UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA ROBERTO FABIANO ROSSBACH CATALOGAÇÃO SISTEMÁTICA E DESCRITIVA DE OBRAS E FONTES MUSICAIS NO BRASIL: O CATÁLOGO TEMÁTICO DE HEINZ GEYER (1897-1982) VOLUME 1 SÃO PAULO 2020 ROBERTO FABIANO ROSSBACH CATALOGAÇÃO SISTEMÁTICA E DESCRITIVA DE OBRAS E FONTES MUSICAIS NO BRASIL: O CATÁLOGO TEMÁTICO DE HEINZ GEYER (1897-1982) Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Música. Área de Concentração: Música – processos, práticas e teorizações em diálogos. Linha de Pesquisa: Música, Epistemologia e Cultura. Orientador: Prof. Dr. Paulo Augusto Castagna. SÃO PAULO 2020 Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp R827c Rossbach, Roberto Fabiano, 1974 Catalogação sistemática e descritiva de obras e fontes musicais no Brasil : o catálogo temático de Heinz Geyer (1897-1982) / Roberto Fabiano Rossbach. - São Paulo, 2020. 2 v. 497 p. : il. Orientador: Prof. Dr. Paulo Augusto Castagna Tese (Doutorado em Música) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes 1. Geyer, Heinz, 1897-1982. 2. Compositores - Brasil. 3. Compositores - Alemanha. 4. Música - Catálogos temáticos. I. Castagna, Paulo. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 780.16 (Laura Mariane de Andrade - CRB 8/8666) ROBERTO FABIANO ROSSBACH CATALOGAÇÃO SISTEMÁTICA E DESCRITIVA DE OBRAS E FONTES MUSICAIS NO BRASIL: O CATÁLOGO TEMÁTICO DE HEINZ GEYER (1897-1982) Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Música. BANCA EXAMINADORA __________________________________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Augusto Castagna – IA/UNESP – Orientador ___________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Celso Moura – IA/UNESP ___________________________________________________________ Prof. Dr. Lutero Rodrigues da Silva – IA/UNESP ______________________________________________________________ Prof. Dr. Marcos Tadeu Holler – CEART/UDESC ______________________________________________ Prof. Dr. Carlos Elias Kater – Aposentado/USP São Paulo, 06 de março de 2020. Para a Rúbia Hillesheim Rossbach, minha esposa, que entrou na minha vida durante esse processo de estudo. AGRADECIMENTOS Ao Prof. Paulo Augusto Castagna, que com competência e confiança, me acompanhou no processo de construção da tese. Estou honrado pela oportunidade a mim concedida. Ter o seu respaldo foi fundamental. Aos mestres da UNESP e UFSC, que ministraram suas aulas da melhor forma possível para o enriquecimento de todos nas diversas disciplinas. Aos colegas e funcionários dos programas de pós-graduação em Música, da UNESP e História da UFSC, pelos breves momentos de convivência, trocas de experiências e orientações técnicas. A Dominique Santos, Sueli Petry, Josimeri Bork, Dieter Berner, Clay Schulze, Marli Schiavenin, Elisete Beck, Ruy Machado, Evanilde Maria Moser, Cynthia Bailer, Íris Colin Ramers e muitos outros pelo auxílio em pesquisas, correções, traduções, informações, incentivos e sugestões. Aos funcionários de todas as instituições visitadas, presencialmente ou virtualmente, que facilitaram e possibilitaram a realização de minhas pesquisas de campo. Aos integrantes dos meus grupos artísticos, que souberem entender minhas ausências e meus deslizes na condução do nosso fazer musical. Aos colegas da FURB que me substituíram em vários momentos para que eu pudesse me dedicar à pós-graduação. À FURB e ao reitor João Natel Pollonio Machado pelo apoio e consideração. Aos professores Paulo Celso Moura, Lutero Rodrigues da Silva, Marcos Tadeu Holler e Carlos Elias Kater que muito contribuíram com suas sugestões para a qualificação desse trabalho. Aos meus familiares e, especialmente, à minha esposa Rúbia, por compreenderem esse meu momento de estudo e investimento profissional. E agradeço a Deus, por me conduzir nas escolhas dos melhores caminhos e por manter a minha saúde mental, física e espiritual. GRATO, MUITO GRATO! Eis a colheita, fruto do trabalho. As moças, os rapazes, o povo, capatazes, alegres, vão festejar! (trecho do texto da canção Viver é Lutar (1966) Música: Heinz Geyer e Texto: Erika Martins Flesch ROSSBACH, Roberto Fabiano. Catalogação sistemática e descritiva de obras e fontes musicais no Brasil: o catálogo temático de Heinz Geyer (1897-1982). Tese (Doutorado em Música) - Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, 2020. RESUMO Esta tese trata da metodologia brasileira e internacional disponível para a elaboração de catálogos temáticos de obras e fontes musicais de compositores atuantes no Brasil. A partir da experiência de catalogação das obras e arranjos do músico alemão – declarado cidadão brasileiro e atuante em Blumenau (SC) durante mais de cinco décadas – Heinz Geyer (1897-1982), estabeleceu-se uma discussão sobre os parâmetros metodológicos envolvidos na produção deste instrumento de pesquisa. Constatou-se que, até então, não existia um levantamento científico de sua produção composicional e os escassos modelos existentes no Brasil pouco sustentavam a fundamentação de trabalhos dessa natureza. O objetivo geral foi contribuir para o desenvolvimento de metodologias para elaboração de catálogos temáticos, adequadas aos acervos musicais brasileiros. No âmbito do trabalho foi possível disponibilizar o catálogo de Geyer, localizar e conhecer o estado das fontes de suas obras e arranjos – na maior parte, ainda preservadas em manuscritos – e inserir o compositor no campo científico, possibilitando sua eventual reintegração à vida musical de Blumenau. Os procedimentos metodológicos desta pesquisa envolveram estudos terminológicos e conceituais em Arquivologia, reinterpretados para o âmbito da Música, uma ampla revisão bibliográfica em 37 catálogos nacionais e internacionais e a pesquisa documental propriamente dita. Foram estabelecidos critérios para a delimitação do campo de pesquisa, da categoria das fontes e para a definição dos procedimentos de coleta e registro de dados. A experiência com Geyer revelou que, no processo de elaboração de um catálogo temático, é necessário considerar alguns importantes parâmetros. Inicialmente, se faz necessário realizar estudos preliminares sobre a trajetória pessoal, artística e profissional do compositor, de seus antecedentes catalográficos ou eventuais levantamentos de sua obra por meio de inventários, listas ou edições. Ao conhecer o compositor e seu contexto, inicia-se o processo de obtenção dos dados, envolvendo a pesquisa nos acervos e a lida com as fontes em suas diferentes categorias, estados de conservação e acessibilidade. A partir da pesquisa nas fontes, sejam elas musicais ou textuais, são definidas as questões acerca do registro dos dados, ou seja, a criação de uma ficha catalográfica, a classificação multinível e a codificação das obras, conforme cada caso. Os dados registrados são organizados de acordo com o conceito de catálogo temático, fornecendo diferentes formas de consulta por meio de indicadores, índices ou pela descrição detalhada da obra e de todas as suas fontes. O último parâmetro reflete a questão de um catálogo temático manter sua condição de “obra aberta”, sujeita a revisões, ampliações e reedições, caso novas fontes sejam encontradas. Bases epistemológicas na área de Arquivologia e Música estão por ser construídas, visando a preservação do patrimônio arquivístico musical brasileiro. Ações educativas serão necessárias para a difusão desse conhecimento a qual a presente pesquisa buscou contribuir. Palavras-chave: Arquivologia musical. Catálogo temático. Metodologia catalográfica. Música em Blumenau. Heinz Geyer. Área de conhecimento da titulação: Música – Código da tabela da CAPES: 8.03.03.00-5. ROSSBACH, Roberto Fabiano. Systematic and descriptive cataloguing of musical works and sources in Brazil: the thematic catalogue of Heinz Geyer (1897-1982). Thesis - Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, 2020. ABSTRACT This thesis focuses on the Brazilian and international methodology available for the elaboration of thematic catalogs of works and musical sources from composers who have acted in Brazil. From the experience of cataloging the works and arrangements from the German musician - declared Brazilian citizen and active in Blumenau (Santa Catarina state) for more than five decades - Heinz Geyer (1897-1982), a discussion about the methodological parameters involved in the production of this research instrument was proposed. It was found that, until then, there was no scientific survey of his compositional production and the scarce models in Brazil hardly supported the foundation of works of this nature. The general objective was to contribute to the development of methodologies for the elaboration of thematic catalogs, appropriate to the Brazilian’s musical archives. Within the scope of the work, it was possible to make Geyer's catalog available as well as to locate and get to know the state of the sources of his works and arrangements - mostly still preserved in manuscripts - and insert the composer in the scientific field, enabling his potential reintegration into the musical life of Blumenau. The methodological procedures of this research study involved terminological and conceptual studies of Archival Science, which were reinterpreted to the field of Music; a broad literature review in 37 national and international catalogs; and the documentary research itself. Some criteria were established for the delimitation of the research field, the source categories and the definition of data collection and registration procedures. The experience with Geyer has revealed that, on the process of developing a thematic catalog, some parameters need to be considered. Initially, it is necessary to carry out preliminary studies about the composer’s personal, artistic and professional trajectory, his previous cataloging or eventual surveys of his work through inventories, lists or editions. When the researcher knows the composer and his context, the process of data collection begins, with research in the archives and the manipulation of sources in their different categories, conservation status, and accessibility. From this research in musical and/or textual sources, issues related to data registration are defined, such as the creation of a catalog form, the multilevel classification, and the works codification, according to each case. The recorded data are then organized according to the thematic catalog concept, providing different forms of consultation through indicators, indexes or the detailed description of the work and all its sources. The final parameter reflects the issue of maintaining a thematic catalog as an “open work” condition, able to subject revisions, extensions, and re-editions if new sources are found. In the fields of Archival Science and Music, epistemological bases are to be built, aiming at the preservation of the Brazilian musical archival heritage. As well, educational actions will be necessary to disseminate the knowledge that the present research sought to contribute to. Keywords: Musical archival science. Thematic catalog. Cataloging methodology. Music in Blumenau. Heinz Geyer. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Evangelhos de Lindisfarne, fólio 27, Liber generationis _________________ 65 Figura 2 - Modelo de incipit musical no catálogo de Geyer _______________________ 68 Figura 3 - Recorte da partitura de direção do Ciclo nº 8 - Alma Brasileira ____________ 75 Figura 4 - Visão geral de todas as composições por gênero e quantidade _____________ 83 Figura 5 - Lista de incipits das obras por gênero e ordem de composição _____________ 84 Figura 6 - Topo das páginas do catálogo de Mozart______________________________ 84 Figura 7 - Minueto e Trio para Piano K. 1 ____________________________________ 85 Figura 8 - Incipit musical da Sinfonia K. 74 ____________________________________ 86 Figura 9 - Descrição da Cantata BWV 149 ____________________________________ 91 Figura 10 - Incipit musical (nº 1) da Cantata BWV 149 ___________________________ 94 Figura 11 - Incipit musical (nº 3 e 4) da Cantata BWV 149 ________________________ 94 Figura 12 - Informações catalográficas da Cantata BWV 149 ______________________ 95 Figura 13 - Título e incipit da Sinfonia nº 1, Joseph Haydn _______________________ 100 Figura 14 - Incipit da Sinfonia nº 103, Joseph Haydn ___________________________ 101 Figura 15 - Incipit do Grande Te Deum, de Joseph Haydn _______________________ 102 Figura 16 - Quinteto em Lá Maior (A Truta), Franz Schubert _____________________ 107 Figura 17 - Lied Wehmut (Die Abendglocken tönet), Franz Schubert _______________ 108 Figura 18 - Lied Ewige Liebe, Franz Schubert _________________________________ 108 Figura 19 - Lied Flucht, Franz Schubert______________________________________ 109 Figura 20 - Salmo VI, Del Oficio de Difuntos, Albéniz __________________________ 116 Figura 21 - Salmo VI, Del Oficio de Difuntos, notas e bibliografia _________________ 117 Figura 22 - Parte 13 do Intermezzo, ópera The Magic Opal, Albéniz _______________ 118 Figura 23 - Parte 14 do Chorus of Brigands, ópera The Magic Opal, Albéniz ________ 118 Figura 24 - Poèmes D’amour, Albéniz _______________________________________ 119 Figura 25 - Missa em Mib Maior, Marcos Portugal _____________________________ 124 Figura 26 - Incipit nº 19, Versão 2.AUT, Missa em Mib M., Marcos Portugal ________ 125 Figura 27 - Incipit nº 21, Versão 2.AUT, Missa em Mib M., Marcos Portugal ________ 125 Figura 28 - Descrição do autógrafo, Missa em Mib M., Versão 2, Marcos Portugal ____ 126 Figura 29 - Descrição do apógrafo, Dixit Dominus, Marcos Portugal _______________ 126 Figura 30 - Tela inicial do catálogo das obras de Carl Nielsen (Sistema MerMEId)____ 128 Figura 31 - Vitrina 2 (nº 6): Tota Pulchra es Maria, Nunes Garcia _________________ 130 Figura 32 - Missa de Santa Cecília, Nunes Garcia _____________________________ 130 Figura 33 - Antífona Tota Pulchra es Maria, Nunes Garcia ______________________ 134 Figura 34 - Qui sedes e quoniam, Nunes Garcia _______________________________ 134 Figura 35 - Flos Carmeli, Nunes Garcia _____________________________________ 135 Figura 36 - Incipit de Tota Pulchra es Maria, Nunes Garcia ______________________ 136 Figura 37 - Sinfonias (de 1 a 4), Heitor Villa-Lobos ____________________________ 140 Figura 38 - Estrutura da ficha catalográfica do catálogo de Villa-Lobos _____________ 144 Figura 39 - Sinfonia nº 1, Villa-Lobos _______________________________________ 145 Figura 40 - Ficha catalográfica de Fragmentus 1, Agnaldo Ribeiro ________________ 150 Figura 41 - Foto autografada de Geyer na contracapa do LP Blumenau também canta _ 172 Figura 42 - Certificado o Curso de Flauta de Heinz Geyer _______________________ 174 Figura 43 - Sede do Teatro Frohsinn ________________________________________ 176 Figura 44 - Programa do Concerto de 20/08/1921, publicado em Der Urwaldsbote ____ 177 Figura 45 - Integrantes da Musikverein Lyra, manifestação patriótica em 07/09/1923 __ 179 Figura 46 - Texto da canção Auftrittslied zum Höllenfest, Heinz Geyer _____________ 180 Figura 47 – Coro Masculino Liederkranz - Festejos 25 anos de fundação (1934) ______ 181 Figura 48 - Cartaz Temporada Lírica de São Paulo - Anita Garibaldi _______________ 189 Figura 49 - Estatutos da Sociedade Teatral em Blumenau ________________________ 203 Figura 50 - Estatutos da Sociedade Dramático-Musical Frohsinn, em Blumenau ______ 204 Figura 51 – Coro Masculino Liederkranz ____________________________________ 205 Figura 52 - Acervo Heinz Geyer – CMTCG __________________________________ 209 Figura 53 - Repositório 1 (A) – Biblioteca do CC25J (armário) ___________________ 214 Figura 54 - Repositório 1 (B) – Biblioteca do CC25J (prateleira) __________________ 215 Figura 55 - Repositório 2 – sala anexa ao palco (andar superior) do CC25J __________ 216 Figura 56 - Repositório 3 – sala anexa ao palco do CC25J _______________________ 217 Figura 57 – Manuscrito de obra composta por Geyer ___________________________ 220 Figura 58 - Edição de obra arranjada por Geyer _______________________________ 220 Figura 59 - Programa de concerto e selo comemorativo do jubileu de ouro de Geyer __ 221 Figura 60 - Capa do LP Blumenau também canta ______________________________ 223 Figura 61 - Capa do LP Nossos pais cantavam assim... __________________________ 224 Figura 62 - Capa do LP compacto duplo Acordai, ó pastores (Ciclo de Natal) _______ 225 Figura 63 - Capa do CD Tributo a Heinz Geyer _______________________________ 226 Figura 64 - Capa do DVD Maestro Heinz Geyer _______________________________ 227 Figura 65 - Fita de rolo em execução no YouTube _____________________________ 228 Figura 66 - Codificação das obras e arranjos no catálogo de Heinz Geyer ___________ 254 Figura 67 - Organograma da produção musical de Heinz Geyer por meio expressivo __ 255 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Estrutura do Inventário Analítico dos Documentos do AHJFS ........................ 48 Quadro 2 - Nomenclatura de catálogos em alemão ............................................................. 54 Quadro 3 - Descrição catalográfica da Sinfonia K. 74, de W. A. Mozart ........................... 87 Quadro 4 - Edições, reedições e reimpressões do catálogo de Mozart a partir de 1862 ... 157 Quadro 5 - Descoberta de manuscritos musicais publicadas em periódicos digitais ........ 161 Quadro 6 - Antecedentes catalográficos ............................................................................ 165 Quadro 7 - Amplitude geográfica da pesquisa .................................................................. 165 Quadro 8 - Técnica de registro das fontes ......................................................................... 166 Quadro 9 - Apresentação dos dados no catálogo, por ordem de aparecimento ................. 166 Quadro 10 - Numeração e Codificação ............................................................................. 167 Quadro 11 - Ordem das obras no catálogo ........................................................................ 167 Quadro 12 - Incipit musical ............................................................................................... 168 Quadro 13 - Índices ........................................................................................................... 169 Quadro 14 - Quantificação ................................................................................................ 169 Quadro 15 - Tempo de pesquisa para a 1ª edição do catálogo .......................................... 170 Quadro 16 - Reedições do catálogo ................................................................................... 170 Quadro 17 - Campos do Inventário Analítico de Documentos do AHJFS ........................ 218 Quadro 18 - Fontes de notação musical e programas de concerto do AHJFS................... 218 Quadro 19 - Outras referências sobre Heinz Geyer no AHJFS ......................................... 219 Quadro 20 - Registro de Dados in loco ............................................................................. 247 Quadro 21 - Classificação das obras e arranjos de Heinz Geyer ....................................... 250 Quadro 22 - Produção de Geyer em números.................................................................... 324 LISTA DE ABREVIATURAS AHG – Acervo Heinz Geyer do Centro de Memória do Teatro Carlos Gomes. AHJFS – Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, de Blumenau. HDB – Hemeroteca Digital Brasileira. HDC – Hemeroteca Digital Catarinense. C-3 – Clave de dó, grafada na terceira linha. CC25J – Centro Cultural 25 de Julho, de Blumenau. CC25J-R1 – Repositório 1 do Centro Cultural 25 de Julho, de Blumenau. CC25J-R2 – Repositório 2 do Centro Cultural 25 de Julho, de Blumenau. CC25J-R3 – Repositório 3 do Centro Cultural 25 de Julho, de Blumenau. CMTCG – Centro de Memória do Teatro Carlos Gomes, de Blumenau. CMTCG-AHG – Acervo Heinz Geyer do Centro de Memória do Teatro Carlos Gomes. CMTCG-AI – Acervo Iconográfico do Centro de Memória do Teatro Carlos Gomes. F-4 – Clave de fá, grafada na quarta linha. G-2 – Clave de sol, grafada na segunda linha. SDMCG – Sociedade Dramático-Musical Carlos Gomes, de Blumenau. SUMÁRIO VOLUME 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 18 1. MARCO TEÓRICO ...................................................................................................... 35 1.1 CONCEITOS GERAIS E DEFINIÇÕES TERMINOLÓGICAS .......................... 36 1.1.1 Obra e fonte musical ................................................................................................... 36 1.1.2 Arranjo musical .......................................................................................................... 40 1.1.3 Inventário vs. catálogo ................................................................................................ 47 1.1.3.1 Catálogo de acervo .................................................................................................. 49 1.1.3.2 Catálogo de obras .................................................................................................... 51 1.1.3.3 Outras designações para catálogos de obras na literatura........................................ 54 1.1.4 Descrição documental................................................................................................. 55 1.1.5 Os elementos de descrição no catálogo temático de Geyer ........................................ 58 1.1.5.1 Bloco de identificação da obra ................................................................................ 60 1.1.5.2 Bloco de descrição interna da obra .......................................................................... 63 1.1.5.3 Bloco de descrição das fontes .................................................................................. 69 1.1.5.4 Bloco de referências e observações sobre a obra .................................................... 79 1.2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA E OBRAS DE REFERÊNCIA ............................... 81 1.2.1 “Catálogo temático e cronológico de todas as obras” de Mozart ............................... 82 1.2.2 “Catálogo temático e sistemático das obras musicais” de Bach ................................. 89 1.2.3 “Catálogo temático e bibliográfico” de Haydn........................................................... 97 1.2.4 “Catálogo temático de todas as obras em ordem cronológica” de Schubert ............ 103 1.2.5 “Catálogo sistemático descritivo das obras musicais” de Albéniz ........................... 110 1.2.6 “A obra religiosa de Marcos António Portugal” ...................................................... 122 1.2.7 Catálogos Digitais pelo sistema MerMEId ............................................................... 127 1.2.8 “Catálogo temático das obras do Padre José Maurício Nunes Garcia” .................... 129 1.2.9 “Catálogo temático dos manuscritos musicais de André da Silva Gomes” ............. 137 1.2.10 “Villa-Lobos, sua obra” .......................................................................................... 139 1.2.11 “Catálogo temático” da obra de Lobo de Mesquita ................................................ 146 1.2.12 Listas de obras de compositores brasileiros ........................................................... 148 1.2.13 A inventariação do Acervo Heinz Geyer ................................................................ 151 1.3 O CATÁLOGO TEMÁTICO COMO OBRA ABERTA ...................................... 153 1.3.1 A administração do tempo para o “fechamento” do catálogo .................................. 154 1.3.2 Reedição e revisão de catálogos temáticos ............................................................... 156 1.4 QUADROS COMPARATIVOS ENTRE OS CATÁLOGOS ............................... 164 2. DADOS BIOGRÁFICOS DE HEINZ GEYER, ACERVOS E FONTES .............. 171 2.1 DADOS BIOGRÁFICOS DE HEINZ GEYER ...................................................... 172 2.1.1 O período na Alemanha (1897-1921) ....................................................................... 173 2.1.2 A fase inicial de Geyer em Blumenau (1921-1936) ................................................. 175 2.1.3 A fase mais produtiva de Geyer em Blumenau (1937-1971) ................................... 182 2.1.4 Os últimos anos de Geyer (1971-1982) .................................................................... 192 2.2 ACERVOS .................................................................................................................. 194 2.2.1 Heinz Geyer na Alemanha ........................................................................................ 194 2.2.2 Heinz Geyer na região de Blumenau ........................................................................ 195 2.2.3 Atuação eventual de Heinz Geyer fora de Santa Catarina........................................ 198 2.2.4 Os acervos pesquisados ............................................................................................ 201 2.2.4.1 Sociedade Dramático-Musical Carlos Gomes (Blumenau) ................................... 202 2.2.4.2 Centro Cultural 25 de Julho (Blumenau) ............................................................... 211 2.2.4.3 Arquivo Histórico José Ferreira da Silva (Blumenau) .......................................... 217 2.3 FONTES ..................................................................................................................... 219 2.3.1 Fontes de notação musical ........................................................................................ 219 2.3.2 Programas de concertos ............................................................................................ 220 2.3.3 Audiovisuais publicados ........................................................................................... 221 2.3.3.1 Discos .................................................................................................................... 222 2.3.3.2 Tributo a Heinz Geyer ........................................................................................... 225 2.3.3.3 Maestro Heinz Geyer (filme) ................................................................................. 226 2.3.3.4 Áudios em fitas de rolo na internet ........................................................................ 227 2.3.4 Periódicos diários ..................................................................................................... 228 2.3.5 Fontes bibliográficas................................................................................................. 229 2.3.6 Entrevista semiestruturada ........................................................................................ 230 3. EXPERIÊNCIA, DISCUSSÃO E PROPOSIÇÕES METODOLÓGICAS ........... 231 3.1 A EXPERIÊNCIA DA ELABORAÇÃO DO CATÁLOGO DE GEYER ............ 232 3.2 ESTUDOS PRELIMINARES PARA A ELABORAÇÃO DE CATÁLOGOS .... 232 3.2.1 Revisão de catálogos temáticos ................................................................................ 233 3.2.2 A trajetória do compositor ........................................................................................ 235 3.2.3 Os antecedentes catalográficos ................................................................................. 237 3.3 O PROCESSO DE OBTENÇÃO DOS DADOS ..................................................... 238 3.3.1 A pesquisa nos acervos ............................................................................................. 239 3.3.2 Lidando com as fontes .............................................................................................. 242 3.4 QUESTÕES ACERCA DO REGISTRO DOS DADOS ........................................ 246 3.4.1 O registro de dados in loco ....................................................................................... 247 3.4.2 A ficha catalográfica de coleta de dados .................................................................. 247 3.4.3 Classificação de obras .............................................................................................. 249 3.4.4 Codificação ............................................................................................................... 252 3.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBRA MUSICAL DE HEINZ GEYER ............ 254 3.5.1 Características da música de Geyer .......................................................................... 254 3.5.2 Obras ou arranjos ...................................................................................................... 257 3.5.3 A prática da reutilização de obras............................................................................. 258 3.5.4 Obra coletiva e peças independentes ........................................................................ 260 3.5.5 Partitura de direção, partitura de coro e partes ......................................................... 262 3.5.6 A dificuldade com a cronologia................................................................................ 263 3.5.7 Exemplos musicais ................................................................................................... 265 3.6 ORGANIZAÇÃO DOS DADOS NO CATÁLOGO ............................................... 267 3.6.1 A produção de Heinz Geyer em números ................................................................. 268 3.6.2 A ficha catalográfica do catálogo ............................................................................. 268 3.6.3 Índices ....................................................................................................................... 272 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 274 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 281 APÊNDICE A – Quadro das referências às obras de Geyer em programas de concertos, periódicos diários e bibliografias ....................................................................................... 304 APÊNDICE B – Quadro da pesquisa na Hemeroteca Digital Brasileira, com as ocorrências do nome de Heinz Geyer ................................................................................ 313 APÊNDICE C – Forma da ficha catalográfica de coleta de dados das fontes de Geyer . 319 VOLUME 2 ...................................................................................................................... 321 1. A PRODUÇÃO DE HEINZ GEYER EM NÚMEROS ............................................ 324 2. CATÁLOGO TEMÁTICO, SISTEMÁTICO E DESCRITIVO ............................ 325 2.1 MÚSICA VOCAL ..................................................................................................... 326 2.2 MÚSICA INSTRUMENTAL ................................................................................... 436 2.3 TEATRO MUSICAL ................................................................................................ 443 3. ÍNDICES ...................................................................................................................... 479 3.1 Incipits literários das obras e arranjos vocais em ordem alfabética ..................... 480 3.2 Cronologia das obras de Geyer por ano .................................................................. 482 3.3 Cronologia dos arranjos de Geyer por ano ............................................................. 483 3.4 Índice geral das obras e arranjos de Geyer em ordem alfabética ......................... 484 3.5 Índice geral das obras e arranjos de Geyer por número de catálogo ................... 487 3.6 Relação das 48 obras de Geyer por número de catálogo ....................................... 490 3.7 Relação dos 69 arranjos de Geyer por número de catálogo .................................. 491 3.8 Obras/arranjos independentes em obras coletivas ................................................. 493 3.9 Relação das obras e arranjos por meio expressivo ................................................. 494 18 INTRODUÇÃO O tema desta pesquisa é a metodologia brasileira e internacional disponível para a elaboração de catálogos temáticos de obras e fontes musicais de compositores atuantes no Brasil. Uma discussão se estabeleceu a partir da experiência de catalogação das obras e arranjos do maestro, compositor e professor de música Heinz Geyer (1897-1982). Geyer teve sua formação de flautista na Alemanha e se estabeleceu na cidade catarinense de Blumenau, em 1921, onde desenvolveu uma intensa atividade de regência e composição, durante 50 anos, atuando com o coro e a orquestra da Sociedade Dramático-Musical Carlos Gomes (SDMCG) e outros conjuntos vocais e instrumentais da cidade. Constatou-se que, até então, não existia um levantamento científico de suas obras e fontes musicais que possibilitasse o conhecimento da totalidade de sua produção composicional. A escassa produção de modelos de catálogos temáticos de autores no Brasil motivou a pesquisa em exemplos consagrados e reconhecidos, principalmente realizados por pesquisadores na Alemanha. A partir do estudo de catálogos como de Mozart, Bach, Haydn, Schubert, Albéniz, Marcos Portugal e dos brasileiros José Maurício Nunes Garcia, Heitor Villa-Lobos, André da Silva Gomes e José Emerico Lobo de Mesquita, obteve-se uma base metodológica para a elaboração do catálogo temático, sistemático e descritivo das obras e arranjos de Heinz Geyer. A partir dessa experiência disponibiliza-se, neste trabalho, além do catálogo propriamente dito, uma discussão de parâmetros metodológicos sobre a elaboração de catálogos temáticos, visando auxiliar outros empreendimentos de levantamento do patrimônio arquivístico musical brasileiro. Contexto da pesquisa Em 1850, imigrantes alemães, liderados pelo químico e farmacêutico Hermann Bruno Otto Blumenau (1819-1899)1, fundaram oficialmente a Colônia Blumenau, no Vale do Rio Itajaí-Açu, em Santa Catarina. Ainda nos primeiros anos da colônia estabeleceu-se na região uma intensa atividade social, com a organização de associações (Vereine) culturais, recreativas e beneficentes. Na área artística, fundaram-se as sociedades de teatro amador (Theatervereine), as sociedades de canto (Gesangvereine) e as sociedades de música (Musikvereine). No contexto do século XIX, as sociedades de canto eram coros masculinos amadores que cantavam repertório secular (ROSSBACH, 2008, p. 1) e as 1 Hermann Bruno Otto Blumenau nasceu em Hasselfelde (Alemanha), em 26 de dezembro de 1819 e faleceu em Braunschweig (Alemanha), em 30 de outubro de 1899. 19 sociedades de música eram bandas, formadas por instrumentos diversos (ROSSBACH, 2014, p. 2). Paralelamente, existiam desde os primeiros anos da colonização, os coros ligados às instituições religiosas. Já nos últimos anos do século XIX, mas, principalmente no decorrer do século XX, formaram-se inúmeros grupos vocais mistos, construindo na região uma intensa tradição de canto coral e de música instrumental. Esse contexto foi encontrado pelo músico alemão Heinz Heinrich Geyer, que chegou a Blumenau em 1921 e desenvolveu uma trajetória profissional como maestro, compositor e professor até 1974. Geyer trabalhou, inicialmente, com as sociedades de canto e de música, realizando concertos em diversas localidades e na Sociedade Teatral e Musical Frohsinn, uma instituição consolidada na cidade, idealizada ainda no século anterior, que contava com sede própria desde 1896. O maestro vivenciou a reestruturação da Sociedade Frohsinn e a inauguração do novo teatro, em 1939, que passou a denominar- se Sociedade Dramático-Musical Carlos Gomes, fundando um coro orfeônico de vozes mistas e uma orquestra em modelo sinfônico: conjuntos formados basicamente por amadores. Para esses conjuntos, produziu a maior parte de sua obra – composições, arranjos e adaptações – incluindo os denominados ciclos sinfônicos e vocais, obras corais a capella ou com acompanhamento instrumental e obras cênicas. Além de sua atuação como maestro de conjuntos vocais e instrumentais, lecionava no Conservatório Curt Hering, fundado em 1949, e integrado à SDMCG.2 Também foi professor de música e canto orfeônico no Colégio Normal Pedro II3 a partir de 1947 e tinha alunos particulares, aprendizes que se tornaram regentes de conjuntos da região de Blumenau. Após sua saída da direção do coro e orquestra do Teatro Carlos Gomes, em maio de 1971, ainda auxiliou na organização dos conjuntos musicais do Centro Cultural 25 de Julho de Blumenau (CC25J), uma sociedade que visava a manutenção das tradições alemãs, na qual Geyer conduziu alguns concertos 2 O Conservatório Curt Hering foi extinto, em 1971, com a criação da Escola Superior de Música de Blumenau, a partir de mudanças estruturais e pedagógicas que visavam novas possibilidades e abordagens para o ensino musical (BACH; ROSSBACH, 2016, p. 2). O projeto de nível superior nunca se consolidou, sendo que na década de 1990 a denominação da instituição se modificou para Escola de Música de Blumenau e depois para Escola de Música do Teatro Carlos Gomes. 3 A Neue Deutsche Schule (Escola Nova Alemã), um educandário que buscava satisfazer os anseios dos moradores da Colônia Blumenau, foi fundada em 1889. Em 1938, para se amoldar aos novos tempos do período do Estado Novo, modificou sua nomenclatura para “Escola Particular Dom Pedro II”. Em 1942, passou para a tutela do Estado de Santa Catarina, com a denominação de “Grupo Escolar Pedro II”. A partir das alterações ocorridas no âmbito nacional da Educação no Brasil, em 1946, o grupo escolar adotou a denominação de “Escola Normal Pedro II”, sendo que foi nesta configuração da instituição que Heinz Geyer atuou como professor de música e canto orfeônico (CIPRIANI, 2006). A partir de 1976, no mesmo ano em que Geyer foi aposentado compulsoriamente, a escola passou a denominar-se Conjunto Educacional Pedro II e, atualmente, “Escola de Educação Básica Pedro II”. 20 até o final de 1974, quando se exilou na cidade praiana de Navegantes (SC), vindo a falecer em 1982. Teve intensa produção musical para coro, solistas e orquestra, integrando, em parte de sua música, aspectos políticos locais, porque passou pelo processo de nacionalização obrigatória da cultura na região, iniciada em meados da década de 1930. Devido a esse contexto, seus concertos passaram a incluir obras de autoria de compositores brasileiros, em português, além de arranjos de melodias folclóricas e populares brasileiras de sua autoria. As fontes de notação musical das obras e arranjos de Geyer, em sua grande maioria, foram preservadas e se encontram em acervos institucionais da cidade. A principal instituição privada que custodia fontes das obras de Geyer é a SDMCG, na qual Geyer atuou, como maestro e compositor, com o coro e a orquestra e como professor do Conservatório Curt Hering, que atualmente denomina-se Escola de Música do Teatro Carlos Gomes. As dependências do teatro, a saber, a biblioteca da escola de música e, principalmente, o centro de memória criado na instituição, abrigam acervos musicais que incluem as fontes de Geyer. A relação que possuo com essa instituição remonta a 1994, ano que passei a integrar o corpo docente da escola de música. A partir de então, surgiu grande interesse em conhecer a história da música da cidade e as atividades musicais realizadas no Teatro Carlos Gomes4. A partir dos meus estudos de mestrado sobre as sociedades de canto na região de Blumenau, no início da colonização alemã, realizados entre 2007 e 2008, obtive contato com documentos referentes à música na cidade e com acervos musicais de outras instituições, me deparando com a produção composicional de Geyer. Motivado por isso e por iniciativa da Escola de Música da Sociedade Carlos Gomes, em 2011, iniciei um projeto de levantamento do acervo do antigo coro e orquestra, preservado na instituição. No decorrer deste trabalho, constatei a existência de fontes musicais, também, no Arquivo Histórico José Ferreira da Silva (AHJFS), instituição pública municipal, que custodia a maior quantidade de fontes das obras de Geyer. A mesma constatação ocorreu posteriormente, ao pesquisar o acervo do Centro Cultural 25 de Julho (CC25J), a segunda instituição privada na qual o maestro atuou. Mediante o interesse pela música do passado, da cidade de Blumenau e região, e por eu estar inserido nesse contexto, com produção artística e atuação pedagógica e, principalmente, pelo contato com esses acervos que 4 Anterior à construção da sede atual do Teatro Carlos Gomes, que ocorreu em 1939, existia o Teatro Frohsinn, erguido em 1896 em outra localidade da cidade e demolido em 1937 (PEREIRA, 2014, p. 83). 21 necessitavam de olhar científico, delinearam-se os problemas e questionamentos para a presente investigação. Problemas, questões e hipóteses Apesar de alguns trabalhos sobre o maestro Heinz Geyer e suas obras já terem sido realizados, ainda não se dispunha de um catálogo temático de suas obras e arranjos com o devido mapeamento das fontes. Cleofe Person de Mattos publicou, em 1970, o Catálogo Temático das Obras do Padre José Maurício Nunes Garcia. Quinze anos depois, Régis Duprat inseriu no livro Música na Sé de São Paulo Colonial (1995), o catálogo temático de André da Silva Gomes. No ano seguinte, o catálogo do compositor José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita foi integrado à tese de doutorado de Maria Inês Junqueira Guimarães (1996). Lançado um olhar sobre esses trabalhos, verificou-se que Mattos (1970) ainda era uma das poucas referências de peso sobre catálogos temáticos no Brasil, devido à metodologia adotada, abrangência e detalhamento das informações. Apesar dos três exemplos citados, a escassa produção de catálogos temáticos brasileiros é um problema notório, em âmbito geral, percebido na extensa lista de compositores que ainda não dispõem de um catálogo temático, a exemplo de Camargo Guarnieri, Alberto Nepomuceno, Guerra-Peixe, Tom Jobim, para citar alguns dos mais prestigiados, ou mesmo na grande quantidade de outros autores considerados mais locais, como é o caso de Heinz Geyer. Tal problema ainda persiste, porque ainda não se constituiu um corpus teórico sólido, especificamente do ponto de vista metodológico, que possa embasar os empreendimentos catalográficos no Brasil. Constatada a falta de modelos de catálogos temáticos no Brasil, estabeleceu-se a seguinte questão: como organizar um catálogo temático de qualidade para Geyer e outros compositores, considerando as especificidades das fontes, acervos e autores brasileiros, que atenda às necessidades dos pesquisadores sobre a música produzida no Brasil? A partir dessa questão e do estado da arte no Brasil, estabeleceram-se as seguintes hipóteses: a) a adoção de normas de catalogação atuais, tanto brasileiras como internacionais, observadas em modelos de catálogos temáticos existentes, geraria um conhecimento efetivo sobre a obra de Heinz Geyer; b) a proposição de uma metodologia para elaboração de catálogos temáticos, a partir da experiência com o catálogo de Geyer, contribuiria para o levantamento da produção musical de outros autores no Brasil. 22 Objetivos O objetivo geral estabelecido para esta tese é contribuir para o desenvolvimento de uma metodologia de elaboração de catálogos temáticos de obras no Brasil. Este objetivo geral, no entanto, de forma alguma, pretende esgotar o assunto no presente trabalho. Ele é apresentado num âmbito e recorte social, temporal e pessoal bem específicos: um compositor do interior do Estado de Santa Catarina. Tal contribuição é, sobretudo, propositiva e delineada a partir da experiência de elaboração do catálogo temático de Geyer, termo utilizado por Mulas (2001, p. 24), no catálogo de Isaac Albéniz: “La experiencia de elaboración de este Catálogo” (grifo do autor). O estabelecimento do objetivo é fruto de profunda reflexão sobre aspectos técnicos e metodológicos observados em trinta e sete catálogos temáticos, sendo dezoito deles estudados com maior aprofundamento que envolveram dez compositores, além de outros trabalhos relacionados à área. Possíveis no âmbito deste trabalho, constituíram-se alguns objetivos específicos. Inicialmente, o principal objetivo específico foi elaborar o catálogo temático, sistemático e descritivo das obras e arranjos musicais de Heinz Geyer. A partir da elaboração do catálogo, buscou-se localizar e conhecer as condições em que se encontram as fontes de notação musical disponíveis sobre o compositor. Consequentemente dois outros objetivos específicos se configuraram: a) inserir o autor e sua obra no campo científico e, ao conhecer a produção musical de Geyer com maior profundidade; b) contribuir para futuras propostas de reintegração de sua obra à vida musical da cidade de Blumenau. Metodologia Quanto à metodologia foram adotados dois procedimentos: a pesquisa bibliográfica e a documental. A pesquisa bibliográfica compreendeu: a) estudos de questões conceituais e terminológicas gerais da área de Arquivologia; b) questões específicas da área de Música; e c) uma revisão da metodologia empregada em exemplos de catálogos temáticos de autores nacionais e internacionais. Os conceitos, as terminologias e suas acepções, na medida do possível, foram trazidos e adaptados para o âmbito da Música e adequados às peculiaridades da presente pesquisa. O segundo procedimento, a pesquisa documental, teve foco nas fontes das obras de Heinz Geyer existentes nos acervos da cidade de Blumenau. No campo da Arquivologia, foram apresentados alguns conceitos gerais e terminologias, fundamentados em autores como Pérotin (1961), Alves (1993), Bellotto e 23 Camargo (1996), Arruda e Chagas (2002), Rodrigues (2006), Bellotto (2006), Cunha e Cavalcanti (2008) e Marques (2017), além dos termos do Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística (2005). No campo específico da Música, as questões relacionadas à Arquivologia e ao tema “catálogos temáticos”, estão fundamentadas em Brook (1973), Brook e Viano (1997), Brook (2001), Matos (2007), Gómez González (2008), Biason (2008), Cotta (2011), Castagna e Meyer (2017) e Castagna (2018). Para o suporte das questões técnicas, foram acessadas as normas internacionais ISAD (2000) e nacionais NOBRADE (2006) de descrição arquivística e as normas de catalogação de fontes musicais históricas RISM (2006). Sobretudo, as normas RISM concederam o aporte mais significativo para a elaboração da ficha catalográfica de levantamento dos dados das obras de Geyer. Os exemplos de catálogos temáticos foram escolhidos mediante os seguintes critérios: pela acessibilidade, pela relevância, pela verificação de citações na bibliografia da área e por aqueles que apresentavam maior número de explanações sobre seu processo de elaboração. Foram adquiridos os catálogos de Bach, a 2ª edição (SCHMIEDER, 1990), a edição inglesa do catálogo de Schubert por Deutsch (1951), de Albéniz (MULAS, 2001), Marcos Portugal (MARQUES, 2012) e dos compositores brasileiros André da Silva Gomes (DUPRAT, 1995) e José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (GUIMARÃES, 1996), além das três edições de “Villa-Lobos, sua obra” (MUSEU VILLA-LOBOS, 1965, 1972, 1989). Em formato digital, foram acessadas a primeira edição do catálogo de Mozart (KÖCHEL, 1862) e a sexta edição totalmente revisada de 1964, os três volumes do catálogo de Haydn (HOBOKEN, 1957, 1971, 1978), a primeira edição de Bach (SCHMIEDER, 1950), a edição alemã de Schubert (DEUTSCH, 1978), o catálogo do compositor brasileiro José Maurício Nunes Garcia (MATTOS, 1970), além da versão digital de “Villa-Lobos, sua obra”, baseada na edição de 1989 (MUSEU VILLA-LOBOS, 2009). Além desses materiais foram pesquisados outros trabalhos de organização da produção musical de compositores brasileiros, incluindo suas listas de obras, levantamento de catálogos alemães elaborados recentemente, um projeto de catálogo digital dinamarquês e um catálogo de acervo referencial, o catálogo dos fundos musicais da catedral de Salamanca (MONTERO GARCÍA et al., 2011). Na pesquisa documental destacaram-se os seguintes procedimentos: a) a delimitação geográfica e temporal; b) o mapeamento e definição dos acervos; c) a definição das fontes; e d) a coleta e forma de registro dos dados. O conhecimento sobre a 24 trajetória musical de Heinz Geyer, obtido em trabalhos existentes sobre o autor (KORMANN, 1985; MAESTRO, 2010; PEREIRA, 2014; ROSSBACH, 2008), foi decisivo para delimitar o espaço e o tempo e definir os dados para a pesquisa. Descartada a possibilidade de pesquisa sobre o autor antes de sua vinda para Blumenau, devido à falta de informações sobre seus primeiros 23 anos de vida na Alemanha, a delimitação geográfica e temporal foi estabelecida pela atuação de Geyer, na cidade de Blumenau (SC), de agosto de 19215 até dezembro de 19746. No referido período, a difusão das obras de Geyer ainda se dava por meio de fontes físicas, salvo algumas tecnologias de reprodução existentes e que foram se desenvolvendo ao longo desse período. Nesse sentido, a circulação das fontes se deu, primordialmente, em um espaço geográfico restrito ao município de Blumenau, o que permitiu que o mapeamento dos acervos a serem pesquisados obedecesse ao critério da presença física do maestro Heinz Geyer e sua atuação com música. A partir desse critério, estabeleceram-se as seguintes instituições, contendo seus repositórios ou setores com fontes das obras e arranjos de Geyer: a) a Sociedade Dramático-Musical Carlos Gomes (Blumenau), instituição na qual Geyer trabalhou por mais de 30 anos; b) o Centro Cultural 25 de Julho de Blumenau, onde regeu a Männergesangverein Liederkranz (fundado, em 1909, e ativo até hoje)7 e auxiliou na formação do Coral Misto 25 de Julho8 (atualmente denominado Coro Misto Stimmen des Herzens – Vozes do Coração), da mesma instituição; c) o Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, instituição pública que possui a maioria do material musical do maestro; e d) a Escola de Educação Básica Pedro II (na época, Escola Normal Pedro II), instituição de ensino na qual foi atuante como professor de música e canto orfeônico. Somente nessa última instituição não foram encontradas fontes das obras de Geyer, o que leva a crer que seu material tenha sido retirado no momento de sua saída ou aposentadoria. 5 Consta no livro de Edith Kormann (1985, p. 8-9), que em 20 de agosto de 1921, a marcha para orquestra Ernesto Czerniewicz, de Heinz Geyer, foi apresentada, sob sua batuta, pela sociedade de música Klub Musical, no Teatro Frohsinn. O programa foi publicado no jornal Der Urwaldsbote nessa mesma data e no próprio livro, sendo que a autora considera esta, a comprovação do envolvimento de Geyer com a música em Blumenau. 6 A última atividade musical realizada por Heinz Geyer, conforme consta em Rossmark e Volkmann (2013, p. 28), foi a regência do Coro Masculino Liederkranz, no concerto de Natal do Centro Cultural 25 de Julho, em 21 de dezembro de 1974. 7 A Männergesangverein Liederkranz – ou Sociedade Masculina de Cantores Liederkranz – será, no âmbito da tese, designada com a nomenclatura Coro Masculino Liederkranz. 8 Este grupo estreou em 16 de dezembro de 1972 (ROSSMARK; VOLKMANN, 2013, p. 25). 25 Ainda sobre o mapeamento de acervos, considerou-se a atuação eventual de Geyer em outras cidades de Santa Catarina e do Brasil. A partir do levantamento dos dados biográficos de Geyer, especialmente as citações em alguns periódicos isolados, presumiu- se a existência de fontes das suas obras nas cidades que compõem o Vale do Itajaí, especialmente alguns núcleos que, nesse período, ainda estavam intimamente ligados à localidade central, ou seja, à cidade de Blumenau. Nas cidades que poderiam salvaguardar fontes de Geyer – neste caso as cidades de Indaial, Timbó, Gaspar e Pomerode, algumas outras cidades vizinhas, além da capital Florianópolis – foram consideradas as bibliotecas públicas e o acervo da Hemeroteca Digital Catarinense (HDC). Eventos realizados por Geyer em cidades como Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro também motivaram a pesquisa nas principais bibliotecas públicas e de universidades dessas cidades, bem como na Hemeroteca Digital Brasileira (HDB). Além da pesquisa nos periódicos diários das hemerotecas digitais, as buscas nas instituições públicas foram realizadas por meio dos acervos digitais disponíveis ou por contato, via correio eletrônico, com os funcionários das instituições. Ressalta-se que a investigação nesses acervos não possibilitou resultados significativos em relação a fontes de obras de Geyer, apenas referências sobre elas e sua inserção em eventos esporádicos nesses lugares. As fontes pesquisadas para o catálogo de Geyer foram os documentos de notação musical, manuscritos ou impressos, a saber, as partituras e partes. A utilização de outras fontes extramusicais permitiu a confirmação de informações que, eventualmente, não constavam nos documentos musicais. Elas, contudo, evidenciaram a existência das obras, que puderam então ser catalogadas mesmo com a ausência das partituras ou partes. Com essa função, foram incluídos os programas de concertos existentes nas três instituições pesquisadas: alguns audiovisuais publicados, uma entrevista, periódicos diários e fontes bibliográficas. Devido ao grande volume de material, não foram inseridos os periódicos em papel, como os jornais locais, por exemplo, salvo quando estavam referenciados em alguma fonte bibliográfica, fazendo alguma referência à determinada obra de Geyer. A coleta dos dados foi realizada por meio de registro fotográfico de todas as fontes de notação musical de Heinz Geyer encontradas, a partir da definição dos acervos que foram consultados. Durante o trabalho de campo, coletavam-se as dimensões dos documentos e realizava-se a contagem de folhas que compunham a fonte, identificando se elas se apresentavam como folhas soltas ou unidas em um caderno. O mesmo procedimento de registro fotográfico foi realizado com os programas de concerto. Quanto 26 aos LPs, ao CD e ao filme sobre o maestro, apesar de publicados, eles foram adquiridos e digitalizados para facilitar o acesso. Foi realizada uma entrevista, gravada em formato digital, com a integrante da orquestra da SDMCG, a pianista e organista Íris Colin Ramers, assistente de regência de Geyer, por cerca de três décadas. As informações constantes nas fontes foram sistematizadas em uma ficha catalográfica, em formato de tabela, contendo campos que foram definidos e minuciosamente descritos. A principal normatização adotada foi o corpo de normas internacionais para catalogação de fontes musicais históricas – o Répertoire Internationale de Sources Musicales – RISM, adaptadas para a realidade das fontes em questão. O primeiro parâmetro da ficha é a descrição da obra, suas informações de identificação e a descrição interna, incluindo o incipit musical. Na sequência estão todos os parâmetros de descrição de cada fonte existente, incluindo a localização nos acervos pesquisados. Além disso, essa ficha ainda apresenta campos para referências, bem como notas e comentários gerais sobre a obra. Uma segunda ficha foi elaborada, a partir da primeira, em formato descritivo, apenas com as informações encontradas, definindo assim a forma de apresentação do catálogo temático, sistemático e descritivo das obras e arranjos musicais de Heinz Geyer. Além da ficha com os dados das obras e arranjos, das fontes e suas características, as referências sobre as obras e os comentários adicionais, o catálogo também apresenta índices. Os índices determinam outras formas abreviadas de consulta das informações do catálogo. Justificativa e Relevância A carência de catálogos temáticos e do mapeamento das fontes musicais dos compositores brasileiros dificulta a pesquisa sobre a música no Brasil. Um ponto a ser discutido é o próprio conceito de catálogo temático, visto que a concepção se modificou ao longo da história. Vários trabalhos no Brasil, inclusive recentes, denominam-se “catálogos”, mas são listas de títulos, com reduzidas informações sobre as obras e nem sempre remetendo às fontes, seja fornecendo a sua localização ou o estado de conservação. A definição de terminologias e a exposição das concepções teóricas sobre o assunto estão no primeiro capítulo, mas cabe aqui expor alguns pontos sobre o entendimento de catálogos temáticos, tema central desta tese. 27 O musicólogo americano Barry Shelley Brook, no dicionário Grove, contribuiu para o entendimento da questão conceitual sobre este instrumento de pesquisa. Catálogo temático, segundo Brook (2001, p. 348), é um índice de composições que apresenta, indispensavelmente, o incipit musical, sendo esse o elemento do catálogo que melhor fornece a identificação da obra, mesmo as de autoria anônima ou duvidosa. O autor ainda discorre sobre uma infinidade de elementos necessários para a constituição de um catálogo, que deve ser organizado com precisão e rigor acadêmico, indo além de uma lista de títulos, organizada por temas, gêneros ou formas musicais. É um empreendimento complexo, de grande detalhamento e precisão, que compreende além da elaboração do incipit musical, a descrição minuciosa da obra e das fontes disponíveis, sejam elas autógrafas, cópias, versões ou edições, informando sua localização. Além desses elementos, o catálogo pode conter outras informações e referências importantes sobre as composições, que auxiliam no estudo da obra integral ou parcial de um autor. Os estudos sobre catálogos temáticos realizados nesta pesquisa evidenciaram que elaborar este tipo de material é uma atividade muito difundida na Alemanha, sobre a qual musicólogos se debruçam durante considerável tempo de pesquisa e estudo. Isso revela uma tradição estabelecida e uma metodologia consolidada, adequada às fontes existentes nos acervos musicais naquele país. Além dos exemplos de catálogos de compositores já citados anteriormente, na década de 2010, musicólogos ainda têm se preocupado em catalogar a obra e localizar as fontes – ou ainda, complementar informações – da produção musical de compositores antigos e mais recentes. Dentre os mais antigos está Samuel Scheidt (1587-1654), cuja publicação apresenta uma atualização do catálogo do compositor, o Samuel Scheidt Werke Verzeichnis (SSWV), com correções e adendos (KOCH, 2012) e as composições atribuídas a Georg Friedrich Händel (1685-1759) do século XVIII, que eram desconhecidas pelos pesquisadores até então, tratando-se de um apêndice do Händel Werke Verzeichnis (HWV) (MARX; VOSS, 2017). O mesmo ocorreu com dois compositores atuantes na Alemanha no século XX, contemporâneos a Geyer, com a publicação do catálogo das obras de Harald Genzmer (1909-2007) (FAUL, 2011) e o catálogo de obras e fontes de Bernd Alois Zimmermann (1918-1970) (HENRICH, 2013). Um dos problemas específicos do Brasil é o desconhecimento de grande parte de nossa produção musical. Apesar de serem realizadas pesquisas por parte dos musicólogos, intérpretes, regentes, historiadores e demais interessados na história da música, os estudos e análises sobre toda a obra – ou determinada(s) obra(s) dos autores brasileiros – a maioria 28 das vezes, apresentam visões ou análises parciais. Eventualmente, pode haver até o desconhecimento da própria existência dos compositores atuantes no país, principalmente aqueles distantes dos maiores centros de atividade musical. Contribui para esse desconhecimento ou parcialidade, a falta de iniciativas para o levantamento do patrimônio arquivístico-musical brasileiro, que depende do trabalho de mapeamento de acervos, do recolhimento, salvaguarda, tratamento de fontes e a disponibilização do acesso das informações à pesquisa. Nesse sentido, Castagna (2016, p. 193) defende a ampliação das ações em acervos musicais brasileiros e a criação de infraestrutura para a pesquisa nessa área, dada a diversidade de práticas musicais representadas nos acervos brasileiros. Esse panorama comprova a necessidade de sistematização de metodologias e o desenvolvimento epistemológico de uma área ainda a ser consolidada no país, a Arquivologia Musical Brasileira. De um ponto de vista geral, a preocupação com as práticas e atividades arquivísticas no Brasil já é antiga, evidenciada com a criação do Arquivo Público do Império (atual Arquivo Nacional) em 1838. A pesquisa de Angélica Marques (2017, p. 79) mostra que, entre 1960 e 2015, o Brasil contava com 17 cursos de graduação em Arquivologia e que a produção científica na área havia aumentado significativamente entre 2002 e 2015. Apesar disso, a autora considera que a Arquivologia Brasileira busca por identidade epistemológica, teórica e político-institucional, visto que ainda se encontra, na maioria das vezes, vinculada à área de Ciências da Informação e vislumbra possibilidades de diálogos com outras áreas e disciplinas para fortalecer-se como disciplina científica. As teorias da Arquivologia Brasileira têm auxiliado na pesquisa em fontes musicais, apesar da necessidade de se considerar, segundo Castagna e Meyer (2017), as características intrínsecas das fontes musicais e desenvolver teorias arquivístico-musicais específicas, “não havendo como aumentar o recolhimento de acervos musicais em fase permanente, de forma segura e eficiente, sem uma perspectiva interdisciplinar entre a musicologia, a arquivologia e a biblioteconomia.” (CASTAGNA; MEYER, 2017, p. 333). A discussão metodológica, com base nos modelos de catálogos existentes, e considerando a interdisciplinaridade, ante o estabelecimento de uma Arquivologia Musical, possibilita a ampliação da cultura de elaboração de catálogos de obras no Brasil, contribuindo para um levantamento mais abrangente e preciso do nosso patrimônio arquivístico musical. Assim, evita-se a visão fragmentada da memória musical brasileira e poderão ser produzidos trabalhos, com visão mais ampla, dos objetos estudados. 29 Este trabalho disponibiliza o catálogo das obras de um compositor atuante no século XX, mas que se insere em uma estética do final século XIX. Geyer acumulou alguma experiência, em pouco mais de uma década de estudo e prática musical, na Alemanha no início do século XX. Além disso, o repertório canônico, presente nos concertos do final do século XIX, representa a dicotomia da época, sobretudo na Alemanha. Essa dicotomia é percebida no prestígio aos compositores antigos como Haendel, Mozart, Beethoven, Mendelssohn ao lado dos novos estilos, formas e compositores que passaram a dominar a música de concerto desse período como Brahms e Wagner (BURKHOLDER; GROUT; PALISCA., 2006, p. 715). Os mesmos compositores estavam presentes nos programas dos concertos da orquestra sinfônica do Teatro Carlos Gomes. Como Geyer se estabeleceu no interior do Brasil, na cidade de Blumenau (SC), em 1921, manteve-se relativamente alheio às escolas composicionais e tendências estéticas contraditórias, do início do século XX, na Europa. Com isso, incutiu em suas composições as referências de que dispunha, adquiridas basicamente como instrumentista de orquestra na Alemanha. Diferentemente de muitos autores do século XX, cuja obra já foi difundida mais frequentemente por meio de edições e publicações, a obra de Geyer ainda se apresenta na forma de manuscritos. Sua atuação se deu no contexto de uma região interiorana do Sul do Brasil, que se constituía como uma “ilha” de cultura, ainda isolada para a época, formada primordialmente por descendentes de imigrantes alemães, cuja importância para a cultura local é inegável. A obra de Geyer satisfazia aos objetivos locais e sua difusão por meio de edições não era o foco central de sua produção. Poucos são os exemplos de edições e publicações de suas obras que, quando eram realizadas, se faziam sobre trechos das obras maiores. Em uma resenha sobre o catálogo temático das obras religiosas de Marcos Portugal (MARQUES, 2012), Castagna (2014) afirma que são necessários os trabalhos de catalogação de obras de autores que tenham maior significado local, sem desprezar os compositores cuja herança cultural para a humanidade é inestimável. Eles contribuem para a diversidade musical em países como, por exemplo, Brasil e Portugal, onde predomina o repertório convencional centro-europeu e ainda “[...] é uma maneira de integrar o local no universal, de abrir a possibilidade de nos sentirmos parte do todo e de contemplarmos o todo em nossa parte.” (CASTAGNA, 2014, p. 126). 30 A grande quantidade de catálogos produzidos desde o século XIX, na Alemanha, mais intensamente a partir da segunda metade do século XX e até os dias atuais, evidencia que esta é uma atividade importante para o conhecimento da obra dos compositores e possibilita a visão geral da produção musical e a localização das fontes. Estudar parte dos catálogos alemães e brasileiros e entender seus procedimentos metodológicos possibilitou aplicar um conhecimento acumulado por essas experiências, no catálogo de Geyer, contemplando “o todo em nossa parte”. O catálogo de Geyer também possibilita a visão geral sobre sua produção musical e localização das fontes, visto que até então não se dispunha de um levantamento dessa natureza. Além do significado local, o autor também se insere num contexto geral, em uma sociedade multicultural, como é a brasileira. Geyer foi um compositor alemão que chegou ao Brasil aos 23 anos de idade, iniciando uma longa carreira em composição e regência. Além de estar introduzido em um contexto local, também se insere na diversidade musical observada na história da música no Brasil, cuja leitura pode ser feita a partir da exploração dos arquivos distribuídos em todo o país. Entretanto, buscou-se contribuir para que outros trabalhos de catalogação de obras sejam realizados, com base nas especificidades e problemas existentes no Brasil. Conforme a hipótese lançada, o estudo dos exemplos de catálogos contribuiria para essa atividade, seja no caso de Geyer, como para com outros autores brasileiros. A experiência de elaboração do catálogo de Geyer, autor representante de uma cultura local de descendentes de imigrantes alemães do interior do país, no século XX, traz uma contribuição também da parte no todo, a possibilidade de “integrar o local no universal”. Nesse sentido, a contribuição busca ser metodológica, aplicável em outras culturas, para a solução de problemas semelhantes com relação ao patrimônio histórico-musical brasileiro, especialmente quanto à questão da ausência de catálogos eficientes para o mapeamento da produção de um autor. Enriquecendo o corpo teórico sobre o assunto, motiva-se a comunidade científica à realização de outros trabalhos dessa natureza com parâmetros mais fundamentados e mais adequados ao caso brasileiro. Com a disponibilização de catálogos mais abrangentes das obras de autores que produziram ou produzem no Brasil, recortes poderão ser realizados com mais consciência, sem incorrer em análises deturpadas da produção musical de um autor. 31 Estrutura da tese Esta tese está estruturada em dois volumes, sendo que o primeiro apresenta três capítulos: a) o marco teórico; b) os dados biográficos sobre Geyer e a descrição dos acervos e as fontes; e c) a discussão metodológica com base na experiência de catalogação de Geyer. No segundo volume está o catálogo propriamente dito, incluindo os dados quantitativos sobre a produção musical de Geyer e os diversos índices. No capítulo I da tese – Marco teórico – apresentam-se os conceitos gerais e as principais definições terminológicas específicas da área de Arquivologia e Arquivologia Musical. A segunda parte do capítulo traz uma revisão bibliográfica em catálogos temáticos de obras. Dentre as distinções principais apresentadas quanto às questões conceituais estão “fonte” e “obra”. O catálogo elaborado relaciona as obras de Geyer e apresenta as fontes disponíveis dessas obras. Em alguns casos, não foram encontradas fontes de notação musical, mas a comprovação da existência da obra foi possível por meio de fontes alternativas como programas de concerto, audiovisuais publicados, periódicos e fontes bibliográficas, o que permitiu a inclusão da composição no catálogo. Portanto, o catálogo pode incluir obras, cujas fontes de notação musical são desconhecidas. Outra é a distinção entre “inventário”, “catálogo de acervo” – mais comuns nos empreendimentos desse tipo – e “catálogo de obras e fontes”, com foco em um autor específico, que é o caso da presente tese. Na sequência de apresentação das definições estão relacionados e fundamentados os blocos com os campos de descrição da ficha catalográfica do catálogo temático de Geyer. Quanto à revisão bibliográfica sobre o assunto, apresenta-se um olhar analítico e crítico sobre os catálogos temáticos já relacionados anteriormente. Foram analisados alguns pontos comuns e soluções utilizadas pelos autores que serviram de base para a elaboração dos critérios adotados no catálogo de obras e arranjos de Heinz Geyer. Os catálogos de Mozart (KÖCHEL, 1862), Bach (SCHMIEDER, 1950 e 1990), Haydn (HOBOKEN, 1957 e 1978) e Schubert (DEUTSCH, 1978) foram os primeiros analisados e apresentaram características interessantes a serem estudadas, bem como são referenciados pela literatura especializada sobre o assunto. O catálogo de Mozart por Köchel (1862) é pioneiro, sendo o primeiro catálogo cronológico elaborado ainda no século XIX. O de Bach, já no século XX, é o mais popular, principalmente pela sua identificação com as 32 iniciais “BWV”9, da mesma forma como o de Haydn com sua identificação “Hob”10. O catálogo de Schubert por Deutsch (1978) é o que mais ofertou informações referentes à metodologia empregada na organização do material e sobre a história dos catálogos, incluindo e dando a devida importância aos três trabalhos referenciados anteriormente sobre Mozart, Bach e Haydn. Outros catálogos referenciais para a presente tese foram os de Isaac Albéniz (MULAS, 2001) e da obra religiosa de Marcos Portugal (MARQUES, 2012). Eles foram cuidadosamente analisados em determinados quesitos como, por exemplo, a estrutura, a organização e a elaboração dos incipits. Aborda-se ainda uma iniciativa dinamarquesa de catálogo digital, evidenciando tendências de inclusão desses instrumentos de pesquisa na internet. Quanto aos trabalhos brasileiros, foram estudados o catálogo de José Maurício Nunes Garcia (MATTOS, 1970), André da Silva Gomes (DUPRAT, 1995), José Emerico Lobo de Mesquita (GUIMARÃES, 1996) e Villa-Lobos (MUSEU VILLA-LOBOS, 1958, 1972, 1989, 2009). Também foram abordadas as listas de obras denominadas equivocadamente de “catálogos”, elaboradas sob iniciativas do Ministério das Relações Exteriores (década de 1970), da Academia Brasileira de Música (ABM) juntamente com o Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) (década de 2010), dentre outros trabalhos mais recentes. As publicações da ABM e da UFBA não apresentam os mesmos parâmetros adotados nos catálogos dos autores brasileiros, acima citados, nem nas referências internacionais analisadas. Finalmente, apresenta-se uma iniciativa com a produção de Heinz Geyer, realizada em 2011, com o projeto de inventariação denominado Acervo Heinz Geyer (AHG), da SDMCG. Esse projeto, que não fora finalizado, configurou-se como marco inicial para a presente pesquisa. Apesar da prática comum de revisão e reedição – assunto abordado ao final do capítulo, é de fundamental importância que um catálogo de obras seja elaborado com critérios bem definidos, buscando conhecer a totalidade da produção musical do compositor e da localização de suas fontes. Após a abordagem do assunto sobre a revisão e reedição dos catálogos temáticos, disponibilizou-se um conjunto de quadros comparativos entre os catálogos estudados, considerando os diversos parâmetros que se evidenciaram importantes para o desenvolvimento da discussão metodológica proposta. 9 Iniciais de Bach-Werke-Verzeichnis, que significa “Catálogo das obras de Bach”. 10 Abreviação de Hoboken, o catalogador das obras de Haydn. 33 O capítulo II – Heinz Geyer: dados biográficos e fontes para seu catálogo temático – está dividido em três partes: a) dados biográficos de Heinz Geyer; b) acervos; e c) fontes. O capítulo apresenta Heinz Geyer inserido no contexto cultural da cidade de Blumenau, abordando características de sua obra e os acervos nos quais são encontradas as fontes. Inicialmente, um esboço biográfico auxiliou na delimitação da pesquisa, bem como na escolha de estratégias para o levantamento das fontes musicais e na identificação e definição dos acervos consultados. Foram descritos, detalhadamente, os acervos pesquisados, incluindo seus critérios de escolha e as categorias de fontes consideradas para o levantamento dos dados. No capítulo III – Experiência, discussão e proposições metodológicas – está a discussão a partir da experiência vivenciada no processo de elaboração do catálogo de Geyer e nos estudos realizados nas obras de referência da área. Discorre-se sobre a estrutura e o conteúdo do catálogo de Geyer. As obras e os arranjos são classificados e codificados com as iniciais “HG”, de Heinz Geyer, seguidas dos números correspondentes à categoria, subcategoria e o número da obra ou arranjo, contando ao total, com três níveis numéricos para a identificação, conforme o exemplo: HG.1.01.01. Os campos da ficha catalográfica foram definidos com base nas normas RISM, adaptadas para a realidade das fontes em questão. São analisados diversos aspectos técnicos e questões relacionadas aos desafios, problemas e soluções encontradas para o catálogo Geyer. A partir dos procedimentos realizados em Geyer, foram estabelecidas algumas proposições que possam contribuir para a metodologia de elaboração de catálogos temáticos com outros autores no Brasil. Os aspectos abordados envolvem os estudos preliminares a serem realizados, a forma de obtenção dos dados, seu registro e a organização no catálogo. Buscou-se, também, lançar um olhar sobre as especificidades da produção composicional de Geyer, considerando suas contribuições, as formas de preservação e difusão de sua obra no campo científico e educacional, além das possibilidades de reintegração dessa produção no ambiente cultural da cidade de Blumenau. O segundo volume da tese apresenta o catálogo temático, sistemático e descritivo das obras e arranjos de Heinz Geyer. Sendo a parte mais substancial do trabalho, este volume, em separado, permite um olhar geral sobre a obra de Geyer e as fontes disponíveis. O catálogo apresenta formatação diferente do restante do trabalho, dando a ele uma característica individualizada e servindo de consulta para o leitor que, paralelamente, 34 acessa as questões discutidas nos três primeiros capítulos da tese. As categorias gerais das obras e arranjos no catálogo estão divididas em: a) música vocal; b) música instrumental; e c) teatro musical, contendo suas subdivisões, devidamente relacionadas, em local específico. Obras rearranjadas e reorquestradas, referenciadas – mas não encontradas pela ausência de fontes musicais – são todas mencionadas no catálogo. 35 1. MARCO TEÓRICO 36 1.1 CONCEITOS GERAIS E DEFINIÇÕES TERMINOLÓGICAS Apresentam-se a seguir os conceitos gerais e as definições dos principais termos adotados neste trabalho quanto à teoria para a catalogação de obras e fontes musicais. Os conceitos abrangem a distinção entre obra, arranjo e fonte musical, bem como a própria acepção do termo desse instrumento de pesquisa denominado “catálogo”. A partir dos conceitos discorre-se sobre os elementos de descrição de um documento musical, com base nas normas nacionais e internacionais e na literatura sobre a área de arquivologia musical disponíveis, conforme os procedimentos adotados na proposta do catálogo temático, sistemático e descritivo das obras e arranjos de Heinz Geyer. 1.1.1 Obra e fonte musical No trabalho arquivístico com documentos de notação musical, devido às suas especificidades, é extremamente importante estabelecer a distinção entre os conceitos de “fonte musical”11 e “obra musical”12. O primeiro conceito remete ao registro de uma composição, sendo que o segundo – a obra – somente se traduz como tal no momento de sua execução e percepção pelo ouvinte. O fenômeno musical engloba o ato da criação do autor, a percepção do ouvinte e o registro ou representação da informação em algum suporte. Com essa base, o conceito de obra musical (ou composição musical) se define a partir de sua dimensão real, a sonora: A obra musical pode definir-se como o produto de actividades [sic.] psíquicas e físicas de um músico – o compositor – que terminam logo após a sua notação ou execução imediata. A partir deste momento de criação adquire um carácter virtual. A obra musical realiza-se, actualiza-se [sic.], nas suas diversas execuções e audições transformando-se então em música. Mas até ocorrer essa transformação, a obra musical não é música, não é uma coisa real com propriedades determinadas independentemente da sua percepção, mas algo virtual e intencional (MONTEIRO, 1999, p. 46). Nessa dimensão, música é um fenômeno sonoro percebido pelo ouvinte a partir da execução de uma obra musical. A compreensão do fenômeno musical foi delineada em três dimensões dentro do campo da Semiologia, por Jean Molino e Jean-Jacques Nattiez – na década de 1980, citados por Monteiro (1999, p. 46): a “dimensão poiética” (o ato da criação), a “dimensão estésica” (a percepção) e o “nível neutro” (o resultado material do 11 Musical source (ing.); Musikalische Quelle (ale.). 12 Musical work (ing.); Musikalisches Werk (ale.). 37 processo, a partitura, a gravação). Monteiro (1999) salienta que esse sistema pode ser mais complexo quando se incluem outras intervenções, a compreensão do intérprete, a própria interpretação e a recepção ou compreensão do ouvinte, um ato que é subjetivo. Sendo assim, a estruturação simbólica da obra vai além do ato inicial da criação, mas inclui as diferentes vivências e compreensões proporcionadas a todos os sujeitos envolvidos. Com base no modelo semiológico de Molino e Nattiez (apud MONTEIRO, 1999), sobre as três dimensões de existência do fenômeno musical, o nível neutro é a dimensão material resultante do processo entre a criação e a percepção da obra pelo ouvinte. O registro da obra se faz pela representação escrita, por meio de códigos específicos para permitir sua reprodução e transmissão. O suporte utilizado para essa representação define a fonte musical. O suporte é o “material no qual são registradas as informações” (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 159). Os diversos suportes para o registro das informações são pedra, madeira, cristal, pergaminho, papel, arquivos de computador, gravações sonoras em rolos de cera, discos de carnaúba, etc. No caso da música escrita, o principal suporte utilizado é o papel (impresso e/ou manuscrito) e o pergaminho. Além desses, são suportes para registro de informações musicais o cilindro, rolo, disco, fita, LP, CD, HD, SSD, disquete, pen drive, etc. Conforme os avanços tecnológicos, apareceram novos suportes em que os compositores escrevem sua música em editores de partitura, cujos arquivos são armazenados em suportes informáticos (MONTERO GARCÍA, 2008, p. 104). Castagna (2018, p. 38) sistematizou, para o âmbito da música, as particularidades das três categorias do patrimônio musical: a obra, a representação dela e a fonte. Quanto à natureza, por exemplo, a obra musical é som, sua representação propicia a informação sobre ela, registrada em uma fonte material. Carlos Alberto Figueiredo, no livro Música sacra e religiosa brasileira dos séculos XVIII e XIX: teorias e práticas editoriais, analisa algumas edições musicais realizadas por editores brasileiros a partir de 1934, com base na Crítica Textual. Na primeira parte do livro, o autor expõe e discute teorias e metodologias que servem de base para a realização de edições e, dentre elas o conceito de fonte: A fonte é o suporte físico, manuscrito, impresso ou digital que contém uma ou mais obras, ou partes de obras. Na tradição musical ocidental escrita do século XVII para cá, as fontes, manuscritas, impressas ou digitais, podem ser apresentadas como partitura ou partes cavadas (FIGUEIREDO, 2017, p. 27). 38 Montero García (2008, p. 93, tradução nossa) considera fonte, no âmbito da pesquisa musicológica, “[...] todo documento, material bibliográfico ou pessoa, que possa proporcionar informação ao pesquisador”13. Essa autora apresenta duas classes de fontes documentais musicais: as diretas e indiretas. As fontes diretas são aquelas geradas pela pessoa ou instituição estudada e as indiretas são aquelas obtidas a partir das primeiras, resultantes de distintos processos de estudo, classificação ou catalogação. Quanto à importância das fontes em relação ao tema da pesquisa, as fontes documentais classificam- se em primárias e secundárias. As primárias são a principal ferramenta para a pesquisa musicológica, as que proporcionam a maior parte da informação necessária para a pesquisa. As secundárias possuem um valor informativo menor, mas também são necessárias. As teorias arquivísticas surgiram para atender às demandas apresentadas pelos documentos administrativos. Os documentos administrativos são submetidos a comissões de avaliação, auxiliadas por tabelas de temporalidade, que determinam seus prazos de vigência, critérios e justificativas para sua eliminação, quando desnecessários ao órgão de origem ou à pesquisa histórica (BELLOTTO, 2006, p. 24). Contrapondo essa prática, está a abordagem de Hilary Jenkinson14 que se adequa, também, às fontes documentais musicais. Nessa abordagem o autor “considera o arquivo permanente uma continuidade do arquivo corrente, condenando a eliminação de documentos por parte do arquivista [...] deve ficar a cargo exclusivamente do próprio produtor dos documentos” (RODRIGUES, 2006, p. 104). Apesar de poderem perder sua função social e/ou institucional, as fontes musicais não perdem o seu valor primário, pois sempre será possível o interesse pela sua reintegração para a fase corrente do ciclo vital15 (CASTAGNA, 2016; GÓMEZ GONZÁLEZ, 2008). A partir da concepção da obra, a informação é representada em fontes musicais (partituras e partes), que podem ser reproduzidas por meio de cópias ou exemplares. A validação ocorre a partir da utilização da fonte no exercício da prática musical, o que insere 13 “[...] todo documento, material bibliográfico o persona, que pueda proporcionar información al investigador”. 14 O arquivista e teórico inglês Hilary Jenkinson (1882-1961), publicou em 1922 (JENKINSON, 1922) A manual of archive administration (publicado em segunda edição, 1937) (JENKINSON, 1937), no qual insere suas acepções acerca da evolução dos documentos de arquivo. 15 No ciclo vital dos documentos e na teoria das três idades, conforme Pérotin (1961), os documentos, após sua criação (ou recepção), são validados e entram em uso na idade corrente. Após o fim do uso corrente, entram na idade intermediária, permanecendo até o fim do prazo legal de vigência do documento, passando então pela avaliação das comissões responsáveis que eliminam os papéis desnecessários ao órgão de origem ou que não apresentem interesse para a pesquisa histórica. Finalmente, os documentos restantes são recolhidos para a preservação definitiva, entrando em idade permanente. 39 a fonte na fase corrente do ciclo vital do documento. Nessa fase, cuja duração não é determinada, a fonte pode sofrer acréscimos, supressões ou modificações, dependendo das necessidades para a sua execução. Após o fim do uso corrente, muitas vezes por desgaste físico, o documento entra na fase intermediária sendo, por hora ou definitivamente, esquecido. Caso haja novo interesse pela execução da obra, a fonte pode sofrer reparos e retornar à fase corrente. Segundo Castagna e Meyer (2017, p. 330), geralmente, os documentos musicais ingressam na idade intermediária de forma passiva, quando o repertório representado nelas perde sua função social ou institucional. Nessa fase, essas fontes musicais têm pelo menos cinco alternativas de destino: 1) o ostracismo e a submissão a fortes condições de degradação física, com possibilidade de danos físicos irreversíveis e perda total ou parcial de fontes ou mesmo de todo o acervo; 2) a perda ou desfalque não intencional, por falta de controle, desinformação, acidentes, vandalismo ou roubo; 3) o descarte intencional de fontes específicas ou de todo o acervo; 4) a alienação, por doação, herança ou venda, de forma coesa ou fragmentada; 5) o recolhimento como arquivo permanente e de interesse histórico, em instituição idêntica ou diferente daquela que o originou (CASTAGNA; MEYER, 2017, p. 330). Para a sistematização das informações da produção composicional de Geyer, foram utilizadas as fontes documentais diretas, em sua maioria primárias e algumas de importância secundária. A partir delas, foi gerada uma fonte indireta, que é o catálogo temático de obras do compositor. O registro das informações das obras e arranjos de Heinz Geyer foram produzidos em suporte material, documentos gráficos e sonoros, por motivos funcionais, culturais e artísticos. Inicialmente foram consideradas as representações de música em notação musical tradicional, legíveis diretamente em partituras, partes e partituras de direção, manuscritas e impressas. Os registros de notação musical se apresentam em suporte de papel, na forma de: a) manuscritos; b) mecanizados por meio de técnicas de reprografia por mimeógrafo, fotocópia heliográfica e eletrostática (xerográfica). Outras fontes documentais sobre a música de Geyer que proporcionaram informações adicionais para o catálogo foram os registros audiovisuais, legíveis por meio de um aparato intermediário: três fonogramas com registros de interpretações realizadas pelo próprio compositor, um fonograma com interpretações de outros músicos, um filme/documentário e uma entrevista contendo testemunho de pessoas envolvidas com o compositor e áudios em fitas de rolo que foram publicadas na internet. Ainda quanto aos documentos textuais, foram utilizados os programas de concertos contendo relação de repertório musical interpretado, libretos das 40 obras cênicas, periódicos diários e fontes bibliográficas sobre a produção musical e a biografia de Geyer. 1.1.2 Arranjo musical Segundo Figueiredo (2017, p. 105), “o compositor é não só responsável pela origem de seu texto, mas é também importante agente modificador, gerando alterações de vários tipos, que podem ocorrer por diferentes razões.” Arruda e Chagas (2002, p. 33) afirmam que o autor é o “[...] responsável pela criação do conteúdo intelectual ou artístico” de uma obra ou de um documento e, além de o produzir (não necessariamente), ao mesmo tempo, é o consumidor desta informação. Nesse sentido se insere uma categoria importante no campo da criação musical, o “arranjo”16, prática muito representativa no conteúdo criativo de Heinz Geyer. O tratamento do termo e alguns de seus desdobramentos terminológicos e conceituais são pertinentes para a compreensão de uma parcela significativa da produção musical deste compositor. Práticas de reelaboração musical, como serão aqui mencionadas, com base na pesquisa de Pereira (2011), sempre ocorreram na história, desde as transcrições da música vocal para música instrumental do Renascimento. A prática de reelaborar o repertório original por meio de arranjos e transcrições se manteve até o final do século XVIII (PEREIRA, 2011, p. 3). No século XIX e no decorrer do século XX esse tipo de procedimento, ao menos no ambiente da “música erudita”, passou a ser mais questionado e sofreu certo declínio, porque a ideia de “obra prima”, “inviolável”, “perfeita” ainda se mantinha. Além disso, a diversidade das formações instrumentais e possibilidades de timbre e textura, característicos da composição moderna, se tornaram obstáculos, pois as obras originais, em princípio, “não poderiam ser transpostas para outro meio musical”. Apesar disso, as práticas de reelaboração musical se mantiveram presentes ao longo do século XX (PEREIRA, 2011, p. 6). No decorrer da história da música, a ideia de “arranjo” se modificou, desde o entendimento de uma atividade menos criativa, uma reelaboração de uma obra anterior, até uma concepção mais criativa, artística e autoral. Conceituar o termo arranjo é um desafio que implica considerar as distintas tarefas implicadas nesse tipo de reelaboração musical: 16 Arrangement (ing.); Bearbeitung (ale.). 41 Em contextos diversos surgem as noções orquestração, instrumentação, harmonização, acompanhamento, distribuição de vozes, rearmonização, variação, versão, adaptação, transcrição, redução, tradução, cópia, transporte, reelaboração ou recomposição, nova roupagem, entre outras, associadas à atividade de arranjar. Examinando os significados atribuídos a esses termos em variadas situações notamos que um mesmo termo pode ser empregado em referência a realizações distintas, ou ainda, que mais de um deles igualmente abriguem certa ideia ou ação específica (NASCIMENTO, 2008, p. 11) O sentido de arranjo musical, segundo Boyd (2001, p. 65), é uma adaptação de uma obra musical original para uma outra determinada realidade. Esta acepção adota a ideia de arranjo como uma modificação de um material composicional preexistente, envolvendo algum grau de recomposição, na forma de variações, de transferência de uma realidade para outra ou uma simplificação. Esta é uma definição reducionista do termo e pesquisas mais aprofundadas nessa área têm sido desenvolvidas, considerando as mais diversas variantes dessas práticas. A pesquisa de Pereira (2011) vai além, buscando um aprofundamento conceitual em alguns desses termos, associados ao termo “arranjo”, abordados teoricamente como sinônimos, mas na prática possuindo procedimentos diferentes. A autora observou os procedimentos técnicos envolvidos nas “práticas de reelaboração musical” em obras emblemáticas, representativas ou que trazem explicitamente no título alguma referência sobre cada categoria. As categorias analisadas foram: arranjo, transcrição, orquestração, redução, adaptação e paráfrase, levando em consideração o maior ou menor grau de interferência no original para elencar as considerações sobre o entendimento de cada procedimento. Nos critérios adotados por Pereira (2011) para a análise dos procedimentos nas reelaborações foram considerados os aspectos estruturais e ferramentais. Os aspectos estruturais são a estrutura melódica, harmônica, rítmica e formal, que provocam “uma transformação mais imediata, apresentando diferenças mais claras, em relação ao original” (PEREIRA, 2011, p. 45). Quanto maior a manipulação e modificação desses aspectos, mais a reelaboração se distancia do original. Os aspectos ferramentais são o meio instrumental (ou meio expressivo, incluindo instrumentação e composição vocal), altura, timbre, textura, sonoridade, articulação, acentuação e dinâmicas. Conforme Pereira (2011, p. 46), ao serem manipulados os aspectos ferramentais, “a obra ainda poderá guardar fidelidade em relação ao original, se os aspectos estruturais estiverem preservados”. A partir desse estudo, convém elencar alguns parâmetros sobre essas práticas e, assim, definir com mais clareza quais os procedimentos realizados por Heinz Geyer. 42 Segundo Pereira (2001, p. 214), para ser definido como um “arranjo” é necessário que ocorra a manipulação de aspectos estruturais de “forma elaborada” do material preestabelecido. No arranjo não se busca a fidelidade à obra original, entretanto, a autora é cautelosa quando afirma que: “[...] na prática de arranjo, embora promova maior manipulação de aspectos estruturais, mantém ainda determinados contornos que a remetem ao material original”. Não é necessário que ocorra mudança de meio expressivo, entretanto, os aspectos de forma e harmonia são, em geral, os mais afetados. Com relação à forma, o arranjador possui a liberdade de criar trechos novos, passagens com caráter de improviso, contrapontos, introduções, pontes, conclusões ou mesmo introduzir modulações (PEREIRA, 2011, p. 228). Essas inserções podem ocasionar um distanciamento expressivo do original ao ponto de se discutir se o produto da reelaboração ainda é considerado um arranjo ou uma nova composição. Medeiros (2009), buscou entender as definições de alguns tipos de reelaboração musical nos universos erudito e popular a partir da análise formal, harmônica e melódica do Carinhoso, de Cyro Pereira, verificando sua relação com o original de Pixinguinha. O objetivo dessa pesquisa foi buscar entender se o Carinhoso de Cyro Pereira é uma composição ou um arranjo e se o faz autor ou coautor da obra de Pixinguinha. Medeiros (2009) distingue os arranjos de Pereira dentre funcionais e livres. Os funcionais seriam aqueles produzidos para acompanhar solistas, com a estrutura formal e harmônica semelhante ao material original. Nos arranjos livres exercita-se a capacidade inventiva do autor, fato constatado nas fantasias de Cyro Pereira sobre temas natalinos, sertanejos, canções de compositores brasileiros ou estrangeiros ou sobre determinadas obras (MEDEIROS, 2009, p. 29). O resultado da análise de Carinhoso, de Cyro Pereira, mostrou que a peça sofreu um tratamento composicional na esfera de outro tipo de reelaboração musical, a “variação”. A variação, segundo Zamacois (1960, p. 136) consiste na modificação de um tema diversas vezes de forma breve, após sua exposição no início da obra. A modificação do tema nas variações pode ocorrer: (1) no próprio tema, mas ainda mantendo suas características que permitam seu reconhecimento; (2) na harmonia ou no contraponto e (3) no tema, permanecendo dele um fragmento ou detalhe, mas sendo constituído novo material temático. Nessa visão de análise entendeu-se que há elementos suficientes para afirmar que a reelaboração musical Carinhoso “apresenta uma estatura compatível com a 43 de uma obra de arte e deve ser classificada como uma composição, no formato ‘Variações sobre um Tema’”, sugerindo a renomeação do título para Variações sobre Carinhoso (MEDEIROS, 2009, p. 102). Geyer manipula os aspectos estruturais livremente, em especial a forma, harmonia e meio expressivo. Quanto ao grau de interferência no original entende-se que o material preestabelecido e manipulado por Geyer, em sua grande maioria, são as melodias populares e folclóricas, brasileiras ou estrangeiras, que basicamente não sofrem modificação. Com fundamento nos parâmetros discutidos por Pereira (2011), essas reelaborações realizadas por Geyer são denominadas genericamente de “arranjos” e são a maior parcela na produção criativa de Geyer. As reuniões de diversas peças em um conjunto único, procedimento muito comum nos denominados pelo próprio autor de “ciclos”, são compreendidas como “obras coletivas”. Neste caso a atitude composicional do autor está acentuadamente presente no que tange ao processo criativo. Geyer deixa marcas estilísticas e interfere significativamente nos aspectos da harmonização, orquestração e manejo do meio expressivo disponível, considerando as limitações do contexto da época. Algumas raras exceções podem ser observadas no catálogo de obras e arranjos de Geyer, o que justifica considerar outras práticas de reelaboração musical. Bota (2008) compreende a “transcrição” musical como um processo que envolve a criatividade do autor. A transcrição engloba uma atitude composicional de tradução de uma obra preexistente para novos meios expressivos, na qual o autor remete constantemente ao original, mas deixa suas marcas estilísticas. O autor considera a transcrição um processo de recriação musical, no qual o autor se compromete com a manutenção das estruturas formais e harmônicas originais, o que não ocorre no arranjo, que é constituído de forma mais livre, sem necessidade de manter a estrutura formal básica do original. As fronteiras tênues entre os processos de recriação musical dificultam a caracterização e conceituação de tais atitudes composicionais (BOTA, 2008, p. 1). O único exemplo mais aproximado de transcrição observado no catálogo temático de Heinz Geyer é a peça Rio de Janeiro, cuja versão para piano solo (HG.2.01.03), possivelmente de 1922, foi transcrita para conjunto instrumental (HG.2.02.03). Este é um caso de transcrição