UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Graduação em Geologia PROPOSTA DE UM PAINEL INTERPRETATIVO PARA O MORRO DO CUSCUZEIRO EM ANALÂNDIA/SP: DEMOCRATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO GEOLÓGICO E FOMENTO À GEOCONSERVAÇÃO Leonardo Flório Lessi Prof. Dr. José Eduardo Zaine Rio Claro (SP) 2017 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro LEONARDO FLÓRIO LESSI PROPOSTA DE UM PAINEL INTERPRETATIVO PARA O MORRO DO CUSCUZEIRO EM ANALÂNDIA/SP: A DEMOCRATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO GEOLÓGICO E FOMENTO À GEOCONSERVAÇÃO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas – Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Geólogo. Rio Claro – SP 2017 Lessi, Leonardo Flório Proposta de um painel interpretativo para o Morro do Cuscuzeiro em Analândia/SP: a democratização do conhecimento geológico e fomento à geoconservação / Leonardo Flório Lessi. - Rio Claro, 2017 85 f. : il., figs., tabs., quadros Trabalho de conclusão de curso (Geologia) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: José Eduardo Zaine 1. Geologia. 2. Interpretação ambiental. 3. Painel interpretativo. 4. Geodiversidade. 5. Geoconservação. 6. Morro do Cuscuzeiro. I. Título. 550 L639p Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP - Adriana Ap. Puerta Buzzá / CRB 8/7987 LEONARDO FLÓRIO LESSI PROPOSTA DE UM PAINEL INTERPRETATIVO PARA O MORRO DO CUSCUZEIRO EM ANALÂNDIA/SP: DEMOCRATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO GEOLÓGICO E FOMENTO À GEOCONSERVAÇÃO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Geólogo. Comissão Examinadora Prof. Dr. José Eduardo Zaine (orientador) Profa. Dra. Vania Silvia Rosolen André de Andrade Kolya Rio Claro, _____ de __________________________ de ________. Leonardo Flório Lessi Prof. Dr. José Eduardo Zaine Agradecimentos Ao universo e aos espíritos, que guiam meus caminhos e escolhas e me conduzem à evolução. À minha família. Meus pais e meu irmão, pelo apoio incondicional, conselhos tão valiosos e por me manterem com os pés no chão. Também à minha avó, Dona Idalina, pelos incessantes bons pensamentos. À minha namorada, Mariana, pelo amor e companheirismo e por me apoiar e passar noites em claro durante a confecção deste trabalho. Aos amigos conterrâneos Douglas “Dodo”, Gabriel Rolfsen, Gustavo, Vinícius “Gordo”, Guilherme Gobatto, Daniel, Lucas “Lukinhas”, Isadora, Livia e às meninas Giovana, Luiza, Thaís, Ricci, Clara, Helena, Tessa e Luciana, pelos inúmeros momentos vividos e pela amizade de longa data. A todos da turma 012 da Geologia, os Sexy Boys, com os quais tive o prazer de compartilhar as aprovações e recuperações durante a graduação. À República Milharal, que foi meu lar durante os seis anos de graduação, e aos que dividiram comigo esta casa. Ao time de Rugby da Unesp, o RURC, e a todos com quem tive a oportunidade de jogar ou treinar ao lado, pelos bons momentos, campeonatos, hematomas e por me apresentarem a este esporte maravilhoso. Aos amigos: Georg “Gó”, Rafael “Canto”, Caio “Ferrugem”, Giovanna “Baggio” Nikolas “Frank”, Leonides “300”, Helder “Buda”, Lia, Melissa “Choro”, Murilo, Jonas “Ralo”, Flávio “Ratinho”, Marininha, Rodrigo “Peru”, Murilo “Senta”, André “Lara”, Guilherme “Cabrito”, Rafael “Berne”, Marina Ciccolin, Bruno “Fritura”. Aos professores que conduziram minha graduação. Em especial ao Professor Doutor José Eduardo Zaine, pela orientação e pela oportunidade de desenvolver este trabalho e ao Professor Doutor Luiz Carlos Santana, com quem pouco convivi, mas que muito me ensinou e auxiliou na elucidação das ideias deste trabalho. Também, à Professora Doutora Vania Silvia Rosolen, pelos comentários valiosos durante a arguição deste TCC e à Profossora Doutora Mariselma Ferreira Zaine pela correção meticulosa do texto. Mais uma vez, e, em especial, ao André “Lara” Kolya, por ter alguém, com quem dividi o lar e muitos momentos, compondo a banca de avaliação deste trabalho. Por fim, a todos que, de alguma forma, contribuíram para o meu crescimento e para o fechamento deste ciclo. Through interpretation, understanding; through understanding, appreciation; through appreciation, protection (TILDEN, F., 1977, p. 38). RESUMO O fato de o conhecimento geológico ser ensinado nas escolas apenas sob a forma de tópicos em outras disciplinas, ou como projetos interdisciplinares faz com que inexista na sociedade brasileira uma “cultura geológica”, sendo que o desconhecimento desta ciência pela população pode acarretar graves consequências, tanto econômicas, quanto sociais. Neste sentido, o presente estudo visa abrir espaço para projetos de democratização do conhecimento geológico, além de fomentar a geoconservação, a partir da proposta de um painel interpretativo para o sítio da geodiversidade Morro do Cuscuzeiro, em Analândia, São Paulo. Assim, o painel proposto deve elucidar aos visitantes do local a respeito de sua geodiversidade, não apenas transmitindo as informações, mas provocando-os, por meio de uma abordagem amigável e de uma linguagem acessível ao público em geral. Para tal, pretende-se definir os conceitos relativos a geodiversidade, geoconservação, geoturismo e interpretação ambiental, de modo a embasar o trabalho realizado. Como metodologia de trabalho, foram realizados revisão bibliográfica, trabalhos de campo e sensoriamento remoto, como etapas preliminares, além da caracterização, inventariação e quantificação do sítio da geodiversidade em questão, por meio da plataforma GEOSSIT, e elaboração do painel interpretativo, seguindo as diretrizes propostas por Tilden (1977), Ham (1992), Projeto Doces Matas (2002), entre outros. Ante o exposto, tem-se como produto final deste trabalho, uma proposta de painel interpretativo que visa aumentar a divulgação do conhecimento geológico, despertando nos visitantes do Morro do Cuscuzeiro, não só o interesse pelas geociências, mas também o sentimento de preservação para com a natureza em sua vertente geológica. Palavras-Chave: Interpretação Ambiental. Painel Interpretativo. Geodiversidade. Geoconservação. Morro do Cuscuzeiro. ABSTRACT The fact that geological knowledge is taught only as a topic under other disciplines or as part of interdisciplinary projects in schools, results in a lack of "geological culture" in the Brazilian society. The unawareness about that science may result in serious consequences, both economic and social. In this regard, the present study aims to make way for more projects of democratization of the geological knowledge, in addition to fostering the geoconservation, through the proposal of a new interpretative panel for the Geodiversity Site 'Morro do Cuscuzeiro', in Analândia, State of São Paulo (Brazil). Thus, the proposed panel must elucidate the visitors about the local geodiversity, not only informing them, but also provoking them by using a friendly approach and an accessible vocabulary, even for the public in general. To do so, this project intends to define the concepts of geodiversity, geoconservation, geotourism and environmental interpretation, in means to underpin the study. The work method is based on bibliographical revision, field work, and remote sensing, as preliminary steps, and also the characterization, inventory and quantitative assessment of the geodiversity site, through the GEOSSIT plataform, and the development of the interpretive panel following the guidelines suggested by Tilden (1977), Ham (1992), Projeto Doces Matas (2002), among others. In view of this, as result of this study, there is a proposed interpretive panel that aims to increase the disclosure of the geological knowledge, bringing up to the visitors of the Morro do Cuscuzeiro, not only the interest in geosciences, but also the sense of preservation towards nature in its geological aspect. Keywords: Environmental Interpretation. Interpretive Panel. Geodiversity. Geoconservation. Morro do Cuscuzeiro. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Localização do município de Analândia (SP)...........................................16 Figura 2 – Imagem de satélite da área de estudo.....................................................17 Figura 3 – Mapa topográfico da área de estudo........................................................17 Figura 4 – Fluxograma de fases e etapas do trabalho..............................................29 Figura 5 – Localização e cronoestratigrafia da bacia do Paraná...............................41 Figura 6 – Morros dos Cuscuzeiro, à esquerda, e do Camelo, à direita...................47 Figura 7 – Mapa geológico da área de estudo..........................................................49 Figura 8 – Afloramento da Formação Pirambóia com estratificações cruzadas tabulares destacadas. Em vermelho, níveis conglomeráticos....................................50 Figura 9 – Estratificações cruzadas na Formação Botucatu.....................................51 Figura 10 – Caverna denominada Toca do Índio, escavada na Formação Botucatu.....................................................................................................................52 Figura 11 – Pinturas rupestres no interior da caverna Toca do Índio........................52 Figura 12 – A. Feições de esfoliação esferoidal. B. Afloramento de basalto já bastante alterado e com disjunções colunares..........................................................54 Figura 13 – Processo de laterização na Formação Itaqueri......................................55 Figura 14 – Processo de rastejamento de solo.........................................................56 Figura 15 – Voçoroca presente na vertente a leste do Morro do Camelo.................56 Figura 16 – A. Visão aproximada da porção aterrada com entulho da voçoroca. B. Visão geral da voçoroca presente a oeste do Morro do Camelo...............................57 Figura 17 – Brasão do município de Analândia com o Morro do Cuscuzeiro representado no centro..............................................................................................62 Figura 18 – O Morro do Cuscuzeiro na abertura da novela A Força do Querer........63 Figura 19 – Vista da área de estudo, com destaque para o Morro do Cuscuzeiro se destacando na paisagem...........................................................................................64 Figura 20 – Pichações presentes nas paredes do Morro do Cuscuzeiro..................67 Figura 21 – Infraestrutura presente no local: A. Escada em boas condições; B. e C. barragens em condições precárias para sustentar a trilha; D. Acesso perigoso de um setor a outro do Morro; E. Blocos soltos na trilha; F. Ponte em boas condições de segurança instalada na trilha......................................................................................68 Figura 22 – Esquema da construção e localização do painel interpretativo..............74 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Critérios de avaliação do valor científico (VC).........................................34 Tabela 2 – Critérios de avaliação do risco de degradação (RD)...............................34 Tabela 3 – Critérios de avaliação do potencial para uso educativo (PUE) e potencial para uso turístico (PUT).............................................................................................35 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Ficha de identificação.............................................................................59 Quadro 2 – Fichas de enquadramento, caracterização geológica e feições de relevo..........................................................................................................................60 Quadro 3 – Ficha de tipos de interesse do sítio........................................................64 Quadro 4 – Ficha de conservação.............................................................................65 Qaudro 5 – Síntese dos valores obtidos na avaliação quantitativa...........................70 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 1.1 Objetivos .......................................................................................................... 15 1.2 Área de estudo ................................................................................................ 15 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 18 2.1 O ensino de geociências .................................................................................. 18 2.2 Geoturismo ...................................................................................................... 21 2.3 Geodiversidade e geoconservação ................................................................. 22 2.4 Interpretação Ambiental ................................................................................... 24 2.4.1 Painéis interpretativos ............................................................................... 26 3 MATERIAL E MÉTODOS ...................................................................................... 29 3.1 Etapas preliminares ......................................................................................... 30 3.1.1 Levantamento bibliográfico ....................................................................... 30 3.1.2 Sensoriamento remoto .............................................................................. 31 3.1.3 Etapas de campo ...................................................................................... 31 3.2 Caracterização da área .................................................................................... 32 3.3 Inventariação e quantificação .......................................................................... 33 3.4 Elaboração do painel ....................................................................................... 37 4. CONTEXTUALIZAÇÃO DO MEIO FÍSICO ........................................................... 39 4.1 O município de Analândia ................................................................................ 39 4.2 Geologia Regional ........................................................................................... 40 4.2.1 Formação Pirambóia ................................................................................. 41 4.2.2 Formação Botucatu ................................................................................... 42 4.2.3 Formação Serra Geral ............................................................................... 43 4.2.4 Formação Itaqueri ..................................................................................... 43 4.3 Geomorfologia ................................................................................................. 44 4.4 O Morro do Cuscuzeiro .................................................................................... 46 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ........................................................................... 48 5.1 Caracterização da área de estudo ................................................................... 48 5.1.1 Geologia local e geomorfologia ................................................................. 48 5.1.1.1 Formação Piramboia .......................................................................... 49 5.1.1.2 Formação Botucatu ............................................................................ 50 5.1.1.3 Formação Serra Geral ........................................................................ 53 5.1.1.4 Formação Itaqueri ............................................................................... 54 5.1.1.5 Processos Erosivos ............................................................................ 55 5.1.2 Caracterização do Morro do Cuscuzeiro no GEOSSIT ............................. 57 5.1.2.1 Identificação........................................................................................ 58 5.1.2.2 Enquadramento, caracterização geológica e feições de relevo .......... 60 5.1.2.3 Interesse ............................................................................................. 61 5.1.2.4 Conservação....................................................................................... 64 5.2 Inventariação e quantificação .......................................................................... 66 5.2.1 Valor científico ........................................................................................... 66 5.2.2 Valor da geodiversidade ............................................................................ 66 5.2.3 Risco de degradação e urgência de proteção ........................................... 69 5.3 Painel interpretativo ......................................................................................... 70 5.3.1 Elaboração do conteúdo ........................................................................... 71 5.3.2 Estratégia de implementação .................................................................... 73 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 75 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 77 ANEXO A – Ficha de quantificação do valor científico com valores atribuídos......... 81 ANEXO B – Ficha de quantificação do potencial uso educativo e turístico com valores atribuídos ...................................................................................................... 82 ANEXO C – Ficha de quantificação do risco de degradação com valores atribuídos....................................................................................................................83 ANEXO D – Recomendações quanto à urgência de proteção .................................. 84 APÊNDICE A – Painel Interpretativo para o Morro do Cuscuzeiro .. Error! Bookmark not defined. 13 1 INTRODUÇÃO Existem, no Brasil, grandes desafios para a democratização do conhecimento científico, inclusive do conhecimento geológico. São diversos os entraves que afastam as pessoas dos saberes científicos, desde os meios herméticos pelos quais são disseminados até o nível de complexidade da linguagem utilizada, o que acaba distanciando aqueles que não fazem parte do meio acadêmico. Dessa forma, facilitar e incentivar o acesso da população a saberes por muito tempo reservados a uma seleta elite intelectual é de extrema importância, não apenas para a divulgação científica, mas também para a formação de cidadãos conscientes. Tal falta de oportunidade de acesso de grande parte da população brasileira às geociências é problemática, uma vez que a Geologia é a ciência capaz de explicar os mecanismos de evolução do planeta e lançar bases que contribuam para o uso consciente do solo e dos recursos naturais e para a conservação ambiental (CARNEIRO, TOLEDO, ALMEIDA, 2004). Essa temática é relevante, tendo em vista o sistema capitalista que rege a sociedade atual com uma lógica alicerçada no pragmatismo e imediatismo das relações homem-natureza. Portanto, é preciso incentivar esforços para que se democratize o conhecimento geológico com o objetivo de criar a “cultura geológica” na população (CARNEIRO, TOLEDO, ALMEIDA, 2004), pois, a partir dessa premissa, ações que fomentam a conservação do meio ambiente, bem como a formação de cidadãos críticos encontram um solo fecundo para se desenvolverem, promovendo maior entendimento em relação ao espaço físico em que se vive. Uma das maneiras, pois, de se democratizar o conhecimento geológico é por meio do ensino informal, realizado, dentre outras maneiras, com o uso da Interpretação Ambiental, uma das ferramentas implementadas ao geoturismo, ou seja, o turismo calcado em elementos de destaque da geodiversidade. O termo geodiversidade faz referência aos elementos e processos geológicos e geomorfológicos da natureza (STANLEY, 2000; GRAY, 2004), podendo, ainda, englobar as relações (e seus produtos) do meio antrópico e da biodiversidade com 14 tais elementos e fatores (STANLEY, 2000), promovendo, assim, uma visão holística de todos os elementos da natureza. Já, os esforços realizados para se promover a valorização e a preservação da geodiversidade, bem como o seu uso de forma sustentável, garantindo, então, que os processos naturais ocorram sem que haja interferência em seus parâmetros, são chamados geoconservação (SHARPLES, 2002). Dessa forma, para que o geoturismo atinja o seu objetivo de valorização da geodiversidade, contribuindo, com êxito, para a geoconservação, lança-se mão das técnicas de Interpretação Ambiental. O primeiro autor a definir e sistematizar Interpretação enquanto técnica pedagógica, foi o filósofo norte-americano Freeman Tilden, em sua obra Interpreting our Heritage (Interpretando nosso Patrimônio), em 1957. Considerado o pai da interpretação enquanto disciplina (PROJETO DOCES MATAS - PDM, 2002), Tilden (1957) sentiu, à época, a necessidade de se definir tal termo para além do que se encontrava nos dicionários, acreditando que tal método pedagógico, utilizado pelo Serviço Nacional de Parques dos EUA, era, de certo modo, superior à educação convencional, realizada nas escolas. Tilden (1977), então, definiu interpretação como sendo “uma atividade educacional que visa revelar significados e relações por meio do uso de objetos originais, pela experiência em primeira mão e por mídias ilustrativas, em vez de simplesmente comunicar informações concretas” (TILDEN, 1977, p. 8). Sendo a interpretação a maneira de se traduzir a linguagem técnico-científica, para que o público em geral possa compreender o significado de um material de interesse, a interpretação ambiental nada mais é do que uma das temáticas que tal prática pode abordar, tratando tanto da biodiversidade, quanto da geodiversidade. Segundo Hose (2000), os painéis são uma ferramenta interpretativa adequada para o uso casual e não planejado por parte dos visitantes, por serem acessíveis e de uso gratuito, além de estarem disponíveis a qualquer momento. Em síntese, a linguagem utilizada em um painel deve ter como objetivo a 15 democratização de tal conhecimento, aproximando-o do público e despertando seu interesse pela conservação do ambiente, se valendo da fruição e sensibilização do visitante (TILDEN, 1977). 1.1 Objetivos O presente trabalho tem como objetivos gerais, fornecer subsídios para a geoconservação na região de Analândia (SP), mais especificamente no Morro do Cuscuzeiro e contribuir para a democratização do conhecimento geológico, partindo do princípio exposto por Tilden (1977) de que a interpretação de algo provê sua compreensão, gerando um sentimento de apreciação que, por sua vez, culmina na preservação do tema. Já, como objetivos específicos, pretende-se:  Realizar a caracterização e inventariação do local de estudo, a fim de se avaliar o potencial de uso turístico e educacional do mesmo.  Propor um painel interpretativo que aborde características da geodiversidade do Morro do Cuscuzeiro, de modo a fornecer meios de os visitantes conhecerem e valorizarem o patrimônio geológico local. 1.2 Área de estudo O presente trabalho foi realizado em Analândia (Figura 1), no interior paulista, tendo como objeto de estudo, o Morro do Cuscuzeiro. Analândia é conhecida por ser um município de pequeno porte com grande potencial geoturístico, sendo categorizada como estância climática pelo governo estadual, desde 1966. A área de estudo (Figuras 2 e 3), por sua vez, encontra-se a, aproximadamente, 2 quilômetros do centro urbano da cidade. O turismo em Analândia tem como atrativos atividades ao ar livre, como trekking, escalada, camping, entre outros, sendo as feições geológicas e 16 geomorfológicas (morros testemunhos, cachoeiras, grutas), parte essencial da experiência bucólica procurada pelos visitantes (PERINOTTO, 2008). O relevo da região se enquadra no domínio das Cuestas Basálticas (ALMEIDA, 1964), apresentando uma variedade de relevos residuais decorrentes do processo de denudação das camadas superiores da Bacia do Paraná, as formações Pirambóia, Botucatu, Serra Geral e Itaqueri. Dentre os relevos residuais presentes, encontra-se o Morro do Cuscuzeiro, o maior marco de Analândia, sendo o principal atrativo turístico e cartão postal do município (PERINOTTO, 2008). O morro encontra-se dentro de uma propriedade privada chamada Pedra Viva, onde são realizadas atividades agrícolas e turísticas. A propriedade funciona como área de camping e como restaurante, além de oferecer diversas atividades de lazer. Figura 1 – Localização do município de Analândia (SP) Fonte: Google Maps 17 Figura 2 – Imagem de satélite da área de estudo Fonte: Google Maps Figura 3 – Mapa topográfico da área de estudo Fonte: IBGE (1971) 18 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Para o presente estudo, foram escolhidos autores cujas obras contribuem para a solidez do arcabouço teórico que norteia as discussões nos seguintes âmbitos: ensino de geociências, geoturismo, geodiversidade e geoconservação, interpretação ambiental e painéis interpretativos. 2.1 O ensino de geociências A discussão a respeito da dicotomia entre ser humano e natureza é uma problemática filosófica secular que ainda é amplamente discutida nos dias atuais, pois, juntamente à alienação do homem em relação ao impacto que pode causar na natureza, essa dissociação tem representado uma ameaça à conservação dos ambientes terrestres. A discussão desta problemática é apresentada por Wlater e Gonçalves (1990): O século XIX será o do triunfo desse mundo pragmático, com a ciência e a técnica adquirindo, como nunca, um significado central na vida dos homens. A natureza, cada vez mais um objeto a ser possuído e dominado, é agora subdividida em física, química, biologia. O homem em economia, sociologia, antropologia, história, psicologia, etc. Qualquer tentativa de pensar o homem e a natureza de uma forma orgânica e integrada torna-se agora mais difícil, até porque a divisão não se dá somente enquanto pensamento (WLATER, GONÇALVES, 1990, p. 34). Ainda sobre essa dissociação, escreve Paulo Freire (1987) que se [...] sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo. Concebe a sua consciência como algo especializado neles e não aos homens como “corpos conscientes”. A consciência como se fosse alguma seção “dentro” dos homens, mecanicistamente compartimentada, passivamente aberta ao mundo que a irá “enchendo” de realidade. Uma consciência continente a receber permanentemente os depósitos que o mundo lhe faz, e que se vão transformando em seus conteúdos (FREIRE, 1970, p. 36). 19 Nessa concepção, os seres humanos são passivos diante da compreensão do mundo, de forma a organizar o conhecimento para se adaptarem a ele, e não são capazes de assumir um protagonismo em relação a realidade apresentada. Dessa forma, tem-se a consciência, assim como apreensão do conhecimento como partes separadas do homem. Se, por um lado, as emergentes práticas da Educação Ambiental têm buscado, desde meados dos anos 1970, a formação do sujeito crítico, apto a refletir sobre seu papel em relação ao meio ambiente (CARVALHO, 2006; SANTANA, 2005), por outro, poucas pessoas possuem acesso ao conhecimento essencial para nortear essa construção. Uma das grandes dificuldades para a disseminação de temas relativos à geologia se dá pelo fato de não haver ensino específico desta disciplina na educação básica, mas apenas como temática interdisciplinar. Na segunda edição dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCN +) – Parte III, encontra-se que “Na elaboração do programa de ensino de cada uma das quatro disciplinas [biologia, física, química e matemática], está se levando em conta o fato de que elas incorporam e compartilham, de forma explícita e integrada, conteúdos de disciplinas afins, como Astronomia e Geologia” (BRASIL, 2002, p. 24). A maneira como os conteúdos de Geologia são ensinados nas escolas tornam, portanto, raras as pessoas que compreendem mesmo os mais básicos conceitos desta ciência. Segundo Carneiro, Toledo e Almeida (2004), no Brasil, a “cultura geológica” é inexistente nos estudantes que completam o ensino fundamental e médio e tentam o ingresso na universidade. Tal fato corrobora para que a população se distancie de fundamentais questões, como a conscientização e a conservação ambiental, relativas à geodiversidade, uma vez que possuem acesso apenas ao que é divulgado pelo senso comum. Neste sentido, Meira, Brito e Morais (2016), apontam que 20 Mediante o atraso do pensamento da sociedade, medidas de valorização e divulgação de elementos da geodiversidade que apresentam valores excepcionais, denominado patrimônio geológico, adquirem elevada relevância, já que é por meio dessas ações que são traçadas diretrizes efetivas de aproximação do público com conceitos relativos às Ciências da Terra e que se “vende” a ideia de que a geodiversidade é um componente da natureza tão importante quanto a biodiversidade e merece ser estudado, entendido e conservado (MEIRA, BRITO & DE MORAES, 2016, p. 11). Assim, faz-se necessário a construção de um novo paradigma, capaz de propor alternativas aos desafios socioambientais, tendo como base um sólido conhecimento científico. Sobre esse aspecto, Barbosa et al. (1999) escreve que [...] para que a geologia possa chegar aos especialistas de outras áreas e ao cidadão comum, a fim de que ambos possam ser cativados para um melhor entendimento da importância do solo que ocupam e utilizam, ou da paisagem que observam, o esforço terá de ser, naturalmente, maior (Barbosa et al. 1999, p 22). Ante o exposto, uma das maneiras de se colaborar para a criação da “cultura geológica” na população, é por meio do ensino não formal, cuja definição é apresentada por Gohn (2006): A educação formal pressupõe ambientes normatizados, com regras e padrões comportamentais definidos previamente. A não-formal ocorre em ambientes e situações interativos construídos coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos, usualmente a participação dos indivíduos é optativa, mas ela também poderá ocorrer por forças de certas circunstancias da vivência histórica de cada um (GOHN, 2006, não paginado). A educação não formal é, portanto, capaz de atingir um público diversificado, podendo abordar tópicos, como a temática ambiental, ou, mais especificamente, a geologia, para um público que carece da “cultura geológica”, fazendo-o refletir sobre o meio em que vive. Neste sentido, escrevem, Barbosa et al. (1999, p. 22) que “a forma como, hoje, se pretende dispor da divulgação do conhecimento geológico como meio de informação para leigos pode constituir um meio de maior entendimento e de aproximação do Homem com a Natureza”. A divulgação dos saberes das geociências, por meio da educação informal, encontra um ambiente propício à sua prática em atividades ligadas ao geoturismo. 21 2.2 Geoturismo O termo geoturismo foi primeiramente definido pelo autor inglês Thomas A. Hose (1995), como sendo uma atividade que não só possibilita a apreciação de uma estrutura geológica, mas também forneça entendimento e conhecimento a respeito do local, além de sua importância científica, por meio de atividades interpretativas. Tal definição foi revisada mais tarde por Hose (2000, p. 136), que passou a chamar de geoturismo “a provisão de facilidades interpretativas e serviços para promover o valor e os benefícios sociais de sítios geológicos e geomorfológicos e seus materiais, e garantir sua conservação, para uso de estudantes, turistas e visitantes casuais”. Já, no Brasil, Ruchkys (2007) discute a importância, dentro do geoturismo, de se sensibilizar o visitante, por meio da interpretação, para que este possa contribuir para geoconservação: O geoturismo pode ser entendido como um seguimento da atividade turística que tem o patrimônio geológico como seu principal atrativo e busca sua proteção por meio da conservação de seus recursos e da sensibilização do turista, utilizando para isto, a interpretação deste patrimônio tornando-o acessível ao público leigo, além de promover sua divulgação e o desenvolvimento das ciências da Terra (RUCHKYS, 2007, p. 23). É, ainda, importante destacar que, no Brasil, não há uma definição institucional para o termo geoturismo. Porém, segundo Nascimento, Ruchkys e Neto (2008), embora o conceito de ecoturismo tenha como enfoque o uso sustentável, a apreciação e a preservação dos elementos naturais, um grande destaque é dado aos elementos da biodiversidade, em detrimento dos fatores abióticos da natureza. Portanto, deve-se reforçar o uso da expressão geoturismo enquanto segmento próprio do turismo, a fim de se aumentar a visibilidade do patrimônio geológico de uma região (NASCIMENTO, RUCHKYS, NETO, 2008). 22 2.3 Geodiversidade e geoconservação O termo geodiversidade é recente, possuindo definições ligeiramente diferentes na literatura. Seu surgimento se deu na década de 1990, em contrapartida à biodiversidade (GRAY, 2004), sendo de grande importância para a conservação dos aspectos abióticos da natureza, uma vez que muito mais atenção é dada para os elementos bióticos da natureza (GRAY, 2004; BRILHA, 2005). Dessa maneira, Stanley (2000) define geodiversidade como “a variedade de ambientes geológicos, fenômenos e processos que originam as paisagens, rochas, minerais, fósseis e solos que suportam a vida na terra” (STANLEY, 2000, p. 15). A fim de promover uma visão holística ao conceito, o autor completa dizendo que a “geodiversidade é também a ligação entre pessoas, paisagens e sua cultura, por meio da interação da biodiversidade com os elementos geológicos da natureza” (STANLEY, 2000, p. 15). Já, Gray (2004, p. 8), em sua obra intitulada Geodiversity: Valuing and Conserving Abiotic Nature, adota para o tema em questão a definição presente na Carta do Patrimônio Natural Australiano (ANHC, 2002, p. 9), “A diversidade natural de fatores geológicos, geomorfológicos e solos. Isso inclui suas assembleias, relações, propriedades, interpretações e sistemas”, mas, com o cuidado de precisar o que entende por fatores geológicos (rochas, fósseis e minerais) e geomorfológicos (formas de relevo e processos). No Brasil, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), adota o seguinte significado para o termo geodiversidade: A natureza abiótica (meio físico) constituída por uma variedade de ambientes, fenômenos e processos geológicos que dão origem às paisagens, rochas, minerais, solos, águas, fósseis e outros depósitos superficiais que propiciam o desenvolvimento da vida na Terra, tendo como valores intrínsecos a cultura, o estético, o econômico, científico, o educativo e o turístico (CPRM, 2006, p. 4). 23 Os valores da geodiversidade e sua fragilidade perante as ações antrópicas, exigem, não apenas significativos esforços, mas também a sistematização de técnicas para promover sua conservação. A tais esforços e técnicas, dá-se o nome de geoconservação. Segundo Sharples (2002, p. 2), a geoconservação “visa preservar a geodiversidade de significantes fatores e processos geológicos, geomorfológicos e pedológicos, e garantir taxas e grandezas naturais em tais fatores e processos”. Para que o processo de geoconservação ocorra de forma eficiente, é preciso que se atribuam determinados valores qualitativos à geodiversidade, sendo que uma sistematização recente deste método de avaliação foi apresentada por Brilha (2016). Nela, o autor expressa a necessidade de se definir com clareza os objetivos da inventariação a ser realizada, uma vez que, locais que apresentem notório cunho científico, chamados geossítios, não devem ser avaliados segundo seus valores estéticos, valores estes que devem ser considerados em se tratando de sítios da geodiversidade, os quais [...] correspondem a ocorrências da geodiversidade que não possuem valor científico significativo. Porém, devido a seus relevantes valores educacionais e/ou turísticos, sítios da geodiversidade devem ser conservados para permitir o uso sustentável da geodiversidade pela sociedade. Tais sítios da geodiversidade devem ainda possuir grande significância cultural para a identidade das comunidades locais [...] e o método de inventariação não será afetado pelo tamanho da área de estudo (BRILHA, 2016, p. 124). Brilha (2016) propõe diferentes critérios de avaliação para geossítios e sítios da geodiversidade, dividindo este último em dois grupos diferentes referentes ao seu valor mais expressivo: educacional ou turístico. Enquanto ambos os grupos são avaliados segundo acessibilidade e segurança, nos sítios voltados para fins educacionais são considerados seu potencial didático e diversidade geológica, enquanto para sítios de cunho turístico, analisam-se o cenário e o potencial interpretativo do local (BRILHA, 2016). 24 Assim, enquanto o cenário é “associado à beleza visual da ocorrência geológica em questão” (BRILHA, 2016, p. 125), o potencial interpretativo, por sua vez, é “relacionado à capacidade da feição geológica de ser facilmente compreendida por pessoas leigas” (BRILHA, 2016, p.125). Desta forma, a interpretação desempenha um papel essencial na valorização de um sítio da geodiversidade. De acordo com Ham (1992), a interpretação, em sua definição mais simplificada, significa tradução de uma linguagem em outra. 2.4 Interpretação Ambiental A primeira definição formal para interpretação veio de Freeman Tilden, que a descreve como: Uma atividade educacional que visa revelar significados e relações por meio do uso de objetos originais, pela experiência em primeira mão e por mídias ilustrativas, em vez de simplesmente comunicar informações concretas (TILDEN, 1977, p. 8). Tilden (1977) considera seis princípios fundamentais para a eficiência qualquer atividade interpretativa: I. Qualquer interpretação que não relacione, de alguma forma, o que está sendo mostrado ou descrito com a personalidade ou a experiência do visitante será estéril. II. Informação, em si, não é interpretação. Interpretação é revelação baseada em informação. Mas ambas são coisas totalmente diferentes entre si. No entanto, toda interpretação inclui informação. III. Interpretação é uma arte, a qual combina muitas outras artes, dependendo se os materiais apresentados são científicos, históricos ou arquitetônicos. Toda arte é, de certo modo, passível de ser ensinada. IV. O objetivo principal da interpretação não é instruir, mas provocar. V. Interpretação deve visar a apresentação do todo, ao invés de parte dele, e deve ser direcionada para o homem como um todo e não para alguma fase. VI. Interpretação direcionada a crianças (acima de 12 anos) não deve ser uma versão diluída daquela apresentada para adultos, mas deve seguir uma abordagem fundamentalmente distinta. Para que seja o melhor possível, esta requer um programa separado. (TILDEN, 1977, p. 7) 25 Assim, a Interpretação Ambiental é a tradução “da linguagem técnica de uma ciência natural, ou campo relacionado, em termos e ideias que pessoas que não são cientistas possam compreender prontamente [...] de modo prazeroso e interessante para elas” (HAM, 1992, p. 3). Neste sentido, Moreira (2012) escreve que: A Interpretação Ambiental é considerada como uma parte da Educação Ambiental, sendo o termo usado para descrever as atividades de uma comunicação realizada para a melhor compreensão do ambiente natural em áreas protegidas, museus, centros de interpretação da natureza, entre outros (MOREIRA, 2012, p. 87). Diferentes meios interpretativos podem ser oferecidos aos visitantes. Tais meios podem ser personalizados, ou guiados, que contam a mediação de um intérprete, ou não personalizados, ou autoguiados, que não são mediados por pessoas, mas por elementos audiovisuais que interagem diretamente com os visitantes (PDM, 2002, VASCONCELOS, 2003). Vasconcelos (2003) apresenta as vantagens e desvantagens dos meios interpretativos personalizados, ou seja, dos meios guiados: São vantagens dos meios personalizados:  Possibilitam comunicação efetiva entre visitante e intérprete.  A presença e atuação do intérprete despertam maior interesse.  A mensagem pode ser adaptada para diferentes públicos. São desvantagens:  Requerem o treinamento e a presença do intérprete.  Sua efetividade depende da habilidade do intérprete.  Atendem pequenos grupos.  Geralmente têm de médio a alto custo, a longo prazo. (VASCONCELOS, 2003, p. 271). Vasconcelos (2003) também aponta as vantagens e desvantagens em relação aos meios não personalizados, ou autoguiados: São vantagens dos meios não personalizados:  São auto-explicativos.  Estão sempre disponíveis.  Garantem a transmissão da mensagem planejada.  Atendem grande número de visitantes.  Constituem forma rápida de educação. 26 São desvantagens:  Não possibilitam o esclarecimento de dúvidas.  A mensagem é dirigida para um público médio.  É difícil manter o interesse do visitante.  Estão sujeitos a vandalismo. (VASCONCELOS, 2003, p. 273) Nesse sentido, uma série de técnicas podem ser utilizadas para a promoção da Interpretação Ambiental, representadas por:  Publicações (mapas, folhetos, cartazes, roteiros ou guias);  Excursões (trilhas interpretativas guiadas, ou não);  Interpretações ambulantes (realizadas por guias, conforme há necessidade e oportunidade);  Apresentações (palestras, dramatizações e demonstrações folclóricas);  Práticas em campo;  Exposições;  Modelos, maquetes e diagramas;  Guias portáteis de som;  Audiovisuais (vídeos, filmes, transparências, slides, etc.);  Pontos de escuta e repetidores de mensagens;  Placas, painéis, letreiros e documentos fixos protegidos. (PDM, 2002, p. 50). Dentre os recursos interpretativos autoguiados, os painéis “são o meio mais apropriado para o uso casual não planejado. Eles podem chamar a atenção para um local e também concentrar o uso dentro dele. Eles estão disponíveis ao longo do dia e durante todo o ano e são gratuitos para os visitantes!” (HOSE, 2000, p. 132). 2.4.1 Painéis interpretativos Hose (2000) salienta que um bom painel de cunho geológico, deve conter não somente informações estritamente geológicas do sítio, como características petrológicas, estratigráficas, estruturais, paleontológicas, ou mineralógicas, mas também aspectos amigáveis, como características únicas do sítio, processos endógenos e exógenos atuantes na evolução e na geometria do sítio, fatores paleoclimáticos, importância econômica e histórica. 27 Portanto, para a elaboração de um bom painel interpretativo, deve ser utilizada uma linguagem acessível e atraente ao público, conforme afirmam Meira, Brito e Morais (2016): A mensagem deve ser apresentada de forma persuasiva, provocativa e clara, sendo essa uma grande dificuldade para os pesquisadores da Ciência da Terra devido à linguagem extremamente técnica utilizada (MEIRA, BRITO & DE MORAIS, 2916, p. 15). Deve-se, ainda, considerar os fatores gráficos e físicos escolhidos na elaboração do painel, de modo a se garantir um aspecto legível e harmonioso ao mesmo (PDM, 2002, VASCONCELOS, 2003). Em relação à fonte utilizada, esta deve ser simples, evitando letras rebuscadas e o tamanho das letras deve evidenciar uma hierarquia que balizará a leitura, tendo o título a maior letra, seguido do texto principal, do subtítulo, dos textos secundários e, com a menor letra, as legendas e indicações (PDM, 2002). Já, para o texto, o PDM (2002) aponta para o espaçamento entre as linhas que não deve ser muito pequeno, facilitando a leitura, e para o tipo de parágrafo que deve ser alinhado à esquerda. Ainda, segundo o PDM (2002), as cores devem facilitar a leitura, atentando-se para o contraste entre a cor do texto e do fundo: “normalmente, os painéis com fundo escuro e letras claras são indicados, para locais que ficam expostos ao sol, enquanto os painéis com letras escuras sobre um fundo claro são mais visíveis, em locais sombreados” (PDM, 2002, p. 98). Vasconcelos (2003) argumenta sobre a possibilidade de se utilizar cores contrastantes a fim de destacar elementos de interesse. No que diz respeito à acessibilidade e ao impacto visual no ambiente, deve-se balizar a escolha da altura, da inclinação e do tamanho do painel, de modo que este possa ser lido por adultos e crianças, além de portadores de deficiências físicas, como usuários de cadeira de rodas, por exemplo (PDM, 2002). 28 Segundo o PDM (2002), a escolha dos materiais é uma das mais difíceis e vários fatores devem ser considerados:  Recursos financeiros;  Clima local (umidade do ar, intensidade de luz solar e variação de temperatura);  Mão de obra disponível para construção, instalação e manutenção;  Problemas com vandalismo;  Tipo de exposição (ao ar livre, na sombra, abrigado, entre outros);  Relação visual com o ambiente (integrado ao ambiente, ou contrastante). Assim, a elaboração de painéis interpretativos constitui uma maneira consistente de se contribuir para a democratização dos saberes geológicos em ambientes educativos informais, devendo ser empregada uma linguagem simplificada aliada a elementos gráficos que auxiliam a compreensão dos conteúdos, destinados a diferentes públicos. 29 3 MATERIAL E MÉTODOS O desenvolvimento do trabalho se deu, primeiramente, por meio das etapas preliminares que incluem levantamento bibliográfico, etapas de campo e sensoriamento remoto. As informações e os dados levantados possibilitaram a caracterização da área, que foi seguida da inventariação e quantificação do local quanto ao seu valor científico e potenciais para uso educativo e turístico. Por fim foi realizada a elaboração do painel interpretativo, conforme ilustrado no fluxograma da Figura 4. Figura 4 – Fluxograma de fases e etapas do trabalho Fonte: Elaborado pelo autor 30 3.1 Etapas preliminares Por meio das três etapas preliminares foram levantados os dados que possibilitaram a construção do arcabouço teórico necessário para a elaboração dos produtos finais do trabalho. A seguir, serão apresentados os procedimentos realizados dentro de cada etapa da referida fase de obtenção de dados. 3.1.1 Levantamento bibliográfico O levantamento bibliográfico abarcou pesquisa a respeito da geologia regional e local da área de estudo, além de teorias e discussões relativas a geodiversidade, geoconservação, geoturismo, ao ensino de geologia na educação básica e a interpretação ambiental. Como um todo, foram consultados artigos em periódicos científicos, teses de pós-graduação, livros, mapas topográficos e mapas temáticos, além de entrevistas com especialistas na área de estudo. Foram, então, examinadas produções científicas acerca da geologia da Bacia do Paraná, a fim de se contextualizar a área de estudo em macroescala. A respeito da geologia local, buscaram-se informações sobre a gênese e evolução geomorfológica do setor de cuestas do interior paulista na área de estudo e em áreas próximas, ou análogas. Dentro da temática da interpretação ambiental, o levantamento bibliográfico buscou não apenas conceituar os termos relacionados, mas adquirir recomendações técnicas, por meio de estudos teóricos que discutissem os fatores responsáveis pela eficácia de painéis interpretativos e da interpretação como um todo, estudos de caso a respeito de painéis já implantados e propostas de novos painéis para áreas de interesse, e até mesmo guias práticos de interpretação. Podem-se citar como principais, os trabalhos de: Tilden (1977); Ham (1993); Hose (2000); PDM (2002); Dias et al. (2003); Moreira (2008); Moreira (2012); Meira, Brito e Morais (2016). 31 3.1.2 Sensoriamento remoto O sensoriamento remoto foi realizado por meio da plataforma Google Earth Pro e dos materiais topográficos disponibilizados pelo Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE, 1971), Folha Corumbataí – SF-23-Y-A-I-2, e pelo Governo do Estado de São Paulo (1979), Folha Serra da Estrela – SF-23-Y-A-I-2- NE-O. Nesta etapa foram analisados aspectos preliminares à etapa de campo, primeiramente. Delimitou-se, então, a área de trabalho, optando-se por uma escala de detalhe em um perímetro que abarcasse uma porção representativa dos elementos e dos processos geológicos que compõem a gênese e a evolução da área de estudo. Assim, aspectos como geomorfologia e rede hidrográfica foram analisados e comparados aos aspectos presentes na bibliografia consultada. A etapa ainda forneceu informações incorporadas às estratégias de elaboração e implementação do painel interpretativo. Foram considerados fatores como a distância do Morro do Cuscuzeiro à sede da Pedra viva, propriedade em que o morro se encontra, o comprimento da trilha de acesso ao morro, a distância até o centro urbano de Analândia, além de outros fatores secundários. 3.1.3 Etapas de campo As visitas de campo foram realizadas periodicamente no Morro do Cuscuzeiro e nas áreas adjacentes, fornecendo subsídios para obtenção dos produtos finais do trabalho. Nestas etapas foram observados aspectos geológicos e geomorfológicos, além de processos erosivos recentes presentes na área de estudo, afim de subsidiar a caracterização geológica da área. Também foram analisadas as estruturas de visitação presentes na trilha que leva ao Morro do Cuscuzeiro e na sede da Pedra Viva, bem como nas vias de acesso ao local e no município de Analândia. Além disso, obtiveram-se dados 32 qualitativos acerca das condições de preservação do morro e dos riscos à sua preservação. Também foram visitados os demais sítios da geodiversidade presentes nas proximidades, a fim de compor a caracterização e a inventariação da área. Também foram obtidas informações que norteassem as estratégias da elaboração e implementação do painel interpretativo, como dimensões, posicionamento e locais onde poderia ser feita a instalação do mesmo. Além disso, foram realizadas fotografias que pudessem compor os elementos gráficos do painel. 3.2 Caracterização da área A caracterização do local foi realizada por meio dos dados levantados nas etapas de campo, tendo sido feita com dois focos principais: a caracterização geológica da área de estudo, incluindo os processos geomorfológicos ativos, e a caracterização do Morro do Cuscuzeiro, enquanto sítio da geodiversidade. O enfoque geológico desta etapa foi realizado por meio do estudo das informações obtidas em campo e por sensoriamento remoto à luz da bibliografia levantada a respeito deste tema. A fim de ilustrar a essa etapa, foi elaborado um mapa geológico em escala 1:50.000, contendo os aspectos de interesse para o estudo, ou seja, as unidades geológicas, a rede de drenagem e as áreas onde há ação erosiva expressiva. Por sua vez, a geodiversidade foi caracterizada por meio da plataforma digital GEOSSIT1, elaborada pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), a qual fornece diretrizes para que a caracterização de um sítio da geodiversidade seja realizada de modo sistematizado. Tal procedimento inclui:  Designação do sítio (nome, classificação temática principal);  Localização (estado, município, GPS, cota, acesso);  Resumo sucinto do sítio;  Enquadramento geológico (contexto geológico, tipo de terreno, período geológico, estratigrafia, litologia, paleontologia); 33  Caracterização geológica (para rochas sedimentares – ambientes de sedimentação, descontinuidades);  Feições de relevo;  Tipos de interesse em relação ao sítio;  Conservação (unidades de conservação, uso e ocupação do solo). 3.3 Inventariação e quantificação A etapa de inventariação e quantificação do local foi executada, também, por meio da plataforma digital GEOSSIT, sendo aliados e adaptados os conceitos e métodos de Garcia-Cortés e Urquí (2009), e de Brilha (2016), para a avaliação de geossítios, de interesse científico, e de sítios da geodiversidade, de interesse turístico e educativo. Para realizar a quantificação, adaptada da metodologia de Brilha (2016), foram considerados três fatores principais: o valor científico (VC), o risco de degradação (RD) e os potenciais para uso educativo e turístico (PUE e PUT). Dentro de cada tema, foram atribuídos valores a diversos critérios com diferentes pesos na contagem final, conforme mostram as Tabelas 1 (VC), 2 (RD) e 3 (PUE e PUT). 34 Tabela 1 – Critérios de avaliação do valor científico (VC) Critério Peso A1 Representatividade 30% A2 Local-Tipo 20% A3 Conhecimento científico 5% A4 Integridade 15% A5 Diversidade geológica 5% A6 Raridade 15% A7 Limitações ao uso 10% Fonte: GEOSSIT Tabela 2 – Critérios de avaliação do risco de degradação (RD) Critério Peso B1 Deterioração de elementos geológicos 35% B2 Proximidade a áreas/atividades com potencial para causar degradação 20% B3 Proteção legal 20% B4 Acessibilidade 15% B5 Densidade populacional 10% Fonte: GEOSSIT 35 Tabela 3 – Critérios de avaliação do potencial para uso educativo (PUE) e potencial para uso turístico (PUT) Critério Peso (PUE) Peso (PUT) C1 Vulnerabilidade 10% 10% C2 Acessibilidade 10% 10% C3 Limitações ao uso 5% 5% C4 Segurança 10% 10% C5 Logística 5% 5% C6 Densidade populacional 5% 5% C7 Associação com outros valores 5% 5% C8 Beleza cênica 5% 15% C9 Singularidade 5% 10% C10 Condições de observação 10% 5% C11 Potencial didático 20% ---- C12 Diversidade geológica 10% ---- C13 Potencial para divulgação ---- 10% C14 Nível econômico ---- 5% C15 Proximidade a zonas recreativas ---- 5% Fonte: GEOSSIT Atribuídos os valores, são gerados os totais. O total do RD pode ser classificado como baixo (0 a 200), médio (201 a 300) e alto (301 a 400), de acordo com Brilha (2016). Já, os totais obtidos para os fatores VC, PUE e PUT são utilizados para indicar a relevância e a prioridade de proteção de um sítio. 36 Em relação ao VC, um sítio apresenta relevância internacional, caso o total seja maior ou igual a 300, e relevância nacional, se o total for maior ou igual a 200. Já, para os fatores PUE e PUT, a relevância pode ser regional/local, se o total for menor que 200, e nacional, com valor maior ou igual a 200. Para calcular a prioridade de proteção do sítio, o GEOSSIT adapta a metodologia de Garcia-Cortés e Urquí (2009). Dessa forma, a classificação é feita de acordo com cada um dos três tipos de interesse (interesse científico – Ic; Interesse didático – Id; interesse turístico – It) e também é realizada uma classificação global (Ig). Em relação aos tipos de interesse, a equação é realizada da seguinte maneira: Ic = Total VC + RD Id = Total PUE + RD It = Total PUT + RD Já, para se calcular a prioridade de proteção global, é empregada a equação: Ig = (Ic + Id + It) / 3 + RD A prioridade de proteção pode ser, então, classificada em quatro classes: a longo prazo (de 0 a 300); a médio prazo (de 301 a 550); a curto prazo (de 551 a 750), e urgente (de 751 a 800). 37 3.4 Elaboração do painel A estratégia de elaboração do conteúdo e da formatação considerou os seguintes aspectos:  Tema principal e subtemas/subitens;  Linguagem empregada;  Viabilidade de transmissão das informações;  Filtragem das informações;  Proporção entre texto e imagens;  Fonte (tamanho, espaçamento);  Esquema de cores;  Esquemas didáticos;  Fotografias ilustrativas;  Aspectos amigáveis/complementares. Já, para a estratégia de implementação do painel, foram analisados:  Localização, posicionamento e acessibilidade;  Integração com a paisagem;  Irradiação de luz solar;  Proteção contra chuvas e outros agentes intempéricos;  Materiais utilizados para a confecção do painel;  Viabilidade de instalação;  Manutenção. Os aspectos relacionados ao conteúdo e à transmissão de informações foram analisados, tendo como base, essencialmente, os conceitos expostos por Tilden (1997), enquanto os aspectos gráficos e físicos do painel foram norteados pelos trabalhos de Ham (1993) e PDM (2002). O design do painel foi realizado com auxílio do software CorelDraw Graphics Suite 2017, que possibilitou a integração dos elementos textuais às fotografias, 38 esquemas confeccionados pelo autor e imagens, os quais foram vetorizados e tratados. 39 4. CONTEXTUALIZAÇÃO DO MEIO FÍSICO O presente capítulo aborda, principalmente, as características físicas da área de estudo, como geologia regional e local e geomorfologia, mas também informações geográficas e políticas do município de Analândia, no estado de São Paulo. 4.1 O município de Analândia Analândia é um município localizado na região centro-leste do estado de São Paulo, cuja população atual é de cerca de 4.845 habitantes (IBGE, 2017). A área do município é de, aproximadamente, 326 quilômetros quadrados e o acesso ao centro urbano se dá pela rodovia Engenheiro João Batista Cabral (SP-225). O município é intitulado como Estância Climática pelo Governo do Estado de São Paulo desde 1966, “devido ao seu clima ameno com as quatro estações do ano bem definidas, por suas águas e belezas naturais” (SECRETARIA DO TURISMO DE ANALÂNDIA, 2013, não paginado). Ademais, localiza-se na porção norte da bacia do Rio Corumbataí, enquadrando-se em duas Áreas de Proteção Ambiental (APA) que se sobrepõem. A APA Corumbataí-Botucatu-Tejupá – Perímetro Corumbataí, que foi criada em 1983, com objetivo de proteger as feições geomorfológicas da região de cuestas, além da biodiversidade local. Posteriormente, em 1987, foi criada a APA Piracicaba- Juqueri-Mirim, que tem finalidades semelhantes, mas, com maior destaque aos recursos hídricos superficiais e subterrâneos da região. O turismo é uma das principais atividades econômicas do município, tendo como atrativos as atividades ao ar livre e esportes de aventura, como camping, trekking, escalada e rapel. 40 Porém, os principais atrativos locais são os elementos da geodiversidade lá presente. O Morro do Cuscuzeiro é o grande cartão postal da cidade, ao lado do Morro do Camelo e da Serra do Cuscuzeiro. Existem ainda cavernas, como a Toca do Índio e a gruta Nossa Senhora de Lourdes, além de cachoeiras, como a do Escorrega, da Bocaina, com 45 metros de queda d’água, e a do Salto Major Levy, que se localiza na entrada da cidade, em área urbana. 4.2 Geologia Regional A área de estudo insere-se no contexto geológico da Bacia do Paraná (Figura 5), uma bacia intracratônica de formato ovalado, cujo eixo de maior extensão possui orientação aproximada N-S. A bacia está localizada no centro-leste da América do Sul, abrangendo desde o estado do Mato Grosso, ao norte, até o Uruguai, no extremo sul. A Bacia do Paraná possui uma área que se aproxima dos 1.500.000 km² e uma espessura máxima de, aproximadamente, 7.000 metros, sendo o seu depocentro estrutural coincidente com a calha do rio Paraná (MILANI et al., 2007). Milani (1997) aponta que a evolução deposicional da bacia data do Paleozoico ao Mesozoico, mais especificamente dos períodos Siluriano ao Cretáceo, originando seis ciclos deposicionais distintos de escala regional, macro unidades aloestratigráficas denominadas supersequências, sendo as três mais antigas resultantes de ciclos oscilatórios no nível do mar, enquanto as três mais recentes resultam de sistemas de sedimentação terrígena associados a um grande evento de vulcanismo fissural. Localmente, a área de estudo é formada por rochas sedimentares das formações Pirambóia, Botucatu e Itaqueri, associadas às intrusões básicas da Formação Serra Geral (ABREU, 2007). A seguir, são apresentadas características geológicas de cada uma destas formações. 41 Figura 5 – Localização e cronoestratigrafia da bacia do Paraná Fonte: Assine, Soares e Milani (1994) 4.2.1 Formação Pirambóia As rochas sedimentares da Formação Pirambóia constituem o topo da unidade aloestratigráfica proposta por Milani (1997), denominada Supersequência Gondwana I, um pacote sedimentar cuja espessura máxima atinge, aproximadamente, 2.500 metros. Milani et al. (2007) resumem tal unidade da seguinte maneira: 42 A Supersequência Gondwana I documenta um ciclo transgressivo- regressivo completo, que se inicia na base do pacote glacial pensilvaniano, atinge condições de máximo afogamento marinho [...] no Artinskiano, e encerra em depósitos continentais que colmatariam a sinéclise já no início do Mesozóico (MILANI et al., 2007, p. 274) A Supersequência Gondwana I, então, evolui de um sistema deposicional neocarbonífero de forte influência glacial para um ambiente continental de clima árido, marcado por sistemas fluviais e retrabalhamento eólico sobre os sedimentos arenosos que compunham campos de dunas no Mesozoico, dando origem às formações análogas Sanga do Cabral e Piramboia, na porção setentrional (MILANI et al., 2007; ASSINE, PIRANHA & CARNEIRO, 2004). Soares e Landim (1973) relatam que a Formação Piramboia é, essencialmente, composta pela repetição cíclica de pacotes de arenito médio a fino e siltoargilitos com estratificação cruzada e pacotes de arenito mais fino, com camadas de folhelhos e lamitos e estratificação plano paralela. Tais pacotes evidenciam deposição em canal e em planícies de inundação, apresentando espessuras que variam de, aproximadamente, 300 metros, no centro-leste de São Paulo, até 170 metros na região de São Carlos. Abreu (2007) observou que, na região de Analândia, a Formação Pirambóia é constituída por uma intercalação de camadas constituídas por arenitos finos a médios, rochas arenito-conglomeráticas e argila arenosa, aprensentando estratificações plano paralela ou cruzada tabular, com espessuras entre 2 centímetros e 2 metros. 4.2.2 Formação Botucatu Estratigraficamente superior à Formação Pirambóia, encontra-se a Formação Botucatu, constituindo, juntamente às rochas básicas da Formação Serra Geral, a unidade aloestratigráfica denominada por Milani (1997), como Supersequência Gondwana III, de idade Jurássica-Eocretácia (MILANI et al., 1994). 43 O contato entre as formações Pirambóia e Botucatu não é consensual. Soares e Landim (1973) afirmam que tal contato é transicional, formado por diastemas, enquanto autores como Zalán et al. (1987), Caetano-Chang e Wu (1993) e Assine, Piranha e Carneiro (2004) consideram-no discordante. A Formação Botucatu representa um grande sistema desértico, com predominância de sedimentação eólica de areias finas e bem selecionadas com estratificações cruzada tangencial de médio e grande porte (SCHNEIDER et al., 1974; SOARES, LANDIM, 1973; MILANI et al., 2007), sendo tais características observadas por Abreu (2007) na região de Analândia. 4.2.3 Formação Serra Geral A Formação Serra Geral, que abrangeu quase toda a área da Bacia do Paraná, constitui uma grande província ígnea jurássico-cretácea decorrente de intenso vulcanismo fissural, que apresenta intercalações com arenitos da Formação Botucatu em suas porções basais e é composta, majoritariamente, por rochas vulcânicas básicas e uma extensa rede de diques e soleiras que cortam e acompanham, respectivamente, os estratos sedimentares da bacia (SCHNEIDER et al., 1974; MILANI et al., 2007). Os basaltos da Formação Serra Geral apresentam contato concordante com a Formação Botucatu, com a qual são parcialmente contemporâneos (SOARES, LANDIM, 1973; ASSINE, PIRANHA, CARNEIRO, 2004). Na região de Analândia foram identificados, além de rochas correspondentes a derrames basálticos, soleiras concordantes com a estratificação local das camadas e intrusões descontínuas e discordantes (ABREU, 2007). 4.2.4 Formação Itaqueri Durante o Cenozoico, principalmente no nordeste do estado de São Paulo até o Triângulo Mineiro, os sedimentos fanconglomeráticos da Formação Itaqueri foram 44 depositados sobre níveis de base locais, recobrindo regiões de altitudes acima de 1.000 metros (SOARES, LANDIM, 1973; BARTORELLI, 2004). A Formação Itaqueri dispõe-se na região de Analândia, na forma de conglomerados de matriz argilosa ou argilo-arenosa, cujos seixos apresentam tamanhos de ordem milimétrica a centimétrica (ABREU, 2007). Como constatado por Abreu (2007), tais rochas são encontradas no topo de algumas escarpas e seu contato com as formações Serra Geral e Botucatu, subjacentes, se dá de maneira discordante. 4.3 Geomorfologia A área de estudo se localiza na província geomorfológica das Cuestas Basálticas, conforme proposto por Almeida (1964). Tal província é composta por uma faixa de cuestas, cujas cristas atingem 1.200 m de altitude, que cortam todo o estado de São Paulo em sua região central, com eixo aproximadamente NNE-SSW, estando delimitada pelas províncias designadas Depressão Periférica e Planalto Ocidental, a leste e a oeste, respectivamente (ALMEIDA, 1964). Segundo Cherdonnet (1955), o sistema de cuestas é entendido como um relevo dissimétrico em que uma camada de rocha mais resistente sustenta o topo de uma escarpa sobre uma camada menos resistente, formando uma vertente de declividade suave em direção ao caimento das camadas (apud PENTEADO, 1968, p. 32). O processo de formação tem início devido ao soerguimento da borda da bacia sedimentar, em contato com seu embasamento, intensificando, assim, a atividade erosiva (CHARDONNET, 1955 apud PENTEADO). Com relação à evolução do relevo, os primeiros trabalhos realizados consideraram apenas os fatores erosivos decorrentes do processo de circundesnudação, como feito por Ab’saber (1949, 1969) e Almeida (1949, 1964). Tal processo foi definido por Ab’saber (1949, p. 3), como sendo um “processo de formação de patamares de erosão, deprimidos e periféricos, na borda de bacias 45 sedimentares”. A respeito da evolução da circundesnudação em uma bacia sedimentar, o autor afirmou que: Cessada a fase de deposição [de uma bacia], quando tiver início fenômenos de epirogênese positiva ou quando houver uma mudança muito grande de nível de base para a hidrografia regional, há, imediatamente, o reinício de atividades erosivas. Neste instante da história geológica regional, a hidrografia superimposta ao quadro geral da antiga bacia de sedimentação entalha profundamente as estruturas regionais, removendo, de um modo mais rápido, as camadas menos espessas da periferia, por intermédio do trabalho intensivo de riops de traçado subsequente. Com isso, ao se iniciar o processo de desnudação marginal generalizado, esboçam-se, também, extensas linhas de “cuestas”, de conformação geral concênctrica, cuja gênese relaciona-se com a inclinação comum das camadas para o eixo da bacia e com as diferenças de resistência à erosão, oferecidas por cada uma das estruturas regionais. (AB’SABER, 1949, p.4). Neste sentido, afirmou-se anteriormente que as cuestas arenito-basálticas da Bacia do Paraná haviam sido formadas devido a eventos de soerguimento pós- cretáceos que teriam desencadeado o processo intensivo de cincundesnudação nas regiões periféricas da bacia (AB’SABER, 1949, 1969; ALMEIDA, 1949, 1964). Em relação à origem de tal fase tectônica, Ab’Saber (1949), atribuiu o fato ao soerguimento dos Andes, afirmando que o processo: Determinou um jogo isostático, sensivelmente homogêneo, para com as velhas porções cristalinas e províncias gondwânicas do leste do continente, correspondente ao Planalto Brasileiro. Razão básica para explicar a generalização dos processos de desnudação, que se fizeram observar nas grandes bacias sedimentares do planalto. (AB’SABER, 1949, p. 9). Em contrapartida, Penteado (1968, 1974), estudando os padrões de drenagem na área da bacia hidrográfica do Rio Corumbataí, apontou para a influência tectônica na gênese do domínio geomorfológico das cuestas arenito- basálticas do estado de São Paulo, por meio de falhamentos pós-cretáceos que seriam responsáveis pelo controle estrutural do curso do rio e de seus afluentes. Tal fato teria, então, influenciado no estabelecimento da rede de drenagens que viria a escavar o relevo, conferindo à cuesta sua geometria atual. 46 Nesse sentido, trabalhos mais recentes realizados, como os de Facincani (2000) e Pinton (2016), convergem com as ideias propostas por Penteado (1968, 1974) e atribuem ainda mais complexidade à evolução da cuesta, realizando estudos relacionados a estruturas neotectônicas da região. O trabalho de Pinton, realizado em bacia hidrográfica vizinha àquela onde se dá o presente estudo, conclui que há implicação das atividades antrópicas no avanço da geomorfologia local. 4.4 O Morro do Cuscuzeiro O Morro do Cuscuzeiro (Figura 6), objeto de estudo do presente trabalho, se trata de um morro testemunho, que, segundo Casseti (1994), constitui uma forma de relevo residual que indica a localização do front da cuesta em um período pretérito, podendo apresentar ou não uma camada mais resistente em seu topo. Seu formato concêntrico apresenta uma elevação em forma de cone, que se torna mais íngreme a partir de um raio de cerca de 250 metros de seu ponto central, que culmina em um bloco expressivo de rocha exposta da Formação Botucatu com, aproximadamente, 60 metros de altura, atingindo por volta dos 880 metros de elevação. O formato de tal afloramento rochoso confere ao morro o seu nome. O acesso ao local é controlado e os visitantes devem pagar R$ 10,00 para adentrar à propriedade em que o morro se situa, chamada Pedra Viva. Lá, é possível realizar atividades como trekking até o morro, escalada em rocha nas paredes no morro, além de outras atividades oferecidas pelos proprietários, como cavalgada e arvorismo. O local abriga um restaurante, que abre aos finais de semana, e uma área de camping, contando com infraestrutura simples, mas suficiente. O local está distante cerca de 1500 metros do atual front da cuesta e a distância do Morro do Camelo (Figura 6), outro morro testemunho, é de pouco mais de 500 metros. 47 Figura 6 – Morros dos Cuscuzeiro, à esquerda, e do Camelo, à direita Fonte: Fotografia realizada pelo autor No que diz respeito à sua gênese, Cunha (2014), em um estudo realizado no setor de cuestas de Analândia, correlaciona o caráter tectônico da rede de drenagem com o surgimento dos morros do Cuszeiro e do Camelo. Neste sentido, a autora afirma que “a disposição espacial dessa rede de drenagem indica que os morros testemunhos mais proeminentes da área estudada foram esculpidos e separados do front cuestiforme em virtude de ações erosivas elaboradas por cursos fluviais cuja retilinidade indica a presença de estruturas falhadas" (CUNHA, 2014, p.10). 48 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES Os resultados obtidos deste trabalho são apresentados em três itens. No primeiro item, encontra-se a caracterização da área a partir das etapas de campo e de sensoriamento remoto. A seguir, tem-se a inventariação e quantificação do sítio da geodiversidade Morro do Cuscuzeiro e, por fim, a proposta de um painel interpretativo, designado como produto final deste trabalho. 5.1 Caracterização da área de estudo É importante destacar que a área geral de estudo abrange aproximadamente 12 km², onde se insere o Morro do Cuscuzeiro. Neste sentido, será apresentada a discussão quanto a seus aspectos geológicos e geomorfológicos nos itens que se seguem. Porém, o objeto fundamental do trabalho, o Morro do Cuscuzeiro em si, será abordado em um item específico dentro deste capítulo, juntamente à caracterização realizada conforme o preenchimento das fichas do GEOSSIT. 5.1.1 Geologia local e geomorfologia A superfície da área de área de estudo é composta por rochas das formações Pirambóia, Botucatu e Itaqueri, além de derrames e intrusões basálticas da Formação Serra Geral e de coberturas sedimentares recentes. Tais unidades estão intimamente ligadas à geomorfologia da área, que é constituída por uma cuesta que apresenta uma escarpa de quase 100 metros de e dois morros testemunhos, do Cuscuzeiro e do Camelo, este último ainda bem próximo do front da cuesta, circundados por um terreno mais aplainado que se estende ao domínio sul da área. A fim de ilustrar os aspectos apresentados neste item, foi elaborado um mapa geológico da área, destacando-se os elementos de maior relevância para o trabalho (Figura 7). Nele encontram-se as unidades geológicas descritas, além da rede de 49 drenagem, a área de atuação dos principais processos erosivos da área e uma seção geológica. Figura 7 – Mapa geológico da área de estudo Fonte: elaborado pelo autor 5.1.1.1 Formação Piramboia A Formação Piramboia, na área, foi identificada compondo a porção de terreno mais baixa e aplainada que circunda a serra e os morros testemunhos se elevando até a cota aproximada de 800 metros. A rocha é composta por arenitos finos a médios, podendo apresentar estratificações cruzadas tabulares pequenas a médias, e níveis conglomeráticos de 50 matriz arenosa e seixos centimétricos subarredondados (Figura 8), tal qual descrito para a área por Abreu (2007). Foi encontrada nesta formação uma pequena lagoa suspensa, possivelmente relacionada a níveis mais argilosos, como constatado por Abreu (2007), a jusante de uma das voçorocas presentes na área, na vertente leste do Morro do Camelo. Figura 8 – Afloramento da Formação Pirambóia com estratificações cruzadas tabulares destacadas. Em vermelho, níveis conglomeráticos Fonte: Fotografia realizada por André Kolya 5.1.1.2 Formação Botucatu Acima da Formação Piramboia ocorre a Formação Botucatu, entre as cotas de 800 e 900 metros. Nas vertentes compostas por essa formação, as declividades são as maiores da região, compondo grandes exposições de rocha no front da cuesta e nos topos dos morros testemunhos. A rocha arenítica, que compõe a Formação Botucatu, possui granulação fina a grossa, com grãos bem selecionados e arredondados, além de apresentar estratificações plano-paralelas ou cruzadas tangenciais de médio a grande porte 51 (Figura 9). Estes arenitos são caracteristicamente silicificados, porém, é possível encontrar porções onde a rocha se torna bastante friável. Figura 9 – Estratificações cruzadas na Formação Botucatu Fonte: fotografia realizada por Eric Ywamoto Na área há, ainda, uma caverna escavada na Formação Botucatu, a Toca do Índio (Figura 10), catalogada por Oliveira et al. (2015), com a presença de pinturas rupestres (Figura 11). Outras cavernas estão catalogadas na região, porém, fora da área de estudo. A respeito da espeleogênese dessas formações, Monteiro e Ribeiro (2001), afirmam que: As cavernas de arenito da Província Espeleológica da Serra do Itaqueri apresentam gênese resultante de processos sedimentares (estratificações e bimodalidade do arenito), geomórficos (escoamento superficial), erosivos (pipping) e, ressaltado nesse trabalho, condicionantes estruturais (arenização e abatimento de blocos) (MONTEIRO, RIBEIRO, 2001, p. 135). 52 Figura 10 – Caverna denominada Toca do Índio, escavada na Formação Botucatu Fonte: fotografia realizada pelo autor Figura 11 – Pinturas rupestres no interior da caverna Toca do Índio Fonte: fotografia realizada pelo autor 53 5.1.1.3 Formação Serra Geral A área de estudo apresenta, ainda, rochas básicas pouco expressivas pertencentes à Formação Serra Geral, que constituem corpos com relevo positivo em relação às outras unidades. Abreu (2007) relata a existência de corpos extrusivos, diques e soleiras na região, porém, na área foram encontrados apenas dois tipos: extrusões basálticas e soleiras de diabásio. No alto da serra, a norte do Morro do Camelo, há um afloramento de caráter extrusivo, no qual a ação intempérica já se mostra avançada sobre as rochas basálticas, gerando feições de esfoliação esferoidal e disjunções colunares (Figura 12). No afloramento, também é possível observar blocos decorrentes de deposição coluvionar no topo da feição. Mais a sudoeste da área de estudo, encontra-se uma ondulação positiva do relevo sustentada por uma intrusão básica concordante, grosso modo, ao acamamento das unidades sedimentares. Tal ocorrência se dá dentro do domínio da Formação Pirambóia, na região mais aplainada. O mesmo ocorre na área de atuação da voçoroca a leste do Morro do Camelo, onde uma feição positiva no relevo, formada por uma soleira, se destaca em relação à Formação Pirambóia. 54 Figura 12 – A. Feições de esfoliação esferoidal. B. Afloramento de basalto já bastante alterado e com disjunções colunares Fonte: Fotografia realizada pelo autor 5.1.1.4 Formação Itaqueri Por fim, nas porções mais superiores da serra, capeando a estratigrafia local de maneira discordante, encontra-se a Formação Itaqueri, constituída por rochas conglomeráticas de matriz argilo-arenosa e por formações lateríticas (ABREU, 2007). Na área foram encontradas lateritas referentes à esta formação (Figura 13) nas porções mais altas da serra, acima da cota 900. 55 Figura 13 – Processo de laterização na Formação Itaqueri Fonte: fotografia realizada pelo autor 5.1.1.5 Processos Erosivos No que diz respeito aos processos erosivos presentes na área, foram identificadas duas voçorocas em estágio avançado, além de processos de rastejamento de solo (Figura 14). Ambas as voçorocas se encontram próximas ao Morro do Camelo, uma a leste (Figura 15) e outra a oeste (Figura 16), sendo que a segunda se apresenta parcialmente encoberta por entulho, constituindo uma tentativa de aterramento. 56 Figura 14 – Processo de rastejamento de solo Fonte: fotografia realizada por André Kolya Figura 15 – Voçoroca presente na vertente a leste do Morro do Camelo Fonte: fotografia realizada por André Kolya 57 Figura 16 – A. Visão aproximada da porção aterrada com entulho da voçoroca. B. Visão geral da voçoroca presente a oeste do Morro do Camelo Fonte: fotografia A: André Kolya. Fotografia B: autor A presença de processos erosivos de tamanha expressividade apresenta risco para a integridade geológica no entorno do Morro do Camelo. Tal fato é, ainda, problemático para o turismo local, uma vez os processos erosivos degradam também a paisagem dos principais atrativos turísticos de Analândia, os morros testemunhos. O fato de o aterro da voçoroca estar sendo realizado com entulho agrava ainda mais a alteração visual da área. 5.1.2 Caracterização do Morro do Cuscuzeiro no GEOSSIT A caracterização realizada por meio da plataforma GEOSSIT apresenta relevância do ponto de vista da geoconservação e do geoturismo, uma vez que, sistematizadas tais informações acerca de um sítio geológico, seja de interesse 58 científico, educativo, ou turístico, é possível nortear as estratégias de preservação e de uso sustentável do mesmo, além de apresentar caráter complementar à quantificação realizada, destacando características técnicas e qualitativas a respeito do local. Os itens a seguir apresentam uma síntese das respostas contidas nas fichas. 5.1.2.1 Identificação A ficha de identificação (Quadro 1) é importante para que local possa apresentar uma identidade, formada não apenas pelo nome dado ao mesmo, mas pela localização fixada por GPS, pela classificação temática principal e por um breve resumo apresentado sobre o local. O nome Morro do Cuscuzeiro deriva do fato de a rocha exposta em seu topo se assemelhar a um cuscuzeiro, um utensílio feito de barro utilizado no preparo do cuscuz, alimento à base de milho. É importante ressaltar que o Morro do Cuscuzeiro está situado dentro de uma área que constitui a proposta de formação do Geoparque Corumbataí, encabeçado por pesquisadores da UNESP de Rio Claro, e UNICAMP, além de contar com o apoio dos 8 municípios participantes e do consórcio de Bacias PCJ, responsável pelo gerenciamento dos recursos hídricos dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. O perímetro que integra a proposta em questão é delimitado pela bacia hidrográfica do Rio Corumbataí, que nomeia o geoparque. 59 Quadro 1 – Ficha de identificação DESIGNAÇÃO Nome do sítio Morro do Cuscuzeiro Classificação temática principal Geomorfologia Sítio pertence a um geoparque ou proposta de geoparque Sim (Geoparque Corumbataí) LOCALIZAÇÃO Latitude/Longitude/Datum/Cota -22.117721558 / - 47.694499969 / WGS 84 / 880 m Município/Estado Analândia / São Paulo Acesso Siga na Rod. Washington Luiz (SP-310) até o km 206 e pegue a entrada para a Rod. Eng. João Batista Cabral (SP-225) sentido Pirassununga. Siga na SP-225 até o km 75. Faça o Retorno e pegue a Rua Quatro para entrar em Analândia. Vire à esquerda na Av. 8 e continue para Av. Marginal. Continue em frente na estrada de terra batida até avistar a estrada do Restaurante Pedra Viva. O acesso ao morro se dá pelo restaurante, por meio de uma trilha de uma trilha de aproximadamente 150 m. Resumo/ Abstract O Morro do Cuscuzeiro é um morro testemunho do setor geomorfológico das Cuestas Basálticas do relevo paulista, conforme caracterizado por Almeida (1964). O topo do morro encontra-se na cota de 880 metros e possui aproximadamente 60 metros de rocha exposta, que se destaca na paisagem, conferindo ao mesmo, grande beleza cênica. Geologicamente, o sítio se localiza na Bacia do Paraná e é constituído por arenitos silicificados da Formação Botucatu. Trata-se de um importante sítio da geodiversidade com grande relevância cultural para o município de Analândia, que leva o morro em seu brasão e o tem como principal atrativo turístico da cidade. Morro do Cuscuzeiro is a residual hill of the geomorphological sector of the Basaltic Cuestas of the São Paulo state relief, as caracterized by Almeida (1964). The hill's top is 880 meters high and it has about 60 meters of exposed rock, which is highlighted in the landscape, granting it great scenic beauty. Geologically, the site is located on the Paraná Basin and is made of silicified sandstone of the Botucatu Formation. It is an important geodiversity site with great cultural relevance for the Analândia city, which has the hill in its coat of arms and as the major turistical attraction of the town as wel. Fonte: elaborado pelo autor 60 5.1.2.2 Enquadramento, caracterização geológica e feições de relevo As fichas de enquadramento, caracterização geológica e feições do relevo (Quadro 2) visam contextualizar o sítio quanto à geologia e à geomorfologia, apresentando aspectos como tipo de terreno geológico, idade, unidades estratigráficas, feições de relevo, paleontologia, entre outros, além de haver fichas diferentes para cada tipo de rocha. Acredita-se, porém, que uma caracterização mais completa da área de estudo tenha sido apresentada no item 5.1.1 e, portanto, não são feitos maiores comentários a respeito das fichas apresentadas a seguir. Quadro 2 – Fichas de enquadramento, caracterização geológica e feições de relevo ENQUADRAMENTO Contexto geológico Bacias sedimentares emersas do Fanerozoico - São Paulo Terreno Sedimentar Período geológico Jurássico-Cretáceo Unidades estratigráficas Formação Botucatu Litologia predominante Arenito Tipo e dimensões do afloramento, contato, espessura, etc. Escarpa de aproximadamente 60 metros, constituindo o topo do morro. CARACTERIZAÇÃO GEOLÓGICA Rochas Sedimentares Tipo de ambiente Antigo / Continental / Desértico; eólico. FEIÇÕES DE RELEVO Rampa de tálus (cones de dejeção); Cuestas; Mesas, mesetas e morros testemunhos. Fonte: elaborado pelo autor 61 5.1.2.3 Interesse Os tipos de interesse que um sítio geológico apresenta são de grande importância, para que seja elaborada sua estratégia de conservação, uma vez que não se deve aplicar as mesmas medidas a áreas com interesse científico, educativo ou turístico. Da mesma maneira, definir os conteúdos presentes no local e os interesses associados, no caso de sítios da geodiversidade com interesse educativo ou turístico, auxilia a nortear a elaboração de materiais didáticos e interpretativos de modo eficiente. No caso do Morro do Cuscuzeiro, identificou-se o conteúdo geomorflógico como principal, devido à sua expressividade, seguido de aspectos sedimentológicos e paleoambientais, também relevantes, mas que apresentam maiores dificuldades tratando-se da transmissão de conteúdos por meio de atividades educativas e interpretativas. Já, para os interesses associados, foram ressaltados a expressão cênica do morro, os interesses ecológico, histórico e cultural e o seu valor estético. O morro apresenta grande expressão cênica, devido a depressão topográfica que o circunda, fazendo com que o Cuscuzeiro se destaque na paisagem a quilômetros a distância. No que diz respeito à ecologia, a mata que recobre as vertentes menos íngremes do Cuscuzeiro é de caráter nativo, muito embora não apresente continuidade direta com outras porções de mata nativa presentes no front da cuesta. Já, em relação ao valor histórico e cultural do Cuscuzeiro, pode-se citar vários fatores. Primeiramente, o morro se apresenta como principal cartão postal e ponto turístico de Analândia, sendo que o turismo constitui a terceira atividade econômica mais expressiva do município. É possível encontrar representações artísticas do 62 morro nas logomarcas de diversos empreendimentos locais e até mesmo no brasão da cidade (figura 17). Figura 17 – Brasão do município de Analândia com o Morro do Cuscuzeiro representado no centro Fonte: Prefeitura de Analândia Outra atividade que compõe o valor cultural do local é a prática da escalada. O esporte chegou ao Cuscuzeiro ainda na década de 1980, quando foram criadas as primeiras vias na encosta do morro. Hoje, a formação é referência nacional no esporte e há na exposição de rocha em seu topo mais de 60 vias, favorecendo a realização frequente de festivais esportivos de escalada em Analândia. O valor histórico e cultural ainda encontra fatores ligados aos ancestrais humanos que habitaram o local, uma vez que a menos de 1 quilômetro do morro são encontradas cavernas contendo pinturas rupestres e artefatos líticos (OLIVEIRA et al., 2015). Tratando-se do valor estético, juntamente ao valor cultural, o Morro do Cuscuzeiro foi, em 2017, cenário da abertura da novela “A Força do Querer”, da Rede Globo, conferindo visibilidade à geodiversidade da região (Figura 18). 63 Figura 18 – O Morro do Cuscuzeiro na abertura da novela A Força do Querer Fonte: Rede Globo O valor estético do morro está intimamente ligado ao valor cultural e à expressão cênica, constituindo uma formação excêntrica, com mais de 50 metros de rocha exposta isolados das demais escarpas que conferem ao Cuscuzeiro um caráter imponente na paisagem (Figura 19), que fascina os visitantes. 64 Figura 19 – Vista da área de estudo, com destaque para o Morro do Cuscuzeiro se destacando na paisagem Fonte: fotografia realizada por André Kolya Quadro 3 – Ficha de tipos de interesse do sítio INTERESSE Pelo Conteúdo Geomorfológico; Sedimentológico; Paleoambiental. Interesse associado Expressão cênica; Ecológico; Histórico/Cultural; Valor Estético. Pela sua possível utilização Turística (Recreativa), Científica, Educativa. Fonte: Elaborado Pelo Autor 5.1.2.4 Conservação A presença de Unidades de Conservação que englobem o geossítio ou sítio da geodiversidade é necessária, para que haja a argumentação legal referente à conservação do local. O Morro do Cuscuzeiro consitui uma Área de Preservação Permanente (APP) por se tratar de uma encosta, onde a mata nativa deve ser preservada. 65 Conforme já referido, a área está inserida em duas Áreas de Proteção Ambiental: a APA Corumbataí-Botucatu-Tejupá – Perímetro Corumbataí e a APA Piracicaba-Juqueri-Mirim – Área I, sobrepostas entre si. Ambas as APAs têm como um dos objetivos principais preservar as feições geomorfológicas da região, que seriam a cuesta e os relevos residuais, tal qual o Morro do Cuscuzeiro, além de fatores da biodiversidade e recursos hídricos. Porém, apesar da criação das APAs, ambas não possuem conselho gestor, zoneamento ou plano de manejo, o que dificulta a atuação das mesmas. A ficha que trata da conservação do sítio (Quadro 4) ainda aborda a ocupação e uso do solo. No entorno do Morro do Cuscuzeiro existem atividades agrícolas, com pastagem para criação de gado e plantação de eucalipto. tais atividades impossibilitam o crescimento da mata nativa e conferem grande fragilidade à estabilidade do solo local, o que pode acarretar a formação de voçorocas e rastejamentos de solo, como os observados a poucas centenas de metros do local. Quadro 4 – Ficha de conservação CONSERVAÇÃO Unidade de Conservação Nome e tipo da UC Situação APA Corumbataí-Botucatu-Tejupá – Perímetro Corumbataí Criada; sem Conselho Gestor, zoneamento e plano de manejo. APA Piracicaba-Juqueri-Mirim – Área I Criada; sem Conselho Gestor, zoneamento e plano de manejo. Uso e Ocupação Área rural Agricultura familiar; Florestal; Pecuária. Fragilidade Elevada Fonte: elaborado pelo autor 66 5.2 Inventariação e quantificação A inventariação e a quantificação do Morro do Cuscuzeiro foram realizadas por meio da plataforma GEOSSIT, disponibilizada pela CPRM, sendo avaliados critérios referentes ao valor científico (VC) do local, ao seu potencial de uso educativo (PUE) e turístico (PUT) e quanto ao risco de degradação (RD). 5.2.1 Valor científico À avaliação do local enquanto geossítio (de interesse científico) foram atribuídos os valores conforme apresentados no Anexo A. Na quantificação do valor científico de uma área, são atribuídos aos critérios os valores 0, 1, 2 ou 4, de modo a se tornar mais nítido aqueles que são mais relevantes do ponto de vista científico. Observa-se que os critérios de maior peso, A1 e A2, receberam notas 2 e 1, respectivamente, o que diminuiu significativamente o valor final do Morro do Cuscuzeiro enquanto geossítio. No entanto, notas máximas nos critérios A4 e A6, de peso intermediário, juntamente com notas intermediárias nos demais critérios, de menores pesos, conferiram ao valor final um total de 240 pontos, o que caracteriza o Morro do Cuscuzeiro como geossítio de relevância nacional. 5.2.2 Valor da geodiversidade A avaliação do local enquanto sítio da geodiversidade (apresentada no Anexo B) considera fatores referentes às condições de visitação e de observação dos elementos da geodiversidade de interesse, bem como à viabilidade de se implementarem atividades educativas e interpretativas no local. Os critérios recebem notas de 0 a 4 e apresentam diferentes pesos, sendo que os critérios C11 e C12 dizem respeito apenas ao potencial de uso educativo, enquanto C13, C14 e C15, se referem ao potencial de uso turístico do local. A seguir são discutidos os critérios mais relevantes da avaliação. 67 O critério C1 recebeu a nota 3, devido à prática da escalada e, principalmente, às pichações presentes no morro (Figura 20) que, apesar de degradarem elementos como estratificações e granulometria, não afetam as características principais do local, referentes à geomorfologia. Figura 20 – Pichações presentes nas paredes do Morro do Cuscuzeiro Fonte: fotografia realizada pelo autor No que diz respeito à segurança do local, a nota atribuída foi 4, uma vez que as demais notas não se aplicavam à realidade do local. Embora o morro possua infraestrutura de segurança, como escadas e corrimões, alguns desses elementos encontram-se em situações precárias (Figura 21), necessitando de manutenção frequente, para que sejam oferecidas condições reais de segurança aos visitantes. 68 Figura 21 – Infraestrutura presente no local: A. Escada em boas condições; B. e C. barragens em condições precárias para sustentar a trilha; D. Acesso perigoso de um setor a outro do Morro; E. Blocos soltos na trilha; F. Ponte em boas condições de segurança instalada na trilha Fonte: fotografias realizadas pelo autor A beleza cênica (critério C8) recebeu nota máxima, devido à expressividade e à imponência da formação, como já discutido no item 5.1.2.3, bem como as condições de observação (C10) e o potencial para divulgação (C13). O potencial didático (C11) está ligado diretamente à diversidade geológica (C12), uma vez que quanto maior o número de elementos da geodiversidade, maior a possibilidade de que algo possa ser transmitido aos visitantes. No entanto, é essencial que tais elementos estejam em boas condições de observação, possibilitando a implementação de atividades interpretativas. 69 No local, os principais elementos da geodiversidade presentes, e explorados neste trabalho são: a evolução geomorfológica do morro, os aspectos paleoambientais, paleogeográficos e sedimentológicos, além da chamada quarta dimensão, o tempo. Ante o exposto, ao final da avaliação foram obtidas, para o potencial uso educativo e turístico, os valores 340 e 320, respectivamente, o que confere à área a classificação de sítio da geodiversidade de relevância nacional. É importante ressaltar que, no GEOSSIT, a classificação do local enquanto geossítio de relevância nacional, sobrepõe-se à avaliação do mesmo enquanto sítio da geodiversidade, embora os valores obtidos referentes ao potencial de uso educativo e turístico sejam relativamente mais expressivos. 5.2.3 Risco de degradação e urgência de proteção Os critérios de avaliação do risco de degradação se relacionam à possibilidade de deterioração dos elementos geológicos, proximidade com atividades que possam causar degradação do sítio, existência de proteção legal, acessibilidade e densidade populacional no município onde se localiza o sítio. Em geral, os critérios receberam notas baixas, com três nota 1 e uma nota 2. Mas, deve-se destacar o critério B2, com peso intermediário, relativo à proximidade com área ou atividades que possam causar degradação do local. Tal critério recebeu nota máxima (4), tendo em vista a proximidade de menos de 1 quilômetro do morro com um novo lotamente e duas voçorocas e com uma área onde ocorre o processo de rastejamentos de solo, o que demonstra a fragilidade da região, caso os processos erosivos não sejam prevenidos. É importante ressaltar que o loteamento presente a poucas centenas de metros do área do Cuscuzeiro representa uma grande ameaça à preservação do mesmo e do turismo em si, uma vez que, a aproximação da cidade ao local, pode acarretar processos erosivos nas proximidades e descaracterizar o ambiente local, enquanto área rural, para onde os visitantes vão em busca de uma experiência 70 bucólica. Tal loteamente pode vir a ser apenas o primeiro de outros que se instalem no entorno do morro. Ao final da avaliação (Anexo C), o valor obtido para o risco de degradação foi 175, que caracteriza um risco baixo. A partir da avaliação do risco de degradação, são realizadas recomendações relativas à urgência de proteção. As recomendações são dadas de acordo com cada tipo de interesse do local, além de uma recomendação global (Anexo D). As recomendações quanto a urgência de proteção foram classificadas como necessária a médio prazo para os três diferentes tipos de interesse, bem como na recomendação global. Os resultados obtidos por meio da avaliação quantitativa podem ser vistos no Quadro 5, a seguir. Qaudro 5 – Síntese dos valores obtidos na avaliação quantitativa Elemento avaliado Valor obtido Valor científico 240 Valor educativo 340 Valor turístico 320 Risco de degradação 175 Fonte: elaborado pelo autor 5.3 Painel interpretativo Os painéis interpretativos constituem uma opção de meio interpretativo não personalizado. Como já referido, Vasconcelos (2003) apresenta como vantagens de se usar meios não personalizados, o fato de serem autoexplicativos, estarem sempre disponíveis e atingirem um grande número de pessoas. 71 Já, Hose (2000) afirma que os painéis são o meio interpretativo mais apropriado para o uso ao acaso, afirmando, também, que chamam a atenção do público e que são de uso gratuito. Neste sentido, o painel interpretativo proposto ao Morro do Cuscuzeiro, à luz dos postula