UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DOCÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA FABIANA ANDREANI O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO BAURU 2018 FABIANA ANDREANI O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências, Campus de Bauru - Programa de Pós- Graduação em Docência para a Educação Básica, sob orientação da Professora Doutora Lílian Aparecida Ferreira. BAURU 2018 Andreani, Fabiana. O ensino da Educação Física no Instituto Federal de São Paulo / Fabiana Andreani, 2018 189 f. Orientadora: Lílian Aparecida Ferreira Dissertação (Mestrado Profissional)– Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2018 1. Ensino profissional. 2. Ensino médio. 3. Educação física. 4. Currículo escolar. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus, que esteve ao meu lado em todos os momentos, sendo eles difíceis ou não. Aos meus pais, Vanda e Elias, minhas irmãs, Tati e Ju, que me deram a oportunidade de escolher meus caminhos e sempre apoiaram minhas decisões, estando por perto quando deles precisei. Amo vocês! Aos amigos do Mestrado Profissional, que dividiram as angústias, inquietações e alegrias que o longo processo de estudo nos proporcionou. Aos meus amigos que sempre compreenderam a distância que, às vezes, a vida impõe, me incentivando a não desistir dos meus sonhos. Aos colegas de trabalho, especialmente, Laura Rampazzo, Patrícia Nunes, Fernando Heck e Gabriel Burnatelli, que participaram dessa construção, me ouvindo, sugerindo leituras e revisando meus textos. Obrigada pela parceria! À Lígia Estronioli, pela amizade e parceria nos estudos acadêmicos. Aos professores participantes desta pesquisa que, assim como eu, desejam uma Educação Física que possa, efetivamente, contribuir para uma formação mais humana. Aos professores Glauco Nunes Souto Ramos e Fernanda Moreto Impolcetto, por terem aceitado compor a banca e contribuir com esta pesquisa. À minha orientadora, professora Lílian Ferreira, pela confiança, paciência e dedicação dispensadas à conclusão do estudo. À Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, corpo docente e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica. Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, pela concessão do afastamento para os estudos no período do mestrado. Obrigada a todos! RESUMO A Educação Física está presente no ensino profissional apenas nos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, com base na obrigatoriedade expressa pela Lei 10.328/2001. No contexto do IFSP ainda são poucos os estudos relacionados à Educação Física, evidenciando um campo carente e com necessidade de mais investigações. Diante dessa escassez de estudos, da crescente expansão dos cursos técnicos integrados e da ampla contratação de professores, o objetivo da presente pesquisa é analisar como tem se dado o ensino da Educação Física no IFSP. Orientada por uma pesquisa qualitativa com característica descritivo- interpretativa, o estudo envolveu a análise documental dos projetos pedagógicos dos cursos de ensino técnico integrado ao médio de 33 campi e entrevista semiestruturada com 15 docentes da área. Na discussão dos resultados, apresentamos os retratos da Educação Física no IFSP com base em duas categorias de análise: 1. O que dizem os planos de ensino versus o que pensam os docentes; 2. Desafios e possibilidades no ensino da Educação Física no IFSP. Podemos apontar que os planos de ensino evidenciaram os seguintes objetivos, em consonância com as perspectivas docentes: a formação do cidadão crítico, a promoção da saúde e o ensino pautado nos conteúdos da cultura corporal de movimento. As diferenças se apresentaram em relação à maior preocupação dos docentes com a problematização de questões sociais atreladas às práticas corporais, em diagnosticar os conhecimentos prévios dos alunos, em realizar um planejamento participativo para a escolha dos conteúdos e no ensino pautado nas dimensões conceitual, procedimental e atitudinal. A metodologia evidenciou convergências entre os planos de ensino e as falas dos professores, ao apontar a defesa por aulas teóricas e práticas. Os docentes revelaram uma diversificação metodológica, bem como, de critérios avaliativos (conceitual, procedimental, atitudinal), com o entendimento de que a avaliação também serve para rever as próprias metodologias de ensino. Sobre os desafios para ensinar Educação Física no IFSP, foram denunciados: o restrito número de aulas de Educação Física, o comprometimento do espaço físico e dos materiais para a realização das aulas e as dificuldades de aproximação do componente curricular Educação Física com a área técnica do curso. Ainda que marcados por esses desafios, os docentes sinalizaram que vêm buscando desenvolver uma Educação Física que, de fato, possa contribuir com a formação humana dos estudantes. Nossa expectativa com a presente pesquisa é favorecer a elaboração de um referencial institucionalizado sobre o ensino da Educação Física no IFSP, numa perspectiva crítica. E, além disso, impulsionar novos estudos, especialmente sobre as aproximações desse componente com a área técnica e possibilidades interdisciplinares. Palavras-chave: Ensino Profissional; Ensino médio; Educação Física; Currículo escolar. ABSTRACT Physical Education is only found in professional education in Vocational Schools, which combine Technical Education and High School. The inclusion of this school subject is enforced by law 10.328/2001. In the context of IFSP, there still are few studies related to Physical Education, which indicates it is a field that needs to be further investigated. We develop this research faced with the shortage of studies in the area, the growing expansion of vocational courses and the large scale hiring of teachers. Our aim is to analyze how the teaching of Physical Education has been carried out up to the present. This descriptive-interpretative qualitative research involved the documental analysis of the pedagogical projects of Vocational courses from the 33 campuses and a semi-structured interview with 15 teachers. In the results discussion section, we introduce the characterization of Physical Education in IFSP based on two categories of analysis: 1. What the teaching plans indicate versus what the teachers think; 2. The challenges and possibilities of teaching Physical Education in IFSP. The teaching plans show that the following objectives were aligned to the teachers’ perspectives: development of a critical citizen, health promotion and the teaching of content related to body and movement culture. The differences were connected to a greater concern of teachers with the problematization of social issues associated to the corporal practices, to diagnosing students’ previous knowledge, to the participative planning for the choice of contents and to the teaching based on conceptual, procedural and attitudinal dimensions. The methodology demonstrated convergence between the teaching plans and teachers’ speeches, both arguing for theoretical and practical classes. Teachers revealed methodological diversity as well as a variety in assessment (conceptual, procedural and attitudinal), with the understanding that assessment is also an asset for the teacher to review his/her own teaching methodologies. Regarding the challenges to teaching Physical Education in IFSP, the following were exposed: the restricted number of Physical Education classes, the conditions of space and material available for classes and the difficulties in trying to bring closer Physical Education curriculum and the technical area of the courses. Despite the challenges, teachers indicated they are trying to teach Physical Education classes that may indeed contribute to students’ human development. We expect to promote the creation of an institutionalized guide about the teaching of Physical Education in IFSP, in a critical perspective. Besides that, we intend to encourage new studies, especially those concerned with bringing closer the technical studies and Physical Education and interdisciplinary possibilities. Keywords: Vocational School; Professional Education; High School; Physical Education; School Curriculum LISTA DE FIGURAS Figura 1. Diferença entre os cursos concomitante, subsequente e integrado.. ........................................................................................................ 29 Figura 2. Expansão dos Institutos Federais – em unidades ............................ 35 Figura 3. Mapa dos Institutos Federais no Brasil ............................................. 36 Figura 4. Mapa dos campi do IFSP ................................................................. 39 Figura 5. Atividades da I semana da Educação Física – IFSP Campus Cubatão .......................................................................................................... 113 Figura 6. Sistema de classificação das práticas corporais de acordo com a interação e relações com o ambiente ............................................................ 129 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Expansão do ensino técnico integrado ao médio no IFSP (2014-2017) ...................................................................................................... 42 Gráfico 2. Referenciais presentes nos planos de ensino de Educação Física dos diferentes campi do IFSP .............................................................. 109 Gráfico 3. Distribuição dos conteúdos nos anos escolares ........................... 121 Gráfico 4. Quantitativo de aulas de Educação Física nos campi do IFSP ..... 153 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Regulamentações que influenciaram as relações entre o Ensino Profissional e o Ensino Médio .......................................................................... 31 Quadro 2. Distribuição das vagas nos cursos dos Institutos Federais..............38 Quadro 3. Possibilidades de atividades para a composição da carga horária de trabalho docente no IFSP .................................................................48 Quadro 4. Caracterização da Educação Física na rede federal de diferentes estados ............................................................................................................. 68 Quadro 5. Conteúdos e temas da Educação Física nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio .................................................................... 74 Quadro 6. Conteúdos do componente Educação Física no ensino médio do Currículo de São Paulo ............................................................................... 77 Quadro 7. Conteúdos da Educação Física na Proposta de trabalho do IFRN ................................................................................................................. 82 Quadro 8. Principais características das abordagens desenvolvimentista, construtivista, psicomotora e saúde renovada ................................................. 97 Quadro 9. Perfil dos docentes entrevistados ................................................. 104 Quadro 10. Objetivos e conteúdos no ensino médio: planos de ensino e perspectivas docentes .................................................................................... 138 Quadro 11. Referências que orientam os professores em sua prática Pedagógica ................................................................................................... 147 Quadro 12. Referências mais presentes nos planos de ensino dos diversos campi .............................................................................................. 148 Quadro 13. Metodologias e avaliações nos planos de ensino e nas práticas docentes ........................................................................................... 149 Quadro 14. Síntese dos principais apontamentos dos docentes no I Encontro de Artes e Educação Física do IFSP .............................................. 151 Quadro 15. Número de aulas de Educação Física nos diferentes cursos e campi ........................................................................................................... 153 Quadro 16. Campi que oferta disciplinas optativas relacionadas à Educação Física ............................................................................................. 155 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CEFETs Centros Federais de Educação Tecnológica CEB Câmara de Educação Básica CNE Conselho Nacional de Educação CONSUP Conselho Superior EAD Ensino a Distância ENEM Exame Nacional do Ensino Médio IFs Institutos Federais IFBA Instituto Federal da Bahia IFES Instituto Federal do Espírito Santo IFG Instituto Federal de Goiás IFMT Instituto Federal do Mato Grosso IFRS Instituto Federal do Rio Grande do Sul IFSC Instituto Federal de Santa Catarina IFSP Instituto Federal de São Paulo IFRN Instituto Federal do Rio Grande do Norte LDB Lei de Diretrizes e Bases MEC Ministério da Educação MG Minas Gerais OCEM Orientações Curriculares para o Ensino Médio PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais PDI Plano de Desenvolvimento Institucional PNAES Programa Nacional de Assistência Estudantil PPC Projeto Pedagógico do Curso PROEJA Programa Nacional de Integração Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos SEE/SP Secretaria de Educação do Estado de São Paulo SESI Serviço social da indústria SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica SP São Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14 CAPÍTULO 1- EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL E O ENSINO MÉDIO ............................................................................................................. 19 1.1 Trajetórias da educação profissional até a legitimação no Ensino Médio .. 19 1.2 Contexto histórico e educacional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia ........................................................................................ 34 1.2.1 O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo ... 38 CAPÍTULO 2- EDUCAÇÃO FÍSICA NO CONTEXTO DO ENSINO MÉDIO PROPEDÊUTICO E PROFISSIONAL: CAMINHOS PERCORRIDOS E PERSPECTIVAS .............................................................................................. 50 2.1 Trajetórias da Educação Física nos Institutos Federais ............................. 54 2.2 Proposições curriculares para a Educação Física no Ensino Médio (propedêutico e profissional) ............................................................................ 69 2.2.1 Orientações Curriculares para o Ensino Médio ....................................... 72 2.2.2 Currículo do estado de São Paulo ........................................................... 75 2.2.3 Proposta de trabalho do componente curricular Educação Física: cursos técnicos integrados de nível médio do Instituto Federal do Rio Grande do Norte ............................................................................................... 80 CAPÍTULO 3 – TEORIAS CURRICULARES E SUAS INFLUÊNCIAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR ..................................................................... 84 3.1 As teorias sobre currículo ........................................................................... 85 3.1.1 Teorias tradicionais ................................................................................. 86 3.1.2 Teorias críticas ........................................................................................ 89 3.1.3 Teorias pós-críticas ................................................................................. 93 3.2 Concepções/abordagens teóricas que influenciam os currículos na Educação Física escolar .................................................................................. 96 CAPÍTULO 4 - METODOLOGIA .................................................................... 103 4.1 A abordagem de pesquisa........................................................................ 103 4.2 Contextos da pesquisa, participantes e técnicas de coleta de dados ...... 103 4.3 Análise dos dados .................................................................................... 106 CAPÍTULO 5 – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .... 108 5.1 O que dizem os planos de ensino versus o que pensam os docentes ..... 110 5.1.1 Objetivos e conteúdos da Educação Física no ensino médio do IFSP . 111 5.1.2 Metodologias de ensino e avaliação em Educação Física no Ensino Médio do IFSP ................................................................................................ 139 5.2 Desafios e possibilidades no ensino de Educação Física no IFSP .......... 150 5.2.1 Quantidade de aulas por ano escolar .................................................... 152 5.2.2 Insuficiência de materiais e infraestrutura inadequada ......................... 157 5.2.3 Adversidades e perspectivas nas aproximações entre o Ensino Técnico e o Propedêutico ............................................................................................ 162 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 167 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 170 Anexo 1 – Aceite da pesquisa pelo comitê de ética ....................................... 185 Apêndice 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......................... 188 Apêndice 2 – Ficha com dados do produto .................................................... 189 14 INTRODUÇÃO O interesse pela presente pesquisa surgiu quando assumi o cargo de professora do ensino básico, técnico e tecnológico no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) – campus de Presidente Epitácio, em setembro de 2014, como docente do componente curricular Educação Física. Lá encontrei uma situação desafiadora: o ensino técnico integrado ao médio começaria a ser ministrado exclusivamente pelos professores da rede federal (anteriormente era realizado em parceria com a rede estadual de educação) e não havia nenhum tipo de referencial ou diretriz institucional que pudesse direcionar o trabalho nas aulas de Educação Física. Entretanto, questionamentos sobre o que, como ensinar e como avaliar, provocaram inúmeras dúvidas: Como eram desenvolvidas as aulas? Quais critérios eram utilizados para a seleção dos conteúdos? Quais as semelhanças ou diferenças entre a Educação Física no Ensino Médio Propedêutico, no qual atuei por 5 anos, e no Ensino Médio integrado à formação técnica? O que os professores de Educação Física pensavam sobre essas questões? Como esses elementos estavam expressos nos planos de ensino? Quais concepções de Educação Física orientavam o trabalho dos professores? Antes de ingressar na rede federal, atuei como docente na rede estadual e sempre me questionei sobre o Currículo do estado de São Paulo. Como foi realizado? Ouviram os alunos? Ouviram os professores, quais, quantos? Certamente achei ótimo ter um material que orientasse o desenvolvimento de minhas aulas, ainda mais para uma área marcada pela concepção esportivista e pela ênfase no futsal e no voleibol, no entanto, sempre me questionava por que aqueles conteúdos e não outros estavam presentes no referido currículo. Quando iniciei minhas atividades como docente no IFSP, já havia um plano de ensino para o componente curricular Educação Física, previamente elaborado por pessoas que não eram da área, com conteúdos muito semelhantes aos do Currículo de São Paulo e de planos de ensino de campi do Instituto Federal de outros estados. Havia aí mais um documento para orientar a minha prática docente, do qual eu não havia participado de discussões e muito menos da elaboração, mas deveria seguir. Entretanto, diferentemente do estado de São Paulo, na rede federal, 15 temos autonomia para reelaborar tal documento após a formação da primeira turma do curso, o que é bem interessante. Ao mesmo tempo, essa situação me causava insegurança, pois eu deveria fazer essa reelaboração sozinha e não havia estudos sobre a Educação Física no IFSP ou qualquer outro material específico da instituição que pudesse auxiliar tal ação. Nessa tarefa solitária de reelaboração do plano de ensino, surgiram outras tantas inquietações, como, por exemplo: Será que eu tenho competência para isso? De que forma se dá a construção de um currículo, quais as teorias que o sustentam? Quais objetivos devem ser estabelecidos para os estudantes de um ensino integrado ao técnico? Quais experiências, vivências, saberes, aprendizagens eu tenho expectativa que os estudantes desenvolvam? Quais critérios devo utilizar para eleger os conteúdos, as metodologias, as perspectivas avaliativas? Como os outros professores vêm desenvolvendo o ensino da Educação Física no IFSP? Inúmeras incertezas surgiram... A Educação Física está inserida no contexto Instituto Federal apenas nos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio e, até o ano de 2013, o IFSP contava com poucos professores da área, presentes apenas nos campi mais antigos da rede. A partir de 2014, novos professores foram convocados, após realização de concurso que também ocorreu nos anos de 2015, 2016 e 2017. A expansão da rede federal foi acelerada e o número de professores de Educação Física cresceu proporcionalmente, sendo que, atualmente, são 43 docentes efetivos dessa área no IFSP. Infelizmente, a expansão vertiginosa de cursos e do número de professores não foi proporcional à capacitação dos mesmos para trabalhar nessa modalidade de ensino, ainda que fossem previstas capacitações docentes para atuar nesse âmbito (BRASIL, 2007b). A diversidade de cursos possíveis de serem ofertados no IFSP parece dificultar essa relação de indissociabilidade entre a educação geral e profissional, tornando complexo o diálogo com áreas técnicas, as quais os professores licenciados desconhecem e vice-versa. Na Educação Física, a trajetória do ensino profissional parece estabelecer, como apontou Garíglio (1997), relações de aproximação com a perspectiva higienista, vinculando-a à saúde do trabalhador e aos seus impactos na melhoria de seu rendimento para o trabalho, ou seja, quanto mais saudável e apto fisicamente, maior sua produtividade. Todavia, o reconhecimento da cultura corporal de movimento (SOARES et al.,1992) como objeto pedagógico da Educação Física 16 escolar no cenário acadêmico, pode apontar para outras possibilidades do ensino da Educação Física também nos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, viabilizando outras formas de ensino que superem a exclusiva relação com o mundo do trabalho (BOSCATTO; DARIDO, 2017). Tais apontamentos se situam no campo da articulação da formação geral com a formação profissional. É nesse cenário, em nosso ponto de vista, que o ensino da Educação Física precisa ser pensado, ou seja, buscar superar o foco somente no Ensino Propedêutico, bem como, exclusivamente na formação para o trabalho. Em conversas com colegas de área junto ao IFSP, muitos docentes já apontaram a necessidade de uma proposição curricular para orientar as práticas educacionais dos profissionais de Educação Física. Uma dessas manifestações ocorreu no I Encontro de Artes e Educação Física do IFSP, realizado em março de 2017, evento no qual os professores puderam se conhecer e conversar sobre as perspectivas e desafios enfrentados. Dessa forma, a construção de um material com orientações gerais sobre a Educação Física e que estivesse alinhado às particularidades de um Ensino Médio integrado ao curso técnico, poderia resultar numa superação das críticas tecidas aos enfoques propedêutico (preparação para o vestibular) e profissional (mercado de trabalho e saúde do trabalhador), em favor de uma formação humana. O fato de ainda não termos estudos sobre a Educação Física no IFSP evidencia a relevância da presente pesquisa. Além disso, acreditamos ser importante ter iniciado as discussões sobre a construção de um material que aponte caminhos para proposições curriculares de Educação Física no IFSP, seguindo os exemplos dos estudos de Souza Filho (2011), que impulsionaram a construção de uma proposta de trabalho para o Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), e a tese de Boscatto (2017), que construiu com os docentes, de forma colaborativa virtual, uma proposta para a área visando legitimar a Educação Física no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). A partir das percepções do nosso estudo, possivelmente surgirão outras discussões com o intuito de consolidar a área, desenhando uma identidade própria para a Educação Física no contexto do ensino técnico integrado ao médio da rede federal de São Paulo. Ademais, tais percepções podem subsidiar inúmeros docentes, dos IFs de diferentes estados, que buscam compreender como tem se 17 dado a Educação Física no Ensino Médio Integrado, bem como, as possibilidades de atuação nesse contexto. Com base nessas reflexões, a pesquisa aqui apresentada estabeleceu estreita relação com minhas vivências enquanto docente e com a identificação da escassez de estudos sobre a Educação Física no IFSP. Se por um lado não “tive voz” na participação da elaboração do Currículo de São Paulo, agora tive oportunidade de fazer diferente, ouvindo e dialogando com os demais docentes da instituição onde atuo, durante o processo de pesquisa e elaboração do documento com as orientações curriculares. Considerando os elementos anteriormente apresentados, a problemática da presente investigação foi demarcada pela seguinte questão de pesquisa: Como é o ensino da Educação Física no IFSP, envolvendo tanto os documentos institucionais quanto as perspectivas dos seus docentes? Nesse sentido, o objetivo geral do estudo foi analisar o ensino da Educação Física no IFSP. Os objetivos específicos foram: 1. Analisar os projetos pedagógicos dos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, especificamente os planos de ensino do componente Educação Física dos diversos campi do IFSP; 2. Identificar as perspectivas dos professores sobre o papel da Educação Física dentro de um curso técnico integrado ao Ensino Médio (o que é indispensável que esse aluno aprenda quais as metodologias de ensino, os critérios de avaliação que vêm sendo utilizados e quais as referências que orientam esses docentes na elaboração e preparação das aulas); 3. Construir um material com orientações curriculares para a Educação Física no IFSP. Diante do cenário em que a Educação Física se encontra no IFSP, nossa proposta de elaboração de um produto pedagógico, em atendimento às exigências do Programa de Pós-graduação em Docência para a Educação Básica da UNESP/Bauru – Mestrado Profissional, foi a construção de um documento que apresentasse orientações para o ensino da Educação Física junto ao IFSP. Tal material foi construído com base nas manifestações dos professores, expressando um interesse coletivo e visando aproximar as práticas educacionais realizadas nos diferentes campi. 18 Em termos de estrutura geral, este trabalho traz, no primeiro capítulo, o contexto da educação profissional no Brasil, dando atenção especial ao Ensino Médio e apresentando o contexto atual no âmbito da rede federal de São Paulo. O segundo capítulo apresenta o cenário do componente Educação Física no Ensino Propedêutico e no Ensino Profissional, evidenciando os caminhos percorridos e as perspectivas curriculares para a área, retratadas nas orientações nacionais para o Ensino Médio, no currículo estadual de São Paulo e na proposta de trabalho de Educação Física da rede federal do Rio Grande do Norte. No terceiro capítulo, analisamos as teorias (tradicionais, críticas e pós- críticas) que fundamentam as organizações curriculares nacionais, estaduais e municipais, confrontando essas teorias com os modelos/abordagens de ensino na Educação Física escolar que influenciam a prática pedagógica dos docentes da área. No capítulo 4, evidenciamos a trajetória metodológica do estudo e as técnicas de coletas empreendidas. O capítulo 5 apresenta as análises dos dados, revelando os retratos da Educação Física no IFSP. Destacamos que os resultados foram classificados em duas categorias, a saber: 1. O que dizem os planos de ensino versus o que pensam os docentes. As subcategorias envolveram: i. Objetivos e conteúdos da Educação Física no Ensino Médio do IFSP; e ii. Metodologias de ensino e avaliação em Educação Física no Ensino Médio do IFSP; 2. Desafios e possibilidades no ensino da Educação Física no IFSP, dividida nas subcategorias: i. Número de aulas por ano escolar; ii. Insuficiência de materiais e infraestrutura inadequada; iii. Adversidades e perspectivas nas aproximações entre o Ensino Técnico e o Propedêutico. Encerrando a pesquisa, as considerações finais revelam a síntese desse processo, como também, reflexões e sinalizações para outros estudos acerca desta temática. 19 CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL E O ENSINO MÉDIO As inúmeras transformações pelas quais passaram o que hoje conhecemos como Ensino Médio têm profundas relações com o mundo do trabalho e a educação profissional, sendo que essas rupturas e reconstruções influenciam até hoje os modelos de ensino existentes. Neste capítulo, será apresentado um panorama da educação profissional, visando contextualizar a inserção dos Institutos Federais nesse modelo educacional, bem como as bases legais que fundamentam o Ensino Médio de forma integrada, seus objetivos e estrutura de funcionamento. 1.1 Trajetórias da educação profissional até a legitimação no Ensino Médio Os modelos de educação e ensino existentes foram se modificando ao longo dos anos. Antes da criação das escolas, apenas a família executava esse papel, os conhecimentos eram passados de geração para geração visando a sobrevivência e a aprendizagem de habilidades básicas para a reprodução das práticas sociais. Como aponta Romanelli (2012, p. 23), “[...] as instituições educativas nasceram da necessidade das gerações mais velhas transmitirem às mais novas os resultados de suas experiências”. Nesse sentido, a escola é uma construção social que transmite os conhecimentos produzidos historicamente, muitas vezes, preservando a cultura dos povos, mas também obedecendo aos interesses econômicos e políticos da sociedade. Hoje vigora no Brasil a divisão ensino básico (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) gratuito dos 4 aos 17 anos e ensino superior para concluintes do ensino básico, proposta pela Lei de Diretrizes e Bases - LDB 9394/96 (BRASIL, 1996). Antes disso, a educação orientava-se pela divisão ensino primário ou elementar (destinado às crianças), ensino secundário (destinado aos adolescentes) e ensino superior (ROMANELLI, 2012). O ensino primário, que equivale atualmente ao ensino fundamental I, era oferecido à maioria da população, entretanto, grande parte só estudava até esse nível, pois o ensino secundário (como era chamado antigamente o ensino fundamental II e ensino médio) era quase inexistente em grande parte das cidades, 20 principalmente no interior, onde quase não havia escolas, sendo assim, só a elite tinha fácil acesso a essa etapa (ROMANELLI, 2012). Dessa forma, a escola, para a população mais pobre, muitas vezes era restrita ao ensino elementar e ao ensino profissional, já a progressão dos estudos para ingresso na formação superior era destinada, em grande parte, aos brancos ricos da sociedade. Nota-se, assim, que as questões laborais mantinham estreita relação com as questões educacionais e “[...] o debate sobre trabalho e trabalhador produtivo é tão velho quanto à própria história humana” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 49). O ensino secundário passou por diversas reformas ao longo da história, sem fugir, no entanto, das marcas de preparação para o trabalho e/ou preparação para o vestibular, uma “[...] ambiguidade de um nível de ensino que, ao mesmo tempo, tem de preparar para o mundo do trabalho e para a continuidade dos estudos, a raiz dos males do ensino médio” (KUENZER, 2009, p. 25). Os primeiros modelos de ensino profissionalizante, vistos como solução para sanar a falta de mão de obra, tinha por base “[...] uma aprendizagem compulsória, que consistia em ensinar ofícios às crianças e aos jovens, que na sociedade não tivessem outra opção, como era o caso dos órfãos e desvalidos [...]” (SANTOS, 2011, p. 207). Resolvia-se o problema da escassez da mão de obra em determinados tipos de trabalho, ao mesmo tempo em que se dava oportunidades de aprendizagem, mesmo que precária, aos jovens de classes menos favorecidas, que posteriormente estariam aptos a ingressar no mercado de trabalho. O Colégio das Fábricas, em 1809, foi o primeiro indício educacional profissional no Brasil, “[...] possuía caráter assistencial e, portanto, a finalidade explícita de abrigar os órfãos” (SANTOS, 2011, p. 208), atendendo jovens e crianças carentes, ensinando-lhes alguns ofícios de trabalhos manuais como carpintaria e sapataria. Nesse contexto, o pensamento vigente era de que o ensino profissionalizante se destinasse somente às camadas populares, uma espécie de apoio aos que não teriam outra forma de ascensão na sociedade. Oficialmente, as primeiras instituições de educação profissional no Brasil foram estabelecidas no governo de Nilo Peçanha por meio do decreto nº 7.566/1909, as Escolas de Aprendizes Artífices. Essas instituições visavam à formação de mestres e contramestres por meio de oficinas diversas, como mecânica, marcenaria, alfaiataria, carpintaria, serralheria, entre outras, para crianças e jovens de 10 a 13 anos que não tinham domínio das atividades de leitura, escrita e cálculos. Essas 21 escolas redirecionaram o ensino profissional buscando atender às “[...] necessidades emergentes dos empreendimentos nos campos da agricultura e da indústria” (BRASIL, 2007b, p.11). Nessa época, o ensino profissional era voltado aos jovens do que hoje conhecemos por Ensino Fundamental, sem relações com o Ensino Médio. O foco desse ensino era que esses estudantes ingressassem no mercado de trabalho e não necessariamente dessem prosseguimento aos estudos. Essas escolas de aprendizes não fugiam muito da perspectiva assistencialista, nem da relação estreita entre o ensino profissional e a pobreza, visando capacitar o trabalhador para melhorar sua condição de vida. Antes de [...] atender às demandas de um desenvolvimento industrial praticamente inexistente, obedeciam a uma finalidade moral de repressão: educar pelo trabalho, os órfãos, pobres e desvalidos da sorte, retirando-os da rua. (KUENZER, 2009, p. 27) Ou seja, havia uma intenção de qualificação de mão de obra, mas, acima de tudo, a visão de influência na formação do caráter desses jovens que, ao estarem “ocupados” com esse tipo de ensino, possivelmente, não causariam problemas à sociedade. Essa repressão moral está explícita no decreto nº 7.566/1909 que instituiu as Escolas de Aprendizes e Artífices em todas as capitais brasileiras ao considerar: [...] que o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes operárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência; que para isso se torna necessário não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo que os afastará da ociosidade ignorante, escola do vício e do crime; que é um dos primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à Nação. (BRASIL, 1909) Com a intenção de suprir as carências dos menos favorecidos, não ter recursos era um dos critérios para ser admitido nessa escola. A concepção era que, por meio da aprendizagem de ofícios, os jovens poderiam se afastar de atividades relacionadas ao crime, complementar a renda para contribuir nas despesas domésticas e teriam mais oportunidades de entrar no mercado de trabalho, satisfazendo suas necessidades econômicas e modificando as condições de pobreza e exclusão nas quais viviam (CUNHA, 2005a). 22 Aos poucos, a perspectiva assistencialista vai sendo superada e os objetivos voltam-se mais para a formação e preparação de operários para o trabalho nas indústrias. Contudo, as fórmulas assistencialistas ainda permaneciam, pois, até então, havia uma preocupação de que os jovens pudessem se sustentar por meio do trabalho. O ensino profissionalizante passa a ser visto como necessário para o desenvolvimento industrial. Todavia, apesar da iniciativa de criação dessas escolas, os propósitos industriais não coincidiam com os ofícios ensinados nessas instituições, pois, ao priorizarem as atividades artesanais (marcenaria, alfaiataria e sapataria) em detrimento das manufatureiras, os interesses dos setores fabris não eram atendidos (CUNHA, 2005a). As perspectivas educacionais, as reformas, as questões religiosas, as transformações nas esferas política e também econômica influenciaram diretamente os modelos de educação no Brasil. Se em determinada época tínhamos a mão de obra escrava e um sistema econômico baseado no cultivo da terra, com a Revolução Industrial, em 1932, há uma desvalorização dos trabalhos manuais e valorização da produção em massa. A luta de classes permanecia e, se na fase do cultivo agrícola havia, de um lado os senhores de engenho que mandavam e do outro os escravos e camponeses que cuidavam das terras e obedeciam a ordens, no período de industrialização, a divisão de classes era marcada pelos donos de fábricas e pelos operários assalariados (CUNHA, 2005a). O processo de industrialização e o modelo capitalista de produção impulsionaram mudanças significativas nos setores educacionais. Entre as mudanças mais marcantes na educação brasileira, encontramos a Reforma Francisco Campos, em 1931, que trouxe, entre outras coisas, a divisão do ensino secundário em dois ciclos: um, fundamental, de cinco anos, com uma formação mais geral e outro, complementar de dois anos, preparatório para o ingresso nos cursos superiores (ROMANELLI, 2012). Esse ensino complementar era voltado principalmente à elite, já que as disciplinas cobradas e a alta exigência avaliativa dificultava o acesso das classes populares a esse tipo de aprendizagem. De acordo com Romanelli (2012, p. 139), [...] a seletividade do sistema manifestava-se em dois pontos: dentro de cada ciclo, pela relação entre ingresso e conclusão, e, de um ciclo para outro, pela relação entre conclusões no ciclo fundamental e ingresso no complementar. 23 O grande impulso e o interesse na educação profissional surgiram devido à falta de mão de obra em determinados setores fabris. Cabe ressaltar que essa escassez de mão de obra foi resultado do “[...] processo discriminatório em relação aos ofícios, traduzidos pela relação entre atividade escrava e trabalho exercido pelos homens livres [...]” (SANTOS, 2011, p. 206). As atividades laborais eram muitas vezes associadas à ressocialização, ao sofrimento e às grandes doses de esforço, “[...] o direito ao não trabalho era somente permitido a quem fosse rico: os pobres incorreriam em pena por vadiagem, que era o próprio trabalho” (CUNHA, 2005a, p. 36). Muitos se recusavam a exercer determinados tipos de atividade, em especial as manuais, os serviços de carpinteiros, ferreiros e também os de pedreiros, “[...] a herança colonial escravista influenciou preconceituosamente as relações sociais e a visão da sociedade sobre a educação e a formação profissional” (BRASIL, 1999, p. 6). A realidade educacional reforçava uma nítida ideia de divisão entre teoria e prática. Apresentava-se aí uma dualidade educacional. Para os ricos, o trabalho de supervisão e planejamento, para os pobres, a execução manual. A elite secundarizava a educação popular de ofícios, valorizando apenas a aprendizagem intelectual preparatória para o ingresso no Ensino Superior, apontando uma divisão de classes também em relação à escolarização. A ideia, ainda hoje forte, de que o trabalho do espírito ou o trabalho intelectual é superior ao trabalho material não é algo natural e eterno, mas é produto de determinadas relações sociais historicamente determinadas pelos seres humanos. (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 49) A partir dessa identificação de divisão de classes por progressistas, especialmente por meio do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova1 em 1932, buscou-se uma superação dessas contradições na direção da universalização do ensino de forma que todos tivessem direitos educacionais igualitários, um ensino sem controle religioso e gratuito, que compreendesse como “[...] condições básicas para o exercício da cidadania, da educação, da saúde, do bem - estar econômico e a profissionalização” (BRASIL, 1999, p. 6). Tais reivindicações por parte dos progressistas acabaram por influenciar, mesmo que minimamente, outra mudança importante no Ensino Médio instituída pela Reforma Capanema, em 1942. 1 Documento escrito por 26 professores que apontava diretrizes para a educação buscando a universalização do ensino público gratuito e laico para todos (AZEVEDO et al., 2006). 24 Essa reforma foi a responsável por introduzir “[...] padrões de organização e disciplina do espírito fabril para o fortalecimento da nacionalidade” (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 14), além de deslocar o ensino profissionalizante também ao nível médio, consolidando esse tipo de educação, que antes era restrita ao Ensino Fundamental. A Reforma Capanema ou Leis Orgânicas foram uma série de decretos instituídos (4.244/42 – ensino secundário; 4.073/42 – ensino industrial; 6.141/43 – ensino comercial; 8.529/46 – ensino primário; 8.530/46 – ensino normal e 9.613/46 – ensino agrícola) que visavam atender os interesses dos trabalhadores e das empresas. Entre outras coisas, reorganizou o ensino em primário, secundário ginasial e colegial e secundário técnico. O ensino secundário ginasial (que corresponde na atualidade ao ensino fundamental II) tinha duração de quatro anos e o colegial (correspondente ao ensino médio) era dividido em científico (Ciências Exatas e Naturais) e clássico (Ciências Humanas e Letras), com duração de três anos, correspondente ao ensino médio atual (BRASIL, 1942a). A educação profissional, técnica, industrial ou artesanal era considerada “[...] o ramo de ensino de grau secundário, destinado à preparação profissional dos trabalhadores da indústria e das atividades artesanais, e ainda dos trabalhadores dos transportes, das comunicações e da pesca” (BRASIL, 1942a). O ensino secundário industrial, que poderia ser na área comercial, agrícola ou industrial era dividido em ciclos: o primeiro, abrangendo um curso básico de formação com quatro anos de duração (Ensino Fundamental II) e o segundo ciclo, com duração de três anos compreendendo cursos mais específicos de acordo com a área de ensino. Nessa forma de divisão, o acesso ao ensino secundário colegial ainda mantinha um alto grau de complexidade, por meio de exames extremamente exigentes, ou seja, os mais pobres continuavam encontrando dificuldades para ingressar nesse nível de ensino. A entrada no ensino secundário técnico era mais facilitada a essa população, justamente pela baixa exigência nos exames de aprovação. Entretanto, não dava acesso total ao ensino superior, algo que estava ligado aos cursos clássicos e científicos (cursos colegiais), ou seja, havia uma “[...] restrição indiscriminada do acesso aos cursos de nível superior” (SANTOS, 2006, p. 29). Apesar das reformas, mais uma vez notava-se a facilidade de acesso à continuidade dos estudos para os ricos e complicações do prosseguimento das 25 aprendizagens educacionais às quais os pobres eram submetidos, transtornos estes que, além de ocorrer na conclusão do ensino primário, também se estendiam para o ensino secundário e superior. As reformas Francisco Campos (1931) e Capanema (1942) deixaram ainda mais evidentes essa desigualdade acentuada no Ensino Médio que, para os pobres destinava-se exclusivamente ao ensino profissionalizante para a inserção no mercado de trabalho, com cursos voltados para a área rural, comercial e agrícola, que não davam acesso ao ensino superior (KUENZER, 2009). Para a elite, percorria a trajetória de “[...] ensino primário seguido pelo secundário propedêutico, completado pelo ensino superior, este sim dividido em ramos profissionais” (KUENZER, 2009, p. 27). Essa divisão de classes para o acesso aos saberes acabava por refletir numa divisão social do trabalho, em que os pobres exerciam os trabalhos braçais/manuais, enquanto a elite se ocupava dos trabalhos ditos intelectuais, em cargos como advogados, políticos, médicos e engenheiros. No decorrer dos séculos, as instituições de Ensino Profissional receberam inúmeras denominações, Escolas de Aprendizes Artífices (1909), Liceus Profissionais (1937), Escolas Industriais e Técnicas (1942), Escolas Técnicas Federais (1959), Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs, 1978). Essas alterações nominais e reformas educacionais instituídas não superaram as contradições existentes nesse tipo de ensino como o custo elevado, se comparado a outras instituições públicas, a extensa duração dos cursos que não atendiam as perspectivas da esfera de produção e a opção de grande parte dos alunos de dar prosseguimento aos estudos, ingressando em instituições superiores ao invés de inserir-se no mercado de trabalho. Mesmo em meio a essas diversas contradições e reformas educacionais (Francisco Campos – 1931; Capanema – 1942), o principal foco do ensino profissional permanecia o mesmo: a formação/qualificação do trabalhador. Todavia, nem sempre essa formação para o trabalho se dava de forma efetiva, [...] a realidade das escolas era de mestres despreparados, devido principalmente à excessiva liberdade que os programas educativos conferiam aos diretores; isso gerou um mau funcionamento das escolas, transformando-as em simples escolas primárias em que se fazia alguma aprendizagem de trabalhos manuais. (GONÇALVES et al., 2013, p. 28) 26 Apesar disso, não havia documento que direcionasse o ensino de ofícios, algum currículo que orientasse a aprendizagem das diferentes atividades ofertadas. De um lado, os professores não tinham o conhecimento técnico necessário para o ensino dessas atividades, do outro, os mestres das fábricas detinham o saber profissional, mas tinham dificuldade para transmitir seus conhecimentos. “Assim, pressupõe-se a fragilidade de uma possível articulação interdisciplinar dos conteúdos de natureza propedêutica com a aprendizagem do ofício” (GONÇALVES et al., 2013, p. 30). Mesmo com a promulgação da Portaria de Consolidação dos Dispositivos Concernentes às Escolas de Aprendizes Artífices em 1926, que padronizou os currículos para o ensino profissional e, apesar da intenção de formação e melhoria da qualidade do trabalhador, as escolas profissionalizantes tinham “[...] seu rendimento extremamente baixo, resultado das precárias condições de vida dos alunos e suas famílias: a evasão era alta e a qualidade do ensino, precária” (CUNHA, 2005b, p. 35). Sendo assim, dadas as condições de ensino e aprendizagem, é possível afirmar que a qualificação dos jovens para a atividade produtiva não ocorria de forma eficiente, o que resultou em trabalhadores despreparados. Essa busca pelo ensino de qualidade, tanto na educação profissional quanto na propedêutica, ocorre até hoje, visto os resultados abaixo do esperado em avaliações de larga escala, em especial no Ensino Médio. Nesse sentido de busca de melhoria da qualidade educacional, especialmente após a promulgação da LDB 4.024/1961, que apontava a obrigatoriedade do ingresso escolar a partir dos sete anos em nosso país (BRASIL, 1961), outras leis exerceram papéis importantes ao fundamentar os princípios básicos da educação, sobretudo nas regulamentações do Ensino Médio e do Ensino Técnico Profissional. Para a idealização dessas leis, inúmeras discussões e questionamentos perpassaram as relações entre o Ensino Médio e o Ensino Profissional, os conflitos pautavam-se especialmente na ideia de que um ensino que oferecesse, ao mesmo tempo, disciplinas regulares (com foco na preparação para o vestibular) e profissionais (com foco na preparação para a profissionalização), não exerceria bem nenhuma das funções (CUNHA, 2005b). Além disso, os alunos poderiam optar pela sequência dos estudos no ensino superior e não necessariamente pela inserção no 27 mercado de trabalho, o que, de fato, acontecia e era considerada uma contradição para um ensino profissional. O intuito de muitos estudantes ao almejarem um diploma do curso técnico era [...] um emprego remunerado que apoiasse as tentativas de ingressar num curso superior, e, posteriormente, manter os estudos. No caso do fracasso nos vestibulares, uma carreira profissional já estava sendo seguida (CUNHA, 2005b, p. 144). Essa trajetória de desconfianças, rupturas e retomadas em relação ao ensino profissional teve início com discussões entre duas correntes de pensamentos diferentes: a primeira defendia a habilitação profissional compulsória e a segunda condenava essa especialização precoce nesse modelo de formação (CUNHA, 2005b). Para romper com a dualidade histórica de ensino profissional para os pobres e propedêutico para os ricos, ou “[...] conter a demanda de candidatos para o ensino superior, de modo a encaminhá-los para um mercado de trabalho supostamente carente de profissionais habilitados [...] (CUNHA, 2000, p. 54), prevaleceu a primeira linha de pensamento com a obrigatoriedade da habilitação profissional para todos, prevista na LDB 5.692/71, objetivando a formação de aptidões nas séries iniciais e preparação técnico-profissional nas séries finais (BRASIL, 1971). Essa imposição teve como consequência “[...] não produzir nem a profissionalização nem o ensino propedêutico, tendo em vista o fracasso da política educacional imposta” (SANTOS, 2011, p. 219), com escassez de recursos e baixa qualificação dos profissionais de ensino. Tal obrigatoriedade foi flexibilizada consolidando-se na Lei nº 7.044/82 que apresentava não mais uma compulsória qualificação para o trabalho, mas uma preparação opcional dos estabelecimentos de ensino (BRASIL, 1982). Compartilhando desse mesmo pensamento de não obrigatoriedade da habilitação para o trabalho, em 1996 houve a aprovação da LDB 9394/96 que apresentava o acesso à educação profissional como um direito e não um dever (BRASIL, 1996), todavia, a partir da aprovação da LDB iniciou-se “[...] um movimento de reformas na educação brasileira, que tomou corpo mediante as regulamentações posteriores realizadas na estrutura educacional” (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 16). Apesar da LDB 9394/96 apontar que esse nível de ensino poderia preparar profissionalmente os adolescentes se atendesse a formação geral do aluno, abrindo possibilidade para o ensino médio integrado, o Decreto nº 2.208/97 (governo de 28 Fernando Henrique Cardoso) veio dificultar a realização dessa modalidade, retomando a “[...] concepção taylorista/fordista que supõe a ruptura entre o saber acadêmico, desvalorizado por não ser prático, e o saber para o trabalho, desvalorizado por não ser teórico” (IVERS, 2000, p. 69). Respaldado nos fatos de que a modalidade integrada era de alto custo e baixo retorno ao mercado de trabalho, de que dessa maneira o ensino profissional seria procurado apenas por jovens que tivessem “[...] efetivo interesse na profissionalização para emprego imediato” (CUNHA, 2000, p. 56), e não pelos que também buscavam um ensino propedêutico de qualidade. Esse decreto (2.208/97) apontava para a obrigatoriedade da separação entre o ensino médio e o profissional, no entanto, a opção pela realização dos estudos da área técnica de forma concomitante ao ensino médio ainda era permitida. Nesse sentido, a organização curricular do ensino técnico não teria vínculo com a etapa da educação básica e a formação mais ampla (geral/técnica) que poderia atender as diferentes exigências da organização produtiva, contribuindo de maneira mais eficaz para a formação do trabalhador, acabou sendo desconsiderada (IVERS, 2000). Nessa separação, fica evidente a maior importância dada à preparação do trabalhador (habilidades e competências técnicas) em detrimento de uma possível formação geral incorporada numa mesma modalidade de ensino. A qualificação profissional, sob esse ponto de vista, é entendida de forma individual, aquela em que o desenvolvimento do domínio técnico se sobrepõe às possibilidades de desenvolvimento das habilidades intelectuais. Além da divisão entre o ensino médio propedêutico e o ensino profissional, o decreto 2.208/97 também dividiu a educação profissional em níveis (Básico – qualificação e reprofissionalização; Técnico – habilitação profissional e Tecnológico - superior). Em 1998, no governo Fernando Henrique, foram publicadas as primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 1998a) e, em 1999, as Diretrizes para a Educação Profissional de Nível Técnico (BRASIL, 1999), apoiadas também no decreto 2.208/97 e com “[...] orientações explícitas de como deveria ser pensada e conduzida a ação educacional nas escolas” (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 11). Complementam essas publicações os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2000) e os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico (2000). 29 As Diretrizes para o ensino profissional não faziam menção à modalidade de ensino integrada, mas traziam as áreas profissionais possíveis de serem ofertadas de forma concomitante ou subsequente, a carga horária mínima, e as competências a serem adquiridas, com vistas a “[...] garantir ao cidadão o direito ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social” (BRASIL, 1999, p. 1). Figura 1. Diferença entre os cursos concomitante, subsequente e integrado Fonte: Portal da Pró-reitoria de Ensino (PRE) do IFSP Essa negação do ensino técnico integrado ao médio e valorização do ensino profissional de outras formas, concomitante (para estudantes do segundo ou terceiro ano do ensino médio) e subsequente (para concluintes do ensino médio) serviu como base para a criação de duas ações políticas diretamente relacionadas à formação/qualificação dos trabalhadores e que perduraram entre os anos de 1997 e 2003, o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR) e o Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP). O PLANFOR foi uma ação instituída em 1996, visando o acesso mais democrático da classe trabalhadora à qualificação profissional e o PROEP, foi criado em 1997 com o intuito de ampliar as atividades de formação inicial e continuada, qualificando os trabalhadores, além de investir em construção e reforma das 30 unidades de ensino técnico, ações estas públicas e gratuitas, destinadas, entre outros, aos jovens de 16 a 24 anos. Frigotto e Ciavatta (2003) fazem severas críticas a essas ações apontando que os cursos disponibilizados eram [...] descontextualizados de uma política de desenvolvimento, geradora de trabalho, emprego e renda e de políticas sociais que sinalizassem a melhoria de vida da população e a mudança de rumo na falta de perspectiva para os jovens e adultos desempregados. (p. 57-58) Assim, apesar da boa intenção de capacitação e qualificação profissional da população, as tendências do mercado de trabalho não eram as mesmas ofertadas nesses cursos, o que era um contrassenso. Ou seja, em muitos momentos havia uma preparação para um mercado inexistente, o que não alterava a situação de desemprego das pessoas que buscavam uma rápida qualificação para a inserção imediata no mercado de trabalho. As discussões sobre as relações do ensino médio com a educação profissional foram intensas de 2003 a 2004. A perspectiva educacional defendida era a politécnica, envolvendo “[...] o domínio dos conhecimentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno” (SAVIANI, 2003, p.140). O ponto de vista pautado pela politecnia discordava da divisão ensino profissional (manual) e ensino propedêutico (intelectual), apontando que ambos estão interligados, assim, propunha a aprendizagem de diversas técnicas, mas não de forma fragmentada (SAVIANI, 2003). Todavia, essa concepção esbarrou em dificuldades de implantação especialmente por conta da desigualdade social. Nesse sentido, a opção viável passou a ser a “integralidade da educação básica” (BRASIL, 2007b), articulando os conhecimentos científicos aos da formação profissional. Assim, em 2004, após a mudança de governo (de Fernando Henrique Cardoso para Luiz Inácio Lula da Silva) e com a aprovação do Decreto nº 5.154/04, o ensino médio integrado voltou a aparecer no cenário educacional. Tal decreto, [...] além de manter as ofertas dos cursos técnicos concomitantes e subsequentes trazidas pelo Decreto nº 2.208/97 teve o grande mérito de revogá-lo e de trazer de volta a possibilidade de integrar o ensino médio à educação profissional técnica de nível médio. (BRASIL, 2007b, p. 24) 31 É possível perceber que o ensino médio profissional foi percorrendo trajetórias de rupturas e retomadas, iniciada pela LDB de 1961 até chegar a uma política de incentivo à educação profissional de forma integrada, amparada pelo decreto lei 5.154/04. Quadro 1. Regulamentações que influenciaram as relações entre o ensino profissional e o ensino médio LEI GOVERNO PRINCÍPIOS LDB nº 4.024/1961 João Goulart Ensino técnico de grau médio (industrial, agrícola e comercial) com duração de dois ciclos (um de quatro e outro de três anos). LDB nº 5.692/1971 Emílio Garrastazu Médici Ensino profissional compulsório tanto no 1º quanto no 2º grau. Lei nº 7.044/82 João Figueiredo Ensino profissional opcional às instituições de ensino. LDB nº 9394/1996 Fernando Henrique Cardoso Ensino profissional como um direito e não um dever e viabilidade do ensino técnico integrado ao médio. Decreto nº 2.208/1997 Fernando Henrique Cardoso Obrigatoriedade da separação entre o ensino profissional e o ensino médio. Decreto n° 5.154/2004 Luiz Inácio Lula da Silva Articulação entre a educação profissional técnica e o ensino médio (ensino técnico integrado ao médio). Fonte: Elaborado pela autora a partir das leis nº 4.024/1961; 5.692/1971; 7.044/1982; 9.394/1996; e decretos nº 2.208/1997 e 5.154/2004. Nos governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016), os cursos técnicos integrados ao ensino médio tiveram grande apoio federal. O novo cenário trouxe boas perspectivas em relação à melhoria da qualidade da educação e gratuidade do ensino profissional e, com a elaboração do Documento Base da educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio, em dezembro de 2007, essa modalidade de ensino passou a receber ainda mais apoio, sendo reconhecida e valorizada “[...] pelo fato de ser a que apresenta melhores resultados pedagógicos” (BRASIL, 2007b, p. 4). Tal documento apontava concepções, princípios e fundamentos para que se concretizasse, de fato, um ensino médio integrado ao técnico. 32 [...] o que se quer com a concepção de educação integrada é que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos processos educativos como a formação inicial, como o ensino técnico, tecnológico ou superior. (BRASIL, 2007b, p. 41) Entre as ações em destaque propostas no referido documento, podemos citar a reconstituição do quadro de docentes efetivos, além de programas de formação pedagógica para os professores da área técnica (bacharéis) e capacitações que contemplavam “[...] a educação profissional e suas relações com a educação básica” (BRASIL, 2007b, p. 33), bem como o incentivo à formação continuada. A formação pedagógica e os incentivos à formação continuada são algo que, aparentemente, é estimulado nos IFs, visto as diversas portarias2 anuais de afastamento remunerado para qualificação e a oferta de formação pedagógica à distância para docentes sem licenciatura. Esse afastamento para qualificação (mestrado/doutorado) acontece por meio de divulgação de portaria específica, que institui o número de vagas disponíveis para concorrência, sendo os critérios de pontuação a fase do trabalho (matrícula/ disciplinas cursadas/ fase de qualificação/ fase de defesa) e o tempo de serviço no serviço público federal. Em relação às políticas públicas que foram instituídas no sentido de reformular a educação profissional e o ensino médio propedêutico nos governos Lula e Dilma, merecem destaque o Programa Brasil Profissionalizado (2007a), Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI, 2009), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE)/Conselho de Educação Básica (CEB) nº 02/2012) e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (Resolução CNE/CEB nº 6/2012). O Programa Brasil Profissionalizado, estabelecido por meio do Decreto nº 6.302/2007, subsidiava financeiramente propostas que contemplassem ações relacionadas ao desenvolvimento do ensino médio de forma integrada ao ensino profissional. O PROEMI, instituído pela Portaria nº 971, de 09/10/2009, incentiva uma reorganização curricular e a ampliação da carga horária de estudos para 3.000 mil 2 Portaria 1.722, de 05 de maio de 2016. Portaria 4.253, de 29 de setembro de 2016. Portaria 1.637, de 27 de abril de 2017. 33 horas anuais, propondo a construção coletiva de um currículo que atenda as necessidades e interesses dos jovens e que contribua de forma significativa para a aprendizagem desses alunos (BRASIL, 2009). Já o PRONATEC, firmado pela Lei 12.513/2011, tem o objetivo “[...] ampliar a oferta de educação profissional e tecnológica, por meio de programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira” (BRASIL, 2011, p. 1). Diferentemente do Programa Brasil Profissionalizado, o PRONATEC não se restringia ao ensino médio integrado, abrangendo a educação profissional de forma mais ampla. Atualmente, as principais influências na organização curricular do ensino propedêutico e profissional no Brasil se estabelecem por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2012) e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (2012). As Diretrizes para o ensino médio (atualização das diretrizes de 1998) tratam, entre outras coisas, do referencial legal e conceitual, da organização curricular e formas de oferta, e dos fundamentos para a construção do projeto político pedagógico das escolas (BRASIL, 2012a), nessas diretrizes, a educação não mais se apresenta subordinada às habilidades profissionais para o trabalho. Nas Diretrizes para o ensino profissional de nível médio, “[...] as competências foram descritas como desempenhos operacionais, sugerindo, indiretamente, a transposição de situações de trabalho para o currículo” (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 24). Além disso, as diretrizes reafirmam a possibilidade da articulação do ensino profissional ao ensino médio nas formas subsequente, concomitante e integrada, apontando a organização dos cursos por eixos tecnológicos e, entre outros, o princípio de “[...] relação e articulação entre a formação desenvolvida no Ensino Médio e a preparação para o exercício das profissões técnicas, visando à formação integral do estudante” (BRASIL, 2012b, p. 22), expresso no Art. 6º dessas diretrizes. Essas concepções de educação passaram a servir de base para a elaboração de currículos, propondo uma organização mais atrativa aos jovens, mais igualitária e diversificada, numa aproximação com o mundo do trabalho que buscava atender os interesses desses estudantes e superar as inúmeras dificuldades encontradas nesse nível de ensino, especialmente a evasão, a repetência, e as baixas notas obtidas nas avaliações de larga escala. 34 1.2 Contexto histórico e educacional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e mais outros 37 IFs foram instituídos pela Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Outros dois CEFETs (Minas Gerais e Rio de Janeiro) não adotaram a transformação em IF almejando se tornarem Universidades Tecnológicas Federais. A referida lei em seu art. 6º, inciso I aponta como características e finalidades dessas instituições: [...] ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional. (BRASIL, 2008b, p. 2) A rede federal de educação profissional e tecnológica tem autonomia “[...] administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar” (BRASIL, 2008b, p. 1) e está presente em todos os estados brasileiros, além do Distrito Federal (644 unidades e 41 IFs). Organizada em estrutura multicampi, oferece o ensino gratuito de cursos técnicos, de qualificação, cursos superiores em tecnologia, licenciaturas, além de cursos de pós-graduação e de Ensino a Distância (EAD). Os IFs possuem algumas semelhanças com as Universidades Federais, pois também oferecem o ensino superior (licenciaturas/tecnólogos e engenharias) e focam na tríade ensino, pesquisa e extensão. Todavia, a oferta dos cursos técnicos diferenciam tais instituições, ou seja, o principal foco dos institutos ainda é a formação técnica/tecnológica. Sendo assim, a atual política educacional dos IFs destina 50% de suas vagas para os cursos técnicos, um mínimo de 20% para cursos de licenciatura, 10% para o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade Jovens e Adultos (PROEJA)3 e o restante para cursos superiores de tecnologias e engenharias. A partir de 2011, a expansão dos Institutos ocorreu de forma expressiva. Em 2010, eram 356 unidades, em 2016, o aumento foi de mais de 55%, chegando às atuais 644 unidades no Brasil. A expectativa era de continuidade progressiva da expansão dos IFs, todavia, com a queda do governo Dilma, houve uma desaceleração da propagação dessas instituições. 3 Dados obtidos no site do IFSP. Disponível em: http://www.ifsp.edu.br/index.php/instituicao/ifsp.html Acesso em: 10 jan. 2017. http://www.ifsp.edu.br/index.php/instituicao/ifsp.html 35 Figura 2. Expansão dos Institutos Federais – em unidades Fonte: Portal da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, jan. 2017. Alguns estados possuem mais de uma reitoria para administrar os diferentes campi (representadas por diferentes cores na figura 3), como é o caso da Bahia, de Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, sendo que Minas Gerais (MG) é o estado com o maior número de reitorias (5) e campus (56)4. Essa divisão em mais de uma reitoria é algo considerado bom, visto a grande quantidade de campi em cada estado, mas, ao mesmo tempo, gera disputas por verbas para melhorias especialmente da infraestrutura e compra de material permanente, bem como por código de vagas para contratação de docentes. Além da identificação dos estados com mais de uma reitoria, é possível constatar no mapa que muitas unidades dos IFs foram instaladas também em cidades do interior e não somente nas capitais do país. 4 Dados obtidos pelo cruzamento de informações contidas no site da rede federal de educação. Disponível em: http://redefederal.mec.gov.br/instituicoes. Acesso em: 10 jan. 2017. http://redefederal.mec.gov.br/instituicoes 36 Figura 3. Mapa dos Institutos Federais no Brasil Fonte: Portal da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, jan. 2017. Os IFs, ao ofertarem o ensino gratuito e terem o trabalho como princípio educacional,oportunizam, nos cursos integrados, uma formação conjunta básica/profissional, preparando os estudantes para o prosseguimento dos estudos, mas também para a inserção no mundo do trabalho. Além disso, possibilitam o acesso à escolarização, seja formação inicial, continuada ou qualificação profissional (cursos de curta duração) de jovens e adultos que, por diversas razões, não concluíram o ensino fundamental ou médio na idade certa (BRASIL, 2008b). As unidades dos IFs no interior dos diversos estados ampliam o acesso da população a um ensino considerado de qualidade e, de certa forma, buscam romper com a divisão histórica de acesso aos saberes educacionais entre a elite e as camadas populares. Se antigamente o ensino profissional era desvalorizado e quase que exclusivamente destinado às camadas populares, nesse novo cenário integrado ao médio, as escolas federais passam também a ser desejadas pelos ricos da 37 sociedade, que reconhecem um ensino de boa qualidade nessas instituições. De acordo com Castro (2008), [...] diante da escassez de escolas acadêmicas públicas e gratuitas, essas escolas foram cooptadas pelas elites brasileiras que nelas viam uma forma eficaz e barata de preparar-se para os vestibulares mais competitivos. [...]. Os alunos que passavam nos ‘vestibulinhos’ vinham de classes sociais que não tinham interesse algum na formação profissional oferecida. (p. 121) Diante disso, possivelmente, muitos jovens carentes que procuravam ter acesso aos IFs em busca de melhores condições e chances de ingressar no mercado de trabalho acabavam não adentrando esse contexto escolar, ou seja, na prática, as escolas federais “negavam o acesso àqueles de classe mais modesta que se interessariam pelas profissões técnicas ensinadas, ao mesmo tempo em que dava acesso a uma elite apenas interessada nos vestibulares” (CASTRO, 2008, p. 121). Assim, uma escola apenas propedêutica, sem a integralidade com a área técnica já atenderia às demandas dessa população, não justificando a existência do ensino integrado, ou seja, tais situações demonstram algumas contradições entre o que se pensava efetivar e o que, de fato, se concretizou nessas escolas. Atualmente, a política de ingresso dos IFs (Lei nº 12.711/2012, Decreto n° 9.034, de 20 de abril de 2017 e Portaria Normativa nº 09, de 05 de maio de 2017), sinaliza algumas conquistas nesse sentido, destinando 50% das vagas aos jovens que cursaram todo o ensino fundamental em escolas públicas, de baixa renda e/ou negros, pardos ou indígenas e pessoas com deficiência, divididas em 8 tipos de listas que combinam esses critérios de distribuição das vagas. Nesse sentido, as vagas da Lista 1 são para aqueles jovens que estudaram somente em escolas públicas e possuem baixa renda; Lista 2 são jovens que estudaram integralmente em escolas públicas, baixa renda e autodeclarados preto, pardos ou indígenas; Lista 3 para aqueles que estudaram somente em escolas públicas; Lista 4 para aqueles que estudaram somente em escolas públicas e autodeclarados preto, pardos ou indígenas; Lista 5 para jovens que estudaram integralmente em escolas públicas, baixa renda e pessoa com deficiência; Lista 6 para jovens que estudaram integralmente em escolas públicas e pessoa com deficiência; Lista 7 para aqueles que estudaram somente em escolas públicas, baixa renda, autodeclarados preto, pardos ou indígenas e pessoa com deficiência; por fim, 38 a Lista 8 para aqueles que estudaram somente em escolas públicas, autodeclarados preto, pardos ou indígenas e pessoa com deficiência (BRASIL, 2017b). Quadro 2. Distribuição das vagas nos cursos dos Institutos Federais Total de vagas Ampla concorrência Lista 1 Lista 2 Lista 3 Lista 4 Lista 5 Lista 6 Lista 7 Lista 8 32 16 3 2 3 2 2 2 1 1 35 17 3 3 3 3 2 2 1 1 40 20 4 3 4 3 2 2 1 1 80 40 10 5 10 5 3 3 2 2 Fonte: Edital nº 744 (BRASIL, 2017b). Tal política de acesso demonstra preocupação com as desigualdades econômicas, raciais e sociais, vindo ao encontro do que se espera de uma instituição pública que valoriza os cidadãos e reconhece a educação como um direito de todos. Além dessa ação afirmativa, os IFs, por meio do Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES (Decreto nº 7.234/2010), buscam subsidiar a permanência dos estudantes, diminuindo as taxas de retenção e auxiliando financeiramente os estudantes de baixa renda nas áreas de moradia, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, apoio pedagógico/participação de estudantes com deficiência (BRASIL, 2010). Aparentemente as incoerências sobre o acesso ao ensino destinado apenas à elite da sociedade estão sendo superadas nos IFs, porém, não é possível afirmar que os jovens que ingressam no ensino médio integrado ao técnico, independentemente de renda, classe social ou raça, buscam efetivamente a inserção imediata no mercado de trabalho, se buscam essa inserção para financiar os estudos de graduação ou se tal procura pauta-se exclusivamente na preparação para vestibulares e ingresso no ensino superior gratuito. 1.2.1 O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP Especificamente em São Paulo (SP), que é o foco do nosso estudo, o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do IFSP defende a missão de “[...] construir uma práxis educativa que contribua para a inserção social, para a formação integradora e para a produção do conhecimento” (SÃO PAULO, 2014a, p.19). 39 O IFSP oferta uma infinidade de cursos de formação (inicial/continuada), qualificação profissional, educação profissional de jovens e adultos (EJA), nível médio, graduação, licenciaturas, bacharelados e todos os níveis de pós-graduação, numa educação voltada para o ensino profissional articulando trabalho, ciência, tecnologia e cultura, “[...] tentando estabelecer o diálogo entre os conhecimentos científicos, tecnológicos, sociais e humanísticos e conhecimentos e habilidades relacionadas ao trabalho” (SÃO PAULOa, p. 157), visando combater, ou ao menos, minimizar as desigualdades sociais do país. No estado de SP, a expansão foi significativamente maior entre os anos de 2003 e 2010, com a criação de 18 campi. O cronograma de expansão previsto no PDI era que, até o final de 2015, o IFSP contasse com 56 unidades, o que não se concretizou. Figura 4. Mapa dos Campi do IFSP. Fonte: Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle - SIMEC/ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE/ Pró-reitoria de Ensino - PRE, fevereiro 2016. 40 No panorama dos governos Lula e Dilma, além da intenção clara de expansão dos IFs, prevista no PDI, havia forte interesse na ampliação de vagas da educação profissional, principalmente dos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, que propõem educação geral e profissional como indissociáveis, possibilitando ao aluno obter dois certificados simultaneamente: do Ensino Médio (formação básica) e do Ensino Técnico (formação específica), preparando os jovens para a inserção no mundo do trabalho (BRASIL, 2004). É possível, segundo Ramos (2010), que o crescente interesse dos governos Lula e Dilma pelo Ensino Médio estivesse pautado na crise do mesmo e na grande preocupação com essa etapa da educação, considerando os baixos escores nas avaliações de larga escala, com resultados longe do esperado, nas disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa, além do grande desinteresse dos alunos associado aos altos índices de evasão escolar. Grande parte dos estudantes valoriza o trabalho em detrimento da educação e, possivelmente, a formação com a perspectiva voltada também para a vida profissional, poderia reduzir os índices de evasão, pois “[...] corresponde ao reconhecimento das necessidades concretas dos jovens brasileiros, de se inserirem no mundo do trabalho” (RAMOS, 2010, p. 43). Podemos supor que, com as políticas de incentivo para o ensino profissional de forma integrada ao ensino médio na rede federal, a qualidade da educação seja melhorada, algo que parece estar acontecendo, ainda que tal referência se dê somente com base nas notas do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM 2014/2015/5 e Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA 20156. Entretanto, essas notas ainda são consideradas baixas para o que se espera dos alunos concluintes da última etapa da educação básica segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), especialmente nas áreas de Linguagens e Matemática. Aliado a isso, as expectativas desses programas de formação ainda se assentam na preparação da mão de obra para o mercado de trabalho, atendendo aos interesses econômicos. Isso parece estar explicitado na organização didática do IFSP, apoiando-se na Lei 11.892/2008 ao apontar como finalidade da educação 5 Portal INEP - ENEM por escola. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/enem-por-escola Acesso em: 10 jan. 2017. 6 Portal INPEP – Brasil no PISA 2015. Disponível em: http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015/pisa2015_completo_final_baix a.pdf. Acesso em: 10 jan. 2017. http://portal.inep.gov.br/web/guest/enem-por-escola http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015/pisa2015_completo_final_baixa.pdf http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015/pisa2015_completo_final_baixa.pdf 41 profissional “[...] a atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional” (SÃO PAULO, 2013a, p. 6). No IFSP, a modalidade de Ensino Técnico integrado ao Médio ganhou força com o parecer CNE/CEB nº 12/2011 e a aprovação pelo Conselho Superior (CONSUP) do IFSP, resultando no acordo de cooperação entre a rede federal e a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP). Isso se deu por meio da Resolução nº 564 de 26 de março de 20127, que tinha por objetivo a ampliação da oferta dessa modalidade de ensino. Tal acordo de cooperação era previsto na Lei nº 11.741/2008, em seu art. 36º: Parágrafo único. A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional. (BRASIL, 2008a) Nessa parceria, inicialmente, foram ofertadas 1.600 vagas no ano de 2012 em 21 campi e os alunos realizavam as disciplinas regulares (Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Matemática, Física, Química, Biologia, História, Geografia, Sociologia, Filosofia, Educação Física e Arte) nas escolas estaduais e as disciplinas técnicas eram cursadas nas escolas federais. Entretanto, houve críticas a esse acordo, pois, apesar de atender a função social a que se propunha o IFSP, “[...] para os mais críticos, isso foi entendido como abandono do Instituto do seu projeto de oferecimento de cursos integrados próprios e um descumprimento da lei de formação dos institutos” (SÃO PAULO, 2014a, p. 47). Essa visão de abandono do ensino na modalidade integrada, aos poucos foi perdendo força devido à proximidade do encerramento do acordo de cooperação com a SEE/SP que era previsto para até o final de 2016. A expansão do ensino na modalidade integrada iniciou-se a partir de 2015 com a ampliação do número de campi, ofertando cursos técnicos integrados ao Ensino Médio próprios da rede federal, com duração de três ou quatro anos. Antes, essa oferta era exclusividade de alguns poucos campi mais antigos do IFSP, São Paulo, Cubatão, Sertãozinho, Bragança Paulista, Salto e São João da Boa Vista. 7 Aprova o acordo de cooperação nº 002/11 celebrado entre o IFSP e a SEE/SP com vista a ampliar a oferta da Educação Profissional articulada ao Ensino Médio. 42 No ano de 2015, apenas 9 campi do IFSP ofertavam os cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, com formação básica (disciplinas gerais e parte diversificada) e formação específica (disciplinas profissionalizantes/técnicas), ocorrendo de forma simultânea nos IFs. Em 2016, esse número avançou para 23, agora em 2017, já são 33 campi que disponibilizam 21 tipos diferentes de cursos técnicos integrados ao ensino médio, sendo que apenas os campi de Ilha Solteira, São Miguel Paulista e Sorocaba ainda não ofertam essa modalidade de ensino. Gráfico 1. Expansão do ensino técnico integrado ao médio no IFSP (2014-2017) Fonte: Dados obtidos pelo cruzamento de informações no site do IFSP. A ampliação do número de campi, associada ao aumento expressivo da quantidade de vagas ofertadas a essa modalidade integrada (realizada exclusivamente pelos Institutos Federais), que para ingresso no primeiro semestre do ano de 2015 foram de 1.280 vagas, em 2016, o total de 2.138, 2017 pouco mais de 3.000 e em 2018 mais de 3.340 vagas8, comprova o grande interesse do governo no Ensino Técnico integrado ao Médio. Com o aumento de vagas e diversidade de cursos, também cresceu o interesse dos jovens pelo Ensino Médio na rede federal, que, para ingresso no ano de 2017 chegou a mais de 12 mil candidatos. A seleção dos alunos para ingresso nos cursos técnicos até 2016 ocorreu por meio de vestibular (processo seletivo por meio de empresa contratada por licitação). 8 Dados obtidos pelo cruzamento de informações candidato/vaga - 2015/2016. Disponível em: http://www.ifsp.edu.br/index.php/processo-seletivo/cursos-tecnicos.html Acesso em: 10 jan. 2017. 0 5 10 15 20 25 30 35 Número de campi 2014 2015 2016 2017 http://www.ifsp.edu.br/index.php/processo-seletivo/cursos-tecnicos.html 43 No Ensino Superior, a forma de ingresso ainda ocorre pelo Sistema de Seleção Única (SISU), com base na nota do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ou processo seletivo interno caso as vagas não sejam totalmente preenchidas. Já os professores são contratados por meio de concurso público (docentes efetivos) ou processo seletivo (docentes substitutos). Diante desse quadro de ampliação de vagas, o governo federal abriu concurso público para o IFSP nos anos de 2014 e 2015, nomeando cerca de 500 novos docentes para as mais diversas áreas do conhecimento do ensino básico e profissional9. Entretanto, não podemos deixar de apontar que, com a mudança de governo, há muitas dúvidas sobre as consequências positivas ou negativas nos IFs, visto que, com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 241/206) que congela os gastos públicos, haverá um contingenciamento ainda maior de verbas e redução de repasses, situação que já vem ocorrendo desde 2016. De acordo com a portaria 1.291/13 (BRASIL, 2013), o Ministério da Educação (MEC) é responsável por alocar Art. 8º [...] os recursos destinados à manutenção de quadro de pessoal, estrutura organizacional e para as despesas correntes e de capital dos Institutos Federais, conforme parâmetros e orientações estabelecidos pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. (p.10) Atualmente, o que acontece é que, em muitos campi, a verba que está chegando é muito aquém do necessário para o pagamento das despesas, dos auxílios aos alunos, das refeições, entre outras coisas. Outro impacto da crise no Brasil que afeta diretamente os IFs refere-se à organização dos processos seletivos para ingresso de alunos, pois não haverá mais licitação para contratação de empresas, visando à diminuição de gastos. Dessa forma, surgiram inúmeras discussões para que os campi organizem o processo seletivo, com verbas próprias, a realização de um sorteio para a seleção dos ingressantes ou a análise do desempenho/histórico escolar dos candidatos, prevalecendo, para ingresso no segundo semestre de 2017 e início de 2018, a análise do histórico10. Além disso, com a crescente escassez de verbas podemos 9 Dados obtidos no site do IFSP. Disponível em: http://www.ifsp.edu.br/index.php/instituicao/ifsp.html Acesso em: 10 jan. 2017. 10 Edital nº 385/2017, de 29 de maio de 2017. http://www.ifsp.edu.br/index.php/instituicao/ifsp.html 44 supor que não haverá mais concursos para a contratação de novos docentes, o que impactará diretamente na abertura de novos cursos nas unidades dos IFs. Esse fato vem preocupando gestores e docentes, visto que tal situação (ingresso por meio de análise do histórico escolar) pode gerar maior evasão dos cursos. Entretanto, mesmo em meio a essa crise econômica, falta de verbas e dificuldades que muitos campi vêm enfrentando, há expectativa de abertura de novas unidades e novos cursos no estado de SP, mediante o aproveitamento de fila dos concursos anteriores para contratação de novos docentes. Para implantação dos IFs, as prefeituras (por meio de seus governantes) devem fazer um projeto demonstrando os benefícios que a instituição pode trazer para a cidade e região. A portaria nº 1.291, de 30 de dezembro de 2013 aponta em seu art. 3º inciso IV § 1º que “[...] a criação e o funcionamento de Campus, Campus avançado e Polo de Inovação estarão condicionados à autorização do Ministro de Estado da Educação” (BRASIL, 2013, p. 10). Além disso, a referida portaria também deixa claro que a implantação de novos campi se condiciona à capacidade da unidade a ser instalada, em relação ao quadro pessoal e estrutura organizacional, fora isso é preciso uma espécie de parceria em relação à cessão de terrenos para a construção da unidade, doação de prédios adequados ao funcionamento de uma instituição tecnológica ou acordos de cooperação. Os IFs devem atender as necessidades locais, dessa forma, os cursos técnicos/tecnológicos e superiores a serem ofertados são escolhidos por meio de audiência pública11, ou seja, deve ser realizado um levantamento de demanda por trabalhadores e a população participa dos debates, apontando os eixos tecnológicos e os cursos que melhor atendem às necessidades, já que o ensino profissional ofertado gera impactos à cidade como um todo. No site do MEC, é possível encontrar o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, que regulamenta a oferta deles no país. São 220 tipos que podem ser ofertados em diferentes regiões de todo o território nacional, segundo o Decreto 5.154/2004, nas modalidades concomitante, subsequente e integrada. Os cursos se enquadram em 13 Eixos Tecnológicos: Ambiente e Saúde (29 cursos), Controle e Processos Industriais (25 cursos), Desenvolvimento Educacional 11 Portaria 1.091, de 17 de março de 2015. Disponível em: http://www.ifsp.edu.br/participa/P1091_regulamentoAudienciaPublicaIFSP.pdf. Acesso em: 10 jan. 2017. http://www.ifsp.edu.br/participa/P1091_regulamentoAudienciaPublicaIFSP.pdf 45 e Social (10 cursos), Gestão e Negócios (17 cursos), Informação e Comunicação (9 cursos), Infraestrutura (17 cursos), Militar (34 cursos), Produção Alimentícia (8 cursos), Produção e Design (29 cursos), Produção Industrial (18 cursos), Recursos Naturais (15 cursos), Segurança (2 cursos) e Turismo, Hospitalidade e Lazer (7 cursos) 12. Em relação ao ensino técnico integrado ao médio do IFSP, no Eixo Tecnológico Controle e Processos Industriais, há oferta de oito cursos: Automação Industrial, Eletroeletrônica, Eletromecânica, Eletrônica, Eletrotécnica, Manutenção Automotiva, Mecânica e Mecatrônica. No Eixo Tecnológico Informação e Comunicação, há oferta de três cursos: Informática, Informática para internet e Redes de computadores. No Eixo Tecnológico Gestão e Negócios, há oferta dos cursos de Administração e Logística. No Eixo Tecnológico Turismo, Hospitalidade e Lazer há oferta de dois cursos: Eventos e Lazer. No Eixo Tecnológico Produção Alimentícia, há oferta dos cursos de Agroindústria e Alimentos. No Eixo Tecnológico Produção Industrial, há oferta dos cursos de Açúcar e álcool e Química. No Eixo Tecnológico Recursos Naturais, há oferta do curso de Agropecuária. Por fim, no Eixo Tecnológico Infraestrutura, oferta-se o curso de Edificações e no Eixo Ambiente e Saúde o curso técnico em Meio ambiente. O curso técnico integrado ao médio mais disponibilizado no IFSP é o de Informática, presente em 17 campi, sendo que em Cubatão e São Paulo os cursos são ofertados para duas turmas: noturnas e vespertinas, outros dois campi ofertam o curso de informática mais voltado especificamente para a internet. Pode-se supor que tal oferta pauta-se no crescente desenvolvimento da computação e intensa utilização das tecnologias ligadas à informática nos mais diversos setores do mercado de trabalho, bem como a consciência de que essa área é de grande interesse dos jovens. Apesar disso, o Eixo Tecnológico com maior quantidade de cursos diferentes disponíveis no IFSP é o de Controle e Processos Industriais que “[...] compreende tecnologias associadas à infraestrutura e aos processos mecânicos, elétricos e eletroeletrônicos, em atividades produtivas” (BRASIL, 2016, p. 43). Outros cursos em destaque encontram-se nesse eixo mais ofertado, que são os de Mecânica, Automação Industrial e Mecatrônica, ofertados em seis unidades. 12 Dados obtidos no site do Ministério da Educação, Catálogo Nacional de Cursos Técnicos. Disponível em: http://pronatec.mec.gov.br/cnct/eixos_tecnologicos.php. Acesso em 20 mar. 2016. http://pronatec.mec.gov.br/cnct/eixos_tecnologicos.php 46 Os campi possuem total liberdade para a criação e extinção dos cursos, como aponta o art. 2º § 3o da Lei nº 11.892/08, “os Institutos Federais terão autonomia para criar e extinguir cursos, nos limites de sua área de atuação territorial, bem como para registrar diplomas dos cursos por eles oferecidos” (BRASIL, 2008b). A criação dos cursos sé dá inicialmente mediante a construção coletiva (docentes e pedagogos) do projeto pedagógico do curso (PPC), o qual deve conter, entre outras coisas, o conjunto de disciplinas da base comum, da parte diversificada, parte profissionalizante e projeto integrador. Além disso, devem ser definidos os objetivos, a legislação de referência e a organização curricular (inclusive com o número de aulas semanais e o plano de ensino dos componentes curriculares). O PPC é enviado inicialmente à Pró-reitoria de Ensino para análise e avaliação e só após a aprovação de abertura do curso pelo CONSUP e depois da publicação de uma resolução que aprova o projeto e autoriza a implantação, começa a funcionar efetivamente. Já a extinção dos cursos pode ocorrer caso haja baixa procura, altos índices de evasão, nota abaixo de 2,0 na avaliação do MEC (no caso dos cursos superiores) ou diante da revisão das necessidades locais (SÃO PAULO, 2014a). A maioria dos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, ofertados pelo IFSP, é de duração de três anos, durante os quais os alunos permanecem na instituição em tempo integral. Somente os campi de Araraquara (Informática e Mecânica), Campinas (Eletrônica), Campos do Jordão (Edificações e Informática), Cubatão (Eventos e Informática), Itapetininga (Eletromecânica e Informática), Jacareí (Informática), Piracicaba (Informática e Manutenção Automotiva), São João da Boa Vista (Eletrônica e Informática), São Paulo (Eletrônica, Eletrotécnica, Informática e Mecânica) e Sertãozinho (Automação Industrial e Química) disponibilizam o curso com duração de quatro anos, apenas no período da manhã ou da tarde e não de forma integral13. Algumas peculiaridades podem ser encontradas nos IFs, por exemplo, todos os professores são contratados para o Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT). Nesse sentido, podem dar aulas nessas três modalidades de ensino (básico, técnico e tecnológico), além das licenciaturas e cursos de pós-graduação, atuando com as disciplinas correspondentes à sua área específica de formação. Um 13 Dados obtidos no site do IFSP. Disponível em: http://www.ifsp.edu.br/index.php/instituicao/ifsp.html. Acesso em: 10 jan. 2017. http://www.ifsp.edu.br/index.php/instituicao/ifsp.html 47 professor de Educação Física, por exemplo, leciona esse componente no ensino técnico integrado ao médio, mas pode atuar com disciplinas relacionadas ao lazer, eventos, recreação, atividade física e saúde, ou outras correlatas a sua área de atuação que muitas vezes estão presentes nos cursos técnicos concomitante/subsequente, e, além disso, num curso de Pedagogia pode operar com possíveis componentes relacionados às atividades lúdicas ou corpo e movimento. Os docentes podem trabalhar em regime de 20h, 40h ou 40h/dedicação exclusiva, sendo que a maioria atua nessa última modalidade, compondo a carga horária com atividades de: i. Ensino; ii. Pesquisa e inovação, iii. Extensão; iv. Administração e representação; e v. Formação continuada. Todavia, há regulamentações internas nos campi que orientam a quantidade de horas a ser destinada, especialmente, à pesquisa e extensão. As aulas são atribuídas pelos coordenadores, sendo que o ensino (regência de aulas) é a prioridade do exercício docente e deve obedecer, segundo a resolução nº 109 de 201514, um mínimo de oito e máximo de 12 horas semanais. Pereira e Silva (2004) apontam que a carga horária dos docentes da rede federal é menor quando comparada às redes particular e estadual, além do salário ser mais alto. Como reflexo disso, podemos evidenciar que, enquanto a maioria dos docentes da rede federal possui apenas um emprego, os professores das demais redes, em busca de melhores salários, acumulam cargos e têm quantidades demasiadas de aulas durante a semana, o que obviamente compromete a qualidade de ensino. No quadro abaixo é possível perceber, quais outras atribuições, que não somente a regência de aulas, os docentes podem ter nos IFs, fato que os diferenciam das demais instituições educacionais. Ou seja, “a Rede Federal de Educação possibilita uma realidade de prática docente que, normalmente não é verificada nas escolas municipais e estaduais” (METZNER, 2017, p. 114) e que, de fato, contribui para a melhoria da qualidade de ensino, visto as múltiplas experiências, o incentivo à capacitação e especialmente a possibilidade de usufruir 14 Regulamenta a atribuição de atividades docentes do IFSP. Disponível em: http://files.lucianoifsp.com.br/200000650- da5a1db522/Resol_109_Aprova_adreferendum_alteraes_regulamento_112.pdf. http://files.lucianoifsp.com.br/200000650-da5a1db522/Resol_109_Aprova_adreferendum_alteraes_regulamento_112.pdf http://files.lucianoifsp.com.br/200000650-da5a1db522/Resol_109_Aprova_adreferendum_alteraes_regulamento_112.pdf 48 da mesma quantidade de tempo dedicado às aulas, para a preparação/organização das mesmas. Quadro 3. Possibilidades de atividades para a composição da carga horária de trabalho docente no IFSP ENSINO - Regência de aulas; - Organização do ensino (preparação de aula); - Apoio ao ensino (reunião pedagógica, atendimento ao aluno, recuperação paralela, plantão para substituições, coordenação/supervisão/orientação de estágio, coordenação de projetos de ensino; orientação/supervisão de monitores/bolsistas e organização/acompanhamento de visitas técnicas). PESQUISA E INOVAÇÃO - Elaboração/submissão ou parecer de projetos; - Coordenação/participação em programa ou projeto; - Liderança ou participação em grupos de pesquisa; -Elaboração/submissão de pedido de patente, registro de software, desenho industrial ou projeto-piloto; - Participação em equipe editorial; - Organização ou participação em eventos científicos. EXTENSÃO - Elaboração e submissão de projetos de extensão; - Coordenação/participação em