GUSTAVO JOSÉ GONÇALVES MOLLICA Inserção de sistemas de gaseificação na estrutura de otimização integrada de resíduos sólidos urbanos Guaratinguetá - SP 2021 Gustavo José Gonçalves Mollica Inserção de sistemas de gaseificação na estrutura de otimização integrada de resíduos sólidos urbanos Dissertação apresentada à Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, para a obtenção do título de Mestre em Engenharia Mecânica na área de Energia. Orientador: Prof. Dr. José Antonio Perrella Balestieri Coorientador: Prof. Dr. Rubens Alves Dias Coorientador: Prof. Dr. Juan Galvarino Cerda Balcazar Guaratinguetá - SP 2021 DADOS CURRICULARES GUSTAVO JOSÉ GONÇALVES MOLLICA NASCIMENTO 12/01/1992 – Guaratinguetá / SP FILIAÇÃO Marco Antônio Mollica Isabel Cristina Gonçalves 2008/2010 Ensino Médio Colégio Técnico e Industrial de Guaratinguetá – CTIG/UNESP 2011/2018 Graduação em Engenharia Mecânica Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá – UNESP Dedico este trabalho, de modo especial, à minha família, minha namorada Miriam, meus orientadores e meus amigos, sem eles nada disso seria possível. AGRADECIMENTOS A Deus, por ter me dado saúde em tempos difíceis, ânimo quando faltou e alegria em toda a minha vida em especial durante os anos do mestrado. Aos meu orientadores, Prof. Dr. José Antônio Perrella, Prof. Dr. Juan Galvarino Cerda Balcazar e Prof. Rubens Alves Dias pela ajuda indispensável durante esta caminhada, pelas palavras de incentivo, por suas amizades e por me fornecerem ensinamentos valiosos. A todos meus familiares, em especial minha mãe, Isabel Cristina Gonçalves, avó, Antônia Gonçalves, tia, Marcia Gonçalves e irmão Guilherme Henrique Gonçalves Mollica, por estarem sempre ao me lado. A minha namorada, companheira e amiga Miriam Ricciulli, um amor que nasceu no mestrado e que foi a força que precisava para continuar lutando e fez com que os anos difíceis que estamos vivenciando fossem repletos de alegria e felicidade. A todos amigos em especial ao meu amigo Fernando Henrique Rufino e aos amigos feitos durante meu período na Columbia University (Vinicius Pepino, Eduardo Padula, Thiago Okamura e Lendro Perrelli) que mesmo longe sempre estão presentes. A todos professores e funcionários da Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, em especial aos funcionários da pós graduação por fazerem a educação uma prioridade. "O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES) - código de financiamento 001." “Nada na vida deve ser temido, somente compreendido. Agora é hora de compreender mais para temer menos.” Marie Curie RESUMO A forma de disposição dos resíduos sólidos urbanos tem se tornado assunto de grande importância devido, principalmente, a uma maior preocupação com a sustentabilidade ambiental e as consequências de uma disposição incorreta tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana. Dentre as possíveis formas de disposição/tratamento desse material destacam-se as tecnologias de aproveitamento energético, ou como são conhecidas, tecnologias Waste to Energy (WtE), a reciclagem, compostagem/tratamento biológico e os aterros sanitários. A gestão integrada dos resíduos é papel do gestor público dos municípios no Brasil, e assim é importante que ele possua dados que substanciem as suas decisões a fim de elaborar planos que melhor se adequem à situação local. Da literatura destaca-se, em especial, um modelo capaz de realizar a otimização de diferentes rotas tecnológicas de disposição/tratamento de resíduos utilizando tecnologias consolidadas para o processamento deste material. O papel desta pesquisa é estender o modelo citado de forma a abranger uma tecnologia que tem se apresentado mais atrativa tanto do ponto de vista ambiental quanto energético e tem como objetivo a inserção de um ciclo combinado com gaseificação integrada neste modelo de otimização, visando avaliar a decisão sobre as melhores rotas de processamento de resíduo. Para tanto, foi necessário desenvolver um modelo de gaseificação de resíduos sólidos urbanos para prever a composição do gás de síntese gerado neste processo. Com os dados obtidos se inseriu esta tecnologia na superestrutura de tratamento térmico, optou-se também por se considerar além do transporte dos resíduos orgânicos e líquidos, o transporte de resíduos sólidos. A partir da modelagem verificou-se que a receita financeira global das plantas de processamento melhora quando as plantas menores se restringem a um uso mínimo da superestrutura térmica, sendo a gaseificação escolhida para as plantas maiores. Verifica-se também que há uma atratividade consideravelmente maior para o caso com gaseificação e transporte de resíduos sólidos, obtendo-se paybacks de até nove anos para o cenário mais provável sem o auxílio de subsídios, VPL de 2 bilhões e TIR de 20,32%. Ao se considerar a inclusão da taxa de tratamento de resíduos, os resultados se tornam significativamente melhores, aumentando a atratividade das plantas de processamento. PALAVRAS-CHAVE: Gaseificação. Resíduo sólido urbano. Otimização. Processamento de resíduos. ABSTRACT The way of disposal of solid urban waste has become a matter of great importance due mainly to a greater concern with environmental sustainability and the consequences of incorrect disposal both for the environment and for human health. Among the possible ways of disposal/treatment of this material, the technologies of energy use stand out, or as they are known, technologies of waste to energy (WtE), recycling, composting/biological treatment and landfills. Integrated waste management is the role of the public manager of municipalities in Brazil, and so it is important that they have data to substantiate their decisions in order to develop plans that best suit the local situation. From the literature, it stands out, a model capable of optimizing different technological routes of disposal/treatment of waste using consolidated technologies for the processing of this material. The role of this research is to extend the aforementioned model to include a technology that has been presenting itself as more attractive from both an environmental and an energetic point of view and it aims to insert a combined cycle with gasification integrated with this optimization model, to evaluate the decision on the best waste processing routes. Therefore, it was necessary to develop a gasification model for solid urban waste to predict the composition of the gas generated in this process. With the data obtained, this technology was inserted in the heat treatment superstructure; it was also chosen to consider, in addition to the transport of solid and liquid waste, the transport of solid waste. From the modelling, it was verified that the global income of the plants when improving the smaller plants is restricted to minimum use of the thermal superstructure, being the gasification chosen for the bigger plants. It is also verified that there is a considerably greater attractiveness for the case with gasification and transportation of solid waste, obtaining paybacks of up to 9 years for the most likely scenario without the aid of subsidies, NPV of 2 billion and IRR of 20.32 %. When considering the inclusion of the waste treatment fee, the results become significantly better, increasing the attractiveness of the plants. KEYWORDS: Gasification. Municipal solid waste. Optimization. Waste management. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Tipo de gaseificadores de leito fixo ......................................................................... 28 Figura 2 - Esquema de um gaseificador em leito fluidizado .................................................... 28 Figura 3– Gaseificador de fluxo arrastado ............................................................................... 29 Figura 4– Gaseificador de forno rotativo ................................................................................. 30 Figura 5– Gaseificador a plasma .............................................................................................. 31 Figura 6– Fluxograma do processo simplificado de um IGCC. ............................................... 47 Figura 7– Diagrama T versus s para um ciclo Rankine ideal ................................................... 48 Figura 8– Ciclo padrão a ar Brayton ideal ................................................................................ 48 Figura 9– Diagrama de bloco de uma central térmica IGCC integrada ................................... 49 Figura 10– Planta IGCC e processos de resfriamento e limpeza do gás .................................. 52 Figura 11- Diagrama dos principais solventes utilizados no processo de AGR. ...................... 54 Figura 12– Esquema do recuperador calor e suas seções. ........................................................ 56 Figura 13– Perfil de temperatura em um recuperador de calor. ............................................... 58 Figura 14– Classificação dos modelos matemáticos. ............................................................... 59 Figura 15– Progressão do método de algoritmos genéticos. .................................................... 61 Figura 16– Megaestrutura e seus sistemas. .............................................................................. 62 Figura 17– Locais das 9 plantas de recebimento e destinação para as 3 regiões metropolitanas. .................................................................................................................................................. 63 Figura 18– Superestrutura de tratamento térmico .................................................................... 64 Figura 19– Diagrama esquemático produção de CDR. ............................................................ 67 Figura 20– Procedimento iterativo ........................................................................................... 72 Figura 21– Superestrutura biológica ........................................................................................ 79 Figura 22– Superestrutura térmica modificado ........................................................................ 82 Figura 23 – Gráfico da variação dos componentes do gás de síntese com a variação da quantidade de nitrogênio no agente gaseificante. ..................................................................... 97 Figura 24– Variação do syngas com conteúdo de umidade (CM) ........................................... 98 Figura 25- Mapa das tecnologias escolhidas nas plantas em análise ..................................... 100 Figura 26– Payback cenário Otimista ....................................................................................107 Figura 27– Payback cenário mais provável............................................................................107 Figura 28 – Payback cenário pessimista ................................................................................108 Figura 29 – VPL cenário otimista ............................................................................................109 Figura 30– VPL cenário mais provável ...................................................................................110 Figura 31– VPL cenário pessimista ........................................................................................110 Figura 32– TIR cenário otimista ............................................................................................. 112 Figura 33– TIR Cenário mais provável. ................................................................................. 113 Figura 34– TIR cenário pessimista ......................................................................................... 113 Figura 1.C – Payback do cenário otimista com o CG2 com transporte..................................136 Figura 2.C – Payback do cenário otimista com o CG2 com transporte ampliado..................136 Figura 3.C – Payback do cenário mais provável com o CG2 com transporte........................137 Figura 4.C – Payback do cenário mais provável com o CG2 com transporte ampliado ..............................................................................................................................137 Figura 5.C – Payback do cenário pessimista com o CG2 com transporte..............................138 Figura 6.C – Payback do cenário pessimista com o CG2 com transporte ampliado..............138 Figura 1.D – VPL do cenário otimista com o conjunto a gás CG2 com transporte ...............139 Figura 2.D – VPL do cenário mais provável com o conjunto a gás CG2 com transporte ..............................................................................................................................139 Figura 3.D – VPL do cenário pessimista com o conjunto a gás CG2 com transporte ...........140 Figura 1.E – TIR do cenário otimista com o CG2 com transporte ampliado ........................141 Figura 2.E – TIR do cenário mais provável com o CG2 com transporte ampliado ...............141 Figura 3.E – TIR do cenário pessimista com o CG2 com transporte ampliado .....................142 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Tratamento de RSU em alguns países .................................................................... 21 Tabela 2 – Cidades das plantas de recebimento e destinação final .......................................... 64 Tabela 3 – Valores de entalpia de formação (ℎ𝑓𝑜 em kJ/mol) e coeficientes da equação empírica para 𝑔𝑓, 𝑇𝑜 (kJ/mol) ............................................................................... 69 Tabela 4 – Coeficientes de calor específico para equação empírica ........................................71 Tabela 5 – Composição do combustível derivado de resíduo em % mássica .......................... 73 Tabela 6 – número de mols (principais elementos) em 1kg de CDR em base seca e livre de cinzas. .................................................................................................................... 73 Tabela 7 – Estimativa dos parâmetros operacionais ................................................................. 75 Tabela 8 – Vazão mássica de resíduos nas plantas em estudo. ................................................ 76 Tabela 9 – Parâmetros de rendimento, preço de venda e custo de manutenção processo biológico. ............................................................................................................... 76 Tabela 10 – Parâmetros de rendimento, preço de venda e custo de manutenção processo reciclagem. ............................................................................................................. 77 Tabela 11 – Parâmetros de rendimento, preço de venda e custo de manutenção processo térmico. .................................................................................................................. 77 Tabela 12 – Preço de venda de material reciclável. ................................................................. 78 Tabela 13 – Custo de transporte entre plantas. ......................................................................... 78 Tabela 14 – Custo de pedágio entre plantas. ............................................................................ 78 Tabela 15 – Comparativo conjuntos a gás. ............................................................................... 83 Tabela 16 – Comparativo da composição do syngas (% volume) em base seca. ..................... 92 Tabela 17 – Comparativo da composição dos gases que formam o syngas (% volume) em base seca para o modelo modificado. ............................................................................ 93 Tabela 18 – Dados de entrada e resultados sistema de equações para CDR ............................ 93 Tabela 18 – Dados de entrada e resultados sistema de equações para CDR (continuação) .... 94 Tabela 19 – Cálculo do PCI para o gás de síntese gerado a partir da gaseificação do CDR .... 94 Tabela 20 – Variação nos componentes do CDR ..................................................................... 95 Tabela 21 – Variação da composição e do PCI do gás de síntese para a análise de sensibilidade da composição do CDR. .................................................................. 95 Tabela 22 – Variação da composição do gás de síntese e do PCI com relação a razão oxigênio/nitrogênio no agente gaseificante. .......................................................... 96 Tabela 23 – Comparativo para gaseificação com oxigênio puro .............................................. 97 Tabela 24 – Composição do gás de síntese com a variação do conteúdo de umidade (CM) ... 98 Tabela 25 – Propriedades dos gases ......................................................................................... 99 Tabela 26 – Dados da superestrutura de processo renováveis................................................ 100 Tabela 27 – Parâmetros e dados de operação das plantas ......................................................102 Tabela 28 – Transporte de resíduos orgânicos, líquidos e sólidos ...........................................103 Tabela 29 – Parâmetros e dados simulação das plantas do trabalho de referência ..................104 Tabela 30 – Investimento inicial das plantas, análise comparativa ........................................106 Tabela 31 – Valores de payback comparativo casos com gaseificação e trabalho de referência ............................................................................................................................. 108 Tabela 32 – Valores de VPL, comparativo casos com gaseificação e trabalho de referência. ............................................................................................................................. 111 Tabela 33 – Valores de TIR, comparativo casos com gaseificação e trabalho de referência..............................................................................................................114 Tabela A.1 – Estimativa de investimento da planta de processamento de resíduos, caso com gaseificação e transporte de resíduos sólidos.......................................................134 Tabela B.1 – Estimativa de investimento da planta de processamento de resíduos, caso de referência..............................................................................................................135 LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES Amort Amortização ASU Air separation Unit AGR Acid gas removal BG Biogás BGD Biogás Disponível CG Conjunto a gás CDR Combustível derivado de resíduo CM Conteúdo de umidade CMO Custo de manutenção e operação COMB Combustível CT Custo de transporte DFC Dinâmica dos Fluidos Computacional ECC Eficiência de conversão de carbono EES Engineering Equation Solver EGF Eficiência de gás frio EGQ Eficiência de gás quente ER Equivalence ratio Fcrd Fator de conversão de real para dólar GN Gás Natural GW Global Warming HR Heat rate HRSG Heat Recovery Steam Generator IGCC Integrated Gasification Combined Cycle Inc Incineração Ipl Investimento Inicial total Kcc Fator de investimento em obras civil PCI Poder calorífico inferior PCS Poder calorífico superior PNRS Política Nacional dos resíduos sólidos PR Pressure Ratio PV Preço de Venda RS Resíduos Sólidos RESD Resíduos Sólidos Disponíveis RSU Resíduos Sólidos Urbanos RNA Rede Neural Artificial SINGD Syngas disponível SINGLD Syngas limpo disponível TIT Turbine Inlet Temperature TV Turbina a vapor VCI Vapor da caldeira de incineração VCV Vapor caldeira a vapor VCC Vapor ciclo combinado WtE Waste-to-Energy LISTA DE SIMBOLOS C Calor sensível J D Difusividade m²/s f Fator de amortização [1] G Energia Livre de Gibbs J h̅f o Entalpia de formação kJ/mol K Constante de equilíbrio [1] L Função Lagrangiana J n Número de mols [1] P Pressão N/m² PM Peso Molecular g/mol Q Transferência de Energia kW/m³ R Constante do gás J / K.mol 𝑢𝑔, Velocidade superficial m/s V̇ Vazão volumétrica m³/s z Distância m Letras gregas 𝛥𝐺0 Energia livre de Gibbs de formação kJ/mol 𝜆 Multiplicador de Lgrange [1] 𝜆𝑔 Condutividade térmica W/m.K η Rendimento % 𝜌 Massa especifica kg/m³ Subscrito a-g água-gás AS Aterro sanitário B Processo biológico boud Boudouard carbono_syngas fração de carbono nos componentes do syngas carbono_resíduo fração de carbono nos componentes do resíduo CI caldeira de incineração comb combustível Combvc Combustível caldeira a vapor CV Caldeira a vapor CR Caldeira de recuperação D disponibilidade de resíduos EE Energia Elétrica Eq Equipamento entr entrada ET Energia Térmica ger gerador ins insumo met metano prod produtos R Processo renováveis red_rs Redução resíduos resf Resfriamento re-vap reforma de vapor res resíduo ROeL resíduo orgânico e líquido sing syngas Tot total TT Tratamento térmico V Vendida SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 20 1.1 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 23 1.2 OBJETIVOS .......................................................................................................... 24 1.2.1 Objetivos gerais .................................................................................................... 24 1.2.2 Objetivos Específicos ........................................................................................... 24 1.3 CONTRIBUIÇÕES E IMPACTOS DA DISSERTAÇÃO ................................... 24 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ........................................................................... 26 2.1 GASEIFICAÇÃO NO PROCESSAMENTO DE RESÍDUO ............................... 26 2.2 MODELOS DE SIMULAÇÃO DO GASEIFICADOR ........................................ 32 2.2.1 Modelo de equilíbrio termodinâmico ................................................................. 33 2.2.1.1 Modelo estequiométrico ...................................................................................... 34 2.2.1.2 Modelo não-estequiométrico ............................................................................... 35 2.2.2 Modelo de equilíbrio cinético .............................................................................. 40 2.2.2.1 Gaseificadores de leito móvel / fixo ...................................................................... 41 2.2.2.2 Gaseificadores de leito fluidizado ......................................................................... 42 2.2.2.3 Gaseificadores de fluxo arrastado .......................................................................... 43 2.2.3 Modelo de dinâmica de fluidos computacional (DFC) ..................................... 44 2.2.4 Modelos de rede neural ....................................................................................... 45 2.3 CICLOS COMBINADOS COM GASEIFICAÇÃO INTEGRADA .................... 46 2.3.1 Ciclos termodinâmicos ........................................................................................ 47 2.3.1.1 Ciclos Rankine ....................................................................................................... 47 2.3.1.2 Ciclos Brayton ....................................................................................................... 48 2.3.2 Sistemas principais .............................................................................................. 49 2.3.2.1 Unidade de separação de ar ................................................................................... 49 2.3.2.2 Ilha de gaseificação................................................................................................ 50 2.3.2.2 Ciclo combinado com conjunto a gás .................................................................... 54 2.4 OTIMIZAÇÃO ...................................................................................................... 58 3 MATERIAL E MÉTODO .................................................................................. 62 3.1 ESTRUTURA DE OTIMIZAÇÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS ................... ............................................................................................................62 3.2 MODELAGEM DA GASEIFICAÇÃO ................................................................ 65 3.2.1 Modelo do gaseificador........................................................................................ 66 3.2.2 Dados para o modelo ........................................................................................... 72 3.2.3 Cálculo do poder calorífico inferior do syngas ................................................. 74 3.3 ADAPTAÇÃO DA ESTRUTURA DE OTIMIZAÇÃO ....................................... 75 3.3.1 Superestrutura de tratamento biológico ............................................................ 79 3.3.2 Superestrutura de tratamento térmico .............................................................. 81 3.4 ANÁLISE ECONÔMICA ..................................................................................... 89 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................... 92 4.1 RESULTADOS DO MODELO DE GASEIFICAÇÃO ........................................ 92 4.2 RESULTADOS DA OTIMIZAÇÃO .................................................................... 99 4.2.1 Análise da atratividade econômica das plantas .............................................. 105 4.2.2 Resultados da amortização do investimento inicial (payback) ....................... 106 4.2.3 Resultados do valor presente líquido (VPL) ................................................... 109 4.2.4 Resultados da taxa interna de retorno (TIR) .................................................. 112 5 CONCLUSÃO .................................................................................................... 115 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 118 APÊNDICE A – EES MODELAGEM GASEIFICAÇÃO ............................................... 125 APÊNDICE B – EES MODELAGEM OTIMIZAÇÃO ................................................... 128 ANEXO A – INVESTIMENTO INICIAL: GASEIFICAÇÃO ........................................ 134 ANEXO B – INVESTIMENTO INICIAL: GASEIFICAÇÃO ........................................ 135 ANEXO C – PAYBACK TRABALHO DE REFERÊNCIA .............................................. 136 ANEXO D – VPL TRABALHO DE REFERÊNCIA ........................................................ 139 ANEXO E – TIR TRABALHO DE REFERÊNCIA ......................................................... 141 20 1 INTRODUÇÃO O aumento crescente no modo de disposição e sua composição heterogênea fazem dos resíduos sólidos urbanos (RSU) uns dos principais problemas enfrentados pela sociedade atualmente, tanto em países desenvolvidos quanto subdesenvolvidos (CASAS LEDÓN et al., 2016). Um dos desafios enfrentados pelos responsáveis pelo gerenciamento deste material é encontrar uma solução eficaz, reduzindo passivos ambientais e com segurança para a sua disposição final, problema este que tende a aumentar com o crescimento na geração de RSU. Segundo a Agência Internacional de Energia, a produção de resíduos urbanos tende, segundo projeções estatísticas, a mais do que dobrar nas próximas décadas, indo de 1316 Mt/ano em 2013 para 2720 Mt/ano em 2050, fato este estimulado pelo aumento populacional e desenvolvimento econômico (IEA, 2016). O gerenciamento/gestão inadequado deste tipo de resíduo leva a consequências importantes, tais como, emissão de gases poluentes, impactos ambientais e na saúde da população (PIRES et al., 2011). Atualmente, as principais formas de tratamento dos RSU são os aterros sanitários, reciclagem, compostagem e a incineração. A distribuição dessas alternativas entre alguns dos principais países do mundo pode ser vista na Tabela 1 (LINO; ISMAIL, 2017). Na Tabela 1, percebe-se que dentre os países avaliados, os EUA e a China apresentam as maiores produções de RSU anual, tendo os dois países o aterro sanitário como principal forma de destinação final dos resíduos gerados. Brasil, Alemanha e Japão apresentam produção de RSU em números gerais relativamente similar, porém estes países adotam estratégias bem diferentes com relação a destinação final; enquanto Japão e Alemanha utilizam em sua totalidade a incineração e reciclagem/compostagem, o Brasil depende quase que unicamente dos aterros sanitários (LINO; ISMAIL, 2017). Dentre as alternativas de tratamento apresentadas na Tabela 1, os aterros sanitários provem a maneira mais fácil e econômica de se dispor de resíduos ao redor do mundo (LAMB et al, 2012). No entanto, este método apresenta vários problemas ambientais, tais como contaminação da superfície e de lençóis freáticos, emissão de gases do efeito estufa e emissão de odores. Outros fatores fazem com que se procurem alternativas para os aterros sanitários, sendo que dentre eles destacam-se: espaço cada vez mais limitado para implantação deste processo, custos de transporte, propagação potencial de patógenos de incidentes biológicos, oposição de moradores vizinhos, entre outros (ZUBERI; ALI, 2015). Devido a estes fatores, muitos países 21 desenvolvidos têm mudado sua forma de disposição final para incineração, além da preferência dada à reciclagem e reutilização (MONNI, 2012). Tabela 1 – Tratamento de RSU em alguns países Ano População (Milhão) RSU (milhão-t /ano) RSU per capita (kg/habitante/dia) Aterro (%) Incineração (%) Reciclagem e compostagem (%) Áustria 2013 8,54 8,14 2,61 4,00 37,00 59,00 Dinamarca 2013 5,67 4,20 2,03 2,00 54,00 44,00 Alemanha 2013 80,69 47,7 1,62 0,00 35,00 65,00 Holanda 2013 16,92 9,8 1,58 1,00 49,00 50,00 Suécia 2013 9,78 4,36 1,22 1,00 50,00 49,00 Suíça 2013 8,30 5,56 1,83 0,00 49,00 51,00 Bélgica 2013 11,22 6,13 1,49 1,00 44,00 55,00 Romênia 2013 19,51 0,78 0,11 97,00 0,00 3,00 Japão 2013 126,57 45,00 0,97 1,00 80,00 19,00 China 2014 1376,05 158,05 0,31 60,00 30,00 10,00 EUA 2014 321,77 273,10 2,32 53,00 12,00 35,00 Brasil 2014 204,45 64,40 0,86 96,10 0,00 3,90 Fonte: Lino e Ismail (2017) Esta tendência, aliada à redução das reservas de combustíveis fósseis e aos problemas relacionados às emissões geradas na sua combustão, levou os países a procurarem alternativas renováveis, como o aproveitamento energético do RSU em centrais térmicas conhecidas como “Waste-to-Energy” (WtE). Nas centrais térmicas WtE, a tecnologia dominante é a incineração com mais de 1400 centrais térmicas no mundo (ARENA; ARDOLINO; GREGORIO, 2017), porém, no século 21, algumas tecnologias inovadoras têm começado a atrair a atenção, impulsionada, principalmente, por uma visão mais sustentável devido a esse processo ainda encontrar como desafio o controle de NOx, SOx, dioxinas e furanos (DONG et al., 2018; CHENG; HU, 2010). Dentre as principais alternativas, destaca-se a gaseificação que conta, atualmente, com mais de 100 centrais térmicas em operação. A gaseificação apresenta algumas vantagens em relação à incineração: maior eficiência na produção de energia, a possibilidade da produção de combustíveis em vez de somente energia e um controle melhor das emissões de poluentes. 22 Segundo Malkow (2004), a redução na emissão de poluentes acontece pelo fato de se reterem álcalis, metais pesados, cloretos e enxofre nos resíduos do processo e também por prevenir a formação de dioxinas e NOx térmico devido a mais baixas temperaturas e ao ambiente redutor. A diferença principal entre o processo de incineração e a gaseificação está na quantidade de oxigênio no ar que é admitido no processo. Enquanto a incineração realiza a combustão em excesso de ar para que o material seja completamente oxidado e a energia seja extraída na forma de calor, a gaseificação acontece em um ambiente com ar ou oxigênio limitado, fazendo com que a combustão ocorra, mas não seja completa (BREEZE, 2019). Assim, o resíduo é convertido em um gás que pode ser utilizado tanto para produção de energia quanto para produção de metano, metanol, dimetil éter, entre outros químicos (ACC, 2013). Em centrais térmicas WtE, o gás produzido é geralmente utilizado como combustível em conjuntos a gás ou motores a combustão interna para a produção de energia elétrica de uma forma mais eficiente (YASSIN et al., 2009). Ferreira e Balestieri (2018) realizaram uma análise comparativa entre estas duas alternativas WtE, sendo as configurações avaliadas com capacidades entre 4 e 11 MW. Um ciclo combinado híbrido queimando RSU em um incinerador concomitantemente com um conjunto a gás queimando biogás de aterros foi comparado a um sistema de gaseificação de RSU com a queima do gás de síntese (syngas) diretamente em um conjunto a gás. Os resultados revelaram que a configuração com gaseificação é mais eficiente que o ciclo híbrido (43% contra 35%). Yassin et al. (2009) realizaram uma análise tecno-econômica de dois sistemas WtE: combustão em leito fluidizado e gaseificação, sendo que para diferentes opções de tratamento do resíduo o estudo concluiu que a gaseificação tem maiores eficiências globais do que os processos de combustão, em especial a gaseificação em leito fluidizado com um ciclo combinado com conjunto a gás. Arena (2012) apresentou uma revisão técnica sobre o processo de gaseificação de resíduos sólidos urbanos, avaliando diferentes aspectos do processo como tipo de reatores e configurações das centrais térmicas. A análise demonstra que a gaseificação é um processo tecnicamente viável, capaz de atingir os limites impostos para emissões de poluentes e com um grande efeito na redução da utilização dos aterros sanitários. Analisando de um ponto de vista de passivo ambiental, Dong et al. (2018) realizaram uma avaliação de ciclo de vida para três diferentes sistemas de conversão térmica (pirólise, gaseificação e incineração). Os resultados encontrados permitem afirmar que a pirólise e a gaseificação em conjunto com um conjunto a gás/ciclo combinado têm o potencial de diminuir 23 as cargas ambientais e atingir eficiências energéticas mais elevadas que os ciclos de incineração. Outro resultado apresentado neste estudo permite assumir a central térmica de gaseificação como a com o menor impacto ambiental com relação a aquecimento global (global warming, GW). Nas diversas maneiras de disposição final dos resíduos e visando buscar soluções para a gestão integrada destes métodos, Balcazar (2014) realizou um estudo de modelagem e otimização que abrange diferentes tecnologias de geração de energia e rotas tecnológicas de processamento e distribuição dos produtos obtidos a partir de resíduos municipais visando maximizar a receita de processamento múltiplo de RSU em três regiões metropolitanas (São Paulo, Campinas, Vale do Paraíba e litoral norte). O modelo utilizado visa alocar em nove diferentes aterros em funcionamento nessas três regiões outras possibilidades para processamento de resíduos, como o tratamento biológico, tratamento térmico e a reciclagem. A estrutura de tratamento térmico utilizada no modelo foi fundamentado em sistemas WtE baseados em ciclos a vapor com incinerador de RSU em comparação com sistemas híbridos (conjuntos a gás queimando gás natural e associados a incinerador de RSU). 1.1 JUSTIFICATIVA Em um aspecto nacional há, ainda, muito a se desenvolver sobre o assunto de aproveitamento energético de RSU, visto que o aterro sanitário é a medida mais adotada para disposição final deste material. A política nacional dos resíduos sólidos (PNRS) afirma que as técnicas de recuperação energética de RSU podem ser usadas, contanto que suas viabilidades técnicas e ambientais sejam garantidas (BRASIL, 2010). A PNRS instituída por meio da Lei 12.305/2010 também destaca a importância da gestão integrada de resíduos sólidos com a adoção e desenvolvimento de tecnologias limpas de maneira a reduzir impactos ambientais. Do discorrido, percebe-se a importância de se estudar tecnologias mais avançadas como a gaseificação frente a tecnologias já estabelecidas como a incineração, de maneira a buscar soluções mais sustentáveis e que sejam viáveis – neste contexto, tal como sugerido por Ferreira e Balestieri (2018), o emprego de sistemas de gaseificação se revela mais atrativo e eficiente que as tecnologias contempladas por Balcazar (2014) para tratamento térmico, devendo ser considerado seu emprego nas rotas de integração das plantas de processamento de resíduos. 24 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 Objetivos gerais Desenvolver a modelagem do ciclo combinado com gaseificação integrada na superestrutura descrita no trabalho realizado por Balcazar (2014), avaliando a decisão sobre as melhores rotas tecnológicas para o gerenciamento de resíduos. Neste trabalho serão utilizadas a superestruturas de processos biológicos e processos renováveis com as mesmas tecnologias apresentadas no trabalho do Balcazar (2014). 1.2.2 Objetivos Específicos  Realizar uma revisão bibliográfica acerca dos tipos de gaseificação, parâmetros e aspectos relevantes do processo e tipos de modelagem de simulação da gaseificação.  Desenvolver um modelo de gaseificação para o RSU a fim de se determinar a composição e propriedades do gás de síntese gerado na queima de combustível derivado de resíduo (CDR).  A partir do modelo estudar parâmetros e variações no processo e seus efeitos na composição e características do gás de síntese gerado. Com as equações e restrições dos modelos, melhorar os parâmetros operacionais através de métodos de otimização.  Modelar um ciclo combinado com gaseificador integrado de RSU a ser inserido na superestrutura térmica.  Avaliar as rotas tecnológicas e o comportamento da megaestrutura com a inserção da tecnologia de gaseificação na superestrutura térmica. 1.3 CONTRIBUIÇÕES E IMPACTOS DA DISSERTAÇÃO A principal contribuição desta dissertação é a apresentação da tecnologia de gaseificação de resíduos sólidos urbanos em um contexto de gerenciamento integrado de resíduos revelando o potencial desta tecnologia através de um modelo de otimização que busca maximizar o lucro das plantas de processamento. Este trabalho faz uma comparação entre a gaseificação e a 25 incineração através da inserção desta tecnologia na superestrutura de tratamentos térmicos proposta por Balcazar (2014). Além do supracitado, a presente dissertação também tem como contribuição a apresentação de um modelo que promove a valorização dos resíduos urbanos, um importante passivo ambiental que deve ser equacionado. Neste modelo tem-se a redução da quantidade de resíduos que seriam aterradas e a geração de energia elétrica através de combustível não fóssil, pontos importantes do ponto de vista ambiental. Do ponto de vista socioeconômico este modelo pode ser visto como fonte geradora de recursos, principalmente através do incentivo à reciclagem. 26 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 GASEIFICAÇÃO NO PROCESSAMENTO DE RESÍDUO Segundo Yadav e Jagadevan (2019) e Kaur et al. (2019), a gaseificação de RSU pode ser definida como o processo termoquímico de conversão de material carbonáceo na presença de uma quantidade de oxidante menor que a estequiométrica para formação de um produto gasoso a alta temperatura; este gás é conhecido como gás de síntese ou syngas. Este processo pode ser auto-térmico, ou seja, parte do combustível é queimado para fornecer o calor necessário para gaseificar o material restante ou alotérmico, no qual o calor é fornecido por uma fonte externa. Há diferentes tipos de gaseificação de RSU, sendo que uma das possíveis classificações destes tipos se refere ao meio oxidante utilizado. Dentre os principais destacam-se: gaseificação a ar, com ar rico em oxigênio, com oxigênio puro, com vapor e a plasma (WATSON et al., 2018; ARENA, 2012). Dependendo do tipo de agente gaseificante utilizado, o processo terá diferentes características. O agente oxidante possibilita, por meio de diferentes reações heterogêneas, que a matéria-prima da gaseificação seja rapidamente convertida em produto gasoso (LEE et al., 2014) A gaseificação a ar (agente do processo) produz um syngas diluído em nitrogênio (não ativo nas reações químicas) e de baixa qualidade com poder calorífico superior na faixa entre 4-7 MJ/Nm³ (SCHUSTER et al., 2001). A gaseificação com ar rico em oxigênio, ou seja, com mais de 21% de O2 no ar, podendo chegar até 50%, tem como objetivo obter um gás com um poder calorífico mais elevado devido à menor quantidade de nitrogênio. O processo com oxigênio puro produz um syngas com nenhum ou quase nenhum teor de nitrogênio, assim possuindo um poder calorífico mais elevado que os anteriores (entre 10 - 15 MJ/Nm³). No entanto, para este processo é necessário realizar investimento em uma unidade de separação de ar para fornecer o oxigênio puro, fazendo com que este processo somente seja viável para operações em grande escala. A gaseificação com vapor de água gera um syngas com alto teor de hidrogênio e com um maior valor de poder calorífico (faixa entre 15 - 20 MJ/ Nm³), sendo que para este processo é necessário fornecer calor, visto que não há reações exotérmicas (ARENA, 2012). Segundo Arena (2012), o processo de gaseificação é composto de reações endotérmicas e exotérmicas que acontecem de maneira sucessiva e repetidamente; o processo acontece em diferentes etapas, tais como aquecimento e secagem, volatização (pirólise) e reações químicas (gás-sólido e fase gás). A etapa de aquecimento e secagem ocorre em temperaturas de até 160º 27 C, fase em que acontece a evaporação de parte da umidade contida no resíduo. A pirólise ocorre em temperaturas de até 700º C; nesta etapa são formados gases permanentes (H2, CO, CO2, CH4, H2O), alcatrão (vapores de hidrocarbonetos condensáveis) e char (o resíduo sólido restante volatizado, que consiste principalmente de carbono fixo e cinzas). Parte dos vapores passa por um processo de craqueamento térmico em gás e char. A última etapa de reações químicas acontece em um ambiente redutor, com quantidade de oxigênio muito abaixo da estequiométrica (entre 25% a 50%) (ARENA, 2012). No processo auto-térmico, a combustão parcial dos gases combustíveis, vapores e resíduo carbonáceo (char) provê o calor necessário para o craqueamento térmico do alcatrão (Tar) e hidrocarbonetos e para gaseificação do char, mantendo a temperatura operacional do gaseificador. Existem diferentes tecnologias para gaseificação de resíduos sólidos urbanos comercialmente disponíveis. Estas tecnologias utilizam diferentes tipos de reatores que serão discutidos a seguir. - Gaseificador de leito fixo: Nestes reatores, o resíduo preenche quase que a totalidade do reator, podendo-se distinguir diferentes zonas que se movem para cima ou para baixo. Há dois tipos de gaseificadores de leito fixo, downdraft e updraft. No downdraft, o resíduo é alimentado pela parte superior do reator e o agente gaseificante pela parte superior ou lateral, ou seja, o resíduo e gases movem-se na mesma direção. O tamanho e portabilidade deste tipo de reator são algumas de suas vantagens. No entanto, apresenta como desvantagens o fato de necessitar a separação do material de alimentação e que o resíduo tenha um baixo teor de umidade. Este tipo de gaseificador é utilizado para baixas capacidades (menores que 1 MW) e é muito sensível às características do combustível, o que faz com que seja raramente aplicado para RSU ou outros tipos de resíduos (LARS WALDHEIM, 2018). No gaseificador updraft, o resíduo é alimentado pelo topo do reator e o oxidante pela parte inferior, e desse modo o resíduo se move no sentido contrário aos gases, que secam o resíduo; assim, para este tipo de gaseificador é possível utilizar resíduo com maior percentual de umidade. Os gases deixam o gaseificador neste modelo com temperaturas relativamente baixas, o que faz com que o processo apresente elevada eficiência térmica, diferentemente do downdraft, no qual os gases deixam o gaseificador com altas temperaturas. No gaseificador updraft, o alcatrão formado na zona de pirólise é arrastado pelos gases antes de ser craqueado, fazendo com que o syngas produzido apresente uma elevada concentração deste componente, na ordem de 40-100 g/Nm³ (BELGIORNO et al., 2003; LARS WALDHEIM, 2018). A Figura 1 apresenta uma representação esquemática destes dois tipos de 28 gaseificadores de leito fixo contendo as principais zonas de reação nestes equipamentos. Figura 1 - Tipo de gaseificadores de leito fixo Fonte: Adaptado de Dutta e Acharya (2011) Gaseificador de leito fluidizado: O gaseificador de leito fluidizado pode ser do tipo borbulhante ou circulante. No gaseificador de leito fluidizado borbulhante, o fluxo de gases oxidante é soprado na direção ascendente e permeia o material inerte contido no leito; o resíduo é colocado em contato com este material no leito do reator. A velocidade do fluxo de gases é tal que dá às partículas do leito uma característica de fluido, o que favorece a mistura e o contato gás-sólido. Para este tipo de reator, a velocidade do fluxo de gases estará, tipicamente entre 1 e 2 m/s e não há arraste de material (WIDELL, 2013). Um esquema deste tipo de gaseificador é apresentado na Figura 2. Figura 2 - Esquema de um gaseificador em leito fluidizado Fonte:Lima et al. (2017) 29 As reações de gaseificação neste reator ocorrem logo acima do leito, na região de máxima turbulência (induzido pela erupção das bolhas) e as temperaturas de reação devem ser limitadas de forma a não haver fusão e sinterização das cinzas. Uma característica deste tipo de reator é que ele não contém partes móveis fazendo com que a sua manutenção seja mais barata e simples. O tipo circulante apresenta velocidades do fluxo de gases acima da velocidade terminal dos sólidos, o que faz com que uma grande quantidade de partículas seja arrastada do leito. Para que o regime seja considerado permanente é necessário um ciclone para captar o material arrastado e que este material seja retornado ao leito. A principal vantagem do tipo circulante é sua capacidade de processar diferentes matérias primas com composições variáveis e umidade. Gaseificador de fluxo arrastado: São geralmente operados a altas pressões (25 bar), podem processar carvão e mistura de resíduos de plásticos, pois esses materiais podem formar uma polpa/lama de maneira a se obter um combustível sólido que possa ser alimentado a altas pressões de forma barata e com um conteúdo energético capaz de manter as reações de gaseificação. Neste tipo de gaseificador é utilizada uma mistura de água com pequenas partículas de combustível (triturado) de maneira a formar uma lama, que é alimentada no gaseificador com o agente gaseificante pressurizado; uma chama na parte superior do gaseificador é responsável por queimar parte do combustível de forma a fornecer calor e manter altas temperaturas (1200 - 1500 ºC). Nesta temperatura, as cinzas são derretidas e descarregadas na câmara de resfriamento. O esquema descrito anteriormente é apresentado na Figura 3. Figura 3 – Gaseificador de fluxo arrastado Fonte: Cruz e Oliveira (2016) 30 Gaseificador de forno rotativo: Este tipo de gaseificador apresenta como principais objetivos mover sólidos na zona de reação à alta temperatura e misturar os sólidos, processando quase todo tipo de resíduo, indiferentemente do tipo e composição. O forno é composto de uma casca cilíndrica de metal revestida com material refratário resistente à abrasão de forma a prever o sobreaquecimento do metal. A velocidade de rotação controla o movimento dos sólidos que estão sendo processados, conforme apresentado na Figura 4. Figura 4 – Gaseificador de forno rotativo Fonte: Cruz e Oliveira (2016) Gaseificador a plasma: Processa resíduos não tratados e o reator utilizado frequentemente é de leito móvel. O resíduo entra em contato com um plasma gerado eletricamente por uma tocha de plasma localizada na região inferior do gaseificador, fazendo com que a parte orgânica do resíduo seja convertida em syngas e a parte inorgânica seja vitrificada em escória inerte. As unidades de gaseificação a plasma requerem um alto gasto de eletricidade para operar as tochas de plasma, em torno de 15-20% da potência bruta da central térmica. Um esquema deste tipo de gaseificador é apresentado na Figura 5. Além dos tipos de agentes gaseificantes utilizados e dos diferentes tipos de reatores, alguns parâmetros operacionais e de desempenho de processos devem ser considerados, sendo descritos a seguir os mais importantes. Razão de equivalência (ER) é a relação entre a quantidade de oxigênio no oxidante e a quantidade necessária para combustão completa estequiométrica (ARENA, 2012). Este parâmetro é um dos mais importante no processo de gaseificação, pois afeta a composição e rendimento do gás resultante e o conteúdo de alcatrão. 31 Uma razão de equivalência igual a zero indica uma condição de pirólise, enquanto que, valores próximos a um indicam uma condição de combustão. Para gaseificação, a razão de equivalência geralmente assume valores na ordem de 0,25 a 0,35 (ARENA, 2012). Figura 5 – Gaseificador a plasma Fonte:Helsen e Bosmans (2010) A temperatura do reator é um parâmetro importante tanto para gaseificação alotérmica (ou indireta, com fonte de energia externa) como para gaseificação auto-térmica. A temperatura pode afetar o estado das cinzas e o conteúdo de alcatrão no syngas, observando-se que o tempo de residência dos gases e do resíduo é um parâmetro que dependerá do tipo do reator. As propriedades e composição dos resíduos no processo de gaseificação são importantes, como poder calorífico, composição elementar, conteúdo de umidade, conteúdo de material volátil, outros contaminantes, densidade e tamanho. No processo de gaseificação, algo comum que tem sido feito é a utilização de combustível derivado de resíduos (CDR). O CDR é oriundo de resíduos não perigosos, com valor energético, que tenha passado por um pré-tratamento de segregação, trituração e mistura, de forma a obter um material com característica homogênea. Este material é geralmente constituído de plástico, borracha, papel, madeira, entre outros, que não sejam viáveis para o processo de reciclagem ou que tenham sido rejeitados por este processo. A composição e temperatura do agente gaseificante são parâmetros que afetam os 32 balanços de massa e energia no reator e também a distribuição de temperatura ao longo do gaseificador. Além destes parâmetros operacionais é importante conhecer alguns parâmetros de eficiência do processo de gaseificação, os quais são: Eficiência de gás frio, sendo definido como a razão da energia química do gás de síntese (vazão volumétrica do gás de síntese gerado pelo poder calorífico deste gás, �̇�𝑠𝑖𝑛) e a energia química do resíduo fornecido à planta (vazão volumétrica do resíduo fornecido à planta pelo poder calorífico do resíduo, �̇�𝑟𝑒𝑠) , ou seja, EGF = �̇�𝑠𝑖𝑛PCIsing / �̇�𝑟𝑒𝑠PCIres. Este parâmetro não leva em conta o calor sensível do gás, somente sua energia química. Eficiência do gás quente, diferentemente da eficiência de gás frio, leva em conta o calor sensível do gás e do resíduo, ou seja, EGQ = (Csaida+ �̇�𝑠𝑖𝑛PCIsin) / (�̇�𝑟𝑒𝑠PCIres+Centr), no qual Csaida é o calor sensível do gás produzido e Centr é o calor sensível do resíduo. Eficiência de conversão de carbono, sendo um parâmetro que quantifica a razão entre a conversão do carbono em produtos gasosos e o carbono contido nos resíduos fornecido à planta, ou seja, ECC = (�̇�𝑠𝑖𝑛Ccarbono_syngas) / (�̇�𝑟𝑒𝑠Ccarbono_resíduo), no qual Ccarbono_syngas é a fração de carbono presente no syngas, excluindo-se o presente no alcatrão e cinzas, e Ccarbono_residuo é a fração de carbono presente no resíduo. O conteúdo de alcatrão é um elemento que se forma no processo de gaseificação, sendo um dos principais impeditivos ao uso desta tecnologia em escala industrial. O alcatrão é uma mistura complexa de hidrocarbonetos pesados, tais como hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, podendo causar problemas como entupimento da tubulação e de equipamentos, reduzindo assim a eficiência do processo. Por essa razão, esse se torna um parâmetro fundamental no processo, uma vez que, conhecendo o conteúdo de alcatrão da gaseificação, é possível definir o equipamento de conversão de energia que pode ser utilizado e as tecnologias necessárias para limpeza do syngas produzido. 2.2 MODELOS DE SIMULAÇÃO DO GASEIFICADOR No processo de gaseificação, qualquer variação dos parâmetros operacionais mencionados anteriormente pode afetar a composição final do gás produzido e o desempenho do gaseificador. A composição da matéria-prima também é um fator que influencia fortemente o sistema e a composição do syngas, de tal modo que o processo de experimentação para achar as condições ótimas para um reator específico acaba se tornando muito custoso e demorado. 33 Torna-se, assim, importante estudar modelos matemáticos que simulem o comportamento do gaseificador com vistas a otimizar sua operação e projeto sem a necessidade de recorrer a experimentação física. De acordo com Basu (2010), existem quatro diferentes tipos de grupos de modelos de simulação de gaseificador: equilíbrio termodinâmico, equilíbrio cinético, dinâmica dos fluidos computacional (DFC) e rede neural artificial, cada uma com suas vantagens e dificuldades, conforme será discutido a seguir. 2.2.1 Modelo de equilíbrio termodinâmico O modelo de equilíbrio termodinâmico considera uma quantidade infinita de tempo para as reações nos gaseificadores acontecerem, deste modo prevendo o rendimento máximo atingível do produto desejado (BASU, 2010). Este modelo utiliza os conceitos de termodinâmica e de equilíbrio químico, como a busca da minimização da energia livre de Gibbs e as constantes de equilíbrio. Algumas suposições comumente adotadas nesta abordagem de modelagem são: condição de regime permanente, reator e reações consideradas zero-dimensionais e longo tempo de residência. Devido a essas características, este modelo é considerado uma maneira simples, porém útil, de estimar o processo de gaseificação; no entanto, apresenta desvantagens, tais como o fato de não levar em consideração parâmetros relacionados à geometria do reator ou à hidrodinâmica (como altura do gaseificador e velocidade de fluidização), dentre outros. Uma característica dos modelos de equilíbrio termodinâmico é que eles superestimam a geração de elementos como H2 e CO e subestimam a de CO2 e não consideram no fluxo de saída de gases elementos como CH4, alcatrão e carvão (GÓMEZ-BAREA; LECKNER, 2010). Os modelos de equilíbrio termodinâmico podem ser utilizados de forma a obter resultados consideravelmente precisos para simulação de gaseificadores de fluxo arrastado, em simuladores de processos químicos, ou para gaseificadores de leito fixo concorrentes, considerando que se tenham altas temperaturas e alto tempo de residência. Para que se possa modelar gaseificadores de leito fixo contracorrente, de leito fluidizado de duplo e único estágio, é necessário realizar modificações no modelo de equilíbrio (VILLANUEVA, 2010). O modelo de equilíbrio termodinâmico pode ser abordado utilizando-se dois métodos diferentes, conhecidos como não-estequiométrico e estequiométrico. 34 2.2.1.1 Método estequiométrico Neste caso, o modelo inclui as reações químicas e as espécies envolvidas, sendo baseado no balanço estequiométrico de elementos como carbono, hidrogênio, oxigênio ou, ainda, outros elementos relevantes. Elementos que estão presentes no gás resultante em pequenas quantidades são geralmente desconsiderados do balanço (BASU, 2010). O modelo pode considerar ou a reação de gaseificação global, ou cada um dos processos de gaseificação (secagem, pirólise, oxidação e redução). Um exemplo da abordagem da reação global é apresentada pela equação (1). 𝐶𝐻𝑥𝑂𝑦 + 𝑤𝐻2𝑂 + 𝑎(𝑂2 + 3,76𝑁2) ↔ 𝑛𝑐𝐶 + 𝑛𝐻2 𝐻2 + 𝑛𝐶𝑂𝐶𝑂 + 𝑛𝐶𝑂2 𝐶𝑂2 + 𝑛𝐶𝐻4 𝐶𝐻4 + 𝑛𝐻2𝑂𝐻2𝑂 + 3,76𝑎𝑁2 (1) Esta equação representa a reação de gaseificação de um mol de biomassa (𝐶𝐻𝑥𝑂𝑦) com “w” mols de água/vapor e na presença de “a” mols de ar (𝑂2 + 3,76𝑁2). A formulação conta com seis incógnitas, sendo necessário dispor do mesmo número de equações distintas para resolver o sistema. Três destas seis incógnitas ( 𝑛𝑐 , 𝑛𝐻2 , 𝑛𝐶𝑂 , 𝑛𝐶𝑂2 , 𝑛𝐶𝐻4 , 𝑛𝐻2𝑂) podem ser encontradas ao aplicar um balanço de massa dos átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio por meio das equações (2) a (4): Balanço de carbono: 𝑛𝑐 + 𝑛𝐶𝑂 + 𝑛𝐶𝑂2 + 𝑛𝐶𝐻4 = 1 (2) Balanço de hidrogênio: 2𝑛𝐻2 + 4𝑛𝐶𝐻4 + 2𝑛𝐻2𝑂 = 𝑥 + 2𝑤 (3) Balanço de oxigênio: 𝑛𝐶𝑂 + 2 𝑛𝐶𝑂2 + 𝑛𝐻2𝑂 = 𝑦 + 𝑤 + 2𝑎 (4) As outras três equações podem ser determinadas ao se utilizar o conceito de equilibro de reações e de constantes de equilíbrio, cujo processo de gaseificação pode ser representado por um grupo de diferentes equações, das quais as principais são de carbono, oxidação, shift, formação de metano e reação de reforma de vapor. De todos estes tipos diferentes de equações, as principais são Boudouard, gás-água, hidrogaseificação (todas reações de carbono) e troca gás água de vapor (shift). As constantes de equilíbrio, representada por “kíndice”, e as respectivas reações são apresentadas pelas equações (5) a (8), para um gaseificador a pressão P. kboud = nCO 2 nC nCO2 ( 𝑃 𝑃0 ) 2−1−1 ; C + CO2 → 2CO (5) ka−g = nH2nCO nC nH2O ( 𝑃 𝑃0 ) 1+1−1−1 ; C + H2O → CO + H2 (6) 35 khidr = nCH4 nC n2 H2 ( P P0 ) 1−2−1 ; 𝐶 + 2𝐻2 → 𝐶𝐻4 (7) ktroca = nH2nCO2 nCOnH2O ( P P0 ) 1+1−1−1 ; 𝐶𝑂 + 𝐻2𝑂 → 𝐶𝑂2 + 𝐻2 (8) Na qual P0 é a pressão padrão a 1 atm. Resolvendo estes dois conjuntos de equações, a composição do gás resultante no estado de equilíbrio é determinada. A temperatura adiabática do sistema pode ser encontrada ao se aplicar um balanço de energia na gaseificação de reação por meio da equação (9) (BASU, 2010). ∑ 𝑛𝑖𝑖 [ℎ𝑓,𝑖 0 + 𝛥𝐻298 𝑇 ]i, reagentes = ∑ ni[hf,i 0 +i 𝛥H298 T ]i, produtos (9) 2.2.1.2 Método não-estequiométrico Este método é baseado na minimização da energia livre de Gibbs (condição de equilíbrio estável) e não requer conhecimento de quaisquer reações ou espécies de mecanismos específicos. Este é um método útil quando a fórmula química da biomassa não é conhecida. No entanto, é necessário conhecer a composição elementar do combustível, que pode ser obtido através de sua análise elementar. A energia livre de Gibbs, Gtot, para o produto da gaseificação composto de N espécies (i = 1, … , N), é deduzida na equação (10) (RASUL, 2017). 𝐺𝑡𝑜𝑡 = ∑ 𝑛𝑖𝐺𝑓,𝑖 0𝑁 𝑖=1 + ∑ 𝑛𝑖𝑅𝑇𝑙𝑛( 𝑛𝑖 ∑ 𝑛𝑖 )𝑁 𝑖=1 (10) na qual, 𝐺𝑓,𝑖 0 é a energia livre de Gibbs de formação da espécie i em pressão normal e R é a constante do gás. O primeiro passo é minimizar a equação (10) resolvendo-a para os ni valores desconhecidos, considerando-se também o balanço de massa dos elementos individuais. Para cada elemento j, o balanço pode ser descrito como apresentado na equação (11). ∑ 𝑎𝑖,𝑗 𝑁 𝑖=1 𝑛𝑖 = 𝐴𝑗 (11) no qual Aj é o número total de átomos do j-ésimo elemento no reator; ai,j é o número de átomos do j-ésimo elemento na i-ésima espécie; ni é tal que Gtot será mínimo. Para resolver tais equações, um possível método é o do multiplicador de Lagrange (BASU, 2010), o qual pode ser definido como 𝐿 = 𝐺𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 − ∑ 𝜆𝑗𝐾 𝑖=1 (∑ 𝑎𝑖,𝑗𝑛𝑖 − 𝐴𝑖 𝑁 𝑖=1 ) (12) 36 no qual L é a função lagrangiana e 𝜆𝑗 é o multiplicador de Lagrange. Para encontrar o ponto extremo, ou seja, o equilíbrio, a derivada parcial da função lagrangiana deve ser zero. 𝜕𝐿 𝜕𝑛𝑖 = 0 (13) Os últimos passos para chegar na equação da energia livre de Gibbs são: 1º - substituir a equação (10) na equação (12); 2º - dividir a equação (12) por R (J/ mol-1 K-1) T (K) e 3º - realizar a sua derivada parcial como deduzido na equação (14). ( 𝜕𝐿 𝜕𝑛𝑖 ) = 𝐺𝑓,𝑖 0 𝑅𝑇 + ∑ 𝑙𝑛 ( 𝑛𝑖 𝑛𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 ) + 1 𝑅𝑇 ∑ 𝜆𝑖 𝐾 𝑗=1 𝑁 𝑖=1 (∑ 𝑎𝑖𝑗𝑛𝑖)𝑁 𝑖=1 = 0 (14) Apesar das diferenças entre os métodos descritos acima, as duas abordagens são essencialmente equivalentes, segundo Smith e Missen (1982); no entanto, o método não estequiométrico é mais utilizado para modelagem do equilíbrio termodinâmico da gaseificação. Pesquisas utilizando o modelo do equilíbrio termodinâmico são bem representadas na literatura técnica de gaseificação e, dentre as principais, destacam-se algumas com boa aderência a esta pesquisa. Arafat e Jijakli (2013) analisaram o potencial da gaseificação a ar versus a incineração para recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos (considerando cada um dos seus componentes individualmente, ou seja, papel, plástico, material têxtil, madeira, restos de comida, resíduos de jardim e o resíduo como um todo). De modo a avaliar este potencial, os produtos da gaseificação foram modelados sob diferentes parâmetros operacionais empregando-se a abordagem do equilíbrio termodinâmico para modelagem e o método estequiométrico. Em tal trabalho, uma função solver baseado no MATLAB, o Gasify (V2.01), um software com modelo de gaseificação integrado, foi utilizado para testar o processo de gaseificação para estes diferentes materiais em dada faixa de temperatura. Os resultados do modelo foram comparados com resultados disponíveis para um processo de gaseificação experimental registrado na literatura, atestando-se uma boa aproximação do modelo para temperaturas elevadas. Outro resultado interessante permite deduzir que a temperatura influencia os produtos da gaseificação – quanto mais alta for a temperatura, menor será a quantidade de combustíveis como H2 e CH4 e maior será a quantidade de O2, H2O e CO2. Com relação ao potencial da gaseificação frente à incineração, a partir do trabalho desenvolvido pode-se afirmar que a 37 incineração irá produzir mais energia do que a gaseificação devido ao pré-tratamento que o syngas tem que passar antes de ser utilizado para geração de energia, o que ocasiona a redução na eficiência. No entanto, esse resultado foi obtido ao se considerar uma eficiência elétrica (rendimento térmico tomando como base a potência elétrica líquida) para a central térmica de gaseificação de 20%. O potencial da incineração versus a gaseificação vai depender das tecnologias utilizadas para converter o resíduo em energia. Em contrapartida, Ferreira e Balestieri (2018) realizaram uma análise comparativa de diferentes possibilidades de tecnologias WtE, composta de três configurações de ciclos híbridos, com um conjunto a gás queimando biogás de aterro e um incinerador queimando resíduo sólido, e um ciclo combinado com gaseificação integrada. Os resultados do trabalho permitem afirmar que o ciclo combinado com gaseificação integrada (IGCC) apresentou rendimento térmico mais alto quando comparado com o ciclo híbrido (43% contra 35%), menor custo de produção de energia e melhor eficiência de conversão de RSU. Gallego et al. (2019) propuseram a modelagem e simulação no software Engineering Equation Solver (EES) de um ciclo combinado composto de um motor de combustão interna queimando biogás com um sistema de gaseificação de RSU acoplado a um sistema para queimar o syngas gerado. O RSU utilizado como matéria prima do processo de gaseificação passa por um processo de tratamento, onde é secado, separado dos materiais não combustíveis e vidros, sendo a fração restante triturada. O método não-estequiométrico de equilíbrio termodinâmico foi utilizado para modelar a gaseificação a ar. A composição do syngas foi determinada em uma temperatura constante de 800 ºC. As correlações empíricas do trabalho realizado por Li et al. (2004) foram utilizadas para modificar o modelo termodinâmico a fim de se estimar os volumes de CH4 e de carbono não convertido. Xu et al. (2017) realizaram uma análise termodinâmica da gaseificação de RSU de forma a melhor entender a influência de certos parâmetros operacionais, tais como temperatura, razão vapor-RSU e agente gaseificante no processo; diferentes tipos de RSU foram empregados como matéria-prima para gaseificação (restos de comida, resíduos verdes ou biológicos, papel, material têxtil, borracha, plástico livre de cloro e RSU efetivamente) e três diferentes agentes gaseificantes foram testados (ar, vapor e hidrogênio). Um modelo de equilíbrio termodinâmico (baseado no método estequiométrico) foi desenvolvido para estimar o desempenho da gaseificação. Os resultados encontrados permitem afirmar que destes diferentes tipos de resíduos, para a gaseificação a vapor, uma variação na temperatura do vapor (de 973 K para 2273 K) levaria a um aumento linear na temperatura do reator. 38 Quanto ao rendimento dos principais produtos gasosos, Xu et al. (2017) constataram que existe uma temperatura do vapor utilizado como agente gaseificante (1650 K) que irá gerar uma quantidade máxima de H2 e CO2 e mínimo de CH4. Também foi possível deduzir que o efeito da razão vapor-RSU no rendimento dos produtos gasosos é muito próximo ao efeito da temperatura de vapor. Quando utilizado o hidrogênio como agente gaseificante, os produtos gasosos obtidos tiveram a maior quantidade de H2 e CO; por sua vez, gaseificação a ar tem a maior eficiência energética, consumindo a menor quantidade de energia dentre os três tipos de agentes gaseificantes, enquanto que a gaseificação a vapor produziu resultados intermediários entre as duas outras opções mencionadas Mozafari et al. (2017) avaliaram a termólise e a gaseificação a ar de resíduos de pneu e o efeito da pressão, temperatura e a razão ar combustível nestes processos. Um modelo de equilíbrio termodinâmico não estequiométrico foi utilizado para predizer o produto final. Para validar o modelo, os resultados foram comparados com dados da literatura, concluindo-se que o mesmo poderia ser considerado um bom ajuste para ambos os processos (termólise e gaseificação). Fortunato et al. (2017) utilizaram o modelo de equilíbrio termodinâmico não estequiométrico para implementar um modelo de gaseificador co-corrente no software Cycle- Tempo; o diferencial deste trabalho está no fato do modelo ser capaz de operar com diferentes tipos de biomassas em termos de composição, granulometria e conteúdo de cinzas, predizendo com maior precisão a fração molar de metano no syngas gerado. Este modelo foi desenvolvido considerando-se três diferentes reatores (para pirólise, oxidação e redução). Outros fatores considerados foram a extração parcial do conteúdo inicial de carbono (5% em massa) para formação de char e a extração parcial de metano. O resultado foi uma boa aproximação do modelo criado com os dados experimentais encontrados na literatura. Um fator importante a se considerar para utilização do syngas em aplicações posteriores é a presença de impurezas como alcatrão, particulado, HCL, cloretos alcalinos dentre outras. É importante que se pesquise e que se desenvolvam novas tecnologias visando realizar a purificação do syngas com maior eficiência na remoção de alcatrão, maior aproveitamento do syngas e maior rendimento de gás frio. Neste sentido, Chan et al. (2019) desenvolveram uma análise experimental e teórica de um processo de purificação multi-estágio do syngas quente. Resíduo sólido urbano na forma de CDR foi processado em um gaseificador de leito fixo tipo concorrente, sendo o sistema de purificação do syngas gerado composto de um reformador catalítico de alcatrão de leito fluidizado, um filtro de particulado e reator de leito fixo para 39 descloração e dessulfuração. Um modelo de equilíbrio termodinâmico não estequiométrico foi desenvolvido no software HCS Chemistry 9.0; a partir deste modelo, pode-se perceber uma diferença entre as propriedades do syngas não purificado, o tratado e o teórico, o que evidenciou a presença de restrições cinéticas na gaseificação e no sistema de purificação. Os resultados encontrados para o syngas purificado foram os que mais se assemelharam aos valores teóricos, obtidos a partir do equilíbrio termodinâmico. Puig-Arnavat et al. (2012) desenvolveram um modelo em regime permanente de equilíbrio termodinâmico modificado baseado nas constantes de equilíbrio. Em um primeiro momento foi desenvolvido um modelo de equilíbrio termodinâmico “puro”, baseado em balanços de massa e energia e associado com o equilíbrio químico na fase gasosa, empregando as reações de troca gás-água e a reação de formação de metano. No entanto, tal modelo apresenta predições inconsistentes para certos elementos, exigindo que se fizessem modificações no modelo (como adicionar uma unidade de pirólise) utilizando-se correlações para prever a formação de gás, carvão e voláteis nesta etapa do processo. Consideraram-se também, dentre outras modificações, perdas de calor nas unidades de gaseificação e pirólise, geração de alcatrão e carvão como produtos da gaseificação com base na quantidade gerada desses elementos na unidade de pirólise adicionada. O modelo de Puig-Arnavat et al. (2012) construído no software EES foi capaz de predizer a composição do gás produzido, rendimento e poder calorífico para certas biomassas com determinadas composições e conteúdo de umidade. Para testar a validade do modelo, foram comparados os resultados obtidos com dados experimentais para diferentes reatores e biomassas publicados. O modelo de equilíbrio termodinâmico modificado pelos autores revelou-se capaz de gerar bons resultados e com considerável precisão. Villanueva Perales et al. (2008) avaliaram as consequências de se considerar o modelo de equilíbrio para os principais tipos de gaseificadores, fornecendo diretrizes para as estratégias de modelagem a serem adotadas para os gaseificadores de fluxo arrastado, de leito fluidizado simples e duplo e leito fixo. Concluiu-se que o equilíbrio químico é uma boa abordagem para os gaseificadores de fluxo arrastado quando analisados em simuladores de processo químico. O mesmo pode ser concluído para os gaseificadores de leito fixo concorrente quando se conta com elevadas temperatura e tempo de residência de gases na zona da garganta. Por sua vez, para os gaseificadores de leito fixo contracorrente e de leito fluidizado simples e duplo, indicam-se modelos revisados de equilíbrio. Apesar das diferentes abordagens, observou-se uma tendência no emprego da modelagem 40 de equilíbrio termodinâmico, seja o método estequiométrico ou não-estequiométrico devido, principalmente, a sua simplicidade e considerável precisão. Destaca-se também a utilização de diferentes softwares pelos pesquisadores como Gasify, EES, HCS Chemistry e Cycle-Tempo. 2.2.2 Modelo de equilíbrio cinético O modelo de equilíbrio termodinâmico muitas vezes fornece uma previsão para composição do gás que varia com relação às medições nos gaseificadores. A variação encontrada é um indicativo de que o modelo de equilíbrio termodinâmico tem suas limitações e pode não ser o modelo mais adequado para modelagem do processo de gaseificação, sendo necessário utilizar modelos cinéticos que melhor representam o comportamento do gaseificador. O modelo de equilíbrio cinético, diferentemente do modelo termodinâmico, considera um tempo finito para determinação da composição dos produtos gasosos gerados no gaseificador. Desse modo, este modelo é mais adequado para aplicações práticas, visto que as reações não possuem uma quantidade infinita de tempo para acontecer. Outra diferença entre os modelos está no fato que o modelo de equilíbrio cinético leva em consideração a cinética de reação dentro do gaseificador assim como sua hidrodinâmica (MUTLU; ZENG, 2020). A cinética de reação está relacionada à hidrodinâmica do leito e aos balanços de massa e energia com a finalidade de obter os rendimentos de gás, alcatrão e carvão; a hidrodinâmica do reator, por sua vez, está relacionada ao processo de mistura física. Este modelo é capaz de prever a composição do gás e a temperatura dentro do gaseificador, assim como o desempenho geral do gaseificador. Em baixas temperaturas (menores que 800 ºC), o modelo cinético é mais preciso e viável devido, principalmente, à taxa de reação ser muito baixa, fazendo com que o tempo de residência requerido para conversão completa seja longo (ALTAFINI et al., 2003). Para temperaturas mais elevadas, nas quais a taxa de reação é mais alta, o modelo de equilíbrio termodinâmico é mais apropriado. No decorrer do processo de gaseificação de biomassa, a partícula pode sofrer ou uma redução de tamanho com manutenção da densidade ou passar por uma redução na massa específica com manutenção do tamanho; independentemente do caso, a taxa da reação de gaseificação do carvão está relacionada à área da superfície do carvão de biomassa. A taxa de 41 reação pode ser baseada também no volume do reator no caso de uma reação constituída somente de carvão (BASU, 2010). Desse modo, podem-se considerar três modelos para reação de gaseificação de carvão para biomassa: modelo de encolhimento do núcleo, modelo do encolhimento da partícula e modelo de taxa de reação volumétrica. Existem, também, modelos baseados na hidrodinâmica do reator, podendo ser zero dimensional (reator perfeitamente agitado), unidimensional (reator de fluxo em pistão), bidimensional e tridimensional que possuem sofisticação e precisão crescente. Diferentemente de outros métodos, o modelo de equilíbrio cinético é sensível ao processo de contato gás-sólido que acontece no gaseificador, podendo-se dividi-lo em 3 grupos, (i) leito fixo ou móvel, (ii) leito fluidizado, e (iii) fluxo arrastado (BASU, 2010). Apesar de serem precisos e detalhados, os modelos de equilíbrio cinético requerem significativa capacidade computacional; a complexidade do modelo aumenta com o tipo de saída desejada do modelo. No entanto há maneiras de se reduzir a complexidade do modelo ao se fazer suposições simplificadoras. Serão apresentados a seguir exemplos de como o modelo pode ser aplicado para modelagem em diferentes reatores. 2.2.2.1 Gaseificadores de leito móvel / fixo A modelagem deste tipo de gaseificador pode assumir as seguintes suposições:  Gaseificador radialmente uniforme, ou seja, não há variação de concentração ou temperatura na direção radial.  Nos gaseificadores de corrente ascendente, os sólidos se movem para baixo em um fluxo em pistão.  O gás formado flui no sentido contrário ao sólido na direção ascendente, também em um fluxo em pistão.  O intercâmbio entre duas fases acontece por difusão. Com base em tais suposições, pode-se escrever a o balanço de massa de uma espécie de gás j de acordo com a equação (15) (SOUZA-SANTOS, 2010). 𝑢𝑔 𝑑𝜌𝑔,𝑗 𝑑𝑧 = 𝐷𝑔,𝑗 𝑑2𝜌𝑔,𝑗 𝑑𝑧 2 + 𝑅𝑚,𝑗 (15) 42 na qual 𝑢𝑔, é a velocidade superficial do gás, z é a distância, 𝜌𝑔,𝑗 é a massa especifica do j- ésimo gás e 𝐷𝑔,𝑗 é a difusividade do j-ésimo gás. 𝑅𝑚,𝑗 é a produção ou consumo do j-ésimo elemento de gás e é relacionada a Qgaseificação - calor de geração ou absorção. Da mesma maneira um balanço de energia para o gaseificador na direção z pode ser escrito como apresentado na equação (16). 𝜌𝑔𝐶𝑝𝑔𝑢𝑔 𝑑𝑇 𝑑𝑧 = 𝜆𝑔 𝑑2𝑇 𝑑𝑧 2 + 𝑄𝐺𝑎𝑠𝑒𝑖𝑓𝑖𝑐𝑎çã𝑜 + 𝑄𝑐𝑜𝑛𝑣 + 𝑄𝑟𝑎𝑑 + 𝑄𝑚𝑎𝑠𝑠𝑎 (16) na qual, 𝑄𝐺𝑎𝑠𝑒𝑖𝑓𝑖𝑐𝑎çã𝑜, 𝑄𝑐𝑜𝑛𝑣, 𝑄𝑟𝑎𝑑 , 𝑄𝑚𝑎𝑠𝑠𝑎 são os fluxos de calor líquido para o elemento devido à gaseificação, convecção, radiação e transferência de massa, respectivamente; 𝜌𝑔 , 𝐶 𝑝𝑔 𝑒 𝜆𝑔 são a massa especifica, calor específico e condutividade térmica do gás, respectivamente. Essas equações podem ser resolvidas simultaneamente. 2.2.2.2 Gaseificadores de leito fluidizado Para o gaseificador de leito fluidizado existem diversas versões possíveis de modelos. A modelagem desses gaseificadores requer várias suposições com relação a hidrodinâmica do leito fluidizado em termos de transferência de massa e calor e fluxo de gás através do leito. A hidrodinâmica do leito acaba influenciando as reações químicas na superfície da biomassa. Algumas das versões de modelos possíveis são (BASU,2010):  Leito fluidizado borbulhante de 2 fases (fase de bolha e emulsão)  Leito fluidizado borbulhante de 3 fases (fase de bolha, nuvem e emulsão)  Leito fluidizado dividido em seções ou fatias  Estrutura núcleo-anel. Nesses tipos de modelos de leito fluidizado, a simplificação acontece ao não se considerar a complexidade da dinâmica gás-sólido, porém, mantendo os efeitos fluidodinâmicos ao se considerar as diferentes fases e regiões no reator. Por sua vez, o escoamento de gás através do leito nestes modelos pode ser considerado como:  Fase de bolha como fluxo em pistão e fase de emulsão como gás idealmente misturado  Ambas as fases como gases idealmente misturados  Ambas as fases como fluxo em pistão, com trocas entre as duas fases 43  Fluxo em pistão nas fases de bolha e emulsão sem que haja transferência de massa entre as fases  Fluxo em pistão do gás no sentido ascendente no núcleo e fluxo reverso sólido no anel. Como citado anteriormente, existem dois tipos de gaseificadores de leito fluidizado, borbulhante e circulante. O gaseificador de leito borbulhante pode ser modelado como tendo duas zonas principais, zona densa e zona diluída, ao passo que o leito circulante teria a zona núcleo-anelar. Na zona densa, o fluxo de gás consiste das fases de bolha e de emulsão que lida com a secagem, pirólise e a gaseificação da biomassa. Na zona diluída não há presença de partículas sólidas e somente reações na fase gasosa continuam no leito. 2.2.2.3 Gaseificadores de fluxo arrastado A modelagem do gaseificador de fluxo arrastado é feita considerando o reator como unidimensional, de fluxo em pistão e em condições de regime permanente. Considera-se também que as partículas sólidas no reator são distribuídas de maneira uniforme na direção radial e a fase gasosa misturada perfeitamente radialmente. Assim como no modelo de equilíbrio termodinâmico, várias pesquisas têm sido realizadas utilizando o modelo cinético para gaseificação de biomassa, sendo que os trabalhos mais recentes e relevantes utilizando este modelo serão discutidos a seguir. Kibria et al. (2020) desenvolveram um modelo cinético de gaseificação de biomassa utilizando CO2 em um reator de fluxo arrastado baseado na analogia do fluxo em pistão para os balanços de massa e energia. Os resultados encontrados para a reação na fase gasosa no modelo foram comparados com um reator de fluxo arrastado em escala de bancada, evidenciando que a reação homogênea reversa de troca gás-água é a dominante na química da fase gasosa; foi observado ainda um aumento na taxa de desvolatilização e uma diminuição na limitação difusional. Yan et al. (2018) utilizaram um modelo cinético para co-gaseificação de carvão e biomassa. Nesse modelo foram considerados a difusão intra-partículas, a evolução da estrutura da partícula e fragmentação periférica, assim como os efeitos da razão de mistura da biomassa, a temperatura de gaseificação e a pressão parcial do vapor na cinética aparente da co- gaseificação. Os resultados preditos pelo modelo foram comparados com uma série de resultados experimentais encontrados na literatura, obtendo-se uma boa aproximação. 44 Thakare e Nandi (2016) desenvolveram um modelo matemático e um estudo de simulação para um gaseificador concorrente queimando RSU de forma a determinar o potencial desta solução como forma de eliminação de resíduos. O modelo desenvolvido pelos autores foi uma combinação dos modelos de equilíbrio termodinâmico e cinético, em que o gaseificador foi divido em três zonas (secagem-pirólise, oxidação e redução). Para as zonas de secagem-pirólise, a modelagem foi desenvolvida com base no equilíbrio estequiométrico termodinâmico. A saída dessa zona foi utilizada como dado de entrada para a zona seguinte de oxidação. A zona de redução foi modelada com base em um modelo cinético considerando quatro equações principais: reação de Boudouard, reação gás-água, formação de metano, reação de reforma de vapor. 2.2.3 Modelo de dinâmica de fluidos computacional (DFC) A modelagem de DFC resolve uma série de equações simultâneas (conservação de massa, energia, momento, espécies) em um determinado domínio ou região de forma a fornecer a temperatura do gaseificador, os parâmetros hidrodinâmicos em diferentes lugares e a concentração do produto. Este tipo de modelagem pode ter um papel importante para modelar gaseificadores de leito fluidizado. A maioria dos modelos DFC de gaseificação, atualmente, são para gaseificação de carvão em reatores de fluxo arrastado (FLETCHER; HAYNES; CHRISTO, 2000; MARKLUND et al., 2007). Um código para modelagem DFC do processo de gaseificação inclui, normalmente, várias sub-rotinas detalhando as sequências de operações do processo, tais como vaporização da partícula de biomassa, pirólise, reação secundária em pirólise e oxidação do carvão (BABU; CHAURASIA, 2004a; BABU; CHAURASIA, 2004b ; DI BLASI, 2008). O código pode ser aprimorado ao ser incluídas outras sub-rotinas mais sofisticadas que, junto com fenômenos de transporte, são úteis, especialmente no caso do gaseificador de leito fluidizado (SYRED et al., 2007). Para escoamento laminar, a hidrodinâmica ou transporte de fenômenos pode ser completamente definida pelas equações de Navier-Strokes, porém, no caso do regime turbulento, não há solução trivial. Duas possíveis soluções para se considerar a turbulência no escoamento são o modelo de equações médias de Reynolds Navier-Strokes (k-ε) e simulação de grandes escalas (WANG; YAN, 2018). Do ponto de vista da DFC, outra possível abordagem 45 é a do modelo de dois fluidos, no qual os métodos utilizados para discretização são o das diferenças finitas, elementos finitos e volumes finitos. Pode-se considerar DFC como uma solução em aprimoramento para modelagem da gaseificação. A maioria dos modelos desenvolvidos ainda utiliza algum submodelo, parâmetros de ajuste ou considerável suposição em assuntos que não possuem informações precisas. Alguns dos trabalhos desenvolvidos na área são discutidos a seguir. Couto et al. (2015) utilizaram um modelo de DFC bidimensional de forma a avaliar o potencial do syngas produzido através da gaseificação de RSU, na forma de CDR, em uma central térmica de gaseificação semi-industrial. Os autores utilizaram o software Fluent para descrever o transporte de massa, momento e energia para ambas as fases, sólido e gás. Os resultados da modelagem foram comparados com os resultados experimentais, obtendo bons resultados entre ambos. Zhang et al. (2011) desenvolveram um modelo Euler-Euler permanente multifase de forma a predizer o desempenho da gaseificação dentro de um reator de gaseificação por fusão a plasma. O modelo considera diferentes processos químicos e físicos, como secagem, pirólise, reações homogêneas, reações heterogêneas de carvão, assim como fusão dos principais componentes inorgânicos do RSU. Os resultados foram validados por comparação com os resultados obtidos de forma experimental em um reator piloto. 2.2.4 Modelos de rede neural Uma rede neural artificial (RNA) é uma alternativa de modelagem para processos muito complexos. Este tipo de modelo depende, basicamente, da análise de uma grande quantidade de dados experimentais; no entanto, não é capaz de produzir uma solução analítica, somente resultados numéricos. O modelo de rede neural artificial imita o funcionamento do cérebro humano provendo algumas características humanas na modelagem. Uma diferença deste tipo de modelo para os modelos cinéticos e termodinâmicos está no fato de ser necessário pouco conhecimento dos fenômenos do sistema, visto que o modelo não é baseado na modelagem da combustão física e equações de transporte, mas é um tipo de regressão não linear genérica que aprende a partir dos dados de entrada. Pandey et al. (2016) utilizaram rede neural artificial para predizer o poder calorífico inferior dos produtos da gaseificação, incluindo alcatrão e carvão arrastado, e o rendimento do syngas gerado durante a gaseificação de RSU em um reator de leito fluidizado. Os resultados 46 foram capazes de evidenciar que a RNA é uma solução viável para predizer o desempenho deste tipo de gaseificador. Xiao et al. (2009) desenvolveram trabalho similar ao simular um processo utilizando RSU em um gaseificador de leito fluidizado, indicando novamente que é aceitável predizer as características de gaseificação por este modelo. Também foram reportados bons resultados do uso deste modelo para predizer o rendimento e composição do gás gerado na gaseificação de bagaço e serragem de pinho (GUO et al., 1997). 2.3 CICLOS COMBINADOS COM GASEIFICAÇÃO INTEGRADA O syngas, produto gerado na gaseificação de resíduos sólidos urbanos, pode ser utilizado em conjuntos a gás para geração de energia elétrica. Uma forma de aumentar a eficiência no processo é utilizar o calor proveniente dos gases de exaustão do conjunto em uma caldeira de recuperação (HRSG, heat recovery steam generator) interligada a um ciclo a vapor (ciclo Rankine). A este sistema se dá o nome de ciclo combinado com gaseificação integrada. Ciclos combinados com gaseificação integrada ou Integrated gasification combined cycles (IGCC) são considerados uma tecnologia promissora para geração de energia. Faz parte deste sistema uma unidade de separação de ar, um gaseificador e um ciclo combinado com conjunto a gás (FREY; ZHU, 2006). Um fluxograma do processo simplificado é apresentado na Figura 6. Neste processo o combustível líquido ou sólido é gaseificado com oxigênio ou ar e o gás resultante (syngas), que é composto primariamente de monóxido de carbono (CO) e hidrogênio (H2), é resfriado e o material particulado é removido, posteriormente, é queimado em um conjunto a gás. O processo de remoção dos materiais constituintes das emissões previamente à combustão faz com que estes sistemas atinjam padrões de emissão altamente rigorosos (EPRI, 2001). Sistemas IGCC oferecem grande flexibilidade de combustíveis e podem produzir múltiplos produtos (eletricidade, hidrogênio e químicos como metanol) (FREY; ZHU, 2006). Dentre os combustíveis utilizados como matéria prima para gaseificação está o resíduo sólido urbano (GABBAR; ABOUGHALY; RUSSO, 2017 ; LIYANAGE, 2013; SUBRAMANYAM ; GORODETSKY, 2017; HOGNERT; NILSSON, 2016). 47 Figura 6 – Fluxograma do processo simplificado de um IGCC. Fonte: Adaptado de Frey e Zhu (2006). 2.3.1 Ciclos termodinâmicos O termo ciclo combinado refere-se à conexão térmica entre tecnologias de conversão de energia distintas. É a conjunção de um ciclo superior, ou seja, um sistema que aceita calor a alta temperatura e um ciclo inferior que aceita calor rejeitado de outro ciclo. O sistema IGCC é composto de dois ciclos termodinâmicos principais, o ciclo Brayton (ciclo superior) do qual faz parte o conjunto a gás no qual será queimado o syngas gerado pelo processo de gaseificação, e o ciclo Rankine, do qual faz parte a turbina a vapor que recebe vapor gerado no HRSG no processo de troca térmica com os gases de exaustão do conjunto a gás. 2.3.1.1 Ciclos Rankine O ciclo Rankine é composto de quatro processos que ocorrem em regime permanente, que são: bombeamento adiabático reversível na bomba (1-2), transferência de calor a pressão constante (2-3), expansão adiabática reversível na turbina (3-4) e transferência de calor a pressão constante no condensador (4-1). O diagrama termodinâmico de temperatura versus entropia para este ciclo é apresentado na Figura 7. 48 Figura 7 – Diagrama Temperatura versus entropia para um ciclo Rankine ideal Fonte: adaptado de Sonntag e Borgnakke (2018) 2.3.1.2 Ciclos Brayton O ciclo para a turbina a gás é o ciclo padrão a ar Brayton, o qual é composto de dois processos isobáricos e dois isentrópicos na condição ideal, situação em que este ciclo pode ser representado como na Figura 8. No ciclo ideal, o processo 1-2 é uma compressão internamente reversível, 2-3 representa a combustão em uma câmara de combustão em que não há queda de pressão, 3-4 é o processo de expansão na turbina a gás também representado em um ciclo ideal por um processo internamente reversível e 4-1 representa a troca de calor com o ambiente dos gases de exaustão. Figura 8 – Ciclo padrão a ar Brayton ideal Fonte: Sonntag e Borgnakke (2018) 49 2.3.2 Sistemas principais Um sistema IGCC é composto de três áreas de processos principais que são: unidade de separação de ar (ASU), ilha de gaseificação e ciclo combinado com conjunto a gás. 2.3.2.1 Unidade de separação de ar A unidade de separação de ar produz oxigênio pressurizado de alta pureza, que pode ser utilizado como agente gaseificante no processo de gaseificação, produzindo um gás rico em hidrogênio (H2) e oxigênio. O ASU é um item significativo no custo capital da planta IGCC, podendo representar de 10-15% do custo da planta (120-170 US$/kW) (EPRI, 2001). A utilização de ASU pode ser realizada com uma maior ou menor integração. Sistemas altamente integrados utilizam ar pressurizado extraído diretamente do compressor do conjunto a gás; nos menos integrados, a ASU possui seu próprio compressor de ar. A injeção do nitrogênio separado no ASU na câmara de combustão do conjunto a gás é outra forma de aumentar a integração do sistema; na Figura 9 é apresentado um esquema de níveis de integração. As vantagens obtidas nestas integrações são, respectivamente, um menor consumo de energia no ASU e uma redução nas emissões de NOx, visto que o nitrogênio reduz a temperatura de chama do syngas (EPRI, 2001). Figura 9 – Diagrama de bloco de uma central térmica IGCC integrada Fonte: adaptado de Epri (2001) 50 Frey e Zhu (2006) avaliaram os efeitos de injeção de diferentes níveis de nitrogênio no desempenho e emissões do sistema. Também avaliaram o efeito de diferentes porcentagens de extração de ar do compressor do conjunto a gás assim como o papel das diferentes concepções (baixa e alta pressão) das ASUs no desempenho e emissão. Para tal, foi desenvolvido um modelo de simulação do processo em ASPEN PLUS e realizadas múltiplas análises de casos. O caso com somente injeção ótima de nitrogênio em combinação com uma ASU de concepção de alta pressão foi o que apresentou mais alta eficiência e aproximadamente a que teve a menor quantidade de emissões. A concepção com extração ótima de ar apresentou resultados ligeiramente inferiores. Apesar dos resultados encontrados e das vantagens apresentadas pela integração completa, há de se considerar um aumento inerente na complexidade de construção, operação e manutenção, o que pode acarretar em atrasos na fase de construção, excesso de gastos, aumento na manutenção e perda de confiabilidade do sistema. Assim, alguns desenvolvedores defendem o uso de uma menor integração a custos de uma menor eficiência por uma mais alta confiabilidade e disponibilidade (WANG, 2017). 2.3.2.2 Ilha de gaseificação A ilha de gaseificação é composta do gaseificador em si e do sistema de limpeza e resfriamento do syngas gerado, como foi apresentado na Figura 6. O syngas, ao sair do processo de gaseificação encontra-se a altas temperaturas, podendo chegar até na ordem de 1500 ºC para gaseificadores de fluxo arrastado (WANG, 2017). O ideal é utilizar o syngas quente direto na turbina gás fazendo-se, assim, um aproveitamento da energia térmica. Porém, na realidade, o syngas gerado apresenta impurezas e necessita ser limpo. Os processos convencionais utilizados para fazer a limpeza deste syngas devem ser realizados a baixas temperaturas. Dois destes processos de limpeza, a hidrólise de COS (um composto a base de enxofre) e a remoção de mercúrio, se materializam nas faixas de 150-200 ºC e 30-38 ºC, respectivamente (HIGMAN, 2010; WANG, 2017), o que faz com que haja a necessidade de haver o resfriamento do syngas. Uma maneira de se realizar o aproveitamento do calor do syngas é integrar termicamente o sistema de resfriamento com um recuperador de calor (HRSG), aproveitando o calor do syngas para gerar vapor de alta/média pressão que será utilizado em uma turbina a vapor para produzir energia. Há quatro esquemas principais de resfriamento de syngas empregados em 51 sistemas IGCC – resfriamento convectivo, resfriamento radiante, water quench e recycled syngas quench, sendo que a escolha de quais utilizar irá depender do projeto do sistema (WANG, 2017) Dentre estes esquemas, o sistema radiante consegue utilizar a energia térmica do syngas de forma eficiente para produzir vapor de alta pressão, porém, esse processo possui grandes dimensões, alto custo e necessidade de manutenção frequente. De forma a reduzir estes custos, utiliza-se o método water quench, que consiste em injetar diretamente no syngas um spray de água, tendo este se tornado um método bastante popular em sistemas IGCC. Comparativamente ao sistema de water quench, o uso do método radiante leva a um incremento aproximado de 4 a 5% no rendimento geral da planta (LONG; WANG, 2016). O método de recycled syngas quench utiliza parte do syngas a jusante no processo para misturar com o syngas na saída do gaseificador, causando o efeito de resfriamento a gás. O resfriamento convectivo é composto de um superaquecedor, um evaporador e um economizador. Geralmente, nesse sistema, água ou vapor encontra-se dentro de um conjunto de feixes de tubos e troca calor com o syngas que passa por fora, porém, a configuração contrária também é possível. Um processo da Tampa Electric IGCC, uma planta real, é apresentado na Figura 10. Essa planta foi desenvolvida usando tanto resfriamento radiante como resfriamento convectivo para resfriamento do gás a alta temperatura e recuperação de calor. O gás é primeiramente resfriado no trocador de calor radiante gerando vapor a alta pressão que é mandado para a turbina a vapor. O syngas está a uma temperatura aproximada de 594 ºC quando deixa o trocador de calor radiante e então passa pelo trocador de calor convectivo gerando vapor de média pressão. Após resfriamento o syngas é levado ao processo de limpeza (NETL, 2000). Alguns dos principais poluentes formados durante o processo de gaseificação são o sulfeto de carbonila (também conhecido como oxissulfeto de carbono, COS), sulfeto de hidrogênio (H2S), dióxido de enxofre (SO2), amônia (NH3), mercúrio (Hg), dentre outros. As equações (17) a (20) correspondem às principais reações formadoras de poluentes no processo de gaseificação (WANG, 2017). 𝑁2 + 3 𝐻2 → 2𝑁𝐻3 (17) 𝐶𝑂 + 𝑆 → 𝐶𝑂𝑆 (18) 𝑆 + 𝐻2 → 𝐻2𝑆 (19) 52 𝑆 + 𝑂2 → 𝑆𝑂2 (20) Figura 10 – Planta IGCC e processos de resfriamento e limpeza do gás Fonte: NETL (2000) Apesar de existirem várias maneiras de se realizar a limpeza do syngas, os principais processos utilizados em um sistema IGCC consistem dos seguintes: remoção de partículas por deposição seca e úmida, hidrólise (para conversão de COS para H2S e HCN para NH3),