UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Trabalho de Formatura Curso de Graduação em ENGENHARIA AMBIENTAL AVALIAÇÃO DA AUTO-SUFICIÊNCIA ENERGÉTICA DE REATORES ANAERÓBIOS NO TRATAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO E DE ÁGUA PRETA Helene Habiro Ribeiro Rio Claro (SP) 2011 Campus de Rio Claro UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Curso de Graduação em Engenharia Ambiental HELENE HABIRO RIBEIRO AVALIAÇÃO DA AUTO-SUFICIÊNCIA ENERGÉTICA DE REATORES ANAERÓBIOS NO TRATAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO E DE ÁGUA PRETA Trabalho de Formatura apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Campus de Rio Claro (SP), da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Engenheiro Ambiental. Comissão Examinadora Prof. Dr. Marcelo Loureiro Garcia (Orientador) Prof. Dr. Fabiano Tomazini da Conceição M. Sc. Lucas Tadeu Fuess Rio Claro, 25 de novembro de 2011. ____________________ ________________________ assinatura do(a) aluno(a) assinatura do(a) orientador(a) Campus de Rio Claro UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Curso de Graduação em Engenharia Ambiental HELENE HABIRO RIBEIRO AVALIAÇÃO DA AUTO-SUFICIÊNCIA ENERGÉTICA DE REATORES ANAERÓBIOS NO TRATAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO E DE ÁGUA PRETA Relatório Parcial apresentado à Comissão do Trabalho de Formatura do Curso de Graduação em Engenharia Ambiental do Instituto de Geociências e Ciências Exatas – Unesp, Campus de Rio Claro (SP), como parte das exigências para o cumprimento da disciplina Trabalho de Formatura no ano letivo de 2011. Orientador: Prof. Dr. Marcelo Loureiro Garcia Rio Claro (SP) 2011 Ribeiro, Helene Habiro Avaliação da auto-suficiência energética de reatores anaeróbios no tratamento de esgoto sanitário e de água preta / Helene Habiro Ribeiro. - Rio Claro : [s.n.], 2011 50 f. : il., figs., tabs., fots. Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Engenharia Ambiental) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Marcelo Loureiro Garcia 1. Engenharia ambiental. 2. Balanço energético. 3. Processo anaeróbio. 4. Produção de metano. 5. Recuperação energética. I. Título. 628 R485a Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP Aos meus pais Luiz Ribeiro da Silva Filho e Haruko Habiro Ribeiro da Silva, e aos meus irmãos Juraci Habiro Ribeiro e Madalena Habiro Ribeiro. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por permitir manifestar Sua Sabedoria e Seu Amor em todos os momentos. À Seicho-No-Ie, filosofia de vida a qual sigo e que me ensina todos os dias o modo feliz de viver. Aos meus antepassados, raízes de minha vida. Aos meus pais, pelo amor, cuidado, empenho diário, orações e por cada segundo dedicado à minha felicidade. Ao Professor Marcelo Loureiro Garcia, pelas orientações, confiança e firmeza, que contribuíram para a formação da base de minha vida profissional e humana. Ao Pedro Henrique Mota, pelo companheirismo, carinho, cumplicidade e apoio. Aos Engenheiros Charles Carneiro, da Sanepar, e Lucas Tadeu Fuess e à Bióloga Géssia Momoe Shida, pelas orientações e colaboração, fundamentais para a concretização deste trabalho. À Turma 07 da Engenharia Ambiental, “almas gêmeas”. Em especial, à presença marcante, ao longo dos cinco anos, de: Alessandra (Alê), Caroline (Kérol), Daiana (Dai), Karen (Ká), Marina (Marinete), Nathália (Nath) e Thatiana (Thaty). Obrigada pela amizade, companheirismo nos estudos e nas diversões, e pelas risadas. E quantas risadas. Aos queridos Natália, Ricardo, Rosana e Thiago, pela amizade verdadeira, apesar dos cinco anos de distância e saudade. À Dona Nilza, Jéssica e Juliana, pelos almoços, jantas, doces, caronas e conversas intermináveis. Aos Professores Braga, Denis e Marli pela dedicação ao aprendizado de seus alunos e paixão pela profissão escolhida. Ao PIBIC/CNPq, pela concessão de bolsa de estudos. “As minhas obras, não sou eu quem as realiza, mas a força de Deus-Pai, que permeia os céus e a terra.” Masaharu Taniguchi RESUMO A proposta deste projeto é verificar se reatores anaeróbios aplicados ao tratamento de esgoto sanitário são energeticamente auto-suficientes. Essa verificação pode ser feita através do balanço do metano produzido nos estágios de transformação anaeróbia (hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese), e do consumo energético dos reatores. O projeto original compreendia testes de atividade metanogênica, não concretizados devido a imprevistos na instalação de um equipamento analítico. Foram realizadas análises de artigos científicos em escala de bancada e escala real. Os artigos em escala de bancada analisados forneceram uma média de 58,2±18,6% de eficiência de produção de metano, sendo que os reatores que receberam maiores Cargas Orgânicas Volumétricas (COVs) apresentaram valores mais elevados (89,2%). A produção média de energia foi de 0,013 kWh/Lesgoto, valor incapaz de suprir as necessidades energéticas de operação do reator, considerando os equipamentos normalmente utilizados como o controlador de temperatura. Esse balanço pode se tornar positivo se algumas suposições forem feitas como, por exemplo, (i) eliminar o uso do controlador de temperatura, e (ii) alterar o tempo de funcionamento do agitador de contínuo para intermitente. Baseado na avaliação de oito artigos em escala de bancada observou-se que a implantação de um sistema para utilização do biogás produzido durante o processo de transformação não é energeticamente favorável. Entretanto, resultados satisfatórios foram encontrados em uma planta de tratamento de esgoto sanitário, ETE Ouro Verde – Foz do Iguaçu, PR, Brasil. Embora a eficiência da conversão substrato-metano tenha se apresentado próxima de 10%, o balanço energético é positivo, com um consumo de 68 kWh/mês e produção de 660 kWh/mês. Essa análise leva a conclusão de que a recuperação energética de reatores em escala real pode ser aplicada em outras plantas. Palavras-Chave: esgoto sanitário, processo anaeróbio, produção de metano, reatores anaeróbios, recuperação energética. ABSTRACT The purpose of this project is to verify whether anaerobic reactors applied to sewage treatment are energetically self-sufficient. This evaluation can be made by balancing the methane produced through the anaerobic transformation stages (hydrolysis, acidogenesis, acetogenesis and methanogenesis) and the reactor energy consumption requirements. The original project included methanogenic activity tests, which could not be performed due to setbacks in the installation of an analytical instrument. Scientific articles about bench- and full-scale anaerobic reactors were investigated instead. An average substrate-to-methane conversion efficiency of 58,2±18,6% was found for the bench-scale reactors and higher efficiencies (89,2%) were found for the cases which had higher Organic Loading Rates (OLRs) values. The average energy output was 0,013 kWh/Lsewage, value unable to meet the energy needs for the reactor operation, considering equipments normally used such as temperature controller. This balance can become positive if few hypotheses are made, for example (i) to eliminate the use of temperature controller (ii) to alter the operation pattern from continuous to intermittent. Based on energy balance assessment of eight bench-scale reactors, it was observed that the implementation of a system for biogas utilization is not energetically feasible. However, interesting results were found for a full-scale sewage treatment plant, ETE Ouro Verde – Foz do Iguaçu, PR, Brazil. Even though its substrate-to- methane conversion efficiency was about 10% only, the energy balance was quite positive, with energy consumption of 68 kWh/month and energy production of 660 kWh/month. This analysis leads us to conclude that energy recovery from full-scale sewage treatment plants should be practiced by other plants. Keywords: sewage, anaerobic process, methane production, anaerobic reactors, energy recovery. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11 2. OBJETIVOS .................................................................................................................. 13 2.1. Objetivo Geral ............................................................................................................... 13 2.2. Objetivos Específicos e Etapas do Trabalho ................................................................. 13 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ...................................................................................... 14 3.1. O Esgoto Sanitário ......................................................................................................... 14 3.2. Evolução do Tratamento Anaeróbio .............................................................................. 17 3.3. Biogás como fonte de energia alternativa...................................................................... 18 3.4. Etapas do Tratamento Biológico Anaeróbio ................................................................. 20 3.5. Aplicação do Tratamento Anaeróbio em Escala Plena ................................................. 22 3.6. A importância da separação na fonte ............................................................................. 25 4. MATERIAIS E MÉTODOS .......................................................................................... 28 4.1. Digestão Anaeróbia das Macromoléculas Constituintes do Esgoto Sanitário ............... 28 4.1.1. Carboidratos (glicose) ................................................................................................... 28 4.1.2. Proteína (leucina) .......................................................................................................... 29 4.1.3. Lipídios (ácido láurico) ................................................................................................. 30 4.2. Produção efetiva de metano ........................................................................................... 30 4.3. Balanço energético ........................................................................................................ 30 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................. 32 5.1. Resultados metanogênicos obtidos em Artigos Científicos .......................................... 32 5.2. Análise e balanço energético do Trabalho de Graaff et. al. (2010) ............................... 35 5.3. Análise comparativa de produção de metano em escala plena e escala de bancada ..... 38 5.4. Balanço Energético da ETE Ouro Verde ....................................................................... 42 6. CONCLUSÕES ............................................................................................................. 44 7. RECOMENDAÇÕES .................................................................................................... 46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 47 LISTA DE FIGURAS Figura 3.1. Municípios com serviço de rede coletora de esgoto – Brasil. ................................ 16 Figura 3.2. Percentual de municípios com tratamento de esgoto, em ordem crescente, segundo as Unidades da Federação......................................................................................................... 17 Figura 3.3. Poder Calorífico Inferior (PCI) do biogás em função da porcentagem de metano. .................................................................................................................................................. 20 Figura 3.4. Esquema dos processos ocorrentes na digestão anaeróbia (porcentagens descritas como DQO). ............................................................................................................................. 21 Figura 3.5. Fluxograma do sistema de aproveitamento energético da ETE Ouro Verde. ........ 23 Figura 3.7. Esquema do grupo moto-gerador acionado pelo biogás. ....................................... 25 Figura 3.8. Aplicação do conceito de separação na fonte em uma residência. ........................ 26 Figura 3.9. Esquema de separação na fonte em água cinza e água preta. ................................ 27 Figura 5.1. Efeitos da temperatura na Atividade Relativa de Produção de Metano em arquéias metanogênicas. ......................................................................................................................... 37 LISTA DE TABELAS Tabela 3.1. Características típicas do esgoto sanitário. ............................................................ 14 Tabela 3.2. Composição média do biogás. ............................................................................... 19 Tabela 5.1. Análises metanogênicas de efluentes sanitários. ................................................... 34 Tabela 5.2. Dados da análise de produção de metano. ............................................................. 35 Tabela 5.3. Frações correspondentes às porcentagens consideradas. ....................................... 35 Tabela 5.4. Equipamentos e seus respectivos consumos energéticos diários. .......................... 36 Tabela 5.5. Consumo energético para funcionamento diário intermitente. .............................. 36 Tabela 5.6. Balanço energético considerando as modificações propostas. .............................. 36 Tabela 5.7. Produções de metano em escala de bancada e escala plena. ................................. 39 11 1. INTRODUÇÃO A universalização dos serviços de saneamento básico produz efeitos visivelmente duradouros sobre a qualidade de vida da população humana. A diminuição de doenças de veiculação hídrica contribui para o aumento na produtividade no trabalho, o desenvolvimento de atividades econômicas, a exemplo do turismo em regiões litorâneas (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2010) que é favorecido na presença de saneamento, além da valorização imobiliária local, principalmente para moradores de baixa renda. Apesar da grande divulgação feita pela mídia a respeito do uso consciente da água potável, é necessária a ampliação do tratamento do esgoto inevitavelmente gerado, o qual corresponde a aproximadamente 80% do consumo diário de água por pessoa. O esgoto sanitário doméstico é um dos resíduos mais gerados no Brasil, sendo que, menos da metade da população, 49,44%, possui rede coletora e somente 32% do esgoto gerado nas cidades recebe algum tipo de tratamento (WURMEISTER, 2010). Fatores como a falta de canalizações distintas para esgoto sanitário doméstico e águas pluviais aumenta expressivamente o volume a ser coletado e tratado (quando há tratamento), nas estações de tratamento de esgoto (ETEs). Proporcionalmente ao grande volume que é recebido nas estações, é a energia despendida para seu tratamento. Este é de fundamental importância, pois compatibiliza as águas residuárias aos padrões de qualidade e de emissão estabelecidos pelos órgãos públicos de saneamento, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). A técnica mais utilizada para o tratamento de efluentes sanitários em grandes cidades, como São Paulo, é a de lodos ativados. Nela, no interior de um tanque aerado, é provocada a proliferação de microrganismos, em forma de flocos, que utilizam o oxigênio fornecido como oxidante (aceptor de elétrons) para decompor o esgoto (fonte de energia). No entanto, o tratamento estritamente aeróbio envolve elevados custos de operação, manutenção e execução gerados devido à grande dependência de energia elétrica. Uma das alternativas à técnica descrita é o emprego de processos anaeróbios que dispõem de vantagens como: menor área de instalação, menor investimento para maiores cargas volumétricas, baixa produção de lodo estabilizado, devido à menor taxa de crescimento de microrganismos anaeróbios, além de dispensar o uso de aeração, acarretando menor gasto de energia, contribuindo assim, para a matriz energética brasileira (FIGUEIREDO, 2007). Na digestão anaeróbia há ainda a produção de biogás que, após purificação, pode ser usado como fonte de energia, seja elétrica ou calor (BURKE, 2001). Apesar do antigo 12 conhecimento do biogás como fonte energética, foi a partir da década de 70 que houve um aumento em sua produção, devido aos altos preços dos combustíveis tradicionais, como a gasolina, provocados pela crise do petróleo. O restabelecimento do setor petrolífero ocasionou, novamente, a prioritária geração de seus derivados, diminuindo consideravelmente a produção de biogás. A crescente atenção por parte de pesquisadores, dos órgãos ambientais e da sociedade em relação às emissões de gases poluentes, como o metano, induz a proposição de sistemas inteligentes que as minimizem. O metano é o gás que, seguido do dióxido de carbono, mais contribui para o efeito estufa de origem antrópica (ALVALÁ, 1999). Os dois gases citados são os principais constituintes do biogás, nome atribuído devido à sua grande geração a partir de decomposição anaeróbia de matéria orgânica como lodos, resíduos sólidos e efluentes domésticos, industriais e agrícolas. Conforme divulgado pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) (2010, apud BALAZINA, 2010), as emissões de gases estufa no Estado de São Paulo, no ano de 2008, chegaram a 9,2 milhões de toneladas, sendo que 55,7% correspondem a emissões de aterros, 17,5% a efluentes industriais e 26,4% são referentes aos efluentes domésticos. O fato de o gás metano ser enquadrado, por tratados internacionais como o Protocolo de Quioto, como um gás contribuinte para o aquecimento global, juntamente com uma possível escassez de combustíveis convencionais, estimulam ainda mais o aproveitamento energético do biogás gerado diariamente. A comprovação de que a energia produzida através do tratamento anaeróbio possa manter o funcionamento do próprio reator, além do possível fornecimento para fora da ETE, é de fundamental importância. Assim, o projeto realizará uma análise energética para verificar a auto-suficiência de reatores anaeróbios, com base em aspectos teóricos passíveis de serem aplicados, principalmente em dias que se clama por soluções ambientais iminentes. No campo de efluentes domésticos, a aplicação de tal técnica promoverá adequada disposição, tratamento e, principalmente, gestão de energia renovável, proporcionando a redução de custos operacionais das ETEs e da dependência dos combustíveis oriundos de recursos naturais não renováveis. 13 2. OBJETIVOS 2.1. Objetivo Geral Este trabalho tem como objetivo geral realizar a avaliação da auto-suficiência energética de reatores anaeróbios aplicados ao tratamento de esgoto sanitário e de água preta através do balanço entre o potencial energético do biogás gerado e o consumo de energia requerido pelo sistema de tratamento. 2.2. Objetivos Específicos e Etapas do Trabalho Levantamento de dados bibliográficos de artigos da área que contenham a produção de metano por grama de sólidos voláteis totais (SVT), por grama de sólidos suspensos voláteis (SSV) ou por grama de Demanda Química de Oxigênio (DQO) de esgoto para tipos de reatores diferentes, com condições de operação diferentes; Avaliação da capacidade de recuperação de energia por meio do cálculo de eficiências de produção de metano; Avaliação do balanço energético de artigos científicos, em escala de bancada e escala plena, levando-se em consideração a energia produzida e requerimentos energéticos necessários para a operação dos reatores. 14 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1. O Esgoto Sanitário Os despejos hídricos de residências e estabelecimentos comerciais são as essenciais fontes das águas residuárias domésticas, as quais são geradas por atividades sanitárias humanas de higiene (chuveiros, pias e máquinas de lavar roupas), necessidades fisiológicas (vasos sanitários), alimentação (lava-louças e pias), lazer (piscinas) e serviços (jardinagem e lavagem de ambientes). Juntamente às contribuições domésticas, constituem os esgotos sanitários as águas de infiltração e os despejos do setor industrial 1 (VON SPERLING, 2005). De acordo com Kling (2007), a concentração, a vazão e a consequente carga dos esgotos são influenciadas pelos tipos de atividades sanitárias costumeiras e a frequência com que são realizadas. Tal variação pode ser justificada por motivos socioeconômicos, a exemplo do país ou região em questão, hábitos alimentares e higiênicos e consumo de água. Esgotos que apresentam alta concentração são resultantes de baixos consumos de água. A Tabela 3.1 mostra as características típicas encontradas nas águas residuárias acima mencionadas. Tabela 3.1. Características típicas do esgoto sanitário. Parâmetros Unidade Concentração Baixa Média Alta Sólidos Totais (ST) mg/L 390 720 1230 Sólidos Totais Dissolvidos (STD) mg/L 270 500 860 Sólidos Totais Suspensos (STS) mg/L 120 210 400 DBO5, 20 o C mg/L 110 190 350 DQO mg/L 250 430 800 Nitrogênio Total mg/L 20 40 70 Fósforo Total mg/L 4 7 12 Coliformes Totais #/100 mL 10 6 -10 8 10 7 -10 9 10 7 -10 10 Coliformes Fecais #/100 mL 10 3 -10 5 10 4 -10 6 10 5 -10 8 Fonte: Adaptado de Metcalf and Eddy (2004). O esgoto doméstico é composto por 99,9% de água e os 0,1% restantes são os constituintes sólidos que podem ser agrupados em sólidos suspensos, matéria orgânica, 1 Estão inclusos somente os efluentes industriais com concentração comparável à dos efluentes domésticos, sendo que as demais indústrias realizam seu próprio tratamento ou despejam “in natura”. Os parâmetros são tipo, porte e existência e qualidade de pré-tratamento. 15 nutrientes e organismos patógenos (AVELLAR, 2002). Estes, apesar da pequena proporção, quando lançados em corpos d’água como rios, córregos, lagos e oceanos, em quantidades excessivas, acarretam impactos altamente danosos ao corpo receptor como o aumento da demanda bioquímica de oxigênio e dos níveis de nitrogênio e fósforo, diminuição da fotossíntese, contaminação, mortandade da biota aquática, além do comprometimento hidrogeológico, geológico e atmosférico. As alterações mencionadas podem ocasionar reações secundárias e até mesmo terciárias, como a contaminação de águas subterrâneas, seguida pelos poços de captação de água potável, as quais afetam a população local e regional, através de doenças de veiculação hídrica, deteriorando assim a qualidade da saúde pública. Algumas das doenças relacionadas são: dengue, filariose, malária, febre amarela e principalmente diarréia. Who (2000 apud GRAAFF, 2010) cita que aproximadamente 2,2 milhões de pessoas, principalmente crianças de países em desenvolvimento, morrem por ano através de diarréia contraída pelo consumo de água potável contaminada. Conforme publicação do Instituto Trata Brasil (2010), em um município sem coleta de esgoto, com 100 mil habitantes, aproximadamente 450 casos de infecções gastrointestinais são esperados, enquanto em um município com a mesma população, mas com 100% de coleta de esgoto, o número de infectados cai quase pela metade, para 229 pessoas. Desta forma, o fornecimento de serviços de saneamento básico é de extrema importância para a manutenção da qualidade de vida. A Lei nº 11.445/07 (Lei do Saneamento Básico) estabelece que: “(...) Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes princípios fundamentais... esgotamento sanitário... realizado de forma adequada à saúde pública e à proteção do meio ambiente (...)”. Define ainda que “(...) o esgotamento sanitário é constituído por atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição adequados (...)” (BRASIL, 2007). 16 Entretanto, conforme a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB, 2008), publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até àquele ano, pouco mais da metade da população brasileira (55,2%) tinha acesso ao serviço de coleta 2 de esgoto (Figura 3.1), sem considerar o posterior tratamento. Figura 3.1. Municípios com serviço de rede coletora de esgoto – Brasil. Fonte: Adaptado de Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, IBGE (2008). O tratamento das águas residuárias domésticas propriamente dito, também em 2008, atingiu apenas 28,5% dos municípios brasileiros (Figura 3.2). Apenas três Unidades da Federação, com exceção do Distrito Federal, tratavam o esgoto de mais da metade de seus municípios. Especificamente, Reina (2010) cita que a Região Metropolitana de São Paulo gera, diariamente, 61,2 milhões de litros de esgoto por hora, dos quais são coletados 57,6 milhões de litros por hora (sendo que o restante é despejado “in natura” nos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí) e tratados 43,2 milhões de litros por hora. Ainda de acordo com o mesmo autor, a meta para resolução das carências sanitárias no estado de São Paulo está prevista para o ano de 2018. 2 Apesar das fossas sépticas serem uma alternativa à rede coletora, elas são consideradas sumidouros, não constituindo um tratamento adequado, do ponto de vista sanitário. 17 78,4 69,2 58,7 48,9 43,6 41,1 28,5 27,6 24,4 22,8 22,7 20,4 20,2 18,2 16,7 16,3 16,0 15,1 13,3 12,5 10,8 9,3 4,8 4,2 3,8 2,2 1,4 S ão P au lo E sp ír it o S an to R io d e Ja n ei ro C ea rá M at o G ro ss o d o S u l P ar an á B ra si l P er n am b u co G o iá s R io G ra n d e d o N o rt e M in as G er ai s B ah ia P ar aí b a A cr e A la g o as M at o G ro ss o S an ta C at ar in a R io G ra n d e d o S u l R o ra im a A m ap á T o ca n ti n s S er g ip e A m az o n as P ar á R o n d ô n ia P ia u í M ar an h ão % Looker (1998 apud VOLKMAN, 2003) menciona que o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) considera como maior desafio do esgotamento sanitário, a implantação de um tratamento de efluentes a baixo custo, que possibilite o reuso dos mesmos tratados nos setores agrícola e industrial. Para isso, estão sendo desenvolvidas melhorias tecnológicas no tratamento do esgoto sanitário e suas vantagens, principalmente econômicas e espaciais, apresentam grande visibilidade por parte das entidades implantadoras. Tais vantagens são perceptíveis no tratamento anaeróbio, e serão descritas no tópico seguinte. Figura 3.2. Percentual de municípios com tratamento de esgoto, em ordem crescente, segundo as Unidades da Federação. Fonte: Adaptado de Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, IBGE (2008). 3.2. Evolução do Tratamento Anaeróbio O tratamento biológico de águas residuárias domésticas é subdividido em aeróbio e anaeróbio, que são diferenciados pela presença ou não do oxigênio como oxidante de matéria orgânica utilizado pelos microrganismos decompositores. Ambos os tratamentos são atualmente utilizados no Brasil e no mundo para eliminar as características indesejáveis dos esgotos, principalmente patógenos e nutrientes, fazendo com que seu reuso ou disposição final estejam em conformidade com critérios e normas estabelecidos pelas autoridades regulamentadoras (VAN HAANDEL e LETTINGA, 1994 apud COSTA, 2006). Ainda de acordo com o mesmo autor, há tempos atrás, apenas o tratamento aeróbio era tido como altamente eficiente. Desenvolvido no final do século XIX, o tratamento anaeróbio, ou digestão anaeróbia, era útil somente na digestão de lodos provenientes de ETEs. Estudos avançados tem possibilitado a disseminação do mesmo, o qual é um processo biológico que, 18 na ausência de oxigênio (baixo potencial redox), degrada compostos orgânicos complexos (p.ex. carboidratos, proteínas e lipídios) mediante formação de biogás e de lodo estabilizado e com alta concentração de nutrientes (CAMPOS, 1999). Ou seja, é um processo de conversão de material orgânico em energia e em substitutos para os fertilizantes. A aplicação de reatores anaeróbios iniciou-se em 1860, pelo francês Louis Mouras (DUNBAR, 1908 apud WENDLAND, 2008). Dessa forma, pesquisadores desenvolveram outros tipos de tratamentos anaeróbios, como o tanque de Imhoff que, com variações, foi o método mais utilizado por mais de 12 milhões de alemães até o ano de 1945. Estima-se que a digestão anaeróbia do esgoto sanitário converta de 60-80% da DQO em metano (LETTINGA et. al., 1993 apud GRAAFF, 2010). No entanto, preocupações com odores gerados e a necessidade de posterior tratamento do efluente produzido 3 fizeram com que o tratamento aeróbio se difundisse majoritariamente. Von Sperling (1996) menciona que a escolha do tratamento adequado para o tratamento de águas residuárias deve ser feita atentando-se a fatores como: eficiência, requisitos de área, custos de implantação e operacionais, disposição e formação de lodo 4 , confiabilidade, impactos ambientais, sustentabilidade e simplicidade. Os quatro primeiros aspectos citados, respectivamente, fazem do tratamento anaeróbio uma opção relevante para as condições econômicas atuais. A produção de energia (biogás) é uma característica potencial que contribui substancialmente para a economia do serviço de tratamento, seja na redução dos custos operacionais, na prática da sustentabilidade energética e na prevenção dos impactos ambientais negativos e potencialização dos positivos. 3.3. Biogás como fonte de energia alternativa Caracteriza-se o biogás como uma mistura combustível gasosa incolor, insolúvel, leve e de fraca densidade que, de acordo com o foco deste projeto, pode ser proveniente da digestão anaeróbia de material orgânico. Estes compostos orgânicos podem ser resíduos sólidos ou líquidos originários das zonas urbana, industrial ou rural. O biogás é composto por diversos gases, predominando o metano (CH4) e o dióxido 3 Altas concentrações de nutrientes. 4 Na digestão anaeróbia, devido à maior incorporação da matéria orgânica como biomassa, há menor formação de lodo no sistema, que ocorre na faixa de 5 a 15%, enquanto no processo aeróbio, de 30 a 40% (CHERNICHARO, 1997). 19 de carbono (CO2), como apresentado na Tabela 3.2. Considera-se que quanto maior a porcentagem de metano presente no biogás (Figura 3.3), maior é seu poder calorífico, ou seja, há mais energia por unidade de massa. Para Noyola et. al. (2006), tais parcelas dependem de parâmetros como o tipo e concentração de substrato a ser decomposto, condições físico- químicas do ambiente e da presença de sulfatos e nitratos. Tabela 3.2. Composição média do biogás. Componente Porcentagem do volume de gás produzido Metano (CH4) 50% a 75% Dióxido de carbono (CO2) 25% a 40% Hidrogênio (H2) 1% a 3% Nitrogênio (N2) 0,5% a 2,5% Oxigênio (O2) 0,1% a 1% Sulfureto de hidrogênio (H2S) 0,1% a 0,5% Amônio (NH3) 0,1% a 0,5% Monóxido de carbono (CO) 0% a 0,1% Água (H2O) Variável Fonte: Adaptado de Pires (2000, apud CASSINI, 2003). Um dos mais antigos experimentos registrados sobre a produção de metano e posterior geração de energia foi realizado no século XIX, por Ulysse Gayon, aluno de Louis Pasteur, que submeteu uma mistura de estrume e água à fermentação anaeróbia, à 35 o C, obtendo 100 litros de metano para cada 1m 3 de substrato. Em apresentação do trabalho à Academia das Ciências, Louis Pasteur considerou o processo de degradação anaeróbia como fonte de energia para aquecimento e iluminação (COSTA, 2006). De acordo com o Primeiro Inventário Brasileiro de Emissões Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, publicado pela Cetesb (2006), a produção mundial de metano oriundo do tratamento anaeróbio de efluentes gira em torno de 30 a 40 Tg/ano 5 , sendo que os esgotos sanitários 6 contribuem com 2 Tg/ano do total. 5 Tg = Teragrama = 10 12 gramas. 6 Não são considerados os efluentes industriais que possuem tratamento no empreendimento; somente os que passam por pré-tratamento e são encaminhados às ETEs. 20 Figura 3.3. Poder Calorífico Inferior (PCI) do biogás em função da porcentagem de metano. Fonte: Pauss (1987 apud LIMA, 2005). 3.4. Etapas do Tratamento Biológico Anaeróbio A digestão anaeróbia (Figura 3.4) pode ser igualada a um ecossistema em que microrganismos convertem matéria orgânica complexa em metano, gás carbônico, água, gás sulfídrico, amônia e novas células bacterianas (CHERNICHARO, 1997). A formação destes produtos finais se desenvolve por meio de fermentações, nas quais o material orgânico é transformado (i.e., oxidado). O processo se divide em quatro etapas distintas, cada qual com sua população bacteriana específica. São elas a hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese. A primeira etapa é marcada pela dissolução do material orgânico em compostos de menor peso molecular (monômeros). As bactérias fermentativas e hidrolíticas produzem e secretam enzimas responsáveis pela conversão. As bactérias fermentativas absorvem os produtos gerados e os excretam como ácidos orgânicos voláteis (podem ser destilados à pressão atmosférica) como fórmico, acético, propiônico e butírico, além de alcoóis, ácido lático e compostos minerais como gás carbônico, hidrogênio, amônia e ácido sulfídrico. A acidogênese é realizada por bactérias anaeróbias fermentativas obrigatórias e facultativas. Estas últimas são de suma importância, pois removem o oxigênio possivelmente presente, que funciona como substância ofensiva para arquéias metanogênicas. Até então, se deu a conversão de complexos orgânicos. O processo seguinte, estabilização dos ácidos orgânicos, é a transformação dos produtos da acidogênese em compostos pré-cursores dos substratos do gás metano: acetato, hidrogênio e dióxido de carbono. Tal etapa é realizada por bactérias acetogênicas facultativas e anaeróbias obrigatórias. Seqüencialmente, ocorre a metanogênese, na qual as arquéias metanogênicas anaeróbias obrigatórias convertem as substâncias obtidas na acetogênese em produtos como 21 metano e dióxido de carbono. A metanogênese pode ser feita por arquéias acetotróficas ou acetoclásticas como Methanosarcina e Metanothrix, que reduzem o ácido acético, ou por bactérias hidrogenotrófica como Methanobacterium e Methanospirillum, redutoras do dióxido de carbono e do hidrogênio. A proporção comumente formada por cada tipo de metanogênese se encontra, respectivamente, nas reações I e II. CH3COO - + H +  CH4 + CO2 (70%) (I) 4H2 + HCO3 - + H +  CH4 + 3H2O (30%) (II) De acordo com as reações acima, a clivagem do acetato dá origem a 70% do metano, e os outros 30% são gerados a partir de hidrogênio e dióxido de carbono. No entanto, em altas temperaturas, de 60ºC a 70ºC, uma quantidade maior de metano é produzida a partir de hidrogênio e dióxido de carbono, pois em tais temperaturas o acetato é anaerobiamente oxidado para tais componentes (COSTA, 2001). Em função da composição do substrato inicial, além das etapas do ciclo de tratamento anaeróbio descrito, pode estar inclusa a fase de redução de sulfatos e formação de sulfetos (CHERNICHARO, 1997). Compostos a base de enxofre atuam como receptores de elétrons, na oxidação orgânica, por meio de bactérias redutoras de sulfato. Figura 3.4. Esquema dos processos ocorrentes na digestão anaeróbia (porcentagens descritas como DQO). Fonte: Chernicharo (1997). 22 Alguns fatores controlam a conversão da biomassa em biogás, são eles: tipo de biomassa a ser utilizada, sua concentração 7 , temperatura, presença de metais tóxicos, pH, alcalinidade, tempo de detenção hidráulica, tempo de retenção de sólidos, relação entre substrato e microrganismos e carga aplicada (BURKE, 2001). Especificamente, os microrganismos produtores de metano são estritamente sensíveis às variações de pH e temperatura. Segundo Metcalf & Eddy (2004), a temperatura ótima para ocorrência da digestão anaeróbia se encontra entre 25ºC e 35ºC, considerada faixa mesófila; no entanto, na faixa termófila (entre 50ºC e 55ºC) também é possível constatar a degradação. Em relação ao pH, Chernicharo (1997) considera que os microrganismos produtores de metano tem um crescimento ótimo na faixa de pH entre 6,6 e 7,4, apesar de se atingir a estabilidade metanogênica em faixa amplificada, entre 6,0 e 8,0. É fundamental não permitir a queda para pH menor que 6,0 e o aumento maior que pH 8,3, pois nestas condições, pode haver completa inibição das bactérias digestoras. 3.5. Aplicação do Tratamento Anaeróbio em Escala Plena As vantagens apresentadas sobre o uso de processos anaeróbios no tratamento de efluentes, como o esgoto sanitário, são comprovadas em escala plena, no Brasil, desde o início dos anos 80 (CAMPOS, 1999). Dentre as companhias de saneamento que aplicam tais técnicas em seus tratamentos, a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) é reconhecida pela iniciativa e evolução na utilização de reatores UASB 8 (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) para o tratamento de esgoto sanitário, com mais de 200 unidades construídas. Uma dessas unidades é a ETE Ouro Verde, localizada no município de Foz do Iguaçu – PR, em operação desde 1997. A energia gerada na ETE provém do tratamento do esgoto sanitário de 17,5 mil habitantes, representado pela vazão média de 40 litros por segundo. Conforme Silva (2010), o processo compreende o tratamento preliminar (gradeamento, caixa de areia, medidor de vazão 7 Metcalf & Eddy (2004) citam que as concentrações de esgotos a serem tratados devem compreender o intervalo de 1500 mgDQO/L a 2000 mgDQO/L ou acima deste, para que haja uma produção de metano suficiente para transformação energética. 8 Nos reatores UASB, constituídos por leito de lodo, zona de sedimentação e separador de fase, o efluente adentra pelo fundo do reator, percola o lodo contendo biomassa e é degradado, resultando na produção de metano e dióxido de carbono e efluente tratado, que sai do reator pela parte superior. 23 e caixa de distribuição), tratamento secundário (RALF 9 ), sistema de queima de biogás e sistema de secagem de lodo. Ainda de acordo com o mesmo autor, a ETE Ouro Verde opera com eficiência de 75% de remoção de carga orgânica, gerando 18 mil metros cúbicos de metano anuais utilizados na geração de energia elétrica. De acordo com Coelho et. al. (2006), o processo de conversão do biogás em energia elétrica consiste em um processo de combustão controlada, o qual transforma a energia química contida nas moléculas do biogás em energia mecânica. Esta, por sua vez, ativa um gerador que a converte em energia elétrica. O sistema de aproveitamento energético da ETE, mostrado na Figura 3.5, é constituído por coleta, filtração e armazenamento do biogás, seguido da geração de energia elétrica (CARNEIRO, 2010). Figura 3.5. Fluxograma do sistema de aproveitamento energético da ETE Ouro Verde. Fonte: Adaptado de Carneiro (2010). A coleta do biogás é realizada por tubulações interligadas à parte superior do reator, seguida do processo de filtração com limalha de ferro 10 , ou purificação, o qual remove substâncias não combustíveis do biogás como a umidade e o ácido sulfídrico (H2S) 11 , aumenta seu poder calorífico, adequando suas composição e características à tecnologia de conversão (COELHO et. al., 2006). Na seqüência, há um compressor de ar para aumentar a pressão do biogás coletado do reator e viabilizar a entrada no gasômetro. De acordo com a Figura 3.5, nesta etapa, parte do biogás é direcionada para o 9 A nomenclatura do reator UASB possui variações, em português, como RAFA, DAFA, RAFAALL ou RALF (CAMPOS, 1999). 10 Proporciona a reação do biogás com óxido de ferro (Fe2O3) para remoção do ácido sulfídrico. 11 O ácido sulfídrico, em contato com vapor d’água, reage formando ácido sulfúrico, corrosivo para os equipamentos subseqüentes. 24 queimador 12 e parte segue para o gasômetro. Este, apresentado na Figura 3.6, tem por finalidade armazenar o biogás, quando não utilizado, e fornecê-lo quando necessário, ou seja, quando o consumo do grupo moto-gerador foi superior à produção do biodigestor. No caso da ETE Ouro Verde, o biogás produzido é capaz de manter o gerador funcionando de duas horas e meia a três horas, sendo armazenando no período da noite e da manhã e utilizado no período da tarde. O gasômetro é um sistema de armazenamento de baixa pressão, possivelmente empregado na ETE devido ao menor custo em relação a outros sistemas, como os de alta pressão e liquefação (LUCAS JÚNIOR et. al., 2003). Figura 3.6. Gasômetro para armazenamento do biogás produzido na ETE Ouro Verde. Fonte: Carneiro (2010). Seqüencialmente, o biogás passa por um segundo filtro, este de carvão ativado, adentrando ao motor à combustão (modelo Volkswagen AP 2000). A vazão de entrada do biogás faz com que o motor rotacione (3600 rpm) e atinja determinada velocidade a ponto de criar um campo eletromagnético e gerar energia elétrica, através de um gerador (modelo 50 kVA) acoplado (Figura 3.7). 12 A queima do biogás nos queimadores, ou flares, funciona como escape emergencial no caso de falha nos sistemas de geração de energia, transformando o gás metano (CH4) em dióxido de carbono (CO2), água (H2O) e traços de combustão, ou quando o gasômetro está sendo utilizado e não há produção de energia elétrica. 25 Figura 3.7. Esquema do grupo moto-gerador acionado pelo biogás. Fonte: Adaptado de Alves (2000). De acordo com o Inventário de Emissões de Gases do Efeito Estufa realizado pela Sanepar, anualmente a ETE Ouro Verde deixa de emitir o equivalente a 148 toneladas de gás carbônico. Portanto, além da redução dos gastos com energia elétrica, a energia produzida a partir do biogás contribui para a redução de emissão de gases do efeito estufa. 3.6. A importância da separação na fonte O tratamento anaeróbio de esgotos sanitários é o foco do presente projeto. No entanto, uma nova abordagem que se distingue do sistema convencional centralizado 13 , tem sido desenvolvida e considera a separação das águas residuárias na fonte (Figuras 3.8 e 3.9), em água preta e água cinza 14 . Henze & Ledin (2001 apud LUOSTARINEN et. al., 2006) mencionam as diferentes concentrações médias (em mgDQO/L) de esgoto sanitário, água preta e água cinza, mostrado na Tabela 3.3. Como apresentado, as águas cinzas possuem concentração diluída e grande volume, compreendendo as águas de cozinha, de banho e de lavanderia. Por possuírem tais características, as águas cinzas podem ser tratadas em um sistema simples e a baixo custo e serem posteriormente recicladas, e reutilizadas ou “devolvidas” ao ciclo da água através da infiltração ou irrigação (WENDLAND, 2008). 13 Este que difunde as concentrações pontuais, ou seja, dilui os efluentes com alta concentração de matéria orgânica (água de vaso sanitário) com os de baixa concentração (água de chuveiro). 14 Dos termos em inglês, black water e grey water, respectivamente. 26 Tabela 3.3. Variação das concentrações de entrada dos efluentes. Parâmetro (mg/L) Efluente Esgoto sanitário Água preta Água cinza DQO 210-740 900-1500 100-400 Fonte: Adaptado de Henze & Ledin (2001 apud LUOSTARINEN et. al., 2006). Já as águas pretas são águas residuais provenientes de vasos sanitários, ou seja, fezes, urina, papel higiênico e água de descarga; por apresentarem tais características, as águas pretas apresentam maior concentração em termos de DQO 15 , nutrientes e patógenos. A digestão anaeróbia se mostra mais eficaz com efluentes de alta concentração, fato este que a prioriza frente aos demais tratamentos. Portanto, para manutenção da baixa diluição, um pequeno volume utilizado de água para cada descarga seria fundamental, tendo maior preferência os vasos sanitários a vácuo. Ainda de acordo com Wendland (2008), um vaso sanitário convencional utiliza em média de 0,7 a 1 litro de água por descarga; no entanto, em aviões já estão sendo implantados vasos que utilizam apenas 0,25 litros de água por descarga. Figura 3.8. Aplicação do conceito de separação na fonte em uma residência. Fonte: Adaptado de Graaff et. al. (2010). 15 Podem apresentar concentrações ainda maiores se misturadas aos resíduos de cozinha que são, de acordo com Wendland (2008), restos de alimentos não utilizados no preparo da refeição, bem como os alimentos dispensados na refeição. 27 As principais vantagens da separação na fonte são principalmente econômicas. Como já descrito, a reutilização das águas cinzas evitaria o consumo de água potável para atividades como jardinagem, lavagem de quintais e descarga. Adicionalmente, os patógenos, contaminantes e resíduos de medicamentos resistentes ao tratamento não seriam diluídos e desaguados nos corpos d´água e o tratamento das águas pretas geraria material substitutivo aos fertilizantes. Dessa forma, apesar do foco deste trabalho ser o esgoto sanitário, análises de água preta e esgoto diluído também serão realizadas para comparação das produções finais de metano. Figura 3.9. Esquema de separação na fonte em água cinza e água preta. Fonte: Adaptado de Wendland (2008). 28 4. MATERIAIS E MÉTODOS Neste capítulo serão descritos os procedimentos adotados na análise de energia de artigos científicos, a qual envolveu os cálculos de produções de metano, de energia consumida e de balanço energético. De acordo com Tchobanoglous et. al. (2003 apud WALL et. al., 2008), os esgotos sanitários são constituídos essencialmente por carboidratos (25%-50%), proteínas (40%-60%) e lipídios (10%). Tais constituintes serão representados pela glicose, leucina e ácido láurico, respectivamente. Para o cálculo das produções teórica e efetiva de metano, foram estabelecidas as condições de temperatura de 25ºC, de pressão de 1 atm. Nessas condições, a densidade do metano é de 0,656 gCH4/L, de acordo com a equação universal dos gases. 4.1. Digestão Anaeróbia das Macromoléculas Constituintes do Esgoto Sanitário Como visto as macromoléculas constituintes do esgoto sanitário (carboidratos, proteínas e lipídios), ao sofrerem o processo de degradação anaeróbia, são convertidas em metano. Desta forma, a partir de suas relações estequiométricas, o coeficiente de rendimento de metano resultante da digestão anaeróbia das próprias macromoléculas (Yteórico) foi estabelecido (LCH4/gDQO). O denominador da unidade do coeficiente é dado em gDQO, apesar da ocorrência da degradação anaeróbia, para uso nos cálculos posteriores, os quais envolvem a concentração de entrada (em gDQO/Lesgoto) dos estudos; a DQO representa a quantidade de oxigênio necessária para decomposição da matéria orgânica em questão. A concentração de matéria orgânica fornecida (gDQO/Lesgoto), foi multiplicada pelo coeficiente de rendimento provindo da degradação das macromoléculas, obtendo-se a produção teórica de metano, em LCH4/Lesgoto. 4.1.1. Carboidratos (glicose) A decomposição anaeróbia da glicose é representada de acordo com a reação 1. A massa molar da glicose é 180g/mol, a qual produz 3 mols de metano, equivalente a 48g. Proporcionalmente, 1g de glicose gerará 0,267g de metano. Portanto, o coeficiente de rendimento (Yteórico), considerando conversão total, é de 0,267 gCH4/gglicose. Transformando a 29 massa de metano produzida em volume, a partir da densidade, obtemos o coeficiente de rendimento (Yteórico) de 0,407 LCH4/gglicose. C6H12O6  3CO2 + 3CH4 (1) C6H12O6 + 6O2  6CO2 + 6H2O (2) A partir da reação (2), converteu-se a produção de metano por grama de glicose em produção de metano por gramas de demanda química de oxigênio. A degradação de 180g de glicose consome 192g de oxigênio; portanto, o coeficiente de rendimento (Yteórico), em LCH4/gDQO, resulta em: Yteórico = 0,407 LCH4/gglicose . 180gglicose/192goxigênio = 0,381 LCH4/gDQO. 4.1.2. Proteína (leucina) Os cálculos para a degradação anaeróbia das proteínas, reação 3, são similares aos dos carboidratos. Com uma massa molar de 131g, a leucina produz 60g de metano. O coeficiente de rendimento (Yteórico) a partir das proteínas é de 0,458 gCH4/gleucina. Com a transformação para volume de metano, temos 0,698 LCH4/gleucina. C6H13NO2 + 2,4H2O  3,75CH4 + 2,25CO2 + NH3 (3) A degradação aeróbia da leucina segue a reação 4, na qual para cada 1 mol de leucina, são consumidos 7,5 mols de oxigênio. C6H13NO2 + 7,5O2  6CO2 + 5H2O + NH3 (4) Temos assim, que o coeficiente de rendimento (Yteórico) proveniente da degradação da leucina: Yteórico = 0,698 LCH4/gleucina . 131gleucina/240goxigênio = 0,381 LCH4/gDQO. 30 4.1.3. Lipídios (ácido láurico) A decomposição anaeróbia do ácido láurico ocorre conforme a reação 5. A massa molar do ácido láurico é de 200g. São produzidas 136g de metano para cada 1 mol de ácido láurico; assim, a Yteórico é de 0,680 gCH4/gácido láurico. Em volume de metano, o Yteórico é de 1,036 LCH4/gácido láurico. C12H24O2 + 5H2O  3,5CO2 + 8,5CH4 (5) C12H24O2 + 17O2  12CO2 + 12H2O (6) Na obtenção da produção teórica de metano por grama de DQO, baseou-se na reação 6. Para cada 1 mol de ácido láurico degradado, 17 mols de oxigênio são consumidos. Portanto, a degradação do ácido láurico produz: Yteórico = 1,036 LCH4/gácido láurico . 200gácido láurico/544goxigênio = 0,381 LCH4/gDQO. 4.2. Produção efetiva de metano Em consulta a cada artigo escolhido, obteve-se o coeficiente de rendimento efetivo (YE) gerado através do tratamento anaeróbio do esgoto sanitário, em LCH4/gDQO, e também sua concentração de matéria orgânica, em gDQO/Lesgoto. A multiplicação dos valores indicados resultou na produção efetiva de metano, em LCH4/Lesgoto. A eficiência de produção de metano no processo anaeróbio, i.e., a capacidade de recuperação de energia, foi calculada dividindo-se a produção efetiva de metano pela produção teórica. 4.3. Balanço energético Realizou-se o balanço energético para o artigo de Graaff et. al. (2010), que envolve o tratamento anaeróbio de água preta em um reator UASB, aplicando as etapas de: Pesquisa on-line (com fabricante) de informações técnicas dos equipamentos utilizados para manutenção do reator anaeróbio, para posterior cálculo do consumo de 31 energia total, multiplicando-se a potência elétrica do componente pelo tempo de funcionamento dele. Foi calculado o consumo para valores arbitrários de tempo de 12 horas e 24 horas (o artigo não forneceu o tempo de funcionamento); Multiplicou-se a carga de alimentação do reator (gDQO/dia) pelo YE (LCH4/gDQO) de cada artigo, obtendo-se a produção diária de metano (LCH4/dia); O valor acima calculado foi multiplicado pelo PCI do metano (32,890 kJ/LCH4), resultando na produção de energia diária (PE) a partir do metano (kJ/dia), convertida para MJ/dia e, na seqüência, para kWh/dia; Por fim, do valor de energia produzido diariamente, foi subtraído o despendido com os equipamentos de manutenção do reator. A fim de otimizar o balanço energético, o tempo de funcionamento integral dos equipamentos foi variado para intermitente. O balanço energético para a ETE Ouro Verde foi realizado com informações de consumo e produção obtidas em Silva (2010) e Carneiro (2010), seguindo as etapas acima descritas. 32 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1. Resultados metanogênicos obtidos em Artigos Científicos Foram analisados oito estudos compreendendo esgoto sanitário, esgoto sanitário diluído e água preta, devido aos motivos anteriormente justificados, visando a separação na fonte e conseqüente aproveitamento das águas cinzas com tratamento simplificado. Os resultados estão apresentados na Tabela 5.1. Primeiramente, nota-se que, devido às análises de efluentes diversificados e conforme esperado e apresentado na Tabela 3.3, as concentrações de entrada apresentavam considerável diferença: 300 mgDQO/L (esgoto sanitário diluído), 8687 mgDQO/L (água preta) e 19152 mgDQO/L (água preta em conjunto com resíduos de cozinha). Devido às variadas concentrações de entrada exemplificadas acima, as quais influenciaram no cálculo da produção efetiva de metano, foram verificadas variações nos valores da eficiência da produção de metano (E) e de produção energética (PE). As variações podem ter ocorrido também pelas diferentes COVs aplicadas. O tratamento anaeróbio de efluentes com aplicação de altas COVs gera maiores volumes de ácidos voláteis, o que resulta no desbalanceamento entre a produção e o consumo de ácidos e distúrbios das arquéias metanogênicas, as quais crescem lentamente, e das bactérias hidrolíticas e fermentativas, que crescem rapidamente (AHRING, 1994 apud RIBAS et. al., 2008). Não foram atingidas COVs extremamente elevadas, como descrito, a ponto de tornar o processo instável. Sendo baixas as COVs dos efluentes sanitários, as mais altas identificadas nos artigos produziram melhores resultados 16 . Outro fator de possível interferência no processo de conversão substrato–metano é a temperatura, que exerce influência na taxa de crescimento dos microrganismos. De acordo com Chernicharo (1997), tem-se que a temperatura ótima é a de máximo crescimento, sendo que, sua diminuição conduz a um baixo desenvolvimento, enquanto seu aumento excessivo acarreta na queda abrupta do crescimento. Conforme comprovado pelo estudo de Luostarinen et. al. (2007), o aumento da temperatura (de 20ºC para 25ºC) faz com que a produção de biogás (metano) aumente. Conjuntamente ou não, demais parâmetros podem influenciar na 16 Com exceção ao estudo de Pontes et. al. (2002), o qual apresentou a maior COV aplicada e uma dos menores YE e consequente eficiência inferior aos outros estudos. 33 geração de metano, como o tipo de reator, pH, concentração de ácidos voláteis, porcentagem de CO2 no biogás, tempo de detenção hidráulica, grau de mistura, substrato e nutrientes. O valor médio de eficiência de produção de metano foi de 58,2±18,6 %, porcentagem razoável de estabilização da matéria orgânica em forma de metano. No entanto, podem-se destacar as eficiências dos estudos de Behling et. al. (1997), com 89,24%, Guimarães et. al. (2001), com 69,55% e Wendland et. al. (2008), com 62,99% e 70,86%, as quais representam conversões consideráveis, fato este que torna seus parâmetros bases para aplicação real e que comprova a potencialidade de recuperação de energia de processos anaeróbios aplicados ao tratamento de esgoto sanitário e de água preta. 3 4 T a b el a 5 .1 . A n ál is es m et an o g ên ic as d e ef lu en te s sa n it ár io s. R ef er ên ci a E fl u en te T em p er a tu ra (º C ) C o n ce n tr a çã o d e en tr a d a (m g D Q O /L e sg o to ) C a rg a O rg â n ic a V o lu m ét ri ca C O V (k g D Q O /m ³/ d ) E fi ci ên ci a d e re m o çã o d e D Q O C o ef ic ie n te d e re n d im en to ef et iv o Y E (L C H 4 /g D Q O ) P ro d u çã o ef et iv a (L C H 4 /L e sg o to ) E fi ci ên ci a d e p ro d u çã o d e m et a n o E ( % ) P ro d u çã o ef et iv a d e en er g ia P E (k W h /L es g o to ) A g ra w al e t. a l. ( 1 9 9 7 ) E sg o to S an it ár io D il u íd o 2 5 3 0 0 0 ,7 3 7 3 0 ,2 1 3 0 ,0 6 4 5 5 ,9 0 6 5 ,8 4 x 1 0 -4 B eh li n g e t. a l. ( 1 9 9 7 ) E sg o to S an it ár io N D * 3 8 5 1 ,2 1 8 5 0 ,3 4 0 0 ,1 3 1 8 9 ,2 3 9 1 ,2 0 x 1 0 -3 K u ja w a- R o el ev el d e t. a l. ( 2 0 0 6 ) Á g u a P re ta 2 5 1 2 8 0 0 0 ,4 2 7 4 0 ,1 5 6 1 ,9 9 7 4 0 ,9 4 5 1 ,8 2 x 1 0 -2 G u im ar ãe s et . a l. ( 2 0 0 1 ) E sg o to D o m és ti co N D * 6 7 8 ,8 6 N D * 6 1 0 ,2 6 5 0 ,1 8 0 6 9 ,5 5 4 1 ,6 4 x 1 0 -3 G ra af f et . a l. (2 0 1 0 ) Á g u a P re ta 2 5 8 7 0 0 1 ,0 0 7 8 0 ,2 0 7 1 ,8 0 1 5 4 ,3 3 1 1 ,6 x 1 0 -2 M eu lm an e t. a l. ( 2 0 0 8 ) Á g u a P re ta 2 5 1 6 1 0 0 0 ,3 6 8 7 0 ,1 3 0 2 ,0 9 3 3 4 ,1 2 1 1 ,9 1 x 1 0 -2 P o n te s et . a l. (2 0 0 2 ) E sg o to S an it ár io 2 6 ,1 5 4 6 2 ,3 7 0 0 ,1 6 0 0 ,0 8 7 4 1 ,9 9 5 7 ,9 8 x 1 0 -4 W en d la n d (2 0 0 8 ) Á g u a P re ta 3 0 -3 5 8 6 8 7 1 ,0 0 6 1 0 ,2 4 0 2 ,0 8 5 6 2 ,9 9 2 1 ,9 0 x 1 0 -2 W en d la n d e t. a l. ( 2 0 0 6 ) Á g u a P re ta + R es íd u o s d e co zi n h a* * 3 0 -3 5 1 9 1 5 2 0 ,5 7 1 0 ,2 7 0 5 ,1 7 1 7 0 ,8 6 6 4 ,7 2 x 1 0 -2 * N D = d ad o n ão d is p o n ív el n o a rt ig o . * * C o n si d er o u -s e o t ra ta m en to d e ág u a p re ta c o m r es íd u o s d e co zi n h a p ar a an ál is e d a d if er en ça n a p ro d u çã o f in al d e m et an o . 35 5.2. Análise e balanço energético do Trabalho de Graaff et. al. (2010) O estudo de Graaff et. al. (2010) foi utilizado como base deste projeto para análise de produção de metano, produção energética e balanço energético. Ele apresentou o tratamento anaeróbio de água preta em um reator UASB, à temperatura de 25ºC. Os cálculos se encontram na Tabela 5.2. Tabela 5.2. Dados da análise de produção de metano. Concentração de entrada (mgDQO/Lesgoto) Carga Orgânica Volumétrica COV (gDQO/Lr/d) Eficiência de remoção de DQO (%) Coeficiente de rendimento efetivo YE (LCH4/gDQO) Produção efetiva (LCH4/Lesgoto) Eficiência de produção de metano E (%) Produção efetiva de energia PE (kWh/Lesgoto) 8700 1,00 78 0,207 1,801 54,331 1,6x10 -2 O cálculo de degradação de macromoléculas seguido da produção de metano também foi aplicado no estudo de Graaff et. al. (2010), considerando as seguintes porcentagens: carboidratos (40%), representados pela glicose, proteínas (50%), representadas pela leucina e lipídios (10%), representados pelo ácido láurico. Na Tabela 5.3 estão as frações correspondentes às porcentagens mencionadas acima. Tabela 5.3. Frações correspondentes às porcentagens consideradas. Macromoléculas Porcentagem considerada (%) Parte representativa da DQO* (mgDQO/Lesgoto) Parte representativa da produção de metano** (LCH4/Lesgoto) Carboidratos 40 3480 0,7204 Proteínas 50 4350 0,9005 Lipídios 10 870 0,1801 * Sendo que a DQO total considerada é de 8700 mgDQO/Lesgoto. ** Para uma produção efetiva de metano de 1,801 LCH4/Lesgoto, conforme Tabela 5.2. Os equipamentos elétricos utilizados no tratamento da água preta por Graaff et. al. (2010) são o controlador de temperatura, o agitador e o medidor de gás. As potências elétricas de cada um deles foram pesquisadas com seus fabricantes, sendo multiplicadas, na sequência, pelo tempo de funcionamento. Este não foi definido no artigo, assim, com base em artigos similares, foram estabelecidos os gastos energéticos para o funcionamento diário (contínuo) de todos os equipamentos, apresentados na Tabela 5.4. 36 Tabela 5.4. Equipamentos e seus respectivos consumos energéticos diários. Equipamento Marca/Modelo Potência elétrica (W) Consumo energético diário (kWh/dia) Controlador de temperatura Haake DC10/K10 240 5,76 Agitador VarioMag Mobil 40 0,96 Medidor de gás Ritter TG05/5 10 0,24 A produção de energia calculada foi expressa em kWh/Lesgoto, no entanto, para o balanço energético neste caso, necessita-se da PE em termos de kWh/dia. Assim, multiplica- se a PE apresentada na Tabela 5.2 (0,016 kWh/Lesgoto) pela vazão fornecida no artigo, de 5,74Lesgoto/dia, resultando em uma PE de 0,0946 kWh/dia. É possível observar, na Tabela 5.4, que há um gasto extremamente elevado se comparado à produção energética diária. O controlador de temperatura é o equipamento que mais consome os gastos totais. Uma possível solução para atingir a auto-suficiência energética seria o descarte do medidor de gás e do controlador de temperatura e o uso intermitente do agitador ao longo do dia (Tabela 5.5). Tabela 5.5. Consumo energético para funcionamento diário intermitente. Equipamento Marca/Modelo Potência elétrica (W) Consumo energético (kWh) 5min/h Agitador VarioMag Mobil 40 0,08 A modificação do tempo de funcionamento do agitador para 5 min/h, ao invés de 24 horas, possibilita o suprimento da energia utilizada com a produzida, restando 0,0146 kWh/dia, no balanço energético (Tabela 5.6). No entanto, existem implicações passíveis de ocorrer devido às modificações sugeridas. Tabela 5.6. Balanço energético considerando as modificações propostas. Energia Produzida (kWh/dia) Energia Requerida (kWh/dia) Balanço Energético (kWh/dia) 0,0946 0,08 0,0146 A transformação da agitação constante para intermitente poderia minimizar o contato entre a biomassa e a matéria a ser digerida, a uniformidade física, química e biológica da 37 mistura do reator, e a dispersão dos produtos gerados, assim como de compostos tóxicos, alterando o desenvolvimento da população bacteriana, principalmente pela inibição. A temperatura do estudo foi de 25ºC, como já mencionado. Se for considerado que a temperatura decaia ligeiramente, sem atingir a faixa psicrófila (0ºC a 20ºC), uma solução para a manutenção das eficiências citadas é o emprego de outros grupos de arquéias metanogênicas, as quais crescem de maneira diferente conforme a temperatura do meio, como mostrado na Figura 5.1. Figura 5.1. Efeitos da temperatura na Atividade Relativa de Produção de Metano em arquéias metanogênicas. Fonte: Bicalho (2007 apud COSTA, 2009). Por outro lado, a queda de temperatura para a faixa psicrófila, afetaria a eficiência de produção de metano. Os motivos são a diminuição solubilidade dos substratos, (p. ex. lipídios), que resultaria na diminuição do crescimento bacteriano, e ao desequilíbrio entre OS microrganismos acidogênicas e metanogênicas, que desestabilizaria o processo. Também causaria um decaimento na eficiência remoção de DQO, relacionada à baixa taxa de hidrólise, ou seja, as partículas maiores não são quebradas, sendo então arrastadas e não removidas. Portanto, seria necessária uma análise prévia da temperatura a ser atingida com a não utilização do controlador e das consequências da agitação intermitente, podendo ser realizadas em reatores piloto, para que as escolhas entre usos e mudanças dinâmicas fossem ponderadas econômica e eficientemente. 38 5.3. Análise comparativa de produção de metano em escala plena e escala de bancada As análises de auto-suficiência energética até então realizadas, em escala de bancada, conduziram à conclusão parcial de desvantagem no aproveitamento de energia em sistemas de tratamento anaeróbio de esgoto sanitário e de água preta. Entretanto, a aplicação em escala plena não foi considerada, constituindo fator fundamental para a conclusão efetiva, devido à variação de valores quantitativos (p.ex. produção e consumo energéticos). A principal justificativa à escolha feita, ETE Ouro Verde, descrita no Item 3.5, se deve ao fato de que, de acordo com Salvador (2009), no ano de 2008, foi implantado o Projeto de Geração Distribuída 17 , pioneiro na área de saneamento brasileira, o qual propunha o aproveitamento energético do metano produzido no tratamento anaeróbio do esgoto sanitário. Em setembro do mesmo ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), concedeu autorização à Copel para comercialização de energia obtida através do biogás e esta realizou chamada pública, em 2009. A Sanepar, por meio da planta de Ouro Verde, se habilitou e obteve certificação para venda da energia gerada. Atualmente, a ETE está conectada à rede Copel para o fornecimento de 15 kWh/dia, firmados em contrato. Os dados de produção metano, obtidos em Carneiro (2010) e Silva (2010), encontram- se na Tabela 5.7. Com finalidade comparativa, são apresentados, novamente, dados de três estudos em escala de bancada, sendo um de esgoto sanitário e dois de água preta, respectivamente. Foram escolhidos estudos que apresentassem dados de projeto passíveis de comparação para o entendimento das mudanças na produção energética quando da passagem de escala de bancada para escala plena, e mudança de efluente. Ressalta-se que variações em parâmetros como temperatura e tempo de detenção celular, além da perda de metano por dissolução no efluente, podem alterar a produção energética e, considerando os estudos acima comparados, poderia haver divergência de produção energética em maior escala, se operados nas mesmas condições. Portanto, para os quatro estudos apresentados na Tabela 5.7, assume-se a situação mais favorável. 17 Projeto em parceria com a Companhia Paranaense de Energia (Copel), Itaipu Binacional, Cooperativa Agropecuária Lar e Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e Fundação Parque Tecnológico Itaipu (PTI). 3 9 T a b el a 5 .7 . P ro d u çõ es d e m et an o e m e sc al a d e b an ca d a e es ca la p le n a. E st u d o R ef er ên ci a V o lu m e d o re a to r (L r) C o (m g D Q O /L e sg o to ) C O V (g D Q O /L r/ d ) E fi ci ên ci a d e re m o çã o d e D Q O (% ) Y E (L C H 4 /g D Q O ) P ro d u çã o ef et iv a d e m et a n o (L C H 4 /L es g o to ) P ro d u çã o e fe ti v a d e m et a n o (L C H 4 /L re a to r /d ia ) E (% ) P E (k W h /L es g o to ) P E (k W h /d ia ) 1 C ar n ei ro (2 0 1 0 ) e S il v a (2 0 1 0 ) 2 ,0 0 x 1 0 6 2 1 4 0 ,3 7 7 5 0 ,0 4 1 0 ,0 0 9 0 ,0 1 5 1 0 ,6 5 6 ,3 7 x 1 0 -6 2 2 ,0 1 4 2 A g ra w al et . a l. (1 9 9 7 ) 1 1 0 3 0 0 0 ,7 3 7 3 0 ,2 1 3 0 ,0 6 4 0 ,1 5 6 5 5 ,9 1 3 ,9 0 x 1 0 -4 0 ,1 0 4 3 G ra af f et . a l. ( 2 0 1 0 ) 5 0 8 7 0 0 1 ,0 0 7 8 0 ,2 0 7 1 ,8 0 1 0 ,2 0 7 5 4 ,3 3 1 ,6 0 x 1 0 -2 0 ,0 9 2 4 M eu lm an et . a l. (2 0 0 8 ) 7 4 0 0 1 6 1 0 0 0 ,3 6 8 7 0 ,1 3 0 2 ,1 0 ,0 4 7 3 4 ,1 2 1 ,9 0 x 1 0 -2 3 ,1 4 3 C o : co n ce n tr aç ão d e en tr ad a; C O V : ca rg a o rg â n ic a v o lu m ét ri ca ; Y E : co ef ic ie n te d e re n d im en to e fe ti v o ; E : ef ic iê n ci a d e p ro d u çã o d e m et a n o ; P E : p ro d u çã o e fe ti v a d e en er g ia . 40 A análise conjunta dos dados mostra que a produção efetiva de energia (PE) apresenta- se mais elevada para os tratamentos de água preta em escala piloto. Comparando os estudos (3) e (4), nota-se que, apesar da COV do estudo (3), de 1,0 kgDQO/m³/d, ser aproximadamente o triplo da COV do estudo (4), de 0,36 kgDQO/m³/d, as PEs são extremamente próximas. Ainda que haja diferenças entre os coeficientes de rendimento efetivo e, consequentemente, entre as eficiências de produção de metano, o valor quantitativo que exerce influência no cálculo da PE (em kWh/Lesgoto) é a concentração de entrada (em função da proporção de macromoléculas). Assim, o conceito de separação na fonte constitui uma tecnologia simples, mas de longo prazo, que efetivamente contribui para a maximização da produção energética. Uma segunda comparação pode ser feita entre os estudos (1) e (4), nos quais as COVs aplicadas são similares, 0,37 gDQO/Lr/d e 0,36 gDQO/Lr/d, respectivamente. As principais diferenças existentes são a escala de tratamento, o tipo de efluente tratado e o volume do reator: escala plena, esgoto sanitário e 2 milhões de litros para o estudo (1) e escala de bancada, água preta e 7400 litros para o estudo (4). Apesar das semelhantes COVs aplicadas e do volume do reator (1) ser extremamente superior, nota-se que as PEs apresentam grande variação, sendo que a produção do estudo (4) é quase três mil vezes maior que a produção do estudo (1). O fenômeno de wash-out, ou arraste hidráulico, passível de ocorrência em ETEs, é uma das principais causas de perda de controle do tratamento. Sendo a velocidade ascensional alta pode-se provocar a lavagem (arraste) do leito de lodo. O carreamento do lodo para fora do reator dificulta o crescimento celular e a sedimentação (ANDRADE NETO, 1997 apud MEYSTRE, 2007). Chernicharo (1997) reconhece que a partida (start-up) dos processos anaeróbios é lenta na ausência de lodo de semeadura inoculado previamente, necessitando de um período para retenção e seleção da própria biomassa do efluente. Assim, o fenômeno de wash-out, que carrea a biomassa existente, não permitiria o seu desenvolvimento 18 , tornando o processo ineficaz 19 . Outro fator influente na perda de controle dos processos anaeróbios é a existência de zonas mortas no reator. De acordo com Tsutiya (2005), o consumo de água de uma comunidade pode sofrer grandes oscilações, entre 50 L/hab/d e 600 L/hab/d, interferindo na vazão de esgoto produzida. Dessa forma, períodos com baixa vazão acarretam baixas 18 Tempo de detenção hidráulica inferior ao tempo de crescimento celular. 19 Aumento significativo da DQO efluente, podendo não atender as legislações para despejo, além da diminuição da produção metanogênica. 41 velocidades ascensionais, provocando adensamento do leito do lodo na parte inferior do reator, com a formação de obstáculos (zonas mortas) e caminhos preferenciais ao efluente. Os obstáculos podem ser formados também pela alta concentração de lipídios nos esgotos, a qual gera camadas de escuma responsáveis pelo entupimento das passagens na biomassa. Como referido no item 5.2, o controle da temperatura de tratamento é fundamental para a estabilização e eficiência do tratamento anaeróbio. Conforme Weber (2006), mesmo uma variação mínima de temperatura pode interromper a produção de metano, uma vez que as arquéias metanogênicas são extremamente sensíveis a tais variações, requerendo um tempo de geração muito maior, não possibilitando o consumo dos ácidos voláteis e a geração de metano. Pode-se citar ainda a diminuição da produção de biogás devido a fatores como: vazamentos e/ou entupimentos nas tubulações de gás, defeitos nos medidores de gás e presença de substâncias tóxicas no efluente (CHERNICHARO, 1997). Por fim, a comparação entre os estudos (1) e (2), traz a análise das mudanças na produção de energia, quando da transição de escala de bancada para escala plena, considerando o principal efluente deste, o esgoto sanitário. Analisando os dados da Tabela 5.7, pode-se considerar as perdas de controle descritas anteriormente. Ainda que a PE (em kWh/Lesgoto) resultante do tratamento de esgoto sanitário da ETE Ouro Verde seja extremamente baixa, 6,37x10 -6 kWh/Lesgoto, a produção de energia diária envolve o valor da vazão recebida pela estação. Assim, quanto maior o valor da vazão recebida, maior a produção diária de energia. A vazão do estudo (1) é de 3,46x10 6 Lesgoto/dia, enquanto a vazão do estudo (2) é de 293 Lesgoto/dia. Multiplicando tais valores pelas PEs (em kWh/Lesgoto) apresentadas na Tabela 5.7, obtêm-se as PEs, em kWh/dia, de 22 e 0,114, respectivamente. Portanto, apesar da produção por unidade de esgoto ser o parâmetro fundamental para a comparação entre os estudos, o balanço energético só pode ser realizado se considerada a vazão de alimentação. Por fim, as produções efetivas de metano (em LCH4/Lreator/dia) dos quatro estudos citados mostram os coeficientes padrão de geração de metano, passíveis de comparação, uma vez que fornece a produção diária por litro de reator. Assim, excluindo-se os demais parâmetros de controle (p. ex. temperatura), uma vez que há variação entre os estudos, têm-se que os estudos (2) e (3) são os maiores geradores. A produção de energia final será satisfatória considerando-se o volume do reator, considerando a produção por litro de reator. 42 5.4. Balanço Energético da ETE Ouro Verde De acordo com Carneiro (2010), a ETE Ouro Verde consome 68 kWh/mês nos seguintes equipamentos: bomba para recalque de lodo, equipamentos de segurança e alarme, medidor de vazão de esgoto, iluminação da casa do gerador e iluminação geral da ETE. Observa-se que na ETE não há utilização de controlador de temperatura (alto consumo energético) e agitador 20 , como nos estudos de escala de bancada. A temperatura de tratamento considerada na estação é a ambiente; dessa forma, verifica-se que o tratamento anaeróbio em escala plena, em países tropicais, pode funcionar sem controle de temperatura, devido à média permanecer na faixa mesófila (25ºC a 35ºC), fato que contribui para a contenção de custos das estações. A produção energética mensal é de 660 kWh, resultado da multiplicação dos 22 kWh produzidos diariamente por 30 dias de funcionamento, a qual comprova o superávit energético da estação. Apesar da PE (em kWh/Lesgoto) ser a menor dentre os trabalhos estudados, e a eficiência de produção de metano ser próxima de 10%, o balanço energético positivo é alcançado, pois a PE (em kWh/dia) cresce proporcionalmente com a transição da escala de tratamento, enquanto o consumo energético cresce a uma menor taxa. Assim, enquanto na escala de bancada o consumo é relativamente alto, não atingindo o balanço energético favorável, o mesmo deixa de ser significativo em escala real, gerando excedente passível de comercialização. O biogás produzido diariamente na estação, para geração dos 660 kWh/mês, é capaz de manter o grupo moto-gerador funcionando em média de 2,5 a 3 horas. Assim, sendo a ETE Ouro Verde classificada como estação de pequeno porte, certamente a implantação da tecnologia de aproveitamento energético em estações de grande porte, como a ETE Atuba Sul 21 , que gera quatro mil metros cúbicos de metano por dia, aumentaria em grandes proporções a disponibilidade de biogás para a operação de várias horas diárias do grupo moto- gerador. O estudo de viabilidade econômico-financeira do aproveitamento do biogás da ETE Ouro Verde, realizado por Silva (2010), mostrou através de indicadores econômicos e financeiros, a inviabilidade da técnica, salvo se implantada em estações de grande porte, com maior tempo de funcionamento do moto-gerador. 20 A vazão de alimentação exclui a necessidade de agitação. 21 ETE localizada em Curitiba/PR e também administrada e operada pela Sanepar. 43 Dessa forma, mesmo sendo comprovada a perda de controle nos processos do tratamento anaeróbio, na transição de escala de bancada para escala plena, além da baixa eficiência de produção de metano calculada para a ETE Ouro Verde, a auto-suficiência energética foi atingida, ainda que todos os estudos de escala de bancada tenham se mostrado contraditórios a essa afirmação. 44 6. CONCLUSÕES Após verificações de produção de metano realizadas em nove artigos científicos pôde- se concluir que, em quatro tratamentos, houve considerável eficiência de produção de metano, acima de 60%, destacando-se os tratamentos com altas concentrações de entrada e temperaturas associadas. Foi comprovado que a separação na fonte, em água preta e água cinza, gera efluentes com altas e baixas concentrações, respectivamente, e que as altas concentrações influenciam positivamente na produção de metano. Nos artigos estudados e apresentados na Tabela 5.1, foi obtido um coeficiente de rendimento efetivo médio de metano de 0,220±0,066 LCH4/gDQO, que representa 58,26±18,6% do potencial máximo (teórico), para as condições estabelecidas. No entanto, assim como na eficiência de produção metanogênica, também o parâmetro YE apresentou variações, de artigo para artigo, considerando as condições de tratamento. Destaca-se o único estudo de tratamento de esgoto sanitário, o qual forneceu 0,340 LCH4/gDQO, devido à alta COV aplicada, apesar da baixa concentração de entrada, se comparada à de água preta em conjunto com resíduos de cozinha. A produção de energia média gerada nos artigos foi de 0,013 kWh/Lesgoto, valor extremamente baixo se comparado aos gastos energéticos de um reator. Em relação aos equipamentos utilizados, a exclusão do controlador de temperatura e do medidor de gás é imprescindível para o alcance da auto-suficiência do reator UASB em questão, e também para a produção de excedente, a ser utilizada fora do reator. Contudo, concluiu-se que o ambiente o qual seria submetido à implantação do reator deve permanecer na faixa mesofílica de temperatura para que não haja quedas de eficiência e produtividade energética. Portanto, o tratamento anaeróbio, realizado em países tropicais, como o Brasil, tem o clima como um grande aliado. O agitador, fundamental para a homogeneização e contato da biomassa com o substrato, passaria a funcionar eventualmente, a cada 5min/h, fato este que deve ser estudado, em escala piloto, para avaliação das consequências reais da utilização não permanente. Uma segunda opção seria a pesquisa de agitadores com menores gastos energéticos diários, passando a funcionar continuamente, resultando em um excesso energético passível de ser utilizado para a manutenção de outros equipamentos da ETE, como o pós-tratamento do efluente gerado. Previamente à análise de auto-suficiência energética da ETE Ouro Verde, verificou-se que a PE (kWh/Lesgoto), na transição de escala de bancada para escala plena, apresenta visível 45 decaimento, ocasionado pelas perdas de controle do processo, como wash-out e/ou caminhos preferenciais. Enquanto os estudos em escala de bancada apresentaram produções energéticas de 1,6x10 -2 kWh/Lesgoto e 1,9x10 -2 kWh/Lesgoto, respectivamente, a ETE Ouro Verde produziu apenas 6,37x10 -6 kWh/Lesgoto. No entanto, se considerada a vazão de alimentação, a estação produz uma esperada PE superior, de 22 kWh/dia contra 0,09 kWh/dia e 4,68 kWh/dia, respectivamente, uma vez que o volume de esgoto afluente é extremamente elevado. Os consumos energéticos apresentaram-se diferenciados para escala de bancada e escala plena (ETE Ouro Verde), com 6,90 kWh/dia e 2,27 kWh/dia, respectivamente, sendo que o controlador de temperatura, maior consumidor no estudo de bancada considerado, não é utilizado em escala plena, devido a sua localização favorável (clima mesofílico). O balanço energético da ETE Ouro Verde, oposto aos oito estudos em escala de bancada realizados, mostrou-se favorável e passível de aplicação. O consumo de 68 kWh/mês é suprido pela energia elétrica produzida, de 660 kWh/mês, sendo que parte do excedido, 450 kWh/mês, é comercializado com a concessionária de fornecimento de energia elétrica local, Copel. A renda obtida com a comercialização de energia elétrica pode ser acumulada, constituindo fonte direta para investimentos na construção de novas ETEs. Partindo deste princípio, impactos socioeconômicos negativos seriam evitados como a disposição inadequada do esgoto sanitário em solos e águas e doenças de veiculação hídrica. Dessa forma, comprova-se que o aproveitamento do biogás produzido a partir do tratamento anaeróbio de esgoto sanitário supre as necessidades energéticas não só do próprio reator, podendo se estender para demais equipamentos. 46 7. RECOMENDAÇÕES Os dados resultantes da avaliação dos artigos científicos mostraram que a auto- suficiência energética é alcançada somente em escala real, devido a não utilização de equipamentos como controlador de temperatura e agitador. Entretanto, devido à baixa eficiência de produção de metano, recomendam-se estudos que avaliem a proporção de biogás perdida ao longo do processo, seja por dissolução no efluente, vazamentos nas tubulações e desequilíbrio entre as bactérias digestoras. Também deve ser avaliada a ocorrência de fenômenos de perda de controle para maximização da produção de metano, lembrando que este pode ser considerado parâmetro avaliador da eficiência do processo de remoção de DQO. Análises de variação e manutenção de parâmetros de entrada como concentração, COV, vazão e tempo de detenção hidráulica também são indicadas para verificação da amplitude de geração de metano e otimização da produção energética. 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGRAWAL, L. 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