade de ~ 175 cm2 ventralmente (Fig. 10a-d) (Tabela 2). As papilas são circulares com tamanho médio de 358,3 ± 47 µm e densidade de ~ 375 cm2 ventralmente (Tabela 3). Não foi possível estimar a densidade de papilas e dentículos na região dorsal devido à falta de amostras satisfatórias da região dorsal da cavidade orofaríngea desse espécime. 54 Figura 10. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da região ventral da cavidade orofaríngea de embrião macho de Heterodontus japonicus (CT= 22,3 cm). (a-d) dentículos unicuspidados (d) estão localizados próximos as papilas circulares (setas brancas). Os dentículos apresentam diferentes direcionamentos das cúspides. Barra de escala: a, c, d 100 μm; b 30 μm. Fonte: Aline N. Poscai Ordem Orectolobiformes Família Ginglymostomatidae Ginglymostoma cirratum Em um embrião fêmea de G. cirratum (CT= 26,5 cm), os dentículos orais estão distribuídos nas regiões dorsal e ventral da cavidade orofaríngea. As cúspides se direcionam ao esôfago. Os dentículos têm tamanho médio de 203,1± 21 μm e densidade média de 1.060 por cm2 dorsalmente e 750 por cm2 ventralmente, distribuídos espaçadamente entre si. Possuem três cúspides (tricuspidados) e a coroa tem formato de “estrela”, com quatro a oito cristas restritas 55 a região posterior do dentículo (Fig. 11a-c) (Tabela 2). As papilas são circulares e se encontram entre os dentículos orais (Fig. 11a-b, d-f, h-i). Possuem tamanho médio de 68,7 ± 18 μm e densidade de ~ 660 por cm2 dorsalmente e 500 por cm2 ventralmente (Tabela 3). Figura 11. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de embrião fêmea de Ginglymostoma cirratum (CT= 26,5 cm). (a-d) região dorsal com dentículos (d) tricuspidados com espaçamento entre si e papilas circulares (setas brancas); (e-i) a região ventral apresenta o mesmo padrão morfológico e de distribuição dos dentículos (d) e papilas orais (p). Barra de escala: a, b, f 100 μm; c, g, h, i 20 μm; d 10 μm; e 200 μm. Fonte: Aline N. Poscai Família Hemiscylliidae Chiloscyllium punctatum Em um macho adulto de C. punctatum (CT= 84 cm), os dentículos e papilas orais estão distribuídos nas regiões dorsal e ventral da cavidade orofaríngea. As cúspides dos dentículos se 56 direcionam ao esôfago. Os dentículos apresentam tamanho médio de 362 ± 75,6 μm e densidade de aproximadamente 460 dentículos por cm2 dorsalmente e ~ 400 por cm2 ventralmente, adjacentes entre si. Na região dorsal, os dentículos são arredondados e largos, com uma única cúspide (unicuspidado) e apresentam cristas que variam de quatro a oito restritas à região anterior (Fig. 12a-c) (Tabela 2). Na região ventral, os dentículos apresentam formato de “diamante”, mais achatados e com uma leve coroa pronunciada (Fig. 12e-h). As papilas orais são circulares e estão localizadas entre os dentículos (Fig. 12a, e, h), possuem tamanho médio de 198,5 ± 38,7 μm e densidade de 100 papilas por cm2 tanto dorsalmente quanto ventralmente (Tabela 3). Em alguns casos, em ambas regiões, os dentículos formam um arranjo circular em torno das papilas orais (Fig. 12a, e, h). Figura 12. Microscopia eletrônica de varredura dos dentículos e papilas orais da cavidade orofaríngea de macho adulto de Chiloscyllium punctatum (CT= 84 cm). (a-d) região dorsal com dentículos (d) unicuspidados e circulares, adjacentes entre si, e papilas orais circulares (setas brancas); (e-h) a região ventral apresenta dentículos (d) com formato de “diamante” e mais achatados, com uma coroa levemente mais pronunciada que a da região dorsal e papilas orais circulares (setas brancas). Em ambas regiões, os dentículos formam um arranjo circular em torno das papilas (indicados pelos asteriscos). Barra de escala: a, b, c, d, h 100 μm; e 200 μm; f, g 20 μm. 57 Fonte: Aline N. Poscai 58 Família Orectolobidae Orectolobus ornatus Em um macho juvenil de O. ornatus (CT= 50 cm), as papilas orais estão distribuídas nas regiões dorsal e ventral da cavidade orofaríngea, espaçadamente entre si. As papilas apresentam formato circular (Fig. 13a-d), tamanho médio de 115,1 ± 31 μm e densidade de aproximadamente 130 papilas por cm2 dorsalmente e ~ 100 por cm2 ventralmente (Tabela 3). Não foram observados dentículos orais em ambas regiões amostradas. Figura 13. Microscopia eletrônica de varredura das papilas orais da cavidade orofaríngea de macho juvenil de Orectolobus ornatus (CT= 50 cm). (a-b) região dorsal com papilas (p) circulares (setas brancas) espaçadas entre si; (c-d) região ventral com o mesmo padrão, as papilas (p) também são indicadas pelas setas brancas. Barra de escala: a 100 μm; b, d 20 μm; c 200 μm. Fonte: Aline N. Poscai 59 Família Rhincodontidae Rhincodon typus Em embrião fêmea de R. typus (CT= 51,2 cm), as papilas estão distribuídas nas regiões dorsal e ventral da cavidade orofaríngea, porém, nenhum dentículo foi encontrado nessas regiões. No entanto, por se tratar de um embrião cuja cavidade orofaríngea era pequena e de fácil acesso, adicionalmente, foi amostrada a região dorsal que compreende os arcos branquiais, onde foram encontrados dentículos orais. As papilas orais apresentam duas morfologias: ovais nas regiões dorsal da cavidade orofaríngea (Fig. 14a-b) e próximo aos arcos branquiais (Fig. 14e-g), e circulares na região ventral (Fig. 14c-d). O tamanho médio das papilas orais é de 80,3 ± 20,5 μm e a densidade de aproximadamente 410 papilas por cm2 dorsalmente e ~ 360 por cm2 ventralmente