UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO LETÍCIA JESUS DOS SANTOS INFLUÊNCIA DO ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL NOS PADRÕES COMPORTAMENTAIS DE ONÇA-PINTADA (Panthera onca) MANTIDA EM CATIVEIRO NO ZOOLÓGICO MUNICIPAL DE LIMEIRA Rio Claro 2019 CIÊNCIAS BIOLÓGICAS UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO LETÍCIA JESUS DOS SANTOS INFLUÊNCIA DO ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL NOS PADRÕES COMPORTAMENTAIS DE ONÇA-PINTADA (Panthera onca) MANTIDA EM CATIVEIRO NO ZOOLÓGICO MUNICIPAL DE LIMEIRA Orientador: PROFESSOR DOUTOR MILTON CEZAR RIBEIRO Co-orientadora: MESTRE CLAUDIA ZUKERAN KANDA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Rio Claro, para obtenção do grau de Bacharela e Licenciada em Ciências Biológicas. Rio Claro 2019 S237i Santos, Letícia Jesus dos Influência do enriquecimento ambiental nos padrões comportamentais de onça-pintada (Panthera onca) mantida em cativeiro no zoológico municipal de Limeira / Letícia Jesus dos Santos. -- Rio Claro, 2019 34 p. : tabs., fotos Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado e licenciatura - Ciências Biológicas) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientador: Milton Cezar Ribeiro Coorientadora: Clauida Zukeran Kanda 1. Ecologia. 2. Ecologia animal. 3. Animais comportamento. 4. Animais silvestre em cativeiro. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO RESUMO O cativeiro oferece aos animais baixo nível de interações e alta previsibilidade o que, muitas vezes, pode afetar o desenvolvimento de comportamentos considerados naturais para as espécies. Uma das formas de reduzir o impacto do cativeiro na vida desses animais é a realização de técnicas de Enriquecimento Ambiental (EA): atividades que permitem ao animal cativo expressar comportamentos parecidos aos de sua espécie em vida livre a partir da imitação, mesmo que mínima, do habitat do mesmo. Apesar de benéfica, os efeitos do EA no desenvolvimento cognitivo e bem-estar são duradouros quando os animais são expostos frequentemente a tais atividades. Assim, este estudo teve como objetivo avaliar a influência da prática de EA ao longo do tempo nos comportamentos de pacing e outros comportamentos que possam expressar o nível de bem-estar (p. ex. interação com o EA) de dois indivíduos (macho e fêmea) de onça-pintada (Panthera onca) no Zoológico Municipal de Limeira. Três técnicas foram realizadas, sendo elas: (a) sensorial-física, (b) sensorial-olfativa e (c) alimentar. Para isso, os dados foram coletados a partir do método focal, intercalando os registros comportamentais dos indivíduos, bem como a presença ou ausência dos comportamentos antes (T1), durante (T2) e depois (T3) do EA. Com a prática do EA esperou- se que os animais diminuíssem a ocorrência do pacing e aumentassem as interações amistosas e atividades que expressam bem-estar, mas que a duração dos efeitos diminuísse ao longo do tempo. Os resultados indicam que as técnicas realizadas substituíram o tempo de inatividade, como comportamento de permanecer deitado, por interações com o EA, mas a mesma aumentou gradativamente após (T3). Conclui-se que a frequente realização de EA é um importante estímulo para expressão de comportamentos mais naturais e menos estereotipados. Sendo capaz de gerar maior bem-estar e auxiliar na adaptação e tomada de decisões durante o manejo de animais cativos. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO SUMÁRIO RESUMO ................................................................................................................................... 7 LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................ 8 LISTA DE TABELAS ............................................................................................................... 9 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 5 OBJETIVOS ............................................................................................................................... 8 1. Objetivo Geral ................................................................................................................. 8 2. Objetivos específicos ....................................................................................................... 8 MATERIAL E MÉTODOS ........................................................................................................ 9 1. Local de Estudo e Histórico dos Animais ....................................................................... 9 2. Coleta de dados comportamentais ................................................................................. 10 3. Etograma ........................................................................................................................ 11 4. Análise de dados ............................................................................................................ 14 RESULTADOS ........................................................................................................................ 15 DISCUSSÃO ............................................................................................................................ 27 CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 30 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................... 31 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Recinto das onças-pintadas (Panthera onca) no Zoológico Municipal de Limeira. .................................................................................................................................................. 10 Figura 2 - Frequência de expressão de comportamentos para cada tratamento (T1, T2 e T3). .................................................................................................................................................. 18 Figura 3 - Expressão de comportamentos indicativos de estresse para todos os tratamentos (T1, T2 e T3) para macho (M) e fêmea (F) .............................................................................. 19 Figura 4 - Expressão de comportamentos indicativos de bem-estar para todos os tratamentos (T1, T2 e T3) para macho (M) e fêmea (F) .............................................................................. 20 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO Figura 5 - Macho farejando o local onde foi despejado a canela em pó durante a técnica de enriquecimento ambiental sensorial-olfativa. ........................................................................... 21 Figura 6 - Fêmea (Luna) e as caixas de papelão disponibilizadas no recinto. ........................ 21 Figura 7 - Fêmea interagindo com a caixa de papelão disponibilizada durante a técnica de enriquecimento ambiental sensorial-física. .............................................................................. 22 Figura 8 – Presença e ausência do comportamento de permanecerem deitadas antes (T1), durante (T2) e após (T3) o enriquecimento ambiental. ............................................................ 23 Figura 9 - Presença e ausência do comportamento de autolimpeza antes (T1), durante (T2) e após (T3) o enriquecimento ambiental. .................................................................................... 24 Figura 10 - Presença e ausência do comportamento de Pacing antes (T1), durante (T2) e após (T3) o enriquecimento ambiental. ............................................................................................ 24 Figura 11 - Presença e ausência da interação entre macho e fêmea antes (T1), durante (T2) e após (T3) o enriquecimento ambiental. .................................................................................... 25 Figura 12 - Presença e ausência do comportamento de permanecerem escondidas antes (T1), durante (T2) e após (T3) o enriquecimento ambiental. ............................................................ 25 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Quantidade de carne em quilos oferecida a cada um dos dois indivíduos de onça- pintada (Panthera onca) no Zoológico Municipal de Limeira. .................................................. 9 Tabela 2 - Etograma ................................................................................................................ 11 Tabela 3 - Presença e ausência de comportamentos expressos pelo macho durante cada técnica de EA (T2) .................................................................................................................... 16 Tabela 4 - Presença e ausência de comportamentos expressos pela fêmea durante cada técnica de EA (T2) ................................................................................................................................ 17 Tabela 5 - Estimativas, p-valor e diferença entre o desvio nulo e o desvio do resíduo das regressões logísticas da presença e ausência dos comportamentos em função do tempo. ....... 26 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 5 INTRODUÇÃO O alto número de zoológicos em funcionamento desencadeou grande discussão sobre a permanência e o manejo dos animais nesse tipo de instituição. Por muito tempo, foram locais proporcionadores de lazer e entretenimento aos seus visitantes, desconsiderando os demais aspectos de se manter os animais neste ambiente (ALMEIDA, MARGARIDO e FILHO, 2008). Com o passar dos anos e o aumento da consciência dos seres humanos sobre o bem- estar dos animais, passou-se a discutir sobre melhores condições de mantê-los em cativeiro (ALMEIDA, MARGARIDO e FILHO, 2008). A partir dessa tomada de consciência surgiu o conceito de bem-estar animal. Ele aponta para a preocupação científica e social quanto à saúde, conforto, alimentação e a expressão do comportamento natural dos animais cativos (BOTREAU et al., 2007). O Conselho do Bem-Estar dos Animais de Fazenda (FARM ANIMAL WELFARE COUNCIL, 2009) definiu as Cinco Liberdades como meio de garantir condições de bem-estar mínimas a animais cativos, sendo elas: a) Livre de fome, sede e desnutrição, tendo pleno acesso à água e dieta saudável; b) Livre de desconforto, em condições de ambiente adequadas; c) Livre de dor, ferimento e doença através de prevenção, diagnóstico e tratamento rápido; d) Livre para expressar seu comportamento normal tendo espaço suficiente e instalações adequadas para tal; e) Livre de medo e estresse (FAWC, 2009). A alta previsibilidade do cativeiro, muitas vezes, não permite ao animal a expressão de seu comportamento natural, uma vez que todas as atividades e horários são controlados e estão restritos da maioria das relações competitivas que existem naturalmente em vida livre (ALMEIDA, MARGARIDO e FILHO, 2008; PALATA, 2006). Por conta disso alguns comportamentos indesejáveis podem aparecer comumente chamados por estereotipias (CAMPOS et al., 2005). Uma delas é a inatividade, estereotipia denominada “reatividade anormal” (ORSINI e BONDAN, 2006). Outra é o pacing, caracterizada pelo ritmo repetitivo, sendo uma estereotipia locomotora que consiste no ato do animal realizar uma rota fixa, sem motivo aparente (MASON e RUSHEN, 2006). Essa rota pode ter diversos formatos, pode ser ambular, ou seja, andar em volta, repetir o mesmo caminho (KROSHKO et al., 2016; MILLER et al., 2019), andar para frente e para trás, em círculo, em formato de oito ou lado a lado (MASON e RUSHEN, 2006). UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 6 Interessados em métodos que aumentem o bem-estar dos animais e, consequentemente diminuam as estereotipias, os zoológicos têm apostado em práticas de enriquecimento ambiental (EA): atividades que proporcionam, em suas diversas modalidades, formas de mudar a rotina fixa do animal permitindo a expressão de comportamentos próximos aos naturais da espécie, mantendo uma vida mais saudável e mais confortável possível (SOUZA, 2009). Existem cinco grandes grupos de tipos de enriquecimento ambiental: a) físico: relacionado à estrutura física do recinto do animal; b) sensorial: estimulação de um ou todos os cinco sentidos do animal; c) cognitivo: dispositivos mecânicos que podem ser manipulados pelo animal; d) social: interação inter ou intraespecífica dentro de um mesmo recinto, e e) alimentar: qualquer alteração na alimentação do animal: mudanças de horário ou forma em que o alimento é oferecido (BOSSO, 2011). O estudo realizado por Kroshko et al. (2016) enfatiza a necessidade de estratégias de EA frequentes, uma vez que a sua prática constante melhora o bem-estar, diminui os comportamentos estereotipados, facilita a adaptação ao cativeiro e auxilia no desempenho reprodutivo, indiretamente. Amaral et al. (2008), por sua vez, aponta que o EA tem a capacidade de aumentar as expressões de comportamento benéficos aos animais e sua escassez resulta em comportamentos negativos. Mas mais importante ainda do que sua realização é a sua frequência, já que quando essa exposição é reduzida ou removida os benefícios não são mantidos e tendem a diminuir com o tempo (AMARAL et al., 2008). Sendo a condição do bem-estar animal multidimensional (BOTREAU et al., 2007) as observações comportamentais, a diversidade comportamental, a presença de estereotipias e o sucesso reprodutivo em carnívoros cativos são meios utilizados de avaliar essa condição (KROSHKO et al., 2016; MILLER et al., 2019). Para aumentar a confiabilidade dessas análises é importante conhecer a história natural e individual do animal a ser estudado, além do ambiente natural que o mesmo deveria ocupar (MILLER et al., 2019). Já para a avaliação das técnicas de EA e seus efeitos utiliza-se a observação do desenvolvimento de comportamentos típicos da espécie e diminuição de comportamentos anormais, entre eles, o pacing (PIZZUTTO et al., 2009). Nesse contexto, o objetivo desse estudo foi avaliar a influência temporal do enriquecimento ambiental na ocorrência de padrões comportamentais de dois indivíduos UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 7 (macho e fêmea) de onça-pintada (Panthera onca) no Zoológico Municipal de Limeira. Para isso, os dados foram coletados a partir do método focal, intercalando os registros comportamentais dos indivíduos, registrando-se a presença ou ausência dos comportamentos antes (T1), durante (T2) e depois (T3) do EA. Com a prática do EA esperou-se que os animais diminuíssem a ocorrência o pacing e aumentassem as interações amistosas e atividades que expressam bem-estar, mas que a duração dos efeitos diminuísse ao longo do tempo. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 8 OBJETIVOS 1. Objetivo Geral Avaliar a influência do enriquecimento ambiental na ocorrência padrões comportamentais de onças-pintadas (Panthera onca) no Zoológico Municipal de Limeira ao longo do tempo. 2. Objetivos específicos  Observar qual a influência do enriquecimento ambiental na ocorrência do comportamento de pacing realizado pelos indivíduos ao longo do tempo;  Observar qual a influência do enriquecimento ambiental na ocorrência dos comportamentos que expressam o bem-estar dos indivíduos ao longo do tempo. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 9 MATERIAL E MÉTODOS 1. Local de Estudo e Histórico dos Animais O Zoológico Municipal de Limeira está localizado nas dependências do Horto Florestal Professor André Franco Montoro e foi inaugurado em 1968. Atualmente abriga dois indivíduos da espécie P. onca, sendo uma fêmea (Luna) e seu filhote (Negão), um macho melânico com o qual divide o recinto. A fêmea foi apreendida em Manaus em 2004 com cerca de 2 anos de idade e hoje possui 15 anos. O macho nasceu no próprio zoológico em 2007, e atualmente possui 10 anos de idade. A alimentação dos animais é composta por carne bovina, pescoço de frango, coração bovino e fígado (Tabela 1). O macho é alimentado todos os dias enquanto a fêmea é alimentada quatro vezes na semana, ambos sempre após às 16 horas e 30 minutos. A variação na dieta se dá por conta das necessidades individuais dos animais: a fêmea possui menor porte, de forma que a alimentação quatro vezes na semana é capaz de atender suas necessidades alimentares. Durante este estudo a dieta foi mantida uma vez que as atividades ocorreram antes do horário normal de alimentação, finalizadas às 15 horas para que a “espera pelo alimento” não interferisse nas análises. Tabela 1 - Quantidade de carne em quilos oferecida a cada um dos dois indivíduos de onça-pintada (Panthera onca) no Zoológico Municipal de Limeira. QUANTIDADE (Kg) Macho Fêmea Carne bovina 1,5 0,8 Pescoço de frango 0,5 0,4 Coração 0,5 0,2 Fígado 0,2 0,2 O recinto onde os animais vivem possui 558,21 m², com vegetação rasteira natural, um tronco disposto horizontalmente e um fosso. Há um abrigo com chão de concreto, além da UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 10 área de cambiamento dos animais e paredes estruturadas com vidro que permitem a visualização dos animais pelo público (Figura 1). Figura 1 – Recinto das onças-pintadas (Panthera onca) no Zoológico Municipal de Limeira. À esquerda: 1) área de cambiamento com acesso do tratador pelo portão dianteiro; 2) abrigo de concreto, coberto e com chão cimentado; 3) área de vegetação rasteira natural sem cobertura; 4) tronco de árvore disposto horizontalmente; 5) fosso; (áreas tracejadas representam os portões de acesso). À direita: Recinto visto através das paredes estruturadas com vidro para visualização. O zoo possui histórico robusto de práticas de enriquecimento ambiental onde, para as onças, é disponibilizado sorvete de carne e bola para brincadeiras regularmente, intercalando as atividades com o restante do plantel. Essas práticas podem ser vistas em uma das redes sociais da instituição (https://www.facebook.com/zoolimeira/). Porém, não há nenhum estudo ou relato de observações dessas práticas ou de como elas influenciam no comportamento desses animais ao longo do tempo. É importante ressaltar que durante a coleta de dados os animais não receberam nenhum outro tipo de enriquecimento. Assim como, não foram submetidos a nenhum tipo de atividade a não ser a proposta neste trabalho de pesquisa, como forma de não influenciar a análise de dados. 2. Habituação e Coleta de Dados Comportamentais A coleta de dados foi realizada a partir da área de visualização de visitantes para garantir que não houvesse efeito da observadora sob o comportamento do animal observado. Ainda assim, foi realizada uma habituação de três horas diárias à presença da observadora por cinco dias consecutivos anteriores à elaboração do Etograma (descrito no item abaixo). UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 11 Foi considerado que os animais não estavam sendo influenciados pela presença da observadora quando os mesmos apresentaram comportamentos de rotina, sem aparente curiosidade pelo acontecimento do entorno. Os dias de amostragem e o fluxo de pessoas foram mantidos, uma vez que o acesso ao zoológico para a coleta de dados foi permitida apenas durante o horário de funcionamento e abertura ao público. I. Etograma Para definir as categorias dos repertórios comportamentais a serem avaliados foi elaborado um etograma (Tabela 2). Os comportamentos de interação com os EAs foram deixados livres para o acréscimo conforme os animais pudessem desenvolvê-los, além dos previamente descritos. Tabela 2 - Etograma montado e utilizado para as análises de expressão de comportamento pelos animais observados. Categorias e padrões comportamentais Descrição do comportamento Descanso / Inatividade Sentado SE Animal sentado, membros posteriores encostam o solo e anteriores apoiados. Parado PA Animal na posição em pé, apoiado sobre os quatro membros. Deitado DE Animal com o corpo apoiado no substrato, com a cabeça elevada e os olhos abertos. Dormindo DO Animal com o corpo apoiado no substrato, com a cabeça encostada e olhos fechados. Marcação Urinar U Animal urina na posição agachado ou esguichando para trás. Defecar DEF Processo fisiológico de eliminação das fezes. Afiar as garras AU Animal afia as unhas em troncos ou outros elementos do recinto. Interação Farejando F O animal movimenta o focinho e nota-se alteração na respiração. Comendo COM Animal ingerindo alimento, sendo possível ouvir quando corta a carne e observar o movimento da mandíbula. Olhando O Animal direciona o olhar fixamente, frequentemente seguindo visualmente o que está olhando. Mexendo M Animal toca com as patas no objeto. Rolar no solo RSEA Animal deita e rola sobre o objeto de EA, tocando o material alternadamente com as regiões dorsal, lateral e ventral. Perseguir PS Animal anda ou corre atrás do outro. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 12 Vocalizar V Toda e qualquer emissão de som produzido vocalmente pelo anima, como rugidos e esturros. Interação agonística IAG Os animais interagem com agressividade, com ataques e dentes a mostra. Interação amistosa IAM Os animais interagem por meio de lambeduras, brincadeiras e aproximação. Interação sexual TM O macho posiciona-se sobre a fêmea, tentando assumir a posição de cópula. Cópula CP O macho posiciona-se sobre a fêmea, assumindo a posição de cópula. Possível estresse Pacing PE Animal anda de um lado para outro, ou utiliza repetidamente a mesma rota de deslocamento, sem objetivo aparente. Permanecer escondido PES Animal permanece dentro do cambiamento, não sendo possível visualiza-lo durante a observação. Esturrar EST Animal esturra sem estar realizando uma interação agonística com outro. Possível bem estar Comportamento lúdico CL O animal manifesta, sozinho, atividade comportamental de forma lúdica, com brincadeiras podendo manipular objetos como galhos ou brinquedo introduzido no recinto. Rolar no solo RS Animal deita e rola sobre o substrato, tocando-o alternadamente com as regiões dorsal, lateral e ventral. Autolimpeza AUT Animal passa a língua no próprio pelo repetidamente. Bocejar BOC Animal abre a boca, com ampla separação das mandíbulas em ação incontrolada, acompanhada de uma respiração profunda. Espreguiçar ES Animal realiza o ato de se espreguiçar, flexionando as patas dianteiras ou traseiras. II. Enriquecimento Ambiental Com o auxílio de estudos prévios e do Etograma construído qualificou-se – presença e ausência - os comportamentos realizados pelos animais em estudo a partir da amostragem focal (DEL-CLARO, 2004). Deve-se ressaltar que o método foi escolhido pela facilidade de identificação dos dois animais, uma vez que se trata de uma onça-pintada (fêmea) e uma onça-pintada melânica (macho), sendo que o recinto não é compartilhado com outros animais. O presente estudo foi realizado entre os dias 07 de janeiro e 31 de março de 2019 com esforço total de 42 horas (habituação/etograma + práticas propostas). Cada animal foi UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 13 observado por 10 minutos, com intervalo de 20 minutos entre as observações para um mesmo indivíduo (10 minutos de observação da fêmea – 10 minutos de observação do macho – 10 minutos de pausa). Essa amostragem foi realizada durante três horas para cada fase, antes (T1), durante (T2) e depois (T3) do EA. As fases T1 e T2 ocorreram aos sábados e o T3, um dia após o EA das 8–11 horas da manhã, totalizando 9 horas de coleta de dados para cada técnica de EA (sensorial, olfativa e alimentar). Todos os EA (fase T2) foram realizados em mesmo horário, das 11 horas e 30 minutos às 14 horas e 30 minutos. As três técnicas de enriquecimento ambiental ocorreram um por semana. Os diferentes tipos de enriquecimento realizados foram: a) sensorial-físico; b) sensorial-olfativo e c) alimentar, descritos a seguir. O enriquecimento categorizado como sensorial-físico, consiste numa técnica criada pelo The British Columbia Society for the Prevention of Cruelty to Animals, chamado de “Hide, Perch and Go Box”. É caracterizado pela disponibilização de uma caixa de papelão comum que tenha tamanho compatível com o animal e permita a entrada do mesmo na caixa, seja para descanso, brincadeira ou esconderijo. A técnica foi inicialmente aplicada em animais domésticos em condição de abandono, mas foi estendida para todas as espécies, principalmente de felinos, já que estes possuem grande interesse por caixas, locais onde se sentem seguros (THE BRITISH COLUMBIA SOCIETY FOR THE PREVENTION OF CRUELTY TO ANIMALS, 2014). Para possibilitar a visualização a partir da área de visitantes as duas caixas disponibilizadas aos animais foram alocadas no gramado à frente do abrigo de concreto, a uma distância de aproximadamente 3 metros uma da outra. A canela (Cinnamomum verum) em pó foi escolhida para o enriquecimento sensorial- olfativo como forma alternativa de influenciar a movimentação dos animais pelo recinto, como sugere Carniatto e Babá (2009), já que felinos possuem o olfato aguçado e respondem bem a tal atividade. Ela foi espalhada por pontos estratégicos e não muito frequentados do recinto, como laterais próximas ao fosso e área de gramado central. Assim os animais puderam evita-la, acessando o abrigo ou o tronco de árvore caso quisessem. O enriquecimento alimentar consiste em uma técnica já muito comum entre os profissionais de nível técnico em zoológicos, no geral. Denominada “fruit feeders” por Khoshen (2013), uma fruta é utilizada como “comedouro” ou esconderijo para o alimento. Seu objetivo é fazer com que o animal despenda esforço para adquirir a comida que é UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 14 oferecida facilmente em ambientes cativos. Para tal, foi utilizada uma melancia com pequenos furos e polpa retirada como recipiente para a carne, dificultando o acesso dos animais à comida. Esta prática pode ser facilmente visualizada em vídeos de divulgação de diversas instituições, como o Zoo Guarulhos – SP (disponível em ) no entanto, não se tem nenhum dado científico divulgado sobre a mesma. III. Análise de dados Como o objetivo é avaliar a duração dos efeitos do EA ao longo do tempo, a presença e ausência do comportamento em cada unidade temporal foi considerada uma amostra. Apenas os comportamentos que ocorreram em todos os tratamentos (antes T1, durante T2 e após o enriquecimento T3) foram utilizados para a análise. Essa seleção foi necessária uma vez que não é possível criar uma variável comparativa temporal quando um comportamento ocorre apenas em um dos tratamentos. Assim, como os efeitos poderiam ser contrários no decorrer dos tratamentos, cada comportamento foi analisado em duas etapas, entre os tratamentos antes e durante o enriquecimento (T1-T2) e, entre os tratamentos durante e após o enriquecimento (T2-T3). Cada etapa foi analisada utilizando a regressão logística, uma vez que considera a variável binária, a presença ou ausência dos comportamentos ao longo do tempo amostrado por meio da linguagem R (R CORE TEAM, 2014). UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 15 RESULTADOS Os comportamentos de permanecer sentado, dormindo, urinar, defecar, afiar as garras, perseguir, vocalizar, interações agonísticas, interações sexuais, cópula e esturrar presentes no etograma não foram realizados pelos animais em nenhum tratamento, por isso não são apresentados nas análises estatísticas. Comportamentos de permanecer deitado e permanecer escondido, considerados como inatividade, autolimpeza e expressões de pacing, foram utilizados como medidas indicativas de estresse. Por estarem presentes em todos os tratamentos, sendo realizados por pelo menos um dos animais, foi possível analisar qual a influência dos enriquecimentos na expressão desses comportamentos ao longo do tempo (T1 para T2 e T2 para T3). Já o comportamento de interações amistosas entre os animais foi utilizado como medidas indicativas de bem-estar, também presente em todos os tratamentos e, por tanto, utilizado para análise da influência da realização do EA na expressão do mesmo ao longo do tempo (T1 para T2 e T2 para T3). Como esperado, os comportamentos de interação com o enriquecimento só ocorreram durante o T2 (momento em que o EA proposto estava em realização), sendo estes: farejar, comer, olhar o EA, mexer no EA e rolar sobre o EA. Comportamentos lúdicos como brincadeiras foram apresentados durante e depois da técnica de EA-físico. Bocejar e espreguiçar foram expressos apenas duas e uma vez, respectivamente, em tratamentos distintos. A quantificação da presença e ausência de cada expressão durante o T2 pode ser observada na Tabela 3 para o macho e Tabela 4 para fêmea. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 16 Tabela 3 - Presença e ausência de comportamentos expressos pelo macho durante cada técnica de EA (T2), sendo os dados presença-ausência de acordo com a quantidade observada para cada comportamento por animal. Sensorial-físico Sensorial-olfativo Alimentar Comportamento Presença-ausência Presença-ausência Presença-ausência Sentado 0-7 0-7 0-7 Parado 0-7 0-7 0-7 Deitado 1-6 0-7 1-6 Dormindo 0-7 0-7 0-7 Urinar 0-7 0-7 0-7 Defecar 0-7 0-7 0-7 Afiar as garras 0-7 0-7 0-7 Farejar o EA 0-7 2-5 2-5 Comer o EA 0-7 2-5 1-6 Olhar o EA 1-6 0-7 0-7 Mexer no EA 1-6 0-7 1-6 Rolar sobre o EA 0-7 3-4 0-7 Perseguir 0-7 0-7 0-7 Vocalizar 0-7 0-7 0-7 Interação agonística 0-7 0-7 0-7 Interação amistosa 0-7 0-7 0-7 Interação sexual 0-7 0-7 0-7 Cópula 0-7 0-7 0-7 Pacing 2-5 0-7 0-7 Permanecer escondido 1-6 0-7 2-5 Esturrar 0-7 0-7 0-7 Comportamento Lúdico 0-7 0-7 0-7 Rolar no solo 0-7 0-7 0-7 Autolimpeza 1-6 0-7 0-7 Bocejar 0-7 0-7 0-7 Espreguiçar 0-7 0-7 0-7 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 17 Tabela 4 - Presença e ausência de comportamentos expressos pela fêmea durante cada técnica de EA (T2), sendo os dados presença-ausência de acordo com a quantidade observada para cada comportamento por animal. Sensorial-físico Sensorial-olfativo Alimentar Comportamento Presença-ausência Presença-ausência Presença-ausência Sentado 0-7 0-7 0-7 Parado 0-7 0-7 0-7 Deitado 0-7 0-7 0-7 Dormindo 0-7 0-7 0-7 Urinar 0-7 0-7 0-7 Defecar 0-7 0-7 0-7 Afiar as garras 0-7 0-7 0-7 Farejar o EA 0-7 2-5 0-7 Comer o EA 0-7 1-6 3-4 Olhar o EA 1-6 1-6 1-6 Mexer no EA 1-6 0-7 0-7 Rolar sobre o EA 5-2 2-5 0-7 Perseguir 0-7 0-7 0-7 Vocalizar 0-7 0-7 0-7 Interação agonística 0-7 0-7 0-7 Interação amistosa 0-7 0-7 1-6 Interação sexual 0-7 0-7 0-7 Cópula 0-7 0-7 0-7 Pacing 0-7 0-7 0-7 Permanecer escondido 0-7 0-7 0-7 Esturrar 0-7 0-7 0-7 Comportamento lúdico 0-7 0-7 2-5 Rolar no solo 0-7 1-6 0-7 Autolimpeza 0-7 0-7 0-7 Bocejar 0-7 0-7 0-7 Espreguiçar 0-7 0-7 0-7 Conforme a Figura 2, os comportamentos analisados tiveram sua expressão reduzida durante o T2 (momento em que os animais foram expostos às técnicas de EA). Comportamentos como pacing e interações amistosas tiveram suas expressões diminuídas no T3, sendo pacing de 12 para 8 e interações amistosas de 16 para 8 (de T1 para T3). Já o comportamento de autolimpeza apresentou grande aumento (de 4 para 20) e a inatividade foi reduzida (de 17 para 13) comparando-se T1 e T3. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 18 Figura 2 - Frequência de expressão de comportamentos para cada tratamento (T1, T2 e T3) de acordo com o levantamento quantitativo de cada atividade. A inatividade se interpretou a partir da junção dos comportamentos de permanecer escondido e permanecer deitado. Na figura 3 os comportamentos indicativos de estresse (permanecer deitado, permanecer escondido, pacing e autolimpeza) foram agrupados e indicados para cada tratamento separados por macho e fêmea. O macho apresentou diminuição de expressão dos mesmos durante as técnicas de EA, porém, nas observações do T3 houve aumento. Já para a fêmea as técnicas de EA foram capazes de zerar a expressão de comportamentos indicativos de estresse. Os mesmos voltaram a ocorrer em T3, porém em menor frequência quando comparado ao T1. 1 2 4 8 4 2 2 0 1 7 3 1 3 1 6 2 8 T 1 T 2 T 3 Pacing Autolimpeza Inatividade Iterações amistosas UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 19 Figura 3 - Expressão de comportamentos indicativos de estresse para todos os tratamentos (T1, T2 e T3) para macho (M) e fêmea (F), sendo os comportamentos agrupados para categoria: deitado, permanecer escondido, pacing e autolimpeza. Na figura 4 pode-se observar a expressão de comportamentos indicativos de bem-estar para cada tratamento separados por macho e fêmea, sendo os comportamentos agrupados: interações amistosas entre os animais, rolar no solo, bocejar, espreguiçar e comportamentos lúdicos (como, por exemplo, brincadeiras). Pode-se notar que as técnicas zeraram a expressão desses comportamentos para o macho, e após (T3) observa-se diminuição da expressão em comparação ao T1. Para a fêmea estes comportamentos diminuem durante as técnicas (T2), mas têm grande aumento após (T3). 13 8 16 13 0 6 T1 T2 T3 Estresse (M) Estresse (F) UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 20 Figura 4 - Expressão de comportamentos indicativos de bem-estar para todos os tratamentos (T1, T2 e T3) para macho (M) e fêmea (F), sendo os comportamentos agrupados para categoria: interações amistosas, rolar no solo, bocejar, espreguiçar e comportamentos lúdicos. A maior interação com a técnica de enriquecimento, por parte de ambos os animais, se deu durante o EA sensorial-olfativo (canela em pó) (Figura 5), com 0,262 de frequência de interação, seguida pela técnica sensorial-físico (caixa de papelão) (Figura 6 e 7), com 0,257 de frequência de interação e pela técnica alimentar (melancia), com 0,228 de frequência de interação. A fêmea apresentou maior tempo de interação com as técnicas realizadas em comparação ao macho (Tabela 3). 6 0 5 7 4 11 T1 T2 T3 Bem-estar (M) Bem-estar (F) UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 21 Figura 5 - Macho farejando o local onde foi despejado a canela em pó durante a técnica de enriquecimento ambiental sensorial-olfativa. Figura 6 - Fêmea (Luna) e as caixas de papelão disponibilizadas no recinto. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 22 Figura 7 - Fêmea interagindo com a caixa de papelão disponibilizada durante a técnica de enriquecimento ambiental sensorial-física. Para comparação das expressões comportamentais ao longo do tempo, o comportamento de permanecerem deitados diminuiu durante a aplicação do EA (p = 0,04) (T1 para T2), voltando a ocorrer em no momento pós-enriquecimento ambiental (p = 0,03) (T2 para T3) (Figura 8), porém em menor frequência quando se compara T1 e T3. Para o comportamento de autolimpeza o enriquecimento também foi capaz de diminuir a expressão (T1 para T2), mas após a técnica aplicada os animais voltaram a realizar em maior frequência (p = 0,21) (T2 parar T3) (Figura 9). Para os demais tratamentos como pacing, interações amistosas e permanecer escondido, não houve diferença após tratamento estatístico (Figuras 10, 11 e 12, respectivamente). UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 23 Figura 8 – Presença (1) e ausência (0) do comportamento de permanecerem deitadas antes (T1), durante (T2) e após (T3) o enriquecimento ambiental. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 24 Figura 9 - Presença (1) e ausência (0) do comportamento de autolimpeza antes (T1), durante (T2) e após (T3) o enriquecimento ambiental. Figura 10 - Presença (1) e ausência (0) do comportamento de Pacing antes (T1), durante (T2) e após (T3) o enriquecimento ambiental. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 25 Figura 11 - Presença (1) e ausência (0) da interação entre macho e fêmea antes (T1), durante (T2) e após (T3) o enriquecimento ambiental. Figura 12 - Presença (1) e ausência (0) do comportamento de permanecerem escondidas antes (T1), durante (T2) e após (T3) o enriquecimento ambiental. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 26 Tabela 5 - Estimativas, p-valor e diferença entre o desvio nulo e o desvio do resíduo das regressões logísticas da presença e ausência dos comportamentos em função do tempo. Parâmetro Estimativa coeficiente p-valor Diferença entre os desvios Pacing T1 – T2 Intercepto -1,39 0,03 2,13 Tempo -0,02 0,16 Pacing T2 – T3 Intercepto -2,95 0,001 0,24 Tempo 0,008 0,63 Interação amistosa T1 – T2 Intercepto -1,19 0,06 2,77 Tempo -0,03 0,11 Interação amistosa T2 – T3 Intercepto -4,83 0,001 3,47 Tempo 0,04 0,1 Deitar T1 – T2 Intercepto -0,72 0,19 4,56 Tempo -0,03 0,05* Deitar T2 – T3 Intercepto -3,14 0,0001 5,08 Tempo 0,03 0,03* Esconder T1 – T2 Intercepto -1,65 0,01 0,38 Tempo -0,009 0,054 Esconder T2 – T3 Intercepto -2,6 0,004 0,04 Tempo -0,004 0,84 Autolimpar T1 – T2 Intercepto -1,008 0,18 6,33 Tempo -0,06 0,04* Autolimpar T2 – T3 Intercepto -2,84 0,0005 1,59 Tempo 0,02 0,22 *Diferença significativa UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 27 DISCUSSÃO Apesar de serem dois indivíduos avaliados e apenas 6 dias de amostragem, o objetivo desse estudo foi avaliar a duração do efeito de EA. Sendo assim, a amostragem do estudo é dependente da ocorrência de comportamentos antes, durante e depois das técnicas. O fato de não serem expressos os demais comportamentos esperados apontados no etograma como: perseguir, vocalizar e interações agonísticas apontam que os animais estudados não possuem de todo uma má condição de sobrevivência. No entanto, não apresentar comportamentos negativos não significa alto nível de bem-estar (MILLER et al., 2019), o interessante e esperado seria que os animais expressassem comportamentos próximo aos considerados normais para a espécie. Contudo, durante as observações do T1 ficaram evidentes os longos períodos de inatividade. Durante as técnicas realizadas (T2) ambos os animais reduziram essa frequência, porém, no T3 (pós-enriquecimento) a mesma voltou gradativamente a ocorrer. A inatividade de animais em cativeiro é categorizada como uma forte estereotipia denominada “reatividade anormal” (ORSINI e BONDAN, 2006). Sendo o EA uma atividade capaz de retirar o animal da inércia, torna-se evidente a necessidade da realização frequente do mesmo. Estudos como o de Kroshko et al. (2016), que analisou grande banco de dados comportamentais de carnívoros em cativeiro, enfatizam esse necessidade, uma vez que a prática constante tem capacidade de melhorar o bem-estar, diminuir os comportamentos estereotipados, facilitar a adaptação ao cativeiro e auxiliar no desempenho reprodutivo. Além disso, estudar o comportamento dos animais cativos permite compreender de que forma o cativeiro influência no comportamento típico dos mesmos (RICCI et al., 2018). Além de mantê-los ocupados, a técnica sensorial-olfativa (canela em pó) zerou o comportamento de pacing expresso por ambos os animais. Luna e Negão interagiram de forma positiva, rolando pelo local onde a mesma foi espalhada, lambendo a grama e farejando os rastros. Essa técnica teve como objetivo aumentar a área de forrageamento e capacidade sensorial dos animais, uma vez que possuem o olfato aguçado (SILVA et al., 2014). Vê-se que técnicas que atendem as características da espécie a ser trabalhada e que atraem a atenção dos animais possuem alto potencial redutor e até inibidor de comportamentos negativos. São UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 28 estas atividades que satisfazem as necessidades emocionais e psíquicas dos animais cativos (ORSINI e BONDAN, 2006). O comportamento de autolimpeza também foi bastante observado e é, comumente, utilizado como indicativo de bem-estar, uma vez que expresso por animais que se encontram relaxados e familiarizados ao ambiente em que vivem, por isso no etograma ele entrou na macrocategoria de “possível bem-estar”. No entanto, esse mesmo comportamento quando quantificado pode indicar estereotipia se muito frequente, normalmente associado à sensação de nervosismo e tédio (ADANIA, 2002). Durante o tempo de observação os indivíduos apresentaram autolimpeza antes do EA, durante as técnicas (T2) esse comportamento diminuiu, voltando a ocorrer com mais frequência após (T3). A quantificação da expressão de comportamentos permite reconhecer comportamentos como esse, chamado “comportamento autodestrutivo”, podendo o animal se automutilar durante a prática intensiva (ORSINI e BONDAN, 2006). A identificação do mesmo deve alertar a equipe técnica do zoo para o estado de constante observação e tentativas de remediação dessa prática, que podem ser realizadas a partir de aplicações de técnicas constantes de EA (REES, 2015). A técnica alimentar (melancia utilizada como comedouro) teve como objetivo dificultar o acesso à comida, despertando o interesse dos animais e o gasto de energia. No entanto, durante a mesma, em comparação com as outras duas técnicas desenvolvidas, o macho apresentou maior frequência de inatividade. Isso pode ter ocorrido por ser uma técnica já empregada outras vezes pelos funcionados do zoo, tornando-se menos atrativa para o animal em questão. Identifica-se aqui a necessidade de técnicas variadas e intercaladas, a fim de não se tornar mais uma atividade rotineira e entediante para o animal. A escolha da técnica deve considerar características do animal como ser individual (BROOM e MOLENTO, 2004). Ou seja, deve ser escolhido com base nos indivíduos, seu habitat, seus comportamentos naturais e quais comportamentos, quando cativos, podem ou não comprometer o bem-estar dos mesmos. O enriquecimento apenas apresentará resultado positivo se for baseado no entendimento específico e na fisiologia da espécie a ser trabalhada, de forma a ser atraente (MILLER et al., 2019), levando em consideração as necessidades únicas de cada animal. Segundo Miller et al. (2019), os zoológicos têm demonstrado interesses em melhorar o bem-estar de seus animais cativos, já que as informações obtidas durante as práticas podem influenciar em decisões mais bem informadas sobre o manejo dos mesmos. Estas instituições possuem o poder de sensibilizar e atingir pessoas de diferentes classes sociais (AZEVEDO e UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 29 BARÇANTE, 2018), por isso a manutenção de animais em cativeiro tem colaborado com os esforços conservacionistas, permitindo educação ambiental, pesquisas e garantindo reservas genéticas de inúmeros animais selvagens (SILVA et al., 2014; ORSINI e BONDAN, 2006). Através desse estudo a prática de EA mostrou-se eficiente para diminuir alguns comportamentos como pacing e inatividade em geral, e ainda, para auxiliar na descoberta e estudo de expressões comportamentais que podem vir a se tornar uma estereotipia, como a autolimpeza, prejudicando o bem-estar do animal. Identificando, monitorando e revertendo esses casos torna-se possível oferecer uma melhor condição de vida aos animais cativos e uma das alternativas de fazê-lo é a partir de práticas constantes de EA. Além disso, são práticas que utilizam materiais simples e de baixo custo, acessíveis para aplicação não somente com felinos, mas também demais animais cativos e em qualquer tipo de instituição. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 30 CONCLUSÃO O enriquecimento ambiental pode estimular a atividade dos animais cativos, tornando o ambiente mais dinâmico, mas o seu efeito pode decair ao longo do tempo. Assim, este estudo mostrou a importância da realização frequente de atividades de técnicas de EA pelas instituições. Estas técnicas são capazes de promover a expressão de comportamentos benéficos aos indivíduos oferecendo opções de atividades variadas, alterando a rotina do cativeiro e atendendo a demanda biológica e individual para a espécie a ser trabalhada. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO 31 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA Adania, C. H.; Elaboração e análise do registro genealógico da população de jaguatirica (Leopardus pardalis) em cativeiro no Brasil. 2002. P. 157. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002. Almeida, A. M. R.; MARGARIDO, T. C. C.; FILHO, E. L.; A influência do enriquecimento ambiental no comportamento de primatas do gênero Ateles em cativeiro. Arq. Ciênc. Vet. Zool. Unipar, Umuarama, v. 11, n. 2, p. 97-102, jul/dez 2008. Amaral, O. B.; Vargas, R. 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