ANA LUIZA ARCHANGELO PATRIMÔNIO E EXPERIÊNCIA TURÍSTICA: UMA ANÁLISE DO MERCADO MODELO EM SALVADOR-BA PATRIMÔNIO E EXPERIÊNCIA TURÍSTICA: UMA ANÁLISE DO MERCADO MODELO EM SALVADOR-BA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Turismo da Faculdade de Engenharia e Ciências - Câmpus de Rosana, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Turismo. Orientador: Prof. Dr. Rafael Henrique Teixeira da Silva Rosana 2024 ANA LUIZA ARCHANGELO PATRIMÔNIO E EXPERIÊNCIA TURÍSTICA: UMA ANÁLISE DO MERCADO MODELO EM SALVADOR-BA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Turismo da Faculdade de Engenharia e Ciências - Câmpus de Rosana, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Turismo. Rosana, ____/__________/________. Componentes da Banca Examinadora: ______________________________________________________ Presidente e Orientador: Nome e título, Câmpus de ..., Universidade... ______________________________________________________ Membro Titular: Nome e título, Câmpus de..., Universidade... ______________________________________________________ Membro Titular: Nome e título, Câmpus de..., Universidade... *A data de aprovação e as assinaturas dos membros componentes da banca examinadora devem ser colocadas após a aprovação do trabalho. Dica: escanei a folha depois de assinada e assim como na folha da ficha catalográfica utilize Adobe Pro ou outros recursos que juntam arquivos PDF. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Josué e Mônica, por sempre me apoiarem incondicionalmente. Nada disso seria possível sem o amor e o incentivo de vocês. À minha segunda família, Nathália Gomes, Thainara Damascena, Jackline Nascimento e Camilly Santos, graças a vocês, tive os melhores momentos da minha vida e devo muito do que sou hoje à experiência não só de morarmos juntas, mas de dividirmos a vida durante essa trajetória. A República Casinha sempre vai ficar guardada no meu coração. Agradeço também aos meus amigos José Gustavo, Júlia Maciel, Júlia Pedrosa e Glória Geovanna pela companhia e pelo laço lindo que formamos nesse caminho longo. A vida fica mais leve com vocês. Ao meu orientador, Prof. Rafael Henrique Teixeira-da-Silva, pela paciência, apoio e incentivo durante esses anos de pesquisa juntos. Agradeço a oportunidade e por sempre topar minhas ideias. À Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho”, campus de Rosana, por todo o aprendizado e pela oportunidade de crescimento acadêmico e pessoal. Sou grata a todos os professores e funcionários por lutarem sempre pelo campus e pelos alunos. Por último, mas não menos importante, à pessoa que me tornei nessa longa e intensa trajetória que é a universidade. EPÍGRAFE "Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota" — Madre Teresa de Calcutá. RESUMO O Mercado Modelo, edificação tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e situada no coração do Centro Histórico de Salvador, representa um marco fundamental na história e cultura da cidade. Inaugurado em 1912, o mercado passou por diversas reformas e transformou-se no maior centro de artesanato do Brasil. Este trabalho tem como objetivo analisar a influência do Mercado Modelo na experiência turística, considerando seu papel como patrimônio cultural e centro de preservação da memória baiana. A pesquisa parte da compreensão de que o turismo cultural, conforme Richards (2013), desempenha um papel central no consumo de cultura, seja por meio da gastronomia, souvenirs ou visitas a monumentos históricos. A experiência turística no Mercado é marcada por vivências memoráveis, como destaca Demarco (2016), e pelas emoções que impulsionam o consumo (Marsella e Gratch, 2016). No entanto, ainda há escassez de pesquisas sobre a relevância do Mercado Modelo para o turismo de Salvador. O estudo busca preencher essa lacuna, propondo estratégias que valorizem o potencial turístico do local. Palavras-chave: Mercado Modelo; Patrimônio; Experiência turística; Turismo; Cultura. ABSTRACT The Mercado Modelo, a building listed by the National Institute of Historic and Artistic Heritage (IPHAN) and located in the heart of Salvador's Historic Center, represents a fundamental milestone in the city's history and culture. Inaugurated in 1912, the market underwent several renovations and transformed into the largest craft center in Brazil. This work aims to analyze the influence of the Mercado Modelo on the tourist experience, considering its role as cultural heritage and a center for preserving Bahian memory. The research starts from the understanding that cultural tourism, as Richards (2013) states, plays a central role in the consumption of culture, whether through gastronomy, souvenirs, or visits to historical monuments. The tourist experience at the Market is marked by memorable experiences, as highlighted by Demarco (2016), and by the emotions that drive consumption (Marsella and Gratch, 2016). However, there is still a scarcity of research on the relevance of the Mercado Modelo for tourism in Salvador. The study seeks to fill this gap by proposing strategies that value the tourist potential of the location. Keywords: Mercado Modelo; Heritage; Tourist Experience; Tourism; Culture. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 1 2 OBJETIVOS ............................................................................................................. 3 3 METODOLOGIA .................................................................................................. 4 4 PATRIMÔNIO CULTURAL E MEMÓRIA: EVOLUÇÃO E DELIMITAÇÕES ...... 7 4.1 TURISMO CULTURAL .................................................................................... 13 4.2 MERCADO MODELO ................................................................................. 17 4.3 EXPERIÊNCIA TURÍSTICA ........................................................................ 19 5 ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS .................................................................... 24 5.1 Gênero ............................................................................................................ 25 5.2 Faixa etária ..................................................................................................... 26 5.3 Local de origem ............................................................................................. 28 5.4 Profissão ........................................................................................................ 29 5.5 Grau de instrução .......................................................................................... 30 5.6 Experiência turística ...................................................................................... 32 5.7 Infraestrutura ................................................................................................. 37 5.8 Patrimônio ...................................................................................................... 43 5.9 Turismo ........................................................................................................... 44 5.10 Um balanço geral dos questionários ......................................................... 45 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 49 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 51 APÊNDICE A – QUESTIONÁRIOS APLICADOS AOS TURISTAS NO MERCADO MODELO................................................................................................................... 56 1 1 INTRODUÇÃO O Mercado Modelo, reconhecido como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional pelo IPHAN, constitui-se em um dos mais relevantes ícones da cidade de Salvador- BA. Inserido no contexto do Centro Histórico, um conjunto arquitetônico e urbanístico de valor incontestável, o Mercado desempenha um papel fundamental na preservação da memória e da identidade cultural baiana. Além de abrigar a maior feira de artesanatos do Brasil, o Mercado se destaca por sua arquitetura típica do início do século XX e pela sua localização privilegiada na Cidade Baixa, em frente à Baía de Todos-os-Santos e próximo ao Elevador Lacerda, outro ícone da capital baiana. Esse conjunto arquitetônico e cultural faz com que o turismo cultural seja a principal vertente do Mercado Modelo. Segundo Richards (2013), o turismo cultural é essencial para a experiência dos visitantes, pois, independentemente do tipo de viagem, há sempre a consumação da cultura local por meio da gastronomia, dos souvenirs e das visitas a monumentos históricos. No Mercado, a interação social transcende a mera atividade comercial, manifestando-se através de performances culturais regulares, como a capoeira e o samba de roda. Tais práticas, ao se apropriarem dos espaços comuns, evidenciam a importância do local como um centro de produção e difusão de saberes e valores culturais. Inaugurado no dia 9 de dezembro de 1912, o Mercado Modelo foi criado em resposta à necessidade de um novo centro de abastecimento para a Cidade Baixa, após um incêndio ter destruído o antigo mercado em 1861. Ao longo de mais de um século de existência, o Mercado passou por diversas reformas e restaurações, adaptando-se às mudanças da cidade, mas mantendo sua essência como ponto de encontro entre o local e o global. Em 1969, após outro grande incêndio, o Mercado foi transferido para sua atual localização, o edifício da Alfândega, um prédio histórico construído em 1861, reforçando ainda mais seu valor patrimonial. Além de ser considerado o maior centro comercial de artesanato do Brasil, o Mercado Modelo oferece uma imersão na cultura baiana, com produtos que variam desde rendas, cerâmicas e artigos em couro, até os famosos berimbaus e outros instrumentos típicos da música afro-brasileira. O patrimônio cultural, enquanto depositário da memória coletiva, desempenha um papel fundamental na construção da identidade de um povo. Nesse sentido, o Mercado Modelo emerge como um 2 exemplar emblemático, constituindo-se em um legado histórico e cultural de inestimável valor. Mais do que um simples centro comercial, ele simboliza a história de Salvador e da Bahia, servindo como ponto de convergência entre o passado e o presente. A cidade de Salvador, por ter sido a primeira capital do Brasil e o principal porto de entrada de africanos escravizados no período colonial, carrega uma herança cultural rica e diversa, que se reflete em cada aspecto do Mercado Modelo. Conforme Demarco (2016), a experiência turística se caracteriza pela criação de memórias significativas. O Mercado Modelo, nesse contexto, configura-se como um espaço privilegiado para a vivência de experiências autênticas, proporcionando aos turistas a oportunidade de imergir na história e na cultura de Salvador, transcendendo a simples relação de consumo. As emoções desempenham um papel fundamental na decisão de consumo, conforme apontam Marsella e Gratch (2016), sendo que é justamente essa experiência emocional, proporcionada pelo ambiente vibrante do Mercado Modelo, que o torna tão atraente. Apesar de sua importância, observa-se uma carência de estudos acadêmicos que abordem a relevância do Mercado Modelo para o turismo e a preservação do patrimônio de Salvador. Essa lacuna foi um dos fatores que motivou a escolha do tema da presente pesquisa, especialmente considerando a conexão pessoal da autora com o estado da Bahia, onde nasceu e cresceu. A vivência pessoal nesse contexto cultural único inspirou a reflexão sobre o papel que o Mercado desempenha na formação da identidade cultural baiana e na experiência turística. Dessa forma, a pesquisa tem como objetivo investigar como o patrimônio cultural, representado pelo Mercado Modelo, influencia na experiência turística, buscando entender de que forma o turismo no local pode ser aprimorado. Ao analisar a percepção dos turistas e seu engajamento com o Mercado, espera-se contribuir para o desenvolvimento de estratégias que valorizem ainda mais o potencial turístico e cultural do espaço, promovendo sua preservação e incentivando o fluxo de visitantes, tanto locais quanto estrangeiros. O trabalho propõe, assim, não apenas uma análise histórica e cultural do Mercado, mas também uma reflexão sobre seu futuro enquanto ícone do turismo baiano. 3 2 OBJETIVOS Este estudo tem como objetivo principal investigar a influência do patrimônio cultural na construção da experiência turística no Mercado Modelo. A pesquisa analisará os diversos elementos que compõem essa experiência, desde a infraestrutura turística até as percepções e vivências dos visitantes. Objetivos específicos: 1. Compreender, por meio de questionários (McLafferty, 2010), como a infraestrutura, a hospitalidade, a qualidade dos serviços, os preços e a organização influenciam na experiência turística; 2. Analisar com base na revisão bibliográfica e na exploração dos questionários a visão dos turistas sobre o patrimônio cultural do Mercado Modelo; 3. Por fim, compreender a relação entre patrimônio cultural e experiência turística no Mercado Modelo, por meio da estratégia de triangulação metodológica proposta por Marcondes e Brisola (2013). Essa abordagem permite uma análise aprofundada dos dados coletados, combinando diferentes perspectivas teóricas e metodológicas. 4 3 METODOLOGIA A metodologia utilizada no desenvolvimento do trabalho de pesquisa é uma forma concreta, racional e eficiente de busca de informações, pois determinado problema de pesquisa não é conhecido pelo senso comum, mas por meio de uma linguagem científica própria (Pádua, 2019). Nesta pesquisa, utilizou-se métodos qualitativos e quantitativos, por meio de respaldos literários e científicos tanto para a construção textual do trabalho quanto para a elaboração dos questionários, que foram aplicados na pesquisa de campo, a fim de compreender a temática. A pesquisa bibliográfica, conforme sugerida por Dencker (2007), foi desenvolvida a partir da consulta em livros, artigos científicos, dissertações e teses existentes relacionadas aos temas de pesquisa. Essa abordagem permite um amplo espectro de investigação, embora sua principal limitação seja a possibilidade de replicação dos erros presentes nas fontes utilizadas, servindo como guia para a compreensão do trabalho. Em toda pesquisa científica, a partir dos dados coletados, é necessário fazer sua análise e interpretação, para comprovar a veracidade das informações concedidas pelos entrevistados e confrontá-las com o referencial teórico existente. Com base nessas diretrizes, foi realizada uma análise qualiquantitativa da produção acadêmica sobre a temática do patrimônio e da experiência turística, utilizando o Mercado Modelo como estudo de caso. Assim, foi conduzido um estudo descritivo e exploratório (Köche, 2011), utilizando técnicas de pesquisa bibliográfica e análise documental para a avaliação e discussão dos resultados. Outra metodologia utilizada foi a pesquisa por questionário, que é uma técnica de pesquisa voltada para a coleta de informações, características, comportamentos e/ou atitudes de uma população, administrando um conjunto padronizado de perguntas ou questionários, para uma amostra não estatística de indivíduos. A pesquisa de opinião é particularmente útil para extrair as atitudes e pontos de vista das pessoas sobre questões sociais, políticas e questões ambientais, como a qualidade de vida de um bairro ou até seus problemas e riscos (McLafferty, 2010). Portanto, esse estilo de pesquisa também é valioso para descobrir comportamentos complexos e interações sociais. Dessa forma, essa ferramenta coleta informações da vida das pessoas, dentro de uma amostra específica, visando dados que não estão disponíveis em publicações ou sites governamentais. 5 Os questionários estão no centro da pesquisa de opinião, assim, cada questionário é personalizado e feito para se adequar a um projeto, incluindo uma série de questões que abordam o tema de interesse. Partindo desse contexto, décadas de pesquisas mostraram que o design e a redação de perguntas podem ter efeitos significativos nas respostas obtidas. Existem alguns procedimentos estabelecidos para desenvolver um questionário adequado, que inclua perguntas eficazes (Fowler, 2008). Perguntas pertinentes são aquelas que fornecem informações úteis sobre o que o pesquisador está tentando compreender/analisar. Nesse viés, as perguntas podem variar com base no tema, visto que uma amostra específica é selecionada para mediar as questões, que avaliam atitudes e preferências, baseando-se na pesquisa (McLafferty, 2010). Para a construção do questionário, que se encontra detalhado no Apêndice 1, as perguntas foram subdivididas para uma maior compreensão da visão do turista sobre o Mercado Modelo como patrimônio e como destino turístico. Inicialmente, focou-se em questionar sobre a experiência turística, pensando no que mais agradava e o que menos agradava o turista no Mercado, além de tentar objetivar o que vem em mente ao pensar nesse destino. Em seguida, a pesquisa direcionou-se para a análise da infraestrutura turística, reconhecendo-a como um elemento fundamental na configuração da experiência turística e na preservação da identidade local. Alterações significativas na infraestrutura podem resultar em profundas transformações no caráter de um destino turístico, comprometendo sua autenticidade e atratividade (Gomes e Oliveira, 2010). Para tal análise, questionou-se sobre a infraestrutura básica, acessibilidade, precificação e qualidade dos serviços oferecidos, hospitalidade, estacionamento do local e sinalização, sendo classificadas numa escala Likert de 3 pontos: boa, regular ou ruim. Quanto à amostra, devido a saturação nas respostas, limitou-se a 50 participantes, sendo todos turistas, para, de fato, compreender a visão de pessoas que visitam o local, portanto, moradores foram desconsiderados dessa amostragem. Os questionários foram aplicados nos períodos de manhã, tarde e noite, nos meses de agosto e outubro. As aplicações variaram de 10 a 30 minutos, já que alguns turistas estavam mais dispostos a se aprofundar nas temáticas, enquanto outros eram mais objetivos. Por mais que houvesse respostas em aberto, o método utilizado se limita aos questionários, visto que possuiu a finalidade de coletar dados acerca da opinião dos turistas para, posteriormente, completar uma análise qualiquantitativa. 6 Antes da coleta de dados, os participantes foram contextualizados sobre a classificação do Mercado Modelo como patrimônio cultural, a fim de garantir a compreensão do objeto de estudo e a obtenção de respostas mais precisas e relevantes. Dessa forma, considerou-se qual o nível de conhecimento acerca do tema, deixando as respostas em aberto. Os temas centrais foram o conceito básico de patrimônio dentro do turismo, além de sua importância para o Mercado. Por fim, o questionário foi finalizado com três perguntas acerca do fenômeno turístico e quais são suas influências no local, na visão dos turistas. A fim de proporcionar uma compreensão abrangente do objeto de pesquisa, optou-se pela triangulação metodológica como estratégia analítica (Marcondes e Brisola, 2013). Essa abordagem é pautada em três aspectos fundamentais: a) O primeiro aspecto refere-se aos dados empíricos coletados, incluindo narrativas dos entrevistados; b) o segundo aspecto compreende o diálogo com os autores que estudam a temática em questão; c) o terceiro aspecto se refere à análise de conjuntura, entendendo conjuntura como o contexto mais amplo e mais abstrato da realidade. Nesse sentido, essa pesquisa reuniu uma revisão bibliográfica, pautada em Patrimônio Cultural e Memória, Turismo Cultural, Mercado Modelo e Experiência Turística, que, posteriormente, serviu de base para a elaboração dos questionários. Dessa forma, com os dados coletados na pesquisa de campo somados aos levantamentos teóricos, foi realizada uma análise que responde à pergunta que levou ao título da pesquisa: Como o patrimônio cultural influencia na experiência turística? 7 4 PATRIMÔNIO CULTURAL E MEMÓRIA: EVOLUÇÃO E DELIMITAÇÕES O termo patrimônio significa, etimologicamente, herança paterna, o que evoca a ideia de transmissão e, no caso de uma coletividade, transmissão não somente de pai para filho, mas de uma geração a outra (Magnani, 2011). No entanto, conforme os interesses da sociedade e seu tempo, seu conceito sofreu diversas alterações. Segundo Henriques e Custódio (2010), nos dicionários portugueses só no último quartel do século XIX é que o termo “patrimônio” começou a ser observado e associado ao domínio dos valores deixados pela cultura. Hoje, o termo é comumente usado para se referir a um grupo de bens culturais ou naturais que possuem valor reconhecido por um local, região, país específico ou pela humanidade como um todo. O patrimônio, na atualidade, está intrinsicamente ligado ao conceito de monumento e monumento histórico, já que ambos evocam o passado e a cultura de um povo. O conceito de monumento, como é compreendido atualmente, surgiu na Itália em 1420, pela preocupação com a arquitetura e belas-artes, que era uma preocupação do homem já estabelecida na sociedade (Teixeira-da-Silva, 2010). Já o monumento histórico é uma invenção do Ocidente e seu conceito saiu da Europa a partir da segunda metade do século XIX. A preocupação na conservação do monumento histórico surgiu na época da Revolução Francesa, apresentado por Aublin-Louis Millin, que visava salvar, através de imagens, objetos condenados à destruição. O que deve se ressaltar da diferença desses dois conceitos é que o monumento já possui desde a sua concepção a intencionalidade memorial, enquanto os monumentos históricos adquirem essa característica a posteriori. A partir da junção dessas duas perspectivas, vai surgir o conceito de patrimônio histórico e artístico, atrelado a valores nacionais, estéticos e educativos, que são acrescidos à concepção de patrimônio. Nesse contexto, ocorre outra mudança na compreensão patrimonial, que passa a valorizar conjuntos de edificações e bairros urbanos, e não somente construções isoladas (Choay, 2001). Esse processo histórico de valorização do patrimônio levou a criação de instituições patrimoniais em diversos países, não sendo muito diferente do que ocorreu no Brasil. Desse modo, foi constituído na década de 1930 o Serviço do Patrimonio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) - a partir da participação ativa de intelectuais como Mário de Andrade e Rodrigo de Melo Franco -, que posteriormente passou a se chamar Instituto do 8 Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e até os dias de hoje é responsável pela tutela patrimonial no país. Deve-se ressaltar que a constituição de patrimônios nacionais se intensificou sobretudo no século XIX e teve como objetivo criar referencias sociais e culturais comuns à nação. Desse modo, o patrimônio passa a inaugurar uma coleção simbólica unificadora, que buscava oferecer uma base cultural a todos cidadãos de uma nação. Ao detalhar essa questão, Fonseca (1997) explana que: A noção de patrimônio se inseriu, portanto, no projeto mais amplo de construção de uma identidade nacional, e passou a servir ao processo de consolidação dos Estados-nações modernos. Nesse sentido, vinha cumprir inúmeros funções simbólicas: 1. Reforçar a cidadania, na medida em que são identificados, no espaço público, bens que são de posso privada, mas propriedade de todos os cidadãos, a serem utilizados em nome do interesse público. Nesse caso, o Estado atua como guardião e gestor desses bens [...]; 2. [...] a noção de patrimônio contribui para objetivar, tornar visível e real, essa entidade que é a nação, simbolizada também por obras criadas expressamente com essa finalidade (bandeiras, hinos, calendários, alegorias) (Fonseca, 1997, p. 58) Dentro de um contexto de expansão tipológica, cronológica e geográfica do patrimônio (Brito Henriques, 2003) a nível global, ocorre ainda a mundialização de valores e referências ocidentais sobre os bens culturais, consolidada pela Assembleia Geral da Unesco, na década de 1970. Essa renovação do chamado patrimônio cultural está expressa na Carta Constitucional, que estabelece que: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (Brasil, 1988). A relação entre patrimônio, turismo e cultura é um tema central nos debates contemporâneos sobre desenvolvimento e identidade. Ao analisar essa complexa interação, autores como Choay (2001) e Pérez (2009) destacam a importância do turismo cultural como um vetor de democratização do acesso ao patrimônio histórico e de promoção da diversidade cultural. Este trabalho busca aprofundar essa discussão, explorando as diferentes dimensões dessa relação e seus impactos sociais, econômicos e culturais. 9 Françoise Choay (2001) defende que o turismo cultural representa a forma mais intensa de contato do público com os monumentos históricos e com a democratização do saber. Ao visitar um local, o turista não apenas aprecia a beleza de um monumento, mas também entra em contato com a história, as tradições e os valores culturais de uma determinada sociedade. Essa experiência proporciona um enriquecimento pessoal e cultural tanto para o visitante quanto para a comunidade local. Pérez (2009), por sua vez, afirma que o turismo é, em si mesmo, uma expressão cultural. Independentemente do tipo de turismo praticado, seja ele cultural, de aventura ou de negócios, o turista sempre entra em contato com elementos culturais do destino, como a gastronomia, a música, as artes visuais e as manifestações folclóricas. Essa imersão cultural é um dos principais motivadores da viagem e contribui para a construção de identidades individuais e coletivas. O turismo cultural, como destacado por Choay (2001), estabelece uma relação intrínseca com o patrimônio, proporcionando um contato mais profundo com a história, as tradições e os valores de uma determinada cultura. No entanto, a evolução desse segmento ao longo do tempo revela transformações significativas em seu perfil e em seus impactos sobre o patrimônio. Ao analisar essa evolução, com base nas contribuições de autores como Mckercher e Cros (2002) e Richards (2007), deve-se discutir as implicações dessas mudanças para a gestão do patrimônio cultural. Richards (2007) destaca o papel da democratização da cultura na expansão do turismo cultural. Ao se tornar mais acessível, a cultura deixou de ser um privilégio das elites e passou a ser valorizada por um público mais amplo. A globalização também contribuiu para essa democratização, ao intensificar os contatos entre diferentes culturas e despertar a curiosidade das pessoas por experiências autênticas. A crescente demanda por turismo cultural traz consigo desafios e oportunidades para a gestão do patrimônio. Por um lado, o turismo pode gerar recursos financeiros para a conservação e restauração de bens culturais. Por outro lado, o turismo em massa pode causar impactos negativos, como a deterioração dos monumentos, a comercialização da cultura e a perda de autenticidade dos lugares. Por conseguinte, para Choay (2009), o patrimônio cultural tem por finalidade fazer reviver um passado mergulhado no tempo. A relação do patrimônio cultural com o tempo é complexa e ambivalente. Segundo Choay (2009), o patrimônio pode ser compreendido tanto como um objeto fixo, inserido em uma narrativa linear do passado, quanto como uma obra de arte viva, que se transforma e se reinventa ao longo do 10 tempo. Essa dualidade reflete a tensão entre a preservação da memória e a adaptação às novas realidades. Silva (2000), por sua vez, enfatiza a dimensão social do patrimônio, argumentando que a seleção e a preservação dos bens culturais são resultado de escolhas coletivas, influenciadas por valores, crenças e interesses específicos de cada sociedade. Neste viés, é nítido que urge a necessidade de preservação e conservação do patrimônio, ideias que surgiram e se desenvolveram na Europa, apresentando duas propostas diferentes: a primeira, em países como Itália, Portugal e Espanha, onde o patrimônio assume uma característica mais voltada para a materialidade, em que o Estado fica responsável pelo legado histórico e sua proteção. Por outro lado, a segunda proposta, em países como França e Inglaterra, o Estado também assume um papel tutelar em relação à história e ao legado, no entanto, seu caráter deixa de ser materialista e se torna simbólico, relacionando-se com o seu significado com o povo (Teixeira-da-Silva, 2010). Nesse sentido, o patrimônio dialoga não só com a cultura de uma sociedade, mas também com a sua memória e seu legado histórico, preocupando-se menos com a materialidade e mais com o valor simbólico, que, atualmente, encaixa-se com o contexto da maioria dos países, inclusive do Brasil (Meneses, 2006). Partindo dessa análise, pode-se afirmar que o patrimônio cultural é uma forma de preservar a memória, deixando o legado de um povo como herança para as gerações futuras. Fisiologicamente, memória significa a capacidade de reter um dado da experiência ou conhecimento adquirido e de trazê-lo à mente; e esta é necessária para constituição das experiências e do conhecimento científico (Batista, 2005). Toda produção do conhecimento se dá a partir de memórias de um passado que é consolidado no presente (Batista, 2005). A memória é compreendida, em diversos campos da Psicologia, como um local de armazenamento, em que as informações ficam guardadas e, quando há necessidade, recuperadas de forma quase literal (Silva, 2018). Segundo Maurice Halbwachs (2009), a memória há de ser entendida como um fenômeno social e coletivo, submetido a alterações ao longo do tempo. Para a construção da memória coletiva e individual, há elementos necessários: 1) ter acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente pertencer; 2) ser constituída por pessoas e/ou personagens; 3) lugares da memória, que estão particularmente ligados a uma lembrança, seja pessoal ou não. Esses três critérios podem ser empiricamente 11 ligados a fatos ou não, podem ser também projeções de outros eventos, que marcaram o mundo, como a Primeira Guerra Mundial. Para o Halbwachs (2009), considerando todos esses elementos, a memória é seletiva; nem tudo fica armazenado. Para alguns acontecimentos e fatos serem lembrados, naturalmente outros serão esquecidos ou colocadas em segundo plano. Desse modo, pode-se dizer que há uma parte da memória que é construída por experiências e outra que é herdada. Já de acordo com Mendes (2012), a memória é sempre pessoal e subjetiva. Na sociedade, as memórias de um indivíduo são desempenhadas pelo patrimônio cultural, que gera e fomenta uma solidariedade orgânica entre os membros do corpo social, uma coesão ou convergência mental traduzida no sentimento de pertença a uma mesma comunidade. O patrimônio cultural, núcleo da identidade coletiva, não só possibilita que o outro se reconheça, mas também que seja reconhecido – é ele que diferencia e distingue dos demais a fisionomia física e moral de um lugar, uma cidade, uma região, um país. Segundo o autor, o patrimônio cultural é, para a sociedade, o que a memória pessoal é para o indivíduo. Por outro lado, para Nora (2012), a memória e a história não estão diretamente interligadas. A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, consequentemente, está em constante evolução. Um monumento conta uma memória; uma obra de arte conta uma memória. A materialização da memória manifesta-se por meio de patrimônios culturais e representam identidades, a partir de suas respectivas memórias. A ligação entre memória e identidade é tão profunda que o imaginário histórico- cultural se alimenta destes para se autossustentar e se reconhecer como expressão particular de um determinado povo (Batista, 2005). A memória não pode ser entendida como apenas um ato de busca de informações do passado, tendo em vista a reconstituição deste passado. Ela deve ser entendida como um processo dinâmico da própria rememoração, o que estará ligado à questão de identidade (Santos, 2004, p. 59). Toda história é crítica pois observa e analisa o vivido, que é seu objeto de questionamento. Segundo Nora (2012), há uma novidade quando seu objeto passa a ser ela própria; o vivido é dessacralizado e o conhecimento é visto como tradição. Em sua análise do século XIX europeu, o Nora aprofundou-se na investigação de um contexto caracterizado por uma transformação radical da percepção temporal. A 12 emergência de uma noção de tempo cada vez mais acelerada, tal como percebida pelo autor, desencadeou um processo de fragmentação das memórias coletivas, as quais, sob a pressão dessa nova temporalidade, perderam sua coesão e espontaneidade (Pereira, 2014). Diante dessa espécie de insuficiência da memória, originou-se a premência de construir intencionalmente lugares de memória, isto é, lugares simbólicos que dariam a sensação de garantir a permanência da memória e da identidade coletiva (Pereira, 2014). Nesse sentido, surge então o conceito de “lugar de memória”, ou seja, uma história que tem resquícios de memória. O conceito de “lugares de memória”, popularizado por Pierre Nora (2012), oferece uma lente poderosa para analisar a relação entre passado e presente, entre o individual e o coletivo. Esses espaços, que podem ser tanto físicos quanto simbólicos, desempenhando um papel fundamental na construção e na transmissão da memória histórica e cultural. Os lugares de memória não são entidades estáticas e homogêneas. Ao contrário, são construções complexas e híbridas, que se transformam ao longo do tempo. Como afirma Nora (2012), esses lugares “vivem de sua aptidão para metamorfose”, adaptando-se às novas conjunturas e às diferentes interpretações. Essa característica os torna instrumentos poderosos para a construção e a reconstrução da memória, permitindo que as sociedades reinterpretem seu passado à luz das experiências presentes. A capacidade de transformação dos lugares de memória está relacionada à sua função de impedir o esquecimento. Ao materializar o imaterial, ou seja, ao transformar experiências, sentimentos e ideias em objetos e espaços físicos, os lugares de memória garantem a perenidade da memória coletiva. No entanto, essa fixação não é absoluta, pois a memória é um processo dinâmico e sujeito a constantes reinterpretações. A relação entre os lugares de memória e a identidade coletiva é profunda e complexa. Ao se identificar com um determinado lugar, as pessoas estabelecem um vínculo com o passado e com a história de sua comunidade. Essa identificação contribui para a construção de um senso de pertencimento e de identidade coletiva. Como destaca Castello (2007), os lugares de memória são representativos tanto do patrimônio construído quanto das memórias que as pessoas possuem desses locais. Essa relação dialética entre o material e o imaterial confere aos lugares de memória um caráter simbólico e afetivo, tornando-os espaços privilegiados para a construção da memória coletiva. 13 Desse modo, os lugares de memória são espaços complexos e dinâmicos, que desempenham um papel fundamental na construção e na transmissão da memória histórica e cultural. Ao compreender a natureza híbrida e mutante desses lugares, é possível desenvolver estratégias mais eficazes para sua preservação e valorização. Ao mesmo tempo, é preciso estar atento aos desafios que a globalização e as novas tecnologias impõem à gestão dos lugares de memória, buscando garantir que esses espaços continuem a desempenhar seu papel na construção de um futuro mais justo e equitativo. 4.1 TURISMO CULTURAL O turismo cultural tem suas origens no final do século XVIII e início do século XIX, a partir do desenvolvimento dos meios de transporte, propiciados pela revolução industrial. O surgimento de uma classe burguesa é outro fator determinante desta modalidade turística. A nova classe buscou elitizar-se, não só pelo dinheiro, mas também pelo conhecimento (Goulart e Santos, 1998). A cultura é o recurso principal para a atração do turismo, sendo que este se constitui uma plataforma essencial para a internacionalização do setor cultural e criativo (Quinteiro, Gonçalves e Carreira, 2019). Nesse sentido, a cultura como atrativo turístico é considerada uma atividade econômica de importância global, que abarca elementos econômicos, sociais, culturais e ambientais (Batista, 2005). Desse modo, é importante ressaltar que: Na Carta de Turismo Cultural do ICOMOS (1976), o turismo cultural define- se como um facto social, humano, económico e cultural irreversível. O turismo cultural é uma forma de turismo que tem por objeto central o conhecimento de monumentos, sítios históricos e artísticos ou qualquer elemento do património cultural. Exerce um efeito positivo sobre estes porque contribui para a sua conservação, mas também corremos riscos de provocar efeitos negativos que devem ser evitados por meio da educação e de medidas políticas concretas (Pereiro, 2002, p. 4) O turismo cultural é um dos segmentos mais importantes dentro do turismo (Richards, 2013), sendo considerado nos últimos anos a área de maior crescimento no turismo global (Smith, 2016). Independentemente do tipo de turismo praticado pelo turista, sempre há a consumação de uma parte da cultura do local, seja na gastronomia, em celebrações, na arquitetura, nos centros históricos ou até mesmo nos souvenirs, que podem ser comercializados por moradores locais e representar 14 uma fração da cultura regional. Dessa forma, segundo Xerardo Pérez (2009), não pode existir turismo sem cultura, pois o turismo é uma expressão cultural. Inicialmente, o turismo cultural tratava-se de uma atividade destinada a um nicho específico, majoritariamente composta pelas pessoas de classe alta, que procuravam um segmento além do turismo de praia e sol. No entanto, a partir dos anos 1980, com a fragmentação do mercado, o turismo cultural passou a ser reconhecido como pertencente a um setor de massa de perfil elevado (Mckercher e Cros, 2002), o que impulsionou o seu crescimento como segmento no mercado turístico. Segundo Richards (2007), o turismo cultural também sofreu influência da democratização da cultura, que, por meio da educação, desviou o turismo das elites para o consumo de massa. Com o aumento nos níveis de instrução, o acesso à cultura é ampliado, enquanto o efeito da globalização incentiva um desejo às culturas distintas e patrimônios locais, provocando o interesse em conhecer símbolos culturais. Nesse sentido, o processo da globalização vem criando a visão de que o mundo é “um só lugar” (Featherstone, 1997) e, por conseguinte, tem gerado, sob o ponto de vista da cultura, uma sensibilização da sociedade para as diferenças (Marujo, 2015). Consoante Toselli (2006), a tendência do fenômeno da globalização gera-se, pela ótica das culturas receptoras, a necessidade de redescobrir e fortalecer a identidade cultural, como também de proteger o patrimônio como fator de unidade. Já sob a visão dos grupos visitantes, evidencia-se a sensibilidade pelo cuidado do meio ambiente e o interesse pela diversidade cultural. O nível de instrução teve um pulo gigantesco, graças aos efeitos da globalização, gerando assim uma democratização de bens e equipamentos culturais, para maiores parcelas da população. Dessa forma, o turismo cultural pode funcionar como um estímulo aos fatores culturais dentro de uma região ou localidade (Marujo, 2015), onde se procura conservar a cultura e o passado através das formas de vivência, por meio da memória ou do patrimônio histórico. O turismo cultural não só estimula os países e as regiões a protegerem as culturas das suas comunidades, como também desempenha um papel crucial na reabilitação das identidades locais e culturais, contribuindo para a sua difusão mundial (Marujo, 2015). O turismo cultural pode ser um estímulo para revalorizar, afirmar e recuperar os elementos culturais que caracterizam e identificam cada comunidade perante um mundo globalizado (Toselli, 2006). Por outro lado, o fortalecimento da identidade cultural e memória através do turismo pode atuar como uma força inibidora dos efeitos provocados pela globalização. Logo, o turismo cultural “pode contribuir 15 para gerar uma tomada de consciência em relação à preservação do património, tanto tangível como intangível, compreendendo que este é a herança que o distingue e o afirma individualmente” (Toselli, 2006, p. 176). Na Inglaterra, o turismo cultural foi um dos setores turísticos que mais cresceu desde o final do século XIX e tem sido responsável pela introdução desse segmento em outras localidades (Williams, 1998). Consoante Urry (1990), a incerteza da vida contemporânea explica o interesse pelo passado e pela memória, já que, teoricamente, são mais seguros e previsíveis. Urry ainda afirma que a nostalgia é o principal combustível para o turismo cultural, que, influenciado pela globalização, tem tomado cada vez mais espaço no setor do turismo. Segundo Cluzeau (1998), o turismo cultural pode ser praticado no campo, na praia, nas montanhas, por não ter um campo geográfico especificamente próprio, no entanto, é na cidade que se torna mais denso. A cidade proporciona uma variedade de manifestações culturais, como museus e monumentos, galerias de arte e eventos culturais (Ferreira, Aguiar e Pinto, 2012). Além disso, a gastronomia também participa do turismo cultural, pois, por meio da degustação da culinária típica, há uma forma de consumo de parte da cultura de um local. A busca pelo passado, a contemplação de estruturas antigas e suas histórias e o consumo de diversas culturas definem o motor dessa nova economia das cidades. Nesse sentido, entende-se que o objeto do turismo cultural é o patrimônio, seja ele material ou imaterial; o material consagrado à cultura é realizado pela mão humana e pode ser visitado em museus e monumentos, vilas e cidades, edifícios religiosos, sítios arqueológicos ou pré-históricos (Cluzeau, 1998). Já o patrimônio imaterial diz respeito às festas, às manifestações culturais e às trocas de valores e tradições (Cluzeau, 1998), tendo um conceito mais subjetivo que o patrimônio material. O patrimônio cultural imaterial, sendo um dos principais motivos do crescente turismo cultural, traz consigo vários benefícios em termos socioculturais e de transmissão de conhecimentos (Martins, 2022). Cruz (2022, p. 362) afirma que o patrimônio imaterial: [...] permite à comunidade local aumentar o índice de desenvolvimento humano, melhorar a qualidade de vida e permitir-lhe corresponder às suas expectativas. Pode servir para ampliar a rede de sociabilidade das localidades e como produto de oferta ao turismo cultural, o que poderia melhorar a diversidade turística da província, que recebe apenas ecoturistas (Cruz, 2022, p. 362). 16 Pode-se dizer, diante desse contexto, que o turismo cultural apela à criação e à memória do homem, ao testemunho de seu passado, a sua história (Castro, 2005). Ao se entender por cultura tudo aquilo que tem sido transformado pelo homem, considera-se turismo cultural não somente aquele que envolve as obras-de-arte, os museus e os monumentos, mas também o turismo natural, a paisagem transformada durante anos pelo homem (Baudrihaye, 1997). Contudo, a globalização normalizou a vida cultural nas cidades, em eventos, exposições e tendências que se assemelham cada vez mais (Ferreira, Aguiar e Pinto, 2012). Graças aos efeitos desse fenômeno, muitos centros, eventos culturais e até mesmo arquiteturas apresentam muitas semelhanças, perdendo a autenticidade e identidade. Dessa forma, é imprescindível incrementar a identidade das cidades, para que elas se distinguem uma das outras e apresentem um diferencial que chame a atenção do turista. A cidade abre-se a um universo de contextos e o mais importante será a comercialização do lugar através da sua herança cultural (Gomez e Quijano, 1991; Ashworth e Tunbridge, 2004). Nesse sentido, o turismo cultural não apenas propicia uma troca rica de experiências entre turistas e comunidades locais, mas também desempenha um papel vital na construção e preservação das identidades culturais. Ao valorizar os elementos que compõem a cultura local, o turismo cultural não só movimenta a economia local, através do consumo em gastronomia, eventos e souvenirs, mas também se estabelece como um vetor de conscientização e valorização da diversidade cultural em um mundo cada vez mais globalizado. Essa dinâmica reforça a relevância do turismo cultural como um meio de promoção da identidade e da herança cultural, contribuindo para a construção de um mundo onde as diferenças são não apenas respeitadas, mas celebradas. O turismo cultural tem uma relação íntima com o patrimônio, uma vez que valoriza e promove os elementos que constituem a história, as tradições e a identidade de uma comunidade ou nação. Quando se discute sobre patrimônio, inclui-se tanto bens materiais, como monumentos, museus e centros históricos, quanto aspectos imateriais, como festas, artesanato, culinária, línguas e danças tradicionais. Ao visitar esses locais e participar de eventos culturais, os turistas não só enriquecem suas próprias experiências, como também contribuem diretamente para a preservação dessas heranças, memórias e histórias. Assim, o turismo cultural desempenha um papel duplo: ao mesmo tempo que divulga e compartilha a riqueza cultural de uma 17 localidade, ele também contribui diretamente para a preservação e valorização do patrimônio, ajudando a mantê-lo vivo para as gerações futuras. 4.2 MERCADO MODELO Durante três séculos, a era do açúcar prosperou-se no Brasil, especificamente no Nordeste, tendo destaque na Bahia, o que tornou a região o coração econômico do país. O preço do produto, na metade do século XIX declinou bruscamente, o que impactou de forma direta na economia não só nordestina, mas nacional. Alguns estudiosos brasileiros afirmam que a Bahia viveu um longo século XIX, por causa do declínio econômico e da persistência de uma mentalidade ancorada nas glórias e mitos da grandeza de um passado (Landim, 2013). Por outro lado, a Bahia ainda tinha certo poder econômico graças ao comércio estrangeiro, exportando açúcar, algodão, tabaco e cacau, o que contribuiu para a dinâmica econômica de Salvador e para a construção de uma imagem cosmopolita da cidade. No entanto, a caracterização da cidade e do estado da Bahia nesse período como em decadência tem sido objeto de debates entre os estudiosos, com parte da comunidade acadêmica questionando integralmente essa perspectiva (Landim, 2013). Figura 1: Início do Mercado Modelo Fonte: História de Salvador – Cidades Baixa e Alta. Disponível em: https://salvadorhistoriacidadebaixa.blogspot.com/ Com o crescimento do comércio na cidade baixa, a partir de 1878, os planos para a construção de um moderno centro de abastecimento na cidade e os projetos para a ampliação do porto, previam que os antigos cais e mercados perdessem o acesso marítimo, motivando o deslocamento das firmas comerciais. Diante dos https://salvadorhistoriacidadebaixa.blogspot.com/ 18 conceitos de modernização do espaço urbano e da higiene pública trazida pela República, a concentração de armazéns, trapiches e do comércio de gêneros alimentícios deveria concentrar as feiras livres, tidas como ameaças à higiene e à segurança da cidade no ano de 1911, quando se iniciou a construção do Mercado Modelo (Landim, 2013). O Mercado Modelo, inaugurado no dia 9 de dezembro de 1912, surgiu pela necessidade de um centro de abastecimento na Cidade Baixa de Salvador. Localizado entre a Alfândega e o Largo da Conceição, constituía-se em um centro comercial onde era possível adquirir itens variados, como hortaliças, legumes, frutas, cereais, animais, charutos, cachaças e artigos para a prática do Candomblé. Administrado pela Prefeitura de Salvador, o Mercado Modelo é apresentado como: O maior Shopping de Artesanato do Brasil. Assim pode ser definido o Mercado Modelo com sua diversidade de lojas, onde podem ser encontrados os mais variados tipos de artesanato e produtos típicos da Bahia. (...) Conhecido como um dos principais pontos turísticos de Salvador, localizado na região do comércio na cidade baixa, o Mercado Modelo é visitado por 80% dos turistas que visitam a cidade. Espaço cultural e artístico, ponto de encontro e convivência, nem só de compras vive o Mercado Modelo com suas rodas de capoeira ao som dos berimbaus e caxixis, que retratam o espírito de animação da Bahia (O Mercado, 2007). No entanto, a história do Mercado Modelo não é isenta de desafios. Em 1969, o espaço foi vítima do mais violento incêndio de sua história, a tal ponto que se tornou necessária a demolição do antigo imóvel. A partir de 2 de fevereiro de 1971, o Mercado passou a ocupar o edifício da 3ª Alfândega de Salvador, uma construção de 1861 em estilo neoclássico, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Um novo incêndio também destruiu essas instalações e levou a uma extensa reforma do edifício, em 1984, permitindo a sua reinauguração no mesmo ano. Em 2016, o mercado em questão enfrentou uma crise financeira acentuada. A gestão, até então sob a responsabilidade da Associação dos Permissionários, deparou-se com limitações institucionais para a cobrança de valores em atraso, uma vez que não detinha a prerrogativa de exercer o poder de polícia administrativa. Diante desse cenário, a administração municipal de Salvador, por meio da Secretaria de Ordem Pública (SEMOP), assumiu a gestão do mercado, com o processo de transição sendo acompanhado pelo Ministério Público. No ano de 2023, o Mercado passou por requalificações para sua restauração e posterior reinauguração. A reforma durou cerca de um ano e nove meses, tendo seu 19 início em 2022 e foi finalizada em dezembro de 2024 pela Prefeitura de Salvador. Ao todo, mais de R$22 milhões foram investidos para revitalizar o ponto turístico, que, segundo Analu Garrido, presidente da Associação dos Comerciantes do Mercado Modelo, foi um pedido de socorro, pois o local estava completamente deteriorado. Todo o projeto de requalificação é assinado pela Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF), em parceria com o IPHAN. 4.3 EXPERIÊNCIA TURÍSTICA Conforme preconizam Oliani, Rossi e Gervasoni (2011), o turismo configura-se como um fenômeno socioeconômico multifacetado, cuja caracterização depende da interação de múltiplos elementos, a saber: atributos geográficos (localização, recursos naturais, clima), infraestrutura turística, atrativos culturais e naturais, dinâmica econômica local, políticas públicas setoriais e estabilidade institucional. Sob essa perspectiva, o turismo transcende a mera atividade econômica, revelando-se como um complexo sistema de serviços (Beni, 2002; Tonini, 2009). Beni (2002) destaca que o consumo turístico é essencialmente intangível, onde o serviço é usufruído pelo viajante simultaneamente à sua produção pelos prestadores de serviços. Fernandes e Cruz (2016) acrescentam que a experiência turística consolida a base da oferta dos produtos e serviços em turismo. Etimologicamente, “experiência” é uma palavra inglesa com uma derivação da base indo-europeia que significa “tentar, aventurar-se, arriscar”. Turner (1986) argumenta que a experiência é uma forma de suspensão das relações cotidianas, em que o sujeito foge do que lhe é familiar, causando um estranhamento. Em essência, todas as formas de turismo oferecem experiências (Richards, 2011). No entanto, cada turista procura experiências com base nas suas motivações. Desse modo, a experiência é o conceito central, já que a principal atividade da indústria turística é proporcionar experiências (Kim, 2010). A experiência é particular e íntima de cada pessoa e essencial para a socialização, o aprendizado, a articulação profissional e a satisfação pessoal (Panosso Netto e Gaeta, 2010). Além disso, a sociedade atual dedica mais do seu tempo ao lazer e ao turismo e essa condição permite aos turistas vivenciarem experiências novas e distintas do cotidiano (Vo Thanh e Kirova, 2018). Assim, pode-se inferir que, no setor turístico, a experiência é essencial para o 20 desenvolvimento da atividade, visto que o turismo é sobre experiências de lazer, que fujam do cotidiano. Para Pine e Gilmore (1999) a experiência é criada quando uma empresa intencionalmente utiliza serviços como o palco e as mercadorias, como adereços, para envolver os clientes de forma a criar um evento memorável. Os autores propõem que quando se esteja a desenhar e a desenvolver a experiência se deve procurar: tematizar a experiência; harmonizar as experiências com mensagens positivas; eliminar as impressões negativas; misturar memórias; e envolver todos os sentidos (Gonçalves, 2012). A autora acrescenta que Walt Disney é apontado como o pioneiro da abordagem de uma economia baseada na experiência e nos sentidos, pela construção dos primeiros parques de atrações em 1950. Em 1994, Tom Peters tinha feito uma referência a uma nova forma de gestão baseada na procura do efeito surpresa junto do cliente (The Pursuit of Wow, 1994). Pine e Gilmore (1999) chegam à conclusão de que as pessoas não falam sobre os produtos ou serviços consumidos, mas sim sobre a experiência obtida durante o processo. Mike Morgan (2006) acrescenta que a experiência deve ser mais que um momento memorável, deve ser para além de transitória, oferecendo a possibilidade de transformação através da aquisição de novas competências e conhecimentos. O autor acrescenta que a palavra “experiência” é largamente utilizada no lazer e no comércio e noutros setores dos serviços para descrever a essência daquilo que os consumidores pagam e estão à procura. Nesse sentido, o Turismo de Experiência é o termo mercadologicamente utilizado para descrever uma forma de formatar produtos turísticos, inserindo o turista como protagonista da própria viagem (Pezzi e Vianna, 2015). Dessa forma, o consumidor apresenta-se disposto a pagar mais por sensações positivas do que por produtos e serviços que sejam capazes de cumprir apenas a função a qual se propõem (Schmitt, 2002). A recordação da experiência turística pelo turista é algo significativo a partir da observação de que a memória possui influência positiva sobre a intenção comportamental do consumidor (Wirtz, Kruger, Scollon e Diener, 2003). Demarco (2016) define a importância da experiência no turismo devido à sua componente memorável. Através da experiência, o turista transforma um momento numa vivência inesquecível e indelével. Nesse contexto, as emoções são consideradas como o fator mais impulsionador para ações de consumo (Marsella e Gratch, 2016). Especificamente, durante a experiência turística as emoções que se 21 pretendem mais vivenciadas são efetivamente as emoções positivas, ou seja, alegria/felicidade, prazer, relaxamento. Dessa forma, experiências memoráveis tendem a ser mais vezes revividas e revisitadas, principalmente quando se trata de lazer, já que estão associadas a momentos satisfatórios, numa fuga do cotidiano. Para Marujo (2016, p. 2) “o turista viaja para consumir experiências”, sendo que “tudo o que os turistas visitam, experimentam ou consomem num destino pode ser considerado uma experiência”. Pine e Gilmore (1999) relatam que uma experiência bem executada conduz a uma memória de boa qualidade, ou seja, as lembranças serão capazes de gerar no turista uma atitude positiva com relação ao destino. Por outro lado, quando a experiência é mal executada, seja por falha nos serviços ou entrega do produto, a memória negativa é tão forte quanto a positiva, prejudicando a visão do turista acerca do destino. Todo turista, antes da sua partida, imagina a viagem (através de imagens, relatos de familiares ou amigos, ou de diferentes endereços na web), mas o certo é que ninguém parte rumo a um total desconhecido (Ferreira, Aguiar e Pinto, 2012). Pode-se, então, afirmar, que todos os turistas quando partem para um destino definem expectativas sobre os pontos turísticos e atracções que pretendem visitar. Estas expectativas variam com o tipo de motivação do visitante; uns vão querer conhecer profundamente a cidade, enquanto outros vão limitar-se a um pequeno percurso elucidativo do lugar (Amirou, 2007; Dias, 2009). No contexto da economia da experiência, segundo Fusté e Jiménez (2015), o lugar tem um papel particular; há de conectar parte da sua identidade a produtos e serviços tradicionais e aproveitar os lugares (Lorentzen, 2008). Para Santos (1996), o conceito de “lugar” não é apenas uma relação social imaterial. O lugar, assim como o território, é simultaneamente uma materialidade e uma imaterialidade; é vivido e percebido; é a dimensão espacial do cotidiano. O lugar, portanto, é a escala da totalidade do cotidiano, ou seja, a junção de todos os elementos que o envolvem. Dentro da economia da experiência, o cliente passa a ser visto como visitante – um espectador ativo –, os fornecedores como atores e os lugares como o palco (Queiroz, 2014). As experiências de consumo tornam-se dependentes do ambiente e dos atores que personalizam experiências e fornecem o serviço ou produto com base em cada convidado (Pine e Gilmore, 1999), focando seu olhar no cliente ou consumidor e na sua relação com o produto ou serviço. 22 Nesse sentido, pode-se inferir que o turismo é uma maneira de expor novas culturas e práticas sociais (Hashimoto, 2015). As cidades culturais e turísticas são lugares que preservam a cultura, a história e o patrimônio, tendo a cultura como um produto autêntico para a indústria turística e para os turistas (Von Strauss, 2012). Dessa forma, a experiência turística deve tratar-se de um ideal intercultural: conhecer, respeitar e, se necessário, compreender um novo modo de vida (Boniface, 1995), permitindo assim um encontro intercultural para o desenvolvimento do turismo. A modernidade líquida, conceito desenvolvido por Zygmunt Bauman (2000), revela uma era marcada pela fluidez e pela incerteza nas relações sociais e nas identidades, refletindo diretamente nas práticas de lazer dentro do turismo. Nesse contexto, as experiências turísticas se tornam efêmeras, com os viajantes buscando vivências intensas e imediatas, muitas vezes em viagens curtas que priorizam a gratificação instantânea. A oferta da experiência, para o turismo, é essencial para sua mercantilização. Atualmente, o lazer é considerado uma das bases para a vida humana, pois, em meio ao sistema capitalista de trabalho excessivo numa sociedade de consumo, o lazer configura-se como uma fuga momentânea, ao mesmo tempo que faz parte de um conjunto para o bem-estar tanto social quanto individual. Pine e Gilmore (1999) apontam a experiência como principal diferencial em meio à sociedade massificada. Na conjuntura social atual, a globalização torna as relações são complexas e a competividade difusa, ao mesmo tempo em que se vive em uma sociedade essencialmente contraditória - pois consome em massa e aprecia a identidade particular, deparando-se, dessa forma, com estímulos em uma sociedade tanto informacional como emocional que busca experiências únicas e memoráveis (Silva, Bezerra e Nóbrega, 2019). Em complemento, Bauman (2000) destaca que, na modernidade líquida, a insegurança permeia as relações sociais e a busca por sentido. Assim, muitos turistas buscam experiências que não apenas proporcionem prazer imediato, mas que também ofereçam um sentimento de pertencimento e significado. A efemeridade das experiências turísticas, somada à constante busca por novidades e autenticidade, reflete uma sociedade que valoriza a transitoriedade e a inovação. Desse modo, a experiência vendida no turismo vai além de uma forma de lazer, mas também se torna uma forma de autoconhecimento, pertencimento e identidade. A experiência turística, portanto, não pode ser vista apenas como um produto a ser consumido, mas sim como um processo interativo e transformador. A forma 23 como cada indivíduo se conecta com o destino e com os elementos que compõem sua viagem é única, o que reforça a ideia de que o turismo é uma experiência profundamente pessoal. Ao mesmo tempo, o turismo é também um fenômeno social, na medida em que as vivências compartilhadas podem intensificar a sensação de pertencimento a um grupo e gerar vínculos que perduram mesmo após o fim da viagem. Nesse contexto, as experiências turísticas ganham uma dupla dimensão: individual e coletiva, pessoal e cultural. Além disso, à medida que o mercado de turismo se expande e se diversifica, os destinos precisam cada vez mais se adaptar a esse novo perfil de turista que busca não apenas desfrutar de momentos de lazer, mas também aprender e crescer pessoalmente. Por isso, o conceito de "autenticidade" no turismo tem se tornado uma palavra-chave. O turista moderno não quer apenas visitar destinos turísticos padronizados; ele busca experiências que lhe ofereçam um mergulho nas culturas locais, uma chance de vivenciar tradições autênticas e, em muitos casos, até contribuir para a preservação do patrimônio cultural. Isso reforça a ideia de que o turismo, além de uma atividade econômica, é também um veículo para a promoção do intercâmbio cultural. 24 5 ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS A pesquisa empírica da monografia foi baseada na aplicação por questionários. A coleta de dados foi realizada no período compreendido entre agosto e outubro de 2024. Os instrumentos foram aplicados em diferentes horários (manhã, tarde e noite) no Mercado Modelo1 (Figura 2), resultando em uma amostra de 50 participantes, número definido com base na saturação das informações. Figura 2: Mercado Modelo atualmente Fonte: Mercado Modelo, 2024. Disponível em: https://www.mercadomodelosalvador.com/fotos-do-mercado- modelo/ Os critérios para seleção dos respondentes foram os seguintes: 1. Pessoa adulta; 2. Turistas não nascidos ou residentes na cidade; 3. Turista que estivesse presente nas intermediações do Mercado Modelo; 4. Uma pessoa era abordada a cada 5 indivíduos que saíssem do Mercado. É importante destacar a diversidade geográfica dos respondentes, com a presença de indivíduos provenientes de diversas regiões do Brasil e de outros países, como Estados Unidos, Holanda e Espanha. Os 1 Localizado na Praça Visconde de Cayru, s/n – Bairro Comércio, Salvador/BA - CEP: 40015-170 https://www.mercadomodelosalvador.com/fotos-do-mercado-modelo/ https://www.mercadomodelosalvador.com/fotos-do-mercado-modelo/ 25 questionários foram estruturados com perguntas fechadas e abertas, divididas em 4 seções: 1) Experiência turística; 2) Infraestrutura; 3) Patrimônio e 4) Turismo. Com um total de 18 questões, o questionário visava apresentar uma amostra de representatividade teórica e não estatística (Paiva, 2024). Desse modo, buscou-se compreender a percepção dos turistas em relação à influência do patrimônio e da infraestrutura na experiência turística, combinando questões objetivas para quantificar dados e questões abertas para aprofundar a análise qualitativa. Para facilitar na identificação, 5 critérios foram avaliados: 1) Gênero; 2) Idade; 3) Local de Origem; 4) Profissão e 5) Grau de Instrução. Por meio desses, foi possível entender mais sobre a renda e escolaridade de cada pessoa, a fim de traçar um perfil característico do turista que visita o Mercado Modelo e o grau de conhecimento acerca da noção de patrimônio. Além disso, é válido ressaltar que os questionários foram aplicados apenas para turistas, desconsiderando residentes; também foi questionado se era a primeira vez ou não visitando o local, dos quais 72% responderam que era a primeira vez. Perfil do turista 5.1 Gênero O grupo de inquiridos foi composto por 35 mulheres e 15 homens. Esse fator se deve principalmente pois, durante os questionários, percebeu-se que as mulheres se sentiam mais à vontade em responder as perguntas. Gráfico 1: Gênero dos inquiridos 26 Fonte: Questionários realizados entre agosto e outubro de 2024 No artigo “Agora são elas: a presença das mulheres no público de museus de ciência no Rio de Janeiro”, o público de nove dos dez museus analisados pelos autores é composto majoritariamente por mulheres (Dahmouche et al., 2023). O que pode demonstrar um maior interesse do público feminino em visitar espaços culturais. Paralelamente, na atual monografia, o público feminino representa 70% dos respondentes. Nesse sentido, demonstra-se, então, um maior interesse por parte das mulheres em visitar monumentos e patrimônios históricos e culturais em Salvador. Nenhum dos indivíduos se identificou como não-binário ou outro gênero, sendo, portanto, considerado na pesquisa os gêneros feminino e masculino. Abordou-se a questão de segurança e, surpreendentemente, a maioria das mulheres sentiam-se seguras em viajar sozinhas ou na companhia de outra mulher. Metade das mulheres entrevistadas estavam viajando sozinhas ou com outras mulheres e 90% delas disseram sentir que o Mercado Modelo era um local seguro. Para os homens, 90% disseram se sentirem seguros e apenas 10% relataram que se sentiam seguros apenas dentro do ambiente, mas no bairro não. Alguns desses turistas relataram que não se sentiram em segurança enquanto andavam pela Cidade Baixa, devido ao índice de criminalidade e de notícias e histórias ouvidas por pessoas conhecidas. 5.2 Faixa etária 27 A capacidade de discriminação da idade em relação à patrimonialização, assim como em muitos outros fenômenos, resulta principalmente do fato de essa variável reunir três tipos de efeitos: os efeitos da própria idade, os efeitos do período e os efeitos da geração. De acordo com Pais (1998, p. 26-27), o efeito de idade exprime uma influência (de idade), definida como uma posição determinada no curso de vida, sobre as atitudes, valores e comportamentos; o efeito de período exprime a influência de um dado contexto ou período sobre o conjunto de população vivendo sob efeito dessa influência, e o efeito de geração é usado para salientar traços específicos que fomentam uma relativa identidade social e cultural entre uma geração demográfica. Nesse sentido, dividiu-se os inquiridos em dois blocos, um que engloba indivíduos de 17 a 40 anos e o outro, de 41 até 60 anos. Para esse critério, considerou- se que a pessoa mais jovem das entrevistas tem 17 anos e a pessoa mais velha tem 60 anos. Com os dados obtidos, o bloco mais presente na pesquisa foi o primeiro, representando 72% do público inquirido. Durante os questionários, foi possível notar que os destinos mais visitados por esses turistas na Bahia envolviam patrimônio e cultura. Dessa forma, com as respostas obtidas, considera-se que o grupo de 20 a 40 anos, além de ser a grande maioria, também demonstrou um maior interesse por monumentos e lugares históricos. Por outro lado, o segundo grupo, apesar de não compor a maior parte do público, compartilhou diversos conhecimentos acerca do tema, a partir de suas experiências. Gráfico 2: Faixa etária dos inquiridos 28 Fonte: Questionários realizados entre agosto e outubro de 2024. 5.3 Local de origem Dos 50 inquiridos, 45 eram brasileiros, das mais diversas localidades, e 5 eram estrangeiros, sendo 3 deles turistas originários da Holanda. Observou-se que a maior parte dos turistas brasileiros vinham do Sudeste, com 23,40% dos entrevistados vindos de São Paulo. Há um destaque no Nordeste, tendo turistas de Pernambuco, Recife, Piauí, Ceará, Porto Seguro, Planalto (interior da Bahia) e Paraíba. Os turistas do Sudeste responderam algo em comum: a falta de diversidade gastronômica no Mercado Modelo. Há apenas um restaurante no segundo andar, que possui uma rasa variedade de comidas típicas, além de algumas lanchonetes no primeiro andar. Nesse sentido, há uma grande aglomeração de pessoas no único restaurante, o que implica num serviço mais demorado e insatisfatório. Um inquirido relatou que demorou mais de 2 horas para conseguir comer e, consequentemente, esse fator interferiu negativamente na sua experiência turística. Gráfico 3: Local de origem dos turistas inquiridos 29 Fonte: Questionários realizados entre agosto e outubro de 2024. Já os turistas originários do Nordeste relataram que sentiram falta de mais diversidade nos produtos vendidos nas lojas de artesanato. Alguns participantes da pesquisa expressaram desapontamento ao encontrar o mesmo produto em três estabelecimentos comerciais próximos, diferenciados apenas pelo preço. Essa constatação contrastou com a expectativa prévia de uma ampla variedade de produtos artesanais, considerando o porte e o rico contexto histórico-cultural do mercado em questão. 5.4 Profissão Cerca de 26% dos inquiridos eram professores e 22% eram estudantes, o que possibilitou uma maior discussão das questões durante a aplicação dos questionários. Observou-se que tanto os professores quanto os estudantes tinham uma boa noção sobre o conceito de patrimônio, o que auxiliou na análise de sua importância para o turismo no Mercado Modelo. Mesmo as pessoas que não atuam diretamente com o ensino e a educação, também demonstraram conhecimentos relevantes sobre o temário patrimonial. 30 Gráfico 4: Profissão dos inquiridos Fonte: Questionários realizados entre agosto e outubro de 2024. 5.5 Grau de instrução Baseado no grau de instrução, os inquiridos foram divididos em três grupos, “Grupo 1 – Inquiridos com curso superior”, que abrange um total de 37 indivíduos, que possuem ensino técnico, ensino superior completo, pós-graduação, mestrado ou doutorado - em andamento ou concluído. O segundo, “Grupo 2 – Inquiridos com ensino básico ou secundário”, com um total de 4 indivíduos. Por último, “Grupo 3 – Inquiridos cursando o ensino superior”, totalizando 9 indivíduos. Gráfico 5: Grupo 1 – Inquiridos com ensino superior Fonte Questionários realizados entre agosto e outubro de 2024. 31 Para maior categorização e compreensão dentro das amostras, os inquiridos que estão cursando especialização, pós-graduação, mestrado e doutorado foram considerados dentro da amostra do grupo 1. Gráfico 6: Grupo 2 – Inquiridos com ensino básico ou secundário Fonte: Questionários realizados entre agosto e outubro de 2024. Dos 50 inquiridos, 4 se enquadravam no ensino básico ou secundário, tendo apenas 1 indivíduo com ensino médio incompleto. Gráfico 7: Grupo 3 – Inquiridos cursando o ensino superior Fonte: Questionários realizados entre agosto e outubro de 2024. 32 Dos estudantes com ensino superior, destaca-se que três são de origem do Nordeste, dois do Sudeste e um do Centro-Oeste. Além disso, houve respondentes que estão realizando cursos de graduação no exterior, originários da Holanda, que eram estudantes do curso de Engenharia. 5.6 Experiência turística Quando questionados sobre a experiência turística, foram analisados 5 aspectos: 1) O que mais lhe agrada no Mercado; 2) O que menos lhe agrada no Mercado; 3) Ao pensar no Mercado, o que vem em mente; 4) Qual foi o melhor ponto turístico de Salvador; e, 5) Defina sua experiência em 1 palavra. O primeiro aspecto, que se refere ao que mais agradou aos turistas no Mercado, revelou uma variedade de opiniões sobre o Mercado. Para 19 turistas, a diversidade de produtos e a riqueza cultural foram os pontos mais apreciados (Figura 3). Outros oito destacaram especificamente a cultura local como o fator de maior atrativo. Figura 3: Interior do Mercado Fonte: Mercado Modelo, 2024. Disponível em: https://www.mercadomodelosalvador.com/fotos-do-mercado- modelo/ https://www.mercadomodelosalvador.com/fotos-do-mercado-modelo/ https://www.mercadomodelosalvador.com/fotos-do-mercado-modelo/ 33 A organização, com a numeração das lojas, foi elogiada por sete turistas, enquanto dois visitantes expressaram seu apreço pela galeria de arte, que foi tão impactante que os levou a retornar várias vezes durante a semana. Três turistas holandeses mencionaram que a vista para o mar e a brisa foram os principais destaques da experiência da paisagem soteropolitana. Enquanto cinco turistas destacaram a qualidade das roupas e calçados ofertados, um visitante enfatizou a competitividade dos preços. Outros dois visitantes expressaram apreciação geral pela experiência no mercado, enquanto dois turistas adicionais mencionaram a aquisição de lembranças como ponto culminante de sua visita. A relevância cultural e histórica do mercado para a cidade foi citada como um aspecto positivo por um dos entrevistados O segundo aspecto, referindo-se ao que menos agradou aos turistas no Mercado, dividiu opiniões, pois 23 turistas disseram que não mudariam nada no local, pois, segundo eles, todas as reformas recentes foram suficientes. No entanto, seis turistas, incluindo três estrangeiros, reclamaram da importunação dos vendedores, que vez ou outra eram invasivos e demasiadamente persistentes para vender seu produto. Além disso, oito turistas reclamaram dos preços, alegando que, por se tratar de um grande comércio, deveria um valor mais acessível, ainda mais por ser conhecido como o ponto de venda de lembrancinhas na cidade. Quatro turistas também reclamaram da falta de diversidade dos produtos, encontrando pouca variedade. A pesquisa revelou diversos pontos de insatisfação entre os visitantes. Três deles reclamaram da temperatura, alegando que os ventiladores dispostos não eram suficientes, visto que estava ainda mais calor dentro do Mercado. Dois turistas, incluindo um estrangeiro, reclamaram da demora do restaurante, relatando esperar cerca de 2 horas para comer. Um outro turista reprovou a falta de acessibilidade, dizendo que sua mãe, por exemplo, não conseguiria aproveitar o passeio devido a sua mobilidade reduzida; muitas escadas, poucas rampas e apenas um elevador funcionando. Dois turistas relataram não se sentirem seguros no caminho até o Mercado, devido a alta criminalidade da Cidade Baixa. Um turista disse sentir falta da gastronomia local, dizendo que só retornaria caso houvesse mais restaurantes. Por fim, um turista disse não se sentir satisfeito com a limpeza do banheiro, alegando que o local estava sujo, sem papel higiênico e com um odor forte. 34 Figura 4: Produtos vendidos no Mercado Fonte: Autora, 2024. O terceiro aspecto, representado na Figura 5, apresenta uma nuvem de palavras com as principais respostas que definiam o Mercado Modelo em uma única palavra. Pode-se verificar que houve uma convergência nas respostas: 35 Figura 5: Representação das palavras que definiam o Mercado Modelo na visão dos turistas Fonte: Elaborado pela autora. A nuvem de palavras da figura evidencia o Mercado Modelo como um espaço fortemente associado à "Cultura", que aparece em maior destaque, ressaltando sua importância como um símbolo da identidade baiana. A palavra "Artesanato" também ganha grande relevância, indicando que o mercado é amplamente reconhecido pelos turistas como um local para apreciar e adquirir produtos típicos e feitos à mão. A presença de "Compras" em destaque reforça o papel comercial do espaço, enquanto termos como "Gastronomia" e "Arquitetura" apontam para outros atrativos que enriquecem a experiência dos visitantes. Palavras como "Tradição", "Energia" e "Alegria" refletem a atmosfera vibrante e a conexão emocional que o mercado cria com seus frequentadores. Além disso, a inclusão de "Turismo" sublinha a relevância do Mercado Modelo como um ponto de interesse essencial para viajantes que buscam explorar a essência cultural da Bahia. A visão geral dos turistas apresenta o mercado como um espaço diversificado, rico em significados e que proporciona uma experiência marcante. O quarto aspecto, que questionava qual o melhor ponto turístico visitado em Salvador, teve destaque em três pontos: Pelourinho, Farol da Barra e Mercado Modelo. Sendo que 55% dos turistas disseram que o melhor lugar que visitaram foi o Pelourinho, relatando que há muita diversidade gastronômica, museus e lugares 36 históricos e cultura em toda parte. Como exemplo, foram mencionadas as apresentações do grupo Olodum2 e a famosa Igreja e Convento de São Francisco3. Por outro lado, 30% responderam que o Farol da Barra foi o melhor ponto turístico, devido, principalmente à praia da Barra, além do Museu Naútico da Bahia, que conta a história do primeiro sistema de sinalização náutica a ser utilizado nas Américas. Apenas 15% dos turistas disseram que o Mercado Modelo foi o melhor ponto turístico visitado em Salvador. O quinto aspecto, que se refere à definição da experiência turística em uma palavra, foi o que mais levou os turistas a refletirem sobre sua experiência, que, consequentemente, gerou diversos sentimentos e ideias, o que pode ser observado na seguinte figura: Figura 6: Representação dos sentimentos e ideias dos turistas acerca a experiência no Mercado Modelo Fonte: Elaborado pela autora. 2 O grupo Olodum foi fundado em 1979, no Centro Histórico de Salvador e celebra 40 anos de história, arte e cultura afrobrasileira. Tombado pela ONU como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado da Bahia, o grupo tornou-se uma das mais importantes expressões da música mundial (Ministério da Cultura, 2023). 3 Igreja e Convento de São Francisco são classificados como uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo e tombados pelo IPHAN. É conhecida como “a igreja de ouro” mundo afora, pois, inicialmente sua construção fora feita com ouro verdadeiro, no entanto, devido a furtos e tentativas de destruição, foi substituído por uma espécie de ouro falso. 37 A análise dessa nuvem de palavras evidencia que a experiência turística no Mercado Modelo foi amplamente positiva. O destaque principal vai para a palavra "Maravilhosa", que aparece em maior tamanho e reflete a opinião predominante dos turistas. Além disso, palavras como "Boa", "Cultura", "Encantadora" e "Prazerosa" reforçam a ideia de que os visitantes encontraram algo único, culturalmente rico e satisfatório. Termos como "Colorida" e "Axé" sugerem uma forte conexão com a identidade visual e espiritual da Bahia, ressaltando elementos característicos que encantaram os turistas. A presença de palavras como "Curiosidade" e "Novidade" indica que o mercado desperta interesse e proporciona algo diferente do que muitos esperam. Em menor proporção, palavras como "Diversidade", "Saborosa" e "Agradável" complementam a percepção de um espaço acolhedor e multifacetado. Embora o tom geral seja positivo, a presença de termos como "Prejuízo" e "Barata" pode sugerir percepções mais específicas e pontuais que estão ligadas a preços ou ao custo-benefício, mas não comprometem a visão geral do lugar como um ponto turístico marcante e enriquecedor 5.7 Infraestrutura A fim de investigar a temática proposta, o questionário foi estruturado em sete dimensões: infraestrutura básica, acessibilidade, preços, qualidade dos serviços, hospitalidade, estacionamento e sinalização. Para a coleta de dados, optou-se pela utilização de uma escala Likert de três pontos (boa, regular, ruim), permitindo a quantificação e comparação das respostas dos participantes. Quanto à infraestrutura, 46 turistas responderam que era boa, justificando, em sua maioria, que o espaço era ventilado, amplo e reformado. Muitos turistas não sabiam da reforma de 2023, no entanto, os que estavam visitando pela segunda ou terceira vez, disseram ver grande diferença após as reformas, tendo um ambiente praticamente novo. por fim, quatro inquiridos responderam que era regular, justificando ser muito simples e sem originalidade comercial. Já na questão da acessibilidade, 28 pessoas responderam que o espaço era bom nesse quesito, pois possui elevadores e rampas. No entanto, 15 pessoas responderam que a acessibilidade era regular, já que o local conta com poucas rampas e muitas escadas, com subidas cansativas para quem tem mobilidade reduzida. Sete inquiridos responderam que era ruim, justificando que o Mercado não 38 atende todos os públicos e não pensa em pessoas cadeirantes, por exemplo; muito menos em pessoas com deficiência visual, pois, apesar do espaço ser amplo, os caminhos para circulação entre as lojas são demasiadamente apertados para o número de pessoas circulando. Ademais, não há piso tátil no local. Figura 7: Escadas no Mercado Fonte: Autora, 2024. 39 Figura 8: Elevador no Mercado Fonte: Autora, 2024. Figura 9: Espaço nos corredores do Mercado Fonte: Autora, 2024 40 Quanto aos preços, 19 pessoas responderam que achavam os preços bons, na média para uma capital turística, tendo em vista que se trata também de produtos artesanais dos vendedores locais. Porém, 30 indivíduos responderam que os preços eram regulares, superiores à expectativa, justificando que a diversidade de produtos oferecidos não correspondia ao valor cobrado. Apenas um turista respondeu que o preço era ruim e que todos os produtos do local eram muito caros e acima do que imaginava. Já na qualidade dos serviços, 40 pessoas responderam que era boa, desde os artesanatos até a gastronomia oferecida, seja no restaurante ou nas lojas do Mercado. Dez indivíduos responderam que era regular, afirmando que faltava maior diversidade tanto nos restaurantes quanto nos produtos oferecidos. Também foi mencionado que deveria haver uma praça de alimentação, visto que há apenas um único restaurante para muitos turistas. Figura 10: Produtos vendidos no Mercado Fonte: Autora, 2024 41 Figura 11: Restaurante Maria de São Pedro Fonte: Bahia, meu amor, 2021. Disponível em: https://www.bahiameuamor.com/post/maria-de-s%C3%A3o-pedro- hist%C3%B3ria-e-tradi%C3%A7%C3%A3o-da-culin%C3%A1ria-baiana No tópico hospitalidade, 39 inquiridos responderam que era boa, citando o ótimo atendimento, o acolhimento do local e o sentimento de pertencimento. Um dos inquiridos citou que se sentiu acolhido desde o aeroporto, manifestando que essa receptividade despertou uma vontade dele em residir na Bahia. Um total de 11 entrevistados avaliou a hospitalidade como regular, justificando essa percepção pela insuficiência do atendimento em alguns estabelecimentos. Os relatos indicam que alguns lojistas demonstraram falta de cordialidade, sendo grosseiros ou insistentes na tentativa de venda, mesmo diante da manifestação de desinteresse por parte dos turistas. Dos 50 respondentes apenas 12 utilizaram os estacionamentos; tendo 10 avaliando positivamente, dizendo que o estacionamento era seguro e não muito afastado do Mercado Modelo e dois avaliando como regular, alegando preços demasiadamente elevados. Os demais 38 participantes da pesquisa relataram utilizar Uber ou transporte individual (a pé) para se locomover até o local. Por fim, a sinalização turística foi algo que dividiu opiniões entre os turistas. Vinte pessoas responderam que a sinalização era boa, organizada e fácil de https://www.bahiameuamor.com/post/maria-de-s%C3%A3o-pedro-hist%C3%B3ria-e-tradi%C3%A7%C3%A3o-da-culin%C3%A1ria-baiana https://www.bahiameuamor.com/post/maria-de-s%C3%A3o-pedro-hist%C3%B3ria-e-tradi%C3%A7%C3%A3o-da-culin%C3%A1ria-baiana 42 encontrar. No entanto, outros vinte inquiridos responderam que a sinalização era ruim, sem placas indicando os banheiros e sem indicação para o restaurante. Ou seja, não foi possível alcançar um consenso entre as respostas obtidas. Além disso, os turistas estrangeiros relataram se sentirem perdidos no Mercado, pois não há sinalização turística em inglês, apenas em português, o que dificultou a experiência turística, já que, segundo eles, foi necessário utilizar o Google Tradutor em todos os trajetos, para conseguirem localizar-se. Por fim, 10 indivíduos responderam que a sinalização era regular, não tendo informações suficientes sobre a história do Mercado Modelo, o que, na visão desses turistas, é um desperdício, visto que é um local de extrema importância histórica para a Bahia. Figura 12: Sinalização no Mercado Fonte: Autora, 2024. 43 Figura 13: Sinalização no Mercado Fonte: Autora, 2024. 5.8 Patrimônio Com 3 perguntas sobre essa questão, buscou-se entender, na visão do turista, qual a importância do Mercado enquanto patrimônio. Inicialmente, foi questionado se os turistas sabiam o que era um patrimônio cultural. Dos 50 inquiridos, 45 responderam que tinham conhecimento sobre esse conceito. Num segundo momento, questionou-se se eles sabiam que o Mercado Modelo era um patrimônio tombado sendo que, dos 50 respondentes, 38 responderam que sim. Por fim, questionou-se qual era a importância do Mercado Modelo enquanto patrimônio, sob a ótica do turista. A análise das respostas abertas revelou uma rica diversidade de percepções sobre a importância do patrimônio cultural. Entre os principais temas destacados pelos participantes, encontram-se: enriquecimento e pertencimento cultural, preservação da memória e da identidade, geração de renda para a comunidade local, valorização histórica e turística da cidade, e o papel do patrimônio como veículo de transmissão 44 cultural. É importante destacar que apenas um participante não reconheceu a importância do patrimônio cultural. Pôde-se observar que grande parte dos turistas tinham noção sobre o conceito de patrimônio cultural, no entanto, nem todos sabiam que o Mercado Modelo era um patrimônio histórico tombado pelo IPHAN. Segundo esses turistas, não há placas ou quaisquer outras informações sobre a história do local no estabelecimento, o que seria interessante para agregar valor à experiência turística, visto que, dessa forma, o turista tem um contato mais qualificado e profundo com o local. 5.9 Turismo Quanto à parte do turismo, questionou-se: 1) A importância do turismo para o Mercado Modelo; 2) O que deveria mudar no Mercado; e, 3) Se o turista voltaria a visitar. Na primeira pergunta, referindo-se a importância do turismo para o Mercado Modelo, 80% dos turistas responderam que o turismo era economicamente importante para o Mercado, sendo uma forma de renda para os vendedores locais. Os outros 20% responderam que o turismo é uma forma de valorizar a história e cultura da Bahia. Quanto à segunda pergunta, que se refere às mudanças que deveriam ocorrer no Mercado, 72% dos turistas relataram não haver necessidade de mudanças, pois a experiência havia sido satisfatória e o local estava ótimo, renovado e restaurado. No entanto, 28% dos inquiridos viam necessidade de renovações e melhorias no espaço. Para eles, falta uma praça de alimentação ou então mais restaurantes para que as pessoas experimentem a culinária típica da Bahia no Mercado Modelo. Além disso, poderia ser ofertado maior diversidade também nos produtos vendidos nas lojas, visto que alguns respondentes relataram sentir uma repetição entre as diferentes barracas dos vendedores. Por fim, foi muito mencionado que não há acessibilidade no Mercado Modelo, o que não torna o turismo acessível para todos, impossibilitando pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida de ter uma experiência minimamente satisfatória. Em síntese, quanto à pergunta se retornariam ao Mercado Modelo 49 dos 50 inquiridos responderam que sim. Segundo os turistas, o espaço é um local de acolhimento, além de ser um ponto de venda de artesanatos muito bem centralizado e um passeio prazeroso. O único inquirido que respondeu que não voltaria justificou que falta uma praça de alimentação e finalizou dizendo que só retornaria se fossem efetuadas melhorias no local. 45 Nesse sentido, é notório que o turismo no Mercado Modelo é bem aplicado, no entanto, ainda há como melhorar e impulsionar ainda mais o local, que é um centro de artesanatos, cultura e história da Bahia. A implementação de uma praça de alimentação e a diversificação dos produtos oferecidos podem atrair um público ainda maior, proporcionando uma experiência mais completa e valorizando ainda mais a rica cultura local. 5.10 Um balanço geral dos questionários A análise dos dados coletados nos questionários aplicados aos turistas que visitaram o Mercado Modelo de Salvador apresenta uma visão detalhada sobre diversos aspectos da experiência turística, infraestrutura, acessibilidade, hospitalidade e a percepção do local como patrimônio cultural. A amostra abrangeu turistas de diferentes regiões do Brasil e estrangeiros, com variados perfis em termos de idade, gênero, profissão e grau de instrução, o que enriqueceu a compreensão sobre a importância e os desafios enfrentados pelo Mercado Modelo. O perfil dos turistas entrevistados revelou importantes nuances sobre as percepções e expectativas em relação ao Mercado Modelo. Em termos de gênero, 70% dos inquiridos eram mulheres, o que demonstra uma maior predisposição feminina em responder aos questionários e participar ativamente da experiência turística – isso corrobora estudos que indicam uma maior presença feminina em espaços culturais e patrimoniais. Quanto à faixa etária, a maioria dos turistas (72%) tinha entre 20 e 40 anos, o que sugere que este grupo é mais atraído por monumentos históricos e culturais. Os turistas de 41 a 60 anos, embora em menor número, também demonstraram interesse por esse tipo de experiência, compartilhando suas vivências de modo atencioso e detalhado. Em relação ao local de origem, a maioria dos turistas eram brasileiros, com 45 dos 50 entrevistados provenientes de diferentes regiões do país. O Sudeste, particularmente São Paulo, foi a região mais representada, seguido pelo Nordeste, cujos visitantes mencionaram sentir falta de maior diversidade nos produtos oferecidos no mercado. Os quatro turistas estrangeiros, originários da Holanda e Estados Unidos, tiveram críticas em comum: a falta de sinalização em inglês, o que dificultou sua locomoção e compreensão do ambiente. O turista de Barcelona relatou não sentir tanta dificuldade pois estava acompanhado de uma brasileira e o espanhol 46 tem similaridade com o idioma, o que não interferiu em sua experiência. No entanto, esse é um caso extremamente específico, o que não tange à discussão. O levantamento também trouxe dados interessantes sobre o perfil educacional dos turistas. Cerca de 26% eram professores e 22% estudantes, o que ajudou a enriquecer as conversas sobre o valor cultural e histórico do Mercado Modelo. Entre os entrevistados, a grande maioria possuía ensino superior completo, o que trouxe diferentes pontos de vista sobre a experiência no local. Independentemente do nível de instrução, a maior parte dos visitantes reconheceu o valor do Mercado, mas destacou que ainda há espaço para melhorias, especialmente em relação à diversidade gastronômica e acessibilidade, para que todos possam aproveitar melhor a visita. Os aspectos mais avaliados positivamente pelos turistas incluem a diversidade de produtos e a riqueza cultural presentes no Mercado Modelo. Essa característica foi destacada por muitos visitantes, que valorizaram a variedade de itens à venda, a forte presença da cultura baiana e a organização do espaço, que tornou a experiência de apreciação, visitação e compra mais agradável. A galeria de arte e a vista para o mar também foram amplamente elogiadas, especialmente por turistas estrangeiros, que apreciaram a paisagem única proporcionada pelo Mercado. No entanto, houve críticas significativas, especialmente quanto à insistência dos vendedores, considerados por muitos visitantes, tanto brasileiros quanto estrangeiros, como excessivamente persistentes. Esse comportamento foi visto com muito incômodo, diminuindo a qualidade da experiência. Ademais, os preços dos produtos no Mercado Modelo dividiram opiniões. Embora alguns turistas tenham considerado os valores adequados para uma capital turística, a maioria avaliou que os preços estavam acima do esperado, especialmente em relação à pouca variedade de produtos oferecidos. Outro ponto negativo identificado foi a falta de diversidade nos itens disponíveis para compra, com alguns visitantes relatando a repetição de produtos em diferentes lojas. No que se refere à infraestrutura, o Mercado Modelo recebeu elogios pela reforma realizada em 2023, que melhorou a ventilação, ampliou os espaços e modernizou o ambiente. Muitos turistas notaram as melhorias, especialmente aqueles que já haviam visitado o local anteriormente. No entanto, a acessibilidade ainda apresenta problemas. Embora existam rampas e elevadores, muitos visitantes com mobilidade reduzida consideraram que as escadas e a falta de mais opções de acesso 47 dificultavam o passeio. O ambiente de fato não é acessível para todos, principalmente para pessoas cadeirantes e pessoas com deficiência visual, que não conseguiriam se locomover sem o auxílio de alguém, o que interfere diretamente na experiência turística. Além disso, vale ressaltar que nos dias em que os questionários foram aplicados, em diferentes meses, um dos elevadores não funcionava, o que demonstra a falta de acessibilidade e manutenção, já que, entre agosto e outubro, o elevador não passou por nenhum tipo de verificação, pois continuava desabilitado. A hospitalidade foi outro aspecto destacado positivamente pela maioria dos turistas. O atendimento cordial e o acolhimento proporcionado pelos lojistas geraram um sentimento de pertencimento, com muitos visitantes afirmando que se sentiram bem-vindos desde o momento em que chegaram a Salvador. No entanto, alguns relatos pontuaram experiências menos agradáveis, com atendentes sendo descritos como insistentes ou, em alguns casos, até mesmo grosseiros. Num panorama geral, a hospitalidade foi um ponto positivo para a maioria. No quesito segurança, a maior parte dos entrevistados afirmou sentir-se seguro dentro do Mercado Modelo, com homens e mulheres relatando que o ambiente transmitia tranquilidade. Contudo, alguns turistas mencionaram insegurança no trajeto até o mercado, especialmente ao passarem pela Cidade Baixa, uma região conhecida por notícias e relatos de criminalidade, o que gerou apreensão em parte dos visitantes. A percepção do Mercado Modelo como patrimônio cultural também foi investigada. Muitos turistas demonstraram conhecimento sobre a importância histórica do local, mas nem todos sabiam que o mercado era tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A ausência de placas informativas sobre a história do mercado foi vista como uma falha que poderia ser corrigida, proporcionando uma experiência mais completa e educativa para os visitantes. De fato, a maioria dos entrevistados ressaltou que informações adicionais sobre a história e o contexto cultural do Mercado Modelo enriqueceriam a visita, tornando-a mais significativa. Por fim, quanto à importância do turismo para o Mercado Modelo, 80% dos entrevistados afirmaram que ele é fundamental para a economia local, gerando renda para os vendedores e promovendo a cultura baiana. Embora a maioria tenha considerado que o mercado não necessita de grandes mudanças, 28% dos turistas destacaram a necessidade de maior diversidade gastronômica e de produtos artesanais, além da criação de uma praça de alimentação que melhoraria a 48 experiência geral dos visitantes. Outro ponto importante destacado pelos turistas é a acessibilidade, que se mostrou precária no local. Para um turismo que seja de fato para todos os públicos, há de fazer melhorias estruturais, como implementação de mais rampas, manutenção das escadas e dos elevadores e implementação de um piso tátil. A aplicação dessas melhorias poderia não apenas atrair mais turistas, mas também valorizar ainda mais a rica cultura e história que o Mercado Modelo representa. Em síntese, o Mercado Modelo é amplamente reconhecido como um importante ponto turístico de Salvad