Quim. Nova, Vol. 26, No. 5, 641-643, 2003 A rt ig o *e-mail: bolzaniv@iq.unesp.br CONSTITUINTES QUÍMICOS DE Arrabidaea samydoides (BIGNONIACEAE) Patrícia Mendonça Pauletti e Vanderlan da Silva Bolzani* Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista, CP 355, 14801-970 Araraquara - SP Maria Claudia Marx Young Secção de Fisiologia e Bioquímica de Plantas, Instituto de Botânica, CP 4005, 01061-970 São Paulo - SP Recebido em 15/5/02; aceito em 15/5/03 CHEMICAL CONSTITUENTS OF ARRABIDAEA SAMYDOIDES (BIGNONIACEAE). Chemical investigation of Arrabidaea samydoides resulted in the isolation of the flavone chrysin; five triterpenes: lupeol, ursolic acid, 3β,16α-dihydroxy-urs-12-ene, uvaol, and erythrodiol; and two sterols: sitosterol and stigmasterol. The structures of these compounds were established by spectroscopic analysis. This paper deal with the first phytochemical study of Arrabidaea samydoides. Keywords: Arrabidaea samydoides; Bignoniaceae; triterpenes. INTRODUÇÃO Como parte da nossa busca por substâncias com atividades antitumoral, antifúngica e antioxidante em plantas do Cerrado e da Mata Atlântica do Estado de São Paulo, Arrabidaea samydoides (Bignoniaceae) foi escolhida para estudo fitoquímico detalhado, de- vido à atividade no reparo do DNA apresentada pelo extrato EtOH dos caules, que mostrou inibição seletiva numa das linhagens mutantes de Saccharomyces cerevisiae (RS 321, IC 12 = 1500). O resultado da atividade no reparo do DNA detectada no extrato de A. samydoides é um indício da presença de metabólitos especiais bioativos. A família Bignoniaceae está constituída por 113 gêneros e 800 espécies de plantas arbustivas, arbóreas e trepadeiras1. As espécies deste táxon encontram-se distribuídas nas regiões tropicais de todo o mundo, sendo de ocorrência freqüente no continente americano, cujos jacarandás (Jacaranda brasiliana) e ipês amarelo e roxo (Tabebuia alba e T. avellanedae) são os exemplos mais representativos da fa- mília. Plantas destas espécies são muito utilizadas na construção ci- vil, carpintaria e construção de instrumentos musicais devido à natu- reza rígida da madeira; em planejamento urbano é também usada como planta ornamental, devido à beleza de suas florações2, que têm no ipê o exemplo mais conhecido no paisagismo urbano. No Brasil, plantas desta família ocorrem desde a Amazônia até o Rio Grande do Sul, não possuindo um habitat único, podem ser encontradas nos Cerrados, Mata Atlântica e região Amazônica2. Existem poucos rela- tos de estudos químicos do gênero Arrabidaea, sendo A. chica a principal espécie estudada, da qual foram isolados fitosteróis, flavonóides e pigmentos utilizados em cosméticos: carajurona, carajurina e 3-deoxiantocianidinas3-7. A ausência de estudos químicos sobre a espécie em questão, alia- da ao fato da importância do registro químico de espécies endêmicas dos biomas brasileiros, motivaram o presente trabalho que descreve o estudo fitoquímico de Arrabidaea samydoides. Foram isoladas da fra- ção AcOEt 6 xantonas com atividade antioxidante8, das quais 3 são inéditas; da fração CHCl 3 e da fração hexânica, 1 flavona, 5 triterpenos pentacíclicos e 2 esteróides. A ocorrência de xantonas e triterpenos na espécie é relevante para a quimiotaxonomia de Bignoniaceae, já que esta é a terceira espécie do gênero a ser estudada. RESULTADOS E DISCUSSÃO A investigação fitoquímica de Arrabidaea samydoides resultou no isolamento do lupeol (1)9, sitosterol (2)10, estigmasterol (3)10, crisina (4)11, 3β,16α-diidroxi-olean-12-eno (5)9, eritrodiol (6)9,12, uvaol (7)9,13 e ácido ursólico (8)9. Os triterpenos 6-7 foram identificados neste es- tudo como uma mistura na proporção de 2:1, respectivamente. A identificação de todas as substâncias acima mencionadas foi baseada na comparação de seus dados espectroscópicos (RMN 1H e 13C, experimentos DEPT 135o, COSY, HMQC, HMBC, IV e EM) com valores disponíveis na literatura. Em ensaios preliminares, visando a detecção de atividade antitumoral, o extrato bruto dos caules de A. samydoides apresentou atividade inibidora do crescimento de linhagens mutantes de Saccharomyces cerevisiae rad + (12,0 mm) e rad 52 Y (13,0 mm), exceto na linhagem RS 321. A inibição do crescimento destas leve- duras é um teste preliminar seletivo para verificar a ação de uma determinada amostra no reparo do DNA14, o que pode ser interpreta- do como uma atividade citotóxica. Atualmente muitas doenças po- dem estar relacionadas com alterações no DNA, entre elas, o cân- cer14. Assim, dado o interesse por produtos naturais com ação no DNA, priorizou-se o fracionamento da fração CHCl 3 bioativa [rad + (11,0 mm), RS 321 (inativa) e rad 52 Y (12,0 mm)]. O fracionamento e purificações subseqüentes das frações bioativas indicaram uma di- minuição gradativa da bioatividade das subfrações, quando compa- radas com os valores de inibição determinados para o extrato bruto. Estes resultados são bastante freqüentes quando se faz estudo quími- co bioguiado e pode estar relacionado a vários fatores. Os mais co- muns devem-se à perda de atividade durante a separação cromato- gráfica e ao sinergismo15. PARTE EXPERIMENTAL Instrumentação e material cromatográfico Os espectros de RMN foram registrados em CDCl 3 e DMSO-d 6 no espectrômetro Bruker AC-200 F e Varian Inova 300 e 500, usan- do TMS como padrão de referência. Os experimentos COSY, HMBC e HMQC foram realizados em espectrômetro Variam Inova 500 e DEPT 135o em espectrômetro Bruker AC-200 F. O espectro de ab- sorção no IV foi obtido no espectrômetro PERKIN ELMER- FT-IR, 642 Quim. NovaPauletti et al. utilizando-se pastilhas de KBr. Os espectros de massas foram registrados em espectrômetro de massas de baixa resolução FISONS- Modelo VG Platfform II, no modo Electrospray. Nas análises por CCDC e CCDP foram utilizadas placas de sílica gel 60 G F 254 . As placas foram observadas sob luz UV 254 - 366 nm (Chromatovus) e reveladas com vapores de iodo ressublimado e solução de anisaldeído, seguida de aquecimento. Nas cromatografias em coluna foram utili- zadas como fase estacionária sílica gel (230 - 400 mesh), sílica qui- micamente modificada com grupos octadecila (ODS)16 e PVPP (polivinilpirrolidona). Material vegetal A espécie vegetal Arrabidaea samydoides Sandw. foi coletada na Estação Ecológica e Experimental de Mogi-Guaçú (SP) em abril de 2000. A exsicata (Moraes 43) encontra-se depositada no Herbário do Instituto de Botânica da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo (SP). Bioensaio Para a detecção de atividade antitumoral em extratos e substân- cias puras, foram utilizadas três linhagens mutantes de Saccharomyces cerevisiae (rad+, 52Y e RS321) segundo a metodologia descrita na literatura14. Os padrões utilizados foram: Camptotecina: rad+ 200 µg/mL (16, 0 mm) e 52Y 5 µg/mL (21,0 mm) e estreptonigrina: RS-321 4 µg/mL (20,0 mm). Extração As folhas de A. samydoides (845,45 g) e os caules (837,80 g) foram secos, pulverizados e extraídos com etanol. Os extratos brutos das folhas (72,67 g) e do caule (22,86 g) foram suspensos em CH 3 OH: H 2 O (8:2) e submetidos a partição com hexano, CHCl 3 e AcOEt. Após a concentração dos solventes, foram obtidas das folhas as fra- ções: hexânica (1,65 g), CHCl 3 (11,79 g), AcOEt (36,19 g ), aquosa (9,45 g) e emulsão (10,8 g) e dos caules, as frações hexânica (0,46 g), CHCl 3 (2,5 g), AcOEt (4,77 g), aquosa (6,46 g) e emulsão (3,77 g). A fração CHCl 3 dos caules (1,0 g) foi fracionada em uma coluna de sílica gel empregando gradiente de CH 2 Cl 2 :CH 3 OH. A subfração 16-28 forneceu a substância 1 (34,3 mg). Da subfração 29-39 (51,7 mg) foi obtida a mistura de 2 e 3 (9,1 mg) após CCDP usando como eluente CH 2 Cl 2 . A subfração 44-51 (154,6 mg) apresentou atividade inibidora do crescimento de linhagens mutantes de Saccharomyces cerevisiae [rad + (14,0 mm), RS 321 (13,0 mm) e rad 52 Y (12,0 mm)] e foi submetida à coluna cromatográfica de PVPP usando como eluente CHCl 3 , sendo a substância 4 (10,5 mg) isolada desta. A fração hexânica dos caules (0,46 g) foi submetida à coluna de sílica gel utilizando gradiente de Hexano:AcOEt. A subfração 69-78 (48,7 mg) foi submetida a CCDP usando como eluente Hexano: AcOEt (7:3). Deste procedimento foi isolada a substância 5 (9,8 mg). Uma parte da fração CHCl 3 (5,0 g) das folhas foi fracionada em coluna de sílica gel usando gradiente de Hexano:AcOEt. A mis- tura formada pelas substâncias 6 e 7 (9,1 mg) foi obtida da subfração 15 (44,2 mg), após cromatografia em coluna em sílica ODS utilizan- do como eluente gradiente de CH 3 OH:CHCl 3 . A substância 8 (73,0 mg) foi isolada da subfração 28-30 (678,0 mg) após coluna croma- tográfica de sílica C-18 empregando como eluente gradiente de CH 3 OH:CHCl 3 . CONCLUSÃO Arrabidaea samydoides está incluída nas poucas espécies com atividade antitumoral, antifúngica e/ou antioxidante selecionada en- tre cerca de 1500 espécies coletadas na Mata Atlântica e Cerrados paulistas dentro do programa de bioprospecção do Biota-FAPESP. O presente estudo demonstrou que a atividade no reparo do DNA apre- sentada pelo extrato bruto manteve-se até frações semi purificadas. No entanto, as substâncias isoladas mostraram-se inativas. O isolamento de uma flavona, triterpenos e esteróides de A. samydoides é bastante relevante tendo em vista ser o primeiro estu- do químico e biológico dessa espécie da família Bignoniaceae, co- nhecida como um grupo de plantas de ocorrência marcante nos Cer- rados brasileiros, hoje considerado um ecossistema seriamente amea- çado de extinção (área definida como “hots spots”17). AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao programa Biota-FAPESP e CNPq pe- los auxílios e bolsas concedidos. REFERÊNCIAS 1. http://www.inform.umd.edu/PBIO, acessada em Setembro 2002. 2. Lorenzi, H.; Árvores Brasileiras I, Instituto Plantarum de Estudos da Flora LTDA: Nova Odessa, 1988. 3. Takemura, O. S.; Iinuma, M.; Tosa, H.; Miguel, O. G.; Moreira, E. A; Nozawa, Y.; Phytochemistry 1995, 38, 1299. 643Constituintes Químicos de Arrabidaea samydoides (Bignoniaceae)Vol. 26, No. 5 4. Harborne, J. B.; Phytochemistry 1967, 6, 1643. 5. Zorn, B.; Garcíana-Piñeres, A. 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