UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO FINAL DO ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO AO INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS (ICB-USP), SÃO PAULO, SP, E AO INSTITUTO RENÉ RACHOU (FIOCRUZ MINAS), BELO HORIZONTE, MG Assunto de interesse: Levantamento Ecopidemiológico de Leishmania spp. no Brasil Paulo Vitor Cadina Arantes JABOTICABAL – S.P. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO FINAL DO ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO AO INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS (ICB-USP), SÃO PAULO, SP, E AO INSTITUTO RENÉ RACHOU (FIOCRUZ MINAS), BELO HORIZONTE, MG Assunto de interesse: Levantamento Epidemiológico de Leishmania spp. detectados em flebotomíneos no Brasil. Paulo Vitor Cadina Arantes Orientador: Prof. Dr. Marcos Rogério André Supervisores: Prof. Dra. Marta Maria Geraldes Teixeira e Profa. Dra. Paloma Helena Fernandes Shimabukuro Relatório do Estágio Curricular em Prática Veterinária apresentado à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Câmpus de Jaboticabal, Unesp, para graduação em Medicina Veterinária. JABOTICABAL – S.P. 1°SEMESTRE DE 2023 A662r Arantes, Paulo Vitor Cadina Relatório final de estágio curricular obrigatório do curso de medicina veterinária, realizado junto ao Instituo de Ciências Biomédicas (ICB-USP), São Paulo, SP, e ao Instituto René Rachou (Fiocruz Minas), Belo Horizonte, MG. Assunto de interesse: Levantamento ecoepidemiológico de Leishmania spp. no Brasil / Paulo Vitor Cadina Arantes. -- Jaboticabal, 2023 68 p. : tabs., fotos Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Medicina Veterinária) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal Orientador: Marcos Rogério André 1. Parasitologia. 2. Epidemiologia. 3. Zoonoses. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Agradecimentos À minha família que sempre esteve comigo e me apoiou em todas as decisões. Aos meus pais, Paulo Roberto Arantes e Regiane de Cássia Cadina Arantes, que sempre me apoiaram e se esforçaram para me prover uma boa educação, qualidade de vida e direcionamento correto. À minha irmã, Beatriz Cadina Arantes, por sempre se preocupar e estar ao meu lado durante todos esses anos. Ao meu orientador Prof. Dr. Marcos Rogério André, por ser meu exemplo de profissional a ser seguido, por todos os ensinamentos, conselhos, auxílios e oportunidades ao longo de todos estes anos, apresentando papel fundamental em minha formação profissional e acadêmica. À minha coorientadora Me. Ana Cláudia Calchi, por todos os conselhos e ensinamentos nos últimos três anos, por ter se tornado, acima de tudo, uma amiga próxima no laboratório e que tornou esta caminhada científica mais leve. Aos meus companheiros que moraram comigo nos últimos 5 anos, Mateus Gregio (Xaulin), Gabriel Menezes (Meikilo), Caio Pimenta (Galvão), Camilo Gonçalves (Fragmentado), Lucas Machado (Zero-meia), Gustavo Cansian (O-Próprio), Vinicius Martins (Kawa-k), Vinicius Goes (Frupico), Victor Rabello (Róbiti), Nelson Henrique (Capitinga), Aron Ferro (Avon), por todas as lembranças, momentos, ensinamentos e crescimento pessoal e profissional, que sem dúvidas, me tornaram um ser humano melhor e tornaram a rotina universitária mais leve e feliz. Às minhas companheiras de turma Sarah Daccach (Hawaii), Amanda Sammour (Beata), Jaqueline Bonavina (Mirna), Melissa Bianchini (Bolha), que sempre estiveram comigo, nos piores e melhores momentos, sempre alegraram minha rotina e tornaram tudo mais feliz. Em especial à Sarah Daccach e ao Mateus Gregio, meus melhores amigos, que sempre me apoiaram e estiveram comigo em todos os momentos, sempre me aconselharam e acreditaram em meu potencial. Aos meus primos e amigos de minha cidade natal, Pedro Castilho, Murilo Castilho, Caio Henrique, Ricardo Borges e Ricardo Puglia que, mesmo longe, sempre me apoiaram e tiveram bons e maus momentos ao meu lado durante toda esta trajetória, sempre me aconselhando e tendo ótimas lembranças juntos quando era possível. Sumário Lista de Figuras ..........................................................................................................i Lista de Anexos .........................................................................................................ii Lista de Tabelas ........................................................................................................iii Lista de Abreviaturas ...............................................................................................iv I – Relatório ................................................................................................................1 1. Introdução ..............................................................................................................1 2. Descrição das Entidades de Estágio ...................................................................1 2.1. Instituto de Ciências Biomédicas na Universidade de São Paulo (ICB-USP) ......1 2.1.1. Laboratório de Filogenia e Taxonomia de Tripanossomatídeos ........................2 2.2. Instituto René Rachou (IRR/Fiocruz Minas) .........................................................2 2.2.1. Grupo de Estudos em Leishmanioses ...............................................................2 3. Descrição das Atividades .....................................................................................3 3.1. Laboratório de Filogenia e Taxonomia de Tripanossomatídeos ...........................3 3.1.1. Extração de DNA ...............................................................................................3 3.1.2. Técnicas Moleculares para Detecção de Agentes Transmitidos por Artrópodes ......................................................................................................................................3 3.1.2.1. Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) ......................................................4 3.1.2.1.1. Nested PCR (nPCR) …………………………………………………………….5 3.1.2.2. Fluorescent Fragment Length Barcoding (FFLB) ………………………………6 3.1.2.3. Sequenciamento .............................................................................................7 3.1.2.4. Eletroforese em Gel de Agarose ....................................................................7 3.1.3. Purificação do DNA ...........................................................................................8 3.2. Grupo de Estudos em Leishmaniose ...................................................................8 3.2.1. Montagem e Identificação de Lâminas de Flebotomíneos ............................... 9 3.2.2. Técnicas Moleculares ......................................................................................10 3.2.2.1. Reação em Cadeia da Polimerase ...............................................................10 3.2.2.2. Eletroforese em Gel de Agarose ...................................................................11 3.2.2.3. Purificação do DNA .......................................................................................11 3.2.2.4. Sequenciamento ...........................................................................................11 4. Discussão das Atividades Desenvolvidas ........................................................12 5. Considerações Finais .........................................................................................13 II – Monografia: Levantamento Ecopidemiológico de Leishmania spp. no Brasil ....................................................................................................................................14 1. Introdução ............................................................................................................14 2. Revisão de Literatura ..........................................................................................15 2.1. Etiologia ..............................................................................................................15 2.2. Epidemiologia .....................................................................................................16 2.3. Fisiopatogenia e Sinais Clínicos .........................................................................19 2.4. Diagnóstico .........................................................................................................23 2.5. Medidas Preventivas e de Controle ....................................................................25 3. Levantamento de Dados .....................................................................................29 4. Discussão .............................................................................................................37 5. Conclusão ............................................................................................................40 Referências ..............................................................................................................44 i Lista de Figuras Figura 1. Imagem representativa de quatro diferentes perfis de FFLB ......................7 Figura 2. Imagem de microscopia focalizando o sistema reprodutor masculino de um flebotomíneo ................................................................................................................9 Figura 3. Eletroforese em gel de agarose .................................................................11 Figura 4. Número de casos e coeficiente de incidência de leishmaniose visceral, Brasil – 1985 a 2002 ..................................................................................................31 Figura 5. Coeficiente de incidência da leishmaniose tegumentar e da leishmaniose visceral nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, 2015 a 2019 .........................35 Figura 6. Casos confirmados de leishmaniose tegumentar, Brasil – 1980 a 2014 ...36 ii Lista de Anexos Anexo I - Protocolo de Extração de DNA, Protocolo de preparo do Digsol Buffer e Protocolo de preparo de Acetato de amônia 4M .......................................................42 Anexo II - Protocolo de precipitação etanol-EDTA ....................................................43 iii Lista de Tabelas Tabela 1. Oligonucleotídeos iniciadores nos ensaios de cPCR para tripanossomatídeos .................................................................................................... 5 Tabela 2. Descrição dos oligonucleotídeos e ciclos de amplificação para os ensaios de nPCR para tripanossomatídeos ............................................................................ 6 iv Lista de Abreviaturas AC – Acre BID – Duas vezes ao dia (bis in die) BLAST – Basic Local Alignment Search Tool BMA – Departamento de Anatomia BMB – Departamento de Fisiologia e Biofísica BMF – Departamento de Farmacologia BMC – Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento BMI – Departamento de Imunologia BMM – Departamento de Microbiologia BMP – Departamento de Parasitologia CDs – Células Dendríticas CEGRA – Comissão de Estágios da Graduação COX-1 – Citocromo c oxidase subunidade I cPCR – PCR convencional DNA – Deoxyribonucleic acid DNTPS – Deoxyribonucleotide triphosphates DSEI – Distritos Sanitários Especiais Indígenas EDTA – Ácido etilenodiaminotretacético ELISA – Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay FFLB - fluorescent fragment length barcoding HIV – Vírus da imunodeficiência adquirida Hsp70 – Heat Shock protein region ICB – Instituto de Ciências Biomédicas v IL – Interleucina ITS-1 – Região intergênica 1 kDNA – DNA do cinetoplasto LC – Leishmaniose Cutânea LCL – Leishmaniose cutânea localizada LCD – Leishmaniose cutânea disseminada LMC – Leishmaniose mucocutânea LCDF – Leishmaniose cutânea difusa LT – Leishmaniose Tegumentar LTA – Leishmaniose Tegumentar Americana LV – Leishmaniose Visceral LVA – Leishmaniose Visceral Americana LVC – Leishmaniose Visceral Canina mA – Miliampere MAC – Complexo de ataque a membrana MgCl2 – Cloreto de Magnésio M – Molar mM – Milimolar MS – Mato Grosso do Sul NaCl – Cloreto de sódio NK – Natural Killer nPCR – Nested PCR OMS – Organização Mundial de Saúde Pb – Pares de bases vi PCR – Reação em Cadeia da Polimerase pH – Potencial hidrogeniônico PRR – Receptores de Reconhecimento Padrão RIFI – Reação de imunofluorescência indireta Rpm – Rotações por minuto rRNA – RNA ribossomal SESAI – Secretaria Especial de Saúde Indígena SDS – Dodecil sulfato de sódio SIASI – Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena SID – Uma vez ao dia (simel in die) SSU rRNA – Subunidade menor do RNA ribossomal TAE – Tampão Tris-Acetato-EDTA TBE – Tampão Tris-Borato-EDTA TE – Tampão Tris-EDTA Th1 – Células T Helper 1 Th2 – Células T Helper 2 TLR – Receptores Similares a Toll UV – Luz ultravioleta USP – Universidade de São Paulo VO – Via Oral µL – Microlitros V – Volts 1 I- Relatório de Estágio 1. Introdução O presente relatório refere-se às atividades desenvolvidas durante o estágio curricular obrigatório do acadêmico Paulo Vitor Cadina Arantes do Curso de Graduação em Medicina Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Jaboticabal, conforme as normas estabelecidas pela Comissão de Estágios de Graduação (CEGRA) dessa instituição, sob orientação do Professor Dr. Marcos Rogério André. O estágio foi realizado em duas etapas, sendo a primeira no Laboratório de Filogenia e Taxonomia de Tripanossomatídeos do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP), da Universidade de São Paulo (USP), no período de 05 de setembro à 28 de outubro de 2022, perfazendo um total de 320 horas, sendo supervisionado pela Profa. Dra. Marta Maria Geraldes Teixeira. Posteriormente, o estágio foi realizado junto ao Grupo de Estudos em Leishmaniose, pertencente ao Instituo René Rachou (Fiocruz Minas), no período de 31 de outubro à 23 de dezembro de 2022, perfazendo um total de 320 horas, sob supervisão da Profa. Dra. Paloma Helena Fernandes Shimabukuro. Ao total foram realizadas 640 horas de estágio supervisionado, por meio do desenvolvimento de atividades relacionadas à biologia molecular, bem como detecção de agentes em vetores artrópodes e identificação morfológica e molecular de flebotomíneos. 2. Descrição das Entidades de Estágio 2.1. Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB – USP) O Instituto de Ciências Biomédicas é organizado em sete departamentos, sendo constituído pelo Departamento de Anatomia (BMA), Departamento de Fisiologia e Biofísica (BMB), Departamento de Farmacologia (BMF), Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento (BMC), Departamento de Imunologia (BMI), 2 Departamento de Microbiologia (BMM) e Departamento de Parasitologia (BMP). Ocupa quatro prédios na Cidade Universitária em São Paulo, e apresenta subunidades em Monte Negro (RO) e Acrelândia (AC). O presente estágio curricular fora realizado no departamento de Parasitologia localizado na Av. Prof. Lineu Prestes, 1374 – Butantã. 2.1.1. Laboratório de Filogenia e Taxonomia de Tripanossomatídeos O Laboratório de Filogenia e Taxonomia de Tripanossomatídeos possui como responsável a Profa. Dra. Marta Maria Geraldes Teixeira, e apresenta como finalidade os estudos filogenéticos, da relação parasita-hospedeiro, epidemiologia, molecular e taxonomia de agentes pertencentes à família Trypanosomatidae parasitas de insetos, plantas e todas as classes de vertebrados, bem como elucidar ciclos de transmissão naturais e detectar a emergência de espécies patogênicas para o homem. Além disso, realiza seus estudos baseados na reação em cadeia da polimerase (PCR), “fluorescent fragment length barcoding” e sequenciamento. 2.2. Instituto René Rachou (Fiocruz Minas) O Instituto René Rachou surgiu em 1955 com a transferência do Instituto de Malariologia do Rio de Janeiro para Belo Horizonte, integrando a estrutura da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A instituição atua na pesquisa científica, bem como no desenvolvimento e inovação em saúde pública. Este objetiva responder aos desafios da saúde pública brasileira, de forma que os grupos de pesquisa estudam uma ampla gama de doenças, dentre elas: doença de Chagas, leishmaniose, esquistossomose e outras helmintoses, dengue, malária, e doenças crônico- degenerativas. Além disso, atuam em estudos ambientais, na prospecção de fármacos e no desenvolvimento de novas vacinas. 2.2.1. Grupo de Estudos em Leishmaniose O prédio do Grupo de Estudos em Leishmaniose está localizado na Av. Augusto de Lima, 1715 – Barro Preto. Apresenta como líderes a Dra. Célia Maria Ferreira Gontijo e Dr. José Dilermando Andrade Filho e apresenta como objetivo o estudo da epidemiologia e diagnóstico das leishmanioses, bem como o estudo da relação parasito-hospedeiro e identificação e epidemiologia de seus artrópodes vetores. 3 Além disso, apresenta a Coleção de Flebotomíneos, apresentando exemplares provenientes do continente americano, europeu, asiático e africano, cujo objetivo é manter exemplares que atestam a riqueza zoológica das diversas regiões, estabelecendo a base de informação para todo tipo de análises levando a uma maior compreensão sobre a relação epidemiológica dos vetores e reservatórios com seus agentes infecciosos. 3. Descrição das Atividades Nos itens subsequentes serão descritas todas as atividades desenvolvidas em cada laboratório durante todo o período do estágio curricular. 3.1. Laboratório de Filogenia e Taxonomia de Tripanossomatídeos As atividades acompanhadas no laboratório de filogenia e taxonomia de tripanossomatídeos consistiram, incialmente, na rotina de pesquisa realizada por alunos da Pós-graduação sob orientação da Profa. Dra. Marta Maria Geraldes Teixeira. As atividades corresponderam à extração de DNA de espécimes de triatomíneos (Hemiptera: Reduviidae) e pools de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) coletados anteriormente em ambiente peridomiciliar ou periurbano, e ensaios moleculares para detecção de agentes tripanossomatídeos transmitidos por estes artrópodes. As técnicas realizadas serão descritas a seguir. 3.1.1. Extração de DNA Foram realizadas extrações de DNA de espécimes de triatomíneos, pools de flebotomíneos, sangue, coágulos e tecidos de diversos mamíferos. Este processo é baseado na lise dos componentes proteicos e lipídicos das membranas celulares, expondo dessa forma o DNA. Em seguida, realizam-se sucessivas lavagens com diferentes tampões, com o intuito de retirar todas as sujidades e restos de membranas, a fim de se obter o DNA puro e livre de inibidores da PCR. A extração de DNA foi baseada no protocolo de extração “in house” (Anexo I). 3.1.2. Técnicas Moleculares para Detecção de Agentes Transmitidos por Artrópodes 4 Os principais agentes estudados pelo laboratório são os tripanossomatídeos heteroxênicos Trypanosoma spp., Leishmania spp., Endotrypanum spp. e Porcisia spp. que apresentam importância médico e médico veterinária. Para isso, era realizada a extração de DNA da amostra em estudo, e então ensaios de PCR para genes específicos dos agentes pesquisados. As amostras positivas eram purificadas por meio do sistema “Wizard Plus SV Minipreps DNA purification System” (Promega), e sequenciadas pelo método de Sanger. 3.1.2.1. Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) A reação em cadeia da polimerase permite amplificar determinado fragmento por meio de múltiplos ciclos de desnaturação, hibridização com oligonucleotídeos iniciadores e síntese polinucleotídica (extensão), cujo objetivo é identificar determinado fragmento de DNA do parasito estudado na amostra de DNA do artrópode vetor. Para que ocorra a reação é necessário o preparo do MasterMix em que se utiliza a enzima Taq DNA Polymerase, responsável por polimerizar as novas fitas de DNA, MgCl2, atuando como cofator da enzima Taq DNA Polymerase, um tampão (buffer) responsável por manter o pH do meio, DNTPs (bases nitrogenadas), atuando como o substrato da reação, os oligonucleotídeos inciadores, água e o DNA extraído. A reação ocorrerá em um termociclador, com ciclos térmicos pré-definidos a diferentes temperaturas, objetivando a desnaturação do DNA, ocorrendo entre 94- 96°C promovendo o rompimento das ligações de hidrogênio, o anelamento dos primers, ocorrendo entre 50-60°C, e a extensão das fitas complementares ocorrendo a 72°C. Após estes ciclos teremos a região de interesse amplificada. Os ensaios de PCR convencional eram baseados nos genes 18S rDNA, com os primers 18S1 (18S-1f e 18S-2r – fluoróforo azul) e 18S3 (18S-3f e 18S-4r – fluoróforo verde), e 28S rDNA, com os primers 28S1 (28S-1f e 28S-2r – fluoróforo azul) e 28S2 (28S-2f – fluoróforo vermelho, e 28S-3r). A sequência térmica utilizada era: 95°C por 90 segundos, 30 ciclos de 95°C por 30 segundos; 62°C por 30segundos; 72°C por 60 segundos, e uma extensão final de 72°C por 10 minutos. 5 Tabela 1. Oligonucleotídeos iniciadores nos ensaios de cPCR para tripanossomatídeos (HAMILTON et al., 2008). Gene Sequências dos oligonucleotídeos iniciadores (5-3’) Faixa de tamanho do Amplímero 18S rRNA (fragmento 1) - 18S-1f: ACCGWTTCGGCTTTTGTTGG - 18S2r: CGGTCTAAGAATTTCACCTC 159-241 pb 18S rRNA (fragmento 3) - 18S-3f: GACCRTTGTAGTCCACACTG -18S-4r: CCCCCTGAGACTGTAACCTC 199-241 pb 28S rRNA (fragmento 1) - 28S-1f: GAAAGAGAGTGACATAGAAC - 28S-2r: TGTTTCAAGACGGGTGGGGGC 259-332 pb 28S2 rRNA (fragmento 2) - 28S-2f: CCCCCACCCGTCTTGAAACA - 28S-3r: GGGTCCAAACAGGCACACTC 173-218 pb 3.1.2.1.1. Nested PCR (nPCR) Basicamente são ensaios de PCR convencional em que é realizada uma segunda reação utilizando o produto amplificado da primeira reação, utilizando outros dois primers com sequências diferentes dos utilizados na primeira reação, de forma que seja possível a identificação de uma sequência menor dentro da primeira sequência avaliada, aumentando a sensibilidade e especificidade da reação. Foram realizados ensaios de nPCR baseados na região V7-V8 do gene SSU rDNA e do gene gGAPDH, com posterior sequenciamento das amostras positivas. 6 Tabela 2. Descrição dos oligonucleotídeos e ciclos de amplificação para os ensaios de nPCR para tripanossomatídeos (VULTÃO, 2017). Gene Sequências dos oligonucleotídeos iniciadores (5-3’) Condições de Amplificação Tamanh o do Amplico n SSU r DNA (V7-V8) 1° reação: TRY927F (GAAACAAGAAACGGAG) TRY927R (CTACTGGGCAGCTTGGA) 2° reação: SSU561R (TGGGATAACAAAGGAGCA) SSU561R (CTGAGACTGTAACCTCAAAG C) 3 minutos por 94°C; 30 ciclos de 30s a 94°; 1min a 55°C; 90s a 72°C; 10 minutos a 72°C. 561pb gGAPDH 1° reação: GAPDHSF (GTGGCGGTKGTYGACATGAA CA) GAPDHSR (TTGGAGTCRTAGATRGAGCT) 2° reação: GAP3F (GTGAAGGCGCAGCCCAAC) GAP3R (CCGAGGATGYCCTTCATG) 3 minutos a 94°C; 30 ciclos de 1min a 94°C; 1min a 55°C; 1min a 72°C; 10 minutos a 72°C. 601 pb 3.1.2.2. Fluorescent Fragment Length Barcoding (FFLB) O ensaio de FFLB permite a detecção simultânea de DNA de diversas espécies de Trypanosoma sp. em uma mesma amostra biológica, além de apresentar elevada especificidade e acurácia. A reação baseia-se na variação de comprimento das regiões 18S e 28S do rRNA, em que primers fluorescentes amplificam fragmentos gênicos de diferentes tamanhos entre as diferentes espécies de Trypanosoma spp.. Assim, permite a análise dos eletroferogramas gerados a partir do fluoróforo de cada reação de PCR (fluoróforo azul para o primer 18S1; verde para o primer 18S3; azul para o primer 28S1; vermelho para o primer 28S2), distinguindo as diferentes espécies de Trypanosoma sp., bem como permite a detecção de infecções mistas. Desta forma, amostras selecionadas, por meio do FFLB, que apresentam diferentes genótipos de Trypanosoma sp. são posteriormente submetidas a ensaios de nPCR para amplificação das sequências polimórficas do gene SSU rRNA e gGAPDH, e 7 posterior sequenciamento. Entretanto, atualmente, as reações de FFLB mostram-se limitadas às espécies de Trypanosoma sp., haja vista a necessidade de uma padronização específica para cada agente, de forma que cada espécie de tripanososomatídeo é responsável por gerar um padrão de picos de eletroferogramas para cada primer utilizado. Por exemplo, Trypanosoma verpertilionis gera picos de 255, 223, 266 e 185 em reações com os primers 18S1, 18S3, 28S1 e 28S2, respectivamente. As reações de FFLB são realizadas com os amplicons das 4 reações de cPCR supracitadas, formamida deionizada e “GeneScan™ 500 ROX™ dye Size Standard” (Applied Biosystems). É realizada em placas de sequenciamento e analisado no Sequenciador automático “Applied Biosystems 3500 Genetic Analizer”. Fonte: Vergara-Meza et al., 2022. Figura 1. Imagem representativa de quatro diferentes perfis de FFLB a partir de quatro fragmentos de DNA amplificados em amostras de sangue de pacientes diagnosticados com Doença de Chagas, Acre. 3.1.2.3. Sequenciamento 8 Amostras de DNA positivas na triagem por meio da cPCR e positivas para ao menos um ensaio de nPCR baseados nos genes SSU rDNA e gGAPDH foram submetidas ao sequenciamento a fim de realizar inferências filogenéticas das amostras em questão. As amostras são sequenciadas utilizando o Kit “Big Dye Terminator v3.1 Cycle Sequencing” (Applied Biosystems). Após a reação no termociclador, o DNA é precipitado por meio do processo de precipitação com etanol-EDTA, e posteriormente analisado no Sequenciador automático “Applied Biosystems 3500 Genetic Analizer” (Anexo II). 3.1.2.4. Eletroforese em Gel de Agarose Alíquotas das reações de PCR foram submetidos à eletroforese em gel de agarose, na concentração de 1,5 a 2% em tampão TAE (40 mM de Tris-acetato; 2 mM de EDTA, pH 8.0 a 50 V/100 mA), utilizando-se como marcador de peso molecular “GeneRuler DNA Ladder Mix” (Fermentas), e corados com Gel Red NucleicAcid Gel Stain (Biotium) e fotodocumentados em ImageQuant 350 (GEHealthcare) sob luz UV. 3.1.3. Purificação do DNA A purificação do DNA era realizada em amplicons positivos para os referidos genes, com o intuito de retirar as impurezas presentes no DNA, bem como o restante do substrato utilizado para os ensaios de PCR, de forma a permitir o sequenciamento da amostra com qualidade. A purificação era realizada por meio do sistema “Wizard Plus SV Minipreps DNA purification System” (Promega), seguindo as recomendações do fabricante. 3.2. Grupo de Estudos em Leishmaniose As atividades acompanhadas no laboratório do grupo de estudos em leishmaniose foram baseadas em uma contribuição científica entre o Prof. Dr. Marcos Rogério André, a Profa. Dra. Paloma Helena Shimabukuro e o acadêmico Paulo Vitor Cadina Arantes. Em vista disso, inicialmente foram triados os flebotomíneos em que as fêmeas foram separadas dos machos, para que, então, 9 fossem montadas lâminas para identificação dos mesmos e separados seus tecidos para ensaios moleculares explicados adiante. 3.2.1. Montagem e Identificação de Lâminas de Flebotomíneos A montagem das lâminas para identificação de flebotomíneos era realizada com o auxílio de uma lupa estereoscópica (Estereomicroscópio óptico Discovery V8 - Zeiss), uma lâmina e dois pares de agulhas descartáveis em seringas de insulina. O flebotomíneo era colocado em solução salina na lâmina e era dissecado com o auxílio de um par de agulhas descartáveis, de forma que era separada duas pernas em microtubos de 0,2 mL para posteriores ensaios moleculares, a cabeça e os últimos 3 segmentos abdominais eram montados entre lâmina e lamínula e fixados em líquido de Berlese. O restante do corpo era armazenado em microtubos de 1,5 mL com álcool 70% para serem transportados para o Laboratório de Imunoparasitologia (UNESP/FCAV) para posteriores ensaios moleculares. As lâminas prontas foram colocadas para secar horizontalmente, para posterior identificação dos flebotomíneos de acordo com a chave dicotômica proposta por Galati (2021). As agulhas utilizadas para a dissecção dos flebotomíneos eram descartadas entre as diferentes lâminas montadas, cuja finalidade era evitar a contaminação cruzada entre as amostras. Já o par de agulhas utilizados para montagem da lâmina embebida de líquido de Berlese não eram descartados, visto que não seriam realizados ensaios moleculares com tal material. Fonte: Imagem gentilmente cedida pelo Grupo de Estudos em Leishmanioses/IRR/Fiocruz Minas. 10 Figura 2. Imagem gerada por microscopia focalizando o sistema reprodutor masculino de um flebotomíneo durante o treinamento de identificação dos mesmos. 3.2.2. Técnicas Moleculares As técnicas desenvolvidas buscaram as identificações molecular e morfológica dos espécimes de flebotomíneos a serem estudados. Em vista disso, foram realizados ensaios de PCR convencional, eletroforese em gel de agarose, purificação e sequenciamento das amostras positivas. Deve-se ressaltar que havia diferentes salas para a realização da extração de DNA, preparo do Master Mix e eletroforese em gel de agarose. Em vista disso, uma vez em contato com a sala de eletroforese em gel de agarose, não era permitida a entrada na sala com as cabines de preparo do Master Mix com o intuito de evitar possíveis contaminações, visto que temos contato direto com DNA amplificado na sala de eletroforese. Além disso, foram utilizados jalecos descartáveis nas diferentes salas em que se realizavam ensaios moleculares, sendo estritamente proibido transitar entre as salas com o mesmo jaleco. Ainda, os processos moleculares descritos abaixo foram documentados num livro de registro, sendo obrigatório constatar os protocolos, número de lote e data de validade dos reagentes, número patrimonial dos aparelhos utilizados e a data do processamento das amostras. 3.2.2.1. Reação em Cadeia da Polimerase Foram realizados ensaios de PCR convencional baseados no fragmento da subunidade I do gene citocromo c oxidase (COX1 – gene endógeno de dípteros) no intuito de identificar as amostras positivas para posterior purificação e sequenciamento do DNA dos mesmos. Para isto, o preparo do Master Mix era realizado dentro de uma capela de fluxo laminar, previamente limpa com hipoclorito de sódio e submetida à luz UV por 15 minutos, em que era utilizada água Mili-Q, o Master Mix “GoTaq® G2 Hot Start Green Master Mix” (Promega) e os primers. Após o preparo do Master Mix, o mesmo era levado até uma outra cabine de DNA junto aos microtubos de 0,2mL contendo as pernas dos flebotomíneos. Em seguida, eram adicionados 10 µL do Master Mix em cada microtubo com os devidos cuidados, para que as pernas dos flebotomíneos encontrem-se em contato com o mix, permitindo assim a reação em cadeia da polimerase. As sequências térmicas seguiram os protocolos descritos por Folmer et al. (1994). 11 3.2.2.2. Eletroforese em Gel de Agarose Os produtos amplificados nos ensaios de PCR foram submetidos à eletroforese em gel de agarose a 1% corado com brometo de etídeo em tampão de corrida TBE. A eletroforese foi realizada a 100 V/ 200mA durante 60 minutos. Para a determinação dos produtos amplificados foi utilizado um marcador de peso molecular de 100 pares de base (Kasvi). Fonte: Grupo de Estudos em Leishmanioses/IRR/Fiocruz Minas. Figura 3. Eletroforese em gel de agarose de uma PCR baseada no gene cox-1. Cinco amostras foram testadas (275 – 279), em que as amostras 275, 276, 277 e 288 mostraram-se positivas (L = pares de bases; C+ = controle positivo; C- = controle negativo). 3.2.2.3. Purificação do DNA Os produtos amplificados nos ensaios de PCR e visibilizados no gel de agarose foram submetidos à purificação do DNA por meio da enzima exonuclease (ExoSAP- IT PCR Product Cleanup Reagent), de acordo com as recomendações do fabricante. 3.2.2.4. Sequenciamento Os amplicons de DNA positivos para o gene cox-1 foram purificados e submetidas ao sequenciamento pelo método de Sanger, a fim de se obter uma identificação molecular dos espécimes de flebotomíneos dissecados. Para isto, foi preparado um Master Mix composto por 6,25 µL de água Mili-Q, 0,5 µL de primer F ou R, 1 µL do amplicon e 2,25 µL Big Dye por amostra. 12 4. Discussão das Atividades Desenvolvidas No laboratório de filogenia e taxonomia de tripanossomatídeos houve um grande contato com técnicas moleculares recentemente padronizadas, de forma que, todos os dias, houve um aprendizado crescente a respeito de novas técnicas, formas de interpretação e conhecimento para aprimorar a conduta adotada em cada caso. Dentre elas, destaca-se o “Fluorescent Fragment Length Barcoding”, que pode-se considerar uma técnica descrita na literatura recentemente e que apresenta um grande potencial em vista da detecção e caracterização molecular de agentes transmitidos por artrópodes, devido a sua elevada especificidade e sensibilidade. Não obstante, trata-se de uma técnica que requer intensa padronização dos eletroferogramas apresentados por uma ampla variedade de espécies de parasitos descritos na literatura. Em vista disso, torna-se uma técnica que requer muita padronização por parte do grupo de pesquisa, para se tornar viável como uma ferramenta de detecção. Hamilton et al. (2008) investigaram, por meio de ensaios de PCR baseados na região intergênica ITS-1 e do FFLB, a presença de Trypanosoma sp. em 91 intestinos médio de moscas tsé-tsé provenientes da Tanzânia. Foi observado uma positividade de 78% (71/91) para os ensaios de PCR, com 64 infecções únicas e sete infecções mistas. Já os ensaios de FFLB apresentaram uma positividade de 96% (87/91), com 66 infecções únicas e 21 infecções mistas. Desta forma, a partir do momento em que o teste é padronizado, o FFLB torna-se uma ferramenta imprescindível, visto que é mais eficaz, em relação a ensaios de PCR, na detecção de infecções mistas, além de apresentar maior sensibilidade quando comparada a mesma, e desta forma, apresentando diferenças na positividade de determinada amostragem, conforme demonstrado por Hamilton et al. (2008). Já no laboratório do grupo de estudos em leishmanioses deve-se ressaltar o amplo contato com flebotomíneos (Diptera: Psychodidae), destacando-se sua ecoepidemiologia, relação parasita-vetor e o contato com as populações urbanas, periurbanas e indígenas, visto que, são vetores de diversas enfermidades virais, bacterianas e protozoárias, e assim, se configurando artrópodes de grande relevância à saúde pública. Não obstante, torna-se de grande importância aliar os conhecimentos relacionados à sua epidemiologia e biologia, indubitavelmente pouco abordados na medicina veterinária, com sua importância médica e médica veterinária, de forma que um conhecimento integrado traz formas mais eficazes de 13 controle deste grupo de dípteros. Adicionalmente, facilita a associação entre sua capacidade vetorial, distribuição geográfica e dinâmica das enfermidades transmitidas pelos mesmos. 5. Considerações Finais Ambos os estágios proporcionaram grande conhecimento e entusiasmo com todas as técnicas desenvolvidas. O estágio no Laboratório de Filogenia e Taxonomia de Tripanossomatídeos proporcionou o aprendizado de diversas técnicas moleculares, novas concepções e reflexões a respeito da filogenia de Trypanosoma spp. aliado a todo histórico de modelos e cenários evolutivos hipotéticos estudados, nos levando ao melhor entendimento sobre a emergência de novas espécies e a dinâmica populacional das mesmas. Já o estágio no Grupo de Estudos em Leishmanioses abordou diversos conceitos sobre ecoepidemiologia e dinâmica das populações de flebotomíneos presentes no Brasil e como isso pode influenciar diretamente a saúde pública. Em suma, o estágio curricular contribuiu muito, tanto para o crescimento profissional, quanto para o crescimento pessoal. Com toda certeza trouxe uma mudança enorme de rotina, nos tirando da zona de conforto, e levando isso a enorme aprendizado de novas técnicas e protocolos a serem utilizados, elevando o senso crítico quanto às abordagens utilizadas e aumentando a capacidade de adaptação ao “novo”, devido a uma grande mudança de ambiente de trabalho, pessoas envolvidas nas diferentes linhas de pesquisa, e uma constante evolução da forma de pensar, tanto acadêmica, quanto pessoal. Por fim, possibilitou o networking com profissionais e seres humanos incríveis, criando novos vínculos e contatos que espero levar para a vida. 14 II – Monografia: Levantamento Ecopidemiológico de Leishmania spp. no Brasil 1. Introdução As leishmanioses compreendem um grupo de doenças endêmicas com altos índices de morbidade e letalidade que constituem, atualmente, o segundo grupo mais comum de doenças infecciosas, depois da malária. Trata-se de uma zoonose de notificação obrigatória causada por protozoários intracelulares pertencentes ao gênero Leishmania (WHO, 2007). A principal forma de transmissão do parasito para diversos mamíferos, incluindo o ser humano, é através da picada de fêmeas de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae). As leishmanioses apresentam duas principais manifestações: Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) e Leishmaniose Visceral (LV). A primeira apresenta diversas subdivisões explicadas adiante, com maior circulação em ambientes rurais e de mata, sendo marcada, principalmente, por lesões cutâneas e mucocutâneas (ROCHA et al., 2019). Já a leishmaniose visceral, por sua vez, pode assumir formas graves e letais quando associadas a quadros de má nutrição, ausência de tratamento médico e outras infecções concomitantes. É caracterizada como uma doença crônica com lesões nos tecidos linfoides, medula óssea, pulmões e rins, levando a febre irregular, anemia, leucopenia, esplenomegalia, glomerulonefrite, entre outros sintomas. (SOUZA et al., 2012). A ocorrência da doença em determinada área requer a presença do vetor, reservatório e hospedeiro susceptível. Desta forma, a crescente urbanização ocorrida nos últimos 20 anos, que vem causando o aumento da interação humana com este grupo de dípteros, gera surtos endêmicos em diversos estados brasileiros (GONTIJO & MELO, 2004). Além disso, baixos níveis socioeconômicos se destacam como um fator determinante no risco de contração da infecção, visto que condições precárias de moradia e saneamento básico favorecem a reprodução dos vetores. A falta de escolaridade, acesso a serviços relacionados à área da saúde e má nutrição favorecem a disseminação da doença. Ademais, o desmatamento causado pela urbanização é visto como um fator relacionado à ocorrência de leishmanioses, visto que a substituição das florestas por moradias ou propriedades relacionadas ao agronegócio levam o aumento da interação do ser humano com flebotomíneos e 15 reservatórios. Desta forma, a doença engloba aspectos sociais, ambientais e econômicos, possivelmente associados aos processos de fluxos populacionais em massa das áreas rurais para os centros urbanos (GONTIJO & MELO, 2004; ECKERT, 2013; ROCHA et al., 2019). Sendo assim, o presente estudo objetiva apresentar um levantamento de dados a respeito das espécies de Leishmania spp. detectadas em flebotomíneos, bem como o estudo da eco-epidemiologia e dinâmica populacional deste grupo de dípteros associados a aspectos econômicos, ambientais e sociais das diversas apresentações clínicas. Por fim, em vista da busca constante por meios que viabilizem a diminuição do número dos casos de leishmaniose, torna-se necessário estudos científicos de cunho informativo a fim de promover melhores perspectivas relacionadas ao quadro epidemiológico da doença. 2. Revisão de Literatura 2.1. Etiologia O gênero Leishmania são protozoários intracelulares obrigatórios, parasitas de células do sistema fagocítico mononuclear, e pertencentes ao Filo Euglenozoa, Classe Kinetoplastida, Ordem Trypanosomatida e Família Trypanosomatidae (LAISON, 2010). Trata-se de um grupo de enfermidades com manifestações clínicas heterogênicas, podendo ser subdivida em leishmaniose tegumentar americana e leishmaniose visceral (humana e canina), que são transmitidas por diversas espécies de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) (GONTIJO et al., 2004; NEVES, 2012). Além disso, Lainson & Shaw (1987) subdividem os gêneros de Leishmania sp. em subgêneros baseados nos locais de desenvolvimento do agente no intestino do vetor. Desta forma, há dois subgêneros: Leishmania, no qual a reprodução é limitada às regiões de intestino médio e anterior, e Viannia, no qual há uma fase de desenvolvimento adicional no intestino posterior. Leishmania spp. são protozoários que apresentam comportamento dimórfico, ou seja, a fase do ciclo de vida do parasita define sua forma estrutural. Sendo assim, apresenta a forma móvel, extracelular, flagelada e encontrada no trato gastrointestinal do díptero vetor, denominada promastigota, e a forma intracelular e imóvel, denominada amastigota (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Os promastigotas 16 apresentam formato losangular adelgaçado, com 10 a 15 µm de tamanho, e um longo flagelo na extremidade. Já as formas amastigotas, em geral, são arredondadas, medem de 3 a 6µm de diâmetro e possuem flagelo interiorizado. Além disso, apresentam uma estrutura mitocondrial característica, denominada cinetoplasto, o qual possui uma quantidade substancial de DNA extranuclear. Este arranjo representa aproximadamente 30% do DNA total dos tripanossomatídeos (AGUIAR & RODRIGUES, 2017). A leishmaniose visceral (LV) é causada por espécies do gênero Leishmania, pertencentes ao complexo donovani. No Brasil, o agente etiológico de LV é Leishmania (Leishmania) infantum. Enquanto Leishmania donovani é responsável pela infecção somente de humanos e ocorre na Índia, Bangladesh e Nepal (SINGH et al., 1999; ALAM et al., 2013; OSTYN et al., 2015;), L. infantum causa a LV em seres humanos e em cães (GONTIJO et al., 2003; SOUZA et al., 2012; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Em relação à leishmaniose tegumentar americana (LTA), no Brasil foram identificadas sete espécies responsáveis pela infecção (seis pertencentes ao subgênero Viannia e uma pertencente ao subgênero Leishmania). Dentre elas, destacam-se: Leishmania (Viannia) braziliensis, Leishmania (Viannia) guyanensis e Leishmania (Leishmania) amazonensis (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). Além disso, é visto que L. (V.) braziliensis é a espécie de maior prevalência em casos humanos e caninos, atuando como o principal agente causal de LTA no País (BRILHANTE, 2017). 2.2. Epidemiologia As leishmanioses constituem um crescente problema de saúde pública, não somente no Brasil, onde é considerada uma das endemias de interesse prioritário, como em grande parte dos continentes americano, asiático, europeu e africano. Sua importância levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a incluí-la entre as seis doenças consideradas prioritárias no programa de controle da referida instituição (WHO, 1990). A leishmaniose visceral ocorre em 69 países distribuídos por todos os continentes, com exceção da Oceania, sendo notificados 500 mil novos casos anualmente, dos quais cerca de 90% deles concentram-se na Índia, Nepal, Sudão, Bangladesh, Etiópia e Brasil (AGUIAR & RODRIGUES, 2017). Já a leishmaniose tegumentar ocorre em mais de 70 países distribuídos por todos os continentes, dos 17 quais cerca de 90% dos casos se concentram no Afeganistão, Argélia, Brasil, Paquistão, Peru, Síria e Arábia Saudita (REITHINGER et al., 2007). No Brasil, a LV apresenta aspectos geográficos, climáticos e sociais diferenciados, em função da sua ampla distribuição geográfica, envolvendo as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Até os anos 1990, a quase totalidade dos casos de LV ocorria na região Nordeste do Brasil; entretanto, ao longo dos anos, houve uma expansão para as regiões Norte, Sudeste e Centro-oeste e, no período de 2000 a 2002, a Região Nordeste já representa uma redução para 77% dos casos do país (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). No período de 2001 a 2014 foram registrados 48.720 casos de leishmaniose visceral nas Américas, com média anual de 3.480 casos, dos quais 96,42% (46.976) foram relatados pelo Brasil. Mesmo com grande parte dos casos de leishmaniose visceral americana (LVA) subnotificados, o Brasil é, atualmente, responsável por cerca de 90% dos casos da América Latina (AGUIAR & RODRIGUES, 2017). Não obstante, devido a sua alta incidência, expansão geográfica e alta letalidade, principalmente em indivíduos não tratados ou com tratamento tardio, crianças desnutridas e indivíduos portadores do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV), fez com que se tornasse uma enfermidade de grande relevância a saúde pública (ECKERT, 2013). As principais espécies de flebotomíneos envolvidas na transmissão da LTA no Brasil são: Nyssomyia whitmani, Psychodopygus wellcomei, Pintomyia (Pintomyia) pessoai, Nyssomyia intermedia, Nyssomyia umbratilis, Migonemyia (Migonemyia) migonei, Bichromomyia flaviscutellata (SILVEIRA et al., 2008; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014; SHIMABUKURO et al., 2017). Em relação a LV, duas espécies, até o presente momento, estão relacionadas com a transmissão da enfermidade: Lutzomyia longipalpis e Lutzomyia cruzi. A primeira espécie é considerada a principal espécie transmissora da L. (L.) infantum no Brasil. Apresenta ampla distribuição no território brasileiro, ausente apenas na região sul. Além disso, ao final da década de 1980, verificou-se a adaptação deste vetor aos ambientes urbanos, em periferias de grandes centros, principalmente na região Sudeste, podendo ser encontrados no peridomicílio (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014; DANTAS-TORRES, 2012). O cão doméstico (Canis lupus familiaris) desempenha um papel fundamental no ciclo epidemiológico da leishmaniose visceral zoonótica, sendo considerado um importante reservatório em focos de LV na área urbana e periurbana. A ocorrência 18 de casos humanos de leishmaniose tem sido precedida pela enzootia canina e a infecção em cães tem sido mais prevalente do que no homem. Canídeos selvagens, dentre eles, raposa-do-campo e graxaim-do-mato (Dusicyon vetulus e Cerdocyon thous), gambás (Didelphis albiventris), roedores (Rattus rattus, Akodon arviculoides, Bolomys lasiurus e Nectomys squamipes), e Xenarthra, como o tamanduá mirim (Tamandua tetradactyla) e bicho preguiça (Choloepus didactylus) são considerados os reservatórios no ambiente silvestre (LAVITSCHKA, 2016). Não obstante, foram identificados no Brasil, canídeos selvagens infectados nas regiões Nordeste, Sudeste e Amazônica, enquanto que didelfídeos infectados no Brasil e na Colômbia também foram encontrados (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Além disso, o aparecimento de casos humanos normalmente é precedido por casos caninos, cuja infecção mostra-se mais prevalente do que no homem (SILVA, 2007). Alguns autores levantam a hipótese da transmissão entre a população canina por meio de ectoparasitas, sugerindo a hipótese da capacidade vetorial de pulgas e carrapatos (COUTINHO et al., 2005; COUTINHO & LINARDI, 2007; PAZ et al., 2010). Outros autores sugerem que a transmissão possa ocorrer através de mordeduras, cópula ou transmissão vertical entre os cães, porém não existem evidências sobre a importância epidemiológica destes mecanismos de transmissão (SANTOS et al., 2009; SILVA et al., 2009). No Brasil, existem três padrões epidemiológicos característicos na transmissão da leishmaniose, sendo eles: i.) o padrão silvestre em que a transmissão ocorre em áreas de vegetação primária, podendo acometer o homem quando este se encontra em contato com o ambiente silvestre com focos enzoóticos; ii.) o padrão ocupacional, quando a transmissão está associado à exploração desordenada da florestas e derrubada de matas para construção de estradas, usinas hidrelétricas, instalação de povoados, extração de madeira, desenvolvimento de atividades agropecuárias, ecoturismo; iii.) e o padrão rural e periurbano, em áreas de colonização, que está relacionado ao processo migratório, ocupação de encostas e aglomerados em centros urbanos associados a matas secundárias ou residuais (GONÇALVES et al., 2011; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). Os protozoários do gênero Leishmania se mantém na natureza por meio de um ciclo heteroxênico, ou seja, necessitam de dois hospedeiros para completar seu ciclo: um vertebrado, representado por seres humanos, canídeos selvagens e 19 domésticos, e roedores, e de um invertebrado, representado por dípteros do gênero Lutzomyia. Durante o repasto sanguíneo realizado em um mamífero infectado, o inseto vetor ingere macrófagos parasitados por formas amastigotas de Leishmania sp., e no trato digestório do flebotomíneo ocorre o rompimento destes macrófagos, liberando, assim, as formas amastigotas do parasita, que irão se reproduzir por divisão binária e diferenciam-se em formas promastigotas, e assim irão realizar múltiplas divisões binárias. As formas promastigotas transformam-se em paramastigotas, as quais colonizam o esôfago e a faringe do vetor, onde permanecem aderidas ao epitélio por meio do flagelo, quando se diferenciam em formas infectantes, por meio do processo como metaciclogênese, sendo então denominadas promastigotas metacíclicas (COURA, 2005). Posteriormente, quando a fêmea fazer o próximo repasto sanguíneo em hospedeiros vertebrados, os mesmos serão infectados por meio de promastigotas metacíclicas juntamente com a saliva das fêmeas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Além disso, ao se alimentar, o inseto também inocula sua saliva que exerce o papel de anticoagulante, vasodilatador, anestésico local e de anti-agregação plaquetária, além de fatores quimiotáticos para monócitos e imunorreguladores com capacidade de interagir com os macrófagos, aumentando sua proliferação e impedindo a ação efetiva destas células na destruição dos parasitos. As formas promastigotas são então fagocitadas por células de defesa do sistema mononuclear fagocitário e transportadas até os linfonodos regionais (SARIDOMICHELAKIS, 2009). No interior dos macrófagos, diferenciam-se em amastigotas e multiplicam-se por divisão binária até causar sua lise, ocorrendo a liberação de formas amastigotas que serão fagocitadas por novos macrófagos num processo contínuo. Desta forma, ocorre a disseminação hematogênica para outros tecidos, principalmente aqueles ricos em células do sistema mononuclear fagocitário, como linfonodos, fígado, baço e medula óssea (COURA, 2005; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Outras formas de transmissão são sugeridas na literatura, dentre elas a transmissão transplacentária e venérea (BOGGIATO et al., 2011; DANTAS- TORRES, 2009). A transmissão iatrogênica também pode ocorrer pela transfusão de sangue contaminado, entretanto, não se sabe a relevância destas formas de transmissão alternativas (DANTAS-TORRES, 2009). 2.3. Fisiopatogenia e Sinais Clínicos 20 A abordagem da fisiopatologia das leishmanioses apresenta como ponto central o mecanismo da relação parasito-hospedeiro que estimula uma resposta imune específica. Desta forma, durante o processo de metaciclogênese no intestino do inseto vetor, as promastigostas sofrem modificações bioquímicas em sua superfície, perdendo assim sua capacidade de adesão ao epitélio do intestino médio do flebótomo. Como resultado, as promastigotas metacíclicas destacam-se, migrando para a faringe e a cavidade bucal, de onde elas são transmitidas ao hospedeiro vertebrado durante o próximo repasto sanguíneo. Além disso, estas modificações promovem uma resistência à lise promovida pelo sistema complemento do hospedeiro vertebrado (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). O sistema complemento é ativado, e com isto há a ativação da cascata proteolítica com liberação de C3a, promovendo, assim, a formação do complexo de ataque a membrana (MAC), responsável pelo ataque à Leishmania sp. Entretanto, algumas promastigotas são resistentes à ação lítica do mesmo, favorecendo a fixação dos componentes C3b e C3bi do sistema complemento, permitindo a fixação da forma promastigota na membrana do macrófago passando para o meio intracelular pelo processo de fagocitose por meio de receptores ligantes do parasito, onde irão se tornar amastigotas e irão se multiplicar até ocasionar ruptura dos macrófagos (KUMAR & ENGWERDA, 2014). A saliva das fêmeas de flebotomíneos apresentam substâncias com efeitos quimiotáticos para monócitos e imunorreguladores, facilitando a interação com os macrófagos, aumentando sua proliferação e impedindo a ação efetiva destas células na destruição dos parasitos (SARIDOMICHELAKIS, 2009). As formas promastigotas metacíclicas são reconhecidas por células do sistema imune, e são reconhecidas por Receptores de Reconhecimento Padrão (PRR), dentre eles, os Receptores Similares a Toll (TLR). Após o reconhecimento de Leishmania sp., os fagócitos sofrem alterações morfológicas, fenotípicas e funcionais, onde inicia-se a expressão de moléculas co-estimulatórias e produção de citocinas (KEESEN et al., 2011). Para que a resposta imune ocorra, as células apresentadoras de antígenos (APC), que geralmente são células dendríticas (CDs) e macrófagos, devem fazer apresentação antigênica para as células T-CD4, para as citocinas presentes no local, bem como a interação de moléculas co-estimulatórias promovem a diferenciação de células T em Th1 ou Th2 (AZEREDO et al., 2010). As células T helper CD4+ apresentam a função 21 central no sistema imune de promover respostas adaptativas adequadas a patógenos específicos. De acordo com as linfocinas que produzem após estimulação antigênica, estas células podem ser separadas em duas sub- populações: Células T helper 1 (Th1) e células T helper 2 (Th2). As células Th1 produzem IFN-γ e são associadas à proteção contra os patógenos intracelulares, como as leishmanias. No perfil Th1, após ativação das APC pela ligação do receptor do tipo TLR, há produção de IL-12 que estimula produção de TNF por macrófagos ativados, linfócitos T e células NK. Na infecção por Leishmania, o TNF possui um papel importante na proteção contra o parasito agindo em conjunto com o INF-ɤ, cujo efeito protetor pode estar relacionado ao controle de carga parasitária (KUMAR & ENGWERDA, 2014). Já as células Th2 produzem interleucina IL-4, IL-5 e IL-10 e estão envolvidas nos processos alérgicos e na proteção contra agentes extracelulares. No caso das infecções por microrganismos intracelulares, a ativação das células Th2 leva ao agravamento; entretanto, é visto que o antígeno de Leishmania spp. tem inabilidade de ativar atividades microbicidas dos monócitos/macrófagos, culminando, em várias espécies, em um processo ineficaz (KUMAR & ENGWERDA, 2014; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). Não obstante, a imunossupressão causada pela infecção é uma consequência parcial da diminuição das células T CD4+. O grande número de parasitos observados nos órgãos linfáticos permite a multiplicação e dispersão do parasito para outros sítios, incluindo estômago, intestino e pulmões (SILVA, 2007). Mesmo com a diversidade de espécies de Leishmania envolvidas na LT, a manifestação clínica da doença depende não apenas da espécie envolvida, mas também do estado imunológico do indivíduo infectado. A forma clínica cutânea apresenta lesões somente na pele, iniciando-se no local de inoculação das promastigotas infectantes. As lesões surgem após um período de incubação que pode variar de 10 dias a 3 meses. Forma-se uma pápula eritematosa que progride lentamente até a formação de nódulos ou com resolução espontânea (ROCHA et al., 2019). A úlcera típica de leishmaniose cutânea (LC) é geralmente indolor e costuma localizar-se em áreas expostas da pele, tem formato arredondado ou ovalado, mede de alguns milímetros até alguns centímetros com base eritematosa, infiltrada e de consistência firme, apresentando bordas bem delimitadas e elevadas com fundo avermelhado e granulações grosseiras. A infecção bacteriana, quando associada, 22 pode causar dor local e produzir exsudato seropurulento que, ao dessecar-se em crostas, recobre total ou parcialmente o fundo da úlcera. Adicionalmente, a infecção secundária e o uso de produtos tópicos podem causar eczema na pele ao redor da úlcera, modificando seu aspecto (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). Um espectro de formas clínicas pode se desenvolver na dependência das características da resposta imune mediada por células, dentre eles: Leishmaniose cutânea localizada (LCL): causada por L. (V.) braziliensis e L. (V.) guyanensis, as quais ocorrem na América Latina, e Leishmania (Leishmania) major e Leishmania (Leishmania) tropica, que ocorrem no Irã, Oriente Médio e África (HYAMS et al., 1995; MEBRAHTU et al., 1989; CABRAL, 2007); Leishmaniose cutânea disseminada (LCD): causada por Leishmania braziliensis; Leishmaniose mucocutânea (LMC): causada por Leishmania braziliensis; Leishmaniose cutânea difusa (LCDF): causada por Leishmania amazonensis (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017; ROCHA et al., 2019). A forma mucocutânea é caracterizada pela resposta ineficaz e exacerbada do sistema imune, acometendo as mucosas, principalmente mucosa nasal, formando lesões ulcero-infiltrantes. A forma cutânea disseminada é caracterizada por lesões não contínuas formadas pela disseminação do parasito por via linfática e hematogênica. A forma cutânea difusa, caracteriza-se por lesões nodulares que podem ser distribuídas por todo o corpo do indivíduo, geralmente não cicatrizantes. Deve-se enfatizar que as diversas formas apresentadas na LT são resultado do estabelecimento rápido ou tardio da resposta imune específica do hospedeiro (GONTIJO & DE CARVALHO, 2004; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). A leishmaniose visceral humana pode ser dividida em períodos: período inicial, período de estado e período final. O período inicial, também conhecido como fase aguda, é caracterizado pelo início da sintomatologia, incluindo sintomas como febre intermitente, palidez cutâneo-mucosa, diarreia, tosse não-produtiva e hepatoesplenomegalia. Além disso, o indivíduo pode apresentar a forma oligossintomática, caracterizada por um quadro clínico discreto, de curta duração, aproximadamente 15 dias, que frequentemente evolui para a cura espontânea. Já o período de estado é caracterizado por febre irregular, associada a emagrecimento progressivo, palidez cutâneo-mucosa e aumento da hepatoesplenomegalia, geralmente apresentando um estado clínico com mais de dois meses de duração, com comprometimento geral do paciente. Caso não seja realizado o diagnóstico e 23 tratamento, a doença evolui progressivamente para o período final, com febre contínua e comprometimento mais intenso do estado geral. Além disso, este estágio inclui manifestações como epistaxe, icterícia, ascite, infecções secundárias bacterianas. Dentre as complicações das infecções secundárias, destacam-se otite média aguda, piodermite, infecção do trato urinário e respiratório (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). A leishmaniose visceral canina (LVC) é uma doença crônica, fatal e multisistêmica, que possui sinais clínicos muito variáveis. Os sinais clínicos iniciais da LVC são: linfoadenomegalia generalizada, dermatite periorbital e nasal, pelagem opaca, onicogrifose e edema das patas. Com frequência, outros sinais podem estar presentes, como febre, apatia, diarreia, hemorragia intestinal, perda de peso, hepatoesplenomegalia, ulceração cutânea e conjuntivite (ALMEIDA et al., 2005; BANETH et al., 2008; REIS et al., 2009). A infecção em cães por espécies de Leishmania spp. é clinicamente semelhante à infecção humana, entretanto, além do acometimento das vísceras, são frequentemente encontradas lesões na pele em animais sintomáticos (KRAUSPENHAR et al., 2007). O quadro clínico é variável e depende da resposta imune do canídeo e da amostra do parasito inoculado pela picada da fêmea do flebotomíneo (FEITOSA, 2006). Cães sintomáticos geralmente apresentam altos títulos de anticorpos, de forma que muitos aspectos de sua patogênese são atribuídos aos anticorpos produzidos, os quais formam imunocomplexos que se depositam em diversos tecidos, provocando inflamação nos mesmos (LIMA et al., 2003; SOARES, 2005). Dentre as alterações neurológicas observadas em cães com leishmaniose visceral, destacam- se tetraparesia, convulsões, mioclonias, nistagmo, tremores, estrabismo, ptose labial e paralisia de mandíbula. Tais alterações são decorrentes da deposição de imunocomplexos ou de infecções oportunistas no sistema nervoso central (LIMA et al., 2003). Não obstante, a deposição de imunocomplexos nos rins eventualmente resulta em glomerulonefrite proliferativa e nefrite intersticial, podendo levar à insuficiência renal, sendo esta a principal causa de morte (FRASER, 2008). A imunossupressão ocasionada pela LVC pode promover a ocorrência de infecções oportunistas, tais como cistites, pneumonias bacterianas, piodermites, malassezioses, dermatofitoses e demodicose. Além disso, infecções mistas com 24 Ehrlichia spp., Babesia spp. e Dirofilaria spp. são facilitadas quando se encontram em ambientes endêmicos para as mesmas (FEITOSA, 2006). 2.4. Diagnóstico O diagnóstico da leishmaniose cutânea idealmente deve ser clínico- epidemiológico associado a exames laboratoriais, em função do grande número de enfermidades como diagnóstico diferencial (ROCHA et al., 2019). A utilização de métodos de diagnóstico laboratorial visa não somente à confirmação dos achados clínicos, mas pode fornecer importantes informações epidemiológicas, como a identificação da espécie de Leishmania circulante para orientar quanto às medidas a serem adotadas para o controle do agravo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). O diagnóstico laboratorial da LTA é confirmado com encontro do parasito, pela pesquisa direta do agente, sendo o procedimento de primeira escolha, visto que apresenta baixo custo e é de fácil execução. Entretanto, a evolução do curso da lesão cutânea, bem como infecções secundárias, diminui a sensibilidade do método. A pesquisa direta pode ser realizada por aposição de tecido em lâmina, escarificação do bordo da lesão, punção aspirativa e biópsia com impressão do fragmento cutâneo. Além disso, pode ser realizada por cultura in vitro em meio específico, isolamento in vivo com a inoculação em hamster, além de exame histopatológico e PCR (MURBACK et al., 2011; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017; ROCHA ET al., 2019). O diagnóstico da leishmaniose visceral (tanto humana, quanto canina) é complexo, visto que trata-se de uma enfermidade com sinais clínicos comuns a várias doenças, dentre elas doença de Chagas, malária, esquistossomose, febre tifóide e tuberculose em seres humanos. Sabe-se, entretanto, que dependendo do estado clínico do paciente existe maior possibilidade de encontrar diretamente o parasito; já em pacientes assintomáticos o achado é pouco frequente (GONTIJO & MELO, 2004). Vale ressaltar que em zonas endêmicas, apenas um sintoma compatível é suficiente para a suspeita da enfermidade, bem como a necessidade de realização de provas diagnósticas específicas. Além disso, há de se considerar suspeito todo animal que proceda de uma zona endêmica ou que tenha permanecido na mesma durante o período de atividade do vetor (FEITOSA, 2006). 25 É importante ressaltar que já foi demonstrado que cães infectados (assintomáticos ou não), constituem uma fonte de infecção para flebotomíneos e, consequentemente, possuem papel ativo na transmissão do referido agente (LAURENTI et al., 2013). Desta forma, torna-se imprescindível subdividir a infecção por Leishmania spp. da doença propriamente dita, além de aplicar diferentes técnicas de diagnóstico em conformidade (SOLANO-GALLEGO et al., 2009). Para o diagnóstico de leishmaniose visceral, o teste imunológico mais utilizado é reação de imunofluorescência indireta (RIFI) e os ensaios imunoenzimáticos (ELISA). O resultado da imunofluorescência indireta é normalmente expresso em diluições. Aceita-se como positivas diluições a partir de 1:80. Nos títulos iguais a 1:40, recomenda-se a solicitação de uma nova amostra em 30 dias. Já o teste ELISA possui seu resultado expresso em unidades de absorbância a um raio de luz, em uma reação com diluições fixas ou, mais comumente, apenas como reagente ou não (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Na presença de dados clínicos e laboratoriais, um teste sorológico reagente, reforça o diagnóstico de leishmaniose visceral. Entretanto, o diagnóstico parasitológico é o que oferece maior sensibilidade (90-95%) para demonstração do parasita, representado pela punção aspirativa esplênica, seguida pelo aspirado de medula óssea, biópsia hepática e aspiração de linfonodos, embora com restrições quanto ao procedimento. O material obtido é utilizado para a confecção de esfregaço em lâminas, histologia, isolamento em meios de cultura ou inoculação em animais de laboratório. Não obstante, a sensibilidade pode ser muito variável, visto que a distribuição dos parasitos não é homogênea no mesmo tecido (MOURA et al., 1999; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Os achados histopatológicos, por sua vez, podem ser inespecíficos e caracterizam-se por uma reação inflamatória granulomatosa com presença de células mononucleares, comuns também em outras dermatopatias. Sendo assim, a presença de poucas amastigotas nos tecidos pode dificultar o diagnóstico apenas por este método (LIMA et al., 2003). Além disso, a PCR constitui- se em uma nova perspectiva para o diagnóstico de LV, apresentando 94% de sensibilidade, porém, seus resultados dependem de diversos fatores, tais como o tipo de amostra, método de extração do DNA, a sequência alvo do DNA utilizado para amplificação, dentre outras (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). 2.5. Medidas Preventivas e de Controle 26 O entendimento das interações entre mudanças e expansões do meio urbano com os flebotomíneos torna-se imprescindível para o desenvolvimento de ações apropriadas como forma de prevenção e estratégias de controle, visto que a epidemiologia e distribuição de doenças transmitidas por vetores artrópodes são diretamente afetadas por mudanças na ecologia dos mesmos, bem como a movimentação de populações humanas e caninas (DANTAS-TORRES et al., 2012). O crescimento desordenado das cidades com alto fluxo populacional, em conjunto com a degradação do meio ambiente e adaptação das espécies vetores, associado aos baixos níveis socioeconômicos, tem sido apontado como promotor das condições para ocorrência da leishmaniose visceral na área urbana (COURA, 2005; DANTAS-TORRES et al., 2012; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Para a prevenção da transmissão das leishmanioses são necessárias medidas individuais de proteção como: proteção de portas e janelas utilizando telas, uso de mosquiteiros, utilização de repelentes e evitar exposição nos horários de atividade do vetor e também um controle urbano de vetores, educação sanitária, dentre outras (SILVA, 2007; BASTOS, 2014). Além disso, medidas de manejo ambiental, tais como limpeza de quintais, terrenos e praças públicas, eliminação de fonte de umidade, eliminação de resíduos sólidos orgânicos e destino adequado dos mesmos podem reduzir a proliferação do vetor no ambiente urbano, doméstico e periurbano (COSTA & VIEIRA, 2002). Não obstante, medidas de educação em saúde tornam-se cada vez mais importantes, com ações de caráter informativo que visam esclarecer formas de prevenção e controle da doença, bem como estimular práticas de manejo ambiental, adoção responsável de animais com testes sorológicos negativos para Leishmania spp., e desenvolvimento de atividades em educação em saúde junto a população (ZUBEN & DONALÍSIO, 2016). O controle e captura de cães errantes é essencial, especialmente em áreas urbanas, visto que podem disseminar uma ampla gama de enfermidades de importância médico-sanitária. Esta deve ser realizada pelo município rotineiramente de acordo com as normas estabelecidas pelo código sanitário (GONTIJO & MELO, 2004). Devido à importância do cão como reservatório da leishmaniose visceral, o Ministério da Saúde adota no Brasil a eutanásia destes animais quando são soropositivos e/ou apresentam exame parasitológico positivo para L. (L.) infantum 27 como medida de controle em áreas endêmicas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014; 2017). Embora preconizada no Brasil, os resultados da eutanásia canina são controversos. Além de controversa do ponto de vista científico, a eutanásia como medida de saúde pública tem pouca eficácia pela rejeição desta atividade por parte da comunidade (ZUBEN; DONALÍSIO, 2016). Além disso, a limitada acurácia dos métodos diagnósticos utilizados na população canina pode ser um fator limitante para a efetividade da eutanásia como medida de controle da doença. Exames sorológicos podem gerar tanto resultados falso positivos como falso negativos (COURA-VITAL et al., 2014). Em estudo conduzido por Zuben & Donalísio (2016) que fora realizado em seis municípios brasileiros, entre os anos de 2012 e 2013, por meio de entrevistas com gestores municipais de programas de controle de leishmaniose visceral, os autores analisaram insuficiências e dificuldades encontradas para a execução de medidas de controle da doença propostas pelo Ministério da Saúde. As principais dificuldades apontadas foram elencadas: recusa da população, impedindo a entrada de técnicos nas residências para controle químico e para controle do reservatório canino; eutanásia como a principal medida indicada ao reservatório doméstico, havendo grande resistência por parte dos tutores dos animais; custo elevado do programa, sendo relatado que os recursos advindos do Ministério da Saúde são muitas vezes insuficientes, com descontinuidade de atividades por falta de recursos materiais, financeiros e humanos. Não obstante, a interrupção das atividades ou a realização parcial das mesmas não são capazes de prevenir e controlar o agravo em sua totalidade. Considerando que a prática da eutanásia de cães com LVC não contribuiu para o controle da enfermidade, médicos veterinários vem buscando alternativas para os pacientes caninos, atendendo também aos pedidos dos tutores. Entretanto, o tratamento da LV em cães é controverso, partindo do princípio de que é um risco para a saúde pública, em função da manutenção dos reservatórios, uma vez que cães não curados parasitologicamente podem apresentar remissão dos sinais clínicos, porém permanecem como fontes de infecção para o inseto vetor, e consequentemente, perpetuam o ciclo de transmissão da doença (ALBUQUERQUE & LAGONI, 2018). Vale ressaltar, ainda, que não é recomendada a utilização de medicamentos humanos para o tratamento da leishmaniose canina, pois podem 28 levar a seleção de isolados mais resistentes aos medicamentos disponíveis ao tratamento de LVH (DONATO et al., 2013; ALBUQUERQUE & LAGONI, 2018). Diante do exposto, em 2016 abriu-se a possibilidade do tratamento do cão portador de LV, sendo orientado por um médico veterinário e com medicamentos exclusivos para este fim. No Brasil, apenas o Milteforan® cumpre tais determinações, cujo princípio ativo é a miltefosina. O tratamento é baseado na administração de miltefosina 2 mg/kg SID durante um período de 28 dias. Esse medicamento possui vantagem por ser de uso oral e bem tolerado. Entretanto, pode causar desordens grastrintestinais, como vômito e diarreia (FISCHER et al., 2001), sendo também contraindicado em cadelas gestantes em função de seu potencial teratogênico. Além disso, possui custo muito elevado, dificultando o tratamento de acordo com a situação socioeconômica da região atingida (GONTIJO & MELO, 2004; SANTOS et al., 2021). A miltefosina inibe o crescimento das formas promastigotas e provoca morte das formas amastigotas, promovendo, assim, intensa atividade parasiticida. Entretanto, apenas reduz significativamente a carga parasitária, diminuindo o potencial de transmissibilidade, visto que o animal continua sendo um reservatório da doença, e não impede recidivas após o tratamento (BANETH & SHAW, 2002; LISBOA et al., 2018). Desta forma, torna-se necessário reavaliação do paciente, por um médico veterinário, a cada quatro meses, por meio da reavaliação clínica, laboratorial e parasitológica (CFMV, 2017). O objetivo da terapia é controlar as alterações clínico-patológicas, melhorar a imunidade, evitar recaídas e diminuir a carga parasitária e a competência em transmitir o parasito. As decisões terapêuticas devem seguir uma avaliação da condição clínica do paciente e da gravidade da doença (SOLANO-GALLEGO et al., 2009; NOLI & SARIDOMICHELAKIS, 2014). Desta forma, o veterinário deve seguir o estadiamento clínico, o qual é baseado na administração de parasiticidas por algumas semanas, em combinação com medicamentos parasitostáticos por longos períodos. Em vista disso, o fármaco mais utilizado na Europa é o antimoniato de meglumina (Glucantime®), na dose mínima de 100 mg/kg SID ou BID, por via subcutânea (NOLI & SARIDOMICHELAKIS, 2014). Simultaneamente ao uso do mesmo, o alupurinol geralmente é utilizado como fármaco de manutenção, na dose de 10 a 15 mg/kg SID ou BID, por via oral, durante seis a oito meses (SOLANO- 29 GALLEGO et al., 2009). Nos protocolos terapêuticos, o alopurinol pode ser descontinuado somente quando todas as seguintes condições forem atendidas: recuperação clínica completa, normalização clinico-patológica, níveis de anticorpos negativos ou abaixo do nível de corte do teste (MARTÍNEZ et al., 2011; SOLANO- GALLEGO et al., 2009; 2011). Além disso, pode ser realizado uma terapia associando anfotericina B ao alopurinol e prednisona, cujo efeito parasiticida foi evidenciado pela ausência de Leishmania spp. no exame citopatológico de aspirado de linfonodo e por imuno-histoquímica (NOGUEIRA, 2007). Ginel et al. (1998) investigaram a eficácia de dois protocolos terapêuticos para tratamento da leishmaniose canina, em dois grupos de cães naturalmente infectados: enquanto um grupo foi tratato com antimoniato de meglumina (100 mg/kg/dia SC durante 20 dias), o outro foi tratado com a associação de antimoniato de meglumina (100 mg/kg/dia SC durante 20 dias) e alopurinol (30 mg/kg/dia VO durante três meses). Vale ressaltar também que, dez dias após a utilização de antimoniato de meglumina, utilizava-se novamente o referido fármaco durante dez dias (100 mg/kg/dia). Além disso, em casos de recidivas clínicas, era utilizado um tratamento de manutenção a base de alopurinol (20 mg/kg/dia VO durante uma semana). Como resultado, todos os animais do primeiro grupo apresentaram recidivas em um período que variou de 4,5 a 21 meses, com 86% delas ocorrendo dentro dos primeiros 14 meses. Por outro lado, nenhum dos cães no grupo tratado com a associação dos dois medicamentos apresentou recidivas da doença. Não obstante, como efeitos adversos de tratamentos contendo o antimoniato de meglumina, o cão pode apresentar vômito, diarreia, dor muscular, formação de abscessos, tromboflebite e insuficiência renal (TROY, 2009). Associada à terapia principal, pode-se implementar, também, o uso de imunoestimulantes, dentre eles, a domperidona (1 mg/kg BID por um mês), a qual mostra-se efetiva na contenção da evolução da enfermidade em casos iniciais. Adicionalmente, verificou-se que a administração deste fármaco na referida dose em cães com enfermidade avançada promove a melhoria dos sinais clínicos, e em muitos casos, estimula a resposta imune induzidas por linfócitos, ativa macrófagos e células NK (NOLI & SARIDOMICHELAKIS, 2014). 30 3. Levantamento de Dados Na década de 1990, a leishmaniose visceral humana era caracterizada como doença exclusivamente rural, predominantemente no nordeste brasileiro, restritas a comunidades com baixo grau de instrução, com saneamento básico e moradia precários, favorecendo a reprodução do vetor. Entretanto, com a crescente urbanização ocorrida nos últimos 20 anos, que provocou o aumento da interação humana com este grupo de dípteros, ocorreram surtos endêmicos em diversos estados brasileiros (GONTIJO & MELO, 2004; ECKERT, 2013). Desta forma, com o passar dos anos, os casos que se concentravam principalmente no nordeste passaram a ser notificados em outras regiões, como na região norte, centro-oeste e sudeste do Brasil, apresentando, assim, uma expansão observada em quase todo o território brasileiro, principalmente em municípios com crescente urbanização e alto índice de pobreza (CESSE et al., 2001; CERBINO-NETO et al., 2009). Em 1999, 92,9% dos casos de LVA estavam concentrados na região nordeste e apenas 2,6% no Sudeste. Com a expansão territorial da doença em 2011, a distribuição de casos humanos passou a ser de 47,8% e 15% identificados, respectivamente, nas regiões nordeste e sudeste (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Em relação à leishmaniose visceral, aproximadamente 90% dos casos notificados ocorreram na região nordeste na década de 1990. À medida que a doença se expandiu para outras regiões, atingindo áreas urbanas e periurbanas, esta situação vem se modificando. No período de 2000 a 2002, a Região Nordeste apresentou uma redução para 77% dos casos do País (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). 31 Fonte: COVEV/CGDT/DEVEP/SVS/MS. Figura 4: Número de casos e coeficiente de incidência de leishmaniose visceral, Brasil – 1985 a 2002. De acordo com dados disponíveis no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde, foram confirmados 47.882 casos de LVH em todo o país em um período 13 anos (2007 e 2019). Desta forma, verificou-se um número muito próximo do número de casos notificados ao Ministério da Saúde em um período de 19 anos (1984-2002), totalizando 48.455 casos registrados, sendo que aproximadamente 66% deles ocorreram nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão e Piauí (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Além disso, como indicativo de sua expansão e aumento de prevalência, foi notificado o primeiro caso de LV canina no município de São Borja, fronteira com a Argentina, no Estado do Rio Grande do Sul, região considerada indene para LV humana e canina até 2008. Ainda, no ano de 2009, também foi notificado o primeiro caso autóctone de LV humana no mesmo município. A partir disto, novos casos humanos foram identificados e verificou--se um surto da doença em cães no município (ECKERT, 2013; MARCONDES & ROSSI, 2013). Ademais, em Minas Gerais, a doença passou a ser notificada em regiões urbanas do Estado, sendo o primeiro caso urbano da doença registrado no município de Sabará (GENARO et al., 1990). Posteriormente, em 1994, a LVH foi notificada em Belo Horizonte (OLIVEIRA et al., 2001) e, a partir de então, em outros municípios pertencentes à região metropolitana de Belo Horizonte (SILVA et al., 32 2017). Silva et al. (2017) investigaram as tendências de disseminação de LVH no Estado de Minas Gerais no período entre 2002 e 2013, demonstrando que a distribuição espacial e temporal da doença no Estado acontece de forma heterogênea e que algumas mesorregiões, dentre elas, região metropolitana de Belo Horizonte e Vale do Rio Doce, são responsáveis pela expansão e manutenção da LVH no Estado. Sobre a distribuição da incidência no Brasil, a LVH é mais expressiva no Nordeste e no Centro-Oeste (SOUZA et al., 2020). Vale ressaltar que, além de se destacar pela taxa de incidência, o Brasil é o país com maior taxa de letalidade da doença nas Américas, com registro de 7,7% (PAHO, 2020). De acordo com o Ministério da Saúde (2014), a doença é mais frequente em crianças menores de 10 anos (54,4%), sendo 41% dos casos registrados em crianças menores de 5 anos. Além disso, o sexo masculino é proporcionalmente mais afetado (60%). Na análise conduzida por Belo et al. (2013), pessoas do sexo masculino tiveram maiores chances de infecção por LVH em estudos que utilizaram o teste de Montenegro para o diagnóstico da Leishmania spp. e naqueles em que o desfecho foi a doença clínica. Em relação à idade, crianças foram mais propensas à doença, corroborando com os dados do Ministério da Saúde (2014). Além disso, a presença de cães em casa, maior soropositividade canina em áreas próximas, menor nível socioeconômico e áreas com maior coberta vegetal mostraram-se como fatores associados à infecção por L. (L.) infantum. Entretanto, vários fatores podem estar associados à infecção por L. (L.) infantum, dos quais muitos são controversos ou parcialmente elucidados (ROMERO & BOELAERT, 2010). Em estudo relacionado aos fatores caninos, observou-se uma correlação entre os casos de leishmaniose visceral canina e os de LVH (TELES et al., 2015). Também em Belo Horizonte, Minas Gerais, para os proprietários de cães, o aumento no risco de contrair LVH foi maior e esteve relacionado ao número de cães no domicílio. Além disso, também foi constatado que moradores com um ou dois cães em suas residências apresentaram mais chances de contraírem a doença quando comparados a indivíduos que não possuíam animais (BORGES et al., 2009). Não obstante, a importância do cão na epidemiologia da doença não reside somente no fato do mesmo apresentar altas prevalências de infecção quando comparadas à espécie humana, mas também pelo elevado número de animais assintomáticos, que pode chegar a 80% da população infectada (DANTAS-TORRES et al., 2006; 33 BANETH et al., 2008; PALTRINIERI et al., 2010). Esses servem de fonte de infecção para o vetor e, muitas vezes, deixam de ser identificados numa população devido à ausência de sinais clínicos, ou ainda, em função de resultados falso-negativos nos exames sorológicos. Neste contexto, o cão doméstico é considerado o principal reservatório da endemia e como fator de risco de contração de LVH (BANETH et al., 2008). Diversos fatores podem ter contribuído para a dispersão geográfica da leishmaniose no Brasil. Dentre eles destacam-se o desmatamento, de forma que a substituição das florestas por plantações ou moradias levam as pessoas a habitarem locais próximos ao ambiente natural dos flebotomíneos e reservatórios. Adicionalmente, podem ser elencados o fluxo de pessoas e cães entre áreas endêmicas e não-endêmicas, mudanças na ecologia do vetor, modificações antrópicas em ambientes anteriormente preservados, permitindo assim, o surgimento de mudanças no ciclo de transmissão de Leishmania spp., bem como o estabelecimento de um perfil de transmissão peridomicilar (MARCONDES & ROSSI, 2013; BRILHANTE, 2017). Em vista do aumento da interação entre flebotomíneos e humanos e modificações antrópicas em áreas de expansão agrícola e zonas de mata, torna-se de grande relevância conhecer os fatores de risco para infecção e a biologia e ecologia dos flebotomíneos, a fim de se elucidar o ciclo de vida do parasito e promover melhores formas de controle e vigilância, bem como detecção e tratamento precoce dos casos. Desta forma, com base na biologia e distribuição de flebotomíneos, verifica-se que a densidade populacional destes dípteros é passível de grande interferência pelas variações das estações do ano, observando-se um aumento de sua densidade populacional em meses mais quentes e úmidos (OLIVEIRA et al., 2003; ANDRADE, 2010). Os biótopos onde podem ser encontrados flebotomíneos adultos variam de acordo com os fatores ambientais (OLIVEIRA et al., 2010). Em áreas tropicais, a densidade populacional aumenta durante ou após períodos chuvosos, pois a alta umidade resultante das primeiras chuvas proporciona a emergência dos adultos (ALMEIDA et al., 2010). Desta forma, a umidade torna-se um fator determinante à manutenção destes dípteros em seus abrigos, formados por troncos de árvores, anexos de animais domésticos, folhas caídas no solo, e até mesmo paredes externas e internas de domicílios que possuam as condições adequadas (AGUIAR & 34 MEDEIROS, 2003). Entretanto, os locais considerados criadouros naturais são difíceis de serem encontrados, dificultando o desenvolvimento de medidas de controle focadas nas formas imaturas do vetor (DANTAS-TORRES & BRANDÃO- FILHO, 2006). Vale ressaltar que para ocorrer mais de uma espécie de flebotomíneo numa comunidade local é fundamental que haja condições e recursos disponíveis, levando-se em consideração interações competitivas interespecíficas. É visto que há determinada seleção de espécies em algumas cidades que apresentem casos de leishmaniose visceral, com presença apenas de Lutzomyia cruzi (MANGABEIRA, 1938) e ausência de Lutzomyia longipalpis (LUTZ & NEIVA, 1912). Com isso, há a hipótese de que ambas as espécies devem utilizar os mesmos recursos, e por conta desta competição, há a eliminação de uma das delas (ANDRADE et al., 2012). Além disso, é importante ressaltar o papel da Amazônia Brasileira no ciclo epidemiológico da doença. A mesma é conhecida mundialmente por sua biodiversidade e por ser um dos biomas mais conservados do mundo, em que estende-se por nove países da América do Sul, com uma área total de 6,4 milhões de km2, sendo o Brasil detentor de 63% desta área. A Amazônia Legal, representada pelo bioma amazônico, áreas de cerrado e campos naturais, abrange 5 milhões de km2, totalizando 59% do território nacional, cuja cobertura vegetal é representada por 63% por florestas densas, abertas e estacionais, e em 22% por áreas nativas não florestais (PEREIRA et al., 2010; BRILHANTE, 2017). Neste contexto, a Amazônia apresenta-se como uma região de grande relevância para estudos de doenças tropicais, sendo as leishmanioses uma das doenças de maior relevância no contexto de saúde pública brasileira. Vale ressaltar também que, o grande número de espécies de Leishmania descritas na Amazônia, sua diversidade de ciclo biológico, bem como distribuição geográfica e manifestações clínicas levaram a revisão taxonômica descrita anteriormente por Lainson & Shaw (1987; 2005). Diante do exposto, vale ressaltar o papel desta enfermidade em populações indígenas, visto que, de acordo com os dados registrados no SINAN, no período de 2015 a 2019, foram confirmados 225 casos de LV e 3.092 casos de LT na raça indígena, o que representa 1,4% (225/16.448) e 3,8% (3.092/81.529), respectivamente, do total de casos registrados no mesmo período no país. A autoctonia dos casos de LV na raça indígena foi confirmada em 13 estados das regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. Os casos de LV na raça indígena 35 predominaram no gênero masculino (58,2% - 31/225), com exceção dos estados do Tocantins (60% - 2/5), Alagoas (100% - 1/1) e Mato Grosso (80% - 4/5), onde a maior proporção de casos foi confirmada no gênero feminino. Não obstante, autoctonia da LT na raça indígena foi confirmada em 21 estados das cinco regiões brasileiras. Os casos de LT na raça indígena acometeram, principalmente, os adultos jovens (32,4% - 1.003/3.092) do gênero masculino (67,3% - 2.080/3.092) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022). Fonte: SIASI/SESAI/MS. Figura 5. Coeficiente de incidência para cada 100 mil habitantes, da leishmaniose tegumentar e da leishmaniose visceral nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), respectivamente. Brasil, 2015 a 2019. O gráfico a seguir nos mostra que a partir da década de 1980, verifica-se um aumento no número de casos de LT variando de 3.000 (1980) a 35.748 (1995). Observam-se picos de transmissão a cada cinco anos, apresentando tendência de aumento do número de casos, a partir do ano de 1985, quando se solidifica a implantação das ações de vigilância e controle da LT no País (MINISTÉRIO DA SAÚDE 2017). Aspecto também verificado por Brandão-Filho et al. (1999), demonstrando a ampla distribuição alcançada pela LTA em áreas não endêmicas, apresentando um processo de expansão evidente. De acordo com o Manual de Leishmaniose Tegumentar, no período de 1995 a 2014, verificou-se uma média anual de 25.763 casos novos registrados e coeficiente de detecção médio de 14,7 casos/100 mil habitantes, verificando-se coeficiente mais elevado no ano de 1995, que atingiu 22,4 casos por 100 mil habitantes (MINISTÉRIO DA SAÚDE 2017). 36 Fonte: SVS/MS; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017. Figura 6. Casos confirmados de leishmaniose tegumentar, Brasil – 1980 a 2014. A análise da distribuição espacial da LTA no Brasil mostrou sua ampla dispersão, mas com forte concentração em algumas áreas, permitindo também a identificação de outras áreas de menor endemicidade ou de ocorrência apenas de casos isolados. Em 1994, houve registro de casos em 1.861 (36,9%) municípios do país; em 1999, houve expansão da doença, sendo a mesma notificada em 2.036 (36,9%) municípios brasileiros. Verificou-se ainda que, em Mato Grosso, 100% dos municípios apresentaram registros autóctones, parcialmente explicada pelas áreas de expansão de fronteiras agrícolas ali presentes. Nota-se, ainda, que o risco de indivíduos da região norte adoecerem de LTA foi de 90/100 mil habitantes, aproximadamente cinco vezes maior que a média nacional. Em 85% dos municípios da região houve registro de casos autóctones, sendo que 100% dos municípios dos estados do Amapá, Rondônia e Roraima apresentaram autoctonia. Na região Nordeste, os coeficientes são inferiores à região Norte e Centro-Oeste, verificando- se, entretanto, uma tendência de crescimento, apresentando picos de até 32,5/100 mil habitantes. As regiões Sudeste e Sul apresentaram coeficientes bem inferiores às demais regiões, com uma média de 2,4 e 4,4/100.000 habitantes, respectivamente (Secretaria de Vigilância Sanitária, dados não publicados, 2004; 37 COSTA, 2005). Além disso, de acordo com o relatório da Organização Pan- Americana de Saúde, no ano de 2014, nas Américas foram reportados 51.098 casos de LTA, apresentando uma taxa de incidência de 19.75/100 mil habitantes, em que, o Brasil, seguidos da Colômbia e Peru, apresentaram 75% destes casos. Ainda, aproximadamente 96% dos casos notificados era da forma clínica cutânea e 4% da forma mucocutânea (BRILHANTE, 2017). 4. Discussão Técnicas moleculares vêm se tornando de grande importância na detecção e identificação de Leishmania spp. em flebotomíneos, tendo como alvos kDNA dos parasitos, subunidade menor do RNA ribossomal (SSU), região intergênica 1 (ITS-1), hsp70, dentre outros (GRAÇA et al., 2012; FREITAS-LIDANI et al., 2014; RÊGO et al., 2015). Entretanto, vale ressaltar que os diferentes alvos apresentam variações de especificidade e sensibilidade, tornando-se necessário técnicas de sequenciamento e/ou qPCR para identificação mais precisa dos agentes etiológicos envolvidos (TARUNE, 2017). Em vista disso, são crescentes os estudos acerca da detecção e caracterização molecular de Leishmania spp. Rêgo et al. (2015) investigaram a presença de Leishmania spp. por meio de ensaios de nPCR baseados no gene SSU rRNA (para os pools peridomiciliares) e cPCR para ITS-1 (para os pools provenientes de trilhas), em 1289 pools (263 e 1026 pools provenientes de ambientes peridomicilares e de trilhas, respectivamente) amostradas na Reserva Indígena de Xakriabá, norte de Minas Gerais, compostas por até dez espécimes de flebotomíneos da mesma espécie. Foi observada uma positividade de 4,1% (11/263) em pools de flebotomíneos peridomicilares, com maior prevalência para L. (L.) infantum (36,3% [4/11]), a qual foi detectada em pools de Nyssomiya intermedia (4/11), Lutzomyia renei (2/11), Lutzomyia longipalpis (2/11), Lutzomyia ischnacantha (1/11), Micropygomyia goiana (1/11) e Evandromyia lenti (1/11). Já para as amostras provenientes de trilhas, apenas doze foram positivas para os ensaios de PCR baseados na região intergênica 1, cuja maior prevalência foi de L. braziliensis (41,6 [5/12]), seguidas de L. guyanensis (25% [3/12]) e L. infantum (25% [3/12]), provenientes de pools de Martinsmyia minasensis (5/12), Nyssomiya intermedia (3/12), Micropygomyia peresi (2/12), Micropygomyia capixaba (1/12) e Evandromyia lenti (1/11). Tais resultados refletem uma maior prevalência em ambientes 38 peridomiciliares, podendo ser explicado pelos diferentes alvos moleculares, bem como ensaios de nPCR apresentarem maior sensibilidade em relação a ensaios de cPCR. No entanto, Lutzomyia longipalpis e Nyssomyia intermedia, espécies de flebotomíneos de alto hábito antropofílico amplamente distribuídos pelo Brasil (LAVITSCHKA, 2016), foram encontradas em maior quantidade no ambiente peridomiciliar em relação às trilhas, podendo, também, apresentar diferenças nas prevalências. Além disso, pools de Nyssomyia intermedia mostraram-se positivas para Leishmania braziliensis em quatro amostras (duas de cada área), reforçando o papel epidemiológico das referidas espécies de flebotomíneos na transmissão de LTA no Estado de Minas Gerais. De fato, Filho et al. (2007) aponta a expansão da doença nas regiões de Jequitinhonha, Vale do Rio Doce, Zona da Mata e Triangulo Mineiro. Entretanto, tais dados são contraditórios em relação a estudo conduzido por Lavitschka (2016), cuja avaliação vetorial de Nyssomyia intermedia, por meio infecções experimentais, apresentou correlação negativa quanto a presença de L. braziliensis. Brighente et al. (2018) investigaram a presença de Leishmania sp., no noroeste do estado de São Paulo, por meio de ensaios de cPCR baseados nos genes kDNA e ensaios de qPCR baseados no marcador molecular Linj31 para proteínas provenientes de Leishmania (Leishmania) infantum, em 165 pools compostos por 292 fêmeas de Lutzomyia longipalpis. Foi observada uma positividade de 7,28% (12/165) e 4,85% (8/165) para Leishmania (Leishmania) infantum nos ensaios de cPCR e qPCR, respectivamente. Os resultados sugerem a grande dominância de Lutzomyia longipalpis em ambientes urbanos, bem como o risco endêmico do referido agente ocasionando surtos de leishmaniose visceral (humana e canina) nesta região. Além disso, corrobora com dados de Rangel et al. (2012) e Casanova et al. (2013) em estudos em Dracena (2005), com prevalência de 99,86% da mesma espécie de flebotomíneo capturado. Além disso, os dados de Brighente et al. (2018) corroboram com os dados de Rêgo et al. (2015), em vista de ambos apresentarem moderada positividade, bem como ressaltam a importância epidemiológica desta espécie de flebotomíneo no ciclo de transmissão de L. (L.) infantum. Silva et al. (2014) investigaram a presença de Leishmania spp. em flebotomíneos capturados na Reserva Indígena Caititu, na Amazônia, por meio de ensaios de cPCR baseadas na região ITS-1. Para isto, foram analisadas 82 pools, contendo 39 entre duas a dez espécimes da mesma espécie, provenientes de 559 espécimes de fêmeas de flebotomíneos. Destes, sete (8,5% [7/82]) pools apresentaram-se positivos. A partir do sequenciamento, foi observado que quatro (4/7), dois (2/7) e um (1/7) destes pools apresentaram-se positivos para Leishmania (Leishmania) amazonensis, Leishmania (Leishmania) braziliensis e Leishmania (Viannia) sp., respectivamente. Destes, pools de Nyssomyia umbratilis (1/7), Nyssomyia yuilli yuilli (1/7), Sciopemyia servulolimai (1/7) e Trichophoromyia ubiquitalis (1/7) mostraram-se positivos para L. (L.) amazonensis, Evandromyia apurinan (1/7) e Psathyromyia davisi (1/7) para L. (L.) braziliensis, e Trichophoromyia ubiquitalis (1/7) para Leishmania (Viannia) sp. Tais resultados demonstram a primeira detecção de DNA de L. (L.) amazonensis em Sciopemyia servulolimai, cuja espécie foi encontrada em Roraima, apresentando infecção natural por Trypanosoma sp. (FERREIRA et al., 2008). Tais achados sugerem que pode haver a circulação de L. (L.) amazonensis em anfíbios, visto que fêmeas de Sciopemyia sp. se alimentam de sangue de anfíbios, haja vista o reduzido tamanho de seu aparelho bucal, com número reduzido de dentes na mandíbula e maxila. Além disso, corroboram com estudos de Aria & Freitas (1978) em que fora observada infecção natural de L. (L.) braziliensis em flebotomíneos, bem como lesões em pacientes (BENÍCIO et al., 2011; NEVES et al., 2011), apresentando autoctonia de leishmaniose tegumentar, presente também em diversas reservas indígenas na região (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017; 2022). Silva et al. (2021) analisaram a presença de DNA de Leishmania spp. em 232 pools (formadas a partir de 2051 espécimes) de fêmeas de flebotomíneos, provenientes de Porto Velho (RO), por meio de ensaios de cPCR baseados nos genes kDNA e hsp70. O estudo encontrou uma positividade de 10,3% (24/232); destas, 22 (91% [22/24]) amostras apresentaram similaridade com espécies de Leishmania. A análise pelo BLAST mostrou 21 sequências com aproximadamente 97% de similaridade com Leishmania naiffi, pertencente a pools de Lutzomyia (Lutzomyia) hirsuta (3/21), Lutzomyia antunesi (6/21), Lutzomyia shawi (2/21), Lutzomyia davisi (6/21), Lutzomyia sordellii (1/21) e Lutzomyia (Trichophoromyia) spp. (3/21), e uma sequência com 97% de similaridade com Leishmania lainsoni, proveniente de uma pool de Lutzomyia (Trichophoromyia) spp. Saraiva et al. (2010) investigaram a presença de Leishmania sp. em 120 pools de fêmeas de flebotomíneos provenientes de Belo Horizonte, Minas Gerais. Para isto, 40 foram dissecados 245 flebotomíneos, dos quais três apresentaram formas flageladas na porção média do intestino; entretanto, devido a contaminação não foi possível isolar estas for