UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS CAMPUS DE ARARAQUARA GUILHERME SCHUVENKE DOS REIS SEXUALIDADE E SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO DE CASO CLÍNICO ARARAQUARA – SP 2021 GUILHERME SCHUVENKE DOS REIS SEXUALIDADE E SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO DE CASO CLÍNICO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Educação Sexual da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara com a finalidade de obtenção do título de Mestre em Educação Sexual. Linha de pesquisa: Sexualidade e educação sexual: interfaces com a história, a cultura e a sociedade. Orientador: Prof. Dr. Luiz Antônio Calmon Nabuco Lastória Coorientadora: Profa. Dra. Juliana Vendrusculo ARARAQUARA – SP 2021 GUILHERME SCHUVENKE DOS REIS SEXUALIDADE E SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO DE CASO CLÍNICO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Educação Sexual da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara como requisito de obtenção do título de Mestre em Educação Sexual. Linha de pesquisa: Sexualidade e educação sexual: interfaces com a história, a cultura e a sociedade. Orientador: Prof. Dr. Luiz Antônio Calmon Nabuco Lastória Coorientadora: Profa. Dra. Juliana Vendrusculo Qualificado em 06/11/2020 Data da defesa: 28/05/2021 Orientador: Prof. Dr. Luiz Antônio Calmon Nabuco Lastória Professor Assistente Doutor Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara Departamento de Psicologia da Educação ______________________________________________________________________ Membro Titular: Paulo Roberto Reimão Machado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Membro Titular: Paulo Rennes Marçal Ribeiro Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara Departamento de Psicologia da Educação AGRADECIMENTOS Agradeço a todos que contribuíram, direta ou indiretamente, no decorrer desta jornada, especialmente: A minha família que foi o suporte e a motivação para que eu chegasse nesta etapa. Sem esse apoio teria sido muito mais difícil. A meu orientador, pela dedicação e carinho durante o processo de realização deste trabalho. Sua atenção comigo foi fundamental para a conclusão desta dissertação e sua humanidade é algo indescritível! O levarei comigo para todo o meu existir. A minha coorientadora que sempre foi amável e me deu força durante todo o processo, fomentando sempre o meu lado humano e afetivo em meu processo acadêmico. A todos os professores que, de fato, fizeram a diferença em nossa jornada, procurando além de ensinar, compartilhar experiências e me fazer crescer enquanto ser. Gostaria também de demonstrar minha gratidão por toda a trajetória até o momento, por todas as dificuldades e medos vivenciados e por ter a possibilidade de experenciar um momento de crescimento pessoal e profissional tão rico. RESUMO Ao longo da história, a compreensão do conceito de “loucura”, assim como as definições do que venha a ser “sexualidade” passaram, e, ainda passam, por inúmeros atravessamentos, desde conceituações místico-religiosas e demonológicas até questões que se desdobram no campo da saúde mental. Ambos os conceitos foram trabalhados nesta dissertação, vinculado a um estudo de caso de um paciente em processo psicoterapêutico. Através de uma literatura referenciada na fenomenologia existencialista, foram analisadas as estruturas ontológicas apresentadas pelos relatos biográficos do paciente, fundamentais no existir humano, e que possibilitaram uma atitude de suspensão, com o intuito maior de aproximação do vivido. Neste sentido, esta dissertação almeja propiciar uma reflexão em torno dos aspectos históricos e dos estigmas que ainda se fazem presentes em nossa sociedade do século XXI ao relacionarmos o diagnóstico psiquiátrico na vivência da sexualidade humana. Palavras-chave: Sexualidade. Psiquiatria. Fenomenologia. ABSTRACT Throughout its history, the understanding of the concept of “madness”, as well as the definitions of what may become “sexuality” have gone through, and still go through, numerous crossings, from mystical-religious and demonological concepts to unfolding questions in the mental health field. Both concepts were used on in this dissertation linked to a case study of a patient undergoing a psychotherapeutic process. Through a literature referenced in existentialist phenomenology, the ontological structures presented by the patient's biographical reports were analyzed, which are fundamental in human existence and which enabled an attitude of suspension, in order to get closer to the reality experienced by the patient. In this sense, this dissertation aims to provide a reflection around the historical aspects and stigmas that are still present in our society in the 21st century when we relate the psychiatric diagnosis in the experience of human sexuality. Keywords: Sexuality. Psychiatry. Phenomenology. TABELA DE SIGLAS CAPS – CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL MTSM - MOVIMENTO DOS TRABALHADORES EM SAÚDE MENTAL NAPS - NÚCLEO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL SUS – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .............................................................................................. 9 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 12 1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA LOUCURA ................... 16 1.1.1. COMPREENSÃO MODERNA DA LOUCURA ............................ 16 1.1.2. A CRIAÇÃO DOS MANICÔMIOS ............................................... 18 1.1.3. O MODELO ASILAR E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ...... 20 1.1.4. A HISTÓRIA DA LOUCURA NO BRASIL .................................. 22 1.1.5. A REFORMA PSIQUIÁTRICA E A REDE EXTRA-HOSPITALAR 25 2. SEXUALIDADE E SEUS DESDOBRAMENTOS ................................... 30 2.1. O CONCEITO “SEXUALIDADE” .................................................... 30 2.2. SEXUALIDADE E O DISCURSO MÉDICO .................................... 31 2.3. SEXUALIDADE E A LOUCURA ..................................................... 34 3. O MÉTODO ANALÍTICO EXISTENCIAL .............................................. 36 3.1. A FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL ........................................ 37 3.2. ASPECTOS EXISTENCIAS ENTORNO DA LOUCURA E SEXUALIDADE .................................................................................................... 41 3.3. A DOR E O TÉDIO NA PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA. ........ 44 4. O CASO CLÍNICO ................................................................................... 46 4.1. INTRODUÇÃO DA HISTÓRIA DE EROS .......................................... 46 5. O DISCURSO DE EROS SOB A ANALÍTICA EXISTENCIAL ................... 48 5. CONCLUSÃO .......................................................................................... 59 REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA .................................................................... 62 APÊNDICE 1: TERMO DE CONSENTIMENTO ............................................. 69 APÊNDICE 2: ACEITE DO PROJETO PELA PLATAFORMA BRASIL ........ 72 9 APRESENTAÇÃO Desde a graduação o meu primeiro campo de atuação foi em saúde mental. As considerações atribuídas a esta na literatura foi algo que sempre me chamou a atenção, onde o sofrimento dos sujeitos era descrito através de inúmeros sintomas, pela perda da consciência do “eu”, e todas as classificações apresentadas pela medicina convencional de modo geral. A consciência mesma de que ali existia um ser, e não apenas uma classificação, fez despertar múltiplas interrogações na minha construção profissional e pessoal. No campo da psiquiatria, as dificuldades na minha atuação rotineira fizeram com que eu me inquietasse sobre múltiplos eventos que envolviam a vida da pessoa diagnosticada; entre elas a temática sexualidade. Atribuída historicamente a uma padronização e normatização sociocultural, no campo da psiquiatria era representada e compreendida como “sintoma”. Pessoas uma vez assim diagnosticadas não poderiam mais vivenciar sua sexualidade no campo social e sentimental na medida em que passavam a ser vistas como mentalmente incapazes, e quaisquer manifestações dessa ordem deveriam ser contidas. Quando fui apresentado à fenomenologia existencial e à psicopatologia em situações práticas, se desenvolveu um olhar que se lança para além da doença diagnosticada por meio de um parâmetro naturalista. A perspectiva de ser a doença apenas um modo-de-ser-sujeito desses dos quais tratamos como sujeitos psiquiátricos, inquietou- me; isto no sentido de buscar uma compreensão mais ampla sobre a forma como se dão as experiências desses indivíduos, imersos em um horizonte de possibilidades estruturado por um diagnóstico. A presente dissertação propõe uma aproximação e compreensão da experiência vivida por um paciente através do relato de um estudo de caso que será apresentado no decorrer do texto. O intuito é compreender como a sexualidade é experimentada pelo sujeito, no decorrer da existência, quando um diagnóstico é atribuído a ele, por meio de uma investigação dos dados contidos no prontuário do participante. Para tanto, traçarei uma construção histórica entre as temáticas da psiquiatria e da sexualidade sob o método 10 analítico existencial, para que possamos através desta leitura questionar, pensar e construir. 11 “Por meu campo perceptivo, com seus horizontes espaciais, estou presente em meu meio, coexistindo com todas as outras paisagens que se estendem além, e todas essas perspectivas formam juntas uma única onda temporal, um instante no mundo.” (Merleau Ponty) https://www.pensador.com/autor/merleau_ponty/ 12 1. INTRODUÇÃO O conceito “loucura” passou e passa por diversas transformações durante toda a sua história. Para compreender este movimento histórico, seu desenvolvimento e consolidação na psiquiatria como “campo de saber”, é importante entender sua trajetória. A loucura nem sempre foi compreendida como patologia passível de tratamento, cura ou correção. Nem sempre foi considerável ou mesmo plausível a intervenção técnica/profissional para “trata-la”. A tese de doutoramento de Michel Foucault nomeada como “A História da Loucura na Idade Clássica” (2004), descreve e pensa sobre as mudanças de significados e conceituações sobre a loucura até ser compreendida como doença mental, onde a intervenção médica surge como intervenção e diretriz do saber na psiquiatria. O autor aponta três momentos que marcaram a história da loucura: A idade média, a grande internação e os tempos contemporâneos. Na idade média a loucura era definida como uma experiência trágica; a moral não tinha qualquer vínculo com esta. Está tinha uma explicação e definição mística, chamada por Foucault de visão cósmica. Posteriormente, ao final da idade média, passa a ser inserida no campo da moral, e entendida como o primeiro lugar na hierarquia dos vícios do homem (FOUCAULT, 2004). Atravessa questões relacionadas a uma razão dominadora no século XVI, conceito advindo do pensamento de Descartes, “Penso, logo existo”, onde a sociedade passa a entender o louco como ser desprovido de razão e distante da verdade. Na Europa, em meados do século XVII, o aumento da pobreza e o número de pessoas em condição de mendicância torna-se um problema a ser enfrentado pelo estado. 13 Surge então a criação e disseminação de instituições que adotavam a função de recolher e abrigar as pessoas que não conseguiam ou não queriam trabalhar. Desviat (1999), afirma que diante da desorganização social e a crise econômica vigente da época, o enclausuramento surge como uma das respostas pelas mudanças no meio de produção. A psiquiatria surge no século XVIII, época em que o saber médico assume o poder. Graças a ciência médica a doença passa a ser compreendida como fator predominante diante do existir da pessoa acometida pelo sofrimento mental, condenando e interferindo em suas relações e direitos (MIRANDA; FUREGATO, 2004a). O poder da narrativa médica vinculado à ciência vigente nos séculos XVIII e XIX foi de grande relevância quanto ao modo pelo qual a loucura era até então compreendida (FOUCAULT, 2010a). As complexidades que se desdobram no cuidado em saúde mental trazem a inviabilidade de isolarmos um elemento do contexto global da experiência humana, pois os processos criativos e o pensamento, por exemplo, não podem ser estudados apenas através de metodologias laboratoriais com bases organicistas. Ora, é claro que após a modificação da maneira do olhar sobre a loucura outras estruturas sociais – relacionadas à demanda de cuidado e manejo dos loucos – também sofreriam mudanças, pois, quando o saber se modifica também sofrem alterações as formas de manejar o “objeto” conhecido. Assim, quando a loucura ganha um espaço na produção do saber científico, é preciso que se passe a estudá-la e observá-la. O discurso do louco insere-se como dimensão da interioridade, estabelecendo o status, estrutura e significação psicológica, embora esta se torne o resultado superficial de uma operação mais surda e situada num nível mais profundo. A loucura é inserida em um sistema de valores e repressões morais. O louco entra num sistema punitivo, sendo compreendido como criança. Sua liberdade e autonomia são comprometidas e seu 14 discurso é desvalidado (FOUCAULT, 1988). O impacto da discriminação e do estigma vivenciado pela pessoa com transtornos mentais a coloca em uma posição diferenciada, como em questões voltadas à orientação sexual, gênero, homofobia, machismo e da expressão encarnada dos diferenciais de poder e seus determinantes macrossociais, incluindo a pobreza e o racismo, que também se encontram associados à vivência da sexualidade (BARBOSA; SOUZA; FREITAS, 2015; WAINBERG et al., 2016). Ao abordarmos a temática “sexualidade” no campo da saúde mental, podemos perceber em concordância com Brito (2009), que pessoas com diagnósticos psiquiátricos são compreendidas como seres assexuadas, sugerindo até mesmo a ideia da sexualidade como problema que deve ser reprimido, preconizando o ato ou manifestação sexual como aspecto comprometedor das ações provedoras de saúde. Miranda e Furegato (2004b) revelam que a sexualidade do doente mental provoca, inclusive nos profissionais de saúde, um afastamento, e, até mesmo, a negação de condutas provedoras do cuidado. A contextualização histórica da pessoa com transtornos mentais tende à exclusão de sua sexualidade; essa passa a ser concebida como manifestação patológica, estabelecendo um distanciamento da sociedade frente à concessão da sexualidade como direito a ser gozado nos múltiplos aspectos existenciais da pessoa com transtornos mentais. Ao longo de sua história, a pessoa com diagnóstico psiquiátrico foi vinculada à desrazão, alienação, insanidade, degenerescência ou anormalidade, sendo classificada e tratada como perigosa, dissimulada e louca. Essa visão contribuiu para o desenvolvimento do estigma, ainda percebido nos dias atuais, onde o mesmo é colocado na condição de diferente dos demais, problematizando e alterando suas relações sociais (AMARANTE, 2012). 15 Nosso interesse pela temática aqui apresentada surge através dos estereótipos vivenciados em nossa experiência profissional em saúde mental e vai ao encontro da história da loucura, classificada e pertencente na contemporaneidade, ao saber médico. Buscamos compreender como o diagnóstico acarreta (ou não) alterações nas relações humanas, especificamente em questões vinculadas a sexualidade. A comprovação da existência do estigma vinculado a vivencia da sexualidade com diagnóstico psiquiátrico traz um alerta voltado à saúde pública em referência a trajetória do movimento da antipsiquiatria, ressaltando-se a relevância da criação de projetos, pesquisas e intervenções voltadas para educação sexual e saúde mental. A pessoa com transtornos mentais deve ser concebida como um ser de potencialidades, desmistificando e desvinculando as expressões de sua sexualidade que historicamente estiveram vinculadas ao sexo, ou como manifestações supostamente patológicas; a sexualidade aqui surge como um modo de expressão de valores, direitos, características culturais e de identidade. Para lidar com ambas as temáticas, buscaremos uma aproximação e compreensão das experiencias descritas neste trabalho através da analítica existencial, uma vez que a sexualidade tem relação com a história e com a cultura do sujeito. Esta se altera em seu tempo, mas não há progressão linear. Não podemos falar em uma única vertente da sexualidade, do mesmo modo em que um ser não se restringe, tomado em sua totalidade, apenas a um diagnóstico. Desta forma, através de um estudo de caso clínico, via prontuário, buscamos o desvelamento do fenômeno da vivencia da sexualidade e de seus atravessamentos na vida do sujeito. Nossa tentativa é explorar e compreender como este (a) vivencia o existir da sexualidade através de suas falas, na tentativa de se aproximar das experiências vividas e seu campo de sentidos. 16 1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA LOUCURA 1.1.1. COMPREENSÃO MODERNA DA LOUCURA Analisar algo historicamente é poder adentrar, de maneira compreensiva, nas estruturas que formulam as relações existentes no campo intersubjetivo. É possível observar que, por exemplo, até o século XV a loucura era compreendida a partir de uma conceituação mítica: os males eram atribuídos à ação do demônio sobre os que eram acometidos por tais malefícios (PESSOTI apud DALGALARRONDO, 2008, p 142). Já no século XVI, passa a ser conduzida por uma lógica/razão dominadora, sendo caracterizada como a perda da razão e o doente como algo que se afastava do que era considerado como “real” ou “verdadeiro”, podendo assim, se basear na máxima de Descartes “Penso, logo existo”, tal como citado por Foucault: Não é a permanência de uma verdade que garante o pensamento contra a loucura, assim como ela lhe permitiria desligar-se de um erro ou emergir de um sonho; é uma impossibilidade de ser louco, essencial não ao objeto do pensamento, mas ao sujeito que pensa. É possível supor que se está sonhando e identificar-se com o sujeito sonhador a fim de encontrar uma "razão qualquer para duvidar": a verdade aparece ainda, como condição de possibilidade do sonho. Em compensação, não se pode supor, mesmo através do pensamento, que se é louco, pois a loucura é justamente a condição de impossibilidade do pensamento (FOUCAULT, 1972, pg.53). O “louco” assume o papel de alguém que é desprovido de razão, ou seja, passa a ser visto como um ser distante da verdade, ideia provinda do racionalismo moderno. A experiência moderna, vinculada à compreensão remanescente ainda mística do século XVI, foi envolvida pelos privilégios críticos por meio dos quais a experiência moderna 17 da loucura passou a ser considerada como figura incompleta, de apresentação fragmentada e exaustiva (FOUCAULT, 2004). No fim do século XVIII, a loucura passa a ter “status” de doença mental, surgindo, por meio da psiquiatria, uma área de saber próprio. As famílias dos adoecidos começam a ser excluídas do tratamento por serem consideradas “nocivas”, e são classificadas como “causadoras da doença” (PESSOTI apud DALGALARRONDO, 2008, p 142). A partir disso, hospitais de caráter filantrópico e assistencial começam a ser criados, em grande parte pela Igreja Católica, com a função básica de recolher os mais pobres, os indigentes e os miseráveis, surgindo como uma terceira esfera da repressão, junto com a justiça e a polícia, e mais um mecanismo de controle do Estado sobre a população (FOUCAULT, 2004). Nota-se que a internação não tinha caráter de saúde, mas sim assistencial. A partir desse momento, o hospital se torna um espaço de formação médica (FOCAULT, 2004). Com a necessidade de uma restruturação do modelo hospitalar, o saber médico também se alterou neste processo, favorecendo o nascimento da visão do hospital como espaço onde se desenvolveria uma medicina focada na busca da cura fundamentada na epistemologia das ciências naturais. Nasce assim o espaço médico hospitalar. Neste sentido, o hospital também passou por essa mudança significativa. Tornou-se uma instituição médica, com uma nova técnica de gestão e de controle dos homens advindas de uma visão política “tecnológica”. Deste modo, foi possível realizar a classificação e o tratamento das questões mais particulares das pessoas consideradas desajustadas ou “loucas”. 18 1.1.2. A CRIAÇÃO DOS MANICÔMIOS O aumento da pobreza na Europa no século XVII surgia como uma problemática a ser enfrentada pelo estado, culminando na criação de instituições que teriam como função o recolhimento e abrigo de pessoas que não se enquadravam aos padrões estabelecidos do período vigente. O marco do modelo manicomial se dá em 1656, com a criação do Hospital geral de Paris, citado por Foucault como o período da “Grande Internação”, onde o enclausuramento imposto à época não estaria apenas associado a “loucura”, mas sim ao enclausuramento da pobreza, dos mendigos, das pessoas sem tetos e dos desempregados (DESVIAT, 1999). A internação tinha ainda um cunho assistencial e não médico. Seu papel estava associado à higienização social dos que não conseguiam produzir na época. O trabalho validava a função existencial e social do sujeito, estabelecendo relação direta com a produção e a movimentação inicial do capital (VIANNA, 2002). As transformações sociais, políticas, econômicas e o desenvolvimento do capitalismo estabeleceram mudanças no cenário das sociedades europeias do século XVIII, associadas à Revolução Industrial e à Revolução Francesa. As fábricas, o desenvolvimento tecnológico na agricultura e metalúrgicas mais revolucionárias, frutos do modelo capitalista, contribuíram para a estruturação da hegemonia burguesa com relação a um modelo que conceituou e organizou a vida social vigente da época. O desenvolvimento da ciência a colocou em lugar de destaque como o seu viés para a verdade fática. Através da objetividade, da ordem e da moral, a razão científica se apresentou como única ferramenta capaz de conduzir os saberes até a verdade dos fatos (AMARENTE, 2003). 19 O privilégio e a força da narrativa médica sobre estes fenômenos voltados para saúde mental foram de grande relevância quanto ao modo pelo qual a loucura foi até então compreendida. Os aspectos sociais e a cultura também passam a ter grande pertinência na estruturação e compreensão da loucura (FOUCAULT, 2010b). O nascimento da psiquiatria se dá em conjunto com o processo de transformação do modelo médico, sendo Phillipe Pinel um dos principais precursores em saúde mental. No ano de 1793, Pinel foi intitulado como médico chefe pelo Hospital de Bicétre, uma instituição social de caráter filantrópico que possuía um grande número de leitos. O médico realizou uma revolução na compreensão da "loucura" por postular uma origem passional, ou moral, relacionada à alienação mental, e também sobre as funções do manicômio, transformando este num instrumento de cura (PESSOTTI, 1996). Graças a Pinel, a loucura passou a ser concebida como doença abrindo um campo de possibilidades terapêuticas através do tratamento moral. Isso foi possível porque ele compreendeu a “alienação” como um processo inerente à própria razão, e não à sua alteridade (AMARANTE, 2003). Para tratar a loucura foi necessário estudá-la através da observação e classificação sistemática, uma vez que Pinel considerava a loucura como alienação mental. Seu tratamento deveria se focar na reeducação da mente alienada através do isolamento deste mundo, da construção de uma ordem asilar e da construção da relação terapêutica com base na autoridade científica da medicina. Pinel considerava que o isolamento seria a maneira de separar, comparar, descrever e classificar o curso da doença, podendo assim organizar uma nosografia das doenças mentais. A teoria psiquiátrica criava, assim, a sua base na prática clínica e na estrutura dos manicômios (também conhecidos como asilos) 20 como as instituições mais adequadas para a realização da “cura” (BIRMAN, 1978). Nesse sentido, a produção de um conhecimento por meio da medicina psiquiátrica em relação à loucura decorre de práticas de enrijecimento das existências “enlouquecidas”, configurando as relações terapêuticas a partir de um método de enquadramento diagnóstico. Dessa sorte a sua emergência confina as demais possibilidades existenciais de cada sujeito, atrofiando, portanto, suas relações de liberdade com o mundo. 1.1.3. O MODELO ASILAR E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Foi na segunda guerra mundial que boa parte da economia europeia se desdobrou no custeamento das batalhas, gerando uma fragilização da economia vigente à época. Só na França, mais de quarenta mil doentes mentais morreram nos asilos devido à precariedade dos manicômios. Com a superlotação dos hospitais, seu papel passou a ser repensado. O aumento constante da concentração de mortos e doentes, e a falta de infraestrutura para lidar com a população a que lhe era designada alertou sobre a necessidade de alterações nos modelos insalubres, advindo da higienização médico-social posta em marcha até então (FOCAULT, 2004). Neste sentido, o estado que antes assegurava o direito à vida passa a assegurar o direito a saúde sob determinados moldes. O hospital passa a se responsabilizar pela produção e pela manutenção da doença visando transformar o espaço e o tratamento 21 ofertado ao louco, e, desse modo viabilizar também a criação de novos dispositivos de cuidado (BIRMAN E COSTA, 1994). O modelo asilar de Pinel passou por críticas com relação ao modelo científico empregado ao tratamento de caráter moral dentro dos manicômios. Ainda no século XIX, período pós segunda guerra mundial (1939-1945), as denúncias de maus tratos, e das condições sub-humanas dos manicômios, impulsionaram a transformação e a reforma no modelo de cuidado do doente mental. A possível descoberta da “cura” para as doenças mentais através do uso intensivo de terapias tais como: a eletroconvulsoterapia, as lobotomias, o choque insulínico e o choque cardiazólico passam a ser utilizados como tratativas rotineiras nos denominados “doentes mentais”, tornando a força da psiquiatria cada vez maior (ROSA, 2003). Neste sentido, o Hospício Nacional de Alienados é transferido nesse período da Praia Vermelha para o Engenho de Dentro, em um local totalmente novo e amplo, possibilitando o aumento de leitos e a criação de modernos centros cirúrgicos para as lobotomias. Na década de 1950 o aparecimento dos primeiros neurolépticos ou antipsicóticos, passam a ser utilizados como medicamento principal no tratamento de Psicoses, que segundo Amarante: Embora os neurolépticos tenham sua importante parcela de contribuição, cumpre lembrar que as mais importantes inovações no campo das reformas psiquiátricas, a exemplo das comunidades terapêuticas, foram realizadas antes mesmo do advento dos psicotrópicos. Por outro lado, cumpre observar que o furor farmacológico dos psiquiatras dá origem a uma postura no uso dos medicamentos que nem sempre é “tecnicamente orientada”, muitas das vezes utilizados apenas em decorrência da pressão da propaganda industrial, muitas 22 das vezes por ignorância quanto aos seus efeitos ou às suas limitações, quando não, como mecanismos de repressão e violência, ou ainda, como no caso dos manicômios, com o fito de tornar a internação mais tolerável e os enfermos mais dóceis” (AMARANTE, 2008, p. 79). A partir da década de 1954, surgem modelos alternativos ao hospital psiquiátrico. As críticas ao modelo anterior propuseram-se a buscar outras tratativas para os “loucos”, embora ainda o questionamento quanto à própria concepção de doença e saber psiquiátrico ainda não apareciam. 1.1.4. A HISTÓRIA DA LOUCURA NO BRASIL Diferente da Europa, a loucura e sua conceituação como problema social surge a partir da vigência da sociedade rural pré-capitalista, marcada pelo trabalho escravo. O escravo e suas atribuições se entrelaçam na maioria das atividades produtivas do campo e da cidade, embora esse carregasse o estigma de feitor de um trabalho desabonador das práticas civis. Os loucos vêm se encaixar na massa crescente de pessoas consideradas e classificadas como inaptos, sendo estas, em sua maioria, pessoas sem trabalho (RESENDE, 2001). Contudo, mesmo que o surgimento da “loucura” estivesse vinculado a um contexto sócio-histórico-econômico, o tratamento dado não se diferenciou do modelo Europeu. No Brasil, em 18 de julho de 1841, o imperador Dom Pedro II assinou o decreto da fundação do primeiro hospital psiquiátrico do Brasil. Sua inauguração 23 aconteceu em 30 de novembro 1852 o nomeado “Hospício Pedro II” recebeu pacientes transferidos das enfermarias da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Neste sentido, a loucura que se manteve silenciosa por quase todo o período colonial passou a ter relevância a partir do século XIX, onde, diversas famílias, com alto poder aquisitivo, trancafiavam os “loucos” nos casarões senhoriais sob os cuidados dos próprios criados. Suas liberdades em termos sociais dependiam fundamentalmente de seus comportamentos. Os violentos, naquela época, eram torturados em cadeias (NAVARRO apud GONÇALVES, 2013). Diferentemente, o intuito do hospício não era a prestação e cuidados, mas o de “abrigar, excluir e remover” os pacientes do contexto social. Tal prática desumana e excludente perdurou por mais de quarenta anos (RESENDE, 2001). Como o "Hospício Pedro II" foi inaugurado vinculado à Santa Casa de Misericórdia, apontando seu caráter filantrópico, passou a ser alvo de críticas por parte dos médicos com relação à hegemonia da administração. Entre outras polêmicas, como a de que D. Pedro havia baseado a construção do hospital nos modelos europeus, foi chamado pelos críticos de “palácio para guardar loucos” (NAVARRO apud GONÇALVES, 2013). No início da década de 1890, as preocupações com a loucura faziam parte de uma série de medidas que articulavam o campo da psiquiatria com as áreas das epidemias, não com relação ao contágio, mas trazendo a ideia de que ambas contribuiriam negativamente para os contingentes das camadas sociais, principalmente das classes inferiores (LUZ, 1994). Em 1889, a Proclamação da República constitui um divisor de águas importante para a psiquiatria no Brasil ao despertar questionamentos relacionados à psiquiatria empírica e à psiquiatria científica. A direção dos asilos seria atribuída aos médicos 24 especialistas, tendo enfoque no crivo na ciência médica da época. Através do Decreto 206-A (RIO DE JANEIRO, 1890) a inserção no hospital estaria vinculada à ordem, à moral e aos bons costumes, tendo em vista a noção de perigo que o louco oferecia para a sociedade. Este mesmo decreto estabeleceu a criação da Assistência Médica Legal dos Alienados, sendo a primeira instituição pública de saúde estabelecida pela República (AMARANTE, 2003). O conjunto de decretos publicados no Brasil se espelhava nas diretrizes da psiquiatria de modo a aplicar ao “louco” o status de doente. O hospício foi designado como instituição para tratamento e cura, isto de modo a estabelecer o isolamento do louco como recurso interventivo (MACHADO, 1978). Os hospícios/manicômios surgiram no Brasil junto com as medidas da “primeira reforma psiquiátrica”. À adesão ao modelo manicomial se atribui ao capitalismo como um modelo fundamental para o desenvolvimento no Brasil. Em São Paulo, Franco da Rocha construiu o hospício-colônia (Hospício do Juqueri) que viabilizava o tratamento de pacientes agudos utilizando o trabalho agrícola como ferramenta terapêutica. Desse modo trouxe de volta à cena a utilidade social do “louco” (AMARANTE, 2003). Após o tratamento, caberia à família acolhê-lo, recebendo incentivo do governo para tal fim (RESENDE, 1994). Porém, as famílias sentiam-se desamparadas e abriram mão do cuidado pelo despreparo e desconhecimento, tendo dificuldade na compreensão de certas manifestações do doente, além da sobrecarga física e emocional que o sujeito nessas condições acarreta, invariavelmente, aos seus familiares (KOGA, 1997). 25 1.1.5. A REFORMA PSIQUIÁTRICA E A REDE EXTRA-HOSPITALAR Durante muitas décadas, antes do início da Reforma Psiquiátrica no Brasil, o paciente acometido pelo sofrimento mental foi tratado a partir do modelo asilar hegemônico, segundo o qual a superlotação dos manicômios brasileiros e os gastos com a manutenção das pessoas internadas terminou por estimular a defesa pela criação de outras formas de atendimento (SANTOS, 1931). O início do novo processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil surge nos anos 70. Esse movimento pautou a transformação dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, a defesa da saúde coletiva, a igualdade na oferta dos serviços de modo a estabelecer a transformação da realidade do usuário de saúde mental (AMARANTE, 1995). Na busca pelos direitos dos pacientes psiquiátricos em nosso país, foi criado o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), formado por funcionários integrantes do movimento sanitário, sindicalistas, associações de familiares, profissionais e pessoas com histórico de internações psiquiátricas. Esse movimento lutou e denunciou a violência dos manicômios, a comercialização da loucura e a supremacia da rede privada de assistência. Também criticou o chamado saber psiquiátrico e o modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com transtornos mentais. (BRASIL, 2005a) Para Saraceno (1999), as intervenções devem ter como estratégias o domínio dos fatores de proteção, pois estes garantem aos sujeitos a possibilidade de viver a vida distante dos circuitos de institucionalização, evitando o empobrecimento do mundo relacional dos acometidos por transtornos mentais, ampliando sua atuação e inserção no campo social. A promulgação da Lei 10.216/01 foi um fato importante do processo de reforma 26 psiquiátrica no Brasil, favorecendo a proteção das pessoas acometidas com transtornos mentais, possibilitando o redirecionamento da assistência em saúde mental no Brasil. A Lei da Reforma Psiquiátrica representou um marco na histórica da luta pela reforma antimanicomial no Brasil, viabilizando a construção de uma rede substitutiva ao modelo técnico-organicista, favorecendo os cuidados em saúde mental. Foram através destas transformações no âmbito da saúde mental que o Ministério da Saúde, juntamente com a Coordenação de Saúde Mental, que passaram a oferecer uma série de incentivos financeiros para o estabelecimento de serviços extra hospitalares de cuidados em saúde mental como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), entre outros, auxiliando na diminuição do número de leitos em hospitais psiquiátricos, na cidade de São Paulo, implantado como dispositivo estratégico para a reconstrução do modelo de atenção em saúde mental, com objetivo de promover e potencializar a sociabilidade e qualidade de vida do usuário, realizando atendimentos clínicos e oferecendo apoio matricial em saúde mental para a atenção básica. Em 1988, é criado o Sistema Único de Saúde (SUS), formado pela articulação entre as gestões municipal, estadual e federal, sob o poder de controle social, exercido através dos Conselhos Comunitários de Saúde (BRASIL 2001). Entretanto, o processo de intervenção ganha força em 1989, onde inúmeras denúncias por maus-tratos e mortes a pacientes foram feitas na Secretaria Municipal de Saúde, da cidade de Santos, São Paulo. Diante do ocorrido, esta intervenção teve repercussão nacional, demonstrando a necessidade da construção de uma rede de cuidados efetivamente substitutiva ao hospital psiquiátrico. Desta forma, foi implantado o primeiro Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) 24 horas, em Santos, além de possibilitar a criação de cooperativas e residências terapêuticas para os pacientes de 27 hospitais e associações psiquiátricas, trazendo um marco no processo de Reforma Psiquiátrica brasileira (BRASIL, 2005b). A reforma foi lentamente ganhando força e forma na prestação de um serviço mais humanizado, diferente dos manicômios judiciais e asilares. O trabalho realizado com pacientes/usuários passa a estabelecer uma concepção diferente do que era possível realizar anteriormente, trazendo, entre outras, as práticas artísticas. O modelo da oficina é implantado lentamente nos CAPS e hospitais psiquiátricos, buscando a promoção dos aspectos psicossociais do paciente, contribuindo para a experimentação de novas vivências, possibilitando assim um espaço para desenvolvimentos inesperados, descritas por Amarante: Nas composições desses artistas, cumprem-se as duas exigências da arte: destruir a comunicação comum e criar uma outra comunicação. Além disso, há também a dimensão da autoestima. Ao serem reconhecidos publicamente como artistas, como criadores, essas pessoas são apanhadas pela rede da cultura e trazidas para dentro da sua órbita, ainda que excêntrica. São incluídos após terem vivido um período de suas vidas na exclusão. E incluir é exatamente o nosso papel, juntamente com o de incentivar a tolerância e o respeito à diferença (AMARANTE, 2008, p, 27). No século XX, as discussões sobre a reforma psiquiátrica e avanços nas políticas de saúde mental (criação de residências terapêuticas, CAPS e outros serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico) estabeleceram um espaço para reflexão sobre qual seria o olhar mais adequado para com a pessoa acometida por transtornos mentais. A nosso ver, a fenomenologia existencial contribui para a compreensão do paciente psiquiátrico não apenas como “doente”, mas como pessoa, assumindo uma postura de igualdade diante 28 dos status e diretos como cidadão. (LAING, 1967 apud BRZOZOWSKI et al., 2010, p. 271). Desta maneira, a Reforma Psiquiátrica brasileira, sob a influência fenomenológica existencial, compõe uma ruptura no campo setorial da saúde, contribuindo essencialmente para prática e importância do estabelecimento da bioética em saúde mental1. As desconstruções dos poderes institucionais juntamente com a aproximação entre o paciente e o profissional da saúde possibilitaram a reformulação dos serviços prestados a estes ao proporem novos direcionamentos para uma atenção psicossocial e efetivação terapêutica, valorizando a importância social e pessoal entre ambos (BRZOZOWSKI et. al., 2010, p. 270-275). Após as inúmeras mudanças atribuídas a reforma psiquiátrica, a família passa a ser convidada a repensar, engrandecendo a importância desta no cuidado voltado a pessoa com transtornos mentais. Mais do que nunca, a desinstitucionalização psiquiátrica passa a ser estudada e compreendida como recurso estratégico para intervenção no tratamento psiquiátrico, tendo como papel acolher e fortalecer seus vínculos, produzindo possibilidades de viver em sociedade, revertendo assim o modelo manicomial (ROSA, 2011a). 1 Segundo Junqueira (2012), a Bioética tem como objetivo facilitar o enfrentamento de questões éticas/bioéticas que surgirão nas relações humanas no âmbito profissional. Sem esses conceitos básicos, dificilmente alguém consegue enfrentar um dilema, um conflito, e se posicionar diante dele de maneira ética. A Bioética é a ciência “que tem como objetivo indicar os limites e as finalidades da intervenção do homem sobre a vida, identificar os valores de referência, denunciar os riscos das possíveis aplicações em questões cientificas. O progresso científico não é um mal, mas a “verdade científica” NÃO pode substituir a ética. 29 Para Pontes (2009), é comum que a atenção da família gire em torno dos sintomas, uma vez que passa a ter um valioso papel no cuidado da pessoa adoecida. Desta forma, a pessoa com transtornos mentais é direcionada a vivenciar apenas seu tratamento, negando suas manifestações, vontades e desejos, reduzindo a sua história de vida a um diagnóstico. Kempton, citado por Ballone (2006), afirma, resumidamente, que as diferentes atitudes face à sexualidade do doente mental, as intitulam e classificam como eternas crianças, dignas de piedade, que precisam ser tratadas com altruísmo. Esta atitude reduz a expressão da sexualidade de pessoas portadoras de transtornos mentais, colocando-a como inexistentes; e se existe, há que negá-la e sublimá-la através de medicações e métodos higienistas. Desta maneira, pessoas com transtornos mentais passam a ser reduzidas, classificadas e percebidas como seres infra-humanos, imperfeitos e indesejados; quando os mesmos manifestam qualquer tipo de atividade sexual as reações são, em geral, de medo e repulsa. Os profissionais da saúde mental assumem o papel de auxiliadores da ampliação de ações sensibilizadoras do cuidado deste familiar adoecido, valorizando o saber da família no processo de integração terapêutica. Surgem diversas mudanças nas relações familiares a partir das necessidades inerentes à promoção do cuidado, reorganização a distribuição do “peso” deste papel com relação ao doente mental, possibilitando a integralidade do cuidado universal e seus benefícios. A participação da família neste processo construtivo promove maiores investimentos na intersetorialidade governamental, aumentando, significativamente, a visibilidade e importância desta em contextos que exijam cuidados contínuos, promovendo um olhar acolhedor no âmbito familiar (ROSA, 2011b). 30 2. SEXUALIDADE E SEUS DESDOBRAMENTOS 2.1.O CONCEITO “SEXUALIDADE” No século XIX, pouco se falava sobre sexualidade. Esta se desdobrava entorno do casamento, da reprodução, das relações binárias e estritamente relacionadas ao ato sexual. Ainda em meados do século XX, no âmbito da saúde, a sexualidade era meramente vinculada ao ato sexual, reprodutivo e genital, como função biológica e orgânica, tendendo as classificações de normalidades e anomalias vinculadas aos seus desdobramentos (BARBOSA, 1995). Entretanto, as manifestações sexuais não estão apenas vinculadas aos atos reprodutivos ou meramente sexuais, mas como modo de expressão que incluí um conjunto de atitudes, valores, práticas, afetos, características culturais, vínculos emocionais, identidade e de gênero, compreendendo os atravessamentos relacionados a sexualidades como questões vinculadas aos aspectos sociais, políticos, culturais e singulares do ser, não estabelecendo em modelo universal e heterossexual (RESSEL; GUALDA, 2003). A sexualidade tem relação com a história e com a cultura. Altera-se no tempo, mas não há progressão linear. Não podemos falar em uma história única da sexualidade. Na era vitoriana, no século XIX, o discurso sobre a repressão funcionava com outros discursos que proliferava o proibido; aspecto que muitos acreditavam que aí estava de fato a verdade do ser. Os demógrafos e os psiquiatras do século XIX se desculpavam ao falar sobre questões relacionadas à sexualidade, pois essa era considerada fútil e imoral. Foucault diz: 31 Para amanhã o bom sexo. É porque se afirmar essa repressão que se pode ainda fazer coexistir, discretamente, o que o medo do ridículo ou o amargor da história impedem a maioria dentre nós de vincular: revolução e felicidade; ou, então, revolução e um outro corpo, mais novo, mais belo; ou, ainda, revolução e prazer. Falar contra os poderes, dizer a verdade e prometer o gozo; vincular a iluminação, a liberação e a multiplicação de volúpias; empregar um discurso onde confluem o ardor do saber, a vontade de mudar a lei e o esperado jardim das delícias — eis o que, sem dúvida, sustenta em nós a obstinação em falar do sexo em termos de repressão; eis, também, o que explica, talvez, o valor mercantil que se atribui não somente a tudo o que dela se diz como, também, ao simples fato de dar atenção àqueles que querem suprimir seus efeitos (FOUCAULT, 1988, pg.11). O poder, tal como citado por Foucault, não é apenas uma instituição, mas sim uma relação dos sujeitos com o mundo. A família, os manicômios, os asilos, a escola, o exército são espaços de disciplinamento vinculados historicamente com o poder de coerção. Ao falar de coerção não estamos falando de questões meramente relacionadas ao corpo, mas sim ao subjetivo que controla e direciona os corpos. Sujeitos só podem ser compreendidos através de suas redes de relações, nas práticas que estão envolvidos, e a partir dos saberes que utilizam e o que os atravessam (FOUCAULT, 1988). Figueiredo e Carvalho (1999) afirmam que a tendência à exclusão da sexualidade, contextualizando-a como manifestação patológica, estabelece um afastamento ao diálogo sobre a mesma, uma vez que esta passa a ser estigmatizada. 2.2. SEXUALIDADE E O DISCURSO MÉDICO No Ocidente, os discursos médicos, através das relações do saber e do poder, estabeleceram um olhar opressivo para a sexualidade, organizando-a como aspecto 32 normativo ou desviante/patológico. A sexualidade foi associada às questões meramente genéticas e comportamentais, não havendo questionamentos sobre as peculiaridades e individualidades humanas nesse campo, e sim uma mera narração embasada por teorias e padrões que validavam a vivência da mesma (FOUCAULT, 2010). O poder exercido por esta narrativa demonstra a tentativa de controlar as individualidades humanas, embasadas em um regime de verdade sobre o comportamento sexual (FOUCAULT, 1988). O diagnóstico, por seu turno, permite a estruturação das verdades sobre os indivíduos que se diferenciam dos padrões normativos da sexualidade. Pronunciamentos embasados no saber médico também envolvem a Psicologia e a Psiquiatria, onde os discursos traçados por estas se combinam, na tentativa de controlar o indivíduo através dos relatórios, protocolos e diagnósticos. A exemplificação destas questões apontadas é citada por Foucault ao questionar os saberes da ciência médica: O exame médico, a investigação psiquiátrica, o relatório pedagógico e os controles familiares podem, muito bem, ter como objetivo global e aparente dizer não a todas as sexualidades errantes ou improdutivas, mas, na realidade, funcionam como mecanismos de dupla incitação: prazer e poder. Prazer em exercer um poder que questiona, fiscaliza, espreita, espia, investiga, apalpa, revela; e, por outro lado, prazer que se abrasa por ter que escapar a esse poder, fugir-lhe, enganá-lo ou travesti-lo. Poder que se deixa invadir pelo prazer que persegue e, diante dele, poder que se afirmar no prazer de mostrar-se, de escandalizar ou de resistir (FOUCAULT, 1988, p.45). O poder exercido pela ciência médica e o status de verdade vem ao encontro de outros atravessamentos no século XIX, traçando um panorama de normalidade que todos devem se adequar, onde a figura masculina torna-se o principal agente dos dispositivos 33 da sexualidade. A busca por compreender uma rede de relações que Foucault chama de “dispositivo”, dialoga com as contribuições da psicanálise nas questões familiares consideradas como perversas. A mulher nervosa, o marido impotente, a histérica, o homossexual, entre outros, surgem como um mal a ser tratado pelos poderes vigentes da época, na tentativa de resgatar os padrões normativos (FOUCAULT, 1988). Os múltiplos discursos advindos da necessidade de estabelecer uma normatização dos indivíduos através das verdades lançadas pelas instâncias de poder, conceitua a necessidade de revelação do proibido. A confissão surge advinda de que no sujeito existe algo ocultado que precisa ser dito para que possa ser normatizado, como podemos observar nas palavras de Foucault: Ela se constitui em dupla tarefa: presente, porém incompleta e cega em relação a si própria, naquele que fala, só podendo completar-se naquele que a recolhe. A este incumbe a tarefa de dizer a verdade dessa obscura verdade: é preciso duplicar a revelação da confissão pela decifração daquilo que ela diz. Aquele que escuta não será simplesmente o dono do perdão, o juiz que condena ou isenta: será o dono da verdade. Sua função é hermenêutica. Seu poder em relação à confissão não consiste somente em exigi-la, antes dela ser feita, ou em decidir após ter sido proferida, porém em constituir através dela e de sua decifração, um discurso de verdade (FOUCAULT, 1988, pg.64). As confissões e seus efeitos de domínio em relação à sexualidade passam a não ser unicamente vinculado ao pecado e a culpa. Surge como patologia e campo para reflexão de doenças e na estruturação do espaço de cura do discurso médico. Surge como algo necessário para o diagnóstico e para o processo de restauração da saúde do indivíduo. A verdade delineada a partir do discurso médico no século XIX, e a idealização da confissão cansativa como algo indispensável, têm como base os ritos do ocidente 34 cristão pela busca por respostas absolutas no campo da sexualidade. Até então era atribuído aos discursos direcionados à sexualidade premissas do ato sexual e do prazer. Através dos discursos médicos foram instauradas compreensões baseadas em uma verdade que contempla a história do desenvolvimento das intervenções clínicas da escuta (FOUCAULT, 1988). 2.3. SEXUALIDADE E A LOUCURA A sexualidade foi definida historicamente como algo que poderia ser adentrado, aprofundado e invadido. No campo patológico, as intervenções dos discursos da ciência médica, advindos dos poderes historicamente supracitados fomentaram intervenções terapêuticas de normatização da sexualidade. A necessidade de descoutar e decifrar os sujeitos protagonizam o processo de escuta e as revelações obtidas através dos discursos contribuem para a classificação e padronização dos sujeitos. A Psiquiatria e a Psicologia, advindas da medicina, utilizaram-se do discurso como um recurso investigativo para atribuição do status “sadio” ou “adoecido”. Os receptores envolvidos na apreciação dos discursos atravessam diretamente os sujeitos. Os parâmetros avaliativos dos poderes aqui exercidos estão cercados por falhas, citados por Foucault: [...] o poder jamais estabelece relação que não seja de modo negativo: rejeição, exclusão, recusa, barragem ou ainda, ocultação ou mascaramento. O poder não pode nada contra o sexo e os prazeres, salvo dizer-lhes não; se produz alguma coisa, são ausências e falhas; elide elementos, introduz 35 descontinuidades, separa o que está junto, marca fronteiras. Seus efeitos tomam a forma geral do limite e da lacuna (FOUCAULT, 1988, p. 80). Ao se deparar com tais constatações, as compreensões que permeiam os transtornos mentais e da sexualidade, que antes eram identificados, principalmente, por meio da observação do comportamento do indivíduo, considerado inadequado e estranho, e dificilmente podem ser detectados por exames laboratoriais passam a ter novos olhares (BRITTO, 2012). O discurso do louco e seus atravessamentos estão vinculados essencialmente à alma humana e insere-se como dimensão da interioridade, estabelecendo o status, estrutura e significação psicológica, embora esta se torne o resultado superficial de uma operação mais surda e situada num nível mais profundo, inserindo a loucura em um sistema de valores e repressões morais. Neste sentido, a doença mental entra num sistema punitivo, onde, o “louco” é compreendido como criança, sua liberdade e autonomia são comprometidas, seu discurso é desvalidado diante das instâncias de poder que o atravessam e o cercam, assim citados por Foucault: [...] a sexualidade das crianças, a dos loucos e dos criminosos; [...] o prazer dos que não amam o outro sexo; os devaneios, as obsessões, as pequenas manias ou as grandes raivas. Todas estas figuras, outrora apenas entrevistas, têm agora de avançar para tomar a palavra e fazer a difícil confissão daquilo que são. Sem dúvida não são menos condenadas. Mas são escutadas; e se novamente for interrogada, a sexualidade regular o será a partir dessas sexualidades periféricas, através de um movimento de refluxo (FOUCAULT, 1988, p.39). 36 O sistema de punição do “louco” está associado ao processo de hierarquização social em conjunto com outros mecanismos. O capital associado às forças produtivas desenvolvidas através do biopoder trabalhado por Foucault (1988) foi um elemento fundamental do capitalismo, vinculado intrinsicamente ao controle dos corpos de produção. O capitalismo exigiu o desenvolvimento das instituições de poderes, como o estado, para garantir o controle de outras instituições como a família, a polícia, a medicina e etc. O “louco” então fica à mercê dos saberes instituídos, à espera das manifestações dos sintomas para que assim os possíveis enquadramentos normativos pudessem ser realizados. Ao tratarmos da questão da regulação sobre as maneiras de manifestação das sexualidades, estamos tratando do entendimento de que, muito além de uma interdição, de uma censura, estão sendo produzidos constantemente discursos que dão manutenção a uma forma adequada, correta, ideal de se formular a sexualidade e o ato sexual em si (FOUCAULT, 1988). É o que Butler (2000) nomeia como “performidade de gênero”, que é “a prática reiterativa e situacional pela qual o discurso produz os efeitos que ele nomeia”. Família, escola, igreja, instituições legais e médicas mantêm-se, por certo, como instâncias importantes nesse processo constitutivo. (LOURO, 2008). Portanto, questionar a padronização da sexualidade e do desejo, a sedimentação de maneiras enquadradas nos incomoda, pois, “o real é algo movediço” (FEIJOO e PROTASIO, 2011). 3. O MÉTODO ANALÍTICO EXISTENCIAL 37 3.1.1. A FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL No final do século XIX, destaca-se na Alemanha, Edmund Husserl (1859-1938), um teórico que propôs reflexões referentes aos métodos da ciência positivista, levando aos teóricos do psiquismo o pensarem sobre a subjetividade que havia sido excluída até então. O estudo dos fatos marcados pelo positivismo e seu movimento de tornar aquilo que é pesquisado em objeto vai ao desencontro da fenomenologia apresentada por Husserl, composta pelo estudo dos fenômenos que se manifestam para um ser, para uma consciência. A fenomenologia de Husserl fundamenta seus estudos como uma perspectiva crítica ao naturalismo da época, trazendo os dados observáveis como única realidade analisável. (ZILLES, 1994). Sua proposta vincula-se ao mundo interior dos homens, buscando a conexão entre as coisas em si e as ideias. Husserl privilegia, portanto, o estudo da auto constituição e atualização sintética dos campos correlatos (movimento de audomação) , e a define como instância psíquica que constitui significações, seja ao apreender ou ao constituir os significados dos acontecimentos naturais ou psíquicos. Ele estava preocupado com o ato de consciência e o alo correlato. Busca descrever como algo se apresenta para alguém e não para a pessoa. Consciência aqui significa um ato que intencionalmente se atualiza a partir do momento que somos. A fenomenologia husserliana propõe a volta ao fenômeno e seus detalhes presentes: uma lembrança, um ruído, uma característica, um perfume que, ao ser experimentado, passa a ser transmitido para quem o vivenciou. Husserl buscou compreender o ser humano e se voltou para “experiências vividas”, cuja sustentação é o dia-a-dia, ou seja, o mundo, o cotidiano, ele voltou para as experiências vividas quando a 38 suspenção das atitudes naturais. Ele apresenta uma necessidade de repensar sobre a consciência e as percepções em sua maneira originária e intencional. (ZILLES, 2004, pg. 44). A fenomenologia tem por ideia fundamental a intencionalidade da consciência, entendida como o movimento da consciência para compreensão do mundo. Diante disso, assume que todos os atos, hábitos, comportamentos, pensamentos, sentimentos e qualquer outra ação humana têm um significado. Através da fala, da expressão, da consciência é possível ter acesso aos fenomenos movimento que constitui a compreensão do vivido. Desta forma, a consciência é de, voltando-se para um corpo correlato que também é sempre "objeto para uma consciência" (ZILES, 2004). Entretanto, para se aproximar da essência do fenômeno, das significações vividas na existência humana concreta, Husserl afirma que a redução eidética, ou redução do eu, não deve partir de suas compreensões de mundo, suas experiências, crenças, teorias e vivência a priori; é necessário colocar entre “parênteses” tudo aquilo que temos como verdade. Essa conduta é chamada de epoché. A epoché husserliana, é o movimento de separação das compreensões do mundo vivenciadas, para se aproximar da consciência pura. É o movimento introspectivo de estabelecer um ponto que parta da neutralidade; sem esse movimento torna-se inviável a aproximação da essência (SEIBT, 2012). Martin Heidegger (1889-1976), em oposição à ideia de método descritivo e reflexivo dos atos de consciência de Husserl, nega que a fenomenologia é um método voltado para as vivências intencionais. Heiddeger vai começar estabelecer os conceitos das negatividades ontológicos, derivas de um modo que nos absorve, orientando-se a partir de uma nadidade, sem pressupostos ou pré-conceitos estabelecidos, para chegar ao que se dá em si mesmo. A partir da própria indeterminação do mundo, eu preciso que o 39 mundo me diga quem eu sou e me deixar absorver no campo histórico. Neste movimento eu estou cuidando da minha condição originária de ser determinado e finito. A entrada de sentido no mundo e os modos de recepção vao constituindo as questões existenciais. Heidegger critica o modelo de suspensão do mundo de Husserl que sugere a suspenção, onde o que você pensa já é resultado do que acontece ao pensar. Heidegger acredita que o homem se constitui a partir de sua nadidade estrutural, de sua negatividade; ele está sempre à beira de se confrontar com sua negatividade constitutiva (CASANOVA, 2018). Por ter esse caráter ontológico, é que se faz possível toda estruturação de uma maneira- de-ser a partir da historicidade sedimentada nos horizontes de possibilidades. Por entender que o homem é tomado como abertura de vir a ser, trazendo a condição paradoxal vinculada a indefinição e a constituição do processo vivencial do seu próprio existir (FEIJOO, 2011). O autor acredita que discursos carregados de significações historicamente dadas direciona as pessoas às escolhas pelos modos-de-ser. E isto propicia novas aberturas de horizontes de possibilidades para que novas escolhas sejam feitas. Heidegger nomeia esse ser-ai ou ser-ai-no-mundo como Dasein (FEIJOO e PROTASIO, 2011). A existência em questão é o espaço onde é possível experenciar a transformação impensada e não vivenciada (PROTASIO, 2012). 3.1.2. BREVE APRESENTAÇÃO SOBRE A ANALÍTICA EXISTÊNCIAL DE HEIDEGGER E O DASEIN (SER-AÍ) Na obra Ser e Tempo, Heidegger trabalha em toda a primeira secção na apresentação das estruturas do Dasein, explicitando o que este ente é: ser-no-mundo. É em sua história e em seu horizonte histórico que o ente dotado do ser-aí pertence ao 40 mesmo tempo em que se torna o seu modo de ser no mundo. O mundo orienta o ser-ai; o Ser-ai não é como algo no mundo na posição de mero objeto, de um ente intramundano, mas sendo ele mesmo o mundo, como um ser que dá ao mundo significado, modos distintos de compreensão em uma relação intencional (FROTA e DUTRA, 2018). O homem não é passível de determinações passiveis, pois para Heidegger o homem é essencialmente abertura, compreendido como poder-ser. Decididamente, o cuidado com o ser-com requer, de igual modo, investimentos continuados. Nada há de puramente “natural” de “dado” em tudo isso: as questões relacionadas aos gêneros, orientações e questões relacionadas a sexualidade se constituem-se em processos que acontecem no âmbito da cultura. Esses investimentos se articulam no âmbito da relação, assim esclarecendo as questões humanas como não sendo algo inato, seguimos buscando descrever as maneiras como a mesma se dá, e seguimos assim as fundamentações de Husserl quando esclarece que a atitude fenomenológica consiste em suspender as apostasias, buscando alcançar aquilo que subjaz a determinação das coisas, tendo assim uma postura antinatural (FEIJOO, 2014). Em Ser e Tempo, Heidegger propõem um modo diferente de compreender o ser. Para isto, o autor buscará se abster de qualquer forma de materializar a existência. Categorizar o ente existente (o homem) é um movimento insuficiente para sua descrição e compreensão. O conceito de facticidade, nomeado por Dasein, reconta seu modo de se fazer presente na existência que é dele. Heidegger descreve as “estruturas existenciais” que se co-pertecem mediante o modo de ser de um ser-aí na existência que é sua. O ser- aí é visto como uma totalidade estrutural de sua existência; ele mantém uma relação de abertura ao ser. Tal modo é compreendido em uma totalidade estrutural da existência, sendo assim chamado de ser-no-mundo. O Dasein é o movimento de “abertura” de poder- 41 ser, que está atrelado a sua facticidade inerente, vinculada a seus comportamentos, modos e hábitos. Estes são intrínsecos na relação mútua entre o ser-aí e o mundo que habita e que também o compõe. Casanova (2009) afirma que a primeira parte da obra Ser e Tempo busca explicitar a semântica do entrelaçamento entre a facticidade do seu mundo e o poder-ser do ser-aí. A compreensão do ser-aí se dá a partir do seu existir, no movimento que propicia o encontro entre o ente e o mundo. Heidegger (2005) utiliza o termo de-cadência (verfallen) para descrever o que ele chama de modos fundamentais do ser homem. A partir da cotidianidade o Dasein conquista sua cotidianidade na ocupação. Este movimento o aproxima do contato com sua impessoalidade frente a sua própria vivência. Em contrapartida, o poder-ser é o que mais o aproxima o ser-aí da autenticidade de seu ser-para-morte. Heidegger (2005) afirma que a pre-sença não é suficiente frente a possibilidade da morte. “A morte é, em última instância, a possibilidade da impossibilidade absoluta da pre-sença” (HEIDEGGER, 2005. p. 32). O Dasein vivencia nesta oscilação entre a sua propriedade e impropriedade, pois é da impropriedade que este se compreende; há momentos onde este é compreendido no cotidiano, em um tempo público e outrora em um tempo propriamente seu, em seu poder-ser mais autêntico, pois é na impropriedade que este se compreende. 3.2. ASPECTOS EXISTENCIAS ENTORNO DA LOUCURA E SEXUALIDADE 42 A partir da ontologia fundamental contida em Ser e Tempo, de Heidegger, busca- se a verdade que se encontra alojada na história, no processo de constituição histórica do sujeito, de forma que o Dasein não é somente estar no mundo como um mero objeto, um ente intramundano, mas sendo ele mesmo o mundo, como um ser que dá ao mundo significado, modos distintos de compreensão em uma relação intencional (Frota e Dutra, 2018). Pensar a constituição da sexualidade é, inevitavelmente, traçar uma compreensão histórica sobre de que maneira se compreende a mesma e seus desdobramentos, e, além disso, como se dá a experiência do sujeito que se constitui nesse horizonte e se desvela nas relações, já que uma relação humana, estabelecidas entre dois seres livres que buscam explicitar o específico do ser humano, pode ser definida como uma ligação em que ocorra uma troca de conteúdos humanos e na qual a comunicação entre essas duas pessoas possibilite o desvelamento de significados colocados por ambas as partes (GIOVANETTI, 2017, p.68). Traça-se aqui de um olhar compreensivo sobre as maneiras de experienciar a sexualidade nos corpos contemporâneos, mais especificamente a sexualidade na vivência psiquiátrica. O indivíduo não pode fazer absolutamente nada que não seja articulado pelo mundo que é ele, assim, questões relacionadas à sexualidade são as possibilidades que se desvelam para os sujeitos contemporâneos em contato com essa historicidade (FEIJOO, 2014). É preciso também buscar reconhecer, a partir desse discurso da normalidade sexual, quem é reconhecido como normal, adequado, sadio e quem se diferenciam desses sujeitos dentro deste espaço compreensivo que estamos nos referindo (LOURO, 2008). 43 O sujeito, enquanto Dasein, se constitui a partir de sua nadidade estrutural, de sua negatividade; ele está sempre à beira de se confrontar com sua negatividade constitutiva (CASANOVA, 2018). Por ter esse caráter ontológico, é que se faz possível toda estruturação de uma maneira-de-ser a partir da historicidade sedimentada nos horizontes de possibilidades. Ao falar sobre sexualidade é preciso desordenar as certezas, as ideias enraizadas, pois não há uma única verdade sobre esta, como afirma Foucault: Se o sexo é reprimido, isto é, fadado à proibição, à inexistência e ao mutismo, o simples fato de falar dele e de sua repressão possui como que um ar de transgressão deliberada. Quem emprega essa linguagem coloca-se, até certo ponto, fora do alcance do poder; desordena a lei; antecipa, por menor que seja, a liberdade futura (FOUCAULT, 1988). Busca-se, portanto, criar espaço para a reflexão sobre a liberdade, atingindo, de certa forma, a sedimentação de um olhar que considere a padronização do correto e do ideal sexual dentro dos modos-de-ser-sujeito. Questiona-se por entender que o homem é tomado como abertura de vir a ser, trazendo a condição paradoxal vinculada à indefinição e à constituição do processo vivencial do seu próprio existir (FEIJOO, 2011). A relação do Dasein com os discursos carregados de significações historicamente dadas o direciona a escolhas pelos modos-de-ser, propiciando novas aberturas de horizontes de possibilidades para que novas escolhas sejam feitas (FEIJOO; PROTASIO, 2011). 44 3.3 A DOR E O TÉDIO NA PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA Nossa pretensão aqui é vivificar as reflexões oriundas da psicologia fenomenológica tal como desenvolvida por Frederick Buytendijk (1887-1974) e por Sören Kierkegaard (1913-1955). Entendemos que através destas reflexões será possível diferenciar a dor do próprio existir do sofrimento que aqui denominaremos como a dor da dor. A dor pode ser considerada como algo que afeta a pessoa em seus modos de existir, assim como pode paralisar ou mobilizar a possibilidade de transformação do ser. Silva e Goto (2017) propõem uma reflexão sobre a dor e o sofrimento na perspectiva fenomenológica ao citarem as contribuições de Buytendijk, um estudioso da Biologia, da Psicologia e da Psiquiatria que utilizou a fenomenologia filosófica de Husserl no intuito de construir uma psicologia fenomenológica. Buytendijk trabalhou a ideia de que a dor se faz presente na vivência intencional do sofrimento e é por este motivo que salienta a importância em diferenciar as sensações de dor do sofrimento da dor, uma vez que o sofrimento se refere à pessoa como ato intencional, enquanto a sensação dolorosa pode permanecer independente do ato por ela firmado. Heidegger (2012), aponta para o caráter finito, vulnerável e incontornável da existência como se referindo à dor. Ele, em súmula, afirma que o que “faz viver também faz doer”. Fogel (2010), propõem reflexões sobre a diferença entre dor e sofrimento, utilizando duas expressões: dor e dor da dor. A dor surge de modo intrínseco ao existir humano. Esta está vinculada à onde há existência e pode ser reproduzida como nos aspectos físicos e emocionais. Pode estar vinculada às perdas e às separações, as obrigações e aprisionamentos cotidianos, entre outros. Já o sofrimento nasce da tentativa de não vivenciar a dor. Feijoo (2019) trabalha os conceitos que Kierkegaard sobre o 45 sofrimento. Este afirma que o sofrimento é a doença do querer o que não se pode conquistar pela vontade, reafirmando: A primeira dor é aquela pela qual a criança é tomada quando algo a atinge, e a tristeza é infinitamente profunda. A segunda é aquela em que o adulto sofre não apenas com a dor, mas também com o fato de que ele vive a dor (FEIJOO, 2019). O ser-no-mundo, como nos diz Heidegger (1989), é no mundo, nos espaços do existir em o desvelamento dos sentidos surgem através de uma familiaridade. Desta forma, esse tipo de associação ao mesmo tempo em que nos norteia, nos encapsula. A existência se dá na abertura de sentido vinculado ao horizonte no qual está mergulhado. Deste modo, homem e mundo são totalidade, podendo assim ser compreendidos a partir de um horizonte prévio de sentido. A era da técnica que calcula o que o mundo nos diz e o sentido das ações proclama a certeza, à segurança. A tentativa de controle das ações converte-se em finalidades justificadas em si mesmas com o intuito de assegurar uma certeza. Heidegger (2006) afirma que o tédio consiste na tonalidade afetiva fundamental do horizonte histórico da existência. A tentativa de ofuscar ou reduzir o total desapreço e abandono do ser, embasa o modo em que nós nos encontramos afinados na era da técnica. Na era da técnica surgem orientações do mundo que ocorrem de modo com que esta absorva o homem, automatizando seus atos. Feijoo (2014) cita as ideias de Kierkegaard e Heidegger ao anunciar à distração de todos os tipos em nossa contemporaneidade, surgindo nos excessos: seja diversão ou trabalho, na tentativa de não permitir que o tédio 46 se manifeste, concebendo o homem compulsivo da atualidade. O tempo, ao que se atempera com o tempo do mundo, se estabelece por um modo aligeirado, pois o homem da era da técnica perde totalmente o interesse por aquilo que é seu nas presunções e possibilidades daquilo que idealiza em seu existir. 4. O CASO CLÍNICO Esta pesquisa tem como única finalidade compreender o vivido e, para tanto, foram utilizados relatos de sessões de um processo psicoterapêutico do paciente Eros (nome fictício). O que será descrito a seguir não tem como princípio o movimento de ensinar os valores ou corrigir algo disfuncional da vivência do paciente, buscamos apenas o caminhar em direção ao desocultamento do paciente que se coloca na relação terapêutica. Dessa forma, serão descritas e analisadas oito sessões de psicoterapia desse paciente. 4.1. INTRODUÇÃO DA HISTÓRIA DE EROS Eros (nome fictício), 19 anos, solteiro, mora com sua família constituída por seu pai e sua mãe. O viés de chegada até a terapia foi através da mãe que entrou em contato com o terapeuta em março de 2018, afirmando estar desesperada com a situação de seu filho, quando então resolveu agendar um atendimento psicológico. Durante o primeiro atendimento a mãe relatou que E. esteve internado e obteve alta médica há 5 dias de um hospital psiquiátrico na região de Ribeirão Preto- SP, após episódios de “muita confusão, agitação, ausência de sono e agressividade”. Afirmou que desde a infância E. foi muito agitado e ansioso, mas tudo começou a piorar na 47 adolescência. A partir dos 13 anos, E. teve uma rotina escolar agitada e atarefada, frequentando a escola no período da manhã e cursos de música, línguas e informática no período da tarde. Segundo a mãe, ele apresentava dificuldade de se concentrar durante as aulas e de se relacionar com outras pessoas. Acredita que E. sofreu bullying por parte de seus amigos, principalmente na escola que frequentou no ensino fundamental, o que o levou a ser excluído dos contextos sociais em que esteve inserido. “Ele foi tão frustrado (...) que ficou doente” foi a frase utilizada pela mãe para descrever sua compreensão diante dos fatos apresentados. Com o passar o do tempo, segundo a mãe, E. foi ficando mais agressivo, sem paciência, inquieto e com pensamentos confusos: “Ele acreditava que nossos vizinhos estavam tentando lhe matar e que as pessoas tinham inveja dele”. A mãe ainda relata que o filho passava horas no quarto trancado jogando videogame sozinho e evitava ao máximo sair de casa. A família procurou ajuda de um profissional da psicologia e da psiquiatria cerca de um mês antes deste ser internado. Após a realização de testes neuropsicológicos e pela avaliação psíquica, E. foi diagnosticado com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Passou a fazer uso de Ritalina®2, tendo sido prescrito tomar duas vezes por dia. Em menos de uma semana de utilização do medicamento, o quadro de E. se agravou. “Ele discutiu com seu pai e quebrou os vidros do carro da família, depois foi para cima do meu marido tentando agredi-lo”, foi o que a mãe relatou antes do médico solicitar sua internação. 2 Nome comercial de um fármaco que age no sistema nervoso central para ajudar a manter a atenção e o foco, indicado principalmente para TDAH. 48 E. acabou sendo internado em um hospital psiquiátrico na região de Ribeirão Preto-SP e obteve alta médica após 34 dias de internação. Voltou para casa sedado, mas sua mãe referia que ainda estava confuso e acreditando que as pessoas queriam prejudicá- lo. Diante do apresentado, agendei um novo atendimento para que eu pudesse conhecê- lo. 5. O DISCURSO DE EROS SOB A ANALÍTICA EXISTENCIAL E. chega pontualmente ao consultório aparentemente com o humor estável, bom contato visual e bem vestido. Quando o questiono sobre o que o trouxe para o atendimento psicológico, começa a falar sobre sua “revolta” com a vida. Faz associações com seu passado e com o que seus pensamentos estão lhe dizendo no momento, realizando movimentos rápidos com seus braços e deixando seu corpo mais rígido. Traz conteúdos místicos em sua fala, onde afirma que tem poderes psíquicos, sendo capaz de controlar os semáforos e o que as outras pessoas pensam. Refere que as pessoas sentem inveja de sua sabedoria e por isso querem destruí- lo. Queixa-se da medicação, afirmando que está sentindo seu corpo “amarrado” e mais lento; relata que perdeu o amor da sua vida após uma grande injustiça e que tudo na sua vida piorou após este acontecimento. Ele conta que a inveja de seus vizinhos evoluiu ao ponto de seus pensamentos ficarem o alertando do perigo, a todo o momento, principalmente quando estava sozinho. Estes medos ganharam aspectos claramente paranoides quando começou a colocar cordas e cadeados na janela de seu quarto, pois afirmava que as vozes das divindades o orientavam do perigo que corria. O sentir-se “amarrado” relatado por E. vem ao encontro com o conceito de restrição de mundo, onde 49 as patologias (e sua estruturação sintomatológica) estão ligadas a uma perda de liberdade. Na fenomenologia saúde seria a não restrição, mas sim a abertura perante as possibilidades que se mostram. Entretanto, não seria em si a ausência do sofrer, já que não é possível existir sem que haja algum sofrimento (CABESTAN; DASTUR, 2015). Verbaliza que precisa do prazer sexual em sua vida, pois “está vivendo um grande desprazer contínuo” e que apenas o ato sexual irá libertá-lo desta condição. Refere que está a 4 dias com insônia e que seus pensamentos não o deixam relaxar. Ao final deste primeiro encontro, o terapeuta sugere a mãe uma nova avaliação médica devido aos conteúdos apresentados e relatados por E. A mãe acatou e o levou no dia seguinte a um novo psiquiatra. O médico do paciente entrou em contato com o terapeuta para falar sobre o estado físico e psíquico de E. Após a discussão dos aspectos observados no atendimento o terapeuta relata sua preocupação em relação ao estado psíquico do mesmo e do sofrimento que E. relata sentir. O médico afirma que realizou uma alteração nas medicações e acredita que há uma hipótese diagnóstica de mania com sintomas psicóticos (F30.2), segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-103) e que, a partir de agora, a família teria a responsabilidade de medicá-lo e observá-lo para perceber como E. ficaria com a nova prescrição médica. Indaga-se aqui o quanto práticas 3 A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde é um dos instrumentos mais utilizados por profissionais da área. Com importante base epidemiológica, a ferramenta organiza informações sobre doenças, sinais, sintomas, achados anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas. A CID-10, décima versão do documento, foi aprovada em 1994. Dois anos mais tarde, começou a ser utilizada no Brasil (AMPLIMED) 50 afirmativas sobre a patologia existente constituem, naquele que é avaliado, uma conduta determinista de modos-de-ser. Não podemos deixar de reiterar que “o ser do Dasein é ser- com-os-outros e não a egoidade individual do sujeito isolado”. Assim, as relações interpessoais, principalmente com profissionais, podem ser fortes sedimentadores das percepções e dos modos-de-agir na medida em que: “o que realmente somos é determinado pela forma como vemos a nós mesmos, e esta, por sua vez, é determinada pelo modo como somos vistos pelos outros” (FREIRE, 2018). Ao longo das semanas, E. apresentava uma melhora global dos sintomas, com diminuição das perturbações que relatava na primeira sessão. Trazia de modo repetitivo de que sua vida era “fadada ao caos” por estar longe do amor de sua vida. Conta que no início da adolescência “tinha uma vida prazerosa porque convivia com o amor da minha vida”. Atena (nome fictício), entrou em sua vida a partir dos 13 anos de idade em uma escola em que ele acabava de se matricular. E. descreve A. como uma mulher perfeita, com cabelos curtos e um jeito meio tímido que o atraia muito; conta que colocou “tudo a perder” após um incidente em que foi injustiçado, segundo a sua perspectiva. Pedi para que me detalhasse mais o acontecido, e ele relatou: “Durante uma aula de educação física eu esperei A. sair do banheiro feminino, quando a gente estava no intervalo do exercício. Aí eu falei pra ela que tinha vontade de fazer sexo com ela, mas ela estava focada em outras coisas na escola... Mais aí aconteceu uma confusão atoa. As pessoas ficavam falando do que eu falava, mas na verdade é que eles tinham muita inveja de quem eu sou... Eu conseguia ler os pensamentos dela e ela me desejava tanto quanto eu a ela” (EROS). Permaneci em silêncio enquanto ele respirava ofegante. Quando parecia mais 51 calmo, o perguntei se houveram outros momentos em que ele teve problemas na escola. Afirmou que, às vezes, seus pais eram chamados na escola por ele ter o hábito de encarar as meninas. Entende o ocorrido como uma grande injustiça, pois acredita que é muito sábio e sabe “o que as mulheres gostam”. Afirma que está encontrando na terapia um momento em que ele pode falar o que sente e pensa sem ser julgado, como podemos perceber a seguir: “Tudo o que eu vivo agora é essa desgraça.... minha vida é tomar remédio, ir a médico e ser invejado por todos... Pelo menos aqui eu posso falar tudo o que sinto sem alguém falar que meu remédio não tá bom (respira fundo) ... Sempre achei que psicólogo é besteira, mas agora eu tô conseguindo ser eu apenas sentado “nesse” sofá... (EROS) Nosso caminho, enquanto aqueles que buscam um olhar fenomenológico, deve direcionar-se à escuta atenta, paciente, serena, criando um espaço para que o outro mostre a si mesmo e se desvele dentro desse ser-com-o-outro no espaço terapêutico contrário ao determinismo, buscando a abertura. (SAPIENZA, 2015) O psicoterapeuta tem, em primeiro lugar, a tarefa de mostrar ao paciente que também há outros e mais livres modos de existir, e, depois, dar-lhe coragem de experimentar, aceitar e viver estes outros modos (BOSS, 1997, p.13). Volta a falar sobre seus comportamentos que eram julgados erroneamente sobre olhar demais para as meninas na escola em que estudou aos 13 anos de idade e que ainda hoje sente que não pode falar sobre tudo o que sente. Revela seu medo de ser novamente internado e que às vezes se preocupa se o que está sentindo é parte dele ou apenas um 52 sintoma. Peço para que fale mais sobre tal fato e ele afirma: “Eu tinha que ser fiel a nossa relação, pois eu tenho certeza de que ela me ama até hoje, eu a sinto quando estou deitado na cama... Ela tenta se comunicar comigo através dos arrepios que sinto que de alguma forma ela quer demonstrar que me ama e que tem tesão em mim... Mas eu não posso ficar falando sobre isso para meus pais, eles não me entendem. Eu falei com o médico sobre estar sentindo ela e ele me ignorou... Só falou para meu pai se eu continuasse agitado e sem parar que ele ligasse e marcasse uma nova consulta pra evita que eu interne... Tenho medo de ficar sem sono, mas ao mesmo tempo senti-la é tão real... Eu sinto que o amor dela é real..” (EROS). Pensar sobre a “performidade de gênero” trabalhada por Buttler (2000) é falar sobre os hábitos que desenvolvemos de dar nome a nossas práticas, sendo induzidos pelo o que o discurso produz e vivendo sob o efeito da causalidade. Desde pequenos nossa existência é atravessada por instituições de poderes que norteiam e normatizam nossas práticas (LOURO, 2008). E. revela sua revolta por todos ao seu redor associarem seus pensamentos, comportamentos e manifestações como patológicas, pois estas seguem as lógicas descritas anteriormente. O incomodo gerado pelos “dados de realidade” do mundo que o cerca advém das padronizações dos comportamentos, inclusive o da própria sexualidade. Portanto, questionar a padronização da sexualidade e do desejo, a sedimentação de maneiras enquadradas gera incomodo, afinal, “o real é algo movediço” (FEIJOO e PROTASIO, 2011). Para falarmos da dor e do sofrimento de E. tal como aparecem no espaço da clínica psicológica, nós estabeleceremos como linha guia de nossas reflexões a experiência referente a luta insana na tentativa de escapar da dor. Este movimento é dotado de sofrimento, pois a vida e dor são inseparáveis. Esta surge de 53 modo intrínseco ao existir humano e se vinculada à onde há existência, já o sofrimento nasce da tentativa de não vivenciar a dor (FOGEL, 2010). E. volta a falar sobre como A. é importante para sua vida e o quanto ela faz bem para ele. Pergunto quando foi a última vez em que teve contato com ela. Relata que faz mais de 4 anos, mas que a acompanha nas redes sociais. Eu o questiono então como está a relação atualmente com A. e ele diz: “A. tem focado nos estudos, por isso me bloqueou nas redes sociais. Ela precisa ter foco no sucesso profissional, para depois se dedicar ao amor, que sou eu. A vida é assim né!? Ela não tem a mesma facilidade de aprender que eu tenho, então tem que se esforçar mais. O problema é que agora tudo tá uma bosta... Minha vida agora é só tomar remédio e ficar em casa, ir em médico... Eu queria muito transar! Eu preciso sentir prazer! Por conta da inveja dos outros eu tô na pior...” (EROS). Associa o fato da expulsão da escola com a sensação de desprazer que está vivenciando. Disse que necessita sentir prazer, pois é muito incompreendido por todos e que as pessoas não tem o mesmo nível intelectual para o compreendê-lo. Questiona o terapeuta ao fazer afirmações como se seus pensamentos e crenças fossem verdades absolutas, alterando seu tom de voz durante suas falas. Quando é questionado pelo terapeuta, tende a falar ainda mais alto. Conta que se sente muito irritado, pois é incompreendido pelas pessoas que estão ao seu redor, chegando a chorar de raiva em algumas manhãs quando acorda por sentir falta dos seus 13 anos de idade. Descreve seus pensamentos da seguinte forma: 54 “Ando muito sentimental e esse sentimento vem da parte feminina do meu cérebro. Eu preciso desenvolver a parte masculina... Preciso de garra, foco, força e inteligência porque sei que vou ser ainda muito importante para o mundo. Às vezes minha parte feminina me atrapalha muito. Ela desperta muita sensibilidade e fraqueza” (EROS). E. releva em seu discurso a naturalização dos conceitos de gênero masculino e feminino, revelando a necessidade de desenvolver seu lado “masculino”, já que “seu cérebro é metade masculino e metade feminino”, pois esse o ajudaria mais devido sua definição, enquanto o “lado feminino” acaba o prejudicando devido a sua fragilidade. É interessante perceber essa fala da sensibilidade aliada à fraqueza, tudo se passa como se sentir ou ser sensível fossem paralelamente negativos perante as possibilidades humanas; como se a feminilidade estivesse vinculada à fraqueza em si. O mundo da técnica, ou seja, o horizonte das padronizações (CRITELLI, 2011), atravessa a constituição da compreensão de gênero do paciente, estruturando formas substancializadas de ser, ou seja, gerando a afirmação que exista uma essência de ser masculina e uma feminina, sendo sempre esse o natural de cada gênero. Não há nada de puramente “natural” em ser homem e ser mulher; estes são processos que acontecem no âmbito da cultura, da história. Assim, percebe-se na visão do paciente, sedimentações das maneiras de compreender o gênero humano bem como as ideias de fragilidade e força vinculadas exclusivamente ao masculino (LOURO, 2008). Acredita que a introdução do novo medicamento tem favorecido o desenvolvimento de seu lado feminino, já que se sente mais improdutivo, “amarrado” e que gostaria de ter forças para resgatar a sua felicidade da infância. Faz uso de objetos 55 que possuem um significado místico para ele. Utiliza um japamala4 para tentar reestabelecer sua energia vital. Descreve os seus pensamentos como uma grande avalanche, atrapalhando sua concentração e alterando o seu humor. Tem dificuldade para conseguir pegar no sono nos dias em que fica mais agitado, afirmando que precisava ser mais produtivo para ter mais equilíbrio em sua vida. Sempre realizou muitas atividades no seu dia-a-dia e hoje descreve vivenciar um tédio que traz desconforto e desprazer. Neste sentido verbaliza: “Minha vida é um grande vazio. Sinto falta de sentir prazer. Lembro de quando eu era mais novo e jogava vídeo game, ia para escola e conseguia ver a A... Aquilo sim era vida de verdade! Hoje o vídeo game já não tem mais graça. Eu quero sentir o prazer de verdade! Eu preciso dela (A.) perto de mim para poder resgatar a minha vida.” (EROS) Quando o questiono sobre o que significa “resgatar a minha vida”, ele diz que tudo em sua vida tornou-se uma eterna angústia por conta da inveja das pessoas e que seu destino é amar A. até sua morte. Refere tentar resgatar sua essência jogando muito vídeo game. Sua fala está sempre pautada em momentos nostálgicos que estabelecem uma conexão com a sua história de vida. Conta que também se masturba mais de 8 vezes por dia pensando em A. e pergunta ao terapeuta se isso é normal. 4 É um objeto antigo de devoção espiritual, conhecido também como rosário de orações no ocidente. É um artesanato muito utilizado para ajudar nas orações e mentalizações como marcador. Temos então duas correntes: uma espiritual, "Japa", e outra material, "Mala". Assim, as energias espirituais invocadas "Japa" energizam o "Mala". 56 Quando a pergunta é devolvida sobre o que significa ser “normal”, responde que o normal e o natural da vida é sentir o prazer, mas que ultimamente a masturbação e a jogatina tem tido o mesmo efeito. Relata que seu pênis chega a ficar machucado pelos seus hábitos diários. Faz-se possível aqui observar o caráter de ser-para-a-morte que cada sujeito é, não somente a morte física, mas também o fim daquilo que é vivido. Tudo finda. Entendemos que essa relação com a finitude do que se vive leva o paciente, ou qualquer outro sujeito, ao possível contato com a tonalidade afetiva da angústia, que pode clamar o modo mais próprio de ser de cada sujeito, aquilo que coloca cada um em contato com seu débito em relação a sua própria vida (FEIJOO, 2011). Parece-nos ser disso que ele trata, da maneira como os prazeres passam e a totalidade da vida no momento se mostra entediante, estagnada. Em Kierkegaard estaríamos tratando aqui do que ele denomina repetição, movimento que confere identidade ao sujeito, mas que esta busca se afastar dela a fim de não vivenciar o tédio, buscando assim distrair-se através dos excessos, tentando obscurecer o tédio na repetição da vida (FEIJOO, 2014a). Conta que sua mãe trabalha fora e que passa a maior parte do tempo em casa com seu pai, que atualmente está aposentado. Diz que seus pais não o entendem e ele se sente mal por eles não serem desenvolvidos como ele. Torna a dizer que sente como se tivesse perdido tempo no início da adolescência e que sua mudança de escola destruiu sua vida. Hoje vivencia apenas o desprazer e o tédio. Nos momentos em que fala sobre seus desprazeres sua fala fica acelerada e os conteúdos acabam ficando confusos. Relata seu arrependimento por não ter aproveitado mais as oportunidades de sua vida, associando o fato de que aos 13 anos E. não tinha interesse pelo estudo. Declara: “Hoje eu preciso buscar o tempo perdido, pois é o que os gênios fazem. Eu quero ainda 57 ser aplaudido por todos ao meu redor e vou estar ao lado de A, para que eu possa realmente ser feliz... Antes eu não gostava de estudar e só queria jogar vídeo game e agora eu tô vivendo essa desgraça, tô só perdendo tempo... Eu preciso focar, eu preciso melhorar cada vez mais pois é o que os melhores do mundo fazem. É só assim que A. vai me amar cada vez mais e é por isso que eu tenho que recuperar o tempo perdido...” (EROS) A busca por algo que falta revela a emergência quanto ao tempo não vivido, fomentando a ideia do desperdício de tempo. Percebemos uma necessidade de extrair o máximo que a vida o pode oferecer, e assim o encontro com a impossibilidade de responder a todas estas possibilidades, uma vez que toda escolha traz uma renúncia e que tais consequências sempre estarão vinculadas àquilo que escolhermos. O homem e mundo são totalidade, podendo assim ser compreendidos a partir de um horizonte prévio de sentido. Percebemos que E. está absorvido pela era da técnica, pois este traça uma busca incessante a uma certeza, à segurança. A tentativa de controle das ações converte-se em finalidades de um produzir incansável, com o intuito de assegurar um tempo mais próprio do seu próprio existir. Podemos dizer que E. reproduz o conceito o homem da técnica, perdendo totalmente o interesse por aquilo que é na tentativa de alcançar suas presunções e possibilidades daquilo que idealiza ser em seu existir (FEIJOO, 2014). A angústia se abre no momento em que a liberdade se coloca ao sujeito; a liberdade remete também à compreensão de que o sujeito vivencia a impossibilidade de definir a si mesmo e as condições de sua própria existência (PROTASIO, 2014). Cada um se desvela a si mesmo na maneira como enfrenta a tensão de sua existência, na maneira como corresponde aos problemas (PROTASIO, 2014). Na maioria das vezes em que o terapeuta tenta falar, E. o interrompe e aumenta 58 sua voz. Desta forma o terapeuta apenas o escuta. Estas interrupções acontecem até mesmo quando E. faz perguntas. Quando o terapeuta lhe aponta tal fato, E. diz que apenas precisa ser ouvido, pois ali é um lugar em que ele pode falar sobre tudo o que pensa e sente: “Eu não consigo ser e falar tudo que quero porque o mundo é uma grande bosta... Tudo agora é remédio ou médico... Tudo é voltado para o que o médico diz. E o que eu quero? Eu quero ser foda, eu quero gozar, eu quero estar ao lado do amor da minha vida. Minha vida agora é um grande tédio e vazio. Eu quero ser foda, eu quero ser um grande espiritualista, um grande gênio e não ficar tomando remédio a vida toda. Tudo o que sinto é doença agora.” (EROS) A tentativa de extrair o máximo da vida torna-se um movimento comum em nossa atualidade revelando seu descontentamento ao se deparar com o desprazer e a busca pelo consumo imensurável do prazer. Tais ações solidificam a ideia de uma sociedade que direciona seus anseios e angústias através da ausência da dialética quanto a “busca” por respostas “prontas” que amenizam sua perturbação em vivenciar a angustia. E. revela que sente a necessidade de ser alguém importante, alguém que seja reconhecido pelo que faz. Refere que o desprazer que sente está vinculado à solidão que é sua vida. Afirmou que sempre teve poucos amigos, mas que na infância ele se sentia mais completo e que atualmente as pessoas têm muita inveja de sua inteligência e por isso acabam se afastando dele, pois não o entendem. Desta forma, conta que quer ser o melhor em tudo o que faz. 59 Finaliza repetidamente os jogos de seu Playstation®, 5sempre aumentando o nível de dificuldade para testar sua jogabilidade. Reafirma que seu sonho é ser reconhecido pelo o que faz. Busca sempre por atividades que oferecem pra ele um ganho cognitivo. Sempre questiona o terapeuta sobre o que ele tem que fazer para ser o melhor nos jogos, nos estudos e no sexo. Espera incansavelmente por respostas e soluções para os contextos que o cercam, trazendo a ideia de causalidade para sua vida. Frustra-se por não conseguir realizar tudo o que idealiza e sempre faz correlações com terceiros, os culpando pelo desconforto do vivido, desconforto é pertencente a sua própria existência, na impessoalidade do seu ser. É neste dado que suas afinações cotidianas vão promover uma absorção do ser-aí no mundo fático que é o dele, aonde ele se encontra originariamente jogado e se faz possível a desoneração do peso de existir a partir das determinações dadas por essa facticidade (CASANOVA, 2018). 5. CONCLUSÃO Presenciamos a existência atual como lema à valorização da paixão em detrimento da reflexão, e a avidez em detrimento da solidariedade, tudo isso conjugado à necessidade de manter infinitamente a virilidade da juventude eterna e associada a angústia em detrimento do que o mundo lhe solicita. Desta forma faz-se a tentativa de romper com 5 É uma série de consoles de videogame criada e desenvolvida pela Sony Computer Entertainment, abrangendo a quinta, sexta, sétima, oitava e nona gerações de videogames. A marca foi lançada pela primeira vez em 3 de dezembro de 1994 no Japão. 60 todo e qualquer limite, inclusive o da temporalidade. O tédio é uma condição da modificação temporal do sujeito, e é a partir desta tonalidade afetiva que o sujeito teria contato com a finitude e com a solidão. Sendo está uma forma de aproximarmo-nos de nós mesmos. O diagnóstico aqui é algo para ser repensado, pois diante dos conteúdos apresentados por Eros eram dotados de ideias de grandeza em uma base delirante e totalmente psicótica, onde, entretanto, seu diagnóstico foi reduzido pois era visível a dificuldade tanto para ele quanto para sua família lidar com o diagnóstico. Um possível quadro de mania diante de tantos conteúdos psicóticos trazem um certo “conforto”, uma vez que as psicoses mais severas como a esquizofrenia entra no âmbito mais “próximo” da loucura descrita e compreendida na literatura como algo vinculado a desrazão. Eros se apresentava totalmente psicótico em suas ideias e relações, ao mesmo tempo em demonstrava um sofrimento por ter que lidar com as rotinas medicamentosas, idas ao psiquiatra e até a própria psicoterapia. Independente do diagnóstico final, este estudo trouxe inquietações neste âmbito de como as relações familiares e do próprio paciente com o adoecimento ainda traz resquícios históricos voltados para a loucura “clássica”. Por fim, o que buscamos no desenrolar desse diálogo foi uma análise descritiva do caso atendido segundo uma proposta fenomenológico-existencial. Caminhamos em direção à análise da maneira como as reflexões sobre os gêneros se fazem possíveis dentro dessa perspectiva pelo fato de o atendimento estar permeado pelas ideias referentes à sexualidade e às compreensões sedimentadas acerca do “masculino” e do “feminino”. Entendemos a impossibilidade de desconsiderar o teor da historicidade do conhecimento constituído, e, portanto, o percurso reflexivo aqui estruturado buscou perpassar inúmeros autores que contribuem para a ampliação do olhar em relação à constituição dos modos 61 de ser da vida humana. Nosso esforço se direcionou à desconstrução de olhares com enquadramentos naturalizantes que considerem a vida humana, os modos de existência, como funcionando a partir de uma essência já pré-determinada obscurecendo seu caráter histórico e relacional. Desvelamos no decorrer de nossa descrição a presença das tonalidades afetivas do tédio e da angústia. A ausência de caminhos metodológicos para a superação destas se dá pelo delineamento da visão existencialista compreendendo que a experiência dessas tonalidades afetivas torna possível uma relação mais autêntica com os modos-de-ser encobertos pelas determinações fáticas do mundo. Com essa postura, quisemos demonstrar, fenomenologicamente, as maneiras como as percepções daqueles acometidos pelas patologias tidas como psíquicas também estão permeados pela facticidade do horizonte histórico. Demonstramos isso através da visão do paciente pelos determinismos da fragilidade ou força referente aos gêneros. A