DÉBORA BALLIELO BARCALA O GROTESCO E A PERSONAGEM FEMININA EM CONTOS DE FLANNERY O’CONNOR ASSIS 2017 DÉBORA BALLIELO BARCALA O GROTESCO E A PERSONAGEM FEMININA EM CONTOS DE FLANNERY O’CONNOR Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Mestrado Acadêmico em Letras (Área de Conhecimento: Literatura e Vida Social) Orientador(a): Cleide Antonia Rapucci Bolsista: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP – nº 2014/23015-6 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq nº 130016/2015-2 ASSIS 2017 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP Barcala, Débora Ballielo B242g O grotesco e a personagem feminina em contos de Flan- nery O’Connor / Débora Ballielo Barcala. Assis, 2017. 141 f. : il. Dissertação de Mestrado - Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Orientador: Drª Cleide Antonia Rapucci 1. O’Connor, Flannery, 1925-1964. 2. Grotesco na lite- ratura. 3. Ficção americana - Escritoras. 4. Mulheres na literatura. I. Título. CDD 813 AGRADECIMENTOS Esta dissertação marca não apenas uma etapa de meus estudos sobre Flannery O‟Connor, como também uma fase muito importante de meu desenvolvimento pessoal e profissional. Assim sendo, gostaria de agradecer às pessoas e instituições que me auxiliaram e tornaram possível a execução deste trabalho. Primeiramente, agradeço a meu companheiro, Marcelo de Gois Barbosa, que acompanhou de perto minha iniciação e crescimento como pesquisadora desde os primeiros anos de graduação até a presente defesa, incentivou e apoiou meu crescimento pessoal e profissional. Agradeço também aos meus pais, Reinaldo de Souza Barcala e Flávia Aparecida Dalmatti Ballielo Barcala, que sempre primaram pela minha educação, cercando-me de cuidados e formando-me enquanto leitora e estudante curiosa. À Drª Cleide Antonia Rapucci, que não apenas me apresentou Flannery O‟Connor em 2010, como também orientou minha trajetória acadêmica de forma generosa e competente, ajudando a amadurecer as ideias e análises presentes neste trabalho. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, nº 2014/23015-6, pelo apoio financeiro e científico que possibilitou dedicação exclusiva a esta pesquisa, bem como a troca de experiências e conhecimentos em eventos acadêmicos e aprofundamento nos estudos sobre Flannery O‟Connor na Georgia College and State University e na biblioteca Ina Dillard Russel. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, nº 130016/2015-2, pelo apoio financeiro despendido no início do desenvolvimento desta pesquisa. Ao Prof. Dr. Antonio Roberto Esteves e à Profª Drª Kátia Rodrigues Mello Miranda, membros da Banca de Qualificação, pelos apontamentos e contribuições para o seguimento deste trabalho. SPECIAL THANKS A crucial part of this research was carried on during my stay in the United States of America, and, therefore, I feel obliged to thank the people that very generously made that possible. First, I must thank Dr. Marshall Bruce Gentry, who very kindly accepted to be my supervisor even without knowing me. I am immensely grateful for the hours spent discussing Flannery O‟Connor‟s life and work both in his office and in class. I would also like to thank Dr. Eric Spears and all the staff from the International Education Center of Georgia College and State University for dealing with all the paperwork for the visa and arranging all the details of my stay. To Nancy, Gordon, Katherine and Liz, the Special Collections staff at Ina Dillard Russel Library, whose daily help in finding manuscripts and resources from the O‟Connor Collection was essential to my research. To Marina Busatto Spears and Eric Spears again for very generously opening their house to me and sparing no effort to make me feel at home while in the United States, for the many hours of pleasant conversation, for driving me around and taking me to Savannah. Without you my experience would not have been half as enriching as it was. To my roommate, Layne Newman, who drove me to Andalusia Farm and to Central State Hospital, for being such a kind and welcoming person. And last, but not least, to Marilda Viana, my first English teacher, without whom none of these would ever have been possible. “On the subject of the feminist business, I just never think, that is never think of qualities which are specifically feminine or masculine” (Flannery O’Connor) BARCALA, Débora Ballielo. O grotesco e a personagem feminina em contos de Flannery O’Connor. 2017. 141 f. (Mestrado Acadêmico em Letras). – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Assis, 2017. RESUMO O presente trabalho pretende analisar os contos “A Stroke of Good Fortune”, “A Temple of the Holy Ghost”, “Good Country People”, “A View of the Woods”, “Revelation” e “Parker‟s Back”, da escritora estadunidense Flannery O‟Connor considerando o que neles há de grotesco. Será dada especial atenção à representação do corpo grotesco, isto é, o corpo deformado, amputado, modificado, doente. Uma vez considerados os elementos grotescos, serão realizadas análises das personagens femininas nos contos: como elas são construídas e o que isso pode representar em termos de subversão da autoridade patriarcal e das particularidades da escrita de Flannery O‟Connor. Por fim, serão feitas aproximações entre o grotesco e a representação da mulher nos textos da autora. Para a realização desta pesquisa, tomaremos por base as obras dos teóricos sobre o grotesco Wolfgang Kayser (2013), Mikhail Bakhtin (2013) e Mary Russo (2000); além de estudos sobre a escrita de Flannery O‟Connor como a obra de Katherine Prown (2001) e outros teóricos que abordam análise de personagens. Palavras-chave: Flannery O‟Connor. Grotesco. Literatura de autoria feminina. Personagem feminina. BARCALA, Débora Ballielo. The grotesque and the female character in short stories by Flannery O’Connor. 2017. 141 s. (Masters in Literature). – São Paulo State University, Sciences and Languages School, Campus of Assis, 2017. ABSTRACT The present work intends to analyse the short stories "A Stroke of Good Fortune", "A Temple of the Holy Ghost", "Good Country People", "A View of the Woods", "Revelation" and "Parker's Back", by the American writer Flannery O'Connor, considering what is grotesque in them. Special attention is going to be paid to the representation of the grotesque body - the deformed, amputee, modified, sick body. Once the grotesque elements are considered, analyses of the female character is going to be carried out: how they are constructed and what it may represent in terms of subversion of the patriarchal authority and of the particularities of Flannery O'Connor's writing. Finally, approximation between the grotesque and the representation of the woman is going to be done based on the author's stories. This research is going to be based on the works of the grotesque theorist Wolfgang Kayser (2013), Mikhail Bakhtin (2013) and Marry Russo (2000), besides studies about Flannery O'Connor's writing such as the work of Katherine Prown (2001) and other theorists of character analysis. Key-words: Flannery O‟Connor. Grotesque. Female authorship. Female character. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 10 1. A escritora e seu país: a posição de Flannery O’Connor nos Estados Unidos e no Brasil .............................................................................................................................. 17 1.1 Entre a casa e o galinheiro: biografia ...................................................................... 17 1.2 A carroça e o trem: Flannery O‟Connor e a literatura sulista americana .......... 26 1.3 Flannery O‟Connor: recepção e fortuna crítica em seu país ............................... 35 1.4 Um conjunto de estranhamentos: Flannery O‟Connor no Brasil ........................ 42 2. O Grotesco ........................................................................................................................ 50 2.1 Alguns aspectos do grotesco na ficção .................................................................. 50 2.2 O grotesco em O‟Connor ......................................................................................... 57 2.2.1 Rebaixamento ou degradação .............................................................................. 58 2.2.2 O corpo grotesco .................................................................................................... 66 2.2.3 O cômico e o sério .................................................................................................. 77 3 . A personagem feminina ............................................................................................... 85 3.1 “Mulheres que não se comportam como anjos devem ser monstros”: o grotesco feminino ............................................................................................................... 85 3.2 “O peso de séculos jaz sobre as crianças, eu tenho certeza”: meninas e o patriarcado ........................................................................................................................... 91 3.3 Mães e filhas ............................................................................................................ 100 3.4 Maternidade e casamento ...................................................................................... 113 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 128 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 136 ANEXO A – Flannery O‟Connor: dois ou três anos de idade....................................... 141 ANEXO B – Flannery O‟Connor nos degraus da frente de sua casa na fazenda Andalusia ............................................................................................................................... 141 10 INTRODUÇÃO Fiction is about everything human and we are made out of dust, and if you scorn getting yourself dusty, then you shouldn‟t try to write fiction. Flannery O‟Connor1 O grotesco é, em si, um conceito bastante complexo e carente de definições unânimes. Inicialmente usado para denominar a arte ornamental descoberta em escavações de um templo romano na Itália, o termo “grotesco” foi mudando de significado com o passar do tempo. Se no início fazia referência à arte que misturava os domínios animal, vegetal e humano, no Renascimento e na época romântica passou a ser sinônimo do que é estranho e de mau-gosto. No Romantismo houve ainda uma tentativa de resgate do termo, associando-o ao feio, ao horror e ao cômico, em oposição à estética do belo ou do sublime. Victor Hugo (s/d, p. 33) chega mesmo a defender que o grotesco é que aproxima a literatura do real e que o “belo tem somente um tipo; o feio tem mil”. O belo seria então uma forma simples, simétrica, harmônica e, portanto, um conjunto completo e restrito; “O que chamamos feio, ao contrário, é um pormenor de um grande conjunto que nos escapa, e que se harmoniza, não com o homem, mas com toda a criação. É por isso que ele nos apresenta, sem cessar, aspectos novos, mas incompletos.” (HUGO, s/d, p. 33). Bakhtin (2013) também acredita que o grotesco é aquilo que harmoniza com o cosmos e não com o homem, simplesmente. Analisando a arte da Idade Média e do Renascimento, com base nas festas populares e no carnaval, Bakhtin chega à conclusão de que o corpo representado pelo grotesco é aberto, isto é, ele se comunica com o cosmos e está em harmonia com ele. Neste sentido, o corpo é compreendido como universal e incompleto. O corpo estaria sempre em processo entre o nascimento e a morte (momentos máximos de conexão com a terra) e é, por isso, inacabado e oposto à estética clássica, que pregava o corpo fechado, acabado e separado do mundo. Portanto, o grotesco está sempre ligado ao baixo material e corporal, ao terreno, ao plano concreto da realidade. 1 “Ficção é sobre tudo o que é humano e nós somos feitos de pó; se você despreza ficar empoeirado, não deveria tentar escrever ficção” (O‟CONNOR, 1970, p. 68). 11 A opinião de Bakhtin sobre o grotesco é bastante semelhante à fala de O‟Connor sobre a ficção, colocada como epígrafe. Para ela, “os materiais do escritor de ficção são os mais humildes”2 (O‟CONNOR, 1970, p. 68)3. Flannery O‟Connor era avessa a abstrações e simbolismos desnecessários: “O começo do conhecimento humano é pelos sentidos e o escritor de ficção começa onde começa a percepção humana. Ele apela pelos sentidos e não se pode apelar pelos sentidos com abstrações”4 (O‟CONNOR, 1970, p. 67). Em “The Nature and Aim of Fiction”, O‟Connor critica o “espírito moderno” que retoma a concepção maniqueísta de separar espírito e matéria. Os Maniqueístas, afirma ela, “buscavam o espírito puro e tentavam alcançar o infinito diretamente, sem nenhuma mediação da matéria”5 (O‟CONNOR, 1970, p. 68). Esse tipo de pensamento, para a autora, é o que dificulta a escrita de ficção no mundo moderno, pois, para ela, a ficção é uma arte de encarnação, isto é, uma arte que materializa; torna concreto. Para Di Renzo (1993), o grotesco remonta às gárgulas das catedrais góticas e medievais e tem o mesmo papel que elas: promover a drenagem. Assim, as gárgulas são literalmente trombas d‟água cujas bocas sorridentes vomitam esgoto e água da chuva. [...] É uma reafirmação feroz de tudo o que a cultura nega, um escoamento daqueles sentimentos, ideias e imagens que ela censura e bane para fazer com que a vida se conforme a um padrão seguro, previsível. O grotesco é transgressivo. Cruza fronteiras, ignora limites e transborda margens (DI RENZO, 1993, p. 5). A arte grotesca, portanto, expressa o reprimido. É o transbordamento de tudo aquilo que a cultura oficial procura negar, reprimir, abafar. De acordo com Freud (2006), o que nos causa estranheza é o sentimento reprimido que retorna. Logo, faz sentido acreditar que o grotesco causa estranheza porque remexe nas feridas e no lado escuso que a sociedade preferiria ignorar. 2 “the materials of the fiction writer are the humblest” 3 Esta citação, assim como a maioria das citações de textos em inglês nesta dissertação, foi traduzida por mim, devido à ausência de traduções brasileiras das obras. Por isso, consideramos redundante mencionar “tradução nossa” em todas as vezes em que isto acontece. Quando o texto traduzido em questão é de autoria de Flannery O‟Connor, optou-se por trazer a versão em inglês em nota. 4 “The beginning of human knowledge is through the senses, and the fiction writer begins where human perception begins. He appeals through the senses, and you cannot appeal to the senses with abstractions” 5 “sought pure spirit and tried to approach the infinite directly without any mediation of matter” 12 Aplicando esta ideia ao contexto da escrita feminina produzida no sul dos Estados Unidos, Yaeger (2000, p. 10) questiona: “Como escrever uma história que todos sabem, mas os brancos raramente escutam? Como falar uma história quando sua língua foi cortada? O grotesco oferece uma resposta. Oferece uma figura de linguagem com o volume aumentado”. De acordo com a autora, a maioria das escritoras da região, brancas e negras, optou pelo uso do grotesco em sua literatura porque queria representar as incongruências de um mundo em crise e mutação. O sul dos Estados Unidos passava, no fim do século XIX e em todo o século XX, por um momento de transformação econômica e social, com a derrota na Guerra da Secessão, a libertação dos escravos e os movimentos por direitos civis. A região estava em turbulência e, em uma cultura em crise, incapaz de lidar com as mudanças no campo da vida cotidiana – a crescente demanda (dos anos trinta aos noventa) por igualdade afro- americana, por maior acesso à educação, cidadania, e recursos econômicos – a mudança explode abruptamente, via imagens de corpos monstruosos, absurdos (YAEGER, 2000, p. 4). Associando o grotesco ao feminino, Russo (2000, p.13) argumenta que a própria palavra “grotesco” remonta à caverna e, como “metáfora do corpo, a caverna grotesca tende a se parecer (e, no sentido metafórico mais grosseiro, identificar) com o corpo feminino anatomicamente cavernoso”. Essa associação pode sugerir uma representação positiva da feminilidade, mas é preciso ter cuidado com associações entre o corpo feminino naturalizado e os “elementos primordiais”, naturais, pois se corre o risco de resvalar na misoginia e no essencialismo. É mais interessante pensar no grotesco como aquilo que foge à regra e, como o padrão na sociedade ocidental tende a ser masculino, o feminino já é mais associado ao grotesco por estar fora da regra. Há ainda certos padrões de comportamento esperados das mulheres pela sociedade patriarcal e desrespeitar estes padrões, isto é, ser grotesca, implica sérios riscos para as mulheres. “Em outras palavras, no mundo indicativo cotidiano, as mulheres e seus corpos, certos corpos, em certos sistemas públicos, em certos espaços públicos, já são sempre transgressores – perigosos e em perigo” (RUSSO, 2000, p.77). É evidente que vemos na ficção de Flannery O‟Connor várias características da arte grotesca. Embora não se considerasse feminista, a escritora povoou sua ficção de mulheres transgressoras, grotescas que, em muitas ocasiões, terminam 13 como vítimas da violência de uma sociedade normatizadora. Assim, neste estudo, procuramos defender que a ficção de O‟Connor pode ser interpretada como feminista, visto que explora os conflitos de gênero e a vitimização da mulher, e o grotesco é um dos meios mais poderosos na ficção da autora para expressar os problemas das mulheres de sua época. Desse modo, o objetivo desta dissertação é mostrar que há preocupações feministas na obra de Flannery O‟Connor e o grotesco é um instrumento para a representação dessas preocupações. Os seis contos que compõem o corpus desta pesquisa - “A Stroke of Good Fortune”, “A Temple of the Holy Ghost”, “Good Country People”, “A View of the Woods”, “Revelation” e “Parker‟s Back” - foram cuidadosamente selecionados porque cada um deles traz um aspecto diferente de “deformação” corpórea (gravidez, hermafroditismo, amputação, o “duplo”, a doença cardíaca, a obesidade e as tatuagens) e, assim, oferecem um panorama sobre as manifestações do grotesco identificáveis na obra de O‟Connor. Também trazem uma variedade de personagens femininas, desde a criança, passando pela adolescente até a idade adulta. As personagens femininas ora são protagonistas, ora são personagens secundárias, mas sempre exercem um papel decisivo na narrativa. Portanto, esses contos, os três primeiros publicados em A Good Man Is Hard to Find (1955) e os três últimos em Everything That Rises Must Converge (1965), funcionam como uma amostra das variadas formas do grotesco e da representação da mulher na ficção curta da autora. Realizar esta pesquisa, no entanto, tem sido um desafio. Ao iniciar o mestrado, deparamo-nos com um grande problema: a quase ausência de material crítico e biográfico no Brasil sobre O‟Connor, ao mesmo tempo em que há uma grande produção dedicada à sua obra nos Estados Unidos. É fato que outros trabalhos sobre O‟Connor já tinham sido desenvolvidos no Brasil, incluindo um projeto de iniciação científica desenvolvido por mim e pela professora Cleide Rapucci, intitulada “Um Estudo de Contrastes: a Questão Racial e a Tradução em Flannery O‟Connor”6, mesmo com acesso a pouco material, mas a perspectiva de 6 Nessa pesquisa de iniciação científica, realizada de 2011 a 2013, foram analisadas as traduções dos contos “The Geranium”, “The Train”, “The Artificial Nigger” e “Everything That Rises Must Converge” com foco nas traduções de termos e trechos que expressavam preconceito racial das personagens. 14 fazer um estudo que não dialogasse com a fortuna crítica internacional não nos parecia promissora. Assim, buscando suprir a lacuna de obras críticas e aprimorar o conhecimento da vida e obra da autora, entramos em contato com o professor doutor Marshall Bruce Gentry, encarregado dos estudos sobre Flannery O‟Connor na Georgia College and State University, em Milledgeville, Geórgia, onde O‟Connor não só viveu como também frequentou a universidade. O acervo da Georgia College sobre Flannery O‟Connor é possivelmente o mais completo, contendo manuscritos dos textos da autora, cartas escritas por ela, sua biblioteca pessoal à época de sua morte, além de textos críticos e vídeos baseados em sua obra. O professor Gentry é uma autoridade nos estudos o‟connorescos, tendo publicado o livro Flannery O‟Connor‟s Religion of the Grotesque, baseado em sua tese de doutorado, no ano de 1986. Desde então, organizou vários livros e, como chefe dos estudos sobre O‟Connor na Georgia College, é editor-chefe do Flannery O‟Connor Review, periódico anual inteiramente dedicado à autora. Parecia-nos, então, ser a pessoa mais qualificada para orientar um estágio de pesquisa no exterior. Com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, parti para a Geórgia no dia 3 de janeiro de 2016, para um estágio que duraria dois meses. Apesar de curto, o período no exterior foi muito produtivo para esta pesquisa. Na Special Collections da biblioteca Ina Dillard Russel, na Georgia College, tive acesso aos manuscritos de quatro dos seis contos analisados nesta dissertação (“A Stroke of Good Fortune”, “A View of the Woods”, “Revelation” e “Parker‟s Back”), além dos manuscritos de Wise Blood, romance do qual fazia parte o conto “A Stroke of Good Fortune” e da palestra “Some Aspects of the Grotesque in Southern Fiction”. Também lá pude ler cartas de Regina O‟Connor, mãe de Flannery; consultar anotações em uma biografia de Rabelais que constava da biblioteca pessoal da autora e assistir a vídeos de entrevista e cinema baseado em sua obra. Este trabalho com os manuscritos foi de fundamental importância para a compreensão do processo de criação de Flannery O‟Connor e para o levantamento de questões antes não percebidas sobre suas personagens femininas. O acesso aos livros, dissertações, teses e periódicos da biblioteca Ina Dillard Russel também foi vital para o aprofundamento crítico deste trabalho, bem como a orientação e as 15 indicações de leitura do professor Gentry, direcionadas ao grotesco e a análises feministas. De forma a atingir o objetivo e melhor organizar o trabalho, esta dissertação foi dividida em três capítulos. O primeiro é um esforço de contextualização da obra de Flannery O‟Connor nos Estados Unidos e no Brasil. Inicialmente é apresentada uma breve biografia, com base nos trabalhos de Jean Cash (2003) e Brad Gooch (2009), na qual se procurou destacar aspectos da vida da autora que sejam relevantes para a compreensão de sua obra e deste trabalho. Em seguida tenta-se explicar a posição ambígua ocupada por Flannery O‟Connor na comunidade literária sulista norte-americana. Sua condição de mulher branca a colocava nessa posição ambígua, pois enquanto branca era participante da classe dominante de sua região, mas enquanto mulher era oprimida. Para isso baseamos nosso trabalho em Sarah Fodor (1996), Katherine Prown (2001) e Sarah Gordon (2003). Depois são feitas considerações sobre a recepção e a fortuna crítica da obra da autora nos Estados Unidos e, por fim, tecemos comentários sobre a fortuna crítica, ainda pequena, da ficção de O‟Connor no Brasil. No segundo capítulo passamos à discussão teórica sobre o grotesco e à análise dos contos de O‟Connor sob essa perspectiva. Este capítulo está dividido em duas partes. Na primeira apresentamos, de forma resumida, as principais linhas teóricas adotadas no estudo do grotesco, a saber: Victor Hugo (s/d), Wolfgang Kayser (2013) e Mikhail Bakhtin (2013). Explicamos suas diferenças e procuramos buscar pontos de contato para guiar a análise do corpus deste estudo. Na segunda parte, baseando-nos também em Marshall Bruce Gentry (1986) e Anthony Di Renzo (1993), exploramos os aspectos grotescos na ficção Flannery O‟Connor e abordamos três temáticas grotescas principais: o rebaixamento, o corpo e o cômico. Acreditamos que estas características podem ser identificadas em todas as narrativas aqui estudadas, mas, para garantir maior objetividade ao texto, exploramos mais, sob a temática do rebaixamento, os contos “Parker‟s Back”, “A View of the Woods” e “Revelation”, todos do segundo livro de contos de O‟Connor, Everything That Rises Must Converge (1965). Sob a temática do corpo, analisamos “A Stroke of Good Fortune”, “A Temple of the Holy Ghost” e “Good Country People”, do primeiro livro A Good Man Is Hard To Find (1955). Na terceira parte, “O cômico e 16 o sério”, abordamos os contos “A View of the Woods”, “Parker‟s Back” e “A Temple of the Holy Ghost”. No terceiro capítulo, são apresentadas análises das personagens femininas nas narrativas e procura-se demonstrar não apenas a posição ocupada pelas mulheres na ficção de O‟Connor, como também a função do grotesco em relação ao feminino em sua obra. Para isso, inicialmente discorre-se sobre o grotesco feminino e a escrita de autoria feminina, com base nas obras de Gilbert e Gubar (2000), Russo (2000) e Yaeger (2000). Em seguida, são analisadas a protagonista não nomeada de “A Temple of the Holy Ghost”, e Mary Fortune, de “A View of the Woods”, pois ambas demonstram o poder do patriarcado sobre as mulheres ainda na infância. Depois são analisadas Hulga Hopewell, de “Good Country People”, e Mary Grace, de “Revelation”, e suas respectivas mães, pois há muitas semelhanças no relacionamento mãe e filha. Por fim, apresenta-se a questão da maternidade e casamento a partir da análise das personagens Ruby Hill, de “A Stroke of Good Fortune”, Ruby Turpin, de “Revelation”, e Sarah Ruth, de “Parker‟s Back”. Procuramos abordar o problema da autoria feminina em Flannery O‟Connor e sua relação com o patriarcado, explicando como o grotesco concorre, em sua obra, para a veiculação de preocupações feministas e para a crítica da sociedade patriarcal. 17 1. A escritora e seu país: a posição de Flannery O’Connor nos Estados Unidos e no Brasil As for biographies, there won‟t be any biographies of me because, for only one reason, lives spent between the house and the chicken yard do not make exciting copy. Flannery O‟Connor7 1.1 Entre a casa e o galinheiro: biografia Proveniente de uma família de fortes raízes irlandesas e católicas, Mary Flannery O‟Connor, filha de Regina Cline O‟Connor e Edward Francis O‟Connor, nasceu em 25 de março de 1925, em Savannah, Geórgia. “Exclusivamente irlandesa em ambos os lados, seus ancestrais se estabeleceram na Geórgia, principalmente em Savannah, durante o século XIX.” (CASH, 2002, p. 5-6). Seu bisavô paterno, Patrick O‟Connor, emigrara da Irlanda em meados de 1800 e estabeleceu um negócio de vagões em Savannah. A catedral na qual Flannery foi batizada havia sido fundada por outro ancestral seu, John Flannery, na década de 1870, de cuja mulher, Mary Ellen Flannery, a autora herdou o nome. Este também era o nome de uma ala (Flannery Memorial) do hospital em que a escritora nasceu, St. Joseph‟s Hospital, fundada por Kate Flannery Semmes (filha de John Flannery) com a fortuna deixada pelo pai. Sua família, portanto, já estava bem estabelecida na Geórgia antes de seu nascimento. Seu avô materno, Peter James Cline, um mercador, fazendeiro e político bem-sucedido, tinha inclusive sido eleito prefeito de Milledgeville em 1888. “Cline casou-se sucessivamente com duas das filhas de Hugh e Johannah Harty Treanor, Kate e Margaret Ida.” (CASH, 2002, p. 7) e teve com elas dezesseis filhos, um deles Regina Cline O‟Connor. A infância e a vida de Flannery foi marcada pela imagem da mãe e das tias solteiras e protetoras, de cuja atenção Flannery, enquanto filha única do casal Regina e Edward, não conseguia se desviar. A prima Kate Semmes também era uma figura importante na família. Ela vivia na casa ao lado dos O‟Connor em 7 “Em relação a biografias, nenhuma haverá sobre mim, por apenas uma razão, vidas passadas entre a casa e o galinheiro não dão biografias emocionantes.” (O‟CONNOR apud GOOCH, 2009, p. 1). 18 Savannah e exercia um grande controle financeiro sobre a família. Assim, embora a menina fosse muito próxima de seu pai, “Regina Cline O‟Connor e sua prima Kate Flannery Semmes criaram a aura matriarcal que permeou a infância de Mary Flannery” (CASH, 2002, p. 10). Essa aura estendeu-se por toda a vida da autora, pois quando viveu em Milledgeville na adolescência, O‟Connor dividia a casa com a mãe e duas tias solteiras. Regina era uma mãe bastante controladora e rígida para Mary Flannery. “Aparentemente, Regina tinha uma lista (mental ou escrita) de crianças que ela permitia que brincassem com sua filha” (CASH, 2002, p. 12) e se alguma criança que não estivesse na “lista” aparecesse para brincar, Regina a mandaria de volta para casa. Ela também não permitia que a filha tivesse cachorros ou gatos. Curiosamente, já na infância Flannery passou a chamar os pais pelo primeiro nome. “Quando um amigo perguntou-lhe porque ela chamava sua mãe de „Regina‟, Mary Flannery respondeu, „Bem, do que você queria que eu a chamasse, „Miss Regina‟ como você chama?‟” (CASH, 2002, p. 12). Aos seis anos de idade, em 1931, O‟Connor foi matriculada no primeiro grau na St. Vincent‟s Grammar School for Girls, onde suas professoras eram todas freiras irlandesas, cuja autoridade a menina sempre questionava. Uma de suas professoras, Irmã Consolata, lembra que Mary Flannery falava com os adultos como se ela estivesse no mesmo nível que eles (CASH, 2002, p. 16). Nessa época, O‟Connor desenvolveu o hábito de ler e de seu tempo em St. Vincent‟s datam suas primeiras histórias sobre uma família de patos que viajava pelo mundo e sua primeira experiência com a ironia em uma história denominada “My Relatives”, na qual descrevia vividamente seus parentes. Flannery gostava de observar as galinhas no quintal e uma em particular chamou sua atenção. A galinha andava em direções incomuns o que deu à menina a ideia de treiná-la para andar para trás. De acordo com Connie Ann Kirk (2008, p. 3-4), o “feito chamou a atenção de várias pessoas locais e a notícia se espalhou até Nova York. De lá, a companhia Pathé News enviou à Geórgia um cinegrafista para filmar a performance de O‟Connor e sua galinha”. Este pequeno filme denominado “Do you Reverse?”, lançado em março de 1932, foi exibido por todo o país antes das grandes atrações nos cinemas e ainda hoje está disponível na Internet. Foi um momento de notoriedade e fama da pequena Mary Flannery antes de sua fama 19 como escritora. Flannery, no entanto, nunca chegou a vê-lo, pois não foi exibido em Savannah, de acordo com Brad Gooch (2009, p. 4). Desde então, O‟Connor começou a colecionar aves incomuns, algumas com olhos de cores diferentes, outras com pescoços longuíssimos. Seu sonho de consumo era encontrar uma ave com três pernas ou três asas. Em 1938, seu pai, que trabalhava no ramo de construção, tendo sido dono da Dixie Realty Company e da Dixie Construction Company (as quais renderam a ele problemas financeiros durante os anos da Grande Depressão), teve que se mudar de Savannah para Atlanta, capital da Geórgia, devido a um emprego que conseguira na Federal House Administration. O‟Connor e sua mãe se mudaram para Atlanta em 1939, mas não conseguiram se adaptar à vida urbana e no fim do ano letivo de 1940 se mudaram para Milledgeville e foram viver com a família de Regina. Em Milledgeville, Flannery matriculou-se na Peabody High School, pois não havia escola paroquial na cidade. Esta era uma escola experimental, na qual os alunos tinham a permissão de escolher matérias de seu próprio interesse para cursar, não havendo currículo obrigatório, apenas “atividades”. A então adolescente O‟Connor envolveu-se em atividades extracurriculares como desenho de charges e chegou a ser diretora de arte do jornal da escola, o Peabody Palladium. Ao deixar a escola, O‟Connor criticou sua estrutura, pois acreditava ter uma formação deficiente em áreas como história e estudos clássicos, apesar de ler muito sobre os mitos greco-romanos e a obra de Edgar Allan Poe, em casa. Seu pai, Edward, que continuara vivendo em Atlanta devido a seu trabalho, começou a sofrer severas dores e doenças, até que, no ano de 1940, foi forçado a se aposentar. Edward mudou-se então para Milledgeville a contragosto, mas viveu apenas um ano na cidade, pois faleceu em 1941, aos quarenta e cinco anos, vítima de lúpus, uma doença crônica e autoimune. Flannery sempre fora muito próxima de seus pais, mas considerava-se parecida com Edward em especial, pois ele, diferentemente de sua mãe, não tentava moldá-la em uma “perfeita garota sulista”, mas a aceitava como era (GOOCH, 2009, p. 27). Portanto, a morte de seu pai teve uma grande influência sobre a jovem de dezesseis anos, de forma que O‟Connor raramente falava sobre ele nos anos subsequentes, mas sua ficção está repleta de viúvas e órfãos, o que implica em maridos e pais mortos. Em 1942, Mary Flannery formou-se na Peabody High School. 20 Apenas dez dias após sua formatura, O‟Connor já estava matriculada num curso superior especial de três anos, que tinha essa duração devido ao período da Segunda Guerra Mundial, na Georgia State College for Women (GSCW). Como todas as suas colegas de ensino médio, à exceção de uma, Flannery apenas migrou da Peadody para a GSCW, a faculdade local, que não requeria que ela deixasse de viver na casa de sua família em Milledgeville. Por ter duração mais curta, seu curso não tinha férias de verão ou inverno. Por não morar no dormitório da faculdade, O‟Connor não viveu com tanta intensidade a efervescência de ideias feministas e de igualdade racial que tomavam conta das moças no período de guerra. Também não passou pela experiência de ter suas idas e vindas e suas atitudes controladas por uma direção que, apesar de se dizer progressista quanto à questão racial, ainda exercia um forte papel autoritário sobre a mulher, ao ponto de controlar o número de encontros que podiam ter a cada semana e suspender duas alunas que “contrabandearam” duas garrafas de Coca- Cola para os quartos. Além de manter-se afastada da vida política do campus, O‟Connor evitava os encontros e os namoros, diferentemente das colegas. Nas aulas de inglês e redação, O‟Connor teve professores que não apreciavam seu estilo de escrita e tentavam mudá-lo. Uma professora reconhecia seu talento, mas gostaria que ela escrevesse mais “como Jane Austen” (GOOCH, 2009, p. 86). O Dr. William T. Wynn, seu professor seguinte, não gostava de seus textos e tentara torná-los mais ladylike, isto é, mais “femininos”. Para evitar ser aluna do Dr. Wynn novamente, O‟Connor escolheu graduar-se em Ciências Sociais e não em Inglês. Assim como no ensino médio, Flannery continuou a produzir cartoons para o jornal da GSCW, desta vez sobre a vida universitária, e tornou-se editora de arte. Algumas de suas charges, produzidas entre o ensino médio e a faculdade, foram reunidas no volume Flannery O‟Connor: The Cartoons, editado por Kelly Gerald e publicado em 2012. Durante a graduação, Flannery também continuou a publicar seus textos e começou a assiná-los como M. F. O‟Connor, como uma forma de tornar seu nome “mais neutro”. Ao final de sua graduação, O‟Connor cursou a disciplina Social Science 412: Introduction to Modern Philosophy que provou ser a mais importante de todo o curso, pois o professor responsável, George Beiswanger, reconheceu em sua aluna 21 mais do que uma estudante comum. A moça não concordava com nada do que o professor ensinasse, devido à fé cristã dela, mas ainda assim, Beiswanger viu nela uma escritora nata e a encorajou a se inscrever para a pós-graduação na universidade de Iowa, onde ele também estudara. O professor conseguiu ainda, através de seus contatos, uma bolsa de estudos para a jovem. Ela se inscreveu para o programa de pós-graduação em jornalismo, pois almejava uma carreira no cartunismo jornalístico. No entanto, logo em seu primeiro semestre em Iowa, O‟Connor percebeu que a carreira jornalística não era o melhor para ela e, no início do outono de 1945, foi pessoalmente procurar Paul Engle, diretor do programa para escritores de Iowa, para pedir-lhe que a admitisse como aluna. Engle solicitou-lhe que submetesse algum texto de sua autoria, para avaliar sua adequação ao programa de escrita. No dia seguinte, ao ler alguns contos enviados por O‟Connor, Engle imediatamente reconheceu seu talento e aceitou-a em seu Iowa Writer‟s Workshop, um programa de escrita criativa, para o qual a estudante foi transferida no segundo semestre. O Iowa Writer‟s Workshop era um programa bastante inovador à época, já que permitia que o aluno apresentasse textos literários como sua dissertação de Mestrado. As aulas consistiam em reuniões com os poucos alunos para a leitura e a discussão de seus textos. Cash (2002, p. 82) conta que, na turma de O‟Connor no workshop havia apenas duas mulheres além de Flannery: Kay Burford e Mary Mudge Wiatt. Nenhuma das duas se tornou realmente íntima de O‟Connor, mas “Burford lembra que, embora „pensassem bem‟ do trabalho de O‟Connor, ele não era tão louvado quanto o dos homens, em sua maioria veteranos da Segunda Guerra Mundial, que coletivamente aprovavam as histórias de guerra uns dos outros” (CASH, 2002, p. 82). No entanto, apesar de dominarem o curso, Cash afirma que nenhum homem escritor emergiu do workshop com a mesma estatura literária que O‟Connor. Muitos publicaram ficção e poesia, mas suas carreiras foram bem- sucedidas apenas nas áreas editoriais e da licenciatura. Iowa foi, portanto, de extrema importância para a trajetória literária de O‟Connor, pois foi lá que ela começou a trabalhar no desenvolvimento de seu estilo próprio. É também em Iowa que O‟Connor faz a “mudança” definitiva em seu nome, passando a apresentar-se apenas como Flannery O‟Connor e não mais Mary Flannery. Ela relata ainda que foi também na pós-graduação que começou a ler 22 avidamente obras de autores católicos como James Joyce, sulistas como William Faulkner, russos como Dostoievsky e praticamente toda a ficção de Joseph Conrad. Inicialmente pela imitação destes autores, O‟Connor começou a desenvolver a própria escrita e deste período datam seus primeiros contos: “The Geranium”, “The Barber”, “The Turkey” e “The Train”. Este último, sobre a personagem Hazel Wickers, foi escrito com base em sua experiência em viagens de trem de Iowa à Geórgia, com a intenção deliberada de tornar-se o primeiro capítulo de um romance. Flannery começou a escrever o conto no Natal de 1946 e finalizou-o em Iowa em 1947. “The Train” foi também o último dos seis contos escritos para a obtenção do título de Mestre, juntamente com “The Geranium”, “The Barber”, “Wildcat”, “The Crop” e “The Turkey”, que compunham a dissertação denominada “The Geranium: A Collection of Short Stories”. Em 1947, O‟Connor submeteu os primeiros quatro capítulos de seu romance Wise Blood, sobre o veterano de guerra Hazel que volta para casa e torna-se pregador de uma nova seita, para o Rinehart-Iowa Award para primeiros romances e, em maio do mesmo ano, recebeu a notícia de que era a vencedora do prêmio. Nos primeiros rascunhos desse romance, Hazel tinha uma irmã, Ruby Hill, que ao descobrir que estava grávida decide fazer um aborto. A história de Ruby foi reescrita por O‟Connor e resultou no conto inicialmente publicado como “A Woman in the Stairs” (1949) e posteriormente como “A Stroke of Good Fortune” (1953), conto que será analisado nesta dissertação. Neste mesmo ano, Engle garantiu para sua aluna uma vaga de professora assistente em Iowa. Ao fim do ano letivo de 1948, O‟Connor havia sido aceita na colônia de artistas Yaddo, em Saratoga Springs, “onde ela planejava continuar trabalhando em seu romance naquele verão” (KIRK, 2008, p. 7). Em Yaddo eram admitidos apenas artistas convidados pela diretora Elizabeth Ames. Na década de quarenta, apesar de a maioria dos artistas ainda ser masculina, Ames buscou trazer novas artistas mulheres e Yaddo tornou-se talvez a primeira comunidade literária onde mulheres conviviam e trabalhavam juntas. Carson McCullers, Katherine Anne Porter, Agnes Smedley e Eudora Welty foram algumas das mulheres, além de O‟Connor, a viver em Yaddo (Showalter, 2009). Sobre a colônia, Showalter (2009, p. 367) afirma: Aberta em 1926 em uma propriedade de quatrocentos acres deixada pela rica família Trask, Yaddo foi construída ao redor de uma mansão vitoriana de cinquenta e cinco cômodos, com um salão de jantar grandioso, um 23 jardim de rosas e um arboreto, além de estúdios afastados e residências adjacentes. Yaddo também hospedou numerosos pintores, compositores e escritores refugiados da Europa nazista. O‟Connor chegou a Yaddo em junho de 1948. “Seu plano era trabalhar em seu romance em junho e julho” (KIRK, 2008, p. 7). Em Yaddo, Flannery, assim como todos os artistas, possuía um estúdio próprio, uma espécie de cabana, onde deveria trabalhar em sua escrita durante o dia. À noite ocorriam grandes jantares com todos os artistas, muitos dos quais boêmios que se envolviam romanticamente e frequentavam festas na cidade próxima. O‟Connor nunca adotou este estilo de vida. Continuou frequentando missas diariamente e era vista conversando com as famílias de empregados de Yaddo. Ao final do verão de 1948, O‟Connor foi convidada a permanecer em Yaddo durante o outono e aceitou o convite. Já no início de 1949, ela tinha nove capítulos de seu romance prontos para enviar para sua agente literária, Elizabeth McKee. Durante sua estada na colônia, Flannery esteve envolvida com uma controversa tentativa de demissão da diretora Ames, acusada por alguns artistas de proteger uma suposta espiã soviética. Essa suspeita não se confirmou, mas, em fevereiro de 1949, O‟Connor deixou Yaddo e partiu para a cidade de Nova Iorque. Lá, a escritora fez vários contatos com colegas de profissão e editores, incluindo Robert Giroux, que viria a ser editor de seu romance, quando ela rompesse o contrato com Rinehart. Ela também conheceu Robert Fitzgerald, poeta e tradutor, e sua mulher Sally, com quem teve uma amizade duradoura. Após sua morte, o casal Fitzgerald foi o responsável por selecionar e editar a correspondência de O‟Connor e publicá-la no volume The Habit of Being. Os Fitzgerald tinham uma grande família e convidaram O‟Connor para alugar um quarto em sua casa, onde ela escrevia pelas manhãs e trabalhava como babá das crianças Fitzgerald à tarde. Pouco antes do Natal de 1950, O‟Connor começou a sentir dores e foi diagnosticada pelo médico da família Fitzgerald com artrite. No trem a caminho de Milledgeville, a autora passou tão mal que teve de ser hospitalizada assim que chegou à cidade. No hospital de Milledgeville, os exames revelaram que O‟Connor sofria de lúpus, a mesma doença que vitimara seu pai, porém a família escondeu o diagnóstico de Flannery por algum tempo. Regina mudou-se para a fazenda da família, Andalusia, para que O‟Connor pudesse ter um quarto no andar térreo. Lá, Flannery continuou trabalhando em Wise Blood, entre uma internação e outra. 24 No processo de revisão de seu romance, Flannery foi aconselhada a enviar o manuscrito para a escritora e crítica literária Caroline Gordon, com quem estabeleceu um relacionamento duradouro e que teve muita influência sobre sua obra. Wise Blood foi finalmente publicado em março de 1952 e recebeu tanto críticas positivas quanto negativas. As primeiras resenhas classificaram o romance como “estranho”, “monótono” e “artístico demais” e sua autora foi considerada “insana” por um crítico (GOOCH, 2009, p. 206). Seguiram-se, no entanto, resenhas mais favoráveis, como a de Sylvia Stallings, para o New York Herald Tribune Book Review, que considerava o romance “bem-sucedido em contar uma história ao mesmo tempo delicada e grotesca” (GOOCH, 2009, p. 207). Os críticos eram unânimes em um ponto: Flannery O‟Connor era decididamente uma escritora talentosa. Todavia, este talento não era reconhecido em sua terra, nem mesmo por sua família, que não entendia sua obra. Assim, em junho do mesmo ano, Flannery tentou voltar a viver em Nova Iorque, mas uma infecção viral atacou novamente seus sintomas de lúpus e a autora retornou à Geórgia depois de apenas cinco semanas. Em Milledgeville, O‟Connor passou por duas transfusões de sangue e ficou internada por seis semanas. Entendendo as consequências do lúpus, uma doença até então incurável, O‟Connor percebeu que não teria escolha senão mudar-se em definitivo para Milledgeville, para ser cuidada pela mãe. O diagnóstico e a vida em uma cidade rural, não significaram, no entanto, o fim da carreira literária de O‟Connor. Seu médico recomendou que ela escrevesse apenas durante as manhãs, descansando à tarde. Apesar disso, conforme a reputação de O‟Connor crescia entre estudantes, escritores e artistas, a autora recebia em Andalusia muitos visitantes, chegando até mesmo a fazer encontros literários regulares. De acordo com Kirk (2008, p. 11) O‟Connor também manteve contato com o mundo exterior através de sua volumosa correspondência. Como a coletânea de cartas, “A Habit of Being”, mostra, ela manteve contato com aproximadamente 50 correspondentes e escreveu quase 800 cartas de 1948 até sua morte. A maioria dessas cartas foi escrita de 1951 em diante e foi enviada de Andalusia. A fazenda Andalusia é também importante porque serve de cenário ou inspiração para várias de suas histórias, como “The Displaced Person”, por exemplo, na qual é narrada a história de uma família de poloneses que migra para trabalhar 25 em uma fazenda nos Estados Unidos, assim como acontecera com uma família de poloneses que viera trabalhar em Andalusia em agosto de 1953. Também “Good Country People”, conto no qual mãe fazendeira e filha, brilhante intelectual, vivem em uma fazenda sem uma figura paterna, foi claramente inspirado no relacionamento conturbado entre Flannery e Regina, vivendo em Andalusia. Em 1955, foi publicada a coletânea A Good Man is Hard to Find and Other Stories, que trazia os contos “A Good Man is Hard to Find”, “The River”, “The Life You Save May Be Your Own”, “A Stroke of Good Fortune”, “A Temple of the Holy Ghost”, “The Artificial Nigger”, “A Circle in the Fire”, “A Late Encounter with the Enemy”, “Good Country People” e “The Displaced Person”. Mesmo com todos os seus problemas de saúde, que se agravavam rapidamente, a despeito dos constantes cuidados a que era submetida, O‟Connor não ficou confinada à fazenda após seu diagnóstico. “A verdade é que O‟Connor era uma mulher corajosa e determinada que viajava frequentemente tanto localmente quanto pelo país, visitando amigos, dando palestras e fazendo discursos e uma viagem de peregrinação ao exterior” (KIRK, 2008, p.13), que aconteceu em 1958 e durou dezessete dias, nos quais Flannery e sua mãe visitaram a Irlanda, Londres, Paris, Lourdes, Roma e Lisboa. A autora participou de encontros literários em Milledgeville, Macon e Atlanta e fazia palestras em universidades regularmente. Algumas dessas palestras e discursos compõem o volume Mystery and Manners (1970), também editado por Sally e Robert Fitzgerald e publicado postumamente. No mesmo ano em que publicou seu primeiro romance, Wise Blood, em 1952, O‟Connor começou a trabalhar no segundo, que viria a se chamar The Violent Bear It Away, completado em 1959 e publicado em 1960 por Farrar, Straus and Cudahy. Este romance também recebeu todo tipo de críticas. Houve os que criticaram negativamente a obra e, o que era mais doloroso para O‟Connor, realizaram investigações de sua vida particular para revelar ao público detalhes de sua doença e “confinamento” na fazenda, dizendo que a autora passava parte de sua vida presa a muletas. Sua amiga, Elizabeth Bishop, revela, em uma carta para outro escritor, que ficou desapontada com o romance. Bishop desejava que O‟Connor parasse de escrever sobre fanáticos religiosos, mas admitia que sua escrita era “econômica, clara, aterrorizante, real” (GOOCH, 2009, 321). 26 Em fevereiro de 1964, O‟Connor foi submetida a uma cirurgia para a retirada de um tumor fibroide e, em seguida, precisou de tratamento devido a uma infecção renal pós-operatória, da qual nunca se recuperou totalmente. Entre as muitas internações pelas quais passou ao longo do ano, a autora insistia em continuar escrevendo, chegando até a esconder contos debaixo do travesseiro no hospital (principalmente manuscritos de “Parker‟s Back”), já que a haviam proibido de trabalhar. Em 21 de maio, O‟Connor assinou o contrato para a publicação de sua segunda coletânea de contos, denominada Everything That Rises Must Converge, que trazia, além do conto homônimo, as seguintes narrativas: “Greenleaf”, “A View of the Woods”, “The Enduring Chill”, “The Comforts of Home”, “The Lame Shall Enter First”, “Revelation”, “Parker's Back” e “Judgment Day”, mas só foi publicado postumamente, em 1965. Flannery O‟Connor faleceu nas primeiras horas do dia 3 de agosto de 1964, aos 39 anos, devido a falência renal, após ter entrado em coma no dia anterior. Logo no dia 4 de agosto, uma missa foi celebrada em sua homenagem na Sacred Heart Church e a autora foi enterrada junto de seu pai no Memory Hill Cemetery, em Milledgeville. Embora não tenha deixado uma obra extensa, publicou em vida dois romances, uma coletânea e mais alguns contos em periódicos, resenhas críticas sobre outros livros e deixou material que permitiu a publicação de mais uma coletânea de contos, um livro de ensaios e uma coletânea de cartas. Mais recentemente, no ano de 2013, foi publicada mais uma obra de autoria de O‟Connor: A Prayer‟s Journal, uma seleção de orações que a autora escrevia em seu diário. Apesar da brevidade, sua obra teve um grande alcance e seu impacto é característico das obras-primas dos grandes mestres da literatura. 1.2 A carroça e o trem: Flannery O’Connor e a literatura sulista americana Em sua palestra “Some Aspects of the Grotesque in Southern Fiction”, proferida na Wesleyan College, em Macon, Geórgia, Flannery O‟Connor comenta que a dificuldade de ser um escritor no Sul dos Estados Unidos é grande, já que há muitos bons escritores na região. O fato de todos escreverem sobre a mesma conjuntura social faz com que o escritor tenha de tomar cuidado para “não fazer mal aquilo que já foi feito em sua completude” (O‟CONNOR, 1988, p. 818). Ela também 27 comenta que a presença de William Faulkner faz toda a diferença “naquilo que o escritor pode e não pode permitir a si mesmo fazer. Ninguém quer sua carroça parada no mesmo trilho em que a Dixie Limited está avançando”8 (O‟CONNOR, 1988, p. 818). Embora O‟Connor enxergasse Faulkner como um trem veloz que poderia atropelar a carroça de escritores sulistas menores, incluindo ela mesma, O Oxford Companion to Women‟s Writing in the United States afirma que “O‟Connor atrai a atenção crítica de mais acadêmicos a cada ano do que qualquer outra escritora americana do século vinte.” Em outras palavras, ela é a equivalente feminina do grande escritor do Mississippi, e seu companheiro sulista William Faulkner (JORDAN, 2005, p.50). Essa comparação, no entanto, é bastante problemática e não queremos, neste trabalho, afirmar a importância da obra de O‟Connor na literatura americana colocando-a como a “equivalente feminina” de um autor americano consagrado e vencedor de um prêmio Nobel, pois isto seria reforçar a postura e os padrões literários machistas nos quais a própria autora se via inevitavelmente enredada. É inegável, conforme nos informa Gordon (2003), que O‟Connor sofreu influência de Faulkner em seus primeiros rascunhos. No início do desenvolvimento de seu estilo, a escritora tentou criar um fluxo de consciência parecido com o do autor. “Ela foi astuta o suficiente, no entanto, para perceber que deveria avançar, que seu estilo deveria ser próprio” (GORDON, 2003, p. 202). Logo, apesar de admirar a obra de Faulkner, a fala sobre ele demonstra a angústia da autora em ter seu trabalho sempre comparado e pautado por padrões masculinos. Ao falar sobre sua própria trajetória literária, O‟Connor menciona que, quando começou a escrever, foi logo classificada como pertencendo à School of Southern Degeneracy (Escola da Degeneração Sulista, em tradução nossa). Ela afirma: “cada vez que eu ouvia sobre a Escola da Degeneração Sulista, eu me sentia como Brer Rabit preso na boneca de piche”9 (O‟CONNOR, 1988, p. 814)10. No manuscrito11 de 8 “The presence alone of Faulkner in our midst makes a great difference in what the writer can and cannot permit himself to do. Nobody wants his mule and wagon stalled on the same track the Dixie Limited is roaring down.” 9 Brer Rabbit é um personagem popular no sul dos Estados Unidos. Brer Rabbit, ou Brother Rabbit é “malandro” e provoca as autoridades e desrespeita os padrões morais. Em uma de suas histórias, alguém faz uma boneca de piche para enganar Brer Rabbit que, quando a vê e sente-se ignorado, resolve bater na boneca, mas, quanto mais ele bate e tenta se livrar, mais preso na boneca fica. 28 uma versão anterior à palestra publicada como “Some Aspects of the Grotesque in Southern Fiction”, O‟Connor menciona também que, algum tempo depois, alguns críticos enquadraram sua obra em algo chamado “O Culto do Grotesco Gratuito”, que ela considerou como algo ainda mais degradante, posto que não era nem mesmo uma escola literária, apenas um “culto”12. Em outra versão da palestra, desta vez posterior à versão publicada, a autora menciona que sua obra tem sido chamada de gótica, algo que considera um insulto, já que o gótico, para ela, usa o excesso e a morbidez por eles mesmos, sem um sentido moral mais profundo13. Por esses exemplos podemos notar que O‟Connor resistia às classificações que procuravam dar à sua obra, principalmente porque ela acreditava que sua ficção era primordialmente católica. No entanto, ela mesma conseguiu aceitar a classificação de grotesca, como sua palestra sobre o tema parece demonstrar. Ainda no mesmo texto, a autora faz menção ao panfleto I‟ll Take My Stand, um manifesto pró-Sulista, publicado por um grupo de escritores, poetas, ensaístas e romancistas com raízes no Sul dos Estados Unidos em 1930. Acredita-se que esse grupo, chamado de Agrários ou Fugitivos teve grande influência na obra de O‟Connor, principalmente após sua ida para o curso de escrita criativa em Iowa. De acordo com Prown (2001), John Crowe Ransom e Allen Tate, principais nomes dos Fugitivos/Agrários, tiveram um papel fundamental na emergência de uma escrita e crítica sulistas no século XX. Enquanto críticos e editores, mais do que como escritores, os Agrários “ajudaram a lançar as bases do que mais tarde viria a ser chamado de „Southern Literary Renaissance‟” (PROWN, 2001, p. 25). A estudiosa defende que os princípios teóricos e estéticos de Flannery O‟Connor originaram-se em grande parte do pensamento destes escritores. No entanto, conforme nos informa Sarah Gordon (2003), O‟Connor não tinha o hábito de ler a obra dos escritores Agrários, tendo lido a já mencionada obra I‟ll Take My Stand apenas no último ano de sua vida. A autora conhecia pessoalmente vários dos 10 “When I first began to write, my own particular bête noire was that mythical entity, The School of Southern Degeneracy. Every time I heard about the School of Southern Degeneracy, I felt like Brer Rabbit stuck on the tar-baby.” (O‟CONNOR, 1988, p. 814). 11 Manuscritos não publicados consultados no acervo da biblioteca Ina Dillard Russel, na Georgia College and State University, em Milledgeville, Geórgia, durante um estágio de pesquisa no exterior financiado pela Fapesp, entre janeiro e março de 2016. 12 Arquivo 203a da coleção de Georgia College. 13 Arquivo 248a da coleção de Georgia College. 29 Agrários como John Crowe Ransom, Robert Penn Warren, Andrew Lytle, Allen Tate e Caroline Gordon, mas não apreciava a obra deles particularmente. Portanto, a influência do grupo pode ter se dado através de seu papel importante na disseminação e institucionalização de discursos norteadores da escrita sulista moderna e na formulação de teorias gerais de interpretação literária. Um dos principais objetivos dos Agrários era substituir a idealização da mulher (identificada como uma tendência do século XIX) pela “primazia do intelecto masculino e da masculinidade branca sulista” (PROWN, 2001, p. 26). Ao ligar os princípios da literatura romântica do século anterior com uma audiência majoritariamente feminina, os Agrários procuraram fundar uma nova estética que negasse o Romantismo e rejeitasse o feminino. Assim, com o objetivo de chocar uma audiência feminina e, ao mesmo tempo, atrair uma audiência masculina mais racional e “capaz de apreciar a arte verdadeira” (PROWN, 2001, p. 27), o grupo apostava em imagens gráficas de sexualidade e morte, frequentemente fetichizando a morte de mulheres. De acordo com Prown (2001), eles procuravam substituir a adoração da beleza e da virtude femininas por imagens de corpos corrompidos de mulheres, trocavam referências idealizadas das plantations por descrições cínicas da vida industrializada das cidades e, ao invés de descrever os negros como trabalhadores diligentes e satisfeitos que colaboraram na construção da civilização, optavam por fazer referência às origens clássicas da civilização Anglo-Europeia. Dessa forma, apesar do seu objetivo declarado de construir uma nova estética, os Agrários acabaram por reforçar ainda mais a posição tradicional da literatura centralizada na cultura europeia e de exclusão do negro e da mulher. Portanto, para fazer parte deste panorama crítico e literário, Prown (2001, p. 32) acredita que Flannery O‟Connor não teria outra opção senão abraçar uma tradição estética construída sobre a premissa contraditória de que, ao mesmo tempo em que poderia reivindicar subjetividade com base em seu status como branca, teria que negar qualquer forma de subjetividade baseada em seu status como mulher. Para Ransom, um dos líderes dos Agrários, a arte e a literatura deveriam ser avaliados de acordo com seu grau de ligação ou representação da experiência do “homem intelectual adulto” e, consequentemente, uma mulher que quisesse avaliar a 30 literatura de forma objetiva e científica deveria incorporar uma persona masculina. No círculo dos Agrários/Fugitivos, uma mulher escritora era uma grande contradição, já que seria o objeto da arte “reivindicando uma subjetividade que a natureza nega a ela e da qual a civilização a protege” (PROWN, 2001, p. 36). A despeito de sua aversão por mulheres escritoras, o grupo dos Agrários contribuiu no desenvolvimento da carreira de várias mulheres de letras sulistas, como Katherine Anne Porter, Eudora Welty, Caroline Gordon e, é claro, Flannery O‟Connor. Os Agrários usaram sua influência como críticos e editores de vários jornais importantes (Kenyon Review, Sewanee Review, Southern Review) para promover o trabalho de escritoras, já que queriam, de forma geral, promover o trabalho de escritores sulistas no país. Mas o apoio do grupo tinha limitações. Apesar de divulgar as autoras, os Agrários relutavam em considerar sua arte tão digna de atenção crítica quanto a de um homem e o número de resenhas sobre a obra de escritoras publicadas em suas revistas era bastante inferior ao de peças de ficção ou poesia. A posição paternalista e condescendente desses críticos parecia ser a de considerar que as escritoras precisavam de sua ajuda, mas nunca chegariam ao status de colegas escritoras ou críticas; “Em resumo, embora os Fugitivos/Agrários fossem generosos em seu apoio a certas escritoras, o apadrinhamento do grupo se estendia sem violar significativamente as hierarquias que caracterizavam discursos dominantes” (PROWN, 2001, p. 64). Prown (2001, p. 64) defende ainda que essa lógica dos papéis de gênero, típica do período e que se refletia também na literatura deixava apenas duas opções para escritoras como O‟Connor: “permanecer satisfeita com o status de segunda- classe ou trabalhar para criar um cenário ficcional aparentemente sem gênero com a esperança de ganhar atenção crítica mais séria”. A estudiosa acredita que Flannery escolheu a segunda opção e criou uma ficção avessa às mulheres e que reiterava a hierarquia constituída o que proporcionou que seu trabalho fosse mais divulgado e consagrado pela crítica. Embora não acreditemos que a ficção de Flannery seja misógina, como Prown parece supor, é possível que ela tenha adequado sua escrita a um padrão mais masculino de literatura, influenciada talvez pela recepção e crítica de um dos romances mais célebres da Geórgia, Gone with the Wind, de Margaret Mitchell. 31 Sucesso de público, um best-seller sulista, o romance de Mitchell pode ter sido uma influência ambivalente para a então adolescente O‟Connor. Se, por um lado, o estrondoso sucesso do romance dava esperança a mulheres aspirantes a escritoras, por outro “o romance foi censurado por sua popularidade e sua interpretação distorcida da história sulista” (GORDON, 2003, p. 210). Enquanto a população em geral esperava um novo Gone with the Wind de cada escritora sulista, a crítica literária passou a desprezar o romance, que trazia em sua narrativa uma visão dos papéis de gênero na figura de Scarlett O‟Hara, uma mulher não-convencional para a época. Assim, de certa maneira, o romance pode ter sido um exemplo do que uma escritora não deveria fazer se quisesse ter sua obra aceita pela crítica. Sarah Fodor, em seu artigo intitulado “Marketing Flannery O‟Connor: Institutional Politics and Literary Evaluation” (1996), contesta essa visão bastante difundida de que a fama da autora deve-se à sua conformação aos princípios dos Agrários e dos New Critics14. Fodor afirma que sua pesquisa mostra, ao contrário, que embora o New Criticism tenha sido uma influência importante na recepção de O‟Connor, nem o poder desse grupo institucionalmente dominante, nem aquele de uma “universidade americana” monolítica é explicação suficiente para seu status canônico. Antes, a academia veio a considerar O‟Connor importante no curso de um diálogo cultural mais amplo sobre como caracterizar sua ficção: como parte da cultura popular ou de elite, sulista ou universal, religiosa ou diabólica, masculina ou feminina. (FODOR, 1996, p. 12-13). Fodor não ignora o fato de que os contatos que O‟Connor estabeleceu em Iowa tenham sido importantes para sua carreira literária; ela chega mesmo a afirmar que foram essas conexões que permitiram que a autora tivesse contos publicados em um número de antologias, como a coleção O. Henry, editada por Paul Engle, diretor do Iowa Writer‟s Workshop, que tinha ligações com o grupo dos New Critics. Engle também levou New Critics sulistas como John Ransom e Robert Penn Warren para Iowa enquanto O‟Connor era aluna. Por outro lado, os contos “Everything That Rises Must Converge” e “Revelation” receberam o prêmio “O. Henry em volumes editados por Richard Poirier 14 New Criticism foi um movimento formalista de teoria literária que dominou a crítica literária americana em meados do século XX. O nome do movimento deriva do livro de John Crowe Ransom, denominado The New Criticism (1941). Ransom foi o mesmo poeta e crítico já mencionado como um dos líderes dos Fugitivos/Agrários. Nesse sentido, há estudiosos que interpretam o New Criticism como uma continuação do movimento dos Agrários. 32 em 1963 e 1965. Enquanto Engle tinha conexões com os New Critics, Poirier estava associado com os intelectuais de Nova Iorque e com perspectivas de esquerda” (FODOR, 1996, p. 15). Assim, de acordo com Fodor, os intelectuais de Nova Iorque, de esquerda e marxistas, entre eles Philip Rahv do Partisan Review também apreciavam e publicavam o trabalho de O‟Connor. Obviamente, os New Critics valorizavam a estrutura da obra de O‟Connor, enquanto os intelectuais de Nova Iorque viam nela preocupações socioeconômicas. Mas embora evidenciassem aspectos diferentes da obra da autora, “juntos eles ajudaram a estabelecer o trabalho dela como uma contribuição importante para a ficção americana contemporânea” (FODOR, 1996, p. 17). Assim, podemos concluir que, mesmo que de alguma forma Flannery O‟Connor tenha sido influenciada pelos princípios literários e críticos dos Agrários em relação à estrutura e à forma, sua obra conseguiu transcender suas limitações e atrair a atenção de outros públicos que não compactuavam com as ideias do New Criticism. Josephine Hendin (1970, p. 133) também questiona o comprometimento de O‟Connor com as ideias dos Agrários. Para ela, “a ficção de O‟Connor não dispõe de um senso de interpretação de passado e presente como um tradicionalista como Allen Tate considera essencial ao escritor com um sentimento em relação à sua terra-natal”. Na obra da autora o passado e o presente não se fundem, mas estão em constante confronto. Diferentemente de outros escritores sulistas, o tratamento dado à história por O‟Connor não é lisonjeiro e o sul antes da Guerra da Secessão não é apresentado como um ideal do qual a região decaiu. De fato, O‟Connor só escreve mais abertamente sobre a Guerra-Civil americana em um de seus contos “A Late Encounter with the Enemy”, cujo protagonista é um veterano de guerra centenário que não consegue se lembrar de nenhum dos acontecimentos ou motivações para a guerra. Esse tratamento despendido a um dos acontecimentos mais marcantes da história do sul dos Estados Unidos é único e curioso, já que O‟Connor viveu a maior parte de sua vida em Milledgeville (capital da Geórgia de 1804 a 1868, portanto durante a Guerra-Civil), cidade sobre a qual o exército da União marchou e tomou o palácio do Governo, incendiando boa parte dela. A Guerra-Civil americana é ainda uma ferida aberta no sul. 33 Todavia, na obra de O‟Connor, “o passado sulista anterior à guerra não existe como um padrão ou valor, ou mesmo como um indicador do que foi perdido, uma medida de como a vida decaiu. Ele existe como uma ficção para os idosos e crianças” (HENDIN, 1970, p. 134). Esse é um, senão o principal, dos traços distintivos da ficção da autora. Seu trabalho rejeita a chamada “estética da memória”, que caracteriza a obra de outros autores renomados do renascimento sulista como William Faulkner, Robert Penn Warren e Eudora Welty, embora seja comumente relacionado, pelos críticos, a esses escritores (GORDON, 2003). Para Hendin (1970), o uso que O‟Connor faz da violência em suas narrativas também é único, pois ao invés de imbuir os atos de violência de valor simbólico e atribuir-lhes grande significância, como fazem Faulkner e Styron, O‟Connor faz com que a violência praticada em suas histórias “não deixe marca alguma na consciência de qualquer pessoa” (HENDIN, 1970, p. 156). Assim, para a estudiosa, O‟Connor faz parte do processo de desmitificação da literatura americana, processo frequentemente associado a William Carlos Williams e Wallace Stevens. Hendin (1970) defende ainda que a obra e a trajetória de O‟Connor são mais parecidas com a de Truman Capote, do que com a de qualquer outro escritor sulista. Em resumo, a obra de Flannery O‟Connor tem sido difícil de categorizar desde o princípio de sua carreira literária, pois, embora apresente várias semelhanças com a obra de escritores sulistas, sua ficção apresenta também várias particularidades que tornam difícil encaixá-la em alguma das escolas estabelecidas pela academia. A própria autora defendia que, em sua época, “não há bons escritores, ligados minimamente, que seriam tão ousados a ponto de afirmar que eles falam por uma geração ou uns pelos outros. Hoje cada escritor fala por si mesmo”15 (O‟CONNOR, 1988, p. 813). Embora O‟Connor enfatize sua posição independente, ela também faz parte de uma comunidade literária da qual não tinha ciência: o grupo das escritoras sulistas. De acordo com Yaeger (2000), embora à primeira vista as mulheres escritoras do sul no século XX pareçam um grupo bastante heterogêneo, especialmente considerando-se a questão racial e de classe social, as escritoras sulistas demonstram, através de sua obra, a convulsão da tradição em uma região que reluta em aceitar mudanças. Yaeger (2000) acredita que a abordagem mais difundida 15 “there are no good writers, bound even loosely together, who would be so bold as to say that they speak for a generation or for each other. Today each writer speaks for himself” 34 sobre literatura escrita por mulheres no sul é redutora, pois defende que as escritoras queriam apenas retratar a tragédia da vida, que demonstram pessimismo e a capacidade humana para praticar o mal, além de demonstrar a decadência da história e da região. Ela propõe, por outro lado, analisar o quanto as escritoras sulistas tinham de subversivo em sua escrita, mesmo aquelas mulheres que, em sua época, permaneceram à margem do cânone e da crítica. Para Yaeger (2000, p. xii), “o grotesco é onipresente na ficção de mulheres sulistas, não como uma filigrana decorativa, mas como um espaço de obsessão política” de escritoras negras e brancas. O grotesco surge de uma história real de mutilação e corpos estraçalhados ocorrida no Sul, assim, os corpos desfigurados e violentados da ficção de O‟Connor representam essa história de mutilação da qual o sul do século XX é herdeiro. Mas ela não é a única a abordar as contradições da região dessa maneira: Escritoras tão diversas como Porter, Hurston, Welty, McCullers, O‟Connor, Walker, Williams, Douglas, Gilchrist, e Ansa […] produzem uma escrita vociferante que é incrivelmente responsiva ao silêncio político, linguagem corporal e obsessão por objetos assim como a uma série de questões ontológicas sobre direitos à cidadania e autocontrole que não atingem apenas o Sul, mas têm se espalhado pela nação. (YAEGER, 2000, p. 10- 11). Ainda que não soubesse, Flannery O‟Connor dividia anseios literários e modos de expressão com suas companheiras escritoras, já que todas estavam inseridas no mesmo contexto sociocultural. Mesmo assim, muitos críticos ainda insistem em etiquetá-la como masculina. Se estivesse viva, talvez O‟Connor ainda se sentisse como Brer Rabbit tentando livrar-se da boneca de piche de algumas classificações. De todo modo, é preciso destacar que, embora se autodeclarasse católica, a autora criou um corpo literário que extrapolou os limites impostos pelos Agrários, mas ainda mantendo algo em comum com a tradição literária a ponto de ser publicada. Nesse sentido, a escrita de O‟Connor está, invariavelmente, inserida em duas culturas ao mesmo tempo: a cultura dominante masculina e a cultura das mulheres, numa posição ambivalente. Conforme afirma Showalter (1994, p. 50), “não pode haver escrita ou crítica totalmente fora da estrutura dominante; nenhuma publicação é totalmente independente das pressões econômicas e políticas da sociedade dominada pelos homens”. A escrita das mulheres consiste sempre num discurso de 35 duas vozes, ou seja, um discurso que expressa as culturas tanto do silenciado quanto do dominante. Portanto, a “escrita das mulheres [...] está dentro de duas tradições simultaneamente” (SHOWALTER, 1994, p. 50). É possível, como este estudo pretende demonstrar, encontrar a voz “feminina” de O‟Connor em suas narrativas na representação dos papéis de gênero da sociedade sulista de meados do século XX. Da mesma forma, é impossível negar o status canônico da autora, conquistado, em parte, por seu sucesso em preencher os requisitos literários de um mercado e de uma crítica essencialmente masculinos. É a partir dessa posição ambivalente que Flannery O‟Connor escreve. Mesmo apresentando características comuns a vários grupos de escritores (Agrários, masculinos, sulistas, grotescos e femininos) a obra da autora tem resistido a classificações apressadas, pois O‟Connor logrou avançar em sua carreira literária da simples imitação dos grandes escritores para o desenvolvimento de um estilo e de uma voz própria e inconfundível. 1.3 Flannery O’Connor: recepção e fortuna crítica em seu país As influências da obra de O‟Connor permanecem vivas no trabalho de outros artistas. Alice Walker, escritora também da Geórgia que viveu parte de sua infância a poucos quilômetros de Andalusia, afirma que leu avidamente a ficção de O‟Connor e reconheceu nela os contornos de sua terra natal. Em 1966, “Walker completou mas não publicou um conto que pode ser visto como a parte que falta do conto de O‟Connor „Everything That Rises Must Converge‟. Walker dedicou o conto a O‟Connor” (WARREN, 2014, p. 1). Entitulado “Convergence”, este conto foi publicado pela primeira vez no Flannery O‟Connor Review, no ano de 2014. No ano de 2010, o periódico Shenandoah, um dos primeiros a publicar contos de O‟Connor (“A Stroke of Good Fortune”, em 1953), comemorou o aniversário de 60 anos da revista com um volume duplo especialmente dedicado à memória da escritora, que incluía ensaios críticos, poemas, fotografias e peças de ficção inspirados em sua obra. O volume contou com 47 colaboradores, entre eles Joyce Carol Oates, Fred Chappell, Michael Knight, Erin E. McKee e os poetas Claudia Emerson e Charles Wright. 36 Sua influência estendeu-se também a artistas de outras áreas que não a literatura. Músicos e bandas pop como Jimmy Buffet, U2 e Billy Bob Thornton demonstraram interesse em sua obra. No discurso de agradecimento da premiação do Grammy de 1987 de melhor álbum, a banda irlandesa U2 mencionou Flannery O‟Connor. “Tanto o ator Tommy Lee Jones quanto o apresentador de talk-show Conan O‟Brien escreveram trabalhos de conclusão de curso em Harvard sobre a ficção dela” (CASH, 2002, p. 320). Muitos críticos e estudiosos apontam ainda para uma influência da obra de O‟Connor no trabalho do diretor de cinema Quentin Tarantino, especialmente no filme Pulp Fiction (1994), em que estrela o ator Samuel L. Jackson, cujo primeiro papel no cinema foi em um curta chamado “The Displaced Person” (1977), uma adaptação do conto homônimo de O‟Connor. Assim, embora parte do sucesso de O‟Connor deva-se a seus apoiadores intelectuais e acadêmicos, seria um erro acreditar que a obra da autora não tinha apelo popular. O‟Connor também publicou em revistas não acadêmicas, principalmente por motivos financeiros. Em Mademoiselle, foi publicado, em 1948, o conto “The Capture”, um dos seus primeiros, escrito ainda na pós-graduação em Iowa. Este mesmo conto foi publicado novamente na coletânea da revista: 40 Best Short Stories from Mademoiselle, 1935-1960. De acordo com Fodor (1996), vários contos publicados em revistas populares são também alguns dos mais valorizados pela academia, como é o caso de “Good Country People” publicado na Harper‟s Bazaar em 1955. A Harper‟s Bazaar publicou também “A Temple of the Holy Ghost”, em 1954 e “The Enduring Chill”, em 1958. Fodor (1996) menciona ainda a propaganda dos livros de O‟Connor e a construção de suas capas. De acordo com ela, nas capas das primeiras publicações de Wise Blood e A Good Man Is Hard to Find, a ênfase era no sexo e no erotismo, de uma forma que não tinha relação com o conteúdo do livro. A capa de A Good Man Is Hard to Find, por exemplo, era a ilustração da cena mais famosa de “Good Country People”, a interação de Hulga e Manley Pointer no celeiro, no entanto, a ilustração foi construída de forma a mostrar uma cena de romance e transformar a “mulher loira de trinta e dois anos obesa, socialmente inapta em uma garota pin-up de cabelos escuros esbelta, graciosa, jovem para divulgar o livro como um melodrama pulp ou um romance Harlequim.” (FODOR, 1996, p. 18) A perna de pau de Hulga, elemento fundamental na história, sequer aparece na cena. As primeiras 37 edições de O‟Connor eram, portanto, divulgadas de forma sensacionalista, focando mais na violência e nos crimes para atrair leitores da massa. Esse padrão de marketing só se alterou no final da década de 1960, conforme a reputação de O‟Connor nos meios acadêmicos tornou-se mais segura. De acordo com Golden e Sullivan (1977), essa mudança só ocorreu a partir do ano de 1960, com a publicação de seu segundo romance, The Violent Bear It Away. Até então, embora não fosse ignorada, a ficção de O‟Connor era pouco resenhada. Flannery O‟Connor and Caroline Gordon: A Reference Guide menciona vinte e sete resenhas em 1955, ano da publicação do primeiro livro de contos A Good Man Is Hard to Find, contra cinquenta e nove apenas sobre The Violent Bear It Away. Grande parte das primeiras críticas é [...] hostil, mas o mero fato de que O‟Connor foi resenhada em periódicos de prestígio como o Kenyon Review e em revistas influentes de circulação em massa como o Time, indica que os críticos a viam como uma escritora que deveria ser levada a sério, se não necessariamente admirada (GOLDEN; SULLIVAN, 1977, p. 5). Prova disso é que alguns de seus contos foram selecionados para a coletânea Best American Short Stories de 1956, 1957, 1958, 1962 e 1979. De fato, O‟Connor gozou de um status perante a academia que poucas de suas colegas escritoras conseguiram alcançar. Logo em 1961, Willard Thorpe escolheu “A Good Man Is Hard to Find” para aparecer em seu texto historicista de literatura para a faculdade, American Literary Record. No começo da década de 1970, a maioria das antologias de literatura americana incluía contos de O‟Connor. A pesquisa de Paul Lauter de 1982 sobre cinquenta cursos introdutórios à literatura americana em faculdades descobriu que O‟Connor era a única escritora contemporânea mulher a aparecer nessas listas [de antologias]. (FODOR, 1996, p. 13-14). O‟Connor figurava no currículo de quatro cursos introdutórios. Apenas quatro outras escritoras eram incluídas em currículos: Emily Dickinson, que aparecia em vinte cursos, Wharton, em oito, Chopin, em oito, Jewett, em seis, e Bradstreet, em seis. Já em 1988, O‟Connor tornou-se uma das poucas mulheres a ser incluída na série de coletâneas da Library of America, “que chama a si mesma de „a única coleção definitiva dos maiores escritores da America‟” (FODOR, 1996, p.14), com a publicação de seus Collected Works (1988), que inclui seus dois romances, todos os contos publicados, um trecho de seu romance inacabado Why Do the Heathen 38 Rage?, alguns ensaios e cartas. Antes dela, apenas Edith Wharton (1862-1937) e Willa Cather (1873-1947) haviam sido publicadas na série. Com isso, O‟Connor tornou-se a primeira escritora do século XX a ser publicada pela Library of America e juntou-se a um grupo seleto de escritores, que inclui Jack London, Eugene O‟Neil e William Faulkner. No início, os críticos classificavam a ficção de O‟Connor como regionalista, colocando-a ao lado de nomes como Faulkner, Caldwell e McCullers na “escola do grotesco sulista” (FODOR, 1996). Ao fazê-lo, a crítica procurava interpretar o trabalho de O‟Connor e estabelecer uma relação de importância entre sua obra e o renascimento da literatura do Sul. Conforme nos informa Fodor (1996, p. 2) A aliança com Caldwell enfatiza a ruralidade grotesca, sórdida, bem como questões sociais e econômicas na sua escrita. Citar McCullers liga O‟Connor a uma escritora mulher do grotesco. Nomear Faulkner faz uma reivindicação maior, porque eventos recentes haviam estabelecido a reputação de Faulkner como uma figura literária “séria” na academia. Assim, a identidade regional de O‟Connor tornou-se um aspecto fundamental na compreensão de sua obra, durante toda a sua carreira literária. O regionalismo era uma maneira de inserir a autora numa tradição com a qual a sua obra poderia contribuir. A religiosidade foi outro traço marcante apontado nas resenhas, principalmente após a publicação de seus dois primeiros livros, em alguns casos como forma de diminuir a importância regionalista da autora. Para parte dos críticos, a religiosidade era a evidência cabal de que O‟Connor não seria uma “mera” escritora regional, mas sim universal, e já em 1977 Golden e Sullivan apontavam para esta tendência a discutir a obra de O‟Connor em seu aspecto religioso. De acordo com eles, a principal discussão crítica girava em torno dos objetivos religiosos autodeclarados da autora e sua realização na ficção, como demonstra o título da primeira tese de doutorado a mencionar O‟Connor em 1961: The Theme of Guilt and Redemption in the Post-Second-War American Novel, de Jonathan Baumbach. Assim, embora reconheçam a existência de divergências entre os críticos, os autores dividiram, de forma simplificada, quatro principais “escolas” críticas da obra de O‟Connor: A primeira escola aceita as intenções religiosas de O‟Connor como cumpridas em sua obra e aceita sua visão religiosa como uma visão penetrante da vida humana. [...] A segunda escola também aceita a 39 intenção religiosa de O‟Connor como cumprida em sua ficção, mas questiona a adequação de sua visão religiosa, com frequência achando-a excessivamente negativa e anti-humanista. [...] A terceira escola admite que a intenção religiosa de O‟Connor tem certa relevância em sua ficção, mas questiona quão plenamente essa intenção é atingida em sua obra. [...] A quarta escola nega a intenção religiosa completamente, preferindo ler seu trabalho de várias outras maneiras (GOLDEN, SULLIVAN, 1977, p. 6). De acordo com eles, as primeiras críticas de O‟Connor seguiam a quarta escola e somente com sua maior divulgação e com as próprias afirmações da autora sobre sua visão religiosa as outras escolas se desenvolveram. Ainda assim, até a década de 1970, a maior parte dos textos escritos seguia a primeira e a segunda escolas. Essas “escolas”, na realidade, devem ser encaradas mais como abordagens, já que há críticos que transitam entre elas, frequentemente combinando elementos de abordagens religiosas com abordagens não religiosas. Além do regionalismo e da religiosidade, logo de início, muitos comentários sobre a obra de O‟Connor descreviam seu estilo como “masculino” e “pouco feminino”. Esse tipo de afirmação classificava a obra da autora como oposta àquilo que se esperaria de uma mulher e foi muito usada em sua divulgação, “para explicar o poder que os leitores percebiam em sua ficção e para reivindicar uma audiência mais ampla para seu trabalho” (FODOR, 1996, p. 25). Estes mesmos traços (regionalismo, religiosidade e masculinidade), no entanto, foram usados para criticar a obra de O‟Connor. Os periódicos Time e New Yorker, por exemplo, publicaram apenas resenhas curtas e negativas enquanto O‟Connor ainda estava viva. Em uma resenha de The Violent Bear It Away, publicada no Time, o autor utiliza dados biográficos da autora como sua doença e vida retirada em Andalusia para desmerecer o romance (FODOR, 1996). O autor aponta ainda para o fato de que O‟Connor era católica ferrenha, solteira, criava aves e andava de muletas, como para sustentar sua posição de que O‟Connor era tão grotesca quanto suas personagens e não se poderia esperar outro tipo de ficção vinda dela. Apenas após a publicação de seu segundo romance e de sua morte, em 1964, os críticos passaram a explorar outros aspectos de sua ficção, especialmente seu tratamento do período contemporâneo. Golden e Sullivan (1977, p. 4-5) apontam que, desde a morte de O‟Connor até 1977, foram publicados “dezoito livros dedicados exclusivamente à sua ficção e sessenta e cinco teses de doutorado que 40 discutem suas obras”. Os primeiros livros mencionados são de 1966: Flannery O‟Connor: A Critical Essay, de Robert Drake; The Added Dimension: The Art and Mind of Flannery O‟Connor, de Mervin Friedman e Lewis A. Lawson e Flannery O‟Connor, de Stanley Edgar Hyman, que é na verdade um panfleto didático de uma série de pequenos guias para a obra de escritores americanos. Fodor também comenta a grande atenção crítica recebida pela obra de O‟Connor após sua morte e especialmente com a publicação de seu segundo livro de contos Everyhting That Rises Must Converge, em 1965. De acordo com ela, no início da década de 1970, O‟Connor estava no topo da lista dos temas de teses de doutorado sobre escritores posteriores a 1930 (FODOR, 1996, p. 33), mas foi principalmente a partir dos anos oitenta que as abordagens críticas começaram a se multiplicar e apareceram estudos psicanalíticos (Frederick Asals), feministas (Louise Westling), bakhtinianos (Bruce Gentry e Robert Brinkmeyer) e lacanianos (James Mellard). Teresa Caruso (2004) acredita que o interesse tardio da crítica feminista em Flannery O‟Connor deva-se, em parte, aos seus objetivos religiosos autodeclarados, que guiaram, em grande medida, os estudos críticos. Em seu guia, Golden e Sullivan (1977) nem chegaram a incluir a entrada “feminismo” no index. O Flannery O‟Connor: An Annotated Reference Guide, que compreende todas as publicações acerca da autora de 1975 a 2000 (e menções a livros de anos anteriores), traz apenas 38 menções a trabalhos sobre o tema “feminismo” durante o período. O primeiro livro a explorar esse aspecto da obra de O‟Connor foi Sacred Groves and Ravaged Gardens: the fiction of Eudora Welty, Carson McCullers and Flannery O‟Connor, de Louise Westling, em 1985. Apesar de inovadora, a obra de Westling ainda defende que, na obra de O‟Connor, os homens são representados como agressivos e vingativos, enquanto as mulheres são punidas e tornadas passivas pelos homens. Além deste, apenas um livro de crítica feminista sobre O‟Connor foi publicado até o ano 2000 e, após essa data, encontramos mais dois: Revising Flannery O‟Connor (2001), de Katherine Prown e “On the subject of the feminist business” (2004), organizado por Teresa Caruso. Outros estudiosos que deram importância à questão feminista foram Richard Giannone, Claire Kahane, que destacou o aspecto psicanalítico e gótico, e Katherine Prown, que, em um artigo de 41 1995, defendeu que houve uma “feminização” dos protagonistas homens nos dois romances da autora. Os primeiros comentários feministas sobre a autora parecem sempre pender para a afirmação de que O‟Connor compactuava com os valores masculinos. Essa tendência crítica ainda é bastante forte, como artigos publicados em “On the subject of the feminist business” deixam transparecer. Teresa Caruso (2004, p. 6), a organizadora do volume, por outro lado, argumenta que embora a abordagem religiosa seja profícua, as “maneiras „antigas‟ de olhar para a obra de O‟Connor são insuficientes: ela exige mais dos seus leitores” e a abordagem feminista pode ser uma maneira de mantê-la relevante no âmbito da literatura norte-americana. Talvez devido à grande ênfase dada às interpretações religiosas e ao pequeno número de críticas feministas, alguns contos da autora como “A Stroke of Good Fortune” e “A View of the Woods”, considerados por Prown (2001) como os mais engajados com o “ponto de vista feminino”, tenham recebido pouca atenção da crítica quando comparados a outros contos mais célebres. Scott (2000) traz apenas três menções a “A Stroke of Good Fortune” em livros, seis em teses de doutorado e vinte em capítulos de livros e artigos. “A View of the Woods” por sua vez, conta com quatro menções em livros, seis em teses e um pouco mais em textos curtos do que “A Stroke of Good Fortune”, mas ainda assim muito menos menções em capítulos e artigos que “Good Country People”, notadamente um dos contos mais comentados do início da carreira da autora, ao lado de “A Good Man Is Hard to Find”. Contos que permitem mais abertamente interpretações teológicas e filosóficas como os finais “Revelation” e “Parker‟s Back” foram muito mais explorados em livros e teses que os primeiros contos de O‟Connor, como “A Temple of the Holy Ghost”, que, ainda assim, é mais comentado que “A Stroke of Good Fortune”. Todavia, a publicação de artigos e livros que problematizam sua relação com os manuscritos e o romance Wise Blood demonstra que este último conto tem chamado mais a atenção da crítica após o ano 2000. As críticas feministas têm resgatado contos relegados a segundo plano e problematizado leituras tradicionais de personagens femininas de O‟Connor. Surpreendentemente, apesar de haver muitas menções no Annotated Reference Guide ao estudo do grotesco na obra de O‟Connor, a maior parte é de capítulos de livros ou artigos e foram publicados, até o ano 2000, apenas três livros inteiramente dedicados à investigação do tema: Nightmares and Visions (1972), de 42 Gilbert H. Muller, em que aborda a relação entre a religião católica e o grotesco, Flannery O‟Connor‟s Religion of the Grotesque (1986), de Marshall Bruce Gentry, que parte dos princípios bakhtinianos de grotesco e romance como campo de batalha; e American Gargoyles (1995), de Anthony Di Renzo, que estuda a relação da obra da autora com o grotesco medieval. Há ainda um volume de 1998, de Laurence Enjouras, que defende, de forma reducionista, que a representação do corpo na obra de O‟Connor é sempre como “feio” e não “respeitável”, ignorando o potencial positivo, mas, ademais, existem apenas algumas teses de doutorado dedicadas ao assunto, mais que sobre o feminismo, é verdade, mas ainda assim deixam margem para mais exploração. Podemos perceber que, diferentemente da maioria dos autores, Flannery O‟Connor conseguiu, de alguma maneira, guiar a crítica de sua obra na direção religiosa segundo a qual gostaria que fosse interpretada e poucos estudiosos parecem contradizer as afirmações dela sobre a própria arte. É verdade que é difícil desprezar a dimensão teológica da ficção de O‟Connor; ainda assim, concordamos com Teresa Caruso (2004, p. 11) quando ela afirma que “enquanto a orientação espiritual certamente oferece uma base válida e fértil para a crítica teológica, para muitos leitores essas interpretações teológicas há muito falharam em fornecer entendimento completo (ou, eu argumentaria, satisfatório) de seus contos”. A interpretação teológica certamente não é também a abordagem mais útil para a difusão da obra da escritora entre os leitores estrangeiros e, como veremos, tem sido pouco adotada no Brasil. 1.4 Um conjunto de estranhamentos: Flannery O’Connor no Brasil Em seu posfácio a Contos Completos, Cristóvão Tezza defende que “para o leitor brasileiro [...] Flannery O‟Connor representa um conjunto complexo de estranhamentos culturais que devem ser levados em conta” (TEZZA, 2008, p. 687). Ainda assim, mesmo no meio das Literaturas Estrangeiras, Flannery O‟Connor é pouco conhecida e estudada no Brasil. Mas o interesse em sua obra tem crescido nas últimas décadas, em parte, talvez, devido à publicação dos livros Sangue Sábio (1990, 2002) e É difícil encontrar um homem bom (1991, 2003), com tradução de José Roberto O‟Shea para a editora Siciliano, republicada pela Arx e The Complete 43 Stories, traduzido como Contos Completos e publicada pela Cosac Naify em 2008. No entanto, o interessado em estudá-la no Brasil se depara com uma grande lacuna de publicações críticas e bibliográficas sobre a autora. Uma pesquisa na Plataforma Lattes revelará que um dos primeiros brasileiros a publicar sobre O‟Connor é o professor José Roberto O‟Shea. Em 1989, O‟Shea recebeu o título de doutor pela University of North Carolina com a tese Wise Blood as Sangue Sábio: A Literary Translation into Brazilian Portuguese, na qual faz uma reflexão sobre o processo tradutório e apresenta uma tradução do primeiro romance de O‟Connor para o português. Três anos depois, em 1992, O‟Shea publicou na revista brasileira Estudos Anglo-Americanos, um artigo sobre O‟Connor intitulado “Flannery O'Connor and the Grotesque: A Study of A Late Encounter with the Enemy and Revelation”, no qual traça um breve panorama histórico da utilização do termo “grotesco” e analisa dois contos da autora a partir da perspectiva do grotesco cômico. Concordando com Gentry, O‟Shea defende que o uso que O‟Connor faz do grotesco não é puramente negativo, como muitos críticos parecem defender. Ao contrário, assim como os grandes escritores da humanidade em que estavam presentes elementos grotescos (Dante, Rabelais, Shakespeare), O‟Connor usa “o modo grotesco como um meio técnico para combinar o sério e o cômico em sua arte” (O‟SHEA, 1992, p. 85). Ao comentar “Revelation”, por exemplo, O‟Shea (1992, p. 88) defende que o conto passa de uma “abertura escandalosamente engraçada para um perturbador final engraçado/sério”, através da sobreposição do horror e do cômico de maneira que leva o leitor a uma das duas reações: ou ri do absurdo da situação, ou sente-se moralmente ofendido. Já Bezerra (2003), chama a atenção para outro aspecto da obra de O‟Connor: a abordagem da questão racial no Sul dos Estados Unidos. Ao analisar o conto “The Coat”, encontrado após a morte da autora e publicado apenas em 1996, em comparação com “The Vigilante”, de John Steinbeck, Bezerra oferece uma visão positiva da representação do negro por O‟Connor, em parte pelo fato de os protagonistas serem personagens negros, coisa rara na obra da autora. Apesar de ainda estar na condição de subalterno, a impassibilidade de Abram, o protagonista de “The Coat”, diante do linchamento injusto que sofre, “aproxima-o da agência, um dos meios possíveis para a libertação” (BEZERRA, 2003, p. 19). O artigo conclui 44 com a afirmação de que “lei, justiça e julgamento são – na ficção e no mundo empírico – , todos, termos alheios ao universo em que o negro (o outro) é visto como um elemento capaz de abalar a ordem (anglo-saxã) estabelecida das coisas” (BEZERRA, 2003, p. 20). Além do grotesco e da questão racial, Rapucci (2009), em sua resenha de Contos Completos, aponta para o tratamento dispensado por O‟Connor à questão religiosa e elenca dois aspectos principais da obra da autora: o “fundamentalismo predominantemente protestante do Sul dos Estados Unidos e o mundo moderno caracterizado pela esterilidade espiritual” (RAPUCCI, 2009, p. 105). O grotesco é usado por O‟Connor, portanto, com a intenção de levar a personagem e o leitor a uma revelação espiritual, mas a autora o faz com uma “abordagem não-sentimental, num estilo direto e simples” (RAPUCCI, 2009, p. 105). A maior contribuição da resenha de Rapucci, no entanto, é rebater o posicionamento crítico que associa O‟Connor apenas ao regionalismo e à religião. Ela defende que “seus textos nos dão aberturas para universos mais vastos”, pois as relações entre as personagens trazem “à tona a difícil condição humana” (RAPUCCI, 2009, p. 106). A resenha não chega a mencionar o feminismo, mas é evidente que as relações que a estudiosa menciona permitem aberturas também para este universo crítico. Tatiana Ferreira (2011), em comunicação transformada em capítulo de livro, também propõe analisar a obra de O‟Connor a partir do grotesco em dois contos: “A Good Man Is Hard to Find” e “Everything That Rises Must Converge”. Ferreira (2011, p. 314) defende que os contos de O‟Connor são grotescos devido a seu aspecto “insólito – no qual se misturam o cômico e o trágico – , por provocar sentimentos contraditórios no leitor e por apresentar personagens também denominados grotescos, isto é, que induzem no leitor sentimentos simultâneos de empatia e repugnância”. Apesar de a definição estar correta, as a