MILENA GUIRADO CONEGLIAN AVALIAÇÃO DOS ÍNDICES DE QUALIDADE DA ÁGUA BRUTA DE UM MANANCIAL EM ÁREA URBANA Bauru 2020 MILENA GUIRADO CONEGLIAN AVALIAÇÃO DOS ÍNDICES DE QUALIDADE DA ÁGUA BRUTA DE UM MANANCIAL EM ÁREA URBANA Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Área de Concentração Saneamento. Orientador: Prof. Dr. Paulo Cesar Lodi Bauru 2020 Coneglian, Milena Guirado. Avaliação dos índices de qualidade da água bruta de um manancial em área urbana / Milena Guirado Coneglian, 2020 99 f. : il. Orientador: Paulo Cesar Lodi Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Engenharia, Bauru, 2020 1. Monitoramento da qualidade das águas. 2. Índice de conformidade ao enquadramento. 3. Rio Lençóis. 4. Fontes difusas de poluição. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Engenharia de Bauru. II. Título. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Bauru ATA DA DEFESA PÚBLICA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DE MILENA GUIRADO CONEGLIAN, DISCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA CIVIL E AMBIENTAL, DA FACULDADE DE ENGENHARIA - CÂMPUS DE BAURU. Aos 05 dias do mês de junho do ano de 2020, às 14:00 horas, no(a) Via sistemas de videoconferência e outras ferramentas para comunicação a distância, reuniu-se a Comissão Examinadora da Defesa Pública, composta pelos seguintes membros: Prof. Dr. PAULO CESAR LODI - Orientador(a) do(a) Departamento de Engenharia Civil e Ambiental / Faculdade de Engenharia de Bauru - UNESP, Prof. Dr. MAURICIO AUGUSTO LEITE do(a) Departamento de Fitossanidade, Engenharia Rural e Solos / Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira - UNESP, Profª. Drª. LILIANE LAZZARI ALBERTIN do(a) Departamento de Engenharia Civil / Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira - UNESP, sob a presidência do primeiro, a fim de proceder a arguição pública da DISSERTAÇÃO DE MESTRADO de MILENA GUIRADO CONEGLIAN, intitulada AVALIAÇÃO DOS ÍNDICES DE QUALIDADE DA ÁGUA BRUTA DE UM MANANCIAL EM ÁREA URBANA. Após a exposição, a discente foi arguida oralmente pelos membros da Comissão Examinadora, tendo recebido o conceito final:_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Nada mais havendo, foi lavrada a presente ata, que após lida e aprovada, foi assinada pelos membros da Comissão Examinadora. Prof. Dr. PAULO CESAR LODI Prof. Dr. MAURICIO AUGUSTO LEITE Profª. Drª. LILIANE LAZZARI ALBERTIN Faculdade de Engenharia - Câmpus de Bauru - Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, 17033360, Bauru - São Paulo http://www.feb.unesp.br/posgrad_civilCNPJ: 48.031.918/0030-69. Paulo Lodi APROVADA Paulo Lodi p/ Paulo Lodi Observação: “Realizada via google meet” Paulo Lodi p/ DEDICATÓRIA Dedico este estudo às futuras gerações, em especial às minhas queridas sobrinhas, Júlia e Alice: “Há um rio cujas águas são limpas, há um rio cujas fontes não cessam, há um rio que corre do trono de Deus”. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela criação e por minha vida, pelas oportunidades que tive e por todos os sonhos realizados. Agradeço aos meus pais, João e Marilisa, pelo carinho, pela educação que me deram e pelo incentivo aos estudos, por todo o apoio ao longo da minha vida. São meus pilares, amo do tamanho do universo! Ao meu marido e companheiro, Paulo, pela paciência durante este longo caminho, mas, principalmente, por me fazer acreditar no meu potencial quando, sozinha, eu não mais conseguia. Agradeço a todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil e Ambiental da UNESP, pela dedicação e excelência no compartilhamento de parte de seus conhecimentos, em especial ao meu orientador, Prof. Lodi, pela dedicação e paciência: muito obrigada por me ajudar a persistir. Às professoras Ilza Machado Kaiser e Anna Patrícya F. de Souza Silva que, fazendo parte da minha banca de qualificação, contribuíram para a evolução da minha pesquisa, e à professora Lilliane Lazzari Albertin e ao professor Maurício Augusto Leite, minha banca de defesa, aos colegas de curso, também, obrigada. Aos colegas de trabalho do SAAE de Lençóis Paulista, Benedito Neto, meu revisor de texto, Fernanda, Marquinho e Rodrigo, que me incentivaram e torceram por mim, obrigada. i RESUMO A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997) estabelece o enquadramento dos corpos hídricos como um dos instrumentos de gestão das águas. A CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, que compõe o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos criado por esta Lei, mantém Programa de Monitoramento da qualidade das águas e utiliza índices de qualidade das águas como ferramenta para a interpretação de dados ambientais complexos, com a finalidade de auxiliar no processo decisório das políticas públicas municipais além de informar técnicos e público em geral. Nesse sentido, com o objetivo de avaliar a evolução da qualidade de um manancial em área urbana e a sua conformidade em relação ao enquadramento, este estudo de caso apresenta uma análise sobre os Relatórios de Qualidade das Águas Interiores do Estado de São Paulo emitidos pela CETESB com ênfase nos arquivos relativos aos resultados dos parâmetros e indicadores de qualidade das águas do ponto de interesse, o Rio Lençóis, situado na UGRHi-13, de 2009 a 2018. O índice de conformidade ao enquadramento (ICE) foi aplicado anualmente e, também, bienalmente separados o período chuvoso do seco. Os principais resultados demonstram que as variáveis que mais apresentaram-se em desacordo com a Resolução CONAMA nº 357/2005 foram ‘ferro dissolvido’, ‘Escherichia coli’, ‘fósforo’ e ‘PFTHM’, proveniente de fontes difusas de poluição e em concentrações mais elevadas após ocorrência de chuvas, relacionadas ao aporte de sedimentos do escoamento superficial de áreas agrícolas e urbanizadas ao corpo d’água. O ICE não apresentou uma tendência definida ao longo dos dez anos, porém foi evidente a influência negativa das chuvas, resultando em piores índices neste período. PALAVRAS-CHAVES: monitoramento da qualidade das águas; índice de conformidade ao enquadramento; Rio Lençóis; fontes difusas de poluição. ii ABSTRACT The National Water Resources Policy (Law n. 9.433/1997) establishes the framing of water bodies as one of its instruments for management of water. CETESB, the Environment Agency of Sao Paulo Estate, which makes up the National Water Resources Management System created by this Law, maintains a water quality Monitoring Program and uses indices as a tool for the interpretation of complex environmental data, with the purpose of assisting in the decision making process of municipal public policies and to informing technicians and the general public. In this sense, with the objective of evaluating the evolution of the quality of a water source in an urban area and its conformity with the framing, this study of case presents an online research about the Inland Water Quality Reports of the State of São Paulo issued by CETESB with emphasis on the files related to the parameter results, and water quality indicators for the point of interest, Lençóis River, located at UGRHi-13, from 2009 to 2018. The framing conformity index was applied annually, and also each two years in the rainy and dry periods separated. The main results demonstrate that the variables that were most at odds with CONAMA Resolution nº 357/2005 were 'dissolved iron', 'Escherichia coli', 'phosphorus' and 'PFTHM', from diffuse sources of pollution and higher concentrations after the occurrence of rains, related to the sediment input of runoff from agricultural and urbanized areas to the water body. The framing conformity index did not show a definite trend over ten years, but the negative influence of rains was evident, resulting in worse indexes in this period. KEYWORDS: water quality monitoring; framing conformity index; Lençóis River; diffuse sources pollution. iii Lista de Figuras Figura 3.1. Modelo conceitual do ICE. Figura 5.1. Mapa da UGRHi-13 e o município de Lençóis Paulista. Figura 5.2. Presença de material férrico no estado de São Paulo. Figura 5.3. Ponto de captação no Rio Lençóis. Figura 5.4. Uso e ocupação do solo a montante do ponto LENS 02500. Figura 5.5. Comparação da pluviometria na UGRHi-13 e em Lençóis Paulista, de 2009 a 2018. Figura 5.6. IQA e IAP, de 2009 a 2018, de acordo com monitoramento da CETESB. Figura 5.7. Gráfico ilustrativo das variações da concentração de ferro dissolvido. Figura 5.8. Gráfico ilustrativo das variações da contagem do número de colônias de E. coli. Figura 5.9. Gráfico ilustrativo das variações da concentração de fósforo total. Figura 5.10. Gráfico ilustrativo das variações da concentração de PFTHM. Figura 5.11. Gráfico ilustrativo das variações da concentração de alumínio. Figura 5.12. Gráfico ilustrativo das variações da concentração de manganês. Figura 5.13. Gráfico ilustrativo das variações da medida de turbidez. Figura 5.14. Gráfico ilustrativo das variações da concentração de oxigênio dissolvido. Figura 5.15. Gráfico ilustrativo das variações da concentração de demanda bioquímica de oxigênio. Figura 5.16. Resultados do ICE anual. Figura 5.17. Resultados do ICE bienal, para os períodos seco e chuvoso. iv Lista de Tabelas Tabela 3.1. Classificação das águas doces e seus usos. Tabela 3.2. Variáveis de qualidade das águas que compõem o IAP e seus valores de referência. Tabela 3.3. Valor do ICE, classificação e significado. Tabela 5.1. Pluviosidade registrada nos meses de amostragem, com destaque para as maior e menor médias pluviométricas (mm), respectivamente. Tabela 5.2. Cálculo anual do ICE. Tabela 5.3. Cálculo bienal do ICE no período chuvoso. Tabela 5.4. Cálculo bienal do ICE no período seco. v Sumário 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................. 1 2 OBJETIVOS ............................................................................................................................................ 5 2.1 OBJETIVO GERAL ..................................................................................................................................... 5 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................................................................ 5 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ...................................................................................................................... 6 3.1 GESTÃO DAS ÁGUAS ................................................................................................................................. 7 3.2 ÁGUAS PARA ABASTECIMENTO PÚBLICO ....................................................................................................... 9 3.3 MONITORAMENTO DA QUALIDADE DAS ÁGUAS ........................................................................................... 11 3.3.1 Índices de Qualidade das Águas ................................................................................................ 12 3.3.2 Significado Ambiental e Sanitário das Variáveis de Qualidade das Águas ............................... 14 3.4 ÍNDICE DE CONFORMIDADE AO ENQUADRAMENTO ....................................................................................... 24 3.4.1 Cálculo do ICE ............................................................................................................................ 24 3.4.2 Aplicação do ICE no Brasil ........................................................................................................ 28 3.4.3 Aplicação do ICE em mananciais de abastecimento público ..................................................... 29 4 MATERIAIS E MÉTODO ....................................................................................................................... 31 4.1 MATERIAIS ........................................................................................................................................... 31 4.4.1 Área de Estudo .......................................................................................................................... 31 4.2 MÉTODO ............................................................................................................................................. 31 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................................................ 34 5.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA ...................................................................................................................... 34 5.2 ANÁLISE DOS DADOS PLUVIOMÉTRICOS ...................................................................................................... 39 5.3 ANÁLISE DOS ÍNDICES DE QUALIDADE ADOTADOS PELA CETESB ...................................................................... 39 5.4 ANÁLISE DAS VARIÁVEIS NÃO CONFORMES .................................................................................................. 42 5.4.1 Ferro dissolvido (Fe) .................................................................................................................. 42 5.4.2 Escherichia coli (E. coli) ............................................................................................................. 44 5.4.3 Fósforo total (P) ........................................................................................................................ 46 5.4.4 Potencial de formação de trihalometanos ............................................................................... 48 5.4.5 Alumínio (Al) e Manganês (Mn) ................................................................................................ 50 5.4.6 Turbidez .................................................................................................................................... 50 5.4.7 Demanda bioquímica de oxigênio (DBO) e Oxigênio dissolvido (OD) ....................................... 53 vi 5.4.8 Cádmio (Cd), Cobre (Cu) e Níquel (Ni) ....................................................................................... 53 5.5 RELAÇÃO DOS RESULTADOS COM A SAZONALIDADE, O USO E OCUPAÇÃO DO SOLO............................................... 55 5.6 APLICAÇÃO DO ICE ................................................................................................................................ 56 5.6.1 ICE anual ................................................................................................................................... 57 5.6.2 ICE bienal e sazonal .................................................................................................................. 58 5.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 60 6 CONCLUSÕES ...................................................................................................................................... 61 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................... 62 8 ANEXOS .................................................................................................................................................... 71 1 1 INTRODUÇÃO A água é “condição essencial à vida” e sem ela “não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura” (artigo 2º, Declaração Universal dos Direitos da Água). Manahan (2013) cita que, ao longo da história, a qualidade e a quantidade de água disponível sempre foram consideradas vitais na determinação do bem-estar da população, e que civilizações inteiras desapareceram por conta da escassez de água. Além disso, doenças transmitidas pela água causaram a morte de milhares de pessoas no passado, e continuam causando em países menos desenvolvidos. O crescimento populacional, o desenvolvimento tecnológico e a busca da população por conforto e maior qualidade de vida têm aumentado a extração de recursos naturais e a demanda por água. Estes fenômenos resultam na sua escassez, não apenas em relação à quantidade disponível, mas, também, à qualidade requerida para cada uso. A crescente demanda de recursos hídricos, a progressiva degradação e o comprometimento das reservas do planeta, de acordo com Navarro et al. (2006), reforçam a preocupação com a qualidade e o controle da quantidade de substâncias consideradas índices e padrões para as classificações da água. Para Santos (2001), a necessidade cada vez maior de se obter água em quantidade e qualidade desejadas para os seus diversos usos leva à necessidade de se planejar e coordenar sua utilização, considerando suas características físicas, químicas e biológicas. A fim de disciplinar e regulamentar os usos, de forma a assegurar a disponibilidade suficiente de água com a qualidade requerida, a Política Nacional de Recursos Hídricos (BRASIL, 1997) tem como fundamentos que a água é um bem de domínio público, dotado de valor econômico, cujos usos prioritários são o abastecimento humano e a dessedentação de animais, e cuja gestão descentralizada deve proporcionar seu uso múltiplo, tendo a bacia hidrográfica como unidade territorial para implementação desta Política. Temos, portanto, o consumo humano como o uso mais nobre da água. A Portaria de Consolidação nº 05, de 28 de setembro de 2017, Anexo XX (com origem na PRT MS nº 2.914/2011) define os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para 2 consumo humano e seu padrão de potabilidade. A Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007, estabelece as diretrizes nacionais para a prestação de serviços públicos de saneamento, os quais devem ser executados observando-se plano ou “política” municipal de saneamento básico, elaborado pelo titular dos serviços (o Município) em compatibilidade com o plano da bacia na qual está inserido. Os prestadores dos serviços de saneamento, especificamente do abastecimento de água potável, encontram cada vez mais desafios para garantir que a água extraída de mananciais superficiais ou subterrâneos apresentem a qualidade necessária e atendam à crescente demanda. A expansão urbana, se não prevista no Plano Diretor do Município, no ordenamento do uso e ocupação do solo, e no Plano Municipal de Saneamento, contribui para a deterioração dos recursos hídricos e mananciais de abastecimento. Rebouças et al. (2006) consideram que os mananciais de águas superficiais são os mais acessíveis e utilizados para atendimento das necessidades sociais e econômicas. É sabido que o acesso às águas superficiais é facilitado, se comparado às subterrâneas; em contrapartida, as águas superficiais estão mais sujeitas às interferências ambientais e antrópicas e, consequentemente, são mais facilmente poluídas. Segundo Toledo e Nicolella (2002), os rios são sistemas complexos caracterizados como escoadouros naturais das áreas de drenagens adjacentes, que constituem bacias hidrográficas, cuja complexidade e qualidade refletem, além das condições climáticas locais, o uso da terra, geologia, tamanho e formas das bacias de drenagem. Por isso, águas superficiais requererem tratamento convencional e, às vezes, avançado. No município de Lençóis Paulista, interior do estado de São Paulo, o Rio Lençóis é responsável pela produção de pouco mais da metade da água potável distribuída pelo Serviço Autônomo de Água e Esgotos de Lençóis Paulista (SAAE). Este é o maior corpo hídrico do território, dá nome ao município e atravessa seu centro urbano. O ponto de captação para abastecimento público no Rio Lençóis compõe um dos 163 pontos da Rede Básica de Monitoramento da Qualidade das Águas Interiores do Estado de São Paulo, operado pela CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, identificado por LENS 02500. Este monitoramento tem, dentre outros, o objetivo de avaliar a evolução da qualidade das águas doces, propiciar o levantamento das áreas prioritárias para o controle da poluição das águas e subsidiar o diagnóstico da qualidade das águas doces utilizadas para o abastecimento público (CETESB [s.d.a]). A CETESB utiliza o Índice de Qualidade das Águas (IQA), adaptado e desenvolvido a partir de um estudo realizado em 1970 pela National Sanitation Foundation dos Estados 3 Unidos, e, a partir de 2002, utiliza também índices específicos para cada uso do recurso hídrico, como o Índice de Qualidade de Águas Brutas para Fins de Abastecimento Público (IAP) (CETESB [s.d.b]). Índices de qualidade das águas são utilizados como ferramentas capazes de converter a interpretação de dados ambientais complexos em informações compreensíveis e úteis para técnicos bem como para o público em geral (BOYACIOGLU, 2007), também auxiliam no processo decisório das políticas públicas municipais, na gestão dos recursos hídricos, monitorando os resultados apresentados e relacionando-os à sazonalidade ao longo do tempo. Pinto et al. (2016) acrescentam que o objetivo destes índices é melhorar a compreensão das questões de qualidade da água, integrando dados complexos e gerando uma pontuação que descreve e avalia as tendências da qualidade da água. O IQA – Índice de Qualidade das Águas, é calculado pelo produtório ponderado de nove variáveis de qualidade da água, consideradas básicas, e é capaz de fornecer uma visão geral sobre as condições das águas superficiais. Compõem este índice temperatura, potencial hidrogeniônico (pH), oxigênio dissolvido (OD), demanda bioquímica de oxigênio (DBO), Escherichia coli, nitrogênio total, fósforo total, sólidos totais dissolvidos e turbidez. É calculado em todos os pontos da Rede Básica de Monitoramento e fornece uma visão geral sobre as condições de qualidade das águas superficiais e apresenta limitações por não considerar o mais exigente uso: o abastecimento público. Já o IAP – Índice de Qualidade das Águas Brutas para Fins de Abastecimento Público, é o produto da ponderação dos resultados atuais do IQA, de substâncias tóxicas e de substâncias que afetam a qualidade organoléptica da água. É um índice mais fidedigno da qualidade da água bruta a ser captada, que após tratamento, será distribuída para a população (CETESB, [s. d.b]). Nos últimos dez anos, o ponto LENS 02500 vem apresentando bom IQA, porém o IAP tem variado e apresentou classificação ‘ruim’ em 2009 e 2017. Entre 2010 e 2013 foi classificado como ‘regular’ e de 2014 a 2016 apresentava ‘boa’ qualidade. Em 2018 voltou a ‘regular’. Cabral e Mello (2015) citam o enquadramento dos corpos d'água em classes como o principal instrumento instituído pela Política Nacional de Recursos Hídricos para assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas e diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes. 4 A fim de avaliar a situação de um corpo hídrico com relação às metas de qualidade estabelecidas pelo enquadramento e facilitar a compreensão, Nascimento e Mello (2015) propõem a utilização do índice de conformidade ao enquadramento (ICE), adaptado do CWQI (Canadian Water Quality Index). Este índice é uma representação do número de parâmetros que superam os limites estabelecidos, bem como a frequência e a magnitude dessas superações (CCME, 2009 apud COSTA, 2016). É aplicado com o objetivo, segundo Cabral e Mello (2015), de avaliar a distância entre a qualidade da água atual e a meta estabelecida pelo enquadramento de um corpo de água. Enquanto o IQA e o IAP demonstram, respectivamente, uma visão geral da qualidade das águas do corpo hídrico e para o uso específico no abastecimento público, a metodologia do ICE permite verificar, segundo Silva (2017), o atendimento ao enquadramento vigente e se as medidas de gerenciamento adotadas até então estão sendo suficientes para sua proteção e atendimento aos usos preponderantes. Neste sentido, este trabalho faz uma análise da evolução dos índices de qualidade das águas do Rio Lençóis nos últimos dez anos, procurando relacionar os desvios à sazonalidade e ao uso e ocupação do solo. Faz, também, a aplicação do índice de conformidade ao enquadramento no ponto de captação de águas para abastecimento público. Destaca-se que este estudo não objetivou propor novo enquadramento do Rio Lençóis, Classe 2, de acordo com o Decreto Estadual nº 10.755, de 22 de novembro de 1977, porém permitiu apresentar a importância do acompanhamento do comportamento do rio ao longo do tempo, como também verificar o atendimento ao enquadramento vigente. 5 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral Este estudo tem por objetivo avaliar a evolução dos índices de qualidade das águas utilizados pela CETESB (IQA e IAP) no ponto LENS 02500 nos anos de 2009 a 2018, e verificar a conformidade do corpo hídrico ao enquadramento para o uso preponderante, por meio do cálculo do ICE Resolução e classe 2, conforme dispõe a Resolução CONAMA nº 357/2005. 2.2 Objetivos Específicos Como objetivos específicos temos a identificação das variáveis de qualidade das águas que, durante os dez anos estudados, se desviaram do padrão estabelecido pelo enquadramento; o estudo da ocorrência desses desvios relacionados à sazonalidade (estações chuvosa e seca) e ao uso e ocupação do solo da bacia a montante do ponto de captação; além da apresentação de ações para gerenciamento ambiental deste manancial de abastecimento público. 6 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A água era, até um passado recente, considerada um dos recursos naturais praticamente ilimitados. Como resultado das melhorias dos padrões de vida em todo o mundo (BRASIL, 2014), passaram a ser consumidos 50 % mais água que na década de 1950. Segundo Andrade et al. (2005), o crescimento populacional, a diversificação no uso da água e a forma desordenada na utilização do solo são fatores que tornaram escassos os recursos hídricos. Além disso, a disponibilidade e a qualidade da água, superficial ou subterrânea, foram prejudicadas devido, entre outros fatores, ao aumento da população, da indústria e da urbanização (TYAGI et al., 2013). Para Navarro et al. (2006), a crescente demanda de recursos hídricos, a progressiva degradação e o comprometimento das reservas do planeta, reforçam a preocupação com sua qualidade. A demanda cada vez maior por água em quantidade e qualidade desejadas para os seus diversos usos leva à necessidade de se planejar e coordenar sua utilização, considerando suas características físicas, químicas e biológicas (SANTOS, 2001). As águas utilizadas para abastecimento do consumo humanos e de suas atividades socioeconômicas são captadas de rios, lagos, represas e aquíferos subterrâneos e apresentam características de qualidade muito variadas, que lhe são conferidas pelos ambientes de origem, por onde circulam, percolam ou são armazenadas (REBOUÇAS et al., 2006). Estes autores citam que o crescimento desordenado das demandas e, sobretudo, os processos de degradação da sua qualidade, dão origem aos problemas de escassez de água que ameaçam o ambiente favorável à vida no planeta Terra. Diante disso, prestadores de serviço responsáveis pelo abastecimento público de água potável encontram cada vez mais desafios para garantir que a água apresente a qualidade necessária e atenda à crescente demanda. Proteger a água de fontes de contaminação, portanto, pode reduzir custos do tratamento além de reduzir os riscos para a saúde pública por exposição à água contaminada. 7 3.1 Gestão das Águas A legislação ambiental brasileira fundamenta-se no caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Porém o marco legal da gestão das águas foi com a instituição da Política Nacional de Recursos Hídricos, pela Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997 que é conhecida como Lei das Águas, com o objetivo de assegurar a disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos. A implantação desta política apoia-se nos seguintes fundamentos: a) a água é um bem de domínio público, sendo os poderes públicos federal e estadual seus gestores; b) a água é um recurso natural limitado e dotado de valor econômico; c) o consumo humano e a dessedentação de animais são considerados usos prioritários; d) deve proporcionar o uso múltiplo por meio da gestão; e) a bacia hidrográfica é a unidade territorial de gestão e f) gestão descentralizada dos recursos hídricos, com a participação do Poder Público, dos usuários e da comunidade. Segundo Porto e Porto (2008), a gestão dos recursos hídricos baseada no recorte territorial das bacias hidrográficas ganhou força no início dos anos 1990 quando os Princípios de Dublin foram acordados na reunião preparatória à Rio-92. Pela Lei nº 9.433/97, foi denominado o Comitê de Bacia Hidrográfica a autoridade por meio da qual a decisão é trazida para o nível local, com atribuições de articulação entre os diversos agentes, de atuação em caso de conflito (em primeira instância), de aprovação do plano de recursos hídricos e de aprovação da implantação da cobrança pelo uso da água. Pela Lei das Águas foi criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SINGREH para implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos e para: a) coordenar a gestão integrada das águas; b) arbitrar administrativamente os conflitos ligados ao uso da água; c) implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos; d) planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos e e) promover a cobrança pelo uso da água. A CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, um dentre outros órgãos do poder público estadual que compõem o SINGREH, com competências de apoio técnico, fiscalização e regulação, relacionadas à gestão de recursos hídricos, mantém um Programa de Monitoramento da qualidade das águas (superficiais interiores ou costeiras, subterrâneas e, também, de sedimentos) no Estado de 8 São Paulo, a fim de subsidiar o diagnóstico e metas dos planos de bacias, fornecendo dados para o Sistema de Informações sobre os Recursos Hídricos. Como instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, instituídos pela Lei nº 9.433/1997, temos: a) Planos de Recursos Hídricos como planos diretores que visam a fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídrico (art. 6º); b) O enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água, com os objetivos de assegurar qualidade compatível com os usos mais exigentes a que for destinada e de diminuir custos de combate à poluição mediante ações preventivas (art. 9º); c) O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos a fim de assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água (art. 11); d) A cobrança pelo uso de recursos hídricos com os objetivos de reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; incentivar a racionalização do uso da água e obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos (art. 19); e) O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos como um sistema de coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de informações sobre recursos hídricos e fatores intervenientes em sua gestão, geradas pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (art. 25). Para assegurar a disponibilidade de água para determinado fim, devem ser mantidos os requisitos mínimos de qualidade dispostos na legislação ambiental e, nesse contexto, Santos et al. (2018) destacam o instrumento de enquadramento dos corpos hídricos, com vistas à compatibilização da água com seus usos mais exigentes, por meio da determinação de níveis de qualidade a serem alcançados e mantidos ao longo do tempo. O enquadramento baseia-se na classificação das águas segundo a qualidade requerida para seus usos preponderantes (artigo 3º, Lei nº 9.433/97), e foi sintetizada na tabela 3.1. 9 Quanto maior o número da classe, menos nobres são os usos e, consequentemente, menos exigentes os padrões de qualidade (PAULA, 2011). Tabela 3.1. Classificação das águas doces e seus usos. Especial Classe 1 Classe 2 Classe 3 Classe 4 U S O S P R E P O N D E R A N T E S a) abastecimento para consumo humano, após desinfecção; a) abastecimento para consumo humano, após tratamento simplificado; a) abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional; a) abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional ou avançado; a) navegação; b) preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas; b) proteção das comunidades aquáticas; b) proteção das comunidades aquáticas; b) irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras; b) harmonia paisagística. c) preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral. c) recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático, 1mergulho; c) recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático, 1mergulho; c) pesca amadora; d) irrigação de hortaliças e frutas consumidas cruas; d) irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins e campos; d) recreação de contato secundário; e) proteção das comunidades aquáticas em Terras Indígenas. e) aquicultura e pesca. e) dessedentação de animais. 1conforme Resolução CONAMA 274/2000 O padrão de qualidade adotado para o ponto LENS 02500, objeto deste estudo, consiste nos parâmetros de corpo hídrico classe 2, artigo 15 da Resolução CONAMA nº 357/2005. 3.2 Águas para Abastecimento Público Oliveira (2017) relata que a partir da promulgação da Portaria BSB nº 56, de 14 de março de 1977, é que foram estabelecidos os padrões de potabilidade da água no Brasil, os quais contemplavam aspectos microbiológicos e parâmetros de qualidade física, química e organoléptica. Atualmente, atinente às suas características físico-químicas e microbiológicas, os serviços de abastecimento de água potável observam a Portaria de Consolidação nº 05/2017, Anexo XX (com origem na PRT MS nº 2.914/2011), que estabelece valores padrões de potabilidade. Padrão de potabilidade pode ser definido como 10 o conjunto de valores permitidos como parâmetro da qualidade da água apropriada para consumo humano (BRASIL, 2017). De acordo com esta Portaria, compete ao responsável pelo sistema de abastecimento de água exercer o controle da qualidade da água por meio de a) controle operacional do ponto de captação, adução, tratamento, reservação e distribuição; e b) por meio de análises laboratoriais da água, conforme plano de amostragem estabelecido. Compete às Secretarias de Saúde dos Municípios exercer a vigilância da qualidade da água em articulação com o prestador do serviço de abastecimento de água potável. Para isso, mensalmente, os municípios mantêm atualizado um banco de dados com informações e resultados de análises laboratoriais, chamado SISAGUA – Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano, definido pelo Ministério da Saúde (Brasil [s.d.]) como: “instrumento do Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para consumo Humano, construído com base no referido programa e na Portaria MS n° 2.914/2011, que tem como objetivo auxiliar o gerenciamento de riscos à saúde, associados à qualidade da água destinada ao consumo humano, como parte integrante das ações de prevenção de agravos e de promoção da saúde, previstas no Sistema Único de Saúde”. Além do plano de amostragem a ser atendido, de acordo com as características do sistema, análises de água em cada etapa do tratamento e da distribuição, esta Portaria determina (artigo 40 do Anexo XX) que seja monitorada a água bruta “no ponto de captação, para análise de acordo com os parâmetros exigidos nas legislações específicas, com a finalidade de avaliação de risco à saúde humana” (BRASIL, 2017). Como já visto, a Resolução CONAMA nº 357/2005, estabelece padrão de qualidade para cada classe de corpo hídrico, por meio de variáveis a) descritivas, tais como materiais flutuantes não naturais, óleos e graxas, substâncias que propiciam gosto ou odor, corantes provenientes de fontes antrópicas, resíduos sólidos objetáveis e toxicidade e; b) quantitativas, tais como pH, DBO, OD, substâncias orgânicas, metais totais e dissolvidos, densidade de cianobactérias, teor de clorofila, entre outras. Os padrões de qualidade são utilizados para que se possam regulamentar e controlar os níveis de qualidade a serem mantidos num corpo hídrico, conforme o uso a que esteja destinado (BRANCO et al., 1991). O “abastecimento de água potável” é o primeiro serviço de saneamento básico citado pela Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007, artigo 2º, que estabelece diretrizes nacionais para a prestação do serviço mediante planejamento, bem como a regulação e o controle 11 social para atendimento dos requeridos padrões de qualidade e demanda. Segundo esta Lei do Saneamento, os prestadores desses serviços devem observar plano ou “Política” municipal de saneamento básico, elaborado pelo titular dos serviços (o Município) em compatibilidade com o plano da bacia em que está inserido. 3.3 Monitoramento da Qualidade das Águas Monitoramento é o acompanhamento das mudanças que se pode verificar no meio físico (PIAZERA, 2001) por meio da coleta de dados de repetitivas observações, com o propósito de obter informações sobre o comportamento de uma variável ambiental (PETTS, 1999 apud SOARES et al., 2006). O controle ambiental é, para Rebouças et al. (2006), parte do gerenciamento dos recursos hídricos, de forma a impedir que problemas decorrentes da poluição da água venham a comprometer seu aproveitamento múltiplo. Estes autores afirmam que o gerenciamento somente é possível quando se dispõe de um conjunto de informações confiáveis obtidas a partir de observações do que está ocorrendo no meio, e que desta forma devem ser entendidos e planejados os sistemas de monitoramento. Barakat et al. (2016) asseguram que para uma eficiente gestão dos recursos hídricos são necessárias informações sobre a qualidade das águas e sua variabilidade. Trindade et al. (2017) concordam que o monitoramento e a avaliação da qualidade das águas são fatores primordiais para a adequada gestão dos recursos. Para Von Sperling (2005), a qualidade das águas é resultado dos fenômenos naturais e antrópicos na bacia hidrográfica. Isso porque a água incorpora a si diversas impurezas, devido às suas capacidades de solvente e de transportar partículas. De acordo com Manahan (2013), os poluentes podem entrar na água por aporte direto, pela atmosfera ou pelo escoamento superficial do solo. A CETESB, órgão estadual de apoio técnico, de fiscalização e de regulação, que compõe o SINGREH, iniciou em 1974 a operação da Rede de Monitoramento de Qualidade das Águas Interiores do Estado de São Paulo, cujas informações têm possibilitado o conhecimento das condições reinantes nos principais rios e reservatórios. Segundo Rebouças et al. (2006), esta rede é, no Brasil, a que possui maior tempo de operação contínua e, portanto, com potencial de oferecer a maior quantidade de informações sobre a situação dos corpos hídricos daquele Estado. 12 O monitoramento tem, dentre outros, o objetivo de avaliar a evolução da qualidade das águas doces, propiciar o levantamento das áreas prioritárias para o controle da poluição das águas e subsidiar o diagnóstico da qualidade das águas doces utilizadas para o abastecimento público (CETESB [s.d.a]). O ponto de captação de água no Rio Lençóis para abastecimento público, nas coordenadas geográficas latitude sul 22º35’49” e longitude oeste 48º48’14”, denominado LENS 02500, compõe um dos 163 pontos da Rede Básica de Monitoramento da Qualidade das Águas Interiores do Estado de São Paulo. Através da Rede Básica de Monitoramento, em 2018 foram ensaiados cerca de 50 parâmetros diferentes pela CETESB, em campo e laboratório, entre eles físico-químicos, microbiológicos, ecotoxicológicos, hidrobiológicos, com periodicidade, pelo menos, bimestral. Para Jonnalagadda e Mhere (2001), citados por Andrade et al. (2005), o monitoramento das águas fluviais pode gerar grande quantidade de dados, e frequentemente frustrar a detecção de uma tendência em qualidade de água. Toledo e Nicolella (2002) e, também, Andrade et al. (2005) argumentam que o uso de índices de qualidade de água tem como objetivo transformar as informações, geradas pelos monitoramentos, em uma forma mais acessível e de fácil entendimento, capazes de informar às pessoas envolvidas no gerenciamento de recursos hídricos e às populações que utilizam estes mananciais, através de informações resumidas, a possível deterioração dos recursos hídricos ao longo da bacia hidrográfica ou ao longo do tempo. CETESB [s.d.a] considera os índices de qualidade das águas úteis para informar, de forma sintética, sobre a qualidade dos recursos hídricos à população, mas, principalmente, fundamentais no processo decisório das políticas públicas e no acompanhamento de seus efeitos. 3.3.1 Índices de Qualidade das Águas A informação sobre a qualidade da água bruta é fundamental para a definição da tecnologia adequada para o tratamento com objetivo de abastecimento público (OLIVEIRA et al., 2014). É definida em termos de parâmetros físicos, químicos e biológicos, e tem como objetivos determinar se a mesma atende ou não os padrões previamente definidos para o uso desejado, descrever a qualidade da água em escalas regionais e também investigar tendências no tempo. Horton, pesquisador alemão, fez em 1965 a primeira proposição formal de um índice da qualidade da água, como uma ferramenta para avaliação de programas de redução da poluição e para informação pública. Consistia, basicamente, em um somatório ponderado 13 de “notas” atribuídas a cada variável que compõe o índice, de acordo com a respectiva concentração ou valor, dividido pelo somatório dos pesos fixados para cada variável, multiplicado por dois coeficientes, que consideram a temperatura e a poluição evidente de um curso d’água (PEREIRA, 2014). Browm et al. (1970), citados por Pereira (2014), apresentaram um índice bastante similar ao de Horton em sua estrutura. Contaram com o apoio da National Sanitation Foundation na pesquisa e este índice ficou conhecido como IQANSF, sendo um dos mais utilizados no mundo (FARIA, 2012). Segundo Torres et al. (2009), muitos países desenvolveram estudos e indicadores para aplicar seus próprios critérios de avaliação, de modo que sua aplicabilidade corresponda aos seus requisitos e necessidades regionais. 3.3.1.1 Índice de Qualidade das Águas – IQA No Brasil, a partir do IQANSF, a CETESB adaptou e desenvolveu o IQA – Índice de Qualidade das Águas (CETESB, 2019, Apêndice D), que incorpora nove variáveis consideradas básicas para a avaliação da qualidade das águas, capaz de fornecer uma visão geral sobre as condições das águas superficiais e indicar alguma contribuição de efluentes domésticos ou industrial. O IQA é calculado, bimestralmente, em todos os pontos da Rede Básica de Monitoramento e fornece uma visão geral sobre as condições de qualidade das águas superficiais e apresenta limitações por não considerar o mais exigente uso: o abastecimento público. Portanto, especificamente para corpos hídricos utilizados para este fim, a partir de 2002, a CETESB utiliza também o IAP – Índice de Qualidade de Águas Brutas para Fins de Abastecimento Público, haja vista a preocupação com o avanço no comprometimento da qualidade das águas para este fim, devido à crescente urbanização e à maior complexidade de poluentes lançados no meio ambiente. 3.3.1.2 Índice de Qualidade da Água Bruta para Fins de Abastecimento Público – IAP O IAP é um índice mais fidedigno da qualidade da água bruta a ser captada, que após tratamento, será distribuída para a população, pois contempla outras variáveis, tais como: metais pesados, substâncias que afetam as propriedades organolépticas da água (sabor, odor, cor), e potencial de formação de trihalometanos das águas de um manancial (CETESB, [s.d.b]). O IAP é calculado nos pontos de amostragem dos rios e reservatórios que são utilizados para o abastecimento público, e é definido pela CETESB como o produto da 14 ponderação dos resultados atuais do IQA (Índice de Qualidade de Águas) e do ISTO (Índice de Substâncias Tóxicas e Organolépticas). Este índice é composto por três grupos principais de variáveis: a) grupo de variáveis básicas (temperatura da água, pH, oxigênio dissolvido, demanda bioquímica de oxigênio, coliformes termotolerantes/Escherichia coli, nitrogênio total, fósforo total, sólido total e turbidez); b) grupo de variáveis que indicam a presença de substâncias tóxicas (potencial de formação de trihalometanos – PFTHM, número de células de cianobactérias (em mananciais represados ou lênticos), cádmio, chumbo, cromo total, mercúrio e níquel); e c) grupo de variáveis que afetam a qualidade organoléptica (ferro, manganês, alumínio, cobre e zinco). Pereira (2014) avalia que um dos índices mais difundidos no mundo e no Brasil, seja o IQANSF, ajustado pela CETESB para as condições ambientais das bacias hidrográficas do Estado de São Paulo em 1975. Ainda segundo este autor, o uso do IAP é mais restrito, devido à maior complexidade das variáveis envolvidas e ao maior custo das análises. 3.3.2 Significado Ambiental e Sanitário das Variáveis de Qualidade das Águas A avaliação das propriedades física, química e biológicas, segundo Silva (2014), permite visualizar a influência dos fatores naturais e antrópicos sobre os recursos hídricos. Portanto, a seguir, é apresentado de forma resumida o significado ambiental e sanitário de cada uma das vinte variáveis de qualidade das águas que compõem o IAP, e suas implicações para o abastecimento público. 3.3.2.1 Sólidos totais dissolvidos (STD) Em saneamento, sólidos nas águas correspondem a toda matéria que permanece como resíduo, após evaporação, secagem ou calcinação da amostra a uma temperatura pré- estabelecida durante um tempo fixado (CETESB [s.d.c]). Podem causar danos aos peixes e à vida aquática e sedimentar no leito dos rios destruindo organismos que fornecem alimentos ou, também, danificar os leitos de desova de peixes. Podem, também, reter bactérias e resíduos orgânicos no fundo dos rios, promovendo decomposição anaeróbia. O padrão de qualidade para águas doces de classe 2 é 500 mg/L (Resolução CONAMA nº 357/2005) e para água potável 1000 mg/L (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 3.3.2.2 Temperatura Variações de temperatura são parte do regime climático normal e corpos de água naturais apresentam variações sazonais e diurnas, bem como estratificação vertical. A 15 temperatura superficial é influenciada por fatores tais como latitude, altitude, estação do ano, período do dia, taxa de fluxo e profundidade. Influencia uma série de variáveis físico- químicas; por exemplo, à medida que a temperatura aumenta, de 0 a 30 °C, viscosidade, tensão superficial, compressibilidade, calor específico, constante de ionização e calor latente de vaporização diminuem, enquanto a condutividade térmica e a pressão de vapor aumentam (CETESB [s.d.c]). Além disso, organismos aquáticos possuem limites de tolerância térmica superior e inferior, temperaturas ótimas para crescimento, temperatura preferida em gradientes térmicos e limitações de temperatura para migração, desova e incubação do ovo. 3.3.2.3 Turbidez A turbidez de uma amostra de água, de acordo com CETESB [s.d.c], é o grau de atenuação de intensidade que um feixe de luz sofre ao atravessá-la, devido à presença de sólidos em suspensão, tais como partículas inorgânicas (areia, silte, argila) e detritos orgânicos (algas e bactérias, plâncton em geral, etc.). Nos corpos d’água, alta turbidez pode influenciar nas comunidades de organismos aquáticos, pois reduz a fotossíntese de vegetação enraizada submersa e algas podendo, por sua vez, suprimir a produtividade de peixes. Para Von Sperling (2005), a turbidez de origem natural é esteticamente desagradável e pode servir de abrigo para microrganismos patogênicos, reduzindo a eficiência da desinfecção. Já a de origem antropogênica, pode estar associada a compostos tóxicos. O padrão de qualidade para águas doces de classe 2 é 100 uT (unidade de turbidez) (Resolução CONAMA nº 357/2005) e para água potável 5 uT (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 3.3.2.4 Alumínio dissolvido Segundo Piveli e Kato (2006), o alumínio é abundante nas rochas e minerais. Nas águas, não é encontrado em altas concentrações, devido à baixa solubilidade e capacidade de precipitar-se. As concentrações de alumínio dissolvido em águas com pH neutro variam de 0,001 a 0,05 mg/L, mas aumentam para valores de 0,5 a 1 mg/L em águas mais ácidas ou ricas em matéria orgânica (CETESB [s.d.c]). O metal pode ocorrer em diferentes formas e é influenciado pelo pH, temperatura e presença de fluoretos, sulfatos, matéria orgânica e outros ligantes. A solubilidade é baixa em pH entre 5,5 e 6,0. O padrão de qualidade para águas doces de classe 2 é 0,1 mg/L (Resolução CONAMA nº 357/2005) e para água potável 0,2 mg/L (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 16 3.3.2.5 Cádmio O cádmio é liberado ao ambiente por efluentes industriais, principalmente, de galvanoplastias (PIVELI e KATO, 2006; CETESB [s.d.c]), produção de pigmentos, soldas, equipamentos eletrônicos, lubrificantes e acessórios fotográficos, bem como por poluição difusa causada por fertilizantes/inseticidas e poluição do ar local. Acumula-se em organismos aquáticos, possibilitando sua entrada na cadeia alimentar CETESB [s.d.c]. De acordo com Piveli e Kato (2006), apresenta efeito agudo, cujas doses acima de 9 mg podem ser letal e crônico, pois concentra-se nos rins, fígado, pâncreas e tireoide. O padrão de qualidade para águas doces de classe 2 é 0,001 mg/L (Resolução CONAMA nº 357/2005) e para água potável 0,005 mg/L (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 3.3.2.6 Chumbo Segundo a CETESB [s.d.c], a presença do metal na água ocorre por deposição atmosférica, lixiviação do solo, ou, ainda, devido às descargas de efluentes industriais. É um composto cumulativo provocando um envenenamento crônico denominado saturnismo, cuja exposição da população em geral ocorre principalmente por ingestão de alimentos e bebidas contaminados, e pode afetar quase todos os órgãos e sistemas do corpo, mas, principalmente, o sistema nervoso. No entanto, o chumbo raramente é encontrado na água de torneira, exceto quando os encanamentos são à base de chumbo, ou soldas, acessórios ou outras conexões. Doses letais nas águas para peixes variam de 0,1 a 0,4 mg/L, embora alguns resistam até 10 mg/L em condições experimentais (PIVELI e KATO, 2006; CETESB [s.d.c]. O padrão de qualidade para águas doces de classe 2 (Resolução CONAMA nº 357/2005), assim como o de potabilidade (Portaria de Consolidação nº 05/2017), é de 0,01 mg/L. 3.3.2.7 Cobre As fontes de cobre para o meio ambiente incluem minas de cobre ou de outros metais, corrosão de tubulações de latão por águas ácidas, efluentes de estações de tratamento de esgotos, uso de compostos de cobre como algicidas aquáticos, escoamento superficial e precipitação atmosférica de fontes industriais. Concentrações acima de 2,5 mg/L transmitem sabor amargo à água; acima de 1 mg/L produzem coloração em louças e sanitários e são letais para microrganismos (CETESB [s.d.c]). Concentrações de 0,5 mg/L são letais para trutas, carpas, bagres, peixes vermelhos de aquários ornamentais e outros. Para peixes, muito mais que para o homem, as doses elevadas de cobre são extremamente nocivas (PIVELI e KATO, 2006). O padrão de qualidade para águas doces de classe 2 é 17 0,009 mg/L (Resolução CONAMA nº 357/2005) e para água potável 2 mg/L (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 3.3.2.8 Cromo Pode ocorrer nas águas sujeitas a lançamentos de efluentes industriais, de curtumes e de circulação de águas de refrigeração. A forma hexavalente do cromo é mais tóxica, com efeitos corrosivos no aparelho digestivo e nefrite, que a trivalente, considerada micronutriente essencial ao metabolismo humano (PIVELI e KATO, 2006). A maioria das águas superficiais naturais contém entre 1 e 10 µg/L de cromo. O limite máximo fixado para Cromo total é de 0,05 mg/L, tanto para águas doces de classe (Resolução CONAMA nº 357/2005) quanto para água potável (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 3.3.2.9 Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) Demanda bioquímica de oxigênio é a quantidade de oxigênio necessária para oxidar a matéria orgânica por decomposição microbiana aeróbia para uma forma inorgânica estável. Pode ser considerada como a quantidade de oxigênio consumido durante um determinado período de tempo, numa temperatura de incubação específica, frequentemente usado e referido como DBO5,20 (cinco dias a 20 ºC) (CETESB, [s.d.c]). De acordo com Von Sperling (2005), é um método indireto para quantificar a matéria orgânica, ou o potencial poluidor. Elevados valores de DBO5,20 indicam alto teor de matéria orgânica e podem induzir ao completo esgotamento do oxigênio dissolvido na água, provocando o desaparecimento de peixes e outras formas de vida aquática (CETESB, [s.d.c]). O padrão de qualidade estabelecido para águas doces de classe 2 é inferior a 5 mg/L (Resolução CONAMA nº 357/2005). 3.3.2.10 Ferro dissolvido Sólidos em suspensão ou dissolvidos são os constituintes responsáveis pela presença de ferro nas águas superficiais. De origem natural, na forma insolúvel (Fe3+) proveniente dos solos, que na ausência de oxigênio, no fundo de rios e lagos, apresentam-se na forma solúvel (Fe2+) (VON SPERLING, 2005). Apesar de não ser tóxico nas concentrações usualmente encontradas nas águas naturais, Piveli e Kato (2006) citam que o ferro traz diversos problemas para o tratamento de águas para abastecimento público como, por exemplo, a influência negativa da presença de ferro nas etapas de coagulação e floculação, formando flocos com velocidades 18 de sedimentação muito baixa e desenvolvimento de depósitos em canalizações e de ferro- bactérias, provocando a contaminação microbiológica das águas na rede de distribuição. CETESB [s.d.c] acrescenta que, nas águas superficiais, o nível de ferro aumenta nas estações chuvosas devido ao carreamento de solos e a ocorrência de processos de erosão das margens. A presença de ferro nas águas também pode ser resultado do lançamento de efluentes industriais. O valor máximo permitido para o ferro dissolvido, tanto como padrão de qualidade para águas doces de classe 2 (Resolução CONAMA nº 357/2005) quanto de potabilidade (Portaria de Consolidação nº 05/2017), é 0,3 mg/L. 3.3.2.11 Fósforo total De origem natural, o fósforo aparece em águas devido a dissolução de compostos no solo, decomposição da matéria orgânica. De origem antropogênica, pode se originar das descargas de esgotos sanitários e industriais, excrementos de animais e fertilizantes agrícolas (VON SPERLING, 2005). Piveli e Kato (2006) citam que águas drenadas em áreas agrícolas e urbanas também podem provocar a presença excessiva de fósforo em águas naturais, devido à aplicação de fertilizantes. O excesso de fósforo conduz a processos de eutrofização das águas naturais, que podem causar diversos efeitos indesejados, de acordo com este autor, como problemas estéticos e recreacionais, condições anaeróbias no corpo d’água, mortandade de peixes e toxicidade das algas, maior dificuldade e elevação dos custos de tratamento de água para abastecimento público, entre outros. O padrão de qualidade para ambientes lóticos de águas doces classe 2 é 0,1 mg/L (Resolução CONAMA nº 357/2005). 3.3.2.12 Manganês De acordo com CETESB [s.d.c], ocorre naturalmente na água superficial e subterrânea, no entanto, as atividades antropogênicas são também responsáveis pela contaminação da água. Apresenta comportamento semelhante ao do ferro, podendo se apresentar nos estados de oxidação Mn+2 (mais solúvel) e Mn+4 (menos solúvel). Piveli e Kato (2006) apontam que em mananciais são desejáveis concentrações inferiores a 0,05 mg/L, para evitar a manifestação de coloração negra na água ou formação de depósitos de seu óxido nos sistemas de abastecimento de água. O padrão fixado pela Resolução CONAMA nº 357/2005, para corpos hídricos classe 2, é de 0,1 mg/L, assim como o padrão de potabilidade (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 19 3.3.2.13 Mercúrio No Brasil, é largamente utilizado em garimpo, durante o processo de extração do ouro (PIVELI e KATO, 2006; CETESB [s.d.c]). Para Piveli e Kato (2006) a ausência de precaução transfere, comumente, mercúrio paras as águas superficiais, aonde reage com a matéria orgânica resultando em formas metiladas, mais tóxicas. CETESB [s.d.c] complementa que o metal é altamente tóxico ao homem, com doses letais de 3 a 30 gramas. A principal via de exposição humana ao mercúrio é por ingestão de alimentos, tendo o pescado como um dos maiores responsáveis pela transferência de mercúrio para o homem. O padrão de qualidade para águas doces de classe 2 é 0,0002 mg/L (Resolução CONAMA nº 357/2005) e para água potável 0,001 mg/L (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 3.3.2.14 Níquel Concentrações de níquel em águas superficiais naturais podem chegar a 0,1 mg/L (CETESB [s.d.c]); concentrações de 1,0 mg/L são tóxicas aos organismos de água doce (PIVELI e KATO, 2006). Estes autores relatam ainda que estudos recentes demonstram que o níquel é carcinogênico. Para CETESB [s.d.c], doses elevadas de níquel podem causar dermatites nos indivíduos mais sensíveis. O padrão de qualidade para águas doces de classe 2 é 0,025 mg/L (Resolução CONAMA nº 357/2005) e para água potável 0,07 mg/L (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 3.3.2.15 Nitrogênio total Os compostos de nitrogênio são caracterizados como macronutrientes, pois, depois do carbono, este é o elemento exigido em maior quantidade pelas células vivas. O nitrogênio pode ser encontrado nas águas nas formas de nitrogênio molecular (N2), orgânico (dissolvido e em suspensão), amoniacal (livre NH3 e ionizada NH4 +), nitrito (NO2 -) e nitrato (NO3 -) (VON SPERLING, 2005). Para Piveli e Kato (2006), o nitrogênio nas águas pode ser proveniente da atmosfera, devido aos mecanismos de fixação biológica, química e de dissolução dos gases, bem como de descargas de esgotos. Estes autores citam, ainda, que o escoamento das águas pluviais de áreas agrícolas, devido à fertilização do solo, e de áreas urbanas, devido às deficiências do sistema de limpeza pública, constituem fontes difusas de difícil caracterização. Quando descarregados nas águas naturais, conjuntamente com o fósforo e outros nutrientes, provocam o enriquecimento do meio, fenômeno chamado de eutrofização. Esta pode possibilitar o crescimento mais intenso de seres vivos, especialmente as algas, que 20 podem trazer prejuízos aos múltiplos usos dessas águas, descritos anteriormente, prejudicando seriamente o abastecimento público ou causando poluição decorrente da morte e decomposição desses organismos (CETESB, [s.d.c]). Estão estabelecidos padrões de qualidade para as formas nitrito e nitrato, em 1 e 10 mg/L, respectivamente, tanto para corpos de águas doces de classe 2 (Resolução CONAMA nº 357/2005), quanto para água potável (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 3.3.2.16 Oxigênio Dissolvido (OD) A maior parte do oxigênio dissolvido nas águas é oriunda da atmosfera (MANAHAM, 2013) por dissolução devido à diferença de pressão parcial, mas, também é produzido pelos organismos fotossintéticos. É essencial para os organismos aeróbios e, é utilizado por bactérias aeróbias durante a estabilização da matéria orgânica. Por isso uma adequada provisão de oxigênio dissolvido é essencial para a manutenção de processos de autodepuração em sistemas aquáticos naturais e indica a capacidade de um corpo d’água natural em manter a vida aquática (CETESB, [s.d.c]). Para águas doces de classe 2 é fixado 5 mg/L de OD como valor mínimo (Resolução CONAMA nº 357/2005). 3.3.2.17 Potencial Hidrogeniônico (pH) Segundo Von Sperling (2005), representa a concentração de íons hidrogênio H+, dando uma indicação sobre a condição de acidez, neutralidade ou alcalinidade da água, e tem como principais constituintes responsáveis por esta qualidade sólidos e gases dissolvidos no meio líquido. CETESB [s.d.c] define as influências do pH sobre os ecossistemas aquáticos naturais diretamente devido a seus efeitos sobre a fisiologia das diversas espécies, além de efeitos indiretos na precipitação de elementos químicos tóxicos, como metais pesados, e sobre a solubilidade de nutrientes. Desta forma, são estabelecidas restrições de faixas de pH para as diversas classes de águas naturais, tanto pela legislação federal quanto pela legislação do Estado de São Paulo. Para águas doces de classe 2 ficam estabelecidos os valores entre 6 e 9 upH (unidades de pH) como padrão de qualidade (Resolução CONAMA nº 357/2005) e recomendado entre 6 e 9,5 upH no sistema de distribuição de água potável (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 3.3.2.18 Potencial de Formação de Trihalometanos (PFTHM) Os trihalometanos (THM) são a classe de subprodutos da desinfecção (SPD) com maior fração (em peso molecular), considerados, portanto, como indicadores da presença 21 de outros compostos orgânicos na água (KRASNER et al., 1989 e WHO, 2011 apud MEDEIROS, 2019). A desinfecção da água tem sido praticada por milênios como uma tentativa de se controlar a propagação das doenças de veiculação hídrica (MEYER, 1994). Tem-se a cloração como a mais eficaz na destruição de vírus e bactérias nocivas, apresenta baixo custo e não causa riscos ao ser humano, além de produzir um residual estável (WHO, 2011 apud OLIVEIRA, 2017). Porém, diversos autores (QUAY; RODRIGUEZ; SÉRODES, 2004; ROSALÉM et al., 2012) citados por Oliveira (2017), têm questionado a prática da cloração devido à possibilidade de formação de subprodutos. A matéria orgânica dissolvida em corpos aquáticos, constituída por substâncias húmicas e fúlvicas, ácidos carboxílicos, aminoácidos e compostos proteicos, associados a microrganismos (XUE et al., 2014 apud MEDEIROS, 2019) é um potencial precursor de SPD, os quais incluem, principalmente, os trihalometanos (THM), ácidos haloacéticos, haloacetonitrilas e cloropicrinas, compostos que apresentam efeitos adversos para a saúde humana (FRANQUINI, 2010). A reação de formação de THM inicia-se quando há o contato entre os precursores e o reagente (cloro) e pode continuar ocorrendo enquanto houver reagente disponível – principalmente cloro livre (MEYER, 1994). Segundo Baird e Cann (2011), o nível de THM formado em águas depende fortemente do conteúdo de compostos orgânicos da água bruta. O potencial de formação de trihalometanos representa, portanto, a concentração de precursor que não reagiu e que está presente na amostra (MEYER, 1994), ou seja, que pode vir a reagir com o cloro sob condições que maximizem a produção de THM. Este parâmetro pode ser usado para comparar a qualidade do manancial de água bruta com potencial para abastecimento e a possibilidade de produção de concentrações elevadas de THMs em água tratada, após desinfecção. CETESB [s.d.b] estabeleceu uma equação de regressão linear entre as variáveis potencial de formação de THM na água bruta e THM na água tratada, utilizando os dados de amostragem 1997 a 2002, de ambas as variáveis, nos mananciais do Guarapiranga, Rio Grande, Cantareira, Baixo Cotia, Alto Cotia e Alto Tietê, para definição do valor máximo permitido (VMP). Tanto o limite inferior quanto superior do potencial de formação de THMs foram obtidos por meio desta equação, resultando nos valores 373 µg/L e 461 µg/L, respectivamente. O limite inferior do potencial foi estimado a partir do valor máximo 22 estabelecido por legislação norte americana, de 80 µg/L, enquanto o limite superior foi estimado para a concentração de THM do Anexo XX da Portaria de Consolidação nº 05 de 2017, de 100 µg/L. 3.3.2.19 Zinco A presença de zinco é comum nas águas superficiais naturais em concentrações, geralmente, abaixo de 10 µg/L. O zinco é um elemento essencial ao corpo humano em pequenas quantidades, porém em concentrações acima de 5 mg/L confere sabor e uma certa opalescência às águas (PIVELI e KATO, 2006; CETESB [s.d.c]). Piveli e Kato (2006) citam que são conhecidos efeitos tóxicos sobre os peixes e algas. O padrão de qualidade para águas doces de classe 2 é 0,18 mg/L (Resolução CONAMA nº 357/2005) e para água potável 5 mg/L (Portaria de Consolidação nº 05/2017). 3.3.2.20 Escherichia coli A água potável não deve conter microrganismos patogênicos e deve estar livre de contaminação fecal. A detecção de organismos patogênicos em uma amostra de água pode apresentar dificuldades pois a concentração de patógenos por unidade de volume em um corpo hídrico pode ser bastante reduzida, o que demandaria grandes volumes de amostra (VON SPERLING, 2005). Este autor conclui que a utilização de “organismos indicadores de contaminação fecal” que, embora predominantemente não sejam patogênicos, indicam de modo satisfatório que a água foi contaminada por fezes humanas e/ou animais e, consequentemente, revelam a potencialidade de determinada amostra de água na transmissão de doenças. As bactérias do grupo ‘coliforme’, cuja principal representante é a Escherichia coli, são eleitas como referência de contaminação fecal, segundo Brasil (2013a). A escolha deste grupo de bactérias como indicador de contaminação da água está fundamentada nos seguintes fatores: a) encontradas nas fezes de animais de sangue quente, inclusive dos seres humanos; b) facilmente detectáveis e quantificáveis por técnicas simples e economicamente viáveis; c) sua concentração na água contaminada possui uma relação direta com o grau de contaminação fecal desta; d) maior tempo de sobrevivência na água que as bactérias patogênicas intestinais, por serem menos exigentes em termos nutricionais, além de serem incapazes de se multiplicar no ambiente aquático ou se multiplicarem menos que as bactérias entéricas; e, e) mais resistentes aos agentes tensoativos e agentes desinfetantes do que bactérias patogênicas. 23 SATO et al. (2008) relatam que o grupo dos coliformes possui 19 gêneros e 80 espécies e a maioria desses organismos está presente em vários ambientes (solo, águas superficiais, trato intestinal humano e de animais, peixes, moluscos, plantas, insetos e roedores). A origem fecal da E. coli é inquestionável e sua natureza ubíqua pouco provável valida seu papel mais preciso de organismo indicador de contaminação tanto em águas naturais quanto tratadas. A Resolução CONAMA 357/2005, que dispõe sobre a classificação de corpos de água e diretrizes ambientais para seu enquadramento, utiliza os coliformes termotolerantes como padrão de qualidade microbiológica, mas permite sua substituição pela Escherichia coli, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental competente (BRASIL 2005). O padrão estabelecido para águas doces de classe 2 é inferior a 600 UFC/100ml (unidades formadoras de colônia em 100 mililitros de amostra), conforme Decisão de Diretoria da CETESB nº 112/2013 e ausência em água potável (Portaria de Consolidação nº 05/2017). Na tabela 3.2 são apresentados os valores de referência para as variáveis que compõem o IAP, e os valores de referência para corpos hídricos classe 2 (Resolução CONAMA 357/2005). Tabela 3.2. Variáveis de qualidade das águas que compõem o IAP e seus valores de referência. PARÂMETROS Valores de referência Unidade de medida Físicos Sólidos dissolvidos < 500 mg/L Temperatura* - ºC Turbidez < 100 UNT Químicos Alumínio < 0,1 mg/L Cádmio < 0,001 mg/L Chumbo < 0,01 mg/L Cobre < 0,009 mg/L Cromo < 0,05 mg/L DBO5,20 < 5 mg/L Ferro dissolvido < 0,3 mg/L Fósforo total < 0,1 mg/L Manganês < 0,1 mg/L Mercúrio < 0,0002 mg/L Níquel < 0,025 mg/L Nitrogênio total* - mg/L Oxigênio dissolvido > 5 mg/L pH 6 a 9 upH PFTHM** 373 e 461 mg/L Zinco < 0,18 mg/L Microbiológico E. coli*** < 600 UFC/100ml *Não está definido o valor de referência para este parâmetro, mas sim para suas frações amoniacal, nitrito e nitrato. **Limites inferior e superior adotado pela CETESB [s.d.b]. ***Conforme DD nº 112/2013, CETESB (2013). 24 3.4 Índice de Conformidade ao Enquadramento Como já mencionado, o enquadramento é um instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos que busca dar sustentabilidade aos usos definidos para uma bacia hidrográfica, por meio de metas de qualidade de água para o corpo hídrico, as quais devem ser mantidas ou melhoradas ao longo do tempo. Marques et al. (2007) comparam ao controle da qualidade de um produto ou de um bem, que tem como objetivo fundamental a qualidade de conformidade deste com normas e padrões pré-estabelecidos e, desta forma, concluem que as atividades de controle da qualidade visam a saber se o bem/produto se mantém com a qualidade desejada. O Canadian Council of the Ministers of the Environmental (CCME), Conselho de Ministros do Meio Ambiente do Canadá, desenvolveu um índice de qualidade de água, o Canadian Water Quality Index (CWQI), no final dos anos 90 como uma ferramenta que permite ao usuário refinar grandes quantidades de dados de qualidade da água a partir de um ponto de monitoramento, em um único número ou valor de índice (CCME, 2006). O índice de qualidade da água proposto pelo CCME está fundamentado na comparação dos valores dos parâmetros de qualidade obtidos experimentalmente com os padrões estabelecidos por legislação ou sobre bases científicas (ALMEIDA, 2007; AMARO, 2009) e é conhecido por Índice de Conformidade ao Enquadramento (ICE). Diferencia-se dos demais índices de qualidade das águas utilizados pelo fato de medir a distância entre a condição atual de um corpo d'água e a meta de qualidade estabelecida pelo enquadramento (BRASIL, 2013b). É uma representação do número de parâmetros que superam os limites estabelecidos, bem como a frequência e a magnitude dessas superações (CCME, 2009 apud COSTA, 2016). Dentre os preceitos para sua aplicação (CCME, 2001), estão a utilização de parâmetros relevantes para o corpo hídrico em estudo e a utilização de, ao menos, quatro parâmetros e quatro amostras por período estudado. 3.4.1 Cálculo do ICE O ICE é composto por três fatores (abrangência, frequência e amplitude) que representam o não atendimento aos critérios de qualidade propostos, ou seja, representam a não conformidade ao enquadramento. Assim, temos: 25 a) Fator 1 – Abrangência: representa o número de variáveis de qualidade da água que, ao menos uma vez no período observado, não atendeu ao padrão estabelecido. É determinado pela Equação 1. Equação 1 b) Fator 2 – Frequência: representa a porcentagem de vezes que as variáveis de qualidade da água falharam em relação ao número de ensaios, ou seja, a porcentagem de não conformidades. É determinado pela Equação 2. Equação 2 c) Fator 3 – Amplitude: representa a magnitude por quanto os objetivos falharam, ou seja, a diferença entre o valor medido e o valor definido como padrão de qualidade. Este fator é calculado em três etapas. c1. Analisa a diferença entre o resultado não conforme encontrado e o padrão estabelecido, determinado pela equação 3, quando excede o limite, ou pela equação 4, quando não atinge o valor mínimo (por exemplo, oxigênio dissolvido): Equação 3 Equação 4 c2. Denominada soma normalizada das variações (snv), é obtida pela soma de todas as variações encontradas no item anterior, dividida pelo número total de ensaios, conforme equação 5: 26 Equação 5 c3. O valor do fator F3 é calculado pela soma normalizada das variações dos objetivos, sendo tais variações reduzidas a uma variável entre 0 e 100, conforme equação 6: Equação 6 Após a obtenção dos F1, F2 e F3, pode-se obter o ICE através da equação 7. Equação 7 O fator 1,732 é empregado de forma a normalizar o resultado, pois cada um dos três fatores individuais pode chegar a 100, e o comprimento do vetor pode chegar a: Desta forma, a divisão por 1,732 faz com que o comprimento do vetor seja limitado ao valor 100. Segundo Costa (2016), estes fatores são combinados para criar um vetor no espaço tridimensional e cada um corresponde a um dos componentes do vetor. O comprimento do vetor é então escalado para variar entre zero e 100 e subtraído de 100 para produzir um índice sem unidade. Índices mais altos refletem maior qualidade da água e, portanto, conformidade ao enquadramento, enquanto mais baixos refletem pior qualidade da água e, consequentemente, o distanciamento do enquadramento. A figura 3.1 ilustra o modelo conceitual do índice. 27 Figura 3.1. Modelo conceitual do ICE. Fonte: Adaptado de CCME (2001). Determinado o ICE, a qualidade da água pode ser classificada, de acordo com CCME (2001), em uma das seguintes categorias na tabela 3.3: Tabela 3.3. Valor do ICE, classificação e significado. ICE Classificação Significado 94,01 - 100 Excelente A qualidade da água está protegida com virtual ausência de impactos. A qualidade da água está muito próxima da condição natural. 79,01 – 94,00 Boa A qualidade da água está protegida, apresentando apenas um pequeno grau de impacto. A qualidade da água raramente se desvia da condição natural ou dos padrões estabelecidos pelo enquadramento. 64,01 – 79,00 Regular A qualidade da água está protegida, mas ocasionalmente ocorrem impactos. A qualidade da água se desvia dos padrões estabelecidos pelo enquadramento. 44,01 – 64,00 Ruim A qualidade da água é frequentemente afetada. Com frequência os parâmetros de qualidade da água não atendem aos padrões estabelecidos pelo enquadramento. 0 – 44,00 Péssima A qualidade da água quase sempre está alterada. Os parâmetros de qualidade frequentemente não atendem aos padrões estabelecidos pelo enquadramento. 28 3.4.2 Aplicação do ICE no Brasil O ICE tem sido aplicado em diversos estudos como ferramenta de acompanhamento da qualidade das águas de corpos hídricos brasileiros como, por exemplo, Marques et al. (2007), Almeida (2007), Amaro (2009), Bortolin et al. (2013), Cabral e Mello (2015), Nascimento e Mello (2015), Costa (2016), Pinto et al. (2016), Silva (2017), Oliveira et al. (2018) e Santos et al. (2018). Marques et al. (2007) tinham como objetivo identificar um índice dinâmico, dentre os índices de qualidade da água descritos na literatura, que pudesse avaliar tanto a qualidade da água superficial (mananciais) quanto ao necessário controle da água de abastecimento (água tratada). Em seus estudos encontraram coerência nos valores calculados quando comparado o ICE a índices de qualidade de água nacionais como, por exemplo, o IQA utilizado pela CETESB, e concluíram que o ICE é um índice versátil pois permite a mudança das variáveis, de acordo com o tipo de água avaliada. Almeida (2007) realizou uma análise comparativa entre o índice de qualidade da água desenvolvido pela National Sanitation Fondation (IQANSF) e o ICE, baseado no índice proposto pelo Canadian Council of Ministers of the Environment (IQACCME). Seus estudos no Rio Cuiabá, de janeiro de 2001 a dezembro de 2005, demonstram que o ICE pode ser utilizado para uniformizar os cálculos de IQA nos programas de monitoramento da qualidade da água no Brasil e para avaliar a qualidade da água para diferentes usos através da inclusão de novos parâmetros e de critérios de qualidade referente a cada tipo de uso. Amaro (2009) aplicou o ICE a 9 corpos hídricos da Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, a fim de identificar quais pontos precisam de maior atenção para atendimento aos padrões estabelecidos e avaliar a conformidade ao enquadramento. Bortolin et al. (2013) tinham como objetivo avaliar a condição da qualidade das águas da bacia do Rio São Marcos, no estado do Rio Grande do Sul, quanto ao cumprimento dos padrões de qualidade estabelecidos, para cinco pontos de coleta, de 2010 a 2013. Nascimento e Mello (2015) e Cabral e Mello (2015) também tiveram por objetivo avaliar o atendimento aos padrões de qualidade da água estabelecidos em um trecho da bacia do Rio das Velhas, estado de Minas Gerais, tendo, estes últimos autores, aplicado o ICE a quadriênios, diferenciando os períodos seco e chuvoso. Costa (2016) monitorou a qualidade das águas no ponto de captação da Represa São Pedro, município de Juiz de Fora, Minas Gerais, entre 2005 e 2015, por meio de quatro 29 parâmetros considerados básicos, atribuindo piora da qualidade ao o uso e ocupação do solo e cobertura da bacia de contribuição, acompanhando por meio de imagens georreferenciadas do Google Earth. Pinto et al. (2016) analisaram o cumprimento das metas de enquadramento do baixo rio das Velhas, através do cálculo do ICE no período de 2013 a 2015, em seis estações de monitoramento. Silva (2017) aplicou o ICE no Rio das Velhas, Minas Gerais, para verificar sua conformidade ao enquadramento e, também identificar eventual correlação entre o IQA e ICE. Da comparação entre os métodos, esta autora conclui que há interpretações distintas, com escala de notas mais restritivas para o ICE. Oliveira et al. (2018) analisaram o atendimento às metas de enquadramento em quatro reservatórios no estado de Pernambuco, relacionando os resultados obtidos ao comportamento pluviométrico e ao uso e ocupação do solo. Santos et al. (2018) verificaram o atendimento à proposta de enquadramento atual e a influência do lançamento de efluentes na qualidade da água do rio Pitanga, em Sergipe, a montante e jusante do lançamento de efluentes. Além de trabalhos acadêmicos, o ICE é também utilizado por órgãos gestores dos recursos hídricos com o intuito, em geral, de verificar a sua aplicabilidade e comparar os resultados com outros índices já utilizados (SILVA, 2017). Bortolin et al. (2013) citam que este índice foi utilizado pela Agência Nacional das Águas (ANA) para avaliar a qualidade das águas dos rios brasileiros em relação aos padrões estabelecidos para as classes em que estão enquadrados. Por sua flexibilidade na escolha dos parâmetros a serem avaliados, Silva (2017) cita que o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) aplicou o ICE com o objetivo de representar os fatores de pressão identificados nas bacias hidrográficas monitoradas, utilizando para cada bacia parâmetros distintos de acordo com os usos. 3.4.3 Aplicação do ICE em mananciais de abastecimento público Torres et al. (2009) revisaram e analisaram os índices de qualidade das águas mais utilizados no mundo e constataram que muitos países têm desenvolvido estudos e indicadores para aplicar critérios próprios de avaliação, de modo que corresponda às suas necessidades. De acordo com estes autores, dadas a flexibilidade em seus parâmetros e diretrizes adotadas, o ICE permite avaliar a qualidade das águas destinadas a consumo humano após tratamento. 30 Marques et al. (2007) já haviam proposto a aplicação do ICE tanto para as águas de mananciais quanto às de abastecimento, tendo em vista sua versatilidade tanto na seleção de variáveis a serem analisadas quanto no objetivo/padrão de qualidade adotado. Costa (2016), dentre os autores brasileiros citados, aplicou o ICE a um manancial de abastecimento público, e constatou a interferência das ações antrópicas na qualidade das águas da Represa de São Pedro, em Juiz de Fora (MG). Recomendou a utilização de mais parâmetros de qualidade das águas, pois em seus estudos utilizou apenas quatro variáveis consideradas básicas. No presente estudo a conformidade ao enquadramento do manancial de abastecimento público é calculada com base nas vinte variáveis que compõem o IAP, índice utilizado pela CETESB especificamente para mananciais de abastecimento, ou seja, as variáveis mais relevantes para águas que serão submetidas a tratamento e, posteriormente, distribuídas à população. O ICE foi calculado anualmente de 2009 a 2018 e, também, bienalmente para os períodos seco e chuvoso, a fim de se avaliar a influência sazonal, como recomenda Silva (2017). Considerando a revisão bibliográfica realizada, este é o primeiro estudo a aplicar uma maior quantidade de variáveis no cálculo do ICE em um manancial superficial de abastecimento público e, também, a analisar separadamente os períodos chuvoso e seco. 31 4 MATERIAIS E MÉTODO 4.1 Materiais Foram utilizados os dados dos últimos dez anos de amostragens e ensaios, resultados do Programa de Monitoramento da Qualidade das Águas Interiores do Estado de São Paulo, no ponto LENS 02500, e, também, dados pluviométricos gerados na Estação de Tratamento de Água operada pelo SAAE de Lençóis Paulista. As variáveis de qualidade da água estudadas foram as que compõem o IAP: temperatura da água, pH, oxigênio dissolvido, demanda bioquímica de oxigênio, Escherichia coli, nitrogênio total, fósforo total, sólido total, turbidez, potencial de formação de trihalometanos (PFTHM), cádmio, chumbo, cromo total, mercúrio, níquel, ferro, manganês, alumínio, cobre e zinco. 4.1.1 Área de Estudo O ponto LENS 02500 compõe um dos 163 pontos da Rede Básica de monitoramento da CETESB. Está inserido na sub-bacia do Rio Lençóis, pertencente à UGRHi-13, coordenadas geográficas latitude S 22º35’49” e longitude O 48º48’14”. Neste ponto o SAAE de Lençóis Paulista opera a captação superficial e sua ETA convencional. 4.2 Método O presente estudo de caso trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem quantitativa. Primeiramente, foi realizada a caracterização da área de estudo com base na literatura. Os resultados de ensaios das variáveis de qualidade das águas foram obtidos através de pesquisa online dos Relatórios de Qualidade das Águas Interiores do Estado de São Paulo emitidos pela CETESB, referentes ao período de 2009 a 2018, e gráficos de chuvas (mm/mês) registradas na UGRHi-13. Após a seleção dos arquivos, foram realizados os downloads relativos aos resultados dos parâmetros e indicadores de qualidade das águas do 32 ponto de interesse, disponibilizados em planilhas do Excel®, na página eletrônica https://sistemainfoaguas.cetesb.sp.gov.br/, e de gráficos dos volumes mensais precipitados na UGRHi-13, em https://cetesb.sp.gov.br/aguas-interiores/publicacoes-e-relatorios/. Foram, também, obtidos dados pluviométricos do dia e mês de cada amostragem a partir do boletim operacional da Estação de Tratamento de Água do SAAE de Lençóis Paulista. Em https://cetesb.sp.gov.br/aguas-interiores/publicacoes-e-relatorios/, a CETESB publica anualmente a relação de postos pluviométricos cujos dados foram considerados em seus relatórios de monitoramento. No último ano considerado neste estudo, 14 de 23 postos localizados na UGRHi-13 estiveram ativos, operados pelo CEMADEN – Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, CIIAGRO – Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas e INMET – Instituto Nacional de Meteorologia, localizados nos municípios de Araraquara, Bauru, Jau, São Carlos e São Manuel. Visto que as estações pluviométricas não estavam situadas na área de drenagem da sub-bacia do Rio Lençóis, foram adotadas as medidas registradas na Estação de Tratamento de Água, operada pelo SAAE de Lençóis Paulista após comparação dos dados pluviométricos apresentados pelo SAAE com os volumes mensais precipitados na UGRHi-13. Os dados levantados foram digitados em planilhas Excel® e organizados para visualização e elaboração de gráficos. Os resultados de ensaio da água bruta foram submetidos a tratamento e identificação das variáveis em desacordo. Foram utilizados como critério de análise os valores correspondentes aos limites inferiores das variáveis de qualidade da água para corpos hídricos classe 2, definidos pela Resolução CONAMA nº 357/2005 e CETESB. Para análise da influência da sazonalidade, buscou-se a interpretação dos dados, mediante: a) Determinação das concentrações médias, influenciadas pela chuva nas últimas 24 horas. Foram somados os resultados de ensaios cuja amostragem fora precedida por chuva e divididos pelo número destas amostragens, para cada parâmetro; b) Determinação das concentrações médias, influenciadas pela estação do ano, chuvosa ou de estiagem, somando-se os resultados dos respectivos períodos e dividindo-se pelo número das amostragens nestes períodos, para cada parâmetro. https://sistemainfoaguas.cetesb.sp.gov.br/ https://cetesb.sp.gov.br/aguas-interiores/publicacoes-e-relatorios/ https://cetesb.sp.gov.br/aguas-interiores/publicacoes-e-relatorios/ 33 Após isso, foi calculado o Índice de Conformidade do Enquadramento (ICE) utilizando o programa MS Excel®. A metodologia do ICE não define os parâmetros a serem utilizados no cálculo, porém estabelece a necessidade do mínimo de quatro variáveis e do mínimo de quatro dados de monitoramento por período em análise. Seguindo orientação da OMS – Organização Mundial de Saúde, citada por Torres et al. (2009), foi dada prioridade àquelas substâncias que sabidamente são de importância para a saúde e conhecidas por estarem presentes em grandes concentrações nos mananciais de abastecimento de água. Foram selecionados os 20 (vinte) parâmetros que compõem o IAP, baseados na relevância destes para o manancial de abastecimento público. São eles: temperatura da água, pH, oxigênio dissolvido, demanda bioquímica de oxigênio, Escherichia coli, nitrogênio total, fósforo total, sólido total, turbidez, potencial de formação de trihalometanos (PFTHM), cádmio, chumbo, cromo total, mercúrio, níquel, ferro, manganês, alumínio, cobre e zinco. O ICE anual de cada um dos dez anos foi calculado utilizando-se os resultados de 4 (quatro) amostragens anuais da CETESB, sendo elas nos meses de novembro e janeiro (período chuvoso) e maio e julho (período de estiagem), de 2009 a 2018. Além disso, foi determinado o ICE sazonal para cada um dos biênios (2009-2010, 2011-2012, 2013-2014, 2015-2016 e 2017-2018), considerando-se, separadamente, os dados resultados das estações chuvosa e de estiagem. 34 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 Caracterização da Área O município de Lençóis Paulista está localizado próximo ao centro geográfico do Estado de São Paulo, latitude sul 22º33'56", longitude oeste 48º48'02", altitude média de 550 metros, possui área de 809 km² e população estimada de 67.859 habitantes em 2018 (IBGE [s.d.]). Sua porção norte, incluindo a sede municipal, pertence à Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos Tietê-Jacaré – UGRHi-13 (Figura 5.1). Devido às diversificadas e também variadas atividades econômicas desenvolvidas, a UGHRi-13 é considerada como “em industrialização” pelo Comitê de Bacia Hidrográfica Tietê-Jacaré (2018) e apresenta alto potencial de utilização das águas pois nela ocorrem, simultaneamente, diferentes usos e usuários de recursos hídricos superficiais, entre eles a indústria, a agricultura e o abastecimento público (COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA TIETÊ-JACARÉ, 2013). Apresenta, como consequência, alto potencial de risco de contaminação além de demonstrar propensão a conflitos de uso neste corpo hídrico. O Rio Lençóis é importante tributário do Rio Tietê e integra a sub-bacia 4 da Bacia Hidrográfica Tietê-Jacaré. Nasce no município de Agudos e se estende pelos municípios de Borebi, Lençóis Paulista, Areiópolis, Macatuba, São Manuel e Igaraçu do Tietê, onde está sua foz. A sub-bacia do Rio Lençóis possui, aproximadamente, 940 quilômetros quadrados (LENÇÓIS PAULISTA, 2012). O tipo de clima dominante em Lençóis Paulista é o Cwa, caracterizado por tropical de altitude, segundo a classificação climática de Koeppen, com chuvas no verão e seca no inverno. Predominam formas de relevo denudacionais, constituído por colinas com topos amplos convexos e tabulares. Altimetrias predominantes entre 600 a 900 metros e as vertentes apresentam declives entre 10 e 20 %. A litologia nesta área é basicamente constituída por arenitos e lâminas de argilito e siltitos, onde se desenvolvem preferencialmente latossolos vermelho-escuro, eutroférricos (LENÇÓIS PAULISTA, 35 2012). São Paulo (2017) demonstra, em seu mapeamento, que o material férrico está presente como componente principal dos solos na região (Figura 5.2). Os serviços de abastecimento de água potável, bem como os de esgotamento sanitário, são realizados pelo Serviço Autônomo de Água e Esgotos de Lençóis Paulista, entidade autárquica criada pela Lei Municipal nº 922, de 05 de agosto de 1969. Conforme dados declarados pela autarquia, a captação superficial de águas do Rio Lençóis foi responsável pelo abastecimento de 53 % da população em 2018. Figura 5.1. Mapa da UGRHi-13 e o município de Lençóis Paulista. Fonte: Adaptado do Portal do Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.sigrh.sp.gov.br/cbhtj/apresentacao http://www.sigrh.sp.gov.br/cbhtj/apresentacao 36 F ig u ra 5 .2 . P re se n ça d e m a te r ia l fé r ri co n o e st a d o d e S ã o P a u lo . F o n te : A d ap ta d o d e S ão P au lo ( 2 0 1 7 ). 37 O ponto de captação para abastecimento público, margem esquerda do Rio Lençóis (figura 5.3), está localizado nas coordenadas geográficas latitude S 22º35’49” e longitude O 48º48’14” e é identificado como LENS 02500 pela CETESB em seu programa de monitoramento. O zoneamento urbano da região é preferencialmente residencial, cuja urbanização teve início na década de 80 e avançou sobre o Rio Lençóis, sem respeitar as áreas de preservação permanente – APP. Possui área de drenagem correspondente aos primeiros 309 quilômetros quadrados da sub-bacia, compreendendo parte da área rural dos municípios de Agudos e Borebi, mais uma porção rural e urbana de Lençóis Paulista, esta última de aproximadamente 4,32 Km² (figura 5.4). Figura 5.3. Ponto de captação no Rio Lençóis. Devido à expansão urbana a montante do ponto de captação, a noroeste, com aumento do risco de fontes difusas de poluição do manancial superficial de abastecimento, o Plano Municipal de Saneamento Básico do município já previa, em 2013, a necessidade de deslocamento do ponto de captação a montante no Rio Lençóis (LENÇÓIS PAULISTA, 2013). 38 F ig u ra 5 .4 . U so e o cu p a çã o d o s o lo a m o n ta n te d o p o n to L E N S 0 2 5 0 0 . 39 5.2 Análise dos dados pluviométricos Por análise visual da figura 5.5, podemos aceitar os registros de precipitação pluviométrica do SAAE, pois os volumes mensais registrados (barras) estão congruentes com os volumes mensais de registros de postos pluviométricos oficiais instalados nesta UGRHi-13 (linha). 5.3 Análise dos índices de qualidade adotados pela CETESB Nos anos de 2009 e 2010 a CETESB analisou todos os parâmetros bimestralmente, nos meses de janeiro, março, maio, julho, setembro e novembro. De 2011 em diante esta frequência foi observada somente para os parâmetros que compõem o IQA, são eles os ensaiados em campo (OD, temperatura, pH, etc.), DBO, fósforo, sólidos totais dissolvidos e coliformes. Durante o período em estudo, a CETESB apresentou, ao todo, 60 resultados de ensaio de cada um destes parâmetros, exceto para a variável fósforo, que não foi ensaiada em maio de 2011, com 59 resultados. Estas amostragens da CETESB se distribuíram, portanto, bimestralmente entre os períodos chuvoso e de estiagem, sendo os meses de maior pluviosidade janeiro, março e novembro, respectivamente, e os de menor julho, setembro e maio, respectivamente. Já as demais variáveis que compõem o IAP, a partir de 2011 foram ensaiadas trimestralmente (janeiro, maio, julho e novembro), totalizando no período observado 44 resultados cada, exceto para PFTHM e manganês (43 ensaios cada), que não foram ensaiadas em maio de 2012 e julho de 2018, respectivamente. Figura 5.5. Comparação da pluviometria na UGRHi-13 e em Lençóis Paulista, de 2009 a 2018. 40 A partir de 2012 a CETESB substituiu a variável ‘coliformes termotolerantes’ por ‘Escherichia coli’. A Resolução CONAMA 357/2005 deu aos órgãos ambientais competentes autonomia para estabelecer limites em substituição ao parâmetro coliformes termotolerantes, cujo valor máximo permitido (VMP) é de 1000, em 80% de pelo menos 6 amostras anuais, com frequência bimestral. O parâmetro fixado para E.coli em 600 UFC/100ml (CETESB, 2013). A pluviosidade acumulada em cada mês de amostragem, de acordo com os dados do SAAE de Lençóis Paulista, está apresentada na tabela 5.1. O mês de novembro marca o início do período chuvoso e janeiro o mês de maior média pluviométrica, enquanto o mês de maio marca o início do período seco e julho o mês de menor média pluviométrica. Tabela 5.1. Pluviosidade registrada nos meses de amostragem, com destaque para as maior e menor médias pluviométricas (mm), respectivamente. Ano / Mês Jan Mar Mai Jul Set Nov 2009 354,00 142,00 61,50 155,00 159,50 209,50 2010 313,50 88,50 43,00 112,50 57,50 81,00 2011 503,50 178,50 38,00 62,00 0,50 159,50 2012 244,00 109,00 100,00 14,00 122,00 83,00 2013 358,50 228,50 115,50 53,00 81,00 131,00 2014 242,00 169,50 93,50 38,50 108,00 106,00 2015 148,50 251,50 109,00 110,50 266,50 265,50 2016 487,00 98,00 152,50 0,00 27,00 170,00 2017 322,50 178,00 168,50 0,00 22,00 189,50 2018 196,50 153,00 31,00 1,00 39,50 80,00 Média 317,00 159,65 91,25 54,65 88,35 147,50 Entre os anos de 2009 e 2018, os índices utilizados pela CETESB, IQA – Índice de Qualidade das Águas e IAP – Índice de Qualidade de Águas Brutas para Fins de Abastecimento Público, variaram conforme figura 5.6. Os piores índices de qualidade da água bruta para abastecimento público (IAP) foram obtidos no ano de 2009 e 2017, onde foram encontrados 21 e 17 ensaios não conformes, respectivamente. Porém, 2017 não apresentou maior número de ensaios não conformes que em 2010, com 20 resultados em desacordo, no entanto, as concentrações neste último foram menores que as encontradas em 2017, ano em que o Rio Lençóis apresentou menor vazão já observada. 41 Figura 5.6. IQA e IAP, de 2009 a 2018, de acordo com monitoramento da CETESB. Barros et al. (2018) observaram melhora dos padrões de qualidade das águas num período com intensidade de chuvas, justificada pelo aumento da vazão do curso d’água e a consequente diluição da concentração dos nutrientes. Nunes (2008) apud Paula (2011) obteve o índice de qualidade da água em dez pontos no Rio Turvo Sujo, bacia do Rio Doce, Minas Gerais, no período chuvoso e na estiagem; os resultados indicaram expressiva melhora na qualidade da água nos períodos de maior vazão do corpo hídrico. Costa (2016) aponta que as precipitações favorecem a diluição devido ao grande volume de águas drenadas de áreas urbanas que, geralmente, são amplamente impermeabilizadas. Diante do exposto, poderíamos, da mesma forma, relacionar em 2017 a menor vazão do Rio Lençóis ao aumento da concentração das substâncias que resultaram na piora da qualidade do corpo hídrico neste ano. Infere-se, portanto, que a precipitação acumulada esteja relacionada à capacidade de diluição do corpo hídrico, porém, faltaram dados oficiais de fluviometria para melhor definição desta influência. De acordo com os dados de monitoramento dos últimos dez anos, doze das vinte variáveis que compõem o IAP apresentaram-se, ao menos uma vez, em não conformidade ao padrão estabelecido. São elas e sua respectiva frequência de não atendimento: ferro dissolvido (95,5 %), Escherichia coli (63,3 %), fósforo total (49 %), PFTHM (33,3 %), alumínio (27,3 %), manganês (13,9 %), OD (5 %), turbidez (3,33 %), cádmio, cobre e níquel (2,3 %), e DBO (1,7 %). 42 5.4 Análise das Variáveis não conformes 5.4.1 Ferro dissolvido (Fe) O parâmetro Fe esteve não conforme em 95,45 % dos ensaios realizados nos últimos dez anos. A média dos desvios é 0,38 mg/L, que representa 126 % do VMP, de 0,3 mg/L. De acordo com Piveli e Kato (2006), o nível de ferro aumenta nas estações chuvosas devido ao carreamento de solos e à ocorrência de processos de erosão das margens, por isso podemos observar concentrações médias maiores nas amostragens no período chuvoso, de 0,82 mg/L, em contraposição a 0,5 mg/L no período seco. De modo similar, a chuva precedendo a amostragem em 24 h apresentou maior concentração média de 0,85 mg/L, contra 0,56 mg/L com ausência de chuvas. A figura 5.7 ilustra as variações na concentração de Fe em relação à pluviosidade. Para Mor