OLIVIA CARR DESENVOLVIMENTO DE ENSAIOS DE AFINIDADE BASEADOS EM ELETROQUÍMICA QUÂNTICA PARA TRIAGEM DE PRODUTOS NATURAIS Relatório de Pós-doutorado realizado na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Química, Araraquara. Supervisor(a): Prof. Dr. Paulo Roberto Bueno Araraquara 2025 Resumo: Este projeto propôs o desenvolvimento de uma plataforma microfabricada, com o objetivo de acelerar o processo de descoberta de novos fármacos. A plataforma será baseada em ensaios de afinidade, utilizando chips microfabricados que permitirão a detecção rápida e sensível de interações moleculares. A tecnologia de eletroquímica quântica foi empregada como método de transdução, proporcionando maior precisão e sensibilidade nas medidas. Essa nova plataforma tem o potencial de revolucionar a indústria farmacêutica, oferecendo uma ferramenta acessível e eficiente para a identificação de novas moléculas com potencial terapêutico. Introdução Nos últimos 20 anos, o rastreamento de alto rendimento (HTS) tornou-se uma parte integral do processo de descoberta de novas drogas na indústria farmacêutica e biotecnológica, atuando como uma fonte importante de novas drogas [1]. A geração de novos leads como ponto de partida para o desenvolvimento de medicamentos é uma etapa crítica na descoberta de medicamentos farmacêuticos. O HTS e os processos associados evoluíram rapidamente nos últimos anos testando grandes bibliotecas de compostos em atividade contra um alvo de interesse em testes bioquímicos in vitro usando proteínas recombinantes ou ensaios celulares. Recentemente, as tecnologias tradicionais de leitura de ensaios funcionais estão sendo complementadas por métodos biofísicos que medem diretamente a interação física (afinidade) entre um composto de baixo peso molecular e uma proteína-alvo [2]. A abordagem proposta envolve o emprego de eletroquímica quântica em interfaces que operam com um sinal transdutor baseado nas características quânticas controladas utilizando materiais 1D e 2D de alta qualidade. Estes materiais podem ser ainda modificados com moléculas para validar as suas interações com uma gama de alvos (biomarcadores) com potencial valor terapêutico. Os princípios de operação da plataforma a ser desenvolvida nesse projeto foram baseados nos fundamentos da teoria do quantum rate, que vem sendo bastante explorada pelo grupo Nanobionics. Brevemente, a troca de corrente elétrica intrínseca (ressonante) entre os locais eletroquímicos acessíveis e o eletrodo é revelada considerando-se conjuntos resistivos-capacitivos quânticos (uma coleção de contatos quânticos individuais paralelos) de tal forma que a taxa de transferência de elétrons, que governa a taxa de reações eletroquímicas, é dado por 𝜈=𝐺/𝐶𝑞, em que 𝐶𝑞 é a capacitância quântica e 𝐺 é a condutância associada ao quantum de condutância 2𝑒2/ℎ [3,4,5]. Com este projeto, desenvolvemos uma plataforma baseada em eletroquímica quântica que permitirá realizar ensaios de afinidade com maior precisão e sensibilidade. Metodologia Neste trabalho, foram utilizados eletrodos de ouro microfabricados sobre substrato de silício com 90 nm de óxido de silício, produzidos no Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) situado no CNPEM. Os eletrodos foram obtidos por deposição de 15 nm de Titânio e 120 nm de Ouro por sputtering, visando promover a adesão do ouro ao substrato de silício e formar contatos elétricos confiáveis. Os eletrodos foram submetidos a um rigoroso processo de limpeza, que incluiu: imersão em ultrassom em acetona, isopropanol e água ultrapura por 12 minutos cada; para remover contaminantes adsorvidos na superfície do eletrodo foi realizado 10 ciclos de voltametria cíclica entre -1,3 V a -0,7 V em solução de NaOH (0,5 M) e 10 ciclos de voltametria cíclica entre 0,2 V a 1,5 V em solução de H₂SO₄ (0,5 M). A superfície do eletrodo de ouro microfabricada pré-tratada foi imersa em uma solução contendo 2 mM de peptídeo marcado com ferrocenocarboxilico (Fc) em H2O/CH3CN (1:1, v/v) por 16 horas. A caracterização da monocamada automontada de peptídeo foi realizada através de medidas de impedância e de voltametria cíclica para confirmar que a superfície está apropriada para receber um receptor. A voltametria ciclica foi realizada na faixa de 0 a 0,7 V em três ciclos a uma taxa de varredura de 100 mV s-1 para obter o potencial formal EF/e, que corresponde à média dos potenciais de pico de oxidação e redução (Vox+Vred/2), respectivamente. As análises de impedância serão realizadas em uma faixa de frequência de 0,01 a 105 Hz (60 frequências dispostas logaritmicamente), amplitude pico a pico de 10 mV, 0,125s de tempo máximo de integração e um ciclo como número mínimo de ciclos para integração. O meio eletrolítico usado para essas medições foi 20 mM TBAClO4 em ACN/H2O (1:4 v/v). Resultados Nesta primeira etapa, realizamos a transferência do protocolo de limpeza de eletrodos de ouro comerciais para eletrodos de ouro microfabricados, com o objetivo de otimizar a superfície para a imobilização da monocamada de peptídeos. Os eletrodos microfabricados, compostos por uma camada de ouro depositada sobre um substrato de silício, foram submetidos a um rigoroso processo de limpeza. O resultado obtido é apresentado na Figura 1, indica que a superfície dos eletrodos microfabricados após o tratamento de limpeza apresenta características semelhantes às dos eletrodos comerciais, tornando-os adequados para a imobilização dos peptídeos [6]. Figura 1: Voltamograma em H2SO4 (0,5 M) obtido no processo de limpeza eletroquímica do eletrodo de ouro microfabricado. A área geométrica do eletrodo foi determinada em 0,0225 cm², enquanto a área eletroativa, obtida por meio de técnicas eletroquímicas, foi de 0,032 ± 0,003 cm². O fator de rugosidade médio, calculado a partir da razão entre as áreas eletroativa e geométrica, foi de 1,39 ± 0,14. Esse valor encontra-se dentro da faixa ideal (1,2 - 1,8) reportada na literatura para a formação de monocamadas de peptídeos, indicando que a superfície do eletrodo possui a rugosidade adequada para a imobilização de biomoléculas [6]. Confirmando os parâmetros otimizados na literatura, foi possível imobilizar uma monocamada de peptídeos com concentração de 2 mM sobre a superfície do eletrodo de ouro. A caracterização eletroquímica, por meio de voltametria cíclica e espectroscopia de impedância, revelou um potencial formal de 0,362 ± 0,001 V e uma capacitância quântica de 232 ± 9 µF/cm², respectivamente (Figura 2). Esses resultados são consistentes com a formação de uma monocamada organizada e estável sobre a superfície do eletrodo. A reprodutibilidade desses resultados demonstra a eficácia do protocolo de imobilização e a adequação da superfície do eletrodo para aplicações em biossensores. 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 -15 -10 -5 0 5 10 15 J /  A c m -2 Potencial / V vs. Ag|AgCl (a) 0 50 100 150 200 250 0 50 100 150 200 250 C '' /  F c m -2 C' / F cm -2 (b) Figura 2: a) Voltamograma cíclicos registrado da monocamada automontada de peptídeos marcados com sonda redox. Essas medições foram feitas em solução de 20 mM TBAClO4 1:4 ACN/H2O. b) Diagrama de Nyquist capacitivos obtidos no potencial formal EF/e. Conclusão Os resultados obtidos neste estudo demonstram a viabilidade da utilização de eletrodos de ouro microfabricados para a imobilização da monocamada automontada de peptídeo. Os dados de voltametria cíclica e espectroscopia de impedância indicam a formação de monocamadas de peptídeos bem organizadas e estáveis sobre a superfície do eletrodo. Com base nesses resultados promissores, pretende-se expandir este estudo para a imobilização de moléculas de DNA, seguindo os protocolos de limpeza otimizados neste trabalho. Os resultados preliminares obtidos com eletrodos comerciais, descritos em [7], serão utilizados como referência para a validação dessa nova plataforma microfabricada. Referência [1] Hughes, J. P., Rees, S., Kalindjian, S. B. & Philpott, K. L. Principles of early drug discovery. 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Nat Protoc 15, 3879–3893 (2020) [7] Carr, O., Pinzón, E. F., Santos, A., Faria, R. C., Bueno, P. R., Attomolar sensitivity of a redox capacitive and DNA-receptive interface attained by quantum-rate signal amplification concept, Biosensors and Bioelectronics, 270, 116910, (2025).