UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA Campus de Presidente Prudente A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM VITÓRIA DA CONQUISTA/BA: LÓGICAS E PRÁTICAS ESPACIAIS DO LAZER RIZIA MENDES MARES Presidente Prudente/SP 2016 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA Campus de Presidente Prudente A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM VITÓRIA DA CONQUISTA/BA: LÓGICAS E PRÁTICAS ESPACIAIS DO LAZER RIZIA MENDES MARES Orientador: Prof.: Dr.: ARTHUR MAGON WHITACHER Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-graduação em Geografia - Área de Concentração: Produção do Espaço Geográfico, para obtenção do Título de Mestre em Geografia. Presidente Prudente/SP 2016 FICHA CATALOGRÁFICA Mares, Rizia Mendes. M279p A produção do espaço urbano em Vitória da Conquista/BA : lógicas e práticas espaciais do lazer / Rizia Mendes Mares. - Presidente Prudente : [s.n.], 2016 170 f. Orientador: Arthur Magon Whitacker Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Produção do espaço urbano. 2. Práticas espaciais. 3. Lazer. I. Whitacker, Arthur Magon. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. Título. DEDICATÓRIA À minha família, meu alicerce sempre seguro: Mainha, pelo exemplo de mulher forte e determinada, Painho, pela leveza e bom humor, Aos meus irmãos, pela presença incondicional. AGRADECIMENTO E aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente gente Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá E é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar [...]. (Caminhos do coração – Gonzaguinha) Com os ensinamentos de Gonzaguinha, direciono meus sinceros agradecimentos para aqueles e aquelas que foram presença constante nessa trajetória e, mesmo sem serem nomeados, se reconhecerão nessa pesquisa, por sua valiosa contribuição. Assim, agradeço: Aos meus pais, Neide e Eri, e aos meus irmãos Iago, Tahis e Yuri, pela companhia e cuidado constantes. Ao meu orientador, o professor Dr. Arthur Magon Whitacker, pela acolhida afetuosa e pelo compartilhar generoso de sua sapiência. Aos amigos, de perto e de longe, aqueles de longa data e aquelas amizades que fiz em Presidente Prudente/SP. Muito bom saber que tenho pessoas tão generosas em minha vida. Aos profissionais do Gasperr, alunos e professores, engajados em um trabalho importante e comprometido com o desenvolvimento da Geografia brasileira. Destaco os professores Doutores Everaldo Melazzo e Nécio Turra Neto, por participarem do Exame Geral de Qualificação, e por contribuírem, de modo preponderante, no desenvolvimento da dissertação. Também, à professora Doutora Maria José Martinelli L. Calixto pela leitura cuidadosa e as contribuições na defesa dessa dissertação. Estendo meus agradecimentos aos demais funcionários da FCT-UNESP, especialmente, aos que trabalham na Seção Técnica de Pós-graduação, por todo apoio. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio financeiro nessa pesquisa. ÍNDICE RESUMO................................................................................................................................. VIII ABSTRACT............................................................................................................................. IX LISTA DE MAPAS.................................................................................................................. X LISTA DE FIGURAS.............................................................................................................. XI LISTA DE QUADROS .......................................................................................................... XII LISTA DE TABELAS ............................................................................................................ XII ÍNDICE DE GRÁFICOS......................................................................................................... XII LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................ XII SUMÁRIO............................................................................................................................... XIII APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 14 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 15 CAPÍTULO I ........................................................................................................................... 34 CAPÍTULO II .......................................................................................................................... 72 CAPÍTULO III ........................................................................................................................ 117 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 147 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 154 ANEXOS ................................................................................................................................. 165 VIII RESUMO MARES, Rizia Mendes. A produção do espaço urbano em Vitória da Conquista/BA: lógicas e práticas espaciais do lazer. 2016, 170 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente/SP, 2016. Com a presente pesquisa tivemos como objetivo refletir sobre o processo de produção do espaço urbano por meio da análise das práticas espaciais do lazer, por entender que o lazer constitui-se como um importante elemento que integra a dinâmica espacial da cidade contemporânea. Nosso recorte analítico foi o município de Vitória da Conquista, situado no Centro Sul da Bahia, Região Nordeste do Brasil, o qual expressa nuances do processo de reprodução espacial em que sua forma urbana, erigida sob as lógicas de produção e consumo, denotam um processo de diferenciação socioespacial que, ao longo do tempo histórico, vem expressando o aprofundamento das desigualdades sociais e econômicas. Realidade que nos dias atuais torna o cotidiano citadino um campo conflituoso por fragmentar o espaço-tempo de lazer e estabelecer relações hierárquicas na dimensão da sociabilidade. Como opção metodológica principal para sopesar as práticas espaciais dos sujeitos, foram utilizadas técnicas de entrevistas semiestruturadas e enquetes. A compreensão desse processo contraditório caracterizado pela lógica da homogeneização-fragmentação-hierarquização marca e aprofunda a separação dos espaços-tempos do lazer, desqualificando as relações de sociabilidade. A busca segue pela restituição do uso como meio de assegurar o direito à participação na vida urbana, da apropriação efetiva do espaço assegurado pela prática espacial. Palavras–chave: Produção do espaço urbano. Práticas espaciais. Lazer. Consumo. Vitória da Conquista. IX ABSTRACT MARES, Rizia Mendes. The production of urban space in Vitória da Conquista/BA: spatial logics and practices of leisure. 2016, 170 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente/SP, 2016. With the present research we aimed at reflecting upon the urban space production process by means of the analysis of the leisure social practices, since we understand that leisure is an important element that integrates the space dynamics of the contemporary city. Our analytical focus was the city of Vitória da Conquista, located in the South Center of Bahia,in the Northeastern Region of Brazil, which expresses nuances of the space reproduction process, in which its urban form, erected under the logic of production and consumption, denotes a process of sociospatial differentiation that, down historical time, has expressed the deepening of the social and economical inequalities. A reality that on current days makes the city daily life a quarrelsome field because it fragments the leisure space-time and establishes hierarchical relations in the dimension of sociability. As a main methodological option in order to counter-weigh the subjects` space practices, semi-structured interviews and surveys were used. The understanding of this contradictory process characterized by the logic of homogenization-hierarchization-fragmentation marks and deepens the separation of leisure space-times, by disqualifying the sociability relations. The search follows the restitution of the use as a way of securing the right to participate in the urban life, in the effective appropriation of the space assured by the space practice. Keywords: Urban space production. Space practices. Leisure. Consumption. Vitória da Conquista. X LISTA DOS MAPAS Mapa 1: Localização do município de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, 2014.................. 23 Mapa 2: Localização das áreas de aplicação das enquetes, Vitória da Conquista/BA, 2013 .. 28 Mapa 3: Localização das áreas de lazer indicadas no PDU de 1976. Vitória da Conquista/BA .......................................................................................................................... 47 Mapa 4: Localização residencial dos entrevistados (perfis) e classificação por faixa de renda. Vitória da Conquista/BA, 2014..................................................................................... 61 Mapa 5: Localização do Centro principal, Vitória da Conquista/BA, 2015............................ 65 Mapa 6: Principais rodovias (estaduais e federais) no perímetro urbano de Vitória da Conquista/BA .......................................................................................................................... 76 Mapa 7: Vitória da Conquista/BA. Regiões de influência-REGIC/2008. Fonte: IBGE, 2008 80 Mapa 8: Localização dos bairros: Brasil, Candeias e Recreio, Vitória da Conquista/BA....... 98 Mapa 9: Localização do Shopping Conquista Sul, bairro Felícia, Vitória da Conquista/BA.. 101 Mapa 10. Localização da Praça da Juventude (bairro Guarani); Praça Sá Barreto (bairro Cruzeiro); Praça Tancredo Neves (bairro Centro); Parque Lagoa das Bateias (bairro Bateias), Vitória da Conquista/BA .......................................................................................... 137 XI LISTA DE FIGURAS Figura 1: Praça da República atual Praça Tancredo Neves. Vitória da Conquista/BA ....... 50 Figura 2: Praça Tancredo Neves, Vitória da Conquista/BA ................................................ 51 Figura 3: Avenida Frei Benjamim, bairro Brasil, Vitória da Conquista/BA ....................... 91 Figura 4: Manifestação dos comerciantes da Avenida Brumado contra a implantação das ciclofaixas. Vitória da Conquista/BA, 2014 ........................................................................ 94 Figura 5: Manifestação dos comerciantes da Avenida Brumado contra a implantação de ciclo faixas. Vitória da Conquista/BA, 2014 .................................................................... 94 Figura 6: Vista do bairro Candeias com a Avenida Olívia Flores ao fundo. Vitória da Conquista/BA ...................................................................................................................... 96 Figura 7: Avenida Olívia Flores, bairro Candeias, Vitória da Conquista/BA. .................... 97 Figura 8. Parque Lagoa das Bateias, bairro Zabelê, Vitória da Conquista/BA.................... 128 Figura 9. Parque Lagoa das Bateias, bairro Zabelê, Vitória da Conquista/BA.................... 128 Figura 10. Parque Lagoa das Bateias, bairro Zabelê, Vitória da Conquista/BA.................. 129 Figura 11. Parque Lagoa das Bateias, bairro Zabelê, Vitória da Conquista/BA.................. 129 Figura 12. Praça Sá Barreto, bairro Cruzeiro, Vitória da Conquista/BA............................. 130 Figura 13. Praça Sá Barreto, bairro Cruzeiro, Vitória da Conquista/BA. ........................... 131 Figura 14. Praça da Juventude, bairro Guarani, Vitória da Conquista/BA........................ 132 Figura 15. Praça da Juventude, bairro Guarani, Vitória da Conquista/BA........................... 133 Figura 16. Praça da Juventude, bairro Guarani, Vitória da Conquista/BA........................... 133 Figura 17. Praça Tancredo Neves, bairro Centro, Vitória da Conquista/BA....................... 134 Figura 18. Praça Tancredo Neves, bairro Centro, Vitória da Conquista/BA....................... 135 Figura 19. Praça Tancredo Neves, bairro Centro, Vitória da Conquista/BA....................... 135 Figura 20: “Praça” do Shopping Conquista Sul, em Vitória da Conquista Conquista/BA.. 143 XII LISTA DE SIGLAS AABB – Associação Atlética Banco do Brasil CMP - Cidades Médias e Pequenas da Bahia CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CDL – Câmara de Dirigentes Lojistas DETRAN/BA - Departamento Estadual de Trânsito da Bahia ENCICOL - Empresa de Cinemas de Conquista Ltda FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo GAsPERR - Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística PDU - Plano Diretor Urbano PIB – Produto Interno Bruto RECIME - Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEPLAN- Segundo a Secretaria de Planejamento do Estado SESC - Serviço Social do Comercio UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia LISTA DE QUADROS Quadro I: Perfis dos entrevistados .................................................................................... 31 Quadro II: Avaliação sobre a prática do lazer, Vitória da Conquista/BA, 2014 .............. 67 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Prática do lazer - Meios de transporte dos inquirido, Vitória da Conquista/BA, 2013......................................................................................................................................... 56 Tabela 2: Vitória da Conquista/BA - População urbana, rural e total - 1940/2010................ 77 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Vitória da Conquista - Frota de veículos cadastrados (2010-2014).................... 55 Gráfico 2: Perfil de renda dos sujeitos da pesquisados (entrevistados e inquiridos), Vitória da Conquista/BA ..................................................................................................... 57 Gráfico 4: Vitória da Conquista/BA – Produto Interno Bruto (valor adicionado), 2011..... 78 13 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 14 INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 15 a) a) Acerca do objeto .............................................................................................................. 15 b) b) Acerca do Método e da metodologia................................................................................ 24 CAPÍTULO I: A produção do espaço urbano: das práticas e representações do lazer em Vitória da Conquista ........................................................................................................ 34 1.1 Considerações iniciais sobre o lazer ................................................................................... 35 1.2 Vitória da Conquista: O lazer como elemento estruturador do urbano.............................. 42 1.3 Condicionantes sociais e econômicos: a prática do lazer em Vitória da Conquista/BA..... 54 Capítulo II: Vitória da Conquista em fragmentos: a produção social dos espaços de lazer .......................................................................................................................................... 72 2.1 Expansão urbana em Vitória da Conquista/BA .................................................................. 73 2.2 Vitória da conquista: uma cidade em fragmentos - o lado de cá e o lado de lá ................ 83 2.3 Novos espaços, novos lazeres em Vitória da Conquista/BA............................................... 88 2.4 Sociabilidade segmentada: a prática do lazer em Vitória da Conquista/BA....................... 105 Capítulo III: A produção do espaço urbano em Vitória da Conquista/BA: democratização ou elitização da prática do lazer? .............................................................. 117 3.1 Vitória da Conquista e o papel desigual dos lugares: a representação dos espaços- tempos de lazer ......................................................................................................................... 118 3.2 As práticas espaciais do lazer em Vitória da Conquista: a emergência de espaços públicos .................................................................................................................................... 125 3.3 As práticas espaciais do lazer em Vitória da Conquista: "o lado de cá e o lado de lá"....... 141 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 147 REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 154 ANEXOS 165 Anexo I – Modelo de enquete.................................................................................................... 165 Anexo II – Roteiro de entrevista aos citadinos......................................................................... 166 Anexo III – roteiro de entrevista aos agentes bem informados: Secretaria de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer .......................................................................................................... 168 Anexo IV – roteiro de entrevista aos agentes bem informados: Secretaria de Mobilidade Urbana ...................................................................................................................................... 169 Anexo V – roteiro de entrevista aos agentes bem informados: Secretaria de Desenvolvimento Social e SESI/Unidade Sudoeste ................................................................. 170 14 APRESENTAÇÃO A análise apreendida sobre a produção do espaço urbano em Vitória da Conquista, tendo como foco de estudo as práticas espaciais do lazer, é aqui apresentada de modo a orientar a leitura e acompanhamento das ideias por nós debatidas, muitas das quais ancoradas por teorias Lefebvreanas, que julgamos ser um caminho interpretativo capaz de abarcar a nossa problemática de pesquisa. Assim sendo, além dessa primeira seção introdutória, o texto está organizado em três capítulos. No primeiro capítulo, nossa intenção direciona-se em compreender a dimensão do lazer, numa tentativa inicial de apresentar as questões conceituas sobre esse elemento, caracterizando-o no âmbito mais amplo do debate das representações e práticas espaciais e como, no contexto da cidade contemporânea, tornou-se um elemento estruturador que integra a dinâmica espacial como nova força produtiva, vinculado a uma produção padronizada do espaço pela lógica de consumo. No segundo capítulo, analisamos a articulação do lazer à formação de processos socioespaciais verificados em Vitória da Conquista, em que a forma urbana produzida pode ser um ponto de partida para compreender os processos de separação espacial e aprofundamento das desigualdades sociais, tendendo ao evitamento do diferente, assim como, resulta e condiciona a produção social dos espaços de lazer. O terceiro capítulo compreende o debate sobre como a forma urbana produzida sobre a lógica da homogeneidade revela as contradições de um espaço que é produzido por e a partir da diferença que se erige como negatividade, atribuindo conotações e valorações distintas aos espaços de lazer de modo mais estrito, assim como, ao uso do espaço citadino de maneira ampliada. Uma produção contraditória, pois, ao passo que mascara uma possível democratização e acesso aos espaços de lazer em Vitória da conquista, reveste-se, na verdade, como um processo de hierarquização espacial e, sobretudo social, desqualificando a prática espacial e impedindo a sociabilidade, a centralidade Lefebvreana, a efetiva participação na vida urbana. 15 INTRODUÇÃO A - Acerca do objeto A produção espacial reflete um conflito entre uma produção voltada aos interesses do sistema econômico e uma produção voltada à reprodução da vida que se expressa no cotidiano, de modo que, o resultado desse embate é refletido nas formas espaciais que o processo de produção do espaço urbano assumiu historicamente, uma produção socializada para uma apropriação privada e é nessa contradição que está centrada a produção da cidade. Na sociedade capitalista as relações sociais são mediatizadas pelo mercado, isto é, a lógica de produção da mercadoria enquanto modo generalizado da produção humana subordina a vida social ao consumo por intermediação do mercado. Assim, a produção social subordina-se ao valor de troca e, por conseguinte, ao valor de uso pelo consumo. No capitalismo, o espaço torna-se uma força produtiva, o que implica considerá-lo como integrante desse sistema, assim como afirmou Lefebvre (1973, p.95/96) “as forças produtivas permitem que os que delas dispõem disponham do espaço e venham até a produzi-lo. Esta capacidade produtiva estende-se ao espaço terrestre e transborda-o”. Torna-o passível de ser homogeneizado, fragmentado e hierarquizado, na medida em que o valor de troca e o consumo subordinam as formas e os conteúdos do valor de uso na vida cotidiana, pautando-se na reinvenção ampliada do capital e não necessariamente em suprir as necessidades humanas. As forças produtivas passaram a dominar a vida social por meio da normatização do cotidiano destituindo-o da característica de ser rico em subjetividade possível, tornando-o um objeto da organização social. O consumo, sistematicamente aperfeiçoado e estimulado, passa a subjugar a vida em todas as suas dimensões, na medida em que o sujeito passa a agir sobre e por meio do consumo (LEFEBVRE, 1991). Inserimos a temática do consumo em nossa dissertação por entendermos que o mesmo está intrinsecamente ligado ao modo de vida e ao cotidiano da sociedade, pois, com o amadurecimento das relações capitalistas, as lógicas de produção que historicamente promoveram mudanças na cidade, ocorrem com maior intensidade na 16 busca por ampliação de seus lucros, momento em que a produção de mercadorias visa não apenas atender à demanda do mercado, como também, criar (novas) necessidades. Outro fator é que, como afirmou Baudrillard (2003), na sociedade de consumo cria-se uma nova hierarquia de classes, alimenta-se o desejo de possuir (consumir) objetos que muito além de conforto e comodidade, constituem-se como objetos de prestígio e status social, do mesmo modo, relacionam-se a processos indicativos de individualização e diferenciação. O mesmo espaço de reprodução das relações sociais é, também, o espaço dos lazeres, estando este inserido no processo produtivo também como espaço de consumo. O espaço e as práticas de lazer a ele identificadas tanto pelas ações dos sujeitos sociais, quanto pelas funções previstas às formas espaciais, expressam, determinam e são determinados pela diferenciação social, permitindo, assim, que se suponha uma diferenciação socioespacial da cidade e na cidade 1 . Nossa pesquisa, assim, inscreveu-se como uma possibilidade de refletir sobre a produção social do espaço urbano 2 para a qual chamamos atenção. Como resultado da diferenciação socioespacial na prática do lazer, observamos mudanças na sociabilidade por esses espaços serem produzidos por lógicas econômicas e práticas espaciais que fomentam e refletem a segmentação e a diferenciação socioespacial. Uma produção desigual para um uso também desigual por parte dos citadinos. Dentro dessa perspectiva, questionamentos permeiam nossa investigação:  De que modo a prática do lazer se insere como elemento que influencia na produção da cidade contemporânea num âmbito mais amplo de determinações objetivas e subjetivas?  Entendendo o lazer como um reflexo da sociedade que o produz, quais as lógicas e práticas que norteiam sua produção na contemporaneidade e, por conseguinte, novos hábitos? 1 Sobre o conceito de diferenciação espacial, observar: SOUZA, M. J. L. Da “Diferenciação de áreas” à “diferenciação socioespacial”: a “visão (apenas) de sobrevoo” como uma tradição epistemológica e metodológica limitante. Cidades. Volume 4. número 6. 2007. p. 101-114.; CARLOS. A. F. A. Diferenciação Socioespacial. Cidades. Volume 4. número 6. 2007c. p. 45-60. 2 Cf.: GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010, 310 p. 17  Por fim, sendo um produto de uma sociedade, em seu cerne desigual, como a prática do lazer pode ser indicativa de processos de clivagens socioespaciais e aprofundamento das desigualdades nas relações sociais? De fato, a necessidade de analisar a atividade humana e sua espacialidade gera a necessidade de uma conceituação espacial que lhe especifique. Logo, a compreensão acerca da produção social pode advir do estudo da prática espacial cotidiana por possibilitar um aprofundamento nas questões sobre à natureza do espaço e a relação entre processo social e forma espacial. As práticas espaciais aqui serão entendidas enquanto realização da ação social no espaço (LEFEBVRE, 2000). De modo que ao tratar da prática espacial já se apreende seu aspecto social (SOUZA, 2013), logo dispensa o uso do termo prática socioespacial utilizado por alguns autores que fazem essa análise 3 , mesmo que, por vezes, em referência a estes, adotemos tal grafia. Como assegura De Certeau (1994) sobre as formalidades da prática, deve haver uma lógica que as oriente de maneira combinada entre o plano das representações e o que se vive no cotidiano, isto é, uma articulação entre a maneira de pensar e de agir, combinar e utilizar. Nesse sentido, é imperativo considerarmos a influência e expansividade da lógica do consumo, característica da sociedade homônima em que se tem um apelo ao consumo de objetos materiais e imateriais, cada vez mais efêmeros, criando novas hierarquias sociais e segmentação espacial. Uma verdadeira ideologia do consumo que, muito além da aquisição de bens materiais básicos para o bem-estar, cria uma simbologia baseada na distinção e prestígio sociais, signos que vão caracterizar cada grupo social e seu espaço de apropriação, como exemplo, o uso de espaços exclusivos com relativa homogeneidade social. Apoiando-nos em Santos, M. (1978; 1982; 1985), compreendemos que a análise espacial dessa produção pode se dar com base na forma apreendendo a disposição dos objetos voltados ao consumo do lazer. Também, através da função, em que é possível decompor seus elementos que, no todo, constituem tais espaços, à exemplo a oferta, demanda, infraestrutura, acessibilidade, caracterização social. Ainda, a estrutura em que se pode realizar a junção desses e outros elementos inter- relacionados para tornar tal espaço funcional. 3 Sobre esse debate observar Carlos (2007); Corrêa (2007). 18 Por fim, a análise do processo, realizando um movimento diacrônico em que é possível examinar as mudanças na estrutura dos espaços de lazer ou da oferta destes, indicando fases de inconstância, obsolescência, refuncionalização, ou mesmo criação de novos espaços. Esses elementos encontram-se imbricados na análise da produção espacial, não sendo possível sua compreensão de forma linear, antes, num movimento dialético em que, ao produzir o espaço, este influi nas práticas, assim como estas condicionam aquele. Devemos entender que as questões e conflitos que cercam o urbano não nos permitem pensar apenas na dimensão da cidade, mas, na amplitude que é o urbano. É pensá-lo como virtualidade indicada pela generalização da urbanização e constituição de uma sociedade urbana que determina um modo de viver reflexo da racionalidade do processo de reprodução social. É onde se originam ou se reproduzem as práticas dos sujeitos sociais (CARLOS, 2013a). Disto exposto, umas das hipóteses aqui debatidas é que na produção da cidade atual o lazer se constitui como nova atividade produtiva, cooptada como objeto de consumo pela sociedade homônima que o produz como valor de troca. A intensificação desse processo tem motivado mudanças na forma urbana de Vitória da Conquista que podem ser analisadas tanto como resultado de lógicas e dinâmicas de produção como também, indutoras das mesmas. Uma produção que se dá no plano local, porém, em articulação com o global por seguir a mesma racionalização e padronização que, em tese, prioriza uma produção homogênea do espaço. Uma segunda proposição é de que a constituição dos espaços de lazer pelo processo de homogeneização não se realiza, pois, esfacela-se o espaço, fragmentando os tempos-espaços da vida cotidiana por uma lógica produtivista que orienta as práticas espaciais e modos distintos para o uso. Nesse sentido, é importante considerarmos o cotidiano como um campo de possibilidades, a ordem próxima (LEFEBVRE, 2008b) onde se dão as relações mais íntimas no âmbito da cidade, e que nos permite compreender os diferentes modos de apropriação do espaço, a constituição dos lugares e os conflitos para superar as barreiras impostas socialmente à vida urbana. Ou seja, um cotidiano como prática desafiadora da racionalidade imposta à cidade (CERTEAU, 1994). Uma terceira hipótese é que a lógica de consumo atual carrega uma ideia de acesso irrestrito e igualitário aos espaços de lazer ou onde este se realiza, entretanto, 19 desenvolve-se promovendo uma diferenciação e hierarquização nas relações sociais, pois, erige-se com base em um espaço diferencial o qual, ao ser produzido a partir das diferenças, contraditoriamente, aprofunda-as (LEFEBVRE, 2000). Assim, o debate versa sobre o processo desigual em que os espaços de lazer são produzidos em Vitória da Conquista, condicionando usos distintos a cada grupo social. Como ponto de partida e princípio norteador, o processo de produção do espaço urbano de Vitória da Conquista é aqui analisado como produto histórico e social constituído com base em práticas espaciais empreendidas por diferentes sujeitos e agentes econômicos com interesses distintos que expressam a realidade urbana (objetiva e subjetiva). Uma elaboração que se inicia pelo debate fundamental que articula duas categorias importantes na compreensão dos processos desenrolados na contemporaneidade: espaço e tempo, conceitos indissociáveis na análise da produção espacial urbana. Ações empreendidas no processo de construção histórico dessa cidade que se requalificam de modo processual, isto é, num “incessante processo de entropia desfaz e refaz contornos e conteúdos dos subespaços, a partir das forças dominantes, impondo novos mapas ao mesmo território.” (SANTOS, M., 2006, p. 193). Uma trajetória que, a nosso ver, pode nos dar subsídios para compreender o desenvolvimento de processos que alteram as estruturas pretéritas e o cotidiano urbano na condição atual, de modo que consideramos importante reforçar, nos estudos sobre a produção do espaço, a relação indissociável entre espaço e sociedade por este não ser uma realidade material independente desta. É, antes, produzido socialmente pelas relações que os sujeitos estabelecem entre si e por suas atividades e práticas. Significa pensar um espaço produzido que expressa-se, ao mesmo tempo, num plano material e num processo que envolve as relações sociais, ou seja, não é apenas o lugar onde os processos espaciais ganham forma, mas também, lugar de realização das práticas espaciais. A definição da práxis para Geografia é de fundamental importância porque, assim como nos mostra Moreira (2012), esta ciência não só detém a função de analisar a prática, mas, sobretudo, porque a Geografia nasce da prática espacial, da relação entre homem e natureza sobre um termo espacial. Uma prática que evidencia o saber espacial muito enraizado na empiria, mas que, com o tempo e com o acúmulo e a multiplicação de experiências dessa prática espacial, ganha um nível de abstração crescente (MOREIRA, 2012). 20 Para esse mesmo autor, a questão da práxis em Geografia pode ser concebida por dois vieses: o prático-teórico em que, na dimensão discursiva, articula-se à prática espacial e o saber espacial e; o político ideológico pela vinculação da Geografia enquanto ciência com as mobilizações sociais do tempo (MOREIRA, 2012). Nesse sentido, há uma elevação do saber espacial (empírico) transformando-se num saber (teórico), conhecimento sistematizado pela Geografia. Por essa valorização das práticas espaciais, o espaço, que por muito tempo envolto (e limitado) em teorias que o colocavam numa posição de apenas suporte de fenômenos 4 , passou a ter também um status de determinação e condicionante da totalidade na relação entre o meio natural e o social e, um produto histórico dessas ações. Contudo, cabe a consideração de que pela teoria marxista o conceito de práxis não equivale ao de prática, pois, o primeiro refere-se a “atividade livre, universal, criativa e auto criativa por meio da qual o homem cria (faz, produz) e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico a si mesmo” algo que o torna distinto dos demais seres (BOTTOMORE, 2013); o segundo relaciona-se a uma dimensão da práxis, a uma atividade de caráter utilitário-pragmático, vinculadas às necessidades imediatas. Mas, de que forma podemos compreender esse espaço social? Lefebvre (2000) nos indica um caminho: analisar a sincronia da realidade social, sendo o espaço a sua ordem simultânea, relacionado ao processo histórico de produção social, sua diacronia. Portanto, a base de entendimento sobre a produção do espaço está na relação entre espaço e tempo, ambos como dimensões que integram a prática social. Tempo e espaço são categorias analíticas básicas da existência humana (HARVEY, 1994) e são oriundas das práticas e processos materiais que norteiam a reprodução da vida social. Assim, não são apenas relacionais, mas também, históricos e devem ser concebidas no contexto de uma sociedade específica e não enquanto uma condição de universalidade imutável. Em cada formação há seus conflitos, contradições e relações de poder próprios a cada sociedade, “cada tempo se distingue de outro pela forma do seu espaço” (MOREIRA, 2007, p. 41). Esse exercício analítico nos mostra que num plano material vinculam-se relações sociais com temporalidades distintas e que se encontram numa relação de descompasso e desencontro, resultado de diferentes momentos históricos, onde o tempo 4 Sobre esse debate, observar Santos M. (1978, 2006), Moreira (2000, 2007, 2012), Corrêa (2008). 21 pode ser diferente, mas este não se aparta do espaço. As duas dimensões coexistem numa relação dialética pela qual é possível analisar o desenvolvimento dos arranjos espaciais nos diversos períodos, na relação entre sociedade e natureza no tempo (MOREIRA, 2007). Assim, a ordem sincrônica e diacrônica do espaço social nos impõe analisá-lo como um processo que está constantemente se refazendo, num contínuo devir que, para Massey (2004) faz-se necessário pela condição do espaço ser produto de inter-relações, isto é, práticas sociais efetivadas espacialmente que nunca está finalizado. Para essa geógrafa, há sempre uma possibilidade, num dado tempo histórico, de haver novas relações e interações a serem realizadas. Disto posto, espaço e tempo são distintos e co-implicados. No primeiro caso há uma temporalidade integrante de uma simultaneidade dinâmica e, no tempo, há uma produção necessária da mudança através de práticas de inter-relações. Como não é algo acabado, fechado em si, o espaço se apresenta como multiplicidade pela possibilidade de relacionar diversas trajetórias que não podem ser analisadas apenas sob uma única perspectiva, sob um único olhar analítico. Considerando aí que o espaço se relaciona e constitui-se por meio da coexistência de diferenças, das diferentes trajetórias possibilitando ou não seu encontro. Dessa forma, nossa intenção aqui não é, unicamente, esclarecer o devir, os seus significados ou tão somente a produção que dele resulta, mas, analisar o próprio devir, isto é, entender as especificidades do processo de produção do lazer em Vitória da Conquista, no tempo e no espaço, nos permitindo identificar permanências e mudanças nas práticas espaciais. Assim, enquanto um espaço multifacetado, a análise da sua produção só pode ser realizada pela prática espacial, sendo esta a base da teoria espacial Lefebvreana, a qual nos é suporte. Com base nesses fatores, a presente pesquisa objetivou analisar as práticas espaciais do lazer na cidade de Vitória da Conquista, na Bahia, como um viés de análise sobre a produção do espaço urbano na contemporaneidade. Uma construção que nos forneceu subsídios para averiguar as mudanças na sociabilidade pela constituição de espaços de lazer por lógicas e práticas que fomentam e refletem a segmentação e a diferenciação nos planos espacial e social. 22 Vitória da Conquista, com ano de fundação em 1840 5 é o terceiro município do Estado da Bahia com população estimada em 340.199 habitantes, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2014, precedida por Feira de Santana e pela capital, Salvador, da qual se encontra a uma distância de 503 quilômetros e uma área total de 3.204,257 km². O município integra o Território de Identidade Sudoeste Baiano (Mapa 1) uma regionalização criada pelo Governo do Estado da Bahia como ferramenta de gestão objetivando atuar de acordo às prioridades temáticas definidas com base na realidade local. Segundo a Secretaria de Planejamento do Estado – SEPLAN, a intenção é que haja um desenvolvimento equilibrado e sustentável entre as regiões. Assim, foram formados vinte e sete Territórios de Identidade com base na especificidade de cada região, com metodologia de trabalho pautada no sentimento de pertencimento incentivando a participação dos citadinos no processo de gestão através de seus representantes. Adotamos esse recorte por ser uma divisão utilizada por muitos pesquisadores, instituições públicas e governamentais, das quais coletamos dados, informações, e dialogamos em pesquisas e debates que trabalham na mesma direção. Contudo, o município é mais comumente inserido na divisão em regiões econômicas - Região Sudoeste da Bahia - proposta pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia-SEI (2014) e pelo IBGE como pertencente à Mesorregião Centro-sul Baiano. Como Capital Regional B (IBGE, 2008), a cidade de Vitória da Conquista compõe a rede urbana de Salvador com uma área de abrangência de mais de noventa municípios dos Estados da Bahia e Minas Gerais. Destaca-se, economicamente, no setor de serviços ocupando o quarto lugar na participação do Produto Interno Bruto – PIB estadual com 2,8% (SEI/2011). 5 Data de fundação em 1840, porém, em 1752 já havia uma luta pelo território entre os habitantes locais, índios das tribos Mongoyó, Ymboré e Pataxó e os portugueses em busca de novas formas de exploração de riqueza. Fonte: pesquisa documental/Arquivo público municipal. 23 Mapa 1: Localização do município de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, 2014. Localização da Bahia no Brasil Fonte: IBGE/SEI Elaboração: Rizia Mendes Mares Base Cartográfica IBGE Malha Municipal, 2010 Território de Identidade Sudoeste Baiano 0 9,4 18,8 km 38°42°46° Estado da Bahia 10° 14° 18° Vitória da Conquista/BA Barra do Choça Ribeirão do Largo Encruzilhada Cândido Sales Belo Campo Anagé Planalto 24 Uma cidade na qual vêm ocorrendo profundas mudanças, especialmente a partir de 1990 quando da expansão do setor terciário, principal indutor do processo de reestruturação econômica. Nesse contexto, diversificou-se a oferta de serviços e ampliação do comércio fortalecendo, desse modo, sua centralidade na rede urbana (FERRAZ, 2009). Essa dinamização tem alterado substancialmente o cotidiano citadino em Vitória da Conquista, apreensível não só nas formas espaciais resultantes de tais processos, como também, no conteúdo social que delas derivam (ou retroalimenta). Mudanças refletidas em novos modos de socialização e práticas espaciais que se fundem em novo jeito de viver a cidade, de uso e apropriação do espaço urbano. Uma cidade média baiana na qual se expressa uma nova face da urbanização hodierna em que é preciso atentarmo-nos para a complexidade dos processos que dinamizam e estruturam seu espaço, considerando sempre sua posição geográfica 6 e os papéis que desenvolve em relação às áreas rurais e cidades noutras escalas. Assim, é preciso fazer um exercício analítico que considere o processo de constituição histórica dessa cidade como caminho para entender sua dinâmica de produção atual, bem como, para nos dar possibilidade de projeções futuras. B - Acerca do Método e da metodologia. A escolha do Método, compreendido como opção e caminho à construção do conhecimento, é o primeiro passo na construção de uma pesquisa, pois, ao optar por uma linha de pensamento que dê conta da realidade que se pretende analisar, já se inicia o processo de construção do conhecimento, e a metodologia também é um processo, 6 Corrêa (2004) afirmou que a posição geográfica, enquanto localização relativa refere-se à situação locacional da cidade em relação a aspectos externos a ela, contemplando o conteúdo social e natural das áreas circunvizinhas, tendo como principais elementos: recursos naturais, produção, demanda e acessibilidade. Essa relatividade, especialmente temporal deve-se, segundo esse autor, às mudanças que historicamente fazem com que o mesmo local possa ter diferentes funções e importância. Tal proposição ampara-se na mesma definição de Beaujeu-Garnier (1980) em que a localização relativa de uma cidade relaciona-se, por exemplo, à facilidade de comunicação, ofertas de serviços, etc. Ainda, a posição geográfica pode ser definida com base em especificidades da urbanização e desenvolvimento urbano, assim como definiu George (1961). Nesse sentido, entendemos que o termo posição geográfica, é adequado para nossa análise sobre as cidades médias, pois, a sua posição na hierarquia urbana será determinada pelo poder dessa situação. Como abordou SPOSITO (2001), a condição de cidade média liga-se a uma posição geográfica favorável, mesmo que tal conceito ainda deva considerar as condições técnicas contemporâneas e das ações políticas que definirão a forma de aplicação destas. 25 precisa ser revista constantemente para melhor adequar-se às necessidades do pesquisador/pesquisa. Acreditamos que uma ferramenta de compreensão da sociedade contemporânea deve ter a capacidade de confrontação de realidades contraditórias postas, como modo de buscar a realidade concreta e real. Ainda, de que a maneira como se desenvolve uma pesquisa e a vinculação do Método é influenciada pela formação do pesquisador, da sua visão de mundo e de ser humano como sujeito social, determinado historicamente, inserido em uma estrutura social, e que mesmo sofrendo determinações políticas, econômicas, culturais, é também produtor e transformador da mesma. Para o desenvolvimento da pesquisa optamos por técnicas e instruções que acreditamos melhor se adequarem à nossa proposta de trabalho para viabilizar um resultado mais eficaz no tratamento das informações apreendidas em campo dentro das possibilidades de tempo e equipe de trabalho. Muitas informações e debates foram construídos no âmbito das pesquisas desenvolvidas por nosso grupo de pesquisas, GAsPERR que, atualmente, tem como principal projeto em andamento “Lógicas econômicas e práticas espaciais contemporâneas: cidades médias e consumo”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São- FAPESP, com o qual tomamos contato pelos vínculos acadêmicos com nosso orientador, porém, não nos inserimos formalmente nesse projeto de pesquisa por sua investigação circunscrever-se a um conjunto de cidades do sudeste e sul brasileiro. O Projeto Temático 7 tem por objetivo principal analisar as cidades médias na contemporaneidade, considerando-se a redefinição de seus papéis na rede urbana e das 7 LÓGICAS ECONÔMICAS E PRÁTICAS ESPACIAIS CONTEMPORÂNEAS: CIDADES MÉDIAS E CONSUMO. Projeto Temático, financiado pela Fapesp, 2011. Nossa pesquisa de mestrado se aproximou da proposta do Projeto Temático em um dos três planos analíticos desse projeto, qual seja: As novas lógicas de localização das empresas, desenvolvidas como estratégias dos agentes econômicos, orientadas pela ampliação e pela diversificação do consumo, geram novas práticas espaciais, entre os que se apropriam do espaço urbano. (2011, p.5). Outrossim, é o campo teórico-metodológico em que nos aproximamos das seguintes dimensões empíricas: 1. Formas de organização da comercialização de bens e serviços, que sejam representativas do período atual e que constituam mudanças nos meios de realização do consumo, considerando-se os processos de desconcentração e centralização espaciais que marcam as estratégias das empresas. Essa abordagem possibilitará estudar a ação tanto dos grandes capitais (grupos econômicos e suas redes comerciais e de serviços), como dos médios (empresas vinculadas às franquias) e pequenos (comércio informal em suas articulações com outros capitais).(2011, p. 6) 2. Análise dos espaços que são decorrência das novas formas de consumo e, ao mesmo tempo, condição de sua realização, indicando a ocorrência de processos de reestruturação das cidades médias, com o intuito de observar a localização e os conteúdos dos novos espaços onde o consumo se realiza (com 26 estruturas espaciais, com base num conjunto de mudanças econômicas e sociais que impõem tais alterações tanto quanto as expressam. Outra contribuição importante é que conciliamos nossas estratégias de pesquisas com base em instrumentos e técnicas desenvolvidas no âmbito do mesmo projeto para a construção da nossa metodologia: orientação na elaboração das enquetes, roteiro de entrevistas (a consumidores e agentes bem informados) e a delimitação dos perfis dos sujeitos como uma maneira de garantir uma amostra representativa, ora qualitativamente, ora quantitativamente, do universo em que nossa pesquisa se insere. Buscamos um primeiro contato com nossos sujeitos para apreender suas práticas espaciais relacionais ao lazer com base em outras fontes e referências, e alcançar um número maior de sujeitos. Assim, elaboramos uma enquete, com roteiro definido após teste realizado na cidade de Presidente Prudente/SP em agosto de 2013, objetivando: a) Estabelecer um perfil socioeconômico do inquirido; b) Identificar sua área de residência e de trabalho; c) Identificar as principais áreas de lazer mais frequentadas da cidade; d)Identificar as principais práticas e/ou áreas de lazer realizadas pelo inquirido, a partir de evocação livre. e)Priorizar um número mínimo de questões, permitindo sua aplicação rapidamente e em campo. Foi um teste importante que nos fez adaptar o roteiro inicial, redefinindo prioridades, modo de elaborar as questões, acesso aos inquiridos, tempo de execução e, ao final, definimos roteiro final (Anexo I). Chegamos a um total de 270 enquetes, amostra obtida através de dados do censo do IBGE (estimativa da população total/2013) verificamos o número de 336.987 habitantes e um cálculo para delimitar o universo de aplicação, por ser um número expressivo e incompatível com a disponibilidade de tempo e equipe. O tamanho da amostra foi definido com base em estudos estatísticos 8 , utilizando a seguinte fórmula: atenção especial aos shopping centers), bem como estudando quais espaços são objeto dos novos consumos (com atenção especial para os novos hábitats urbanos). (2011, p. 6). 8 Foi relevante nessa definição a referência bibliográfica de Girardi e Silva (1981) Quantificação em Geografia. 27 n= N.p.q D N + p.q Onde N, representa o tamanho da população e “p . q” a variância de um elemento que mede a proporção de algum aspecto a ser pesquisado. Este procedimento, segundo Miyazaki (2007, p.73) auxilia na diminuição do tamanho da amostra em universos amplos, como é o caso da presente pesquisa. O valor atribuído a “p e q” é 0,5 e a relação entre precisão (0,5%) e nível de confiança (90%) é representada por D, ao qual foi atribuído o valor de: 0,00092386433, isto porque D= [B (precisão) dividido por Z (nível de confiança)] ao quadrado, sendo “B”= 0,05 e “Z”= 1,654. APLICAÇÃO p e q= 0,5 D= 0,00092386433 N= número da população total (336.3987 hab.) n= número da amostra a ser identificada CÁLCULO PARA VITÓRIA CONQUISTA N: 336,987.0,5.0,5 = 336,987. D+0,5. 0,5 n: 84246,75 = 311,58026897371 n=270 Aplicamos as 270 enquetes em dezembro de 2013, entre segunda-feira e sábado em horários alternados, em pontos estratégicos da cidade de Vitória da Conquista por seu grande fluxo e diversidade de sujeitos, são eles: avenidas Juracy Magalhães, Olívia Flores, Frei Benjamim; no centro principal, intercalando trechos das avenidas Bartolomeu de Gusmão, Régis Pacheco, Dois de Julho, Lauro de Freitas, Siqueira Campos, Vivaldo Mendes (Mapa 2). Além disso, por serem áreas que teríamos acesso a um público que incluiria usuário de diversos meios de locomoção, apesar dessa metodologia dirigir-se diretamente a transeuntes. Iniciamos com esse procedimento como um campo exploratório, buscando referências sobre nosso objeto, informações gerais sobre a cidade, mapeamento das áreas de interesse e um indicativo do que poderia constar no roteiro de nossas entrevistas, pois, teríamos mais informações acerca da realidade pesquisada (THOMPSON, 1998). Ressaltamos, contudo, que não tivemos como objetivo um levantamento censitário, mas, tomando por base o cálculo da amostra, alcançamos uma amostra estatística significativa e que jugamos relevante por aliar dimensões quantitativas e qualitativas nessa primeira aproximação com nossos sujeitos. 28 Mapa 2: Localização das áreas de aplicação das enquetes, Vitória da Conquista/BA, 2013. AIRTON SENNA JATOBÁ CAMPINHOS PATAGÔNIA FELÍCIA BOA VISTA SÃO PEDRO BATEIAS NOSSA SENHORA APARECIDA DISTRITO INDUSTRIAL IBIRAPUERA CENTRO CRUZEIRO ALTO MARON J U R E M A BRASIL RECREIO LAGOA DAS FLORES CANDEIAS PRIMAVERA ESPÍRITO SANTO UNIVERSIDADE G U A R A N I ZABELÊ 0 1000 2000 m Vitória da Conquista Localização de Vitória da Conquista/BA Vitória da Conquista/BA Localização do Território de Identidade Sudoeste Baiano Fonte: Trabalho de campo, 2013. Elaboração: Rizia Mendes Mares Base Cartográfica Malha municipal, 2011 Áreas de aplicação das enquetes Localização da Bahia no Brasil 29 Por objetivar analisar práticas espaciais, essa pesquisa também apresentou cunho qualitativo, nesse sentido, além das enquetes, utilizamos entrevistas semidiretivas ou semiestruturadas, conforme classificação de Colognese e Melo (1998). Nestas, as questões são previamente elaboradas dando mais abertura ao pesquisador de fazer inferências e questionamentos sobre o tema que deseja aprofundar, porém, não abandonando o roteiro que a ordena e direciona. Para auxiliar a estruturação do roteiro final das entrevistas, anteriormente à aplicação das enquetes, realizamos uma aplicação-teste online 9 entre os meses de agosto a outubro de 2013, com moradores de Vitória da Conquista, dadas as impossibilidades de fazê-lo em campo presencialmente. A composição da amostra foi orientada conforme quadro de perfis, também no Projeto Temático, conforme a classificação abaixo descrita:  Dois jovens entre 13 e 18 anos, em nível de escolaridade correspondente à sua faixa etária, de tal modo que um seja homem e outro, mulher, um habite na periferia e outro em bairros centrais ou pericentrais.  Dois jovens entre 18 e 30 anos, de tal modo que se contemple um em nível de escolaridade universitário e outro não, um morador distante do centro e outro não, se for possível contemplar um homem e uma mulher.  Dois adultos inseridos no mercado de trabalho, com níveis de escolaridade diferentes, ambos moradores próximos do centro, sendo um homem e uma mulher.  Dois adultos inseridos no mercado de trabalho, com níveis de escolarização diferentes, ambos moradores distante do centro, sendo um homem e uma mulher.  Duas mulheres adultas donas de casa, com níveis de escolarização diferentes, uma moradora de áreas próximas ao centro e outra habitando áreas distantes.  Dois homens adultos não inseridos no mercado de trabalho formal, com níveis de escolarização diferentes, um morador de áreas próximas ao centro e outro habitando áreas distantes.  Dois adultos não casados, viúvos ou descasados, de sexos diferentes, idades diferentes, moradores de setores diferentes da cidade. 9 Roteiro-teste aplicado através do aplicativo Skype a moradores de Vitória da Conquista/BA 30  Dois adultos em terceira idade, sendo um homem e uma mulher, ambos não inseridos no mercado de trabalho, se possível uma mulher que não têm mais filhos em casa e que foi “dona de casa”. As entrevistas aos citadinos foram realizadas durante os meses de janeiro e fevereiro de 2014 para um contato mais próximo e maior interação social, com o objetivo de aprofundar-nos no conteúdo das práticas espaciais de lazer realizadas por esses sujeitos no âmbito da cidade de Vitória da Conquista. A seguir, dispomos a sínteses das informações obtidas através das entrevistas aos citadinos (quadro I). Além destes, realizamos entrevistas com “agentes bem informados”, denominação também desenvolvida no âmbito do referido projeto temático “Lógicas econômicas e práticas espaciais contemporâneas: cidades médias e consumo”, FAPESP, 2011, sendo aqueles que possuem conhecimento histórico sobre a expansão territorial da cidade, ou ainda aqueles envolvidos com a política e a economia desta, que ocupam cargos em empresas e/ou instituições públicas e privadas, enquanto detentores de informações importantes para a pesquisa. Assim, buscamos o poder público municipal, através das secretarias de: Turismo, Cultura, Esporte e Lazer, de Desenvolvimento Social, de Mobilidade Urbana; ainda, com o gerente do Serviço Social da Indústria-SESI/Unidade Sudoeste (anexos II, III, IV). As entrevistas ocorreram respectivamente, em dezembro de 2013, abril e maio de 2014, contudo, as últimas entrevistas foram realizadas por e-mail. Como mais um recurso metodológico, utilizamos um diário de campo no qual realizamos registros que julgamos importantes na execução da pesquisa e que não passaram, necessariamente, pelas técnicas anteriormente citadas: inferências pessoais da observação in loco, expressões, reflexões etc. As referências teórico-metodológicas apreendidas mediante as atividades acima referidas também nos indicaram modos de melhor tratar as informações obtidas em campo. Assim, iniciamos esse processo de tratamento de dados pela organização do material: sua identificação, verificação se todos os procedimentos realizados ocorreram de acordo o roteiro estabelecido, transcrição do áudio das entrevistas, tabulação das enquetes. Com esta etapa pudemos iniciar nossa análise e produção de informações. 31 *Perfil dos entrevistados - Nomes fictícios QUADRO I PERFIS DOS ENTREVISTADOS Perfil * Faixa etária (anos) Gênero Condição civil Escolaridade Inserção no mercado de trabalho formal ou informal Local de residência Renda familiar Membros /família Participação na renda familiar Bairro de trabalho/estudo Situação da casa Meio de transporte individual 1.1 Tahis 14 anos Feminino Solteira Cursando Ensino Fundamental Não trabalha Patagônia (Periferia) 2-3 salários mínimos 4 Dependente Brasil Própria Sim (carro) 1.2 João 15 anos Masculino Solteiro Cursando o Ensino Fundamental Não trabalha Cruzeiro (Pericentral) Até 1 salário mínimo 3 Dependente Centro Própria Não 2.1 Lucas 33 anos Masculino Solteiro Superior Completo Engenheiro Agrônomo Zabelê (Periferia) 2-3 salários mínimos 4 Contribui com a renda familiar Boa Vista Própria Sim (motocicleta) 2.2 Maria 27 anos Feminino Casada Ensino Médio Completo Secretária Alto Marom (Pericentral) Até 1 salário mínimo 2 Contribui com a renda familiar Universitário Alugada Não 3.1 Pedro 40 anos Masculino Casado Ensino Superior Completo Comerciante Ibirapuera (Pericentral) 3-6 salários mínimos 2 Contribui com a renda familiar Ibirapuera Própria Sim (carro e moto) 3.2 Valéri a 38 anos Feminino Casada Ensino Superior Completo Professora da Educação Básica Guarani (Pericentral) 3-6 salários mínimos 4 Contribui com a renda familiar Planalto (Outro município) Própria Não 4.1 Laíza 35 anos Feminino Solteira Ensino Superior Completo Secretária Nossa Senhora Aparecida (Bruno) (Periferia 2-3 salários mínimos 4 Contribui com a renda familiar Universitário Própria Não 4.2 Iago 34 anos Masculino Casado Ensino Superior Incompleto Auxiliar Administrativo Patagônia (Periferia) 2-3 salários mínimos 3 Responsável pela renda familiar Centro Própria Sim (bicicleta) 5.1 Eunic e 50 anos Feminino Viúva Ensino Médio Completo Dona de casa Patagônia (Periferia) 3-6 salários mínimos 3 Contribui com a renda familiar (pensionista) Não trabalha/estuda Própria Sim (carro e motocicleta) 5.2 Joana 50 anos Feminino Solteira (relação marital) Ensino Médio Completo Dona de casa Guarani (Pericentral) 2-3 salários mínimos 3 Dependente Não trabalha/estuda Própria Não 6.1 Talles 26 anos Masculino Solteiro Ensino Médio Completo “Graniteiro” (autônomo) Cruzeiro (Pericentral) 3-6 salários 5 Contribui com a renda familiar Candeias e outros espaços não fixos Própria Sim (motocicleta) 6.2 Vítor 37 anos Masculino Casado Ensino Médio Incompleto Jornaleiro (autônomo) Boa Vista (Periferia) 2-3 salários mínimos 3 Responsável pela renda familiar Centro Própria Sim (carro) 7.1 Guilh erme 41 anos Masculino Solteiro Ensino Superior Incompleto Pedreiro (autônomo) Candeias (Periferia) 2-3 salários mínimos 3 Contribui com a renda familiar Candeias outros espaços não fixos Própria Sim (bicicleta) 7.2 Ana 41 anos Feminino Divorciada Pós-graduação Lato Sensu Funcionária Pública Alto Marom (Pericentral) 2-3 salários mínimos 2 Responsável pela renda familiar Centro Herdeiros Não 8.1 José 75 anos Masculino Casado Ensino Fundamental Incompleto Empresário Recreio (Pericentral) 3-6 salários mínimos 3 Responsável pela renda familiar Centro Própria Sim (carro) 8.2 Lúcia 56 anos Feminino Casada Ensino Fundamental Incompleto Auxiliar Administrativo Espírito Santo (Periferia) Acima de 6 salários mínimos 5 Contribui com a renda familiar Universitário Própria Não 32 Adotamos uma maneira de sistematização de dados em categorias, organizando as informações de acordo um tema (COLOGNESE; MÉLO, 1998), isso nos permitiu criar uma hierarquia de codificação no ordenamento e padronização dos temas para que o mantivéssemos durante todo o processo. Essa proposta de organização já é um modo de análise dos dados coletados e produzidos (GIBBS, 1980). Complementaram os procedimentos de investigação, além da revisão da literatura, consulta a sites e documentos oficiais do poder público, leis e programas que abordam essas questões, pesquisa no Arquivo Público Municipal, registros fotográficos das áreas destacadas em entrevistas e enquetes para realização das práticas de lazer, confecção de material cartográfico. De posse da maior parte dos dados empíricos obtidos através do trabalho de campo, produzimos o relatório para o Exame Geral de Qualificação no qual, além de apresentarmos a pesquisa de campo feita até aquele momento, foi uma primeira aproximação da redação que pretendíamos, mediante a linha teórica que vínhamos articulação até então. De modo que as técnicas utilizadas foram escolhidas pensando no modo mais eficaz de realização das metas traçadas quando da ao final do projeto de pesquisa: elaboração das enquetes, roteiro de entrevistas, escolhas dos agentes bem informados, delimitação das áreas de coleta de dados, dos registros fotográficos, hora/dia da semana etc. Após o Exame Geral de Qualificação e dos apontamentos sugeridos para encaminharmos o texto final, muito do nosso referencial teórico foi redimensionado para uma maior definição e clareza da tese que defendíamos. Assim, houve a necessidade de readaptar algumas estratégias e de trabalhar o material empírico já obtido, de modo que pudéssemos continuar com a utilização da base de dados elaborada. Ainda porque as possibilidades de realização e utilização de uma nova metodologia mostraram-se, em certa medida, limitadas, dada as condições de tempo e equipe e que nos levou a buscar outras maneiras de trabalhar e interpretar os dados que, propriamente, mudar as técnicas já empregadas. Desse modo, ainda que o texto passasse por mudanças estruturais após o Exame Geral de Qualificação, buscamos qualificar e nos apropriar de um modo mais direto dos dados empíricos de que, necessariamente, iniciar novas técnicas. Ademais, apostamos nos desdobramentos da dissertação, haja vista, os objetivos propostos e a 33 demandas surgidas até os momentos finais de produção desse texto, nos remeteram a reflexões que, mesmo importante para o debate aqui realizado, algumas ficarão como projeções e amadurecimento futuros. E, assim, caminhamos por um processo de maturação do material do campo, empreendendo comparações e leituras que nos direcionaram do plano descritivo ao nível de análise, com o intuito de aprender os fenômenos que permeiam a realidade pesquisada para, dentro do tempo determinado pelo rigor acadêmico, analisar as práticas espaciais desses sujeitos sociais e compreender sua participação na produção do espaço urbano de Vitória da Conquista. 34 CAPÍTULO I A produção do espaço urbano: das práticas e representações do lazer em Vitória da Conquista 35 Assim como supõe Lefebvre (2000), é através da prática espacial que se conhece o espaço social, além de se evidenciar as implicações que a dimensão espacial tem na reprodução da vida cotidiana. É, pois, realizar a junção das representações do espaço com a prática dos citadinos na análise de sua produção e apropriação, já que por vezes, o espaço que se tem representado não é o mesmo que se tem apropriado. Pela dimensão do lazer, temos a possibilidade de uma análise e compreensão dos sujeitos, das suas relações e práticas espaciais, isto é, compreender questões pertinentes à sua função social nos mais diversos processos de desenvolvimento da sociedade, na produção e reprodução das relações sociais. Esse primeiro capítulo está estruturado em três seções em que pese uma leitura sobre questões conceituais em relação aos tempos sociais, ao lazer. E de como o lazer se insere como elemento estruturador na dinâmica espacial contemporânea. 1.1 Considerações iniciais sobre o lazer O fenômeno do lazer se estrutura de acordo com a sociedade que o produz. Por essa posição Polato (2003) defende que o lazer tem apresentado conteúdos e formas distintas por sua subordinação aos interesses e demandas do capital. Logo, as contradições das relações sociais erigidas nesse sistema são evidenciadas no âmbito das relações entre sociedade e lazer ou desses com o processo produtivo. Para a mesma autora: 36 A consideração e o tratamento das relações entre o lazer e a estrutura econômica-social, o processo de produção, as transformações tecnológicas, o processo de divisão do trabalho, bem como a produção e reprodução da força de trabalho, constituem-se como essenciais para a correta apreensão do lazer e da função que este, hegemonicamente, tem recebido como um tempo/espaço de controle para responder às demandas do capital. (POLATO, 2003, p. 140). Para a ideia que desenvolvemos em nossa dissertação, interessa-nos tal posicionamento, pois, entendemos que um dos modos de subordinação do lazer ao capital se dá na medida em que esse sistema promove uma diferenciação social na prática do lazer, por conceber o lazer enquanto mercadoria na sociedade de consumo. A produção dos espaços de lazer pode ser vista como indutora de lógicas de crescimento e expansão territorial que é indicadora da formação de processos socioespaciais que têm alterado os tempos/espaços da sociabilidade, de modo que, pela interface do consumo, a prática do lazer é um modo de compreender a produção do espaço urbano e de como esse elemento se insere no tempo e no espaço na contemporaneidade. Não deixando de considerar, também, o lazer como um tempo/espaço de desenvolvimento das potencialidades humanas, desde que tais dimensões sejam convertidas em conhecimentos e habilidades que nos deem subsídios para refletirmos sobre nossa realidade. Mesmo porque entendemos que o lazer enquanto prática precede o lazer enquanto oferta, limitada a espaços específicos e, como oferta a produção do lazer insere-se na própria produção do espaço urbano. Contudo, é necessário operar mudanças na prática do lazer no sentido de usar o espaço-tempo destinado a esse fim para desenvolvimento de ações políticas que levem à superação das práticas que se mantêm subordinadas. Tal construção não se dá de forma dissociada da vida social, mas, antes, baseada nas contradições de cada sociedade e seu tempo, isto é, deve considerar o contexto histórico e social em que se insere. A utilização do tempo na sociedade contemporânea é reflexo da divisão social do trabalho que se manifesta claramente em cada uso desses “tempos”, hipótese defendida por Gama e Santos (2008) para os quais a proporção de cada uso e o modo como se desfruta do tempo é distinto e está relacionado com a condição social do sujeito. Além disso, a dualidade entre a prática do tempo livre e o tempo de trabalho resultou em distintas funções a cada parcela do espaço citadino, o modo como cada 37 grupo se relaciona socialmente e, como pontua Santos, N. (1991) democratiza ou elitiza o espaço ao transformá-lo em lugares específicos de uma maioria ou de um grupo seleto. Ao considerarmos o tempo do lazer, entendemos que esse elemento se insere no tempo livre, ou antes, a prática do lazer orienta o uso do tempo livre. Este último sempre visto em oposição ao tempo do trabalho, como tempo de reposição, recuperação do trabalhador para estar apto a retornar ao espaço produtivo. O tempo de lazer tendencialmente só se realizaria no tempo do não trabalho ou no tempo livre. Muitas modificações na estrutura da sociedade e nas condições de trabalho e do trabalhador reverberaram no aumento do tempo fora do trabalho. Nesse contexto, Gama e Santos (2008) pontuam que o tempo livre ganha um valor central, sobretudo, no período pós-industrial momento em que, para esses mesmos autores, o trabalho perde centralidade analítica em contraponto à ênfase dada ao lazer enquanto ação libertadora e meio de realização pessoal. Contudo, afirmam que: O lazer moderno torna-se cada vez mais integrado na massificação produzida pela nova indústria dos ócios e pela produção cultural das massas. Deste facto advém que o tempo livre é, cada vez mais, tempo de consumo e, ao mesmo tempo, revela-se que os lazeres perdem o sentido de criatividade pessoal para darem lugar às indústrias dos ócios e à dominação das formas de consumo de massas. (GAMA; SANTOS, 2008, p. 64) Por vezes, observamos uma controvérsia teórica entre tempo livre, lazer, ócio. Segundo Poirier (2002), no que tange ao lazer, considera-o como integrante do tempo livre ou, um resíduo daquele, criado por uma sociedade técnica-científica capaz de produzir mais trabalhando menos. Esse autor avalia que, assim como a riqueza, o lazer é um produto do trabalho e o tempo livre um campo de conflitos. O lazer, na concepção de Dumazedier (1973), é definido como oposição às atividades e obrigações da vida cotidiana, e que sua prática e compreensão dá-se justamente no âmbito de uma dialética da cotidianidade, na medida em que se relaciona a outros tempos e necessidades entre si, assim como reagem uns sobre os outros. O mesmo autor atribui três funções ao lazer: descanso-divertimento; recreação; entretenimento - desenvolvimento. Em suma, considera o lazer como sendo, Um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se, entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre 38 capacidade criadora após livra-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais. (DUMAZEDIER, 1973, p. 34) Uma conceituação que, apesar de abrangente, ignora algumas contradições. É o que considera Padilha (2006) ao refletir sobre a posição de Dumazedier (1973), pois, entende que o autor ignora as diferenças sociais, ao colocar a todos no mesmo plano, condição de trabalho, necessidades, modos de consumo, formas de pensar e gerir o tempo do não trabalho e que mantém uma visão funcionalista do lazer. Uma crítica relevante, pois, não é possível conceber o lazer de maneira homogênea e acessível a todos pela estrutura classista em que a sociedade está erigida. Outro questionamento sobre a posição de Dumazedier (1973) em relação ao lazer foi apresentado por Gama e Santos (2008) por aquele não considerar uma caracterização espacial em sua conceituação. Esses últimos consideram o lazer como sendo: Uma ruptura com a situação de trabalho, mas que pelo seu carácter desinteressado e a escolha aparentemente livre, pode incluir o domínio do trabalho. No entanto, os perfis das conceptualizações de lazer e de tempo livre resultam de diversos factores, nomeadamente os que se referem à investigação empírica e às representações dos indivíduos. (GAMA; SANTOS, 2008, p. 65) Os mesmos autores defendem a ideia de que o lazer faz parte da vida cotidiana e que existe um forte apelo comercial de incentivo a essa prática. Já sobre o tempo livre, o compreendem como: Todo o tempo que convencionalmente resta fora do trabalho formal, para outros o tempo não incluído no trabalho, nas deslocações ou nas obrigações domésticas. Esta última definição aproxima-se mais de uma concepção de tempo livre equivalente à de lazer. Contudo, esse tempo livre pode não ser necessariamente gasto em situação de ócio sendo muitas vezes mais um tempo de trabalho. (GAMA; SANTOS, 2008, p. 65, grifo do autor) Ao ponderarem sobre o ócio, Gama e Santos (2008) propõem uma ordem de três fatores distintos: tempo; atividades; atitudes: 1 – Como quadro temporal (nas diferentes acepções), interrupção ou suspensão das actividades, paragem do trabalho (tempo de pausa, tempo livre do fim do dia após o trabalho, fim-de-semana, férias anuais, reforma, etc.); 2 – Como actividade ou conjunto de actividades: neste conjunto, enumeram-se uma grande série de ocupações de natureza variada, do bricolage aos desportos, da exposição aos media à exposição ao sol, 39 do passeio de automóvel às viagens a longa distância, a lista é ilimitada; 3 – Como atitudes, disposições pessoais, conceitos individuais ou colectivos em relação ao tempo ou à acção (Lanfant, 1972). (GAMA; SANTOS, 2008, p. 65, grifo do autor) Defendem que, o tempo do ócio e do lazer se relaciona com as funções que o sujeito desempenha na sociedade, contudo, sua realização se dá por diversas práticas exercidas com referência ao tempo (duração) e ao espaço (espacialidade). Isso implica considerar que, se um não há disponibilidade de tempo para se chegar a determinado espaço, a prática não se realiza, há uma relação direta com a distância que não se restringe, estritamente, à questão geográfica. O desenvolvimento da percepção espacial se dá pela prática, e esta influencia a sociabilidade (GAMA; SANTOS, 2008). Mesmo com redução da carga horária de trabalho e consequente aumento do tempo fora do trabalho, não haveria de fato uma libertação deste, isso seria ilusório. Ou seja, o aumento do tempo livre para uso em atividades de lazer e/ou ócio seria uma ilusão de libertação do trabalho alienado, realização pessoal, igualdade. A sociedade contemporânea dá cada vez mais atenção ao tempo fora do trabalho, particularmente ao uso desse tempo e aos tipos de relação com os objectos do quotidiano. Por conseguinte, a diferença e a especialização espacial no mundo contemporâneo apresentam simultaneamente uma crescente compartimentação e libertação do tempo. Uma libertação do tempo que é ao mesmo tempo uma subjugação ao tempo. (GAMA; SANTOS, 2008, p. 63) Essa valorização crescente do lazer e do ócio é uma característica da sociedade hodierna (RODRIGUES, 1999), contudo, pode esconder modos de coação, sobretudo por parte do Estado, que age com a intenção de controlar o tempo do não trabalho, porque o tempo livre torna-se um tempo social forte e o lazer um produto de troca. O tempo dedicado ao ócio é resultado das lutas trabalhistas, especialmente, na diminuição da jornada de trabalho, garantia de férias, mas, nesse tempo livre, os trabalhadores são direcionados a programas e organizações criados justamente para lidar com esse tempo como reposição física, manipulação e apropriação intelectual do trabalhador (RODRIGUES, 1999). Assim, por mais controverso que seja o entendimento desses tempos, ócio e tempo livre não são sequer similares, porque o ócio é livre e o tempo livre não, é “preso” aos comandos do sistema produtivo. Pela racionalidade capitalista, o tempo tornou-se mercadoria rara que, para ser consumido, assim como o lazer, é preciso ser comprado. Entendemos desse modo, que 40 o lazer é contabilizado no tempo como valor de troca, como força produtiva (BAUDRILLARD, 2003) não sendo possível desvincular o espaço (tempo) do lazer, do espaço (tempo) produtivo. Sobre isso, Lefebvre expõe: Os lugares de lazeres, assim como as cidades novas, são dissociados da produção até quando os espaços de lazeres parecem independentes do trabalho e “livres”. Mas eles encontram-se ligados aos setores do trabalho no consumo organizado, no consumo dominado. Esses espaços separados da produção, como se fosse possível ignorar o trabalho produtivo, são os lugares da recuperação. Tais lugares, aos quais se procura dar um ar de liberdade e de festa, que se povoa de signos que não tem a produção e o trabalho por significados, estão estreitamente ligados ao trabalho produtivo. É um típico exemplo do espaço ao mesmo tempo deslocado e unificado. São precisamente lugares nos quais se reproduzem as relações de produção. (LEFEBVRE, 2008b, p. 22) No atual sistema de produção, não há disponibilidade de tempo, o lazer deixa de ser tempo disponível para se tornar a sua propaganda (BAUDRILLARD, 2003). Essa análise não se baseia, apenas, na afirmação de que o lazer está alienado, reduzido à reposição da força de trabalho. O processo é mais complexo, liga-se à impossibilidade de “perder” o tempo para esse fim. Um tempo que é concebido, relativamente como abundante na sociedade, mas que não é possível empregá-lo em ações que visem sua insubordinação aos comandos do sistema produtivo. Para Martins (1996) essa realidade empobrece o sujeito numa condição que vai além das privações estritas de tempo ao pontuar que se trata muito mais de: A pobreza de realização das possibilidades criadas pelo próprio homem para sua libertação das carências que o colocam aquém do possível. Numa sociedade e num tempo de abundâncias possíveis, inclusive e especialmente, abundância de tempo para desfrute das condições de humanização do homem, em que a necessidade de tempo de trabalho é imensamente menor do que era há um século, uma das grandes pobrezas é a pobreza de tempo. (MARTINS, 1996, p. 19). Pensar num tempo livre em uma sociedade controlada pelos ponteiros do grande capital torna-se uma ideia que deve ser vista como perspectiva. A ocupação do tempo do não trabalho foi cooptada como momento propício para o lazer, mas, este último continuou submisso ao mundo das trocas, pois, “as leis do sistema de produção nunca entram de férias” (BAUDRILLARD, 2003, p. 163). Cooptação de momentos como as férias, entretenimento, viagens, TV, por exemplo, foram inseridos no cotidiano para fazer do “tempo improdutivo”, isto é, fora 41 do tempo do trabalho, uma fonte de lucro, um tempo de consumo. Para Padilha (2006a), O consumo não pode, então, ser considerado como um momento autônomo: ele encontra-se determinado seja pelo complexo processo constitutivo dos desejos humanos, seja pela lógica de produção, o que nas sociedades capitalistas, significa dizer que se encontra determinado pela lógica do lucro. (PADILHA, 2006a, p. 85) Sendo assim, o tempo livre e o tempo do lazer, ambos são determinados, manipulados e corrompidos pela lógica capitalista e como afirmamos, falseando uma ideia de liberdade, satisfação que é ilusória, isto é, trata-se da legitimidade da liberdade em um tempo falsamente livre. Ao sopesar sobre os problemas advindos das novas atividades de lazer relacionadas com as atividades de produção, criação de novas relações sociais e de uma consciência social, entendemos que o lazer se constitui como um relevante fato social (DUMAZEDIER, 1973; RODRIGUES, 1999), mas, que está condicionado ao tipo de trabalho, numa relação dialética de determinações mútuas. Como perspectiva, o lazer pode constituir-se como importante elemento enriquecedor da cotidianidade e humanizador da cidade contemporânea tendo como pressuposto uma nova prática que se desenha como possibilidade. Porque humanizar a cidade, com ações que visem insubordinação à prática imposta, é assaz importante, mesmo que não anule definitivamente as coações do cotidiano tomado pelo capital, por ser produto dessa sociedade e a ela se subordinar em maior ou menor grau. Ainda, da importância do espaço, pois, ao reproduzir as relações de produção dá condições para a manutenção do capital o qual, tomando o lazer como atividade produtiva, fragmenta e comercializa os espaços especializados para essa finalidade, nesses termos, o lazer entra na divisão social e territorial do trabalho (LEFEBVRE, 1973). Fatores sociais e econômicos são crescidos à análise da prática espacial do lazer, sendo esta a discussão que segue no próximo item. 42 1.2 Vitória da Conquista: O lazer como elemento estruturador do urbano A análise sobre a cidade contemporânea exige-nos um olhar mais atento quanto às alterações engendradas pelo processo de urbanização em sua dimensão temporal e espacial, complexificada pelo avanço da técnica e intensidade com que se realiza, tornando ainda mais intricada a rede de relações estabelecidas no desenvolvimento do capitalismo. Com o desenvolvimento dos modos de produção material, é crescente os modos de produção e de consumo não-material como o lazer, enquanto produto da sociedade de consumo. A produção dos espaços de lazer pode ser expressiva da dinâmica espacial e ponto de partida para sua compreensão ao considerarmos o par - urbanização e lazer - como um caminho interpretativo. Entendemos que esta associação não se dá de modo simplista e que é preciso abarcar a essência do lazer que se expressa pela sua materialização territorial e pelas relações sociais que engendra. O acesso e massificação do consumo do lazer, insere-se na lógica fetichista, base da ideologia do consumo (BAUDRILLARD, 2003), a qual induz ao pensamento de que o consumo produz uma homogeneização, uma participação igualitária no uso de objetos, espaços etc. como modo de corrigir as disparidades sociais. O mesmo autor afirma que essa igualdade é apenas formal e é sobre essa base que o verdadeiro sistema de discriminação atua de maneira mais perversa. Trazemos essa reflexão por observarmos que em nosso recorte analítico o lazer está relacionado ao processo de reprodução espacial como nova atividade produtiva por se articular à tendência de mercantilização do espaço. Em Vitória da Conquista percebemos cada vez mais a junção do lazer a projetos imobiliários residenciais, comerciais, em projetos criados pelo poder público, propriedade privada, que se expandem territorialmente, redefinindo especificidades espaciais, reorientando usos e modos de acesso, corroborando para o conjunto de mudanças socioespaciais. Como exemplo podem ser citados projetos recentes como o Parque Logístico do Sudoeste, um empreendimento comercial ou, como destaca em sua divulgação 10 , um condomínio multiuso que carrega como slogan “É hora de crescer melhor”. Ainda, a 10 O parque está localizado a cerca de 2,6 quilômetros do novo aeroporto da cidade e a 1,8 quilômetro do Anel Viário. Disponível em:< http://www.plsbahia.com.figura 16br/> último acesso em jan/2015. http://www.plsbahia.com.br/ 43 construção do novo aeroporto, relocado do bairro Patagônia, a sudoeste, para o extremo sul da cidade distante cerca de 15 quilômetros do perímetro urbano, a instalação do novo shopping center o Boulevard Shopping Vitória da Conquista, no bairro Candeias, além de empreendimentos imobiliários para moradia em que o lazer figura, ainda que de modo complementar. A criação e concretude de projetos dessa envergadura, por exemplo, integram um conjunto de modificações não apenas no que tange à forma urbana, como também, a novos hábitos, valores, a um conteúdo diferenciado que agrega às relações sociais expressos na vida cotidiana. O que supõe uma configuração espacial que comporte tais transformações e necessidades de produção do capital e da vida humana. São produtos com o caráter de novidade, que carregam características comuns pelo modo como o capitalismo opera, mas para sua garantia de reprodução, traduz-se em repetições, assim como afirmou Lefebvre (1973, p. 34) “Condenado a reproduzir-se, este pobre pequeno mundo de riqueza, está simultaneamente condenado a apresentar o novo (neo) quanto mais arcaico for”. Um processo homogeneizador que Lefebvre (2000) entende como uma repetição invariável de elementos no espaço que o conformam e que, do mesmo modo, induz ao consumo repetitivo dos mesmos objetos do/no espaço, seja o consumo do lazer em um shopping center ou, consumo do espaço de um shopping center, por exemplo. Este tende a uma produção para ser vista, com um padrão e formas semelhantes, mesmo que as diferenças lhe sejam intrínsecas, como outrora afirmou Whitacker (2007). É, também, um espaço homogeneamente produzido como lócus de ligação das relações capitalistas tomadas em escala mundial (BOTELHO, 2007), mantendo, em certo grau, os lugares de dominação e os que são dominados. Convidando-nos para uma maior atenção as questões conceituais, Harvey (2005), entende a urbanização como um processo social espacialmente fundamentado em que diversos agentes, com objetivos distintos, relacionam-se por meio de uma configuração específica de práticas espaciais que se interconectam, ao pontuar que: O conjunto espacialmente estabelecido dos processos sociais, que denomino urbanização, produz diversos artefatos: formas construídas, espaços produzidos e sistemas de recursos de qualidades específicas, todos organizados numa configuração espacial distinta. [...] A urbanização também estabelece determinados arranjos institucionais, formas legais, sistemas políticos e administrativos, hierarquias de poder etc. (HARVEY, 2005, p. 170) 44 Um contexto que pode qualificar de algum modo a cidade ao ter sob o seu domínio as práticas cotidianas. Outrossim, é a experiência no ambiente habitado que concede ao citadino uma consciência espacial advinda das percepções, simbolismo e projetos desenvolvidos. Para esse autor, “É tão insensato negar o papel e o poder das objetivações, da capacidade das coisas que criamos de retornar como formas de dominação, quanto é insensato atribuir, a tais coisas, a capacidade relativa à ação social.” (HARVEY, 2005, P. 170). Com o dinamismo e mutabilidade característicos do sistema capitalista essas “coisas” tendem a contínuas transformações e, do mesmo modo, as práticas espaciais também são influenciadas, podendo transgredir às formas fixas anteriormente determinadas. Assim, forma e o processo refletem certa instabilidade como reflexo de uma relação mutável (HARVEY, 2005). O resultado dessa dinâmica é expresso concretamente como marcas do tempo histórico, cristalizadas em formas espaciais que se relacionam, dialeticamente, com as alterações na organização social (GOTDIENER, 2010). Em sua leitura Lefebvreana, Soja (1993) destaca como característica da lógica capitalista, a possibilidade de se reinventar e buscar novos campos de expansão: A própria sobrevivência do capitalismo, afirmou Lefebvre, estava baseada na criação de uma espacialidade cada vez mais abrangente, instrumental e também, socialmente mistificado, escondida da visão crítica sob véus de ilusão e ideologia. (SOJA, 1993, p. 65). Uma expansão que não se explica por si só, deve ancorar-se numa teoria de desenvolvimento geográfico desigual (HARVEY, 2010) capaz de refletir a dinâmica da formação socioespacial e dos conflitos por interesses divergentes no plano espacial, assim como, dá condições para o caráter variável das relações espaciais. Como o capital se ancora numa abrangência espacial cada vez mais alargada, sua expansão vai caracterizar as modificações nos padrões e funções espaciais e a posição social do sujeito. Logo, a experiência espacial e social será distintamente vivida, como identificamos na seção anterior sobre os condicionamentos sociais e econômicos dos nossos sujeitos pela sua posição da divisão social do trabalho. Sobre isso, são elucidativas as palavras de Santos e Silveira (2010) ao pontuarem que: 45 Essa nova divisão do trabalho aumenta a necessidade do intercâmbio, que agora se dá em espaços mais vastos. Afirma-se uma especialização dos lugares que, por sua vez, alimenta a especialização do trabalho. É o império, no lugar, de um saber-fazer ancorado num dado arranjo de objetos destinados à produção. Isso vem talvez nos mostrar o lado mais ativo da mencionada divisão territorial do trabalho. (SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. 2010, p. 135). Tal divisão se consolida pela influência do processo produtivo capitalista que marca e aprofunda essas relações em que “as formas de urbanização são, antes de mais nada, formas de divisão social (territorial) do trabalho” (LOJKINE, 1981, p. 121). Realidade que expressa os modos de desenvolvimento urbano desigual pela difusão do tecido urbano no que tange aos limites territoriais entre cidade e campo e no modelo de vida urbano avançando para o rural. Esses processos geram uma forma urbana marcada por um padrão de desconcentração territorial (SPOSITO, 2001b) que não nega um movimento de concentração, aglomeração, mas antes, como uma condição e expressão de novas lógicas de localização as quais, por sua vez, orientam novas práticas espaciais que, ao se realizarem, também atuam em redefinição de uma nova forma numa relação dialética que nos permite compreender esse movimento pelas dinâmicas que originaram tal forma ou, com base nesta, enquanto decorrência de um processo que determina e é determinado por seu conteúdo (WHITACKER, 2013a). Com relação ao que compareceu em nossa pesquisa em fontes e registros históricos sobre a oferta do lazer em Vitória da Conquista, observamos haver uma atuação pública e privada. Contudo, no primeiro caso, a atenção dispensada em criar espaços e atividades para essa finalidade não esteve entre as prioridades do poder público municipal, haja vista, o déficit e insuficiência em projetos e intervenções urbanísticas, precarizando quantitativa e qualitativamente tal prática. O próprio entendimento da referida coordenação do que seja o lazer não é muito claro quando afirma que o lazer: É toda ação que envolve o ócio das pessoas, mas, também, que ajuda a construir momentos de entretenimento e de prazer, de forma saudável e equilibrada. É essa é a visão que a gente tem de lazer, de integração da comunidade numa sociedade que cada vez mais se estabelece relações produtivas. Onde esse espaço fica cada vez mais curto, então, dotar o município de ações e de infraestrutura para essa prática do ócio que é tão importante para a saúde, é fundamental. [...] E obviamente quando a gente fala de lazer, de entretenimento especialmente o lazer enquanto espaço urbano, enquanto área mesmo 46 de território demarcando espaço, no momento atual ele é algo cada vez mais complexo e relativo dado ao envolvimento das novas gerações com o advento da utilização da multimídia, dos equipamentos de internet. (VITÓRIA DA CONQUISTA/BA. Secretário Municipal de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer ) 11 A carência na oferta do lazer é uma característica presente em seu processo histórico de constituição. Estudos diagnósticos realizados para a elaboração do primeiro Plano Diretor Urbano – PDU de Vitória Conquista ocorrido em 1976 12 , detectaram tal carência e, para tanto, recomendou-se a priori, a criação de quatro grandes áreas para cumprir essa função: Quatro são as grandes áreas escolhidas para parque, independentes de outras menores, também existentes; sendo três localizadas no setor leste, em função da futura expansão e dos recursos paisagísticos existentes e uma localizada no setor oeste; (...) (VITÓRIA DA CONQUISTA, 1976, Lei n°118/76, p.79 apud SANTOS, R., 2013, p. 137/8). Ao Leste seria instalado o Parque Poço Escuro, envolvendo a reserva florestal, apresentado como de grande potencial para o lazer e o turismo; o Parque do centro Cívico, objetivando controlar o uso desordenado do solo urbano; um terceiro, o Parque Esportivo, integrando o estádio de futebol e o parque de exposições da cidade; a Oeste seria implantado o quarto parque, o Parque da Lagoa. Intervenções na Praça Tancredo Neves também foram indicadas para abarcar as atividades religiosas e sociais e, também, usadas para a prática do lazer e do turismo (Mapa 3). 11 VITÓRIA DA CONQUISTA/BA. Secretário Municipal de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer. Entrevista a agentes bem informados. [dez/2013]. Entrevistadora: Rizia Mendes Mares. Vitória da Conquista/BA. Transcrição de áudio. Pesquisa de campo, 2013. Obs.: No ano de 2014 houve mudança na coordenação dessa secretaria. A entrevista foi realizada com o Sr. Gildelson Felício de Jesus. A partir de 2014, a secretaria passou à coordenação do Sr. Nagib Pereira. 12 O primeiro Plano Diretor Urbano de Vitória da Conquista foi formulado, sancionado através da Lei nº 118/79 de 22 de dezembro de 1976 muito em virtude da construção do Distrito Industrial dos Imborés. O novo Plano Diretor de Vitória da Conquista foi instituído e sancionado através da Lei nº1.385/2006 em 26 de dezembro de 2006. 47 Mapa 3: Localização das áreas de lazer indicadas no PDU de 1976. Vitória da Conquista/BA. AIRTON SENNA JATOBÁ CAMPINHOS PATAGÔNIA FELÍCIA BOA VISTA SÃO PEDRO BATEIAS NOSSA SENHORA APARECIDA DISTRITO INDUSTRIAL IBIRAPUERA CENTRO CRUZEIRO ALTO MARON J U R E M A BRASIL RECREIO LAGOA DAS FLORES CANDEIAS PRIMAVERA ESPÍRITO SANTO UNIVERSIDADE G U A R A N I ZABELÊ Vitória da Conquista Localização de Vitória da Conquista/BA Vitória da Conquista/BA Localização do Território de Identidade Sudoeste Baiano Fonte: Trabalho de campo, 2013. Base Cartográfica Malha municipal, 2011 Legenda Parque Poço Escuro 0 1000 2000 m Elaboração: Rizia Mendes Mares Parque da Lagoa Parque do Centro Cívico Parque Esportivo - Estádio de futebol e Parque de Exposições Localização da Bahia no Brasil 48 Sobre esses projetos urbanos voltados ao lazer, Medeiros (1999) os analisou como sendo projetos inacabados e que, de fato, nunca foram prioridade para nenhum gestor municipal acrescentando à lista, outros projetos como um Jardim Botânico e o Parque da Serra do Periperi 13 e o já citado Parque do Poço Escuro. Apontou como características comuns serem lugares bem quistos pela população, mas que foram projetos inacabados, passados por várias gestões e não efetivados da maneira como se propunha. Para esse autor, a não observância ao proposto no plano diretor ocasionou um déficit relevante no cotidiano da cidade, por seus gestores priorizarem outras demandas e não direcionarem recursos para efetivação de ações voltadas ao lazer afirmando que: A cidade não pode mais conviver com reivindicações que tomam a forma de projetos e que depois não são implementados. Isto é: A cidade não pode continuar a empobrecer-se com a inutilização de sonhos e projetos. Não se trata aqui de falar de árvores quando a fome campeia, o cinismo do poder no país aprofunda-se, os crimes contra a população (representados por políticas econômicas ou de salvação social) retomam a dimensão infamante de outras eras, e o rei legisla seguindo a fórmula “O Estado sou eu”. Não se trata de abandonar luta e denúncia, mas sim de afirmar que “a gente não quer só comida”, embora precise sobretudo de comida. (MEDEIROS, 1999, não paginado) Para o então Secretário Municipal de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer no plano geral, a prática do lazer esteve circunscrita ao uso de algumas praças, muitas das quais abandonadas e sem infraestrutura adequada, confirmando a atuação ineficiente do poder público municipal no cumprimento de um dos princípios do PDU que, dentro do direito à cidade, incluir o direito ao lazer 14 . Ao falar das dificuldades em acompanhar o crescimento da cidade, dotando-a de infraestrutura adequada às necessidades dos citadinos, o supracitado secretario coloca que: 13 Em 1999 foi tomada como Unidade de Conservação pelo decreto de lei n° 9.480/99 como uma medida de preservação da Serra do Periperi, impedindo a ocupação desordenada, o desmatamento e a degradação ambiental decorrentes, principalmente, das atividades de mineração, como a extração de areia, cascalho e pedra, além da conservação da flora e fauna remanescentes, bem como de sua conformação topográfica e das nascentes. Parque Municipal da Serra do Periperi possui área total de 1.300 hectares e 15 km de extensão locada ao norte da cidade de Vitória da Conquista. Fonte: PMVC, 2014. 14 LEI N .º 1.385/2006. Capítulo II, Art. 4º, item IV. Dos princípios do Plano Diretor Urbano de Vitória da Conquista. 49 [...] Todos os bairros antigos foram construídos sem se quer ter esgoto, asfalto imagine equipamento de lazer que nunca foi dado como prioridade! Mal, mal se limpava ali, colocava uma trave, era um campo de futebol, que ainda existe e que é importante também, mas não é só isso. Então acho que o grande desafio é a gente continuar [...] e ampliar esse espaço (VITÓRIA DA CONQUISTA/BA. Secretário Municipal de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer) 15 . Essa realidade deficiente foi confirmada em pesquisas empreendidas sobre a