unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP VITÓRIA HELLEN HOLANDA OLIVEIRA ADOLES(SER) E PERTEN(SER): O sofrimento emocional e sua relação com o sentimento de pertencimento escolar em adolescentes ARARAQUARA – S.P. 2025 VITÓRIA HELLEN HOLANDA OLIVEIRA ADOLES(SER) E PERTEN(SER): O sofrimento emocional e sua relação com o sentimento de pertencimento escolar em adolescentes Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, campus de Araraquara, para a obtenção do título de Mestra em Educação Escolar. Linha de Pesquisa: Formação de Professores, Trabalho Docente e Práticas Pedagógicas Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luciene Regina Paulino Tognetta Agência de Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) ARARAQUARA – S.P. 2025 IMPACTO POTENCIAL DESTA PESQUISA Esta pesquisa apresenta impactos relevantes em diversas áreas, contribuindo para avanços científicos, sociais, educacionais e culturais. Cientificamente, amplia a compreensão acerca do bem-estar emocional e pertencimento escolar de adolescentes no contexto escolar, além de evidenciar a correlação negativa entre esses constructos. Socialmente, os resultados destacam a importância da escola como um espaço de promoção do bem-estar emocional; as evidências obtidas podem subsidiar políticas educacionais e estratégias pedagógicas voltadas à criação de ambientes mais acolhedores e inclusivos, contribuindo para a redução do sofrimento emocional e a promoção de uma cultura de paz nas escolas. A pesquisa propõe uma abordagem inovadora ao demonstrar que o pertencimento escolar pode ser um fator protetivo contra o sofrimento emocional, independentemente do tipo de escola. A longo prazo, a aplicação desses conhecimentos pode reduzir custos associados a problemas de saúde mental e evasão escolar, fortalecendo a qualidade do ensino. Os achados contribuem para a discussão global sobre pertencimento escolar e sofrimento emocional, permitindo o diálogo com pesquisas internacionais e a adaptação de políticas educacionais em diferentes países. No contexto nacional, a pesquisa auxilia gestores educacionais e formuladores de políticas na implementação de práticas que promovam um ambiente escolar mais inclusivo e acolhedor, impactando positivamente comunidades locais, regionais e nacionais. Assim, os impactos potenciais desta pesquisa se estendem para além do campo acadêmico, alcançando a sociedade e reforçando a necessidade de políticas e práticas educacionais que fomentem um ambiente escolar seguro e acolhedor para todos. POTENTIAL IMPACT OF THIS RESEARCH This research has a relevant impact in several areas, contributing to scientific, social, educational and cultural advances. Scientifically, it broadens our understanding of the emotional well-being and school belonging of adolescents in the school context, as well as highlighting the negative correlation between these constructs. Socially, the results highlight the importance of the school as a space for promoting emotional well-being; the evidence obtained can support educational policies and pedagogical strategies aimed at creating more welcoming and inclusive environments, contributing to the reduction of emotional suffering and the promotion of a culture of peace in schools. The research proposes an innovative approach by demonstrating that school belonging can be a protective factor against emotional distress, regardless of the type of school. In the long term, the application of this knowledge can reduce costs associated with mental health problems and school drop-outs, strengthening the quality of education. The findings contribute to the global discussion on school belonging and emotional distress, allowing dialogue with international research and the adaptation of educational policies in different countries. In the national context, the research assists educational managers and policymakers in implementing practices that promote a more inclusive and welcoming school environment, positively impacting local, regional and national communities. Thus, the potential impacts of this research extend beyond the academic field, reaching society and reinforcing the need for educational policies and practices that foster a safe and welcoming school environment for all. VITÓRIA HELLEN HOLANDA OLIVEIRA ADOLES(SER) E PERTEN(SER): O sofrimento emocional e sua relação com o sentimento de pertencimento escolar em adolescentes Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, campus de Araraquara, para a obtenção do título de Mestra em Educação Escolar. Linha de Pesquisa: Formação de Professores, Trabalho Docente e Práticas Pedagógicas Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luciene Regina Paulino Tognetta Agência de Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Data da defesa: 24/01/2025 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luciene Regina Paulino Tognetta Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Membro Titular: Prof.ª Dr.ª Telma Pileggi Vinha Universidade Estadual de Campinas Membro Titular: Prof.ª Dr.ª Maria Suzana de Stefano Menin Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Local: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara À Josi e ao Vicente, mãe e pai, por me proporcionarem não somente o ser, mas, genuinamente, o perten(ser). Ao meu amado marido, Peterson, por me permitir constantemente flores(ser). A todas as mulheres que vieram antes de mim e possibilitaram que hoje eu pudesse perten(ser) ao grupo de pesquisadoras, lutando pelo direito de continuar fazendo ciência neste país. AGRADECIMENTOS A gratidão é a memória do coração. Jean-Baptiste Massieu Fazendo jus a um dos constructos da nossa pesquisa, pertencer é o que confere apoio emocional, suporte e sentido essenciais a qualquer ciclo da vida. Isso significa que, se cheguei onde estou hoje, é porque houvera pessoas às quais pertenci; nada mais justo, então, que começar agradecendo por me conferirem suporte, apoio e sentido à vida nesse ciclo da Pós- Graduação. Primeiramente, a Deus, pois sem Ele eu nada seria. Ele, em toda sua bondade, generosidade e graça, tem cuidado de mim em todos os caminhos que escolhi trilhar, dando-me forças e coragem para continuar. À minha amada “mainha”, Josi, por todas as vezes que lutou com unhas e dentes para que eu pudesse ter direito a uma educação de qualidade, por todo o suporte oferecido para que eu sempre pudesse me dedicar aos estudos e sonhar com o futuro e, simplesmente, por existir. Ao meu amado “painho”, Vicente, por todas as vezes que, em seu único dia de folga na semana, levou-me para andar de bicicleta ou patins, brincar de bola, ir ao parque, passear no shopping etc. Ensinaram-me os valores da educação, do amor, da justiça, do respeito, da solidariedade e da perseverança; por isso e muito mais, minha eterna gratidão. Ao meu grande amor, melhor amigo, companheiro e, para minha sorte, marido, Peterson Henrique, por toda a paciência que teve comigo durante este processo e pelo equilíbrio, mansidão e tranquilidade que me trouxe e me ensinou nessa jornada. Por todas as vezes que, carinhosamente, confortou-me com palavras de incentivo, persistência e coragem. Motivação para que eu seja uma pessoa melhor a cada dia. A você, minha eterna gratidão, pois seu amor, cuidado e apoio incondicionais possibilitaram que eu chegasse até aqui. À minha querida orientadora, Prof.ª Dr.ª Luciene Regina Paulino Tognetta, por ser sempre uma fonte de inspiração. Você me aceitou, acolheu e ensinou com tamanha generosidade que, por essas e outras coisas (as quais passaria páginas e páginas enumerando), representa, para mim, aquele amor não-romântico, amor de alma, que motiva, inspira e instiga. Por todas as vezes que acreditou e confiou em mim. Às minhas “irmãs mais velhas” e amigas, Dr.ᵃ Darlene Ferraz Knoener, por todas as vezes que me estendeu sua generosidade com gestos, ações e palavras. Por todos os ensinamentos, conselhos e alentos nos momentos difíceis, incertos e tempestuosos, você é inspiração, calmaria e quietude; doutoranda Sanderli Aparecida Bicudo Bomfim, pelo apoio em todos os momentos, não só na pesquisa, mas na vida. Partilhando ensinamentos, experiências e perspectivas, inspirando-me mais a cada dia. Ao meu “irmão mais velho”, Dr. Raul Alves de Souza, pelo exemplo de firmeza e ternura que em tantos momentos precisei. Sempre disposto a partilhar o aprendizado e a vida, você é inspiração. À minha parceira e amiga, doutoranda Talita Bueno Salati Lahr, por todos os momentos que, gentilmente, estendeu-me as mãos para acolher, os ouvidos para escutar e a paciência para entender e tranquilizar. Você me inspira a ser forte, resiliente e persistente, sempre com muita doçura. Às minhas amigas, doutoranda Natália Cristina Pupin Santos, que sempre divide comigo, não só essa jornada da Pós-Graduação, mas também de trabalho e de vida, e a doutoranda Deise Maciel de Queiroz, pelo exemplo de competência, dedicação e amabilidade. À minha amiga e parceira, Beatriz Fogarin, pela sua gentileza nos momentos de angústia, a frase que me disse quando tive medo de não conseguir reverbera em mim para sempre: “lembre-se que um ano atrás você sonhava em estar onde você está hoje, você vai conseguir”. Pela sua amizade e apoio, minha gratidão. Ao SUPERgrupo bullying, pelo apoio, partilha e generosidade em todos os momentos que precisei, dividindo conquistas e desafios. Minha gratidão às mestras Fernanda Issa e Lidia Morcelli Duarte, às doutorandas Danila Di Pietro e Elvira Maria Pimentel Parente, às mestrandas Elisa Taboada e Ana Beatriz de Carvalho e ao especialista Fabiano Bellini. Vocês são essenciais, não somente durante a pesquisa, mas também em meu desenvolvimento enquanto pessoa, professora e formadora de professoras e professores. A todo o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM) e às pessoas que dele fazem parte, representadas pelas Prof.ª Dr.ª Telma Pileggi Vinha e Prof.ª Dr.ª Maria Suzana de Stefano Menin, que sempre foram fonte de inspiração na busca por uma educação promotora de pertencimento e bem-estar emocional para toda e qualquer criança e adolescente, além das quais tive a honra de contar como banca examinadora deste trabalho. Ao GEPEM II, por ser um grupo de estudos repleto de pessoas engajadas com uma educação que considere a formação da autonomia não só pelo desenvolvimento cognitivo, mas também afetivo das crianças e adolescentes, a partir da concepção da Epistemologia Genética Piagetiana, agradeço pelas ricas discussões e aprendizados durante esse período. Ao Grupo de Estudos sobre Raça e Gênero (GERAGE), pelas preciosas conversas, debates e aprendizados acerca das noções de raça e gênero, proporcionando uma tomada de consciência sobre nosso papel na luta contra toda e qualquer desigualdade social. À minha amiga de faculdade e vida, Gabriela Bolato, por se alegrar e comemorar comigo cada nova conquista, ouvir minhas preocupações e gentilmente trazer palavras de conforto e perseverança. Gratidão por não soltar minha mão. Correndo o risco de ter esquecido de mencionar alguém, minha gratidão às pessoas que partilham (ou partilharam em algum momento) comigo esta jornada chamada vida, pois me ensinaram a ser uma pessoa melhor. Por fim, a CAPES, pelo financiamento e recursos essenciais à realização desta pesquisa. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. A todas e todos vocês devo minha gratidão, inspiração e força durante a realização deste trabalho, pois Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós. Antoine de Saint-Exupéry “A educação não é preparação, nem conformidade. Educação é vida, e viver é desenvolver-se, é crescer. Vida e crescimento não estão subordinados a nenhuma outra finalidade, salvo mais vida e mais crescimento. O processo educativo, portanto, não tendo nenhum fim além de si mesmo, é o processo de contínua reorganização, reconstrução e transformação da vida”. (Westbrook; Teixeira, 2010, p. 53) RESUMO Pesquisas nacionais e internacionais indicam o aumento do sofrimento emocional entre adolescentes. Enquanto isso, a literatura destaca a importância do sentimento de pertencimento para o bem-estar de adolescentes, cuja identidade pessoal se fortalece pela inserção em grupos sociais. As pesquisas apontam as dificuldades das escolas em criar ambientes onde os estudantes se sintam pertencentes. Nossa pesquisa investigou a relação entre o sentimento de pertencimento escolar e a frequência de sofrimento emocional entre adolescentes brasileiros. Assim, a pergunta que fizemos enquanto problema de pesquisa foi: haverá uma relação entre a percepção de sentimento de pertencimento escolar e a frequência de sofrimento emocional manifestada por adolescentes de escolas brasileiras? Para responder a esse questionamento traçamos os seguintes objetivos primários: 1) investigar a frequência de sofrimento emocional autopercebida por adolescentes; 2) investigar o sentimento de pertencimento escolar autopercebido por adolescentes; 3) verificar se existe uma relação entre o sentimento de pertencimento escolar e a frequência do sofrimento emocional autopercebidos por adolescentes. E objetivos secundários: 1) verificar se existe diferença entre a frequência de sofrimento emocional e o sentimento de pertencimento escolar autopercebidos por adolescentes que autodeclaram diferentes cor/raça; 2) verificar se existe diferença entre a frequência de sofrimento emocional e o sentimento de pertencimento escolar autopercebidos por adolescentes que autodeclaram diferentes gêneros. Para isso, nossa pesquisa foi quantitativa, exploratória, descritiva e correlacional. Participaram estudantes escolhidas/escolhidos por conveniência, sendo 3.276 adolescentes do 7º ao 9º ano dos Anos Finais do Ensino Fundamental de escolas públicas e particulares brasileiras. O instrumento utilizado foi um questionário disponibilizado online, composto por perguntas fechadas divididas em três conjuntos de itens acerca do perfil das/dos participantes, sobre a percepção do sentimento de pertencimento escolar e, por fim, sobre a frequência de sofrimento emocional. Os resultados encontrados indicam um escore médio de sofrimento emocional moderado (24,62 pontos), com alguns casos extremos, próximos a 100 indicando que deve haver uma preocupação com o bem-estar de adolescentes em sofrimento. Sobre o sentimento de pertencimento, tínhamos uma preocupação preliminar por saber se o contexto seria determinante para definir as relações que encontraríamos; a análise multinível demonstrou que o tipo de escola explica pouca da variação no sentimento de pertencimento evidenciando que este pode ser constructo generalizável, o que possibilitou a continuidade das relações. O escore médio de pertencimento escolar foi alto (69,81 pontos). Constatou-se ainda que a percepção de pertencimento escolar está negativamente correlacionada ao sofrimento emocional, indicando assim que quanto maior o sentimento de pertencimento, menor a frequência de sofrimento emocional, confirmando nossa hipótese inicial. Adolescentes autodeclarados indígenas e não-cisgênero (trans e não-binários) relataram maior sofrimento emocional e menor sentimento de pertencimento, com destaque para as mulheres trans. Estudantes de escolas privadas apresentaram, em média, maior percepção de pertencimento à escola, mas também apresentaram casos mais extremos de ausência desse sentimento. Nossos resultados reforçam a necessidade da escola como espaço de bem-estar emocional para avançarmos na construção de uma cultura de paz. Palavras-chave: Sofrimento emocional; Sentimento de pertencimento escolar; Adolescência; Educação Escolar; Psicologia Moral. RESUMEN Investigaciones nacionales e internacionales indican un aumento del sufrimiento emocional entre adolescentes. Mientras tanto, la literatura destaca la importancia del sentimiento de pertenencia para el bienestar de los adolescentes, cuya identidad personal se fortalece con la inserción en grupos sociales. Las investigaciones señalan las dificultades de las escuelas para crear entornos donde los estudiantes se sientan pertenecientes. Nuestra investigación examinó la relación entre el sentimiento de pertenencia escolar y la frecuencia del sufrimiento emocional entre adolescentes brasileños. Así, la pregunta que formulamos como problema de investigación fue: ¿existe una relación entre la percepción del sentimiento de pertenencia escolar y la frecuencia del sufrimiento emocional manifestado por adolescentes en escuelas brasileñas? Para responder a esta cuestión, establecimos los siguientes objetivos primarios: 1) investigar la frecuencia del sufrimiento emocional autopercibido por adolescentes; 2) investigar el sentimiento de pertenencia escolar autopercibido por adolescentes; y 3) verificar si existe una relación entre el sentimiento de pertenencia escolar y la frecuencia del sufrimiento emocional autopercibido por adolescentes. También establecimos objetivos secundarios: 1) verificar si existen diferencias entre la frecuencia del sufrimiento emocional y el sentimiento de pertenencia escolar autopercibido por adolescentes que se autodeclaran de diferentes colores/razas; 2) verificar si existen diferencias entre la frecuencia del sufrimiento emocional y el sentimiento de pertenencia escolar autopercibido por adolescentes que se autodeclaran de diferentes géneros. Nuestra investigación fue cuantitativa, exploratoria, descriptiva y correlacional. Participaron estudiantes seleccionados por conveniencia, con un total de 3.276 adolescentes de 7.º a 9.º grado de la Enseñanza Fundamental II en escuelas públicas y privadas brasileñas. El instrumento utilizado fue un cuestionario en línea compuesto por preguntas cerradas, divididas en tres bloques: perfil de los/las participantes, percepción del sentimiento de pertenencia escolar y frecuencia del sufrimiento emocional. Los resultados obtenidos indican un promedio moderado de sufrimiento emocional (24,62 puntos), con algunos casos extremos cercanos a 100, lo que sugiere la necesidad de prestar atención al bienestar de adolescentes en situación de sufrimiento. En cuanto al sentimiento de pertenencia, existía una preocupación preliminar sobre si el contexto sería determinante para definir las relaciones encontradas. El análisis multinivel mostró que el tipo de escuela explica poca variación en el sentimiento de pertenencia, evidenciando que este podría ser un constructo generalizable, lo que permitió continuar explorando las relaciones. El promedio del sentimiento de pertenencia escolar fue alto (69,81 puntos). Se constató que la percepción de pertenencia escolar está negativamente correlacionada con el sufrimiento emocional, indicando que a mayor sentimiento de pertenencia, menor frecuencia de sufrimiento emocional, confirmando así nuestra hipótesis inicial. Adolescentes autodeclarados indígenas y no cisgénero (trans y no binarios) reportaron mayor sufrimiento emocional y menor sentimiento de pertenencia, destacándose particularmente las mujeres trans. Estudiantes de escuelas privadas presentaron, en promedio, una mayor percepción de pertenencia escolar, aunque también registraron casos extremos de ausencia de este sentimiento. Nuestros resultados refuerzan la necesidad de que la escuela sea un lugar de bienestar emocional si queremos avanzar en la construcción de una cultura de paz. Palabras clave: Malestar emocional; Sentimiento de pertenencia escolar; Adolescencia; Educación escolar; Psicología moral. ABSTRACT National and international research indicates an increase in emotional distress among adolescents. Meanwhile, the literature highlights the importance of a sense of belonging for adolescents' well-being, as their personal identity is strengthened through integration into social groups. Studies point to the challenges schools face in creating environments where students feel a sense of belonging. Our research investigated the relationship between the sense of school belonging and the frequency of emotional distress among Brazilian adolescents. Thus, our research question was: Is there a relationship between the perception of school belonging and the frequency of emotional distress reported by adolescents in Brazilian schools? To address this question, we outlined the following primary objectives: 1) to investigate the frequency of self-perceived emotional distress among adolescents; 2) to investigate the self-perceived sense of school belonging among adolescents; and 3) to determine whether there is a relationship between the sense of school belonging and the frequency of self-perceived emotional distress among adolescents. Additionally, we established secondary objectives: 1) to determine whether there are differences in the frequency of emotional distress and the sense of school belonging among adolescents who self-identify with different racial/ethnic groups; and 2) to determine whether there are differences in the frequency of emotional distress and the sense of school belonging among adolescents who self-identify with different genders. Our research was quantitative, exploratory, descriptive, and correlational. The participants were selected through convenience sampling, consisting of 3.276 adolescents from 7th to 9th grades in public and private Brazilian schools. The instrument used was an online questionnaire composed of closed- ended questions divided into three sections: participant profile, perception of school belonging, and frequency of emotional distress. The results indicated a moderate average level of emotional distress (24.62 points), with some extreme cases close to 100, suggesting a need for attention to the well-being of adolescents experiencing distress. Regarding the sense of belonging, we had a preliminary concern about whether the context would be a determining factor in shaping the relationships found. Multilevel analysis showed that the type of school accounted for little of the variation in the sense of belonging, suggesting that this may be a generalizable construct, which allowed us to further explore the relationships. The average score for school belonging was high (69.81 points). It was also found that the perception of school belonging is negatively correlated with emotional distress, indicating that the greater the sense of belonging, the lower the frequency of emotional distress, thereby confirming our initial hypothesis. Adolescents who self-identified as Indigenous or non-cisgender (trans and non- binary) reported higher emotional distress and a lower sense of belonging, with trans women standing out in particular. Students from private schools, on average, showed a higher perception of school belonging but also presented extreme cases of absence of this feeling. Our results reinforce the need for the school to be a place of emotional well-being if we are to make progress in building a culture of peace. Keywords: Emotional distress; Feeling of belonging at school; Adolescence; School education; Moral psychology. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Cinco dimensões de bem-estar social.......................................................... 46 Figura 2 – Os problemas de convivência na escola....................................................... 59 Figura 3 – Hierarquia de Necessidades de Maslow (1943)........................................... 74 Figura 4 – Senso de Comunidade (SoC)....................................................................... 75 Figura 5 – Necessidade de pertencer............................................................................. 89 Figura 6 – Modelo de estrutura integrativa para compreender, avaliar e promover o senso de pertencimento.................................................................................................. 92 Figura 7 – Termos-chave que podem ser associados ao pertencimento escolar........... 97 Figura 8 – Possíveis influências ao pertencimento escolar......................................... 100 Figura 9 – Modelo BioPsicoSocioEcológico de Pertencimento Escolar (BPSEM).... 110 Figura 10 – Planejamento preliminar de buscas para revisão de literatura................. 118 Figura 11 – Quadro das pesquisas realizadas no triênio 2024-2026........................... 124 Figura 12 – Escala de sofrimento emocional.............................................................. 149 Figura 13 – Escala de sofrimento emocional (itens invertidos).................................. 151 Figura 14 – Conversar com a família ou com amigos................................................. 152 Figura 15 – Escola particular vs. escola pública com relação ao escore total de sofrimento emocional................................................................................................... 154 Figura 16 – Compilado de reportagens sobre a saúde mental de jovens..................... 156 Figura 17 – Escala de pertencimento escolar.............................................................. 159 Figura 18 – Escala de pertencimento escolar (itens invertidos).................................. 160 Figura 19 – Escola particular vs. escola pública com relação ao escore total da escala de pertencimento escolar................................................................................................... 162 Figura 20 – Escola particular vs. escola pública com relação ao escore do Fator/Dimensão 1 da escala de pertencimento escolar................................................. 163 Figura 21 – Escola particular vs. escola pública com relação ao escore do Fator/Dimensão 2 da escala de pertencimento escolar................................................. 165 Figura 22 – Escola particular vs. escola pública com relação ao escore do Fator/Dimensão 3 da escala de pertencimento escolar................................................. 166 Figura 23 – Escola particular vs. escola pública com relação ao escore do Fator/Dimensão 4 da escala de pertencimento escolar................................................. 168 Figura 24 – Diagrama de dispersão (subplots)............................................................ 171 Figura 25 – A constituição da identidade.................................................................... 174 Figura 26 – Escore total de sofrimento emocional vs. cor/raça................................... 178 Figura 27 – Compilado de reportagens sobre casos de racismo em escolas no Brasil 179 Figura 28 – Escore total do sentimento de pertencimento escolar vs. raça................. 181 Figura 29 – Escore do Fator/Dimensão 1 do sentimento de pertencimento escolar vs. raça................................................................................................................................ 182 Figura 30 – Escore do Fator/Dimensão 2 do sentimento de pertencimento escolar vs. raça................................................................................................................................ 184 Figura 31 – Escore do Fator/Dimensão 3 do sentimento de pertencimento escolar vs. raça................................................................................................................................ 185 Figura 32 – Escore do Fator/Dimensão 4 do sentimento de pertencimento escolar vs. raça................................................................................................................................ 186 Figura 33 – Escore total de sofrimento emocional vs. gênero.................................... 190 Figura 34 – Escore total do sentimento de pertencimento escolar vs. gênero............. 194 Figura 35 – Escore do Fator/Dimensão 1 do sentimento de pertencimento escolar vs. gênero........................................................................................................................... 195 Figura 36 – Escore do Fator/Dimensão 2 do sentimento de pertencimento escolar vs. gênero........................................................................................................................... 196 Figura 37 – Escore do Fator/Dimensão 3 do sentimento de pertencimento escolar vs. gênero........................................................................................................................... 198 Figura 38 – Escore do Fator/Dimensão 4 do sentimento de pertencimento escolar vs. gênero........................................................................................................................... 199 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Recursos pessoais que facilitam o desenvolvimento positivo dos jovens...... 35 Quadro 2 – Principais descritores nos três idiomas pesquisados..................................... 119 Quadro 3 – Itens sobre perfil........................................................................................... 125 Quadro 4 – Itens sobre pertencimento escolar................................................................. 127 Quadro 5 – Itens sobre sofrimento emocional................................................................. 129 Quadro 6 – Composição dos fatores................................................................................ 137 Quadro 7 – Itens de cada composição de fatores............................................................. 137 Quadro 8 – Denominação dos fatores/dimensões............................................................ 138 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Categorias de análise de Speranza (2021)...................................................... 123 Tabela 2 – Matriz de correlação policórica...................................................................... 135 Tabela 3 – Cargas fatoriais e comunalidade considerando um fator único...................... 135 Tabela 4 – Cargas fatoriais e comunalidade considerando quatro fatores....................... 136 Tabela 5 – Consistência interna (após inversão dos itens Q23, Q26, Q29, Q32 e Q36).................................................................................................................................. 136 Tabela 6 – Pontuações das questões do instrumento de pertencimento escolar.............. 138 Tabela 7 – Pontuações das questões do instrumento de sofrimento emocional.............. 140 Tabela 8 – Escore total do instrumento de sofrimento emocional................................... 148 Tabela 9 – Comparações quanto ao escore de sofrimento emocional por dependência administrativa.................................................................................................................... 153 Tabela 10 – Escores do instrumento de pertencimento escolar por composição de fatores................................................................................................................................ 158 Tabela 11 – Comparações quanto ao escore total de pertencimento escolar por dependência administrativa............................................................................................... 161 Tabela 12 – Relações entre os escores de pertencimento escolar e sofrimento emocional.......................................................................................................................... 170 Tabela 13 – Relação entre os escores de pertencimento escolar e o escore de sofrimento emocional nas diferentes cor/raça autodeclaradas............................................................ 176 Tabela 14 – Comparações quanto ao escore de sofrimento emocional vs. cor/raça........ 177 Tabela 15 – Comparações quanto ao escore total de pertencimento escolar vs. cor/raça............................................................................................................................. 180 Tabela 16 – Relação entre os escores de pertencimento escolar e o escore de sofrimento emocional nos diferentes gêneros autodeclarados............................................................ 188 Tabela 17 – Comparações quanto ao escore de sofrimento emocional vs. gênero.......... 189 Tabela 18 – Comparações quanto ao escore total de pertencimento escolar vs. gênero............................................................................................................................... 193 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Distribuição por dependência administrativa da escola................................ 145 Gráfico 2 – Distribuição por gênero................................................................................. 146 Gráfico 3 – Distribuição por cor/raça............................................................................... 146 Gráfico 5 – Percentual de respostas ao item 39 em “sempre” e “muitas vezes” por gênero................................................................................................................................ 201 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABRADISTI – Associação Brasileira de Distribuição de Tecnologia e Informação AFE – Análise Fatorial Exploratória APA – American Psychological Association BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações BNCC – Base Nacional Comum Curricular BPSEM – Bio-Psycho-Socio-Ecological Model CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CECOVI – Centro de Combate à Violência Infantil CIEB – Centro de Inovação para a Educação Brasileira CDC – Centers for Disease Control and Prevention DATASUS – Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde DPCA – Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente EB – Escore bruto ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente EUA – Estados Unidos da América FCLAR – Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística iCASM – Índice Cactus-Atlas de Saúde Mental ICC – Coeficiente de Correlação Intraclasse IdEA – Instituto de Estudos Avançados LACRI – Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados OMS – Organização Mundial da Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PeNSE – Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar PE – Pertencimento Escolar PNUD – Programa das Nações Unidas PRISMA – Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses PSSMS – Psychological Sense of School Membership Scale RAPS – Rede de Atenção Psicossocial Rho – Coeficiente de Correlação de Spearman SAI – Sistema de Apoio entre Iguais SIPANI – Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância SoC – Sense of Community SE – Sofrimento Emocional TALE – Termo de Assentimento Livre e Esclarecido TICs – Tecnologias da Informação e Comunicação TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância VPN – Virtual Private Network SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 24 2 ADOLES(SER): PASSAGENS PELA CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE E O SOFRIMENTO EMOCIONAL ............................................................................................ 34 2.1 ADOLESCÊNCIAS E SUAS TECITURAS ............................................................................. 34 2.2 ADOLESCER OU ADOECER? OS SOFRIMENTOS EMOCIONAIS NA ADOLESCÊNCIA......... 39 2.2.1 Violências que destroem: o bullying e outros problemas escondidos ..................... 54 2.2.2 Solidão: a dor de não pertencer .............................................................................. 61 2.3 O AMBIENTE ESCOLAR COMO ESPAÇO DO (SER): PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DO BEM- ESTAR EMOCIONAL ............................................................................................................... 66 3 PERTEN(SER): O SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO DE ADOLESCENTES À ESCOLA .................................................................................................................................. 73 3.1 O INÍCIO DO SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO COMO SENSO DE COMUNIDADE ...................................................................................................................... 73 3.2 O SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO COMO MOTIVAÇÃO HUMANA FUNDAMENTAL ... 81 3.3 O SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO ESCOLAR NA ADOLESCÊNCIA ............................. 95 3.4 DESAFIOS E POSSIBILIDADES À CONSTRUÇÃO DO SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO ESCOLAR ............................................................................................................................. 107 4 O MÉTODO ....................................................................................................................... 117 4.1 A REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ......................................................................................... 117 4.2 A PESQUISA ................................................................................................................... 123 4.2.1 Os objetivos da pesquisa ....................................................................................... 134 4.3 A ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................. 134 4.3.1 A busca por evidências de validação dos instrumentos de investigação; quanto ao instrumento de pertencimento escolar ............................................................................ 134 4.3.2 Quanto ao instrumento de sofrimento emocional.................................................. 140 4.3.3 A análise multinível: desvendando as camadas .................................................... 142 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO....................................................................................... 145 5.1 O PERFIL DAS/DOS PARTICIPANTES ............................................................................. 145 5.2 QUANTO AOS OBJETIVOS DA PESQUISA ........................................................................ 147 5.2.1 Objetivo 1. Investigar a frequência de sofrimento emocional autopercebida por adolescentes .................................................................................................................... 147 5.2.2 Objetivo 2. Investigar o sentimento de pertencimento escolar autopercebido por adolescentes .................................................................................................................... 157 5.2.3 Objetivo 3. Verificar se existe uma relação entre o sentimento de pertencimento escolar e a frequência do sofrimento emocional entre adolescentes ............................. 169 5.2.4 Objetivo 4. Verificar se existe diferença entre a frequência de sofrimento emocional e o sentimento de pertencimento escolar autopercebidos por adolescentes que autodeclaram diferentes cores/raça ............................................................................... 175 5.2.5 Objetivo 5. Verificar se existe diferença entre a frequência de sofrimento emocional e o sentimento de pertencimento escolar autopercebidos por adolescentes de diferentes gêneros ........................................................................................................... 188 5.3 LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES FUTURAS ................................................................... 202 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 205 REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 210 APÊNDICES ......................................................................................................................... 241 APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) ................. 241 APÊNDICE B – TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TALE) .................... 246 APÊNDICE C – INSTRUMENTO DA PESQUISA .................................................................... 248 APÊNDICE D – ESTIMATIVAS DO MODELO INCONDICIONAL SEM PREDITORES NA PREDIÇÃO DE PERTENCIMENTO ESCOLAR .............................................................................................. 263 APÊNDICE E – ESTIMATIVAS DO MODELO INCONDICIONAL SEM PREDITORES NA PREDIÇÃO DO SOFRIMENTO EMOCIONAL ............................................................................................... 264 ANEXOS................................................................................................................................ 265 ANEXO A – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP .......................................................... 265 1 A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. Hannah Arendt 1 Fonte: Freepik (2024). Disponível em: https://www.freepik.com/free-vector/think-outside-box-concept- illustration_38321960.htm#&position=41&from_view=author&uuid=df7934fe-9b3b-4ac6-acb9- a10d9d5be453. Acesso em: 28 fev. 2024. https://www.freepik.com/free-vector/think-outside-box-concept-illustration_38321960.htm#&position=41&from_view=author&uuid=df7934fe-9b3b-4ac6-acb9-a10d9d5be453 https://www.freepik.com/free-vector/think-outside-box-concept-illustration_38321960.htm#&position=41&from_view=author&uuid=df7934fe-9b3b-4ac6-acb9-a10d9d5be453 https://www.freepik.com/free-vector/think-outside-box-concept-illustration_38321960.htm#&position=41&from_view=author&uuid=df7934fe-9b3b-4ac6-acb9-a10d9d5be453 24 1 INTRODUÇÃO Pensando a escola como um ambiente promissor ao desenvolvimento pleno de alunas e alunos, Villela e Archangelo (2013) propõem o conceito de “escola significativa”. Para o autor e a autora2, “trata-se da escola em que o aluno se sente acolhido, reconhecido e pertencendo ao grupo escola e na qual ele se realiza pelo que aprende e pelas relações interpessoais que estabelece” e, ainda, “[...] é a escola que lhe permite constituir sentidos marcantes e abrangentes sobre suas mais variadas experiências e atividades, o que favorece seu desenvolvimento amplo” (Villela; Archangelo, 2013, p. 21). Segundo Oberle, Schonert-Reichl e Zumbo (2011), as dimensões de um ambiente favorável ao desenvolvimento positivo de adolescentes incluem profissionais atenciosos e solidários, um forte sentimento de pertencimento à escola, amizades com colegas pró-sociais e a vivência em uma comunidade que forneça apoio. Corroboramos esse ideal de escola significativa e tivemos em vista compreender mais profundamente os aspectos que perpassam esse conceito, isto é, nos indagando: quais fatores atuam na promoção de um ambiente em que estudantes se sintam acolhidos, reconhecidos e pertencentes? A ausência da percepção desses sentimentos pode acarretar danos parciais e severos à construção da identidade adolescente e provocar sofrimentos emocionais? Essas são algumas das respostas que buscamos. As condições sócio-históricas e culturais que temos vivido nos convida a pensar sobre o conceito de adolescência ou, como preferimos, adolescências. No plural, pois como veremos ao longo da segunda seção, o conceito de adolescência é uma construção psicossocial e cultural, indo muito além dos aspectos puramente biológicos. Infelizmente, as adolescências são alvo de grande estereotipação, isto é, uma “generalização que reflete nossas impressões e crenças a respeito de uma categoria ampla de pessoas” (Santrock, 2013, p. 40). O pesquisador Santrock (2013) afirma ser árduo abandonar um estereótipo depois de adotá-lo e, consequentemente, adolescentes tendem a se tornar o que esperamos deles. Tais estereótipos advém dos conceitos elaborados com generalizações a partir da visão de grupos limitados de adolescentes, mas com 2 Em nosso trabalho, visamos cuidar de uma questão que nos é cara: a representatividade feminina. Desse modo, buscamos utilizar, na maior parte das vezes, uma linguagem inclusiva, que não exclua, inviabilize ou diminua algum grupo. Por isso, optamos por não utilizar a chamada linguagem neutra que, em sua realidade, evidencia as marcações de gênero masculinas e suprime as femininas, mas sim uma linguagem que evidencie ambos os gêneros quando isso se faz possível. Para nós, tal importância reside no fato de que é necessário compreender que a forma como nos comunicamos influencia na forma como pensamos. Em vistas disso, objetivamos, em sua maioria, utilizar termos neutros como “docentes” e “estudantes”, contudo, em sua impossibilidade, utilizamos os termos no feminino e masculino, sem suprimir com “(as/os)”, por compreender que, ainda assim, um gênero seria priorizado em detrimento do outro. Semelhantemente, optamos por manter o primeiro nome das autoras e autores sem abreviação nas referências finais para evitar o silenciamento das vozes femininas em suas vastas participações em produções científicas. 25 grande visibilidade; é o que Adelson (1979) chamou de “lacuna de generalização adolescente”. Grande parte dessas crenças reside na compreensão de adolescência como um período de “turbulência e estresse” (Hall, 1904). Entretanto, Offer e Schonert-Reichl (1992), em um estudo transcultural, não encontraram embasamento para essa visão tão negativa da adolescência. Alguns estereótipos exacerbadamente atribuídos a adolescentes são, por exemplo, “eles são preguiçosos”, “eles estão todos nas drogas”, “eles são muito individualistas” etc. Ilusoriamente algumas pessoas preferem acreditar nessa visão do adolescer, mesmo que evidências positivas mostrem o contrário, como jovens que se engajam em causas sociais, em ações de protagonismo juvenil, prestam serviços comunitários etc., por acreditarem ser apenas exceções (Youniss; Ruth, 2002). Os estudos que acabamos de mencionar datam, aproximadamente, 20 anos. Interessantemente tais estereótipos ainda perduram atualmente quando o assunto é adolescência. Vemos, por vezes, pessoas se referirem a esse grupo etário como “aborrecentes”. Ora, essa visão pode minar os esforços da juventude para provar que são generosos, solidários e justos e, consequentemente, legitimar comportamentos autodestrutivos ou disruptivos, afinal, é o que se espera deles. Quando atribuímos esses estereótipos às adolescências estamos também, segundo Ozella e Aguiar (2008, p. 99), “atribuindo significações (interpretando a realidade) com base em realidades sociais e em 'marcas', significações essas que serão referências para a constituição dos sujeitos”. Nesse sentido, para Aguiar, Bock e Ozella (2001), [...] como parceiro social, está ali, com suas características, que são interpretadas nessas relações; tem, então, o modelo para sua construção pessoal. Construídas as significações sociais, os jovens têm a referência para a construção de sua identidade e os elementos para a conversão do social em individual (p. 168). A adolescência é uma fase do desenvolvimento humano, logo, adolescentes não são miniadultos ou apenas mais evoluídos que as crianças. Adolescentes são seres em pleno progresso de conceitos, identidades e especificidades, mediatizados por um contexto social, histórico, econômico e cultural. A construção de uma subjetividade adolescente se materializa nas relações concretas, como uma unidade integradora; logo, se torna imprescindível considerar as variáveis de raça, classe, gênero, cultura e idade (Ozella; Aguiar, 2008). 26 Objetivamos demonstrar a relevância do cuidado ao tratarmos das adolescências, haja vista que tais crenças subjetivas podem atuar como inibidoras ou mantenedoras da ação3 (Knoener, 2023), inconscientemente nos dirigindo a uma inércia diante dos fatores de risco que expõem a juventude a problemas em bem-estar físico e emocional, afinal, “eles não têm jeito mesmo!”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) relata que os problemas de saúde mental são uma das principais causas de incapacidade entre adolescentes em todo o mundo. Estima-se que aproximadamente 10-20% de adolescentes enfrentem desafios de saúde mental em determinado momento (OMS, [s/d]). De acordo com a OMS os transtornos de ansiedade, depressão e uso de substâncias são alguns dos problemas de saúde mental mais comuns entre os adolescentes. Existe uma série de fatores de risco que podem contribuir para problemas de saúde mental na adolescência, incluindo ausência de apoio familiar, educação autoritária, cobranças excessivas por desempenho acadêmico, bullying, cyberagressões e outros tipos de violência, uso de substâncias psicoativas, traumas, desigualdades sociais, discriminações, exclusões sociais, estigmas e experiências adversas na infância (OMS, [s/d]). Os problemas de saúde mental na adolescência podem ter sérias consequências a curto e longo prazo, incluindo impactos no funcionamento social, acadêmico e familiar, além de um maior risco de problemas de saúde mental na idade adulta (OMS, [s/d]). Muito se fala em saúde mental na escola atualmente, ainda mais depois da pandemia da COVID-19 que assolou o mundo em 2020, portanto, consideramos imprescindível justificar nossa escolha pelo termo “sofrimento emocional” (Tognetta, 2022) ao invés de “saúde mental” para nos referir àquilo que cabe à atuação da escola. Quando falamos de saúde mental, as primeiras memórias que podem vir à mente da leitora e do leitor são aquelas ligadas à saúde como, terapia, medicamento, tratamento etc. Com isso, ao utilizar essa expressão para se referir ao cuidado que a escola deve ter com suas alunas e alunos, corremos o risco de que essa instituição não reconheça a corresponsabilidade da sua atuação na promoção de bem-estar de suas/seus estudantes, em função de não ser papel da escola tratar (do ponto de vista clínico), medicar e patologizar as infâncias e juventudes. Além disso, esse cuidado é necessário, pois os estudos em saúde mental correm o risco de permanecerem no caráter de diagnóstico psiquiátrico 3 De acordo com Knoener (2023), teorias subjetivas referem-se a um conjunto de organizações cognitivas que cada pessoa construiu com base em suas experiências individuais e coletivas. Esses sistemas ajudam a ordenar e dar sentido às suas experiências e a orientar comportamentos. Essas construções são moldadas por crenças, valores e saberes, as quais possuem tanto um componente social quanto individual, influenciando a construção de significados e, consequentemente, as ações ou inações do sujeito. No caso dos docentes, as teorias subjetivas podem servir para inibir, manter ou iniciar ações diante das demandas escolares, sendo, portanto, um fator importante na qualidade do trabalho pedagógico e no enfrentamento de situações cotidianas na escola. 27 e cuidados individualizantes, sem debater os diversos contextos em que as adolescências estão inseridas e o papel da sociedade como um todo (Rossi et al., 2019). Isso posto, a partir deste momento faremos a utilização do termo sofrimento emocional para nos referir àquilo que se expressa nas mais diversas manifestações de alunas e alunos diariamente no ambiente escolar quando há ausência de bem-estar: agressões, violências, exclusões, desigualdades etc.; essas são expressões de um sofrimento que, inerentemente, se externa no meio escolar e, consequentemente, não pode ser tratado como um problema apenas para além de seus muros (Tognetta, 2020; 2022). O pressuposto teórico que fundamenta nosso estudo é o de Jean Piaget, biólogo, psicólogo e epistemólogo suíço responsável pela criação de uma extensa produção acerca do desenvolvimento infantojuvenil – a Epistemologia Genética, investigou como o ser humano conhece e se desenvolve do ponto de vista cognitivo e afetivo, pois, de acordo com seu pressuposto, cognição e afetividade são invariantes psicológicos, isto é, independente da fase do desenvolvimento em que uma pessoa se encontra, esses dois fatores estão presentes de maneira indissociável (Piaget, 1967). Os estudos de Piaget (1967; 1932/1994) lançam luz sobre as discussões do desenvolvimento e do conhecimento na infância e adolescência. Segundo o autor, para se conhecer o adulto é preciso que se conheça a criança e seu processo de desenvolvimento. Em função disso, na seção em que nos debruçamos na compreensão da adolescência (seção dois), traçamos também algumas considerações sobre a infância no contexto brasileiro. Em sua teoria, Piaget exemplifica o papel do ser humano sobre o conhecimento: a ação. Para ele, só é possível haver aprendizado se houver uma interação de qualidade entre sujeito e meio (tudo aquilo que não é o sujeito) (Piaget, 1967). Esse ideal corrobora nossa teoria sobre a promoção de um ambiente escolar qualificado como promotor de bem-estar: para que a escola seja espaço de bem-estar é preciso que haja a participação ativa de adolescentes nas tomadas de decisão, momentos de escuta e de replanejamento, e é preciso que tenham oportunidades de serem reconhecidas e reconhecidos como pessoas de valor para, então, perten(serem). Assim, o título de nossa dissertação se expressa por uma composição lexical, haja vista que “adoles(ser)” é uma palavra formada pela composição das palavras “adolescer” e “ser”, concomitantemente, “perten(ser)” é uma palavra formada por composição, combinando as palavras “pertencer” e “ser”. Esse tipo de formação é comum na língua portuguesa e é uma maneira de criar novas palavras para expressar conceitos específicos ou nuances de significado. Nossa pretensão com tal composição é que a leitora ou leitor seja convidada e convidado a 28 compreender que, indissociavelmente, adolescer e pertencer são duas faces da mesma moeda: a busca pelo significado da vida, pelo seu lugar no mundo, pela sua forma de “ser”. Discorreremos, agora, um pouco mais sobre a estrutura da nossa produção. Nosso trabalho está dividido em duas seções teóricas, sendo elas, a primeira sobre as adolescências e o sofrimento emocional e, a segunda, sobre o sentimento de pertencimento escolar em adolescentes, ambos frutos da extensa revisão bibliográfica que realizamos para esta pesquisa e para o conjunto de investigações coordenadas pela Prof.ª Dr.ª Luciene Tognetta, do qual discorremos na seção seguinte; a seção do método, com a descrição da pesquisa, revisão bibliográfica, objetivos e análise dos dados; em seguida, a seção dos resultados e sua discussão e, por fim, a seção das considerações finais com as principais tecituras da pesquisa. Apresentaremos, a seguir, um pouco mais sobre as ideias expressas nas seções teóricas. Em nossa segunda seção, intitulada “Adoles(ser): passagens de uma construção de identidade e o sofrimento emocional”, abordamos a compreensão das adolescências por diferentes autoras e autores, exploramos esse conceito e visamos levantar dados e informações de diversas pesquisas acerca dessa faixa etária. Além disso, versamos sobre algumas das possíveis causas de sofrimento emocional nas diferentes adolescências, haja vista a relação direta dessa fase do desenvolvimento com as questões sociais, econômicas, culturais e emocionais. Consideramos imprescindível conceituar essas adolescências e contextualizá-las, pensando quais aspectos impactam a constituição das identidades na lógica do mundo pós- moderno (Bauman, 2001; 2021), em que “se tornaram processos instáveis, incertos e transitórios, resultando na fragilização dos vínculos e das relações humanas” (Souza, 2023, p. 47). Relatamos nesta seção sobre algumas das possíveis causas de sofrimento emocional entre adolescentes como, por exemplo, os diversos tipos de violência: relacional, maus-tratos psicológicos, bullying, cyberagressões; e os sentimentos ocasionados pela solidão, exclusão e isolamento sociais, desigualdades, inseguranças, entre outras. Segundo Oberle, Schonert-Reichl e Zumbo (2011), estudos recentes comprovaram que a escola, família, amizades e a comunidade que fornecem apoio são essenciais para o desenvolvimento positivo e o bem-estar na adolescência. Descrevemos em nossa segunda seção teórica que, na ausência desses diferentes fatores de apoio, há a presença de manifestações de sofrimento emocional, sejam eles externalizantes ou internalizantes. Para as autoras e autor, altos níveis de conexão com a escola estão associados a fatores de proteção para jovens, estando positivamente correlacionada à autoestima, engajamento e desempenho acadêmicos, à motivação e adaptação à escola. Em contrapartida, baixos níveis de conexão com a escola foram associados a maiores riscos de vitimização por parte de colegas (Skues et al., 2005; Young, 29 2004) e sintomas depressivos na adolescência (Shocket et al., 2006). Assim, “experimentar um forte sentimento de pertencimento e conexão à escola pode, assim, ser considerado um fator crítico no desenvolvimento positivo geral de jovens, contribuindo para o bem-estar social e emocional e para o crescimento acadêmico no início da adolescência” (Oberle; Schonert- Reichl; Zumbo, 2011, p. 890, tradução nossa). Quando digitamos “adolescentes felizes” no Google Imagens ou qualquer outra plataforma de busca, a quase totalidade das imagens que aparecem são de adolescentes em grupos, com seus pares. Ora, é sabido que desde os primórdios a espécie humana buscava a vivência em grupos como meio de garantir a própria sobrevivência, o que inculcou tal processo em nossa herança evolutiva (Baumeister; Leary, 1995), de tal modo que pertencer a um grupo confere formação de sentido à vida (Stillman; Baumeister, 2009). E, semelhantemente, uma pesquisa (Gilman; Huebner, 2003) comprovou que altos níveis de satisfação com a vida estão positivamente associados a relações interpessoais positivas com colegas e familiares e esperança, e negativamente associados a sintomas internalizantes como depressão, ansiedade e comportamentos disruptivos. Esses dados nos revelam que a ausência de uma quantidade mínima e de qualidade de relacionamentos interpessoais que proporcionem o sentimento de pertencimento ao grupo tem potencial de intervir nos estados emocionais de adolescentes, gerando sofrimento (Baumeister; Leary, 1995). O que vimos em nossa revisão bibliográfica é que quaisquer situações que frustrem o sentimento de pertencimento de uma pessoa – violências de todos os tipos, desigualdades, inseguranças etc., se apresentam como possíveis fatores de risco ao desenvolvimento de problemas emocionais. A partir da compreensão dos construtos que nos propomos investigar, nosso problema de pesquisa é: haverá uma relação entre a percepção de sentimento de pertencimento escolar e a frequência de sofrimento emocional manifestada por adolescentes de escolas brasileiras? Nossa hipótese é de que, alunas e alunos que apresentam maiores índices de sofrimento emocional apresentam, também, a percepção de um sentimento mais fraco de pertencimento à escola e, inversamente, alunas e alunos que apresentam a percepção de um maior sentimento de pertencimento à escola apresentarão, da mesma forma, menores índices de sofrimento emocional. Isso porque um pressuposto teórico básico é o de que, tanto o desenvolvimento saudável quanto o bem-estar estão intrinsecamente relacionados a um forte senso de pertencimento, conexão e participação em grupos sociais (Baumeister; Leary, 1995). É essa hipótese que exploramos a partir da revisão bibliográfica na seção três, intitulado “Perten(ser): o sentimento de pertencimento de adolescentes à escola”. Nele, dissertamos sobre 30 pesquisas que investigaram a relação humana com o sentimento de pertencimento e as consequências, positivas e negativas, da percepção de um sentimento de pertencimento forte a grupos sociais. Tendo em vista o lócus de nossa pesquisa, investigamos como acontece a promoção desse sentimento à escola, quais suas potencialidades para o bem-estar de adolescentes e as consequências ao bem-estar físico e emocional diante de sua ausência. Com o intuito de atender os objetivos propostos e confirmar (ou não) nossas hipóteses iniciais, nossa quarta seção é dedicada ao método. Nele apresentamos o caráter correlacional de nossa pesquisa, por ir além da mera descrição dos fenômenos, buscando descrever a força de relação entre dois construtos (Santrock, 2013): sofrimento emocional e pertencimento escolar. Objetivamos atendê-los por meio de uma abordagem de natureza quantitativa, haja vista a necessidade de observar, analisar e registrar os dados, correlacionando com os fatos ou fenômenos (Gil, 2002). A análise dos dados será feita a partir da análise fatorial, pois ela “fornece as ferramentas para analisar a estrutura das inter-relações (correlações) em um grande número de variáveis, definindo conjuntos de variáveis que são fortemente inter-relacionadas”, visando “buscar e definir os construtos fundamentais ou dimensões assumidas como essenciais às variáveis originais” (Pereira et al., 2019, p. 4). Utilizamos também a análise multinível visando captar as relações entre os níveis individual e grupal, posto que os dados podem possuir uma estrutura hierárquica, como estudantes inseridos em diferentes contextos escolares. Essa abordagem permitiu examinar tanto os efeitos das variáveis individuais quanto as influências contextuais sobre o pertencimento escolar e o sofrimento emocional. Desejávamos saber, tratando-se de um constructo novo em nossas investigações, se o sentimento de pertencimento estaria relacionado ao contexto vivenciado diretamente pelos sujeitos participantes da pesquisa. Para tanto, nossa amostra foi escolhida por conveniência e composta por 3.276 adolescentes, meninas e meninos, do 7º ao 9º ano dos Anos Finais do Ensino Fundamental de escolas públicas e particulares brasileiras. O instrumento utilizado foi um questionário disponibilizado online, por meio do app formulários4 da Google, composto por perguntas fechadas divididas em três conjuntos de itens. O primeiro conjunto de itens foi composto por seis questões de perfil dos estudantes. Em seguida, o segundo conjunto consistiu em 17 (dezessete) questões que visam mensurar a percepção de adolescentes sobre seu sentimento de pertencimento à escola; nele, as alunas e alunos foram convidadas/os a classificar cada item em uma escala do tipo Likert de 5 (cinco) pontos, variando de 0 = não é verdade, até 5 = totalmente verdadeiro. E, por fim, o terceiro conjunto contou com 20 (vinte) questões que buscam verificar 4 Mais informações em: https://www.google.com/intl/pt-BR/forms/about/. Acesso em: 19 fev. 2024. https://www.google.com/intl/pt-BR/forms/about/ 31 a frequência de sofrimento emocional em adolescentes, por meio da escolha de uma alternativa que indica o quanto determinada situação aconteceu nos últimos três meses: nunca, poucas vezes, muitas vezes ou sempre. A pesquisa aconteceu com a devida aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/FCLAr), sob número CAAE 68268823.1.0000.5400 (Anexo A), respeitando procedimentos que correspondem aos critérios de ética em pesquisas com seres humanos. No caso de estudantes, as famílias receberam o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) (Apêndice A) e somente as alunas e alunos que tiveram autorização de seus responsáveis responderam ao questionário. No momento da participação, receberam ainda o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) (Apêndice B), podendo desistir sem nenhum prejuízo para a pesquisa ou para a/o participante. Além disso, na seção quatro apresentamos o processo de revisão bibliográfica, nosso problema de pesquisa, como foi realizada a análise dos dados e os objetivos primários traçados para nossa investigação, sendo eles: 1. Investigar a frequência de sofrimento emocional autopercebida por adolescentes. 2. Investigar o sentimento de pertencimento escolar autopercebido por adolescentes. 3. Verificar se existe uma relação entre o sentimento de pertencimento escolar e a frequência do sofrimento emocional entre adolescentes. Além dos objetivos primários, também investigamos alguns objetivos secundários, tendo em vista a necessária relação com o perfil das/dos respondentes para se obter uma análise inclusiva, contemplando certos aspectos sociais, como gênero, raça e dependência administrativa escolar5. São eles: 4. Verificar se existe diferença entre a frequência de sofrimento emocional e o sentimento de pertencimento escolar autopercebidos por adolescentes que autodeclaram diferentes cor/raça. 5. Verificar se existe diferença entre a frequência de sofrimento emocional e o sentimento de pertencimento escolar autopercebidos por adolescentes de diferentes gêneros. A quinta seção descreverá os resultados e discussão, buscando comprovar nossas hipóteses iniciais a partir de uma análise com o devido rigor científico, correlacionando as variáveis de nossa pesquisa com os dados encontrados, fundamentando com as pesquisas 5 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) utiliza o termo “dependência administrativa” para se referir à relação de um determinado lugar (como municípios, distritos etc.) com a administração pública. Neste caso, utiliza esse termo para se referir a: escola pública municipal, escola pública estadual e escola particular. 32 anteriores que investigaram o sentimento de pertencimento escolar e o sofrimento emocional em adolescentes e o nosso referencial teórico. A sexta e última seção será reservada às considerações finais traçadas a partir da pesquisa realizada, suas limitações e possibilidades de investigações futuras, além da verificação do cumprimento dos objetivos propostos. 33 6 O sofrimento emocional dos adolescentes muitas vezes é subestimado ou desconsiderado, mas é tão real e significativo quanto o de qualquer outro grupo etário. Brené Brown 6 Fonte: Freepik (2024). Disponível em: https://br.freepik.com/vetores-gratis/ilustracao-do-conceito-de- depressao_10386538.htm#fromView=search&page=1&position=45&uuid=cbf35ba1-5e6b-42be-a3ce- 169415d5056f. Acesso em: 28 fev. 2024. https://br.freepik.com/vetores-gratis/ilustracao-do-conceito-de-depressao_10386538.htm#fromView=search&page=1&position=45&uuid=cbf35ba1-5e6b-42be-a3ce-169415d5056f https://br.freepik.com/vetores-gratis/ilustracao-do-conceito-de-depressao_10386538.htm#fromView=search&page=1&position=45&uuid=cbf35ba1-5e6b-42be-a3ce-169415d5056f https://br.freepik.com/vetores-gratis/ilustracao-do-conceito-de-depressao_10386538.htm#fromView=search&page=1&position=45&uuid=cbf35ba1-5e6b-42be-a3ce-169415d5056f 34 2 ADOLES(SER): PASSAGENS PELA CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE E O SOFRIMENTO EMOCIONAL 2.1 Adolescências e suas tecituras Caso você esteja preocupado com o que vai ser da geração mais jovem, saiba que ela vai crescer e começar a se preocupar com a geração mais jovem. Roger Allen A adolescência é uma fase que sempre fora compreendida entre dois períodos da vida: a infância e a idade adulta, sendo vista apenas como passagem e uma iniciação, mas que, graças aos avanços no campo científico, tem sido compreendida como uma fase com características próprias e consistentes, repleta de significados e protagonismo (Quiroga; Vitalle, 2013). Apesar das idades exatas que marcam esse período serem determinadas histórica e culturalmente, desse modo variando de sociedade para sociedade, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) (2014) a adolescência é compreendida entre os 10 e 19 anos, sendo a fase inicial dos 10 aos 14 anos (marcada pelos amadurecimentos puberais), e a fase final dos 15 aos 19 anos (iniciação à vida adulta). Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Brasil, 1990), a partir da Lei n.º 8.069/90, considera adolescentes aqueles com idade compreendida entre os 12 e os 18 anos. Tal fase da vida divide opiniões nas pesquisas que se dedicam a desvendar os aspectos biopsicossociais da adolescência. De acordo com Palacios (1995) alguns autores do movimento romântico da literatura alemã têm indicado essa fase da vida como um período de “tormento e drama”, pressupondo que a adolescência seja uma fase “de turbulências, de mudanças dramáticas, de abundantes tensões e sofrimentos psicológicos” (Palacios, 1995, p. 268). Essa visão estigmatizada da adolescência, encontrada no imaginário popular por meio de expressões como “aborrecentes”, dificulta a compreensão das particularidades de tal fase da vida (Robaert; Schonardie, 2017), fazendo com que adolescentes ajam exatamente como esperam que eles ajam, tal qual uma profecia autorrealizável. Profecias autorrealizáveis são crenças ou expectativas que, quando comunicadas a uma pessoa ou grupo, podem influenciar o comportamento dessa pessoa ou grupo de tal maneira que a profecia se torna verdadeira, mesmo que inicialmente não fosse (Merton, 1968). Em outras palavras, uma profecia autorrealizável é uma previsão que se concretiza não porque foi inevitável, mas porque a própria crença na 35 profecia leva as pessoas a agirem de maneira a torná-la realidade. Essas profecias podem ter um impacto significativo em vários aspectos da vida, incluindo desempenho acadêmico, sucesso profissional, relacionamentos interpessoais e bem-estar emocional. Por isso, é importante estar ciente do poder das expectativas e crenças sobre o nosso comportamento e o dos outros (Merton, 1968). Apesar de ser uma fase considerada por algumas pessoas como turbulenta, Santrock (2013) elenca que existem recursos pessoais que são capazes de facilitar o desenvolvimento positivo de adolescentes. Veja no quadro a seguir: Quadro 1 – Recursos pessoais que facilitam o desenvolvimento positivo dos jovens Desenvolvimento intelectual Desenvolvimento psicológico e emocional Desenvolvimento social Conhecimento das habilidades vitais e vocacionais essenciais Bem-estar, incluindo autoestima e autorrespeito Conectividade – boas relações percebidas e confiança nos familiares, colegas e em alguns outros adultos Hábitos racionais da mente – habilidades para pensamento crítico e raciocínio Autorregulação emocional e habilidade de enfrentamento Senso de lugar/integração social – estar conectado e ser valorizado por redes sociais mais amplas Habilidade para tomar decisões Habilidades assertivas de resolução de conflitos Vinculação a instituições pró- sociais/convencionais tais como escola e centros de desenvolvimento para jovens fora da escola Conhecimento profundo de mais de uma cultura Motivação para o domínio e motivação para realizações positivas Habilidade para transitar em múltiplos contextos culturais Conhecimento das habilidades necessárias para transitar entre as múltiplas culturas Crenças positivas de autoeficácia Comprometimento com a cidadania Percepção positiva de desempenho acadêmico Planificação Senso de autonomia pessoal/responsabilidade por si Otimismo associado a realismo Identidade pessoal e social coerente e positiva 36 Valores pró-sociais e culturalmente sensíveis Espiritualidade e/ou senso de propósito na vida Autonomia moral Fonte: Adaptado de Santrock (2013, p. 53). Continuando, autoras e autores da antropologia cultural do início do século XX caminharam em direção contrária à ideia convencional e estigmatizada de adolescência (Palacios, 1995). Segundo Fierro, além de uma visão convencional, também é uma visão romantizada da adolescência, onde aparecem como vulneráveis e suscetíveis aos sentimentos mais intensos e profundos (apud Mantovani de Assis, [s.d.]). Conforme Fierro (1995, apud Mantovani de Assis, [s.d.], p. 37): É possível que seja tanto uma imagem tipicamente romântica da adolescência, mas o romantismo consiste na transposição para a cultura, a arte, a literatura, da consciência e da vivência adolescente: a melancolia pelo passado, pelo paraíso perdido, a contradição dos sentimentos contrapostos, o idealismo e a ânsia de grandiosidade dos projetos. Em todo caso, existe uma inegável afinidade entre a experiência adolescente e a concepção romântica da existência humana. De fato, a adolescência possui uma duração temporal variável a depender da cultura e do meio social. Nesse sentido, angústias podem acometer adolescentes pelos limites mal definidos da adolescência, do que se é esperado deles. Nas palavras de Mantovani de Assis ([s.d], p. 40): O adolescente, antes de qualquer coisa, é o trabalhador em potencial que, no entanto, ainda é um desempregado que continua em situação de estudante e que, com isso, trata de se capacitar para futuras responsabilidades ou, simplesmente, está a espera de conseguir um primeiro emprego. Essas constantes inquietações, unidas à constituição da identidade pessoal, o conceito de si mesmo e as emancipações familiares, podem gerar sofrimentos emocionais, como veremos mais adiante. De acordo com Vitalle e Medeiros (2008, p. 11): A adolescência é um momento da vida absolutamente fértil, de descobertas impressionantes, de criatividade e prazer. Entretanto, ela é também dolorosa, o jovem tem um futuro a ser projetado (o que faz dele um grande sonhador), um passado que deve ser revisto e, consequentemente, um adeus à infância. 37 Jean Piaget teceu as primeiras considerações sobre essa/esse adolescente sonhadora/sonhador ainda em 1967. Para o autor, apesar de adolescentes se sentirem mais próximos dos adultos, ainda não os veem como seus pares, por isso buscam surpreendê-los e espantá-los e, para tanto, desejam transformar o mundo, são os chamados sentimentos ideais (Piaget, 1967). Em função disso, para Piaget (1967, p. 66) “os sistemas ou planos de vida dos adolescentes são, ao mesmo tempo, cheios de sentimentos generosos, de projetos altruístas ou de fervor místico e de inquietante megalomania e egocentrismo consciente”; para o autor, a adolescência é palco de duas conquistas: o pensamento hipotético-dedutivo e a moral autônoma. Em geral, para Piaget (1967) essa fase é marcada pelos desequilíbrios de uma personalidade em formação e, à vista disso, “o adolescente pretende inserir-se na sociedade dos adultos por meio de projetos, de programas de vida, de sistemas muitas vezes teóricos, de planos de reformas políticas ou sociais” (p. 67). Para que possamos compreender essas sucessivas construções do desenvolvimento mental, Piaget (1967) reforça a condição intrínseca da afetividade nesse processo, porquanto, segundo ele, a afetividade é “a mola das ações das quais resulta, a cada nova etapa, esta ascensão progressiva, pois é a afetividade que atribui valor às atividades e lhes regula a energia” (p. 70). Em resumo, não é possível dissociar inteligência e afetividade no processo de desenvolvimento, não só de adolescentes, mas de todo ser humano. Compreender tal alegação é fundamental para se legitimar os processos pelos quais adolescentes passam nessa fase da vida, depreendendo, inclusive, seus sofrimentos, visto que é preciso considerá-la como uma etapa de desenvolvimento cognitivo, sociomoral e emocional (Piaget, 1932/1994). Quando crianças, a família se institui principal fonte de interação social (Brown, 2004) ao ser responsável pela socialização primária na infância. Quando adolescentes, esse núcleo de interações se transfere para os colegas, ou seja, é a partir de um contexto social de apoio entre pares que adolescentes promovem a construção de suas identidades e uma melhora nas interações sociais (Brown, 2004). À escola cabe, assim, a socialização secundária. Nas palavras de Jung, a adolescência é a “época em que o adolescente se dispõe a romper os laços que o prendem à família, para ir viver sua vida própria e independente” (2011, p. 12). Sendo assim, a adolescência é um período de intensas transformações, as/os adolescentes são desafiadas/desafiados a todo momento para determinar quem são, agora como identidades separadas de seus familiares, como irão se encaixar nos diferentes grupos de colegas e nos diferentes contextos socioculturais (Allen; Kern, 2017). Os pares passam a assumir maior tempo e frequência de contato que antes eram da família, fazendo com que essas novas relações desempenhem papel fundamental no desenvolvimento psíquico de adolescentes (Allen; Kern, 38 2017). Logo, as pesquisas indicam que boas amizades são as responsáveis por fornecer o apoio social e a aceitação para adolescentes, que caracteriza uma base para a promoção de bem-estar (Allen; Kern, 2017). A adolescência torna-se uma época de descoberta – correr riscos, experimentar e testar limites – à medida que o jovem entende quem é e como se encaixa em seu mundo. A autoridade e o papel dos pais evoluem. Pode ser um desafio para os pais manter um relacionamento saudável e positivo com seus filhos, pois ocorrem mudanças emocionais, físicas, intelectuais e sociais (Allen; Kern, 2021, p. 89, tradução nossa). Contudo, como afirma Palacios (1995), a adolescência é um produto cultural, isto é, seu caráter mais ou menos turbulento varia conforme as experiências que cada sociedade proporciona a seus membros (Palacios, 1995). Ademais, pode-se dizer que tal caráter passa por uma constituição de subjetividade de cada indivíduo, pois os dados que apresentaremos adiante revelam evasões e abandonos escolares, ideações ou tentativas de suicídio, comportamentos autolesivos, dificuldades de ajustamento social e familiar, condutas violentas etc. que possuem alto potencial de interferir negativamente nessa constituição. Além das disposições culturais e familiares, outras perspectivas, como a aprendizagem social que tem como principal precursor Albert Bandura, questionam o papel das aprendizagens que as crianças fazem ao longo da vida que as preparam (ou deveriam preparar) para uma adolescência mais independente, autônoma e mais instrumentalizada para atender às novas necessidades (Palacios, 1995). Em resumo, para Palacios (1995, p. 271), a perspectiva social coloca em voga o argumento de que “a adolescência é o produto de toda a história evolutiva anterior e que não ocorre ruptura com o passado, nem transformações qualitativas”. Ao analisar os diferentes argumentos utilizados na tentativa de localizar a adolescência (no singular, quando compreendida como uma fase do desenvolvimento humano) em certo espaço, tempo e significado, e encontrar diferentes perspectivas acerca do mesmo constructo julgamos apropriada a utilização do termo “adolescências”, no plural, para nos referir à construção do conceito referente a essa fase da vida tão diversa, que compreende não só a evolução da estrutura de pensamento, mas também a compreensão do contexto social em que se está inserido, em meio às suas pressões, não cabendo mais a universalidade dos sujeitos (Rossi et al., 2019). Vale salientar a diferenciação entre adolescência e puberdade. Segundo o Marco Legal elaborado pelo Ministério da Saúde, a primeira se refere a um desenvolvimento biopsicossocial, isto é, se difere a depender de aspectos biológicos, psicológicos e sociais, enquanto a segunda diz respeito aos primeiros indícios da maturação sexual, que ocorrem de maneira semelhante 39 em todos os indivíduos na mesma janela de tempo que circunscreve a adolescência (Brasil, 2007). 2.2 Adolescer ou adoecer? Os sofrimentos emocionais na adolescência A palavra “adolescência” possui uma dupla origem etimológica, do latim ad (a, para) e olescer (crescer), significando o processo de tornar-se adulto ou que o indivíduo está apto a crescer. Mas, além disso, “adolescer” também deriva da palavra “adoecer”. Assim, adolescer ou adoecer circunscrevem um limiar crítico. Caso a adolescência não seja tratada com o devido crédito, reconhecimento e cuidado, pode se tornar uma fase de maior vulnerabilidade frente a problemas emocionais, haja vista a dupla possibilidade desta fase da vida: aptidão para crescer, tanto física quanto psicologicamente, mas também para adoecer, em termos de sofrimento emocional, haja vista as transformações potencializadas nessa fase da vida (Outeiral, 1994). Segundo Tomova, Andrews e Blakemore (2021, p. 1, tradução nossa) “[...] a adolescência é uma época de maior suscetibilidade a problemas de saúde mental, com aproximadamente 75% dos transtornos de saúde mental em adultos aparecendo pela primeira vez antes dos 24 anos”. De acordo com as autoras e autor, Quando os adolescentes estão com seus pares é provável que corram riscos legais ou de saúde (quando isso é valorizado pelo grupo de pares), como a participação em comportamentos imprudentes e a experimentação de drogas, álcool e cigarros, em comparação com quando estão sozinhos (Tomova; Andrews; Blakemore, 2021, p. 1, tradução nossa). Notadamente, vemos a importância da influência dos pares sob o comportamento de adolescentes (Tomova; Andrews; Blakemore, 2021). “Se os comportamentos de risco à saúde (como o consumo excessivo de álcool ou drogas) forem percebidos como tendo um alto valor social entre o grupo de pares, os adolescentes podem ser especialmente motivados a participar desses comportamentos” (Tomova; Andrews; Blakemore, 2021, p. 3, tradução nossa). Uma pesquisa realizada por Benetti et al. (2007) objetivou levantar as produções brasileiras dos últimos dez anos (1995-2005) sobre bem-estar emocional na adolescência; verificar as temáticas mais investigadas na área e salientar algumas características dessa faixa etária. As autoras encontraram que os trabalhos que abordaram a saúde mental sob a ótica da identificação somavam 69%, em detrimento da intervenção e prevenção. Quanto ao foco de interesse, 45% das produções estavam na área da Medicina, maior porcentagem de publicações, 40 considerando as demais áreas: Psicologia (19%); Saúde Coletiva (18%); Psicanálise (15%) e outros (3%) (Benetti et al., 2007). Apenas 0,21% das produções eram na área da Educação (Benetti et al., 2007), corroborando o que frisamos na introdução de que o termo saúde mental pode acabar confundindo a atuação educacional; desse modo, reforçamos nossa preferência pelo uso do termo sofrimento emocional ao nos referir à ausência de bem-estar emocional (saúde mental) (Tognetta, 2022). Erik Erikson foi um psicólogo e psicanalista alemão-americano responsável por desenvolver uma extensa produção acerca da Teoria do Desenvolvimento Psicossocial7. Segundo ele, a fase da adolescência é perpassada por mudanças e crises desenvolvimentais (Erikson, 1976). Tais contextos de metamorfoses biopsicossociais são determinantes à construção da identidade da/do adolescente, e essa identidade é responsável pela construção das respostas dos indivíduos às diferentes situações em sua vida (Erikson, 1976). Apesar da identidade constituir-se ao longo de toda a vida, Zacarés (1997) afirma ser na adolescência o período onde ocorrem as transformações mais significativas. Por conseguinte, se o processo de desenvolvimento dos indivíduos durante a infância e adolescência for positivo e adequado haverá a construção de uma identidade que compreende bem o ambiente e responde corretamente às situações do mundo e que se referem a si mesmo (Erikson, 1976). Todo esse processo é decorrente da chamada “crise de identidade”, termo cunhado por Erik Erikson para se referir às constantes tensões e apreensões que ocorrem na adolescência, provenientes da necessidade de se reconhecer e fazer parte de um novo lugar, grupo ou contexto: quem eu sou? Qual meu lugar no mundo? (Erikson, 1976). O autor conceitua a formação da identidade como um fenômeno social caracterizado por um “processo de reflexão e observação simultâneas”, abrangendo a integralidade do domínio psíquico no qual o indivíduo avalia a si mesmo com base nas avaliações alheias (Erikson, 1976). Em função disso, é possível compreender as tensões decorrentes da necessidade de fazer parte de um grupo em que se é valorizado e reconhecido pelos pares. Como diria Mantovani de Assis [s.d], “trata-se aqui do fenômeno do 'eu no espelho' que significa 'eu sou o que os outros esperam que eu seja'” (p. 38). Santrock (2013) se debruçou sobre os estudos acerca da adolescência. Segundo o autor nenhuma e nenhum adolescente entra nessa fase como uma “folha em branco”, tendo pensamentos, sentimentos e comportamentos somente a partir de um código genético, mas sim uma combinação de hereditariedade, experiências infantis e experiências ao longo da 7 Trazemos a teoria de Erik Erikson a título de conhecimento, haja vista suas contribuições à compreensão do desenvolvimento na adolescência, não constituindo, necessariamente, nosso pressuposto teórico. 41 adolescência que determinam o processo desenvolvimental desse período, corroborando nossos pressupostos a partir da Epistemologia Genética Piagetiana. Ora, se torna, então, imprescindível considerar o processo de desenvolvimento infantil para se compreender o bem-estar na adolescência. Dados divulgados pela Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância (Sipani), em 2009, revelam que 12% das 55,6 milhões de crianças no Brasil (menores de 14 anos) são vítimas de algum tipo de violência doméstica anualmente (CECOVI, 2009). Em números absolutos são aproximadamente 7 milhões de crianças que sofrem agressões em suas próprias casas. Segundo dados da mesma fonte (CECOVI, 2009), 18 mil crianças sofrem violência por dia, 750 por hora e 12 por minuto. Além dos problemas imediatos ao bem-estar físico e emocional de crianças e adolescentes por sofrer diretamente algum tipo de violência doméstica, Bandura (1976) alerta que a violência indireta também acarreta malefícios, pois [...] a relação familiar serve como modelo para o aprendizado de padrões comportamentais e sociais das crianças, dessa forma, a violência conjugal atua como um modelo negativo, gerando comportamentos prejudiciais à interação social e, por sua vez, prejudicial à saúde mental das crianças e adolescentes que convivem com estes modelos (Bandura, 1976 apud Sá et al., 2010, p. 649). No mais, tais prejuízos se estendem ao longo do desenvolvimento e podem acarretar problemas internalizantes e externalizantes futuros aos indivíduos. Segundo a OMS (s/d) 50% dos adultos com algum tipo de transtorno mental relatou o início dos sintomas da doença antes dos 14 anos. Dados de outra pesquisa intitulada “A ponta do iceberg”, realizada pelo Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo (LACRI) (2009), revelam que 137.189 casos de violência doméstica foram notificados no Brasil, entre 2000 e 2007, enquadrados como violência sexual, psicológica e física; negligência e violência fatal. Os conceitos e características atribuídas por Erikson à adolescência fazem parte do que é considerado “normal” (esperado) ao desenvolvimento psíquico. O grande perigo reside, como dissemos anteriormente, no desenvolvimento da adolescência perpassar, além de fatores psicológicos, fatores culturais, sociais e individuais. Quando as adolescências são expostas a fatores de risco, isto é, condições, características ou comportamentos associados a um aumento da probabilidade de ocorrência de determinados eventos adversos e fatores produtores de sofrimento psíquico como, por exemplo, exposição a violências, condições não ideais de vida, fome, inseguranças, rupturas de vínculos familiares, entre outros, podem se tornar vulneráveis 42 emocionalmente (De Lima; Dias, 2014) e responsivos a tal contexto de fragilidade por meio de crises no bem-estar, que podem findar em ideações suicidas e suicídios em si (Rossi et al., 2019). Nas palavras de Rossi et al. (2019, p. 5), [...] relacionamentos familiares e interpessoais, quando vivenciados como relacionamentos violentos nas diferentes formas de violência, e inclusive aqueles que repercutem no sujeito como desvalor e abandono objetivo e subjetivo/emocional, foram identificados como fatores de desencadeamento e até de causa do sofrimento psíquico. A partir dos dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), em 2017, vemos que dentre as 307.367 vítimas de violência em nosso país, 126.230 eram crianças e adolescentes; em números percentuais estes compõem 41% dos que se tornam estatísticas nos sistemas de saúde (Lahr; Tognetta, 2021). Em 2018, o Disque 100, um canal organizado para denúncias de violações dos direitos humanos, registrou 1.147 denúncias de violência física contra crianças e adolescentes e 1.621 denúncias de violência psicológica. Dados do SAFERNET, relacionados a pedidos de ajuda ou denúncias no âmbito da saúde mental em 2019, contabilizavam 2.188 atendimentos e, em 2020 – após o fechamento das escolas como medida de contenção à pandemia da COVID-19 –, esse número despencou para 401 atendimentos. Isso, pois a escola era a instituição que, por maior proximidade e olhar especializado, conseguia identificar essas ocorrências e tomar as devidas providências (Lahr; Tognetta, 2021). De acordo com dados da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) os agressores são, em sua maioria, do núcleo familiar: mães, pais, tios, tias, avós, madrastas, padrastos etc. (Correio Brasiliense, 2019). Os dados apresentam um ponto de atenção – as diferenças entre raça e gênero; passemos a elas. Ainda sobre as denúncias no Disque 100, em 2018, dentre as 32.780 notificações de casos de violência e exploração sexual de crianças e adolescentes, 85,5% das notificações referiam-se às violações a crianças e adolescentes do sexo feminino e 56,5% a pessoas negras (Lahr; Tognetta, 2021). Segundo Ribeiro et al. (2009), a exposição a quaisquer tipos de violências pode causar problemas ao bem-estar emocional de crianças e adolescentes. Por conta do trauma, jovens e adolescentes podem desenvolver certos comportamentos de risco (De Lima; Dias, 2014). E, ainda, são preditoras de fatores de risco para o desenvolvimento de sintomas de ansiedade, estresse, depressão, exclusão social, comportamentos agressivos e abuso de substâncias psicoativas (Kliewer; Sullivan, 2008; Cougle; Resnick; Kilpatrick, 2009). 43 Com base nas teorias de Erikson, Bandura e Piaget, em que não há uma descontinuidade entre infância e adolescência, mas sim um reflexo de todo o processo de desenvolvimento em cada fase da vida, uma infância baseada em violências de qualquer tipo, se tornam fatores de riscos para o bem-estar físico e emocional, diminuindo a capacidade de responder ativa e assertivamente aos estressores da vida. Como dissemos, um certo grau de estressores na adolescência pode ser considerado “normal”, devido às tensões da “crise de identidade” (Erikson, 1976). Entretanto, a prevalência de fatores de risco pode elevar os níveis de estressores e incidir negativamente sobre a construção da identidade dos indivíduos, comprometendo o bem-estar físico, emocional e as relações interpessoais, resultando em sentimentos de culpa, vergonha, tristeza, exclusão social, o desenvolvimento de transtornos de humor e até mesmo outras psicopatologias (De Lima; Dias, 2014). Um fenômeno a que estão submetidas/os as/os jovens na pós-modernidade é a hiperconectividade, devido ao crescimento exponencial das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), potencializado pela pandemia da COVID-19, segundo a Associação Brasileira de Distribuição de Tecnologia e Informação (Abradisti). As TICs abrangem uma ampla gama de tecnologias utilizadas para adquirir, armazenar, processar, transmitir e apresentar informações eletronicamente. Isso inclui computadores, redes, software, internet, telecomunicações e todos os dispositivos e sistemas relacionados. Elas têm um papel fundamental na forma como as pessoas se comunicam, trabalham, aprendem e se divertem na era digital e têm sido consideradas componentes centrais na vida de crianças e de adolescentes, modificando suas formas de comunicação e socialização (Schwartz; Pacheco, 2021). Segundo Schwartz e Pacheco (2021), as [...] evidências sugerem que a exposição às mídias pode influenciar comportamentos e atitudes, tanto de forma positiva quanto negativa [...] Alguns riscos têm causado preocupação entre os responsáveis, como o tempo de uso excessivo, predominância dos relacionamentos virtuais em relação ao contato face à face e situações de violência online (p. 218). O psicólogo social Jonathan Haidt publicou, em março de 2024, o livro The Anxious Generation: How the Great Rewiring of Childhood Is Causing an Epidemic of Mental Illness8, que versa sobre a migração em massa da infância para o mundo virtual perturbar o desenvolvimento social e neurológico, causando ansiedade social, privação de sono, 8 Em tradução livre: “A Geração Ansiosa: como a grande reconfiguração da infância está causando uma epidemia de doenças mentais”. 44 fragmentação da atenção e vício, culminando no aumento dos índices de ansiedade e depressão em adolescentes. Não buscamos estigmatizar ou vilanizar tal fenômeno, mas sim olhar criticamente as situações e suas possíveis consequências à saúde de nossas crianças e adolescentes. Schwartz e Pacheco (2021, p. 219) evidenciam que, [...] diversos benefícios e riscos têm sido associados ao uso da internet e de jogos eletrônicos. Entre os principais benefícios encontram-se a aquisição de línguas estrangeiras (García-Carbonel; Rising; Montero; Watts, 2001), melhora nas funções executivas (Kuhn et al., 2014), na atenção e nas habilidades viso-espaciais (Dye; Green; Bavelier, 2009), e aprimoramento nas habilidades de leitura (Jackson; Eye; Witt; Zhao; Fitzgerald, 2011). Por outro lado, são apontadas como possíveis consequências negativas o desenvolvimento de problemas físicos, sociais e psicológicos (Çankayaa; Odaba, 2009), assim como agressividade (Anderson et al., 2010), dificuldade nas relações interpessoais (Padilla-Walker; Nelson; Carroll; Jensen, 2010) e distúrbios do sono (Ivarsson; Anderson; Akerstedt; Lindblad, 2013). Uma das formas de expressão de comprometimento do bem-estar físico e emocional são as condutas autolesivas por parte dos adolescentes. Tardivo, Rosa, Chaves e Ferreira (2018) apresentam dados epidemiológicos que indicam a adolescência como o período mais vulnerável à ocorrência de comportamentos autolesivos. Tais comportamentos referem-se a condutas em que uma pessoa causa dano físico a si mesma de forma intencional, sem a intenção direta de suicídio (Santos; Faro, 2018). Esses comportamentos podem incluir cortes, queimaduras, arranhões, perfurações ou qualquer outra forma de lesão autoinfligida. As condutas autolesivas podem ser uma forma de lidar com emoções intensas, como dor emocional, estresse, ansiedade, raiva, tristeza ou sensações de vazio. Algumas pessoas que se envolvem em autolesão relatam que a dor física temporária proporcionada pelo comportamento pode ajudá-las a aliviar ou controlar a dor emocional que estão enfrentando (Nock, 2010). É importante notar que as condutas autolesivas não são necessariamente um indicador de tentativa de suicídio, embora possam aumentar o risco de suicídio se não forem tratadas adequadamente (Guerreiro; Sampaio, 2013; Santos; Faro, 2018). Geralmente, esses comportamentos são um sinal de que a pessoa está sofrendo e precisa de apoio emocional e possivelmente intervenção profissional para lidar com os problemas subjacentes que as levaram a se autolesionar (Santos; Faro, 2018). Guerreiro e Sampaio (2013) compreendem os comportamentos autolesivos na adolescência como expressão das “adolescências patológicas” (p. 214), entendidas como a “falta de esperança e incapacidade para conseguir um sentido para lidar com as emoções, 45 organizar um sentido de pertença e manter um sentimento sustentado de bem-estar” (Guerreiro; Sampaio, 2013, p. 214). Os fatores de risco que expõem adolescentes a essas condutas, segundo Silva e Botti (2017) encontram-se em três categorias, motivadas por fatores familiares, sociais e individuais. Dentro dos fatores familiares encontra-se a dificuldade por parte da família de compreender tais condutas, o que acaba ocasionando um afastamento intrafamiliar (Santos; Faro, 2018). Por outro lado, também se encontram nessa categoria a ausência de percepção de afeto familiar, além de um histórico familiar de condutas autolesivas e exposição à violência doméstica (Santos; Faro, 2018). Na categoria social encontram-se como fatores de risco para o comportamen