PRISCILA KAMILYNN ARAÚJO DOS SANTOS CONJUNTO FERROVIÁRIO DA ESTAÇÃO GUANABARA (CAMPINAS – SP): ESTUDO SOBRE PRÁTICAS DE PRESERVAÇÃO E USOS DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO BAURU 2017 PRISCILA KAMILYNN ARAÚJO DOS SANTOS CONJUNTO FERROVIÁRIO DA ESTAÇÃO GUANABARA (CAMPINAS-SP): ESTUDO SOBRE PRÁTICAS DE PRESERVAÇÃO E USOS DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comuni- cação da Universidade Estadual Paulista "Jú- lio de Mesquita Filho", câmpus de Bauru, co- mo requisito final para a obtenção do título de Mestre. Orientador: Dr. Eduardo Romero de Oliveira BAURU 2017 Santos, Priscila Kamilynn Araujo dos. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário / Priscila Kamilynn Araujo dos Santos, 2017. 270 f. Orientador: Dr. Eduardo Romero de Oliveira Dissertação (Mestrado)– Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2017. 1. Patrimônio Industrial. 2. Conjunto Ferroviário, 3. Estação Guanabara, 4. Gestão Patrimonial. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comuni- cação. II. Título. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário Defesa Aprovada em: 02 de Outubro de 2017. Local: Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FACC). Universidade Estadual Paulista (UNESP). Banca Examinadora Coordenador. Dr. Eduardo Romero de Oliveira. Universidade Estadual Paulista (UNESP). Membro I. Professora do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Dra. Rosío Fernández Baca Salcedo. Universidade Estadual Paulista (UNESP). Membro II. Externo. Dra. Maria Cristina da Silva Schicchi. Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Suplente I. Professora do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Dra. Norma Regina Truppel Constantino Universidade Estadual Paulista (UNESP). Suplente II. Externo. Dr. Marcos Tognon. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). À Deus pelo seu imensurável amor e aos meus familiares. AGRADECIMENTOS À Deus, por ter me sustentado ao longo dessa jornada e trilhado meus caminhos de forma tão ímpar e especial. Aos meus pais Fábio e Dalva e à minha avó Sebastiana por todo amor, carinho, ora- ções e por compreenderem minhas ausências. Ao meu orientador, Professor Doutor Eduardo Romero de Oliveira, por ter me apre- sentado o universo fascinante que compreende a pesquisa científica e, sobretudo, pela dedicação irrestrita ao longo desses seis anos de trabalho. Muito obrigada pela confiança, amizade, conselhos nos momentos em que o desespero bateu na porta e por honrar a docência com tanto amor e carinho. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo fomento institucio- nal e financeiro no Brasil (processo 07596-1) e no exterior (processo 25207-2).1 À Professora Doutora Maria Cristina Schicchi e a professora Doutora Rosio Fernán- dez Baca Salcedo por aceitarem o convite para integrarem a banca examinadora e pelas brilhantes considerações sobre o trabalho. Ao Professor Doutor Vicente Julián Sobrino Simal e ao professor Doutor Enrique Larive López pelas orientações concedidas durante o estágio de pesquisa no exteri- or realizado na Universidade de Sevilha (Espanha). Ao Professor Doutor Marcos Tognon pelas experiências compartilhadas na gestão do CIS – Guanabara entre 2006-2008 e 2010-2012 e, sobretudo pelo incentivo ao desenvolvimento de um estudo sobre o Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara. À Leonice Fávero, ao Odair Marques e ao Otair Guimarães pelo interesse demons- trado durante a realização das entrevistas. Aos membros do projeto de pesquisa Memória Ferroviária (MF). À todas aquelas pessoas que não foram mencionadas, mas que de alguma forma incentivaram ou contribuíram para a execução da pesquisa. 1 As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsa- bilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da FAPESP. RESUMO Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário Esta investigação apresenta um exame pormenorizado do Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara, na cidade de Campinas, construído a partir de 1893 com o pro- pósito de ampliar os prédios da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. A impor- tância da área para a empresa culminou na formação de um pátio composto por 13 linhas e 105 estruturas edificadas (MOGIANA, 1969). No entanto, com o declínio do sistema ferroviário, os imóveis foram desativados e reutilizados de diferentes formas, sejam elas regulares ou irregulares. Dentro dessas considerações, busca-se com- preender os usos do patrimônio ferroviário existente no local (prédios de operação, manutenção, moradias e área esportiva), a fim de refletir sobre práticas de preserva- ção e usos dos conjuntos históricos por agentes sociais. Para auferir o proposto, a metodologia de trabalho inclui levantamentos bibliográficos e documentais, entrevis- tas com os gestores, inventário e mapeamento. Com isso, identificou-se não apenas como se originou o processo de reuso, mas os desafios contemporâneos que ofus- cam a leitura sistêmica do conjunto ferroviário sob a perspectiva histórica, social, patrimonial e urbana. Por fim, destacam-se as variáveis que suscitaram os proble- mas e algumas práticas capazes de revertê-los. Palavras-chave: Patrimônio Industrial, Conjunto Ferroviário, Estação Guanabara, Gestão Patrimonial e Campinas. ABSTRACT Guanabara Station Complex (Campinas – SP): research of preservation prac- tices and uses of the railway heritage This investigation presents a detailed examination of the Guanabara Station Com- plex (Campinas, SP), whose construction began in 1893 to enlarge the buildings and support structures of the Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. The area’s im- portance for the company resulted in the formation of courtyard composed of 13 lines and 105 built structures (MOGIANA, 1969). However, the decay of the railway sys- tem has led to the decommissioning of structures, which have been reused in differ- ent ways, whether regular or irregular. Within these considerations, we seek to un- derstand the uses of railway heritage in the complex (operation and maintenance buildings, railway village and sports area), in order to reflect on the conservation practices and the uses of historic areas by social agents. To obtain the proposed, the methodology of work includes bibliographical and documentary surveys, interviews, inventory and mapping. With this, it out identified not only how the reuse process originated, but also the contemporary challenges that overshadow the systemic read- ing of the railway set from a historical, social, patrimonial and urban perspective. Fi- nally, stands out the variables that gave rise to the problems and some of the prac- tices capable of reversing them. Keywords: Industrial Heritage, Complex, Guanabara Station, Heritage Management and Campinas. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1: Gráfico. Bens tombados pelo CONDEPHAAT (usos) _____________________________ 6 FIGURA 2: Mapa. Localização dos bens ferroviários tombados pelo CONDEPHAAT e usos _______ 7 FIGURA 3: Gráfico. Classificalçao dos usos identificados nos bens tombados pelo CONDEPHAAT _ 9 FIGURA 4: Gráfico. Estado de conservação dos bens ferroviários tombados pelo CONDEPAAT ___ 9 FIGURA 5: Mapa. Estações ferroviárias reutilizadas de forma cultural no Estado de São Paulo ___ 11 FIGURA 6: Mapa. Localização do Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara ________________ 12 FIGURA 7: Mapa. Vias Verdes na Espanha ____________________________________________ 55 FIGURA 8: Capa do aplicativo “100 elementos del Patrimonio Industrial en espanã”. ____________ 57 FIGURA 9: Conteúdo do aplicativo ___________________________________________________ 57 FIGURA 10: Estação ferroviária contemplada no aplicativo ________________________________ 57 FIGURA 11: Logotipo da exposição __________________________________________________ 58 FIGURA 12: Estrutura organizacional da exposição ______________________________________ 58 FIGURA 13: Mapa. Município de Camas ______________________________________________ 59 FIGURA 14: Estação e armazém do Conjunto Ferroviário de Camas ________________________ 59 FIGURA 15: Playground para crianças no antigo conjunto ferroviário ________________________ 60 FIGURA 16: Estação e estruturas complementares a operação ferroviária no conjunto __________ 60 FIGURA 17: Mapa. município de Villanueva del Río y Minas, Sevilha (Espanha) _______________ 61 FIGURA 18: Fachada da antiga escola de meninos de Villanueva del Río y Minas ______________ 61 FIGURA 19: Estação ferroviária de Villanueva del Río y Minas _____________________________ 61 FIGURA 20: Fachada da antiga cooperativa-açougue de Villanueva del Río y Minas ____________ 61 FIGURA 21: “Teatro – cine” de Villanueva del Río y Minas ________________________________ 61 FIGURA 22: Antigo cassino recreativo de Villanueva del Río y Minas ________________________ 61 FIGURA 23: Localização da antiga estação ferroviária Plaza de Armas em Sevilha _____________ 62 FIGURA 24: Fachada principal Sul da estação Plaza de Armas em Sevilha ___________________ 62 FIGURA 25: Fachada Norte da estação Plaza de Armas em Sevilha ________________________ 62 FIGURA 26: Plataforma de embarque da estação Guanabara e armazém ao fundo _____________ 74 FIGURA 27: Estação Guanabara entre 1884 e 1914 _____________________________________ 74 FIGURA 29: Estação guanabara em 1938 _____________________________________________ 75 FIGURA 30: Gare metálica da estação Guanabara em 1915 _______________________________ 75 FIGURA 28: Planta da cidade de Campinas de 1900 _____________________________________ 75 FIGURA 31: Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara circulado em vermelho ______________ 76 FIGURA 32: Delimitação do Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara ____________________ 77 FIGURA 33: Arquibanca principal do Esporte Clube Mogiana ______________________________ 78 FIGURA 34: Equipe do Mogiana _____________________________________________________ 78 FIGURA 35: Planimetria do Conjunto da Estação Guanabara elaborada pela Mogiana __________ 79 FIGURA 36: Mapa. Área e prédios do complexo ferroviário aprovados para tombamento em 1999 _ 83 FIGURA 37: Mapa. Retificação da resolução nº 45/04 ____________________________________ 86 FIGURA 38: Mapa. Área de intervenção restrita e prédios tombados ________________________ 87 FIGURA 39: Mapa. Ressalva para construções na área do conjunto _________________________ 88 FIGURA 40: Área do Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara no zoneamento _____________ 99 FIGURA 41: Ortofoto Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara __________________________ 99 FIGURA 42: Casa pertencente à vila ferroviária no zoneamento ___________________________ 100 FIGURA 43: Ortofoto de uma das casas pertencentes à vila ferroviária______________________ 100 FIGURA 44: Área do Conjunto Ferroviário da estação guanabara após a alteração ____________ 101 FIGURA 45: Ortofoto do Conjunto da Estação Guanabara após a alteração do zoneamento _____ 101 FIGURA 46: Antigo Esporte Clube Mogiana no zoneamento ______________________________ 102 FIGURA 47: Ortofoto do antigo Esporte Clube Mogiana __________________________________ 102 FIGURA 48: Planimetria do Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara em 1900 ____________ 106 FIGURA 49: Partida de futebol no CERECAMP ________________________________________ 107 FIGURA 50: Arquibancada do CERECAMP ___________________________________________ 107 FIGURA 51: Área concedida pela FEPASA para implantação do centro cultural _______________ 108 FIGURA 52: Projeto de Lina Bo Bardi para implantação do centro cultural ___________________ 109 FIGURA 53: Bens ferroviários pertencentes ao conjunto em alto nível de degradação __________ 110 FIGURA 54: Armazém em 1998 ____________________________________________________ 110 FIGURA 55: Posto de truque e departamento de linha ___________________________________ 110 FIGURA 56: Armazém em precário estado de conservação ______________________________ 111 FIGURA 57: Gare metálica praticamente em ruínas _____________________________________ 111 file:///C:/Users/livia/Desktop/Computador%20velho/Mestrado/Dissertação%202017/Relatório%20Final%20Fapesp%20I/Entrega%20dos%20exemplares%20definitivos/%5bCorreção%5d%20Dissertação%20Priscila%20VF.doc%23_Toc499032557 FIGURA 58: Proposta de implantação do centro cultural _________________________________ 113 FIGURA 59: Ação cultural para pintura dos tapumes e início do restauro do armazém __________ 114 FIGURA 60: Processo de restauro do armazém ________________________________________ 114 FIGURA 61: Plantametria da área vendida pela CPOS para o IPEP ________________________ 115 FIGURA 62: Gare metálica e o prédio da estação antes do processo de restauro _____________ 116 FIGURA 63: Gare metálica durante o processo de restauro _______________________________ 117 FIGURA 64: Gare metálica e a estação após o processo de restauro ______________________ 117 FIGURA 65: Armazém após o processo de restauro ____________________________________ 117 FIGURA 66: Fachada da estação Guanabara após o restauro ____________________________ 117 FIGURA 67: Rua que conectava os prédios do conjunto com a vila ferroviária repleta de mato ___ 119 FIGURA 68: Cenário de abandono na antiga vila ferroviária ______________________________ 119 FIGURA 69: Esgoto a céu aberto na antiga vila ferroviária ________________________________ 120 FIGURA 70: Casa tombada parcialmente descaracterizada _______________________________ 120 FIGURA 71: Uma das casas da vila ferroviária praticamente coberta pelo mato _______________ 120 FIGURA 72: Departamento de linha coberto pelo mato __________________________________ 120 FIGURA 73: Anteprojeto do plano urbanístico da estação Guanabara ______________________ 123 FIGURA 74: Mapa. Localização dos prédios existentes no Conjunto da Estação Guanabara ____ 125 FIGURA 75: Seminário no CIS – Guanabara __________________________________________ 126 FIGURA 76: Exposição realizada no CIS – Guanabara __________________________________ 126 FIGURA 77: Projeto na cultural realizada no CIS – guanabara ____________________________ 127 FIGURA 78: Oficina de crochê no CIS – Guanabara ____________________________________ 127 FIGURA 79: Formatura no CIS – Guanabara __________________________________________ 127 FIGURA 80: Palestra do coordenador do cis para os alunos de uma ONG ___________________ 127 FIGURA 81: Reforma da pista de atletismo ___________________________________________ 129 FIGURA 82: Muro do cerecamp contemplado na reforma emergencial _____________________ 129 FIGURA 83: Projeto social no cerecamp ______________________________________________ 130 FIGURA 84: Reinauguração da pista de atletismo ______________________________________ 130 FIGURA 85: Projeto amigos do CERECAMP __________________________________________ 130 FIGURA 86: Campo de futebol e arquibancada em 2016 _________________________________ 131 FIGURA 87: Arquibancada em precário estado de conservação ___________________________ 132 FIGURA 88: Acesso principal a arquibancada e a SELJ _________________________________ 132 FIGURA 89: Gráfico. Usos antes da reintegração de posse _______________________________ 133 FIGURA 90: Gráfico. Usos após a reintegração de posse ________________________________ 133 FIGURA 91: Gráfico. Estado de conservação antes da reintegração de posse ________________ 134 FIGURA 92: Gráfico. Estado de conservação após a reintegração de posse _________________ 134 FIGURA 93: Estação (1), departamento de linha (2), barracão/solda (3) e oficina mecânica (4) __ 135 FIGURA 94: Barreira visível que separava o antigo esporte clube __________________________ 138 FIGURA 95: Cercas de proteção na área administrada pela unicamp _______________________ 140 FIGURA 96: Barreira visível entre a área da UNICAMP e a vila ferroviária ___________________ 140 FIGURA 97: Cercas de proteção entre a estação e o departamento de linha _________________ 140 FIGURA 98: Muro que impedia o acesso à vila ferroviária ________________________________ 143 FIGURA 99: Entrada da vila ferroviária ______________________________________________ 143 FIGURA 100: Casa edificada pela companhia mogiana e demolida em 2016 (a) ______________ 146 FIGURA 101: Casa edificada pela companhia mogiana e demolida em 2016 (b) ______________ 146 FIGURA 102: Casa edificada pela companhia mogiana e demolida em 2016 (c) ______________ 146 FIGURA 103: Área do Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara em 05/04/2002 (a) _________ 150 FIGURA 104: Área do Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara em 03/07/2009 (b) _________ 150 FIGURA 105: Área do Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara em 08/12/2016 (c) _________ 150 file:///C:/Users/livia/Desktop/Computador%20velho/Mestrado/Dissertação%202017/Relatório%20Final%20Fapesp%20I/Entrega%20dos%20exemplares%20definitivos/%5bCorreção%5d%20Dissertação%20Priscila%20VF.doc%23_Toc499032588 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABPF – Associação Brasileira de Preservação Ferroviária. AP – Área de Planejamento. CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano. CERECAMP – Centro Esportivo e Recreativo de Campinas. CGTI – Centro de Gestão de Tecnologia e Inovação. CIS – Centro de Inclusão e Integração Social da Estação Guanabara. CMU – Centro de Memória da UNICAMP. CONDEPACC – Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas. CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico. CPA – Companhia de Administração de Ativos. CPMF – Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. CPOS – Companhia Paulista de Obras e Serviços. CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. CSPC – Coordenadoria Setorial do Patrimônio Cultural. DOPS – Departamento de Ordem Política e Social . FEPASA – Ferrovias Paulista S/A. ICOMOS – International Council on Monuments and Sites. IPEP – Instituto Paulista de Pesquisa. IPHAN – Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional. IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano. LOM – Lei Orgânica do Município. LUOS – lei de Uso e Ocupação do Solo. MZA – Compañía Madrid Zaragoza. NP – Número de Patrimônio. OEA – Organização dos Estados Americanos. ONG – Organização Não – Governamental. ONU – Organização das Nações Unidas. PNPI – Plano Nacional de Patrimônio Industrial da Espanha. RENFE – Red Nacional de los Ferrocarriles Españoles. SELJ– Secretária de Esportes, Lazer e Juventude. SERT – Secretária Estadual do Emprego e Relações do Trabalho. SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional. SPLAN – Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano. TICCIH – The International Committe of Conservation for Industrial Heritage. UNESCO – United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization. UNICAMP – Universidade Estadual Campinas. UNIP – Universidade Paulista. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1 JUSTIFICATIVA 14 METODOLOGIA PROPOSTA 15 1. RECOMENDAÇÕES E PRÁTICAS PATRIMONIAIS 19 1.1. O PATRIMÔNIO INDUSTRIAL FERROVIÁRIO SOB A PERSPECTIVA URBANA 19 1.2. A SISTEMATIZAÇÃO DOS CONJUNTOS HISTÓRICOS NAS CARTAS PATRIMONIAIS 35 1.3. ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS DE CONSERVAÇÃO 48 1.4. DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA A GESTÃO PATRIMONIAL 62 2. POLÍTICAS E INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO EM ÂMBITO MUNICIPAL 68 2.1. AÇÕES DESENVOLVIDAS PELO CONDEPACC 68 2.2. A IMPLANTAÇÃO DO CONJUNTO FERROVIÁRIO NA CIDADE DE CAMPINAS 72 2.3. FUNDAMENTOS E PARTICULARIDADES QUE REGEM O TOMBAMENTO: A ANÁLISE DO PROCESSO 80 2.4. A POLÍTICA URBANA E A PROTEÇÃO PATRIMONIAL 91 2.5. O CONJUNTO E A CIDADE: PERSPECTIVA HISTÓRICA, PATRIMONIAL E URBANÍSTICA 102 3. REUTILIZAÇÃO DO CONJUNTO FERROVIÁRIO DA ESTAÇÃO GUANABARA 106 3.1. PROPRIEDADE, PROPOSTAS E INTERVENÇÕES 106 3.2. USOS SOCIAIS, PROJETOS DESENVOLVIDOS E ESTADO DE CONSERVAÇÃO 124 3.3. GESTÃO PATRIMONIAL: ARTICULAÇÃO EXISTENTE OU INEXISTENTE? 136 3.4. DESDOBRAMENTOS PRÁTICOS DAS POLÍTICAS PATRIMONIAIS E URBANÍSTICAS 145 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 148 5. REFERÊNCIAS 154 5.1. BIBLIOGRÁFICAS 154 5.2. FONTES DOCUMENTAIS 168 5.2.1. LEGISLAÇÃO 168 5.2.2. PERIÓDICOS 173 5.2.3. RELATÓRIOS DA ANTIGA COMPANHIA MOGIANA 176 5.2.4. CARTAS E RECOMENDAÇÕES PATRIMONIAIS 176 5.3.6. DEPOIMENTOS ORAIS 179 6. APÊNDICES 180 6.1. MODELO DA FICHA DE INVENTÁRIO 180 6.2. APLICAÇÃO DAS FICHAS DE INVENTÁRIO 181 6.3. ROTEIRO DE ENTREVISTA 245 7. ANEXOS 247 7.1. CONTRATO DE CESSÃO EM COMODATO FIRMADO ENTRE A UNICAMP E A FEPASA 247 7.2. OFÍCIO DE SOLICITAÇÃO DO DECRETO DE UTILIDADE PÚBLICA 252 7.3. PLANIMETRIA DO CONJUNTO FERROVIÁRIO DA ESTAÇÃO GUANABARA EM 1969 253 7.4. PLANIMETRIA DO CONJUNTO FERROVIÁRIO DA ESTAÇÃO GUANABARA EM 1971 254 7.5. TERMO DE CESSÃO SOBRE O DEPOIMENTO ORAL 255 Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 1 INTRODUÇÃO No Estado de São Paulo, embora os trilhos tenham sido considerados veto- res de desenvolvimento urbano, as empresas férreas passaram a registrar déficits à medida que o café foi perdendo a sua importância (RODRIGUES, 2010). De acordo com Matos (1990), a decadência do produto agrícola trouxe consequências contra- producentes ao setor ferroviário, pois as estradas de ferro visavam basicamente ser- vir à atividade exportadora. Ademais, a partir da segunda metade do século 20, a política de incentivo ao desenvolvimento do transporte rodoviário adotada pelo Go- verno Federal somada à má gestão das empresas foram fatores que provocaram o declínio do sistema (MATOS, 1990; KÜHL, 1998; POZZER, 2007; RODRIGUES, 2010). Diante disso, algumas estruturas implantadas com a finalidade de atenderem a operação e a manutenção ferroviária paulatinamente começaram a desaparecer. O mesmo aconteceu com os métodos de produção, com os vestígios das atividades exercidas pelas empresas e até com as vilas ferroviárias, aspectos que inclusive suscitaram efeitos negativos sobre as relações sociais e espaciais em determinadas cidades (KÜHL, 1998). Para compreender o lugar dos remanescentes ferroviários no cenário con- temporâneo é preciso recuar até o momento em que essas estruturas perderam sua importância na dinâmica urbana (KEMPTER, 2011). O esvaziamento funcional e a ausência de manutenção e fiscalização precisa permitiram que estações, oficinas e conjuntos de edifícios se transformassem em terrenos baldios e espaços degrada- dos. Como consequência, essas estruturas foram reutilizadas de diferentes formas, sejam elas regulares (como a esplanada da Companhia Paulista de Estradas de Fer- ro, em Campinas) ou irregulares (como a as oficinas da Estrada de Ferro Sorocaba- na, em Assis). Essa reapropriação, pelo homem, de espaços que carregam um alto valor simbólico e uma representatividade histórica e social nem sempre é levada em consideração. Discutir a dimensão simbólica das atividades ferroviárias desenvolvidas no território envolve uma análise sobre o patrimônio industrial. Esses bens incluem tan- to os elementos tangíveis (edificações, conjuntos, maquinários, arquivos e ferramen- tas), quanto os intangíveis (técnicas de produção, tradições, costumes, formas de vida, saberes e fazeres, além da memória do trabalho) (RAMOS e FERNÁNDEZ, 2004). A magnitude desse patrimônio não se limita exclusivamente aos aspectos Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 2 estéticos, mas envolve também o reconhecimento do legado industrial como parte do desenvolvimento das cidades. Quando se faz menção ao transporte ferroviário, supõe-se entender uma nova forma de habitar o território levando em consideração os recursos sociais e simbólicos que a invenção humana foi capaz de transformar em cultura contemporânea (SOBRINO SIMAL, 2009). Como parte do patrimônio que concerne à indústria, o sistema ferroviário pode ser compreendido em diferentes escalas: a territorial, por meio das linhas fér- reas e intervenções na paisagem; a urbana, por meio das vilas e bairros operários que se formaram ao redor da estação; e a arquitetônica, presente nas peças que integram o conjunto de edifícios e construções de apoio (BRAGHIROLLI, 2009; FERRARI, 2010). Essas estruturas fazem parte de uma rede que relaciona os méto- dos e os meios de produção e, portanto, não devem ser interpretadas de forma iso- lada (PALMER e NEAVERSON, 1998). No entanto, analisar o patrimônio industrial ferroviário como uma unidade ar- ticulada requer esforço, pois partes consideráveis das ações desenvolvidas a favor da preservação desses remanescentes se limitam à edificação, desconhecendo o valor do conjunto e o potencial do patrimônio móvel e imaterial (BELTÁN, 2011). Ali- ado a esse fator encontra-se o problema de gestão, pois ainda que se trate teorica- mente de um conjunto de componentes relacionados entre si, cujo valor principal é parte integrante do todo (FERRARI, 2011), na prática esses bens podem ser admi- nistrados por agentes sociais com diferentes perspectivas, ações e leituras patrimo- niais. Em relação às atuais diretrizes, a reutilização regular e planejada adquire in- tensidade pela situação de abandono que atinge esses bens nas cidades contempo- râneas (PIEDADE, 2013). Reitera-se a ideia de patrimônio como meio, e não como fim em si mesmo (BALLART, 2007). A reutilização enquanto forma de recuperação do patrimônio industrial leva consigo uma ruptura tendencial destinada a esses terri- tórios (PARDO ABAD, 2008; ALVAREZ ARECES, 2007). Como uma via de mão du- pla, essa estratégia é capaz de revalorizar e reverter a situação de abandono princi- palmente em regiões centrais, visto que estações, armazéns, depósitos e conjuntos, quando sem usos ou subutilizados, se tornam “elefantes brancos” no coração da cidade (MENEGUELLO, 2005, expressão da autora). Isso se tornou possível devido à mudança de paradigma sucedida a partir do início do século 21, quando o patri- mônio industrial ferroviário deixou de ser interpretado como vestígios de edifícios Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 3 arruinados e passou a ser considerado bens a serem protegidos dentro de uma es- tratégia de revalorização urbana (CALDERÓN e VALDEPEÑAS, 2007). Além da atribuição de novos usos, é possível reverter os problemas acarre- tados pelo declínio dessas áreas por meio de operações integradas entre os gesto- res, proprietários, prefeituras e os órgãos de proteção patrimonial. Nesse sentido, analisar as condições atuais do patrimônio industrial ferroviário exige uma reflexão sobre as práticas para a preservação adotadas nas últimas décadas, dentro das quais está a aplicação do tombamento – ato administrativo destinado à proteção de bens com valores excepcionais por meio de uma lei que impede a destruição e des- caracterização. O instrumento possui entre suas virtudes não apenas o fato de pro- mover o subsídio legal da tutela, mas também destacar esses bens, permitindo mai- or envolvimento da comunidade (KÜHL, 1998). Para contextualizar a problemática, realizou-se uma revisão do levantamen- to de bens industriais ferroviários tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico e Turístico – CONDEPHAAT, com destaque para os usos e estado de conservação.2 Até o final de 2016 foram identificados 40 patri- mônios industriais ferroviários em 32 municípios paulistas, dentro dos quais 87% estavam inseridos no tecido urbano. Como se trataram de estruturas individuais e conjuntos, foi possível certificar a existência de mais de um uso num mesmo bem ferroviário tombado (conforme a tabela 1). 2 Para revisão do levantamento de bens ferroviários protegidos pelo CONDEPHAAT utilizaram-se, como ponto de partida, as informações compiladas anteriormente pelo projeto Memória Ferroviária (MF). Para a identificação dos usos e estado de conservação dos bens foram realizados levantamen- tos bibliográficos e documentais (especificamente as Resoluções de tombamento), visitas in loco e contatos telefônicos com os gestores atualmente responsáveis pelos prédios. Entre as bibliografias base destaca-se o trabalho de Moraes (2016). Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 4 Tabela 1: Bens ferroviários tombados pelo CONDEPHAAT até o final de 2016. Município Denominação Usos identificados Andradina Conjunto da Estação Ferroviária de Andradina Cultural Araçatuba Conjunto Ferroviário da Estação Central de Araçatuba Cultural e administrativo Avaré Conjunto Ferroviário da Estação de Avaré Moradia e espaços sem usos Bananal Estação Ferroviária de Bananal Sem uso Botucatu Complexo da Estação Ferroviária de Botucatu Administrativo, cultural e es- paços sem usos Cachoeira Paulista Estação Ferroviária de Cachoeira Paulista Sem uso Caieiras Conjunto Ferroviário de Caieiras Ferroviário, administrativo e como moradia Campinas Estação Ferroviária de Campinas Cultural, administrativo e co- mercial Chavantes Conjunto Ferroviário de Chavantes Cultural e algumas estruturas sem uso Cruzeiro Rotunda de Cruzeiro Cultural Cruzeiro Complexo da Estação Ferroviária de Cruzeiro Sem uso Descalvado Estação Ferroviária de Descalvado Cultural Espírito Santo do Pi- nhal Edifício da Estação Ferroviária de Espíri- to Santo do Pinhal Administrativo Franco da Rocha Conjunto da Estação Franco da Rocha Ferroviário, administrativo e como moradia Guaratinguetá Estação Ferroviária de Guaratinguetá Administrativo Jaguariúna Conjunto Ferroviário da Estação de Jaguariúna Cultural e comercial Jundiaí Estação Ferroviária de Jundiaí Ferroviário, administrativo, moradia e espaços sem usos Louveira Conjunto Ferroviário de Louveira Cultural e como moradia Mairinque Estação Ferroviária de Mairinque Cultural Piquete Estação Ferroviária de Piquete Administrativo Piraju Conjunto Ferroviário de Piraju Cultural e algumas estruturas sem uso Piratininga Conjunto da Estação Ferroviária de Piratininga Cultural Ribeirão Pires Conjunto Ferroviário de Ribeirão Pires Cultural, ferroviário e adminis- trativo Ribeirão Preto Estação Ferroviária Barracão Sem uso Rio Claro Estação Ferroviária de Rio Claro Administrativo Rio Claro Horto e Museu Edmundo Navarro de Andrade Ambiental e cultural Rio Grande da Serra Conjunto da Estação Rio Grande da Serra Ferroviário, administrativo e como moradia Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 5 Santa Rita do Passa Quatro Estação Ferroviária de Santa Rita do Passa Quatro Cultural Santo André Antigo sistema funicular de Paranapiaca- ba Cultural Santo André Complexo Ferroviário de Paranapiacaba Cultural, ferroviário e como moradia São Paulo Acervo da Estrada de Ferro Perus – Pirapora Cultural São Paulo Estação Ferroviária do Brás Ferroviário e administrativo São Paulo Conjunto Ferroviário de Perus Ferroviário, administrativo e como moradia São Paulo Estação da Luz Cultural, ferroviário e adminis- trativo São Paulo Estação Júlio Prestes Cultural, ferroviário e adminis- trativo São Paulo Antigo edifício do antigo DOPS 3 Cultural São Paulo Conjunto da Estação de Jaraguá Ferroviário, administrativo e como moradia Sumaré Conjunto da Estação de Sumaré Cultural e como moradia Valinhos Conjunto Ferroviário de Valinhos Cultural e como moradia Várzea Paulista Conjunto Ferroviário de Várzea Paulista Ferroviário e administrativo Vinhedo Conjunto da Estação Ferroviária de Vinhedo Moradia 3 Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Fonte: elaborada pela autora. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 6 Em termos quantitativos, 36% dos bens ferroviários tombados possuíam um uso, 24% representaram patrimônios com dois usos, em 21% foram identificados três usos e 19% não possuíam usos (conforme as figuras 1 e 2). Figura 1: Gráfico. Fonte: elaborado pela autora. 7 Figura 2: Mapa. Fonte: elaborado pela autora. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 8 No que tange às categorias, a análise permitiu identificar que 30% dos bens eram utilizados de forma cultural4, 24% possuíam usos administrativos5, 16% eram compostos por estações de passageiros da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM)6, 14% eram usados como moradia7, 12% não possuíam usos8 e 4% foram categorizados com outros usos9 (conforme o gráfico da figura 3). A respeito das condições estruturais dos bens ferroviários com usos,10 42% foram identificados em condições regulares11, 36% em bom12 estado de conservação, 18% 4 Dentro dos usos culturais foram identificados: museus, centros culturais, casas de cultura, teatros, associações de preservação e centros de eventos. Entre os bens incluídos nessa categoria estavam: o Museu Edmundo Navarro de Andrade, o acervo da Estrada de Ferro Perus – Pirapora, a Rotunda de Cruzeiro, o edifício do antigo DOPS e o antigo sistema funicular de Paranapiacaba, além das es- tações: Santa Rita do Passa Quatro, Campinas, Mairinque, Descalvado, Luz e Júlio Prestes e por fim, os complexos ferroviários de Paranapiacaba (casa do engenheiro), Ribeirão Pires (armazém), Louvei- ra (estação), Andradina (estação), Piratininga (estação), Chavantes (estação), Araçatuba (oficinas e casa do engenheiro), Botucatu (estação), Sumaré (estação), Piraju (estação), Valinhos (estação), Chavantes (estação), Jaguariúna (estação). 5 Os usos administrativos incluíram: secretarias de lazer, cultura e turismo; cartórios eleitorais; poupa tempos, cooperativas municipais e escritórios da CPTM. Esses usos foram identificados em diferen- tes estações, sendo elas: Luz, Júlio Prestes, Brás, Guaratinguetá, Rio Claro, Espírito Santo do Pinhal, Campinas e Piquete, assim como nos complexos ferroviários de Franco da Rocha (estação), Jaraguá (estação), Rio Grande da Serra (estação), Várzea Paulista (estação e armazém), Caieiras (estação e armazém), Perus (estação e armazéns), Ribeirão Pires (estação e armazéns), Botucatu (estação) e Araçatuba (casa do engenheiro). 6 Os usos ferroviários foram caracterizados pelas seguintes estações de passageiros da CPTM: Luz, Brás, Júlio Prestes, Paranapiacaba, Jundiaí, Franco da Rocha, Jaraguá, Rio Grande da Serra, Várzea Paulista, Caieiras, Perus e Ribeirão Pires. 7 O patrimônio ferroviário utilizado como moradia contemplou as vilas ferroviárias localizadas nos conjuntos de Paranapiacaba, Jundiaí, Franco da Rocha, Caieiras, Jaraguá, Perus, Louveira, Sumaré e Valinhos, assim como a estação ferroviária de Vinhedo e os armazéns de Avaré. 8 Entre os bens que não possuíam usos estavam os complexos ferroviários de Piraju (armazéns), Botucatu (barracões), Jundiaí (armazém e cabine de medição), Cruzeiro (estruturas de manutenção), Chavantes (armazém) e Avaré (estação), além das estações de Cachoeira Paulista, Bananal e Barra- cão. 9 Os outros usos foram caracterizados como: ambientais, comerciais e educacionais. Dentro desse grupo estavam: o Horto Edmundo Navarro de Andrade (uso ambiental), a estação de Campinas (foi constatada a existência de uma lanchonete e de uma barbearia no local, classificados como usos comerciais), além do conjunto ferroviário de Jaguariúna (o armazém possui uso comercial sendo utili- zado como restaurante). 10 Para a análise das estruturas edificadas, o estado de conservação foi categorizado como: bom (estrutura sem danos), regular (fissuras, trincas ou pequenos danos arquitetônicos), precário (rachaduras, fendas ou danos graves, mas ainda reparáveis) e em ruínas (estrutura não completa, queda de paredes, ausência de cobertura e danos irreparáveis). 11 Entre os bens em estado de conservação regular estavam as estações de Campinas, Mairinque, Espírito Santo do Pinhal, Bananal, Rio Claro e os conjuntos ferroviários de Franco da Rocha (estação e a vila ferroviária), Jaraguá (estação, armazém e cabine de controle), Rio Grande da Serra (estação, caixa d’água e vila), Várzea Paulista (estação, armazém e vila), Caieiras (estação, armazém), Perus (estação e vila ferroviária), Louveira (estação e armazéns), Andradina (estação e armazéns), Sumaré (estação), Piraju (armazéns), Valinhos (estação), Chavantes (estação e armazéns), além do Horto Edmundo Navarro de Andrade. 12 Os bens que apresentaram bom estado de conservação incluíram as estações Luz, Brás, Guara- tinguetá, Descalvado, Júlio Prestes, Jundiaí, Piquete, Santa Rita do Passa Quatro, Botucatu e Piraju. Também foram contemplados nessa categoria o museu Edmundo Navarro de Andrade, a rotunda de Cruzeiro, o edifício do antigo DOPS e os complexos ferroviários de Paranapiacaba (estação, arma- Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 9 em condições precárias13 e 4% em ruínas14 (vide o gráfico da figura 4). A parcela de bens em estado de conservação regular e bom, que juntas constituíram 78% dos bens, estava diretamente vinculada aos usos contemporâneos, o que evidencia o fato de que a reutilização social influencia diretamente no estado de conservação dos prédios.15 Em contrapartida, das estruturas identificadas em condições precárias e em ruínas, que juntas totalizaram 22% do percentual total, apenas um bem patri- monial possuía uso (estação ferroviária de Vinhedo).16 Figura 3: Gráfico. Figura 4: Gráfico. Fonte: elaborado pela autora. Fonte: elaborado pela autora. zéns e vila ferroviária), Ribeirão Pires (estação, armazém e cabine de controle), Araçatuba (estação, armazéns e oficina), Jaguariúna (estação e armazém) e Piratininga (estação e armazéns). 13 Os bens ferroviários em precário estado de conservação incluíram a estação Barracão, o acervo da Estrada de Ferro Perus Pirapora, o antigo sistema funicular de Parapiacaba e os complexos ferroviá- rios de Cruzeiro (estação, armazéns e prédios administrativos), Avaré (estação e armazéns), Jundiaí (armazém e cabine de medição), Botucatu (armazéns e barracões) e o Vinhedo (estação). 14 Entre os bens em ruínas estavam a estação de Cachoeira Paulista e o complexo ferroviário Esta- ção de Jundiaí (rotunda). 15 Os bens ferroviários em estado de conservação regular incluíram as estações de Campinas (uso cultural, administrativo e comercial), Mairinque (uso cultural), Espírito Santo do Pinhal (uso adminis- trativo), Rio Claro (administrativo) e os conjuntos ferroviários de Franco da Rocha (usos ferroviários, administrativo e como moradia), Jaraguá (usos ferroviários, administrativos e como moradia), Rio Grande da Serra (usos ferroviários, administrativos e como moradia), Várzea Paulista (usos ferroviá- rios e administrativos), Caieiras (usos ferroviários, administrativos e como moradia), Perus (usos fer- roviários, administrativo e como moradia), Louveira (usos culturais e como moradia), Andradina (uso cultural), Sumaré (uso cultural e como moradia), Piraju (uso cultural), Piratininga (uso cultural), Valinhos (uso cultural), Chavantes (uso cultural), além do Horto Edmundo Navarro de Andrade (uso ambiental). Já os bens ferroviários em bom estado de conservação contemplaram as estações Luz (usos culturais, ferroviários e administrativos), Brás (usos ferroviários e administrativos), Guaratinguetá (usos administrativos), Jundiaí (uso ferroviário e administrativo), Santa Rita do Passa Quatro (uso cultural), Descalvado (uso cultural), Júlio Prestes (usos culturais, ferroviários e adminis- trativos), Piquete (uso administrativo) e Santa Rita do Passa Quatro (uso cultural); também foram contemplados nessa categoria o museu Edmundo Navarro de Andrade (uso cultural), a rotunda de Cruzeiro (uso cultural), o edifício do antigo DOPS (uso cultural) e os complexos ferroviários de Paranapiacaba (usos culturais, ferroviários e como moradia), Ribeirão Pires (usos culturais, ferroviá- rios e administrativos), Araçatuba (usos culturais e administrativos), Jaguariúna (usos culturais e co- merciais) e Piratininga (uso cultural). 16 Entre os bens ferroviários em estado de conservação precário destaca-se a estação Barracão e os conjuntos ferroviários de Cruzeiro (sem usos), Vinhedo (utilizado como moradia), os barracões do conjunto ferroviário de Botucatu (sem usos) e a estação e os armazéns de Avaré (utilizados como moradia). Entre os bens ferroviários em ruínas estavam o armazém do complexo da Estação ferroviária de Jundiaí (sem usos) e a estação Cachoeira Paulista (sem usos). Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 10 No entanto, essas informações referem-se exclusivamente a um grupo sele- to de bens que foram tombados pelo CONDEPHAAT e não representam a totalidade de estruturas ferroviárias existentes no Estado de São Paulo. Em pesquisas anterio- res, constatou-se que 337 estações ferroviárias foram reutilizadas com diferentes usos sociais, sendo eles: culturais, ferroviários, educacionais, administrativos, parti- culares, públicos, privados ou como moradia. As estações incluídas no levantamento contemplaram os prédios das três principais empresas ferroviárias estaduais (a Companhia Paulista de Estrada de Ferro, a Estrada de Ferro Sorocabana e a Com- panhia Mogiana de Estradas de Ferro). Em função do interesse pelo assunto, desta- ca-se que 43 estações incluídas nesse grupo foram reutilizadas de forma cultural17 (conforme a figura 5) 18. Além das estações, existem diversos armazéns, oficinas, galpões, rotundas, áreas esportivas e vilas ferroviárias no território paulista com diferentes usos e esta- dos de conservação. Tamanha é a representatividade desses bens em nível nacio- nal que até dezembro de 2015 mais de 630 imóveis foram inscritos na lista do patri- mônio ferroviário do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN (IPHAN, 2017). Porém, não há no Brasil e no Estado de São Paulo uma política es- pecifica ou projetos de reabilitação direcionados ao grande número de estruturas edificadas que compõe esse patrimônio. 17 Para maiores informações vide: SANTOS, Priscila Kamilynn Araujo; OLIVEIRA, Eduardo Romero. Patrimônio Ferroviário Paulista: Exame da eficácia dos usos culturais para antigas estações ferroviá- rias. Anais do REHABEND 2014 - Congreso Latinoamericano: Patologia de La Construccion, Tecnologia de La Rehabilitacion Y Gestión del Patrimonio, Santander: Graficas Iguña S.A, 2014. v. p. 2263-2268. Também cabe mencionar que, em 2016, o levantamento sobre os usos culturais das antigas estações ferroviárias foi atualizado com o apoio da equipe do projeto Memória Ferroviária (MF). 18 Foram identificados usos culturais nas seguintes estações: Guanabara (Campinas), central de Campinas (Campinas), Anhumas (Campinas), Tanquinho (Campinas), São Simão (Bento Quirino), Motuca (Jaboticabal), Valinhos nova (Valinhos), Helvétia (Indaiatuba), antiga Pau d’alho (Ibirarema), Santa Rosa (Santa Rosa do Viterbo), Júlio Prestes (São Paulo), Jaguariúna, Águas da Prata, Batatais, Brodowski, Orlândia, Amparo, Araraquara, Barra Bonita, Barretos, Bebedouro, Colina, Dracena, Junqueirópolis, Jaú, Lucélia, Mogi Guaçu, Santa Cruz das Palmeiras, Pirassununga, Pederneiras, Santa Bárbara d' Oeste, Santa Rita do Passa Quatro, São Carlos, Descalvado, Assis, Buri, Chavantes, Itararé, São Roque, Mairinque, Pirapozinho, Presidente Bernardes e Botucatu. http://lattes.cnpq.br/3956797190890450 http://lattes.cnpq.br/6385564645445607 11 Figura 5: Mapa. Fonte: elaborado pela autora. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 12 Diante do exposto, mostrou-se preeminente a discussão sobre as formas de reuso dos bens ferroviários, inclusive para reiterar a importância das políticas de preservação incluírem considerações sobre a destinação dessas estruturas. Sendo assim, esta investigação tem por objetivo compreender os usos do patrimônio ferro- viário através de um exame detalhado dos imóveis existentes no Conjunto Ferroviá- rio da Estação Guanabara (prédios de operação e manutenção, moradias e área esportiva), a fim de refletir sobre práticas de preservação e usos dos conjuntos histó- ricos pelos agentes sociais (figura 6). Para tanto, a pesquisa se sustenta na hipótese de que a reabilitação e a reutilização do conjunto ferroviário podem ser compreendi- das como uma das formas de preservação,19 de modo a potencializar a reinserção dos elementos patrimoniais outrora negligenciados ao tecido urbano contemporâ- neo. Figura 6: Mapa. Fonte: elabora pela autora. 19 Tal como os exemplos de reutilização do patrimônio industrial desenvolvidos em âmbito internacional (Matadouro de Madri na Espanha, Sugar City na Holanda e Kulturbrauerei em Berlim) e nacional (Cinemateca Brasileira, SESC Pompéia, ambos na capital de São Paulo, e também no complexo ferroviário de Paranapiacaba em Santo André). Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 13 Além do objetivo principal, buscou-se também identificar o estado atual e usos dos edifícios existentes no conjunto, a fim de compreender como cada um dos pré- dios era administrado; verificar a existência de projetos de reutilização e preservação que contemplassem outros edifícios na esplanada ferroviária, a fim de identificar a existência de articulação entre os gestores; evidenciar as políticas de preservação em âmbito estadual e municipal que incluíssem este conjunto (legislação patrimonial e urbana), a fim de compreender como o conjunto se relacionava com a cidade sob o prisma da proteção legal e urbanística; e refletir sobre as recomendações patrimo- niais e práticas contemporâneas em relação aos conjuntos históricos, em particular sobre o patrimônio industrial ferroviário, a fim de relacionar a teoria com a prática aplicada ao nosso objeto de estudo. A delimitação espacial da pesquisa inclui os seguintes imóveis existentes no conjunto: armazém de mercadorias (inaugurado em 1893); estação (edificada a par- tir de 1894); posto de truque, oficina mecânica, depósito e arquivo, departamento de linha e barracão de solda (inaugurados a partir de 1910); vila ferroviária (um primeiro núcleo de casas foi edificado em 1894 e outro, menor, a partir de 1920) e o estádio de futebol (inaugurado em 1940).20 Em suma, foram analisados 7 prédios (5 de ope- ração ferroviária e 2 de manutenção), 23 casas e uma área esportiva, ou seja, 31 bens ferroviários. No que tange ao recorte temporal da pesquisa, o mesmo tem inicio em 1996, ano em que foi aberto o processo de tombamento da estação Guanabara pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas – CONDEPACC (pro- cesso 002/96) e finaliza-se no final do ano de 2016. A escolha do período se deve especificamente ao fato da investigação tencionar sobre a história patrimonial que contempla o Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara. Assim, a intenção não foi traçar uma cronologia histórica sobre toda a existência da esplanada, mas contextu- alizar o objeto de estudo a fim de compreendê-lo enquanto patrimônio industrial fer- roviário. 20 As datas de inauguração dos imóveis contemplados na pesquisa foram retiradas do relatório da Mogiana de 1894 e também do trabalho desenvolvido por Anunziata (2013). Para maiores informa- ções vide as referências documentais e bibliográficas no final do trabalho. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 14 Justificativa O interesse pela gestão e preservação dos bens ferroviários surgiu durante o desenvolvimento da primeira pesquisa de Iniciação Científica (IC), financiada pela FAPESP (processo 2011/11765-2) e desenvolvida entre 2012 e 2013 a partir da análise comparativa entre os diferentes tipos de gestão cultural para antigas esta- ções ferroviárias na cidade de Campinas. Posteriormente, obteve-se a renovação da proposta de IC entre 2013 e 2014 pela mesma agência de fomento para aprofundar os estudos. A primeira investigação foi aprimorada e resultou no Trabalho de Con- clusão de Curso (TCC) intitulado Proteção e uso do patrimônio ferroviário: um estudo de caso a partir das estações de Campinas, enquanto os resultados obti- dos na segunda pesquisa foram lapidados e utilizados para elaboração do projeto para ingresso no Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PP- GArq/UNESP). Esta investigação se justifica por possuir um caráter inédito. Apesar de haver bibliografia sobre patrimônio cultural, os usos atuais do patrimônio industrial ferroviá- rio são poucos estudados – com destaque para a realização de inventários e catálo- gos técnicos e acadêmicos. Assim, esta proposta se distingue das demais já desen- volvidas, pois não busca apenas identificar quantitativamente as estruturas construí- das, mas compreender qualitativamente o processo de reutilização patrimonial nos aspectos históricos, sociais e políticos. Do ponto de vista temático, o estudo sobre a dinamização e valoração de conjuntos industriais ferroviários tem ganhado a atenção dos órgãos de preservação nos últimos anos. Desde 2007, o IPHAN tem realizado esforços para inventariação desses bens. Em termos nacionais, no ano de 2013, o Governo Federal lançou o projeto de investimento financeiro voltado para cidades históricas (Programa de Ace- leração do Crescimento - PAC 2), dentro do qual foram incluídos “sítios urbanos e complexos ferroviários declarados de valor cultural”, tais como a Vila de Paranapia- caba, contemplada no projeto com os recursos para a restauração de 250 estruturas edificadas (TOMAZINI, 2015). Assim, o trabalho sobre a reutilização do conjunto fer- roviário potencializa a análise de diferentes tópicos: as condições atuais dos bens, diferentes tipos de gestão e políticas culturais sob a concessão de agentes públicos e privados, bem como a complexidade que permeia as práticas de preservação e uso do patrimônio industrial ferroviário em questão. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 15 Do ponto de vista do objeto selecionado, cabem algumas considerações. Embora a cidade de Campinas possua diversos bens ferroviários de relevância para a história local, não foram constatados estudos extensivos sobre a reutilização patrimonial de conjuntos característicos do início da industrialização. É de valia ressaltar o caráter agregador da proposta, que traz reflexões acerca dos usos enquanto possibilidade de reinserção desses bens no contexto urbano, de forma a requalificar e revalorizar espaços industriais outrora abandonados. Metodologia proposta Essa investigação segue o método de estudo de caso proposto por Yin (2001 p. 35) que, como outras estratégias de pesquisa, “representa uma maneira de se investigar um tópico empírico seguindo-se um conjunto de procedimentos pré- especificados”. Além disso, se utiliza do método dedutivo, uma vez que se inicia na teoria para obter conclusões de um caso particular (SPIEGEL, et. al, 2012). Também cabe mencionar a natureza qualitativa do trabalho, que compreende um conjunto de diferentes técnicas interpretativas com o objetivo de descrever e decodificar os com- ponentes de um sistema complexo de significados (NEVES, 1996), e ainda o caráter exploratório, que tende a evidenciar tópicos desconhecidos ou pouco estudados (SPIEGEL, et. al, 2012). Em termos teóricos, foram realizados levantamentos bibliográficos sobre pa- trimônio cultural (arquitetônico, ambiental urbano e industrial ferroviário), preserva- ção e conservação de conjuntos históricos, instrumentos de proteção, recomenda- ções patrimoniais e práticas para o patrimônio industrial ferroviário. De forma com- plementar, como parte da reflexão teórico metodológica, executou-se um estágio na Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Sevilla (ETSA) – Espanha, por meio da concessão da Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE) – FAPESP (proc. 2015/07596-1). Durante o período de estágio foi possível contar com a orientação do Doutor Vicente Julián Sobrino Simal – Professor Titular do departamento de História, Teoria e Composição Arquitetônica e coordenador do laboratório de ativação de es- paços industriais de Sevilha - SevLAB21, direcionado à proteção, gestão, difusão e reativação do patrimônio industrial. 21 Para maiores informações vide: http://sig.urbanismosevilla.org/Sevilla.art/SevLab/SevLabTeam.htm Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 16 Embora não exista uma legislação específica para a preservação de conjun- tos de bens culturais (LEMOS, 2004), buscou-se documentação sobre a preserva- ção do complexo de edifícios estudado e seu entorno. Em primeiro lugar, pesquisou- se a respeito de leis de proteção legal (municipal e estadual), documentos de cessão dos espaços e projetos de uso, bem como a legislação urbana relativa ao objeto es- tudado. Esse trabalho de campo para coletas documentais foi realizado na Prefeitura de Campinas, no CONDEPACC, no Centro de Memória da UNICAMP (CMU), nos periódicos locais, disponíveis na hemeroteca do CIS – Guanabara no CMU e tam- bém no site oficial do Correio Popular (http://correio.rac.com.br/). Ademais, recorreu- se aos relatórios da antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro com o objetivo de identificar a representatividade histórica do conjunto para a antiga empresa e a funcionalidade dos diferentes prédios. De forma complementar, foi realizada uma análise circunstanciada do pro- cesso de tombamento pelo CONDEPACC, onde foram destacadas informações his- tóricas, as justificativas do parecerista e do conselho, as vistorias técnicas realizadas no bem na época do tombamento, assim como os protagonistas e atores coadjuvan- tes envolvidos no processo e a eficácia do instrumento. Também cabe destacar que para reconhecimento da área e dos elementos estudados foram elaborados mapas no software livre Quantum GIS (QGIS), um Sis- tema de Informações Geográfica (SIG) gratuito e licenciado pela General Public Li- cense (GNU). No que se refere à delimitação espacial, foram criados polígonos no Google Earth Pro – outro software gratuito que permite a navegação virtual em qual- quer região do globo terrestre e apresenta mosaicos de imagens de satélites que cobrem a Terra (MIRANDA, 2006) – e os mesmos foram importados para o QGIS. Dessa forma, a espacialização traçada dentro da área do Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara privilegiou a tipologia original dos bens: operação ferroviária, estruturas de manutenção, moradias e área esportiva. Para identificação do estado atual, proteção, usos e projetos existentes nos diferentes imóveis do conjunto estudado, foi produzida uma ficha de reutilização do patrimônio industrial ferroviário durante o estágio de pesquisa no exterior, com apoio do Professor Doutor Vicente Julián Sobrino Simal. Como projeto piloto, durante o estágio, o instrumento metodológico foi utilizado no Conjunto Ferroviário de Camas (Sevilha/Espanha), no Conjunto Histórico de Villanueva del Río y Minas (Espanha) e na estação Plaza de Armas (Sevilha/Espanha). Posteriormente, as fichas foram apli- http://correio.rac.com.br/ Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 17 cadas nos 31 imóveis existentes no Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara e inseridas no apêndice (6.2) desse trabalho. No que se refere ao conteúdo, as fichas foram divididas em dois fragmentos. O primeiro, caracterizado como “identificação e contextualização”, permitiu detalhar a denominação; a localização; a tipologia original da estrutura (operação ferroviária, estrutura de manutenção, área esportiva e moradia); o ano de criação; a antiga em- presa; o arquiteto ou engenheiro responsável pela construção; o contexto histórico; o proprietário atual; a situação da propriedade; o uso atual; o estado de conserva- ção;22 os valores identificados no prédio; a proteção patrimonial, o órgão de preser- vação e o número do processo, além de figuras antigas e atuais, plantas e croquis. De forma complementar, o segundo fragmento, intitulado “projeto de reutilização” evidenciou a fase projetual, a denominação, a descrição do projeto, os objetivos da proposta, o público alvo, a titularidade, a instituição responsável pela gestão, os ho- rários de funcionamento, algumas informações complementares, as referências bi- bliográficas e o nome da pessoa responsável pelo preenchimento. O inventário como instrumento metodológico auxiliou na compreensão quali- tativa do processo de reutilização. O resultado do esforço para elaboração de cada uma das fichas poderá ser utilizado posteriormente como uma ferramenta capaz de viabilizar o conhecimento do patrimônio industrial ferroviário a partir dos vestígios materiais existentes; valorizar o estado de conservação e os usos de cada um dos bens; alertar a urgência de medidas efetivas de proteção e suscitar reflexões sobre a atribuição de usos, que permita sua conservação (SOBRINO SIMAL, 2016). Para identificar informações complementares, mas não essenciais a essa in- vestigação, foram realizadas entrevistas com a coordenadora do CERECAMP, Leo- nice Fávero, com o coordenador do Centro de Inclusão e Integração Social da UNI- CAMP – CIS Guanabara, Odair Marques Silva e com um dos sócios da empresa proprietária do conjunto, Otair Guimarães. As entrevistas foram executadas seguin- do um roteiro previamente elaborado, composto por 11 questões abertas, tiveram duração de 40 minutos e foram gravadas com prévia autorização dos entrevistados. A execução do instrumento metodológico tencionou sobre: a utilização dos prédios pelas instituições responsáveis pela gestão, as atividades realizadas e quando elas 22 Utilizaram-se os critérios de conservação elaborados durante a análise dos bens ferroviários tom- bados pelo CONDEPHAAT, ou seja, bom (estruturas sem danos), regular (fissuras, trincas ou peque- nos danos arquitetônicos), precário (rachaduras, fendas e danos graves, mas ainda reparáveis) e em ruínas (estrutura não completa, queda de paredes, ausência de cobertura e danos irreparáveis). Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 18 foram implementadas; o processo de concessão ou aquisição da propriedade do(s) edifício(s); a existência de pessoas ocupando os imóveis antes da reintegração de posse; o planejamento e execução do projeto de reutilização; as intervenções físicas realizadas no local para implementação de novos usos; as dificuldades identificadas na gestão; as propostas de preservação para que a dimensão simbólica não se per- desse; as parcerias com empresas privadas, agências de fomento ou órgãos públi- cos para a gestão dos bens patrimoniais e, por fim, os contatos, vínculos ou parceri- as com gestores vizinhos que atuavam na área do antigo Conjunto Ferroviário. Dentro dessas considerações, o presente estudo articula leituras, reflexões teóricas e práticas com trabalho de campo ao longo de três capítulos. No primeiro serão apresentadas considerações sobre o patrimônio industrial ferroviário sob a perspectiva urbana, a sistematização de conjuntos históricos e alguns desafios e possibilidades para a gestão patrimonial. De forma complementar, no segundo capí- tulo serão destacadas as perspectivas históricas, patrimoniais e urbanas do Conjun- to Ferroviário da Estação Guanabara. Esses aspectos concederão subsídios para entender como se originou o processo de reutilização, a propriedade dos imóveis, os usos e como era realizada até o final 2016 a gestão de cada um dos bens ferroviá- rios inseridos no conjunto, o que será discutido no terceiro capítulo. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 19 1. RECOMENDAÇÕES E PRÁTICAS PATRIMONIAIS Este capítulo apresenta argumentos sobre as recomendações patrimoniais e práticas contemporâneas em relação aos conjuntos históricos. Devido ao fato do objeto de estudo envolver tanto as antigas estruturas industriais ferroviárias quanto o ambiente urbano, desenvolver-se-á uma reflexão que permita compreender a rela- ção sinérgica entre ambos. Como parte do patrimônio industrial ferroviário, os con- juntos históricos não possuem uma definição precisa, por isso destacar-se-á a sis- tematização e a evolução do conceito dentro das Cartas Patrimoniais. Essa reflexão permitiu identificar algumas estratégias de conservação, com destaque para a reabi- litação e a reutilização – ações constatadas no Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara. Salienta-se que o conteúdo expresso no texto não contemplou as dife- rentes teorias da restauração arquitetônica, pelo fato da pesquisa não possuir o in- tuito de analisar a formulação conceitual do restauro e tampouco propor um projeto arquitetônico de intervenção. Como não se pode deixar de mencionar, também se- rão evidenciados alguns desafios e possibilidades para a gestão do patrimônio in- dustrial ferroviário inserido na escala urbana. 1.1. O patrimônio industrial ferroviário sob a perspectiva urbana Ao longo dos anos, o conceito de patrimônio passou por um processo de expansão em termos tipológicos, cronológicos e geográficos. De forma sucinta, o primeiro marco expansivo se refere especificamente à incorporação de bens incluí- dos na categoria de patrimônio, antes pautada na preservação de testemunhos de gerações passadas e que se estendeu à arquitetura menor ou popular. O segundo caso alude às limitações preservacionistas focadas nos objetos da antiguidade e idade média enquanto fases significativas da história da humanidade, que foi supe- rada pela delimitação de períodos da formação territorial, relevantes para determi- nadas nações por meio da ampliação cronológica. E, por último, a perspectiva geo- gráfica assinalada pelas políticas de preservação, que passaram a contemplar não apenas os objetos isolados, mas o conjunto de elementos relacionados entre si (CHOAY, 2001). Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 20 A ideia de patrimônio como bens que possuímos em termos coletivos ou como recurso prático e simbólico, nos sugere que estamos diante de algo de valor, no sentido da importância atribuída, adicionada ou apreciada (BALLART, 2007). Isso porque o patrimônio pode ser compreendido como o conjunto das obras do homem nas quais uma comunidade reconhece seus valores específicos e particulares e com os quais se identifica. O reconhecimento dessas obras como patrimônio resulta do processo de seleção de valores (ICOMOS, 1999). É “pelo valor que, em nossa soci- edade, bens materiais, práticas, hábitos, produtos tangíveis e intangíveis da ativida- de humana são selecionados e investidos de uma significação específica e plena de consequências, em vários níveis e escalas” (MENESES, 2000, p. 35). Essa reflexão deve levar em conta as realidades territoriais com base nas atividades humanas es- táveis e em constante evolução, o que Alois Riegl (2014) caracterizou como valor histórico, artístico, simbólico, emocional e prático elucidado pela apreciação do arte- fato – segmento da natureza física socialmente apropriado – como elemento da memória – universo mental que adquire substância social e se materializa pela pro- dução cultural humana (CHAOY, 2001; MENESES, 2006; CRUZ PÉREZ e ESPAÑOL ECHÁNIZ, 2009; OLIVEIRA, 2010). Como consequência da ampliação conceitual, o tecido urbano e as constru- ções relacionadas aos processos de industrialização foram incluídos no escala de bens que compõem o patrimônio. Dentro desse contexto, os edifícios e sítios adquiri- ram espaço pela importância documental, pelas especificidades figurativas e estéti- cas, bem como pelo caráter de conjunto responsável pela conformação de paisa- gens. Esses aspectos possuem relação direta com o conceito de patrimônio urbano, estabelecido no sentido contrário à urbanização dominante (CHOAY, 2001). Ao des- tacar os artefatos considerados “menores” e assimilar os centros históricos – traçado inicial da cidade antiga, hoje englobado na cidade moderna –23 e os conjuntos urba- nos – agrupamentos articulados de construções –, viabiliza-se o reconhecimento do significado cultural24 dos tecidos e conglomerados arquitetônicos, cuja unidade de elementos figurativos, escalas e volumes constituem o testemunho histórico e estéti- 23 Conforme Salcedo (2007, p. 15), “os centros históricos representam o traçado inicial da cidade e são estruturas urbanas e arquitetônicas que expressam as manifestações políticas, econômicas, so- ciais, culturais e tecnológicas, das formações sociais dos diferentes períodos históricos”. 24 De acordo com a Carta Burra (1999), o significado cultural corresponde ao valor estético, científico ou social de um bem para as gerações passadas, presentes ou futuras. Esse significado cultural está incorporado ao espaço, à utilização, aos registros e aos objetos a ele relacionados. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 21 co que os qualifica. É dentro desse panorama que estão os exemplares pertencen- tes ao patrimônio industrial (UNESCO, 1985; UNESCO, 2008; RUFINONI, 2009). O interesse pelas tipologias urbanas referentes às primeiras décadas do sé- culo 20 surgiu na Inglaterra, quando foi definida a expressão “arqueologia industrial” (RODRIGUES, 2010). No que se refere aos protagonistas, é imprescindível não mencionar o Professor Donald Dudley, da Universidade de Birmingham, que em 1950 passou a realizar visitas com os estudantes a antigos espaços industriais. Co- mo consequência, essa prática passou a ser seguida por pessoas preocupadas com a preservação dos vestígios materiais derivados da Revolução Industrial (PALMER e NEAVERSON, 1998; THIESEN, 2006). O termo “arqueologia industrial” foi utilizado, oficialmente, em 1955, em um artigo de Michael Rix em The Amateur Historian, onde se clamava pela preservação dos remanescentes da industrialização ameaçados ao desaparecimento (PALMER e NEAVERSON, 1998; CANO SANCHIZ, 2007). Para Kühl (2008), o tema adquiriu destaque especificamente a partir de 1960, quando importantes testemunhos arquitetônicos do processo de industrializa- ção foram demolidos, como, por exemplo, a estação de Euston, em Londres, destru- ída em 1962. Ainda que a Inglaterra seja pioneira nas ações a favor da preservação em virtude de sua posição estratégica como protagonista da Revolução Industrial, o fenômeno progressivamente se expandiu para outros países. À vista disso, o estudo da arqueologia industrial não possui uma data específica, mas privilegia, como refe- rencial cronológico, as etapas industriais responsáveis por transformar as organiza- ções sociais e econômicas com base na tecnologia disponível em determinada épo- ca (CORDEIRO, 2004; POZZER, 2007). A respeito do assunto, Palmer e Neaverson (1998) destacam que a arqueo- logia industrial pode ser compreendida como o estudo da sociedade industrial a par- tir dos elementos materiais (objetos, estruturas e paisagens). Em outras palavras, a arqueologia industrial não estuda exclusivamente os objetos, mas o contexto cultural no qual os mesmos foram produzidos e consumidos. Para Thiesen (2006), a arqueo- logia industrial consiste no estudo acerca das mudanças sociais, econômicas e cul- turais oriundas do crescimento da organização capitalista na indústria por meio de suas evidencias materiais. A arqueologia industrial também pode ser entendida como uma metodologia de caráter interdisciplinar responsável por estudar e atribuir valor aos testemunhos históricos dos processos produtivos, sejam eles vestígios materiais ou imateriais. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 22 Enquanto metodologia, a arqueologia industrial potencializa a compreensão das es- truturas e dos processos que fomentaram o desenvolvimento das sociedades técni- co-industriais. Portanto, envolvem as fontes de energia, os lugares e espaços de trabalho, bem como as organizações produtivas e as formas de responder a deter- minada economia, baseada na mecanização dos processos produtivos (CONSEJO DE PATRIMONIO DEL ESTADO, 2011). A partir de 1960, a sociedade passou a valorizar os monumentos25 da indus- trialização, os quais não se limitam exclusivamente à arquitetura dos edifícios vincu- lados às unidades produção, mas englobam os complexos de estruturas que com- põem “os conjuntos industriais – fábricas, residências, enfermarias, escolas etc. – além dos meios de transportes e dos edifícios pré-fabricados [...] que são frutos do processo de industrialização” (KÜHL, 2008, p. 45). Para tanto, em 1978 foi criado o The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage – (TICCIH). O órgão se encarrega mundialmente da proteção, investigação e docu- mentação do patrimônio industrial. Em uma das conferencias realizadas pelo TICCIH na Rússia em 2003, foram estabelecidas relevantes considerações sobre o patrimônio industrial, as quais cul- minaram na Carta de Nizhny Tagil. O texto foi o primeiro de referência internacional a orientar a proteção e a conservação do patrimônio industrial. De acordo com o do- cumento, o patrimônio em questão “compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico”. Esses valores são intrínsecos aos sítios industriais, às estruturas constitutivas, à paisagem, à maquinaria, à documentação e aos registros que compõem a memória dos ho- mens (TICCIH, 2003, p. 3). Em decorrência da particular natureza e das questões que o afetam como resultado de sua relação com os contextos econômicos, legais, culturais e ambien- tais, o TICCIH juntamente com o International Council on Monuments and Sites (I- COMOS) publicaram em 2011 alguns “Princípios para a Conservação de Sítios, Construções, Áreas e Paisagens do Patrimônio Industrial”. Conforme o documento, também conhecido como “Princípios de Dublin”, o patrimônio industrial inclui: sítios, construções, conjuntos, cidades, paisagens, assim como a maquinaria, objetos e 25 Construção isolada, sítio urbano ou rural que concede testemunho de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico; que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural (ICO- MOS, 1964, p. 2). Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 23 documentos que ressaltam processos vinculados à produção industrial (ICOMOS - TICCIH, 2011). Entende-se como bem industrial os elementos ou conjuntos que compõem esse patrimônio, os quais podem ser subdivididos entre elementos móveis, imóveis e imateriais. Dentro da categoria de bens móveis se sobressaem os artefatos, os utensílios, os mobiliários e os acessórios do entorno social. Os artefatos incluem os mecanismos destinados à produção de energia ou ao transporte e à comunicação. De forma complementar, os utensílios abarcam as ferramentas necessárias para o desempenho dos procedimentos técnicos associados às atividades econômicas. Já os mobiliários e acessórios do entorno social contemplam os bens existentes dentro das residências e dos espaços industriais, sejam assistenciais ou de ócio. No caso dos arquivos, estão os documentos escritos e iconográficos, assim como os regis- tros e as fontes orais geradas pelas atividades econômicas e pelas relações sociais (CONSEJO DE PATRIMONIO DEL ESTADO, 2011). Além de abranger os bens materiais móveis ou estáticos, o patrimônio indus- trial inclui também os elementos intangíveis ou imateriais, como os conhecimentos técnicos, a organização do trabalho e dos trabalhadores e os legados sociais e cultu- rais que moldaram a vida de determinadas comunidades. O valor desses elementos pode estar expresso na cultura do trabalho representada pelo material construtivo e em seus componentes – máquinas, documentação e registros intangíveis (memó- rias, técnicas e costumes) (ICOMOS – TICCIH, 2011). Dentro da categoria de bens imóveis – foco da discussão – encontram-se os elementos, conjuntos, paisagens e sistemas. Os elementos industriais constituem os testemunhos das atividades industriais que a exemplificam, sendo eles isolados por natureza ou pelo desaparecimento de seus componentes. Em termos conceituais, os conjuntos industriais se caracterizam por conservarem os componentes materiais e funcionais de modo a prezar pela articulação entre os diferentes elementos. As pai- sagens industriais possuem caráter evolutivo e estabelecem um cenário privilegiado para observar as transformações e os usos que a sociedade fez de seus recursos ao longo do tempo. Por fim, os sistemas e as redes industriais, sejam para o transporte de água, energia, mercadorias, passageiros ou comunicações, constituem um tes- temunho material da ordenação territorial, da mobilidade das pessoas, dos produtos e ideias resultantes da arte de construir no período contemporâneo (CONSEJO DE PATRIMONIO DEL ESTADO, 2011). Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 24 Assim, fazem parte desse patrimônio os bens e locais produtivos (fábricas, moinhos, oficinas, minas e determinados espaços), tal como os edifícios e as cons- truções relacionadas a esses imóveis: armazéns e depósitos (onde se acondiciona- vam as matérias primas e os produtos); serviços (locais de abastecimento); comuni- cações (sistemas de transporte e toda sua infraestrutura formada por linhas de trens e estações, rotas fluviais, portos etc.) e os lugares onde eram realizadas as ativida- des sociais (vilas operárias, lugares de culto religioso, educação, lazer e recreação) (CASANELLES RAHÓLA, 2007). No decorrer dos anos o conceito de patrimônio industrial foi definido e rede- finido sobre diferentes perspectivas, ainda que não muito distintas no essencial. Pa- ra Julián Sobrino (2011), as atividades econômicas desenvolvidas no território têm gerado um complexo significativo e diversificado de testemunhos materiais e imate- riais que recebem o nome de patrimônio industrial. Os bens pertencentes a esse grupo também podem ser compreendidos como o testemunho da memória, da iden- tidade, do cotidiano, do trabalho e do lugar, pois sem homens, os edifícios e as má- quinas resultariam em elementos vazios de conteúdo (ÁLVAREZ ARECES, 2010). Ademais, trata-se de um vestígio da memória coletiva que contempla os aspectos que fazem referência à indústria (FELIÚ TORRAS, 1998). Esse patrimônio responde a um determinado processo de produção com um concreto sistema técnico, caracterizado dentro da manifestação das relações sociais capitalistas. Assim, os bens industriais se converteram em cultura material que se manifesta segundo a época de seu desenvolvimento, os setores da atividade e os territórios envolvidos no processo (LINAREJOS CRUZ, et. al, 2002). Também cabe destacar que esses vestígios formam parte da história e da cultura dos territórios e, por isso, são considerados elementos chave da identidade26 dos sítios contemplados com o processo de industrialização e que deixaram pegadas na paisagem e na me- mória coletiva (BENITO DEL POZO, 2007); aspectos que evidenciam não apenas o contexto territorial do patrimônio como resultado da evolução da tecnologia e do uso que a sociedade fez do meio natural, mas também as dimensões geofísicas, topo- gráficas, culturais, materiais e de auto representação pela comunidade, destacadas 26 De acordo com a Carta de Cracóvia (2000), a identidade consiste em uma referência coletiva que engloba tanto os valores atuais de um lugar ou comunidade, quanto os valores autênticos do passado. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 25 na conceituação de paisagem cultural presente na Recomendação R (95) e na Con- venção Europeia de Paisagem (CEP). À vista disso, não podemos deixar de mencionar que a paisagem designa uma parte do território assimilado por determinadas populações cujo caráter de ação e de interação seja resultado dos fatores naturais ou humanos. Quando interpreta- das de forma cultural – na medida em que são afetadas pelas ações do homem – as paisagens se caracterizam pela forma como determinados territórios são entendidos pelos indivíduos ou comunidades; e representam o testemunho do passado no pre- sente de modo a estabelecer relações entre os indivíduos e o ambiente em que vi- vemos, além de evidenciar as particularidades das culturas, locais, sensibilidades, práticas, crenças e tradições. Essas paisagens culturais ilustram a evolução da soci- edade humana no decorrer do tempo e do espaço com o estabelecimento dos valo- res sociais e culturais em diferentes níveis do território. Em suma, a paisagem deve ser reconhecida como um componente essencial do ambiente humano ou como uma expressão da diversidade do patrimônio cultural e natural. Todavia, esses fatores só podem ser analisados pela presença dos remanescentes físicos que evidenciam as atividades desenvolvidas no passado, bem como as experiências e tradições (RE- COMENDAÇÃO EUROPA, 1995; CONVÊNIO EUROPEU DA PAISAGEM, 2000). 27 A identidade dos espaços industriais se constrói sobre o reconhecimento da paisagem como recurso patrimonial e, para isso, se faz necessário analisar os valo- res simbólicos que cada comunidade e residente possuem individualmente e como os incorporam ao imaginário coletivo. Essa condição situa-se precisamente na rela- ção entre o patrimônio e seu entorno – meio característico, que faz parte da edifica- ção ou contribui para seu significado – 28 ambiental e territorial, pois da presente a- nálise emergem novos significados, inexistentes quando trabalhados de forma isola- 27 A categoria de “paisagem cultural” foi criada pela UNESCO em 1992 durante a 16º reunião da UNESCO realizada nos Estados Unidos, para registrar áreas ao redor do mundo que retratem obras do homem e da natureza e que também ilustrem a evolução da sociedade ao longo do tempo. Em síntese, trata-se de uma criação cultural que vai além da realidade física e objetiva composta tanto pelo novo quanto pelo velho, de modo dinâmico e evolutivo. Para maiores informações sobre o as- sunto vide: Recomendação de Paris Paisagens e Sítios (1962), Sobrino Simal (2011), Ribeiro (2007), Cruz Pérez e Echániz Español (2009), Crispim (2014), Figueiredo (2014) entre outros. 28 Além dos aspectos físicos e visuais, o entorno pressupõe “uma interação com o ambiente natural; práticas sociais ou espirituais passadas ou presentes, costumes, conhecimentos tradicionais, usos ou atividades, e outros aspectos do patrimônio cultural intangível que criaram e formaram o espaço” (ICOMOS, 2005, p. 2). De forma complementar, Motta e Tompson (2010) destacam que o entorno também pode ser compreendido como instrumento legal direcionado à proteção dos bens tombados e que visa inibir construções que comprometam a visibilidade do bem. Para maiores informações vide: a Declaração de Xi’an sobre a conservação do entorno edificado, sítios e áreas do patrimônio cultural, publicada pelo ICOMOS em 2005. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 26 da. Como consequência, o patrimônio industrial adquire um sentido que excede o valor estético para converter-se em um núcleo de ordem temporal e espacial como resultado da perda e esquecimento da memória de determinados lugares. Assim, os valores paisagísticos, as pegadas industriais e as heranças culturais e artísticas se unem em um mapa de recursos em um espaço contínuo (ÁLVAREZ ARECES, 2010). As peças desse quebra-cabeça patrimonial se caracterizam pelos edifícios, que, constantemente, aparecem vinculados a outros imóveis, responsáveis por for- mar conjuntos e sistemas. Esses elementos congregam estrita conexão funcional com as oficinas, armazéns, ruas, praças e jardins, lugares para ócio ou culto, estru- turas urbanas e cidades, capazes de se conectarem com outras por meio do trans- porte ferroviário e formarem paisagens industriais (BUSTAMENTE, 2009). No que tange ao conceito, as paisagens industriais são oriundas da industri- alização e se distinguem pela presença dominante das infraestruturas industriais e pelas evidencias do aproveitamento dos recursos do meio natural por intermédio da tecnologia. Esses bens são resultado de um dilatado processo por meio do qual as atividades econômicas têm transformado o território, de modo tão evidente que se tornou cada vez mais difícil identificar um lugar que se possa caracterizar como na- tural. As paisagens industriais viabilizam o conhecimento das transformações territo- riais e são caracterizadas pelos testemunhos e vestígios materiais. Cabe ainda mencionar que essas paisagens se acentuam pela variedade tipológica em relação ao setor original que representam, pelas atividades produtivas desenvolvidas, pelas etapas industriais históricas no mundo físico e pelas construções simbólicas e ações culturais resultantes do uso e interpretação do meio natural por diferentes culturas (SOBRINO SIMAL, 2011). Para a arqueologia industrial, a paisagem supõe um valor de primeira or- dem, pois sem o entorno que o tornou possível, o sítio industrial careceria de inte- resse contextual. Além disso, não é possível isolar os vestígios da industrialização das circunstancias que o originaram. O fator humano desaparece, mas a paisagem se mantém como testemunho dos homens que o viabilizaram, integrando os elemen- tos chave da arqueologia industrial: o território, a memória e a população. Isso nos leva a identificar as paisagens industriais como peças significativas para a compre- ensão das relações estabelecidas entre a sociedade, a industrialização e o meio na- tural (SOBRINO SIMAL, 2011). Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 27 É importante recordar que o patrimônio industrial possui relação direta com os processos de apropriação cultural que a sociedade estabelece com os vestígios do passado industrial, mediante a conservação dos testemunhos materiais ou imate- riais relacionados à memória do trabalho e do lugar (CONSEJO DE PATRIMONIO DEL ESTADO, 2011). As pegadas do patrimônio industrial no território se converte- ram em bens culturais29 e em um meio aplicado para afrontar o desenvolvimento sustentável em escala local e regional. Esse patrimônio forma parte da cultura dos territórios e inclui cidades, conjuntos urbanos e elementos móveis e imóveis onde é possível identificar vestígios de um passado industrial (ALBA DORADO, 2011; SO- BRINO SIMAL, 2011). Ainda que se reconheça o valor e a importância do patrimônio industrial e as diferentes categorias de elementos que o compõe – móveis, imóveis e imateriais –, esses bens estão sujeitos a variações econômicas, políticas e técnicas expressas no desenvolvimento de determinado setor produtivo ou empresa. No Brasil, as ações a favor da preservação do patrimônio industrial ainda são incipientes e delicadas dian- te do número de bens existentes no território. O reconhecimento do valor cultural dos edifícios esbarra em alguns entraves: imóveis com características arquitetônicas pouco apreciadas, dificuldade na compreensão do conjunto de elementos relaciona- dos entre si e as fortes pressões especulativas. Porém, nos últimos anos o tema tem se difundido de forma significativa, sendo que parte disso se deve à fundação do Comitê Brasileiro para a Preservação Industrial, TICCIH, em 2004, e ao aumento do número de trabalhos acadêmicos, debates, encontros científicos e bens tombados pelos órgãos de preservação em diferentes âmbitos (RUFINONI, 2009; SOUKEF, 2013). Nesse contexto, cabem algumas considerações sobre o patrimônio ferroviá- rio, que segue os mesmos preceitos do patrimônio industrial, sendo que ambos fo- ram negligenciados culturalmente pela sociedade até datas relativamente recentes. Conforme Kühl (1998), o patrimônio ferroviário está incluído no industrial e se carac- teriza pela forma, variedade, destinação e riqueza histórica. Os bens que compõem esse patrimônio possuem significativa importância histórica como testemunho de um passado recente. No Estado de São Paulo, esses bens são considerados significati- 29 Os bens culturais estão “inseridos em contextos espaço-temporais, integram atividades de determinados grupos sociais e não de outros, e são suportes de significados e de sentidos que são construídos e transformados tanto por essas mesmas atividades, quanto pelas estruturas de relacionamento social que as ordenam” (ARANTES, 2006, p. 431). Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 28 vos não somente para a história da arquitetura, mas também pela história social, econômica, da técnica e da ciência, além de ser um valioso testemunho do esforço realizado para o transporte do café, produto agrícola que contribuiu para o desenvol- vimento do Estado de São Paulo. Assim, o patrimônio industrial ferroviário envolve um significativo legado ter- ritorial, composto por estações, depósitos, oficinas, cabines de sinalização, pontes, viadutos, túneis, vilas ferroviárias, complexos de edifícios, objetos, equipamentos, modos de produção e as paisagens onde esses elementos estão inseridos. Não po- demos deixar de mencionar que diretamente relacionados a esses bens, estão os elementos pertencentes à cultura do trabalho, à transmissão oral, às instalações, os conhecimentos científicos ou técnicos e os modos de gestão empresarial (KÜHL, 1998; ÁLVAREZ ARECES, 2011). Esses bens integram parte do imaginário coletivo da sociedade e podem ser reaproveitados e consequentemente contribuírem para o reconhecimento da história e da cultura da industrialização (CAVALCANTI NETO e SOUKEF, 2009). Dessa forma, os bens pertencentes ao patrimônio industrial ferroviário de- vem ser compreendidos como ativos sociais a serem preservados, ainda que essa consideração seja alcançada, em alguns casos, após perderem a funcionalidade produtiva para a qual foram criados. Ademais, os bens industriais ferroviários consti- tuem importantes elementos para difundir a técnica, retratar a vida em determinada época e refletir sobre o significado da industrialização (CASANELLES RAHÓLA, 2007; FERRARI, 2010). Para Julián Sobrino (1998), o patrimônio industrial ferroviário se relaciona di- retamente com o urbanismo, pois suas dimensões espaciais são resultados de um largo processo no qual as sociedades transformaram a morfologia do território urba- no e rural. Assim, mais do que falar sobre a relação estabelecida entre as estruturas industriais inseridas nas cidades é preciso falar de urbanismo industrial em sentido duplo, primeiramente como processo que supera a tipologia do edifício isolado, e posteriormente como sistema que mescla produção, moradias e infraestrutura no marco urbano (IAPH, 2015). O urbanismo industrial tem, portanto, um importante valor didático ao retratar o passado de forma objetiva. Em termos práticos, os ele- mentos pertencentes ao patrimônio industrial ferroviário, quando bem estruturados territorialmente, falam por si a respeito de seus programas de progresso em um mundo essencialmente dominado pela produção massiva de objetos. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 29 O valor do conjunto industrial ferroviário está nos componentes que preser- vam a arquitetura e as instalações mecânicas, assim como nas vilas operárias loca- lizadas no entorno desses bens, combinando o produtivo com o residencial (ÁLVA- REZ ARECES, 2007; PARDO ABAD, 2008). Esses conjuntos constituem uma mos- tra coerente e representativa da importância desempenhada pelo sistema ferroviário. Faz-se referência, especificamente, a bens industriais ferroviários que possuem va- lor como símbolo das mudanças projetadas na vida social e econômica das regiões (ÁLVAREZ ARECES, 2011). Por conta disso, esse patrimônio deve ser interpretado por meio de uma leitura atualizada, integrada e científica, de modo a possibilitar que a sociedade compreenda nele parte da história local, regional ou nacional. Porém, quando se encontram em áreas urbanas, os bens pertencentes a esse patrimônio podem se tornar alvo de pressões imobiliárias, instabilidades e in- certezas. Para os bens inutilizados, esse problema se torna ainda mais agressivo. Em alguns casos, as administrações públicas acabam por ceder em sua defesa de- vido aos escassos recursos com os quais contam para a conservação e também diante da falsa estratégia de salvar apenas alguns elementos. Também cabe men- cionar as concessões de determinados bens patrimoniais realizadas pelo poder pú- blico à empresas privadas, as quais nem sempre possuem o objetivo de conservar e restaurar os imóveis. Aliado a esse imbróglio está a ausência de instrumentos de planejamento urbano30 que contemplem esses bens, o que consequentemente viabi- liza a debilidade e indefinição (BUSTAMENTE, 2009). As áreas industriais ferroviárias extensas, desativadas e degradadas, devem ser analisadas a partir de uma escala macro, de modo a considerar a interação com os diferentes fatores envolvidos na dinâmica urbana e o diálogo entre as diretrizes 30 Conforme Rolnik (1990) o planejamento urbano possui como princípio o “desenvolvimento integra- do e equilibrado”, ou seja, o crescimento e modernização de forma racional e controlada. Porém, mais do que um modelo de “boa cidade”, deve ser algo vivo; um local institucional onde sejam explici- tadas as contradições e as diferenças resultantes dos vários agentes. A definição do conceito possui relação direta com a elaboração de planos para melhoria do ambiente urbano. Cabe destacar que planejar significa encontrar diretrizes para corrigir os espaços mal organizados e improdutivos. “Signi- fica encontrar meios e propiciar condições para interferir nos setores menos favoráveis de uma estru- tura ou de uma conjuntura. Significa criar recursos econômicos suficientes para melhorar as condi- ções de vida das coletividades humanas. Significa aproveitar e adaptar exemplos e padrões adequa- dos venham eles de onde vierem. Significa encontrar fórmulas para um desenvolvimento regional harmônico. Significa, enfim, afastar os fatores de inércia cultural e econômica” (AB’ SÁBER, 1969, p. 260). Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 30 de planejamento e restauro31. Para isso, é necessário refletir sobre a inserção de novos elementos em sintonia com o preexistente, bem como propor novos usos a- propriados à escala e à dinâmica urbana local. A preservação do patrimônio indus- trial ferroviário deve considerar o equilíbrio entre os valores sociais, culturais e eco- nômicos juntamente com o desenvolvimento urbano. Por conseguinte, a dimensão urbana associada ao patrimônio industrial ferroviário demanda levantamentos e es- tudos cuidadosos e aprofundados, a fim de identificar os elementos que o compõem e a orientar projetos a serem executados nessas áreas (RUFINONI, 2009). Como destacado, o patrimônio industrial ferroviário agrupa edifícios constru- ídos em diferentes épocas e tipologias, cuja composição espacial seja resultado das atividades estabelecidas e executadas no território. Esses bens incluem tanto os edifícios quanto os espaços envoltórios vinculados entre si como resultado dos pro- cessos produtivos. Para Rufinoni (2009, p. 181) um bem patrimonial isolado pode esporadicamente, ser caracterizado com valores excepcionais, uma vez que trata-se de uma “rede de edifícios, inter-relacionados em torno da produção (galpões, vilas operárias, pátios de manobras, equipamentos etc.), cuja avaliação e preservação não fará sentido se os elementos que compõem não forem analisados em um con- junto, como um patrimônio urbano”. Essa análise potencializa a aproximação entre a dimensão temporal e espa- cial do patrimônio, o qual passou a ser compreendido como elemento de qualidade da vida urbana (NIGRO, 1999). Trata-se de uma doutrina original da urbanização que envolve tanto o valor contemplativo quanto o valor de uso dos monumentos, denominada por Gustavo Giovannoni (1873-1943) como patrimônio urbano. Embora se trate de um intelectual italiano preocupado com a dimensão estética do estabele- cimento humano, as concepções de Giovannoni adquiriram destaque na França com os estudos de Choay que, em 1992, atribuiu a ele a figura “historial” do patrimônio urbano fundamentada em três princípios. O primeiro consiste na necessidade de integrar os fragmentos urbanos antigos a planos diretores locais, regionais e territo- riais, a fim de denotar sua relação com a vida presente. Neste caso, o valor de uso é legitimado, do ponto de vista técnico, por meio de um trabalho de articulação com as grandes redes primárias de ordenação e sob a perspectiva da manutenção do cará- 31 De acordo com a Carta de Veneza (1964, p. 2) o restauro consiste em “uma operação que deve ter caráter excepcional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monu- mento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos”. Conjunto Ferroviário da Estação Guanabara (Campinas – SP): estudo sobre práticas de preservação e usos do patrimônio ferroviário 31 ter social da população. O segundo acentua que os bens patrimoniais não podem ser analisados sem levar em conta as construções e o ambiente que o compõem; isso porque a própria natureza da cidade e dos conjuntos urbanos, assim como seu ambiente, resulta da dialética da arquitetura maior e de seu entorno. De forma com- plementar, o terceiro compreende a reabilitação de bairros antigos com funções mais próximas possíveis do uso original (CHOAY, 2001; KÜHL, 2013; ZUCCONI, 2015). O passado e o presente são equacionados e a cidade é compreendida como elemento vivo a ser preservado. Para Salcedo (2013), entre as contribuições de Gio- vannoni destaca-se o fato do teórico não considerar a arquitetura unicamente pelo objeto, mas por incluir a trama urbana na análise, ou seja, o contexto em que o bem patrimonial está inserido. Os estudos desenvolvidos por Giovannoni buscavam esta- belecer uma relação sinérgica entre a cidade moderna e a antiga, com destaque pa- ra as transformações econômicas e administrativas que as envolviam. Ademais, o autor considerava ainda “que os núcleos urbanos antigos possuíam especificidades morfológicas, escalas compositivas e qualidades históricas e estéticas que exigiam uma atuação e uma destinação de usos apropriados” (RUFINONI, 2012, p. 69). Em síntese, a atuação de Giovannoni