Lematização de unidades fraseológicas diacríticas em dicionários bilíngues espanhol/português Stemming from diacritical phraseological units in bilingual dictionaries Spanish/Portuguese Angélica Karim Garcia Simão* RESUMO: Neste trabalho partimos de uma concepção ampla de fraseologia para propor a descrição e análise da lematização de unidades fraseológicas diacríticas em dicionários bilíngues espanhol/português. O foco do trabalho busca evidenciar não só a organização da macroestrutura proposta por duas obras lexicográficas diferentes, como também discutir as marcas de uso e equivalências apresentadas. Unidades fraseológicas diacríticas são entendidas no presente trabalho como fraseologismos que contêm lexias únicas, carentes de autonomia sintática e semântica, reconhecidas pelo falante somente dentro de expressões fixas. PALAVRAS-CHAVE: Metalexicografia. Fraseologia bilíngue. Unidades fraseológicas diacríticas. Língua espanhola. ABSTRACT: In this paper we consider a broad conception of phraseology to propose a description and analysis of phraseological units of stemming diacritical Spanish / Portuguese bilingual dictionaries. The focus of the analysis seeks to show not only the organization of the macro-structure proposed by two different lexicographical works, but also to discuss the use of labels and equivalences presented. Phraseological units are understood here as diacritical phraseologisms containing unique lexias, lacking syntactic and semantic autonomy recognized by speaker only within fixed expressions. KEYWORDS: Metalexicography. Bilingual phraseology. Diacritical phraseological units. Spanish language. 1. Introdução Partindo da distinção saussuriana de diacronia e sincronia, lexicógrafos comumente dão maior ou menor ênfase em dicionários gerais ao tratamento de unidades fraseológicas (doravante UFs) ora em função das línguas descritas, ora em função do próprio estabelecimento de tais unidades dentro do sistema. Nessa perspectiva, impõem-se objetivamente a questão da delimitação de tais unidades e as dificuldades em se estabelecer tanto suas possibilidades de uso, prescrição, quanto os significados que adquirem em diferentes contextos, sua descrição. Durante a tarefa tradutória o ato de consulta a dicionários bilíngues gerais pode ter uma via de mão dupla de acordo com as diferentes atividades desempenhadas pelo tradutor: a de codificação, e nesse aspecto o “como empregar” uma unidade fraseológica adquire maior * Doutorado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Assistente Doutor no Departamento de Letas Modernas, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, UNESP, campus de São José do Rio Preto, angelica@ibilce.unesp.br DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 relevância, e a de descodificação, na qual se interpõem questões pertinentes a delimitação de seu significado. Para Welker (p. 208, 2004), num dicionário “passivo”, cujo objetivo é auxiliar a compreensão de textos, a macroestrutura deveria ser muito maior do que num dicionário “ativo”, destinado à produção de textos, uma vez que o consulente geralmente tende a empregar menos lexemas do que a variedade com a qual se depara durante a leitura. Em se tratando de diferentes contextos de tradução e versão de textos, e de sintagmas que devem ser inseridos ou surgem inseridos em diferentes contextos discursivos, e para isso devem passar ou passam por diferentes critérios de adaptação textual, tanto sua delimitação quanto sua inserção na nomenclatura de obras lexicográficas tornam-se bastante complexas. Trataremos neste trabalho especificamente da lematização, da atribuição de marcas de uso, bem como da proposição de equivalentes tradutórios em língua portuguesa, de unidades fraseológicas diacríticas. No escopo das pesquisas fraseológicas contemporâneas, entende-se por palavra diacrítica aquele componente léxico que aparece unicamente dentro de uma unidade fraseológica, o que a caracteriza semântica e sintaticamente como um elemento carente de autonomia, uma vez que não apresenta significado quando isolada e tampouco aparição no discurso livre (AGUILAR RUIZ, 2012). O corpora de análise está composto por dois dicionários bilíngues gerais espanhol/português, a saber: o dicionário Señas, Diccionário para la enseñanza de la Lengua Española para Brasileños (2000), e o Gran Diccinario Español-Portugués/Português- Espanhol Espasa Calpe (2001), acessado também on-line no endereço , tratados doravante, respectivamente, por DS e DG. 2. Delimitação do olhar sobre a Fraseologia A Fraseologia, entendida neste trabalho como um subdomínio da Lexicologia, pode ser abordada a partir de uma perspectiva ampla ou restrita. Segundo Molina (p. 85, 2006), essa distinção é proveniente do modelo de centro e periferia, originário na década de 30 na Escola de Praga. Foi nessa década, na extinta União Soviética, em que primeiramente se manifestou a necessidade de transformar o estudo das combinações de palavras como unidades linguísticas especiais em uma disciplina independente, com objeto próprio (TRISTÁ, 1998). Em uma perspectiva ampla, por um lado, os estudos fraseológicos teriam como objeto tanto os elementos oracionais que desempenham a função de um termo simples, os sintagmas © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 270 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 oracionais, como os elementos que ultrapassam o limite do sintagma, isto é, parêmias e fórmulas, incluindo-se as colocações. Por outro lado, em uma perspectiva restrita, a fraseologia seria formada somente por unidades que não superam a estrutura do sintagma (MOLINA, 2006). Na presente investigação, adotamos a visão ampla da Fraseologia, uma vez que nos pautamos pela taxonomia proposta por Corpas Pastor (1996, p.20). Essa autora define UF como “as unidades léxicas formadas por mais de duas palavras gráficas em seu limite inferior, cujo limite superior situa-se no nível da oração composta”. Em sua taxionomia, a autora delimita três esferas diferentes para as UFs. A primeira delas compreende as colocações, UFs fixadas na norma, formadas por duas unidades léxicas em relação sintática que não constituem enunciados. As da segunda esfera, as locuções, UFs com unidade de significado do sistema da língua que funcionam como elementos oracionais e que tampouco constituem enunciados completos. Os de terceira esfera denominados enunciados fraseológicos, entendidos como unidades de comunicação mínima que constituem enunciados completos fixados na fala, divididos por ela em dois grandes grupos: parêmias e fórmulas rotineiras. Trataremos neste trabalho de um grupo específico de UFs, as denominadas unidades fraseológicas diacríticas (UFD), inseridas, em grande parte, em um subdomínio na esfera das locuções. 3. Unidades fraseológicas com palavras diacríticas (UFD) De acordo com García Page (1990, p. 280), a denominação “palabra diacrítica” foi proposta inicialmente por Zuluaga, na década de 80, para designar elementos que podem ser considerados como palavras do ponto de vista fonológico, uma vez que apresentam autonomia fônica, mas que são ausentes de significado léxico. Somente a frase, tomada em sua totalidade, é provida de significado unitário, não derivável de sua decomponibilidade. Dessa forma, tais palavras funcionam como signos diacríticos, diferenciando-as das demais frases, na medida em que o emprego da palavra determina a presença da frase locucional da qual faz parte. Embora a concepção de autonomia fônica de García Page também possa ser questionada, optamos por manter a tradução literal para o português, diacrítica, proveniente da denominação proposta por Zuluaga, uma vez que a denominação “palavra idiomática” para o mesmo fenômeno linguístico utilizada por alguns autores, García Page (1990 e1991) e Martínez © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 271 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 Lopes (1996), além de retomar o sentido estrito relacionado ao termo idiomático, referente ou próprio de um idioma, retoma também, na teoria lexicográfica, a indicação do alto grau de lexicalização semântica que podem apresentar determinadas unidades1. O termo diacrítico evita tal ambiguidade, além de manter maior consonância com o conceito proposto por Zuluaga (1980, p.102), que as define como “palavras únicas carentes de toda autonomia semântica, reconhecidas pelo falante somente dentro de expressões fixas”. Além de Zuluaga, outros autores como Ruiz (1998), Corpas Pastor (1996) e Aguilar Ruiz (2011 e 2012) também utilizam a terminologia palavra diacrítica para se referir a esse fenômeno linguístico. Holzinger (2012) utiliza “elemento único” como uma tradução para o espanhol de “Unikale Elemente” em alemão, e González Rey (2005) defende o emprego de “hápax fraseológico”, embora utilize as contribuições de Zuluaga, García Page e Ruiz Gurillo para estabelecer a definição e as classificações de seu conceito. Em sua obra pioneira ao estudo da Lexicografia espanhola, Indroducción a la Lexicografía Moderna, em um subitem denominado Anomalía gramatical, Julio Casares (1950) já faz referência à relação intercambiável dos termos modismo e idiotismo e ao aspecto infrator presente no segundo, sem desconsiderar, no entanto, que, de uma perspectiva funcional e na percepção corrente à época, tais construções não se diferenciam de outras donde la construcción normal no padece violencia (p.208). Dessa forma, construções como a pie juntillas, a ojos vistas, a ojos cegarritas poderiam ser consideradas casos particulares, sem admitir que a anormalidade gramatical possa ser tomada como base para definir se uma locução é ou não um modismo. A ideia de anomalia atrelada a esses tipos de UFs também pode ser observada em Tristá (1988), que define como anomalias léxicas ou semânticas as unidades englobadas em uma ampla gama que vai desde os elementos que não têm sentido próprio fora do fraseologismo, até os que possuem. Essa autora divide as UFs em dois grandes grupos: no primeiro deles estão os fraseologismos que permitem identificar em sua estrutura interna o elemento identificador, isto é, o elemento anômalo que identifica o fraseologismo, e o segundo no qual se incluem os 1 Cabe lembrar que, dentro do referencial teórico adotado nesta pesquisa, a idiomaticidade é uma característica potencial, mas não essencial das unidades fraseológicas (Cf. CORPAS PASTOR, 1996, p.27). Também Biderman (1978, p. 133) ressalva o aspecto metaforizante de tais estruturas como uma possibilidade frequente, mas não inerente. © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 272 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 fraseologismos nos quais não se pode localizar o elemento identificador, isto é, aqueles que possuem um homônimo resultante da combinação livre própria de uma dada língua. Dentro do primeiro grupo, Tristá estabelece uma subdivisão na qual apresenta as anomalias léxicas e semânticas. Como anomalias léxicas Tristá (1988, p. 32) entende as UFs com elementos onomatopaicos (en un tris, hacer tilín), as lexias carentes de sentido próprio fora do fraseologismo (hacer el paripé, dar sansara, al cantío de un gallo), as lexias que não pertencem à língua geral, isto é, que são provenientes de outras línguas (p.ex. latim: non plus ultra), ou que pertencem à língua de especialidade de um campo específico (música, história, religião etc.) e que são incompreensíveis para os representantes de outros grupos sociais (poner en solfa). Também inclui nesse grupo as UFs com elementos arcaicos e historicismos (parar mientes e caérsele a uno el chemís). Como anomalia semântica, ela indica construções que apresentam discordância semântica entre os termos (hacer de tripa el corazón, comerse el mundo). García Page (1990, p.284) atribui certas propriedades categoriais e sintáticas específicas a essas lexias que, embora compartilhem também o funcionamento normal da gramática padrão, apresentam anomalias estruturais (morfológicas e sintáticas) que denunciam a falta de correspondência com as sequências formadas a partir das regras produtivas da gramática atual. A essas estruturas ele acrescenta também frases feitas que contêm elementos léxicos pertencentes a estados anteriores da língua (arcaísmos). Ele pontua: Os elementos “únicos” destas últimas unidades fraseológicas correspondem a estados pretéritos da mesma “língua histórica” que o falante utiliza na sincronia do espanhol atual. É esse caráter arcaico que permite considerar tais palavras idiomáticas. Para uma grande parte da população hispanoparlante do momento atual podem ser meros signos vazios de significado, “incompreensíveis”, que não são realizadas no sistema léxico do espanhol contemporâneo. (GARCÍA PAGE, 1990, p.285) O autor aponta, com isso, para a existência da diacronia na sincronia e a indicação da evolução ou dos momentos de transição das estruturas léxicas. Posteriormente García Page (1991, p. 238) realiza uma análise pormenorizada das características morfológicas, sintáticas e semânticas dessas estruturas e uma indicação do que ele acredita que sejam as principais causas de sua existência. A primeira delas é o fator diacrônico, lexias que pertenceram a outros momentos históricos da língua e permanecem preservadas dentro das estruturas locucionais como fósseis linguísticos. Outras vias são o empréstimo de línguas históricas ou mesmo a © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 273 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 importação de outras línguas funcionais por razões pragmáticas ou socioculturais. Por último ele menciona a desfiguração por ação de jogos fônicos (metaplasmos, aglutinações, criações onomatopaicas e mnemônicas) e criações neológicas. Referindo-se à natureza morfológica dos componentes, Ruiz (1998) diferencia as UFs com lexias diacríticas, atribuindo tal definição às que apresentam irregularidades léxicas, das UFs com anomalia estrutural, ou seja, as que apresentam irregularidades morfológicas ou sintáticas. Ambas são tratadas pela autora como irregularidades que não podem ser explicadas de acordo com as leis sincrônicas atuais2. 4. Unidades fraseológicas e dicionários De acordo com Biderman (2001, p.140), ao se elaborar um dicionário, a primeira questão posta é a identificação da unidade léxica que constituirá lema ou entrada. Essa autora argumenta que o reconhecimento de unidades lexicais complexas “é um problema espinhoso, pois sua identificação constitui uma séria dificuldade teórica”. De acordo com ela, cabe ao lexicógrafo decidir se as lexias complexas comporão a macroestrutura do dicionário aparecendo como entrada, ou se serão incorporadas a outros verbetes como subentradas dos mesmos. Entretanto, ressalva que nenhum dicionário conseguirá registrar fidedignamente esse acervo, pois as unidades complexas encontram-se em estágios diferentes de cristalização (BIDERMAN, 1996, p. 34). Segundo ela, na lexicografia portuguesa é tradição alocar as lexias complexas no verbete da palavra-chave ou principal. Ao discutir a lematização do dicionário Aurélio, Biderman (2001) menciona o caso das unidades fraseológicas diacríticas, sem utilizar-se especificamente dessa terminologia, quando exemplifica os casos dos lexemas guisa e soslaio. A autora questiona a razoabilidade do fato de que sejam abertas novas entradas para tais unidades, a fim de abrigar as lexias complexas à guisa de e de soslaio, uma vez que tais lexemas não existem mais como unidades simples no português contemporâneo. Considerando o ponto de vista genético, isto é, que a lexia simples está na base da criação da lexia complexa, ela questiona se não seria mais interessante que as unidades fraseológicas fossem inseridas como entradas no dicionário, uma vez que se trata de 2 Tanto Ruiz (1998) como García Page (1990/1991) e Corpas Pastor (1996) partem da classificação proposta por Zuluaga (1980). Cf. Aguilar Ruiz (2011, p.87). © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 274 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 uma nova unidade do sistema e que também seria mais fácil para o consulente identificá-la como entrada e não embutida em outro verbete3. Segundo Biderman (2000, p.29) a tradição seguida por Aurélio deriva do critério do Diccionario de la Real Academia Española que insere no verbete do substantivo a fraseologia que o contém, ou do verbo, no caso de uma locução verbal, e assim sucessivamente. Hierarquicamente, as fraseologias são organizadas no final dos verbetes a partir da principal lexia da unidade fraseológica, assim temos substantivo, verbo, adjetivo, pronome e advérbio como lexemas ordenadores. De acordo com Martínez Lopez (1996, p. 6), nos grandes dicionários de língua espanhola, DRAE e DUE4, alguns desses lexemas aparecem como entradas e a eles é atribuído o sentido da locução em conjunto, e não o da lexia diacrítica. Esse autor ainda pontua que A priori, esta diferenciação entre palavras com significado e palavras com ausência de significado pode parecer fácil de determinar, entretanto, a análise pormenorizada desse assunto suscita problemas difíceis de serem delimitados. Esse procedimento também é adotado no dicionário HOUAISS, em que soslaio e guisa são lematizados. No primeiro caso, o lema recebe a marca de uso empregado apenas nesta locução (empr. apenas nesta loc.), e no segundo, a marca estatística pouco usado. Ao lexema é atribuído o sentido da locução em conjunto. Em se tratando de dicionários bilíngues, essa confusão torna-se mais delicada, uma vez que, quando utilizado para a codificação na língua estrangeira, o dicionário potencialmente proporia sentidos atribuídos a lexemas que não são utilizados de modo independente e que, portanto, não teriam autonomia semântica ou sintática. Tal prática também poderia ainda levar o consulente ao emprego equivocado da lexia isoladamente, isto é, fora do fraseologismo, evento que não apresenta ocorrência no uso. A partir das considerações realizadas anteriormente, propomos a análise de dois dicionários bilíngues espanhol/português a fim de averiguar: a) Como as UFD foram arroladas na macroestrutura dos dicionários: na forma de entradas ou subentradas dos verbetes; 3 Em artigo anterior Biderman já havia criticado objetivamente os procedimentos lexicográficos de Aurélio, considerados por ela como tradicionais, ao abrir entradas independentes para guisa e soslaio, afirmando que tais lemas deveriam ser substituídos por à guisa de e de soslaio. (Cf. BIDERMAN, 2000, p. 47) 4 Diccionario de la Real Academia Española (DRAE) e Diccionario de Uso del Español de María Moliner (DUE). © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 275 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 b) Como é feita a indicação por meio de marcas de uso; c) Que tipo de equivalência é proposta para as UFD. 5. Análise das unidades fraseológicas diacríticas em DS e DG 5.1 Inserções nas nomenclaturas Para realizar a análise proposta, partimos inicialmente do corpus de UFD de García Page (1991), no qual são apresentadas 238 UFD em língua espanhola. A partir das UFD propostas, levantamos nos dicionários em questão, DS e DG, as UFD que foram arroladas, simultaneamente, em ambos os dicionários, estabelecendo uma amostra de 58 UFD (Cf. quadro 1). Quadro 1 – Lematização das lexias diacríticas DS DG al alimón Entrada Entrada de antemano Entrada Entrada en/de balde Subentrada (balde) Entrada tener bemoles Subentrada (bemol) Entrada importar un bledo Subentrada (bledo) Entrada a bocajarro Entrada ► quemarropa Entrada (quedar en) agua de borrajas Subentrada (borraja) Subentrada (agua) de bruces Entrada Entrada a contrapelo Entrada Entrada con creces Entrada Entrada en cuclillas Entrada Entrada en derredor Subentrada (derredor) Subentrada (derredor) a deshoras Entrada Entrada a destiempo Entrada Entrada a diestra y siniestra Subentrada (diestro, tra) Subentrada (diestro, a) dar el do de pecho Subentrada (do) Subentrada (do) a escondidas Entrada Subentrada (escondido) a expensas Entrada Entrada a granel Entrada Entrada a horcajadas Entrada Entrada a hurtadillas Entrada Entrada de improviso Entrada Entrada a la intempérie Subentrada (intempérie) ► raso Subentrada (intempérie) a pies juntillas Subentrada (pie) Subentrada (pie) mondo y lirondo Subentrada (mondo) Subentrada (mondo) a mansalva Entrada Entrada © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 276 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 de marras Entrada Entrada de mentirijillas Entrada Entrada corriente y moliente Subentrada (corriente) Subentrada (corriente) hacer novillos Subentrada (novillo, lla) ►pella Subentrada (novillo, lla) de pe a pa Subentrada (pe) Subentrada (pe) de pacotilla Subentrada (pacotilla) Subentrada (pacotilla) casarse de pênalti Subentrada (penalti) Subentrada (penalti) en un periquete Entrada Entrada poco a poco Subentrada (poco) Subentrada (poco) poner pies en polvorosa Subentrada (pie) Subentrada (pie) a pelo Subentrada (pelo) Subentrada (pelo) de puntillas Subentrada (puntilla) Subentrada (punta) a quemarropa Entrada ► bocajarro Entrada cada/todo quisque Entrada ► quisqui Entrada a rajatabla Entrada Entrada a rechupete Entrada Entrada de refilón Entrada Entrada a regañadientes Entrada Entrada a sabiendas Entrada Entrada en un santiamén Entrada Entrada poner en solfa Subentrada (solfa) Subentrada (solfa) salirse por la tangente Subentrada (tangente) Subentrada (tangente) a tientas Subentrada (tienta) Subentrada (tienta) a tocateja Entrada Entrada en torno a Subentrada (torno) Subentrada (torno) a trasmano Entrada Entrada a través de Subentrada (través) Subentrada (través) a ultranza Entrada Entrada en vilo Entrada Entrada a la virulé Entrada Entrada en volandas Entrada Entrada ► bolandas a vuelapluma Entrada Entrada Somente dois dos lexemas analisados apresentaram formas variantes. São eles: salirse por la tangente, registrada no DG com duas formas verbais diferentes (escaparse o salirse por la tangente), e agua de borrajas, que aparece registrada em DG como locução verbal (quedar en agua de borrajas), e não nominal, como aparece no DS (agua de borrajas). Alguns verbetes remetem para formas sinônimas da UF, indicadas na tabela 1 pelo sinal tipográfico ►. Observamos que nas UFD de ambos os dicionários analisados, grande parte das lexias diacríticas, 34 no DS e 36 no DG, são arroladas como entradas isoladamente, isto é, não são © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 277 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 criadas entradas para abrigar as lexias complexas. Dessa forma, as UFDs a horcajadas ou poner (a alguien) en solfa, por exemplo, são arroladas pelos lemas horcajadas e solfa. No caso do DS, tal fato ocorre em alguns casos. Citamos como exemplo de balde, no qual UF está arrolada como uma das subentradas do lema balde para o qual é atribuído o sentido de “cubo em forma de cono cortado”, e de puntilla, arrolada como uma das subentradas de puntilla, definida como “tejido estrecho con agujeros muy fnos, que se pone como adorno en el borde de las prendas de vestir y de otras telas”. A totalidade dos casos em que a lexia diacrítica é inserida na macroestrutura, e a UFD aparece como um fraseologismo que a contém, podem ser observados também na Tabela 1, sob a indicação Entrada ou Subentrada, indicado entre parênteses o lema no qual a UF está arrolada, quando isso ocorre. O DS apresenta a indicação de fraseologia com um sinal tipográfico (■) no início da UF, anunciada no guia de consulta nas páginas iniciais do dicionário, seguida das marcas de uso e da definição. Já o DG indica por meio de parênteses, p.ex. alimón (al), que a lexia diacrítica faz parte de uma UF e, na sequência, pela indicação Loc (locução), as marcas gramaticais e de uso e o equivalente proposto em português. No que concerne à lematização das UFD, entretanto, encontramos diferentes ocorrências que apontam para uma heterogeneidade no tratamento dado à organização de tais lexias. No DS notamos que em dois casos na apresentação de UFDs con creces e en cuclillas, há a indicação de que as lexias diacríticas lematizadas são utilizadas somente nessas expressões: cre.ces. Usada en la expresión con creces. cu.cli.llas. Usada en la expresión en cuclillas Em nenhum outro caso das UFD analisadas pode ser encontrada essa mesma indicação em DS, mesmo quando se trata de casos em que, indiscutivelmente, entende-se que os elementos léxicos constituem formas dependentes, sem autonomia fora da UF. Podemos citar, por exemplo, os casos de al alimón e de antemano, nos quais tal indicação é inexistente. Ainda considerando o processo de lematização das UFD, outro caso discrepante no parâmetro lexicográfico estabelecido pelo DS é a atribuição do sentido integral da UFD somente ao lexema, isto é, indica-se como definição do lexema o sentido da locução. Tal fato ocorre com quisque, lematizado como substantivo masculino, acompanhado da definição “indivíduo; persona” e da observação “se usa detrás de todo o de cada”. O sentido de © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 278 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 “indivíduo” ou “pessoa” é atribuído ao lexema em função do sentido adquirido por meio das UFs todo quisque ou cada quisque, que remetem a todo mundo ou cada qual, cada pessoa, cada um. Quanto ao modo de apresentação da UFD nos dicionários, parece ser mais coerente que sejam criadas entradas independentes para a UFD completa e não entradas para o lexema diacrítico. Entretanto, comparando as duas propostas analisadas, a técnica do DG, indicação entre parênteses dos elementos que compõem a UF, nos parece mais acertada, uma vez que identifica logo de início que se trata de uma estrutura em relação de dependência com outras, ao contrário do DS que não indica tal fato e, quando o faz, somente em duas situações isoladamente, não apresenta homogeneidade e recorrência nessa forma de organização. A técnica de DS dá margem para equívocos de interpretação por parte do consulente, como já mencionado anteriormente. 5.2 Marcas de uso Olímpio de Oliveira Silva (2007, p. 201), afirma que apesar da longa tradição em se atribuir marcas de uso, a marcação lexicográfica é um dos temas menos estudados pela lexicografia, o que justifica o pouco respaldo teórico presente nessa prática. De acordo com essa autora, a marcação possui um âmbito bastante extenso, que pode variar em função do ponto de vista adotado por quem a analisa. Por um lado, ela afirma que, em uma concepção mais restrita, as marcas podem fazer referência às limitações de uso ou às transições semânticas, o que nos permite falar de marcas diacrônicas, diatópicas, diafásicas, diastráticas, técnicas, conotativas, entre outras. Por outro lado, defende que, em uma concepção mais ampla, a marcação pode abranger, além dos aspectos mencionados, também as referências aos aspectos gramaticais. Essa segunda perspectiva é adotada pela própria autora, sob o argumento de que esse tratamento se ajusta melhor ao tratamento lexicográfico que as UF vêm tradicionalmente recebendo nos repertórios lexicográficos, o que contribui para caracterizar a natureza linguística da unidade. Também por essa razão levamos em consideração as marcas gramaticais presentes nas obras analisadas neste trabalho. Welker (2004, p.130) também chama a atenção para o fato de que, embora haja uma longa tradição lexicográfica, muitos dicionaristas e metalexicógrafos constatam que a marcação se impõe como uma tarefa difícil e verificam muitas divergências em dicionários monolíngues. De fato, em nossa análise observamos que o DS apresenta marcas somente para 19 UFD, © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 279 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 enquanto o DG apresenta marcas em todas as UFD presentes na amostra levantada, além de abundante marcação diastrática (familiar), como pode-se observar no quadro 2, abaixo: Quadro 2 – Marcação em DS e DG DS DG al alimón Fam Loc adj/Loc adv de antemano --- Loc adv en/de balde --- Loc adv tener bemoles Fam Loc/Fig/Fam importar un bledo --- Loc/Fig/Fam a bocajarro --- Loc Adv agua de borrajas --- Fig de bruces --- Loc adv a contrapelo Fig Loc adv con creces --- Loc adv en cuclillas --- Loc adv en derredor --- Loc a deshoras --- Loc a destiempo --- Loc/Fam a diestra y siniestra --- Loc/Fam dar el do de pecho --- Loc a escondidas --- Loc a expensas --- Loc prep. a granel --- Loc adj/Loc adv a horcajadas --- Loc adv a hurtadillas --- Loc adv de improviso --- Loc adv a la intempérie --- Loc a pies juntillas --- Loc mondo y lirondo Fam Loc/Fig/Fam a mansalva --- Loc adv de marras Fam, Desp Loc adj/Fam de mentirijilla(s) Fam Loc adj/Fam corriente y moliente Fam Loc/Fig/Fam hacer novillos Fam Fig/Fam de pe a pa Fam Loc/Fig/Fam de pacotilla Fam Desp Loc/Fam casarse de pênalti Fam Loc/Fig/Fam en un periquete --- Loc adv/Fam poco a poco --- Loc poner pies en polvorosa Fam Loc/Fig/Fam a pelo --- Loc de puntillas Fig Loc a quemarropa --- Loc adv cada/todo quisque Fam Loc fam © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 280 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 a rajatabla --- Loc adv/Fig/Fam a rechupete Fam Loc adv/Fam de refilón Fam Loc adv a regañadientes --- Loc adv a sabiendas --- Loc adv en un santiamén --- Loc adv poner a alguien en solfa Fam Loc/Fig/Fam salirse por la tangente --- Loc/Fig/Fam a tientas --- Loc a tocateja Fam Loc adv en torno a --- Loc prep. a trasmano --- Loc adv a través de --- Loc prep. a ultranza --- Loc adv en vilo --- Loc adv a la virulé --- Loc adv en volandas Fig Loc adv a vuelapluma --- Loc adv Tais discrepâncias são justificada por Olímpio de Oliveira Silva (2007, p. 202) pelo fato de predominar a avaliação subjetiva de cada lexicógrafo no processo de atribuição de marcas, fato que, segundo a autora, também contribui pouco para o desenvolvimento de subsídios teóricos lexicográficos, uma vez que frequentemente poucos esclarecimentos são fornecidos com relação à existência de tais abreviaturas nos dicionários. Tal fato pode ser constatado tanto no DS (p. XXI) quanto no DG (p. XIII), nas páginas introdutórias de ambos os dicionários. No caso do DS, é indicado em uma tabela, por exemplo, que amb., desp., fam., fig. e hum. correspondem, respectivamente, a ambíguo, depreciativo, familiar, sentido figurado e humorístico. O mesmo pode ser observado em DG, no qual arg, culto, despec, fam, fig e iron são relacionados diretamente a voces o acepciones argóticas, voces o acepciones cultas o muy formales, voces o acepciones despectivas, voces o acepciones familiares, voces o acepciones figuradas e voces o acepciones irónicas, respectivamente, sem que nenhuma explicação mais detalhada sobre o que significam tais especificações seja dada ao consulente. Entre as duas obras também pode-se verificar algumas discrepâncias, por exemplo, para a marca familiar. Em 3 casos o DS apresenta tal marcação, porém, ela é inexistente nas respectivas UFD do DG. Também DG indica 7 UF que não são marcadas pelo DS como sendo familiar. Somente em 13 casos há concordância entre os dois dicionários para a marcação familiar, do total de 23 UFD que apresentam tal marcação. © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 281 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 Com a indicação figurado ocorre algo semelhante. O DS marca 5 UFD como sendo de sentido figurado. As mesmas UFD não possuem tal indicação em DG. O DG indica 12 UFD figuradas que não são indicadas como figuradas pelo DS. O DS ainda indica 2 UF como sendo depreciativas, ao passo que o DG não apresentou nenhuma UFD com essa marca. O DG, entretanto, apresenta maior descompasso nas marcas gramaticais uma vez que somente 25 UF das 58 arroladas apresentam tal marcação. Já DS não atribui marcas gramaticais. Entretanto, é no interior de cada uma das obras que são percebidas as discrepâncias da arquitetura lexicográfica que podem comprometer ainda mais a compreensão do consulente ou, ao menos, confundi-lo. Por exemplo, o DS não indica que UFD visivelmente metafóricas, como importar un bledo, hacer novillos e agua de borrajas, têm sentido figurado. Em outros verbetes, como a quemarropa, por exemplo, embora sejam indicadas duas acepções diferentes para a UFD, na segunda a marcação de figurado também não é feita, embora trata-se justamente da acepção com grande carga metafórica, como pode-se observar na transcrição do verbete a seguir: que.ma.rro.pa |kemařópa|. ■ a ~, desde cerca: le disparo a ~. □ à queima-roupa ■ a ~, de forma directa: me preguntó a ~ si quería casarme con ella ► bocarrajo. ⌂ Se escribe también a quema ropa. □ à queima-roupa Tal fato é recorrente em outros verbetes de DS, como do de pecho, de refilón, a bocarrajo e a transmano. 5.3 Equivalentes tradutórios propostos Dentre todas as discussões realizadas nos Estudos da Tradução ao longo da história, o conceito de equivalência talvez seja, além de o mais debatido, também o mais controverso. Não pretendemos explorar todas as possibilidades envolvidas na proposição de equivalentes tradutórios em DS e DG, pois isso exigiria uma longa discussão sobre as diferentes finalidades envolvidas no processo de tradução e, consequentemente, em uma produção de cunho lexicográfico voltada para tais fins. Abordamos em nossa análise o aspecto funcional envolvido na tradução de UF defendido por Nord (1998/2009) e Zuluaga (2001). Ao tratar da delimitação de uma unidade de tradução dentro do escopo funcionalista, Nord (1998) retoma os estudos da linguística contrastiva e da tradutologia e questiona se uma unidade de tradução se constituiria no âmbito do morfema, da palavra, da colocação ou frase, © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 282 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 da oração ou, até mesmo, do texto inteiro. Essa autora defende que as unidades de tradução são como elementos ou “unidades verticais”, e não sequenciais, que se relacionam entre si e tem a mesma função comunicativa. Segundo ela, para indicar ao receptor a função comunicativa do texto, o autor utiliza indicadores funcionais específicos de uma determinada língua e cultura. Tais funções comunicativas podem ser indicadas em vários níveis (macrotextual, sintático, sintagmático, léxico ou morfológico) e todos os indicadores que marcam uma determinada função comunicativa, independentemente do nível ou da localização no texto, formam uma unidade funcional. Para a tradução, entendemos que, na fase de compreensão, esses indicadores são interpretados no texto original e, de acordo com os objetivos da tradução, são considerados relevantes para o funcionamento do texto. Embora as funções sejam universais, a uso de tais indicadores obedece convenções e tradições específicas de cada cultura. Dessa forma, após isolar tais funções do texto original, o tradutor estabelece quais convenções devem ser adaptadas para que cumpram as mesmas funções no texto traduzido.Nessa esfera é que podem ser consideradas as equivalências funcionais entre unidades de tradução e estabelecer-se como unidade de tradução um fraseologismo. Zuluaga (2001) trata da tradução com mais especificidade retomando as funções desempenhadas pelas UF em diferentes contextos, considerando várias delas (simplificação, ênfase ou contraste, metalinguagem, icônica, lúdica ou poético-metafórica). Dessa forma, o autor defende a ideia de que uma UF deva ser necessariamente traduzida por outra UF sempre que possível, uma vez que tal fato resgataria as funcionalidades do texto original no texto de chegada. Dessa forma, estabelecemos como foco de análise deste trabalho a proposição de equivalentes tradutórios fraseológicos para o par bilíngue espanhol-português, orientados pela ideia de que o dicionário bilíngue, enquanto recurso primeiro do ato tradutório, deva, necessariamente, procurar trazer UF como equivalentes para uma UF proposta. Não iremos discutir, portanto, as implicações semânticas na escolha de uma ou outra UF e nos possíveis deslocamentos de sentido envolvidos em tais escolhas, como seria o caso, por exemplo, ao se considerar os equivalentes escarranchado e a cavalo, propostos como tradução, respectivamente, por DS e DG para a UFD a horcajadas, mas sim, nos ateremos ao fato de a cavalo ser uma locução e escarranchado, adjetivo. © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 283 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 Os equivalentes tradutórios que não correspondem a UF estão indicados no quadro 3 com um asterisco (*). Quadro 3 – UFD que não apresentaram UF como equivalentes tradutórios Equivalentes do DS Equivalentes DG al alimón em dupla em conjunto, em parceria de antemano de antemão de antemão en/de balde em vão, de graça em vão, de graça tener bemoles ser difícil* ter manha importar un bledo não importar lixar-se* a bocajarro à queima-roupa à queima-roupa (quedar en)agua de borrajas água de bacalhau dar em água de barrela de bruces de bruços de bruços a contrapelo a contrapelo, de calças curtas a contrapelo, ao arrepio con creces com acréscimo* acréscimo* en cuclillas de cócoras a/de/em cócoras en derredor ao redor em derredor de a deshoras a desoras (sic) fora de hora a destiempo fora de hora fora de tempo a diestra y siniestra a torto e a direito a torto e a direito dar el do de pecho dó-de-peito, esforço máximo dar o dó-de-peito a escondidas às escondidas às escondidas a expensas a expensas de à custa de, a expensas de a granel a granel a granel a horcajadas escarranchado* a cavalo a hurtadillas às escondidas às furtadelas, às escondidas de improviso de improviso de improviso a la intempérie ao relento ao ar livre, a céu aberto a pies juntillas de pés juntos de pés juntos mondo y lirondo puro e simples nu e cru a mansalva à vontade sem risco, a salvo em abundância, a mancheias de marras em questão de sempre de mentirijilla(s) de mentirinha de mentirinha, de brincadeira corriente y moliente carne de vaca normal e corrente hacer novillos cabular aula cabular, matar aula de pe a pa de cabo a rabo de cabo a rabo de pacotilla de carregação meia-tigela/de araque casarse de penalti casar grávida casar de feto en un periquete num instante em vapt-vupt poco a poco pouco a pouco pouco a pouco poner pies en polvorosa dar no pé dar no pé © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 284 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 a pelo em pelo em pelo/no gogó/sem camisinha de puntillas nas pontas dos pés na ponta dos pés a quemarropa à queima-roupa à queima-roupa cada/todo quisque/quisqui todo o mundo, cada qual Deus e o mundo a rajatabla à risca com todo rigor* a rechupete de dar água na boca de lamber os beiços, muito bem de refilón de leve, superficialmente* de soslaio,de passagem a regañadientes a contragosto a contragosto a sabiendas sabendo que* com conhecimento de causa en un santiamén num instante em um pai-nosso poner a alguien en solfa desancar*, botar em ordem ridicularizar* salirse (escaparese) por la tangente sair pela tangente escapar/sair pela tangente a tientas às apalpadelas às apalpadelas a tocateja à vista à vista en torno a/de em torno de, a respeito de em torno a/de a trasmano fora de mão contramão* a través de através de, por intermédio de a través de (sic) a ultranza a qualquer preço até a morte en vilo no ar, inquieto* desequilibrado*, instável*, inquieto*, apreensivo* a la virulé em estado lamentável em mau estado en volandas no ar, num instante pairando*, voando* a vuelapluma com os pés nas costas rapidamente* Das 58 UFD lematizadas pelos dois dicionários, DS propõe 7 equivalentes que não são UF e DG propõe 12 equivalentes tradutórios que não são UF. O fato de UFs não apresentarem como equivalentes tradutórios outras UF pode acarretar perdas de diferentes níveis atreladas às diferentes funções que tais UF possam desempenhar em diferentes contextos. É nessa perspectiva, como afirma HUMBLÉ (2005, p. 235), que o papel do lexicógrafo se diferencia mais do papel do tradutor: A tradução de expressões idiomáticas, provérbios e metáforas, que também se encontram nos dicionários bilíngues, se aproxima mais do trabalho tradicional dos tradutores. Trata-se, com efeito, se não de textos, pelo menos de conjuntos de, no mínimo, duas palavras. É uma problemática que seria, portanto, legítima aos olhos dos teóricos da tradução, mas que eles preferem tratar sob o ângulo de ‘técnicas de tradução’ e, mais especificamente, sob a perspectiva da ‘compensação’. A tradução de ‘desse mato não sai cachorro’ é um problema ao que podem ser confrontados tanto lexicógrafos como tradutores, mas a maneira de resolvê-lo será diferente. Se um tradutor pode decidir não © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 285 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 traduzir e compensar de outra maneira em outro lugar, o lexicógrafo não tem essa opção. 6. Considerações finais Muitas das UFD mapeadas por García Page e abordadas no presente trabalho como um grupo fechado de unidades fraseológicas representam, grosso modo, um conjunto simplificado dentro do complexo e emaranhado desenvolvimento diacrônico de tais estruturas. Sabemos que em qualquer recorte sincrônico que façamos, fenômenos linguísticos novos e obsoletos poderão se tornar evidentes simultaneamente, fenômenos que estarão no início de seu desenvolvimento ao mesmo tempo em que outros que pertençam a estágios mais avançados, ou mesmo, de desparecimento. Desse modo, os dicionários de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras analisados, ao privilegiarem um corte sincrônico para a composição dos registros de entrada que compuseram sua nomenclatura, provavelmente com base em critérios de registro e frequência, os propuseram com o intuito de fornecer ao consulente um panorama de lexemas do espanhol usado na contemporaneidade, sem discriminar, obviamente, tais fatores em seu desdobramento no percurso de evolução histórica da língua. Considerados tais aspectos, ademais de considerar a estreita relação com as diferentes estruturas, metodologias e finalidades de diferentes repertórios lexicográficos, cabe-nos chamar a atenção, entretanto, para o fato de que tais elementos históricos, em nossa perspectiva, embora não devam ser obrigatoriamente explicitados na relação temporal que desempenham em seu percurso de desenvolvimento, carecem de autonomia sintática e semântica, e por isso não apresentam ocorrência externa à UFD. Dessa forma, arrolar a lexia diacrítica como entrada, como feito na maior parte das vezes na amostra analisada, pode gerar confusão ao consulente, uma vez que ela não tem existência externa a UF. O modo como as UF devem ser inseridas na nomenclatura dos dicionários é um tema ainda polêmico. Ao mesmo tempo em que se defende a inserção pela palavra com mais força semântica, entendida como principal do bloco, seguindo assim a ordem substantivo, verbo, adjetivo, advérbio, pronome e conjunção, como pontua Silva (2011, p.81), alguns autores acenam com a possibilidade da ordem alfabética, como o faz Ortiz Álvarez (2011, p.85). Welker (2004, p. 168) também parece partidário da segunda postura, porém chama a atenção para a problemática gerada pelo fato de que formas variantes das UF poderiam dificultar a localização por parte do consulente. Nesse aspecto, contudo, mantemos ainda nossa © Angélica Karim Garcia Simão; p. 269-288. 286 DOMÍNIOS DE LINGU@GEM (http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem) - v. 8, n. 2 (jul/dez. 2014) - ISSN 1980-5799 defesa da inserção de uma UFD integral e na ordem alfabética uma vez que esse grupo restrito de UF parece não apresentar tanta variação como as demais, como pudemos observar em nossa análise, fato que, talvez, tenha explicação na própria natureza histórica de tais lexias que, em sua maioria, sofreram lexicalização em estágios mais pretéritos da língua e, portanto, parecem apresentar-se mais cristalizadas no sistema. Outro aspecto que pode favorecer ou corroborar equívocos ao consulente é o ato de atribuir o significado total da UF à lexia diacrítica individualmente, como ocorreu em alguns casos explicitados durante a análise, pois tal estratégia pode possibilitar ao consulente, aprendiz do idioma estrangeiro, a falsa possibilidade de poder utilizar a lexia de modo independente e alheio a UF, fato que não ocorre na prática. Referências bibliográficas AGUILAR RUIZ, M. J. Vilo, repente y santiamén: los “fósiles fraseológicos” como palabras diacríticas en la fraseología española. In: CARMONA YANES, E.; DEL REY QUESADA, S. Id est, loquendi peritia: aportaciones a la lingüística diacrónica de los jóvenes investigadores de la AJIHLE. Sevilla: Universidad de Sevilla, 2011, p. 87-96. (CD-ROM). AGUILAR RUIZ, M. J. “Neologismos fraseológicos” como palabras diacríticas en las locuciones en español. Paremia, Madrid, n. 21, 47-57, 2012. BIDERMAN, M. T. C. 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