Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação Luana Maia Woida Cultura Informacional Voltada à Inteligência Competitiva Organizacional no setor de calçados de São Paulo Marília 2008 Luana Maia Woida Cultura Informacional Voltada à Inteligência Competitiva Organizacional no setor de calçados de São Paulo Marília 2008 Trabalho apresentado ao Programa de Pós- Graduação em Ciência da Informação, da Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, campus de Marília, como parte das exigências para obtenção do título de mestre em Ciência da Informação. Orientadora: Profa. Dra. Marta L. Pomim Valentim Linha de Pesquisa: Informação e Tecnologia Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Woida, Luana Maia W825c Cultura informacional voltada à inteligência competitiva organizacional no setor de calçados de São Paulo / Luana Maia Woida – Marília, 2008. 254f. Dissertação de Mestrado (Mestrado – Ciência da Informação) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências. Orientadora: Profa. Dra. Marta Lígia Pomim Valentim Banca: Prof. Dr. Ricardo Rodrigues Barbosa e Profa. Dra. Bárbara Fadel Inclui bibliografia 1. Cultura Informacional. 2. Tecnologias de Informação e Comunicação. 3. Inteligência Competitiva Informacional. 4. Cultura Organizacional. I. Woida, Luana Maia. II. Título. III Marília – Faculdade de Filosofia e Ciências. CDD: CDU: Ficha catalográfica elaborada pela autora Luana Maia Woida Cultura informacional voltada à inteligência competitiva organizacional no setor de calçados de São Paulo Banca Examinadora: _________________________ Presidente e Orientadora Profa. Dra. Marta Lígia Pomim Valentim Departamento de Ciência da Informação Faculdade de Filosofia e Ciências Universidade Estadual Paulista – UNESP/Marília _________________________ Membro Titular Prof. Dr. Ricardo Rodrigues Barbosa Escola de Ciência da Informação Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG _________________________ Membro Titular Profa. Dra. Bárbara Fadel Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação Faculdade de Filosofia e Ciências Universidade Estadual Paulista – UNESP/Marília Marília,15 / 05 /2008. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à minha família que sempre me forneceu apoio (Iracema Couto Maia, Sandra Lúcia Couto Maia, Temístocles Maia, Francesca Maia Faria, Jamila Maia Woida). Dedico também ao grupo de pesquisa “Informação, Conhecimento e Inteligência Organizacional”, que quase como uma família, apóia o crescimento das pessoas que dele participam fornecendo a oportunidade de discutir intensamente os problemas organizacionais. Dedico especialmente à minha filha, Camila e ao meu companheiro, Carlos. AGRADECIMENTOS A Doutora Marta Lígia Pomim Valentim, por orientar este trabalho, com paciência e seriedade e servir sempre de inspiração profissional; Às contribuições dos professores Ricardo Barbosa e Bárbara Fadel, os quais fizeram parte da Banca de Qualificação e Defesa deste trabalho. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por financiar a pesquisa, a qual proporcionou muito mais do que recursos financeiros, ou seja, a oportunidade de dedicação exclusiva à pesquisa; Aos membros do grupo de pesquisa ‘Informação, Conhecimento e Inteligência Organizacional’: Letícia Gorri Molina; Bárbara Fadel; Cássia Regina Bassan de Moraes; Cíntia Gomes Pacheco; Daniela Pereira dos Reis de Almeida; Luciana Santarém; Luciane de Fatiam Beckman Cavalcante; Rodrigo Rodrigues; Viviane Lazarini; Amanda Martins Moraes; Cristiane Luiza Salazar Garcia; Débora Regina Cardoso; Heide Miranda da Silva; Lívia Domingues Silva; Maria Luiza Carpi Semeghini; Mariana Lousada; Thais Helena Freitas Fauvel por colaborar direta e indiretamente para a execução deste trabalho fornecendo informações e reflexões valiosas durante as discussões realizadas nas reuniões do grupo. Aos meus colegas do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação e demais pessoas que conheci na trajetória de desenvolvimento deste trabalho. Às professoras e demais profissionais do Centro de Convivência Infantil (CCI) da Unesp-Marília, por cuidar com tanto carinho da minha filha, enquanto eu me dedicava à pesquisa. WOIDA, L. M. Cultura informacional voltada à inteligência competitiva no setor de calçados de São Paulo: estudo sobre a relação entre as pessoas, a informação e as tecnologias de informação e comunicação. Marília: 2008. 263f. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, área de concentração Informação, Tecnologia e Conhecimento – Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp – Universidade Estadual Paulista, Marília, 2008. Trabalho Financiado pela FAPESP. RESUMO O setor de calçados do estado de São Paulo é uma das indústrias que mais contribui para suprir as demandas de calçados, tanto os demandados internamente no país, quanto em relação ao mercado exterior. Conseqüentemente, é uma indústria representativa para o Brasil, assim sendo necessita de informação e tecnologias de informação e comunicação (TICs), para trabalhar no ambiente competitivo, principalmente, em relação ao mercado externo e voltado à exportação. Esse setor demonstrou a necessidade da realização de um estudo que envolvesse temas como a inteligência competitiva organizacional (ICO) e a cultura informacional (CI), de forma a estabelecer a relação entre as pessoas, a informação e as tecnologias de informação e comunicação nesse contexto. Ressalta-se a relevância desta pesquisa, uma vez que poderá proporcionar um modelo concernente à CI das organizações pertencentes ao setor de calçados do estado de São Paulo. A partir da análise dos dados e informações coletados na realidade observada, foi possível propor um modelo de CI voltada ao processo de ICO. O objetivo principal desta pesquisa foi avaliar os processos e elementos constitutivos da cultura informacional essenciais ao processo de ICO em empresas do setor de calçados do estado de São Paulo. Pressupõe-se que exista uma relação, que deve ser investigada, entre os processos e elementos culturais orientadores das relações entre os indivíduos, informação e tecnologias de informação e comunicação enfatizando-se, principalmente, os processos de transferência de informação e conhecimento. Os procedimentos metodológicos foram ancorados na abordagem qualitativa, cujo método refere-se a pesquisa descritiva-exploratória, bem como ao método comparativo. Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados: um questionário, com perguntas mistas, um roteiro de entrevista e um roteiro de observação. Visando a análise qualitativa aplicou-se a ‘Análise de Conteúdo’ de Bardin, de forma a atender a complexidade dos temas abordados. Assim, a discussão enfocou os aspectos humanos como algo inerente e essencial às organizações no processo de ICO, visto que concorre com a importância atribuída às informações e às tecnologias de informação e comunicação no âmbito organizacional. Considera-se que os objetivos traçados para a pesquisa foram atingidos, bem como foi obtido um posicionamento sobre a presença ou não do processo de inteligência competitiva organizacional nas organizações pesquisadas. Além disso, a pesquisa trouxe contribuições relevantes à Ciência da Informação. Portanto, foi obtida considerável compreensão sobre os fenômenos sociais, culturais e tecnológicos inerentes ao processo de ICO e às indústrias do setor de calçados pesquisadas, visando, principalmente, contribuir para o desenvolvimento do referido setor. Além disso, os resultados obtidos revelam a ausência de uma base cultural voltada ao trabalho com a informação e, do processo de inteligência competitiva organizacional. Palavras-Chave: Cultura Informacional; Tecnologias de Informação e Comunicação; Inteligência Competitiva Organizacional; Informação Empresarial. WOIDA, L. M. Informational culture applied competitive intelligence: study about the relation between the persons, the information and the communication and information technologies. Marília: 2008. 263f. Dissertation (Master) Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, área de concentração Informação, Tecnologia e Conhecimento – Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP – Universidade Estadual Paulista, Marília, 2008. Trabalho Financiado pela FAPESP. ABSTRACT The footwear industry in the state of São paulo is one of the industries that more contribute to supply the footwear demand, both, in the country and abroad. Consequently, it is a representative industry for brazil, being so, it needs information and comunication and information technologies (ICTs), to work in the competitive environment mainly, regarding the foreign market and turning to exportation. This sector showed a need for achievement of a study that involves subjects such as the organizational competitive intelligence (OCI) and the information culture (IC), to establish the relation among people the information and the information and communication technologies in this context. The relevance os this research is relevanted, since it will be able to provide an IC concerning the model of the organizations that belong to the footwear industry in the state of São Paulo. From the analyses of data and information collected in the observed reality, it was possible to propose an IC model turned to the OCI process. The main objective of this culture, essential to the OCI process in companies of the footwear industry in the state of São Paulo. It’s presumed that there’s a relationship between the process and the cultural elements that must be investigated, focusing mainly in the information transfer and knowledge process. The methodological procedures were anchored in the qualitative approach, which approach refers to the descriptive-exploratory research, as well as to comparative approach. As data collecttion instrument were used: a questionnaire, with mixed questions, a script of the interview and an observation script. Aiming the qualitative analyses applied to the Bardin’s “Analyses Content”, in a way to attend the complexity in the approached subjects. Being so, the argument focused on the human aspects as somenthing inherent and essential to the organization in the ICO process that competes with the importance attributed to the information and to the information and communication technologies in the organizacional scope. It’s considered that the introduced objectives for the research were reached, as well as it was obtained a position about the presence or not from the organizational competitive intelligence in the researched organizations. Besides, the research brought relevant contributions to the Information Science. Therefore, a deep level of understanding about the social, cultural, technological phenomena inherent to the ICO process and to the footwear industries research was obtained, aiming at mainly contribute to the develoment of the above industry. Key-Words: Information Culture; Communication and Information Technologies; Organizational Competitive Intelligence; Business Information. LISTA DE FIGURAS P. Figura 1 - Gestão da Informação, Gestão do Conhecimento, Inteligência Competitiva..................................................................................... 25 Figura 2 - Fases e Operações para a Implementação de um Programa de Gestão do Conhecimento.............................................................. 30 Figura 3 - Ciclo de IC: 5 operações básicas.................................................. 45 Figura 4 - Processo de IC - Impacto!.............................................................. 46 Figura 5 - A Informação no Processo de Inteligência Competitiva Organizacional................................................................................ 46 Figura 6 - Tarefas Essenciais do Processo de Inteligência Competitiva Organizacional.......................................................................................... 47 Figura 7 - Esquema Geral da Transformação Social.................................... 60 Figura 8 - O Que a Cultura engloba?.............................................................. 91 Figura 9 - Evolução da cultura informacional............................................... 107 Figura 10 - Modelo de Aceitação da Tecnologia............................................. 108 Figura 11 - Modelo de Cultura Informacional.................................................. 114 Figura 12 - Cultura informacional como processo social de uso da informação e da tecnologia de informação e comunicação....... 115 Figura 13 - Comportamento Informacional - Empresa A................................ 143 Figura 14 - Elementos - Empresa A.................................................................. 146 Figura 15 - Processos - Empresa A.................................................................. 148 Figura 16 - Informação - Empresa A................................................................. 151 Figura 17 - Tecnologias de Informação e Comunicação - Empresa A.......... 154 Figura 18 - Comportamento Informacional - Empresa B................................ 156 Figura 19 - Elementos - Empresa B.................................................................. 158 Figura 20 - Processos - Empresa B.................................................................. 161 Figura 21 - Informação - Empresa B................................................................. 163 Figura 22 - Tecnologias de Informação e Comunicação - Empresa B.......... 165 Figura 23 - Modelo de Cultura Informacional Adaptado à Realidade Encontrada...................................................................................... 186 Figura 24 - Categoria Tecnologia de Informação e Comunicação - Empresa A....................................................................................... 214 Figura 25 - Categoria Informação - Empresa A............................................... 215 Figura 26 - Categoria Comportamento Informacional - Empresa A.............. 216 Figura 27 - Categoria Socialização - Empresa A............................................. 217 Figura 28 - Categoria Comunicação - Empresa A........................................... 218 Figura 29 - Categoria Mudança - Empresa A................................................... 219 Figura 30 - Categoria Líder/Herói - Empresa A............................................... 220 Figura 31 - Categoria História - Empresa A..................................................... 220 Figura 32 - Categoria Valores - Empresa A..................................................... 221 Figura 33 - Categoria Normas e Costumes - Empresa B................................ 222 Figura 34 - Categoria Crenças – Empresa A.................................................. 223 Figura 35 - Categoria Tecnologia de Informação e Comunicação – Empresa B....................................................................................... 225 Figura 36 - Categoria Informação - Empresa B............................................... 225 Figura 37 - Categoria Socialização - Empresa B............................................. 226 Figura 38 - Categoria Comunicação - Empresa B........................................... 226 Figura 39 - Categoria Mudança - Empresa B................................................... 227 Figura 40 - Categoria Comportamento Informacional - Empresa B.............. 227 Figura 41 - Categoria Líder/Herói - Empresa B............................................... 228 Figura 42 - Categoria História - Empresa B..................................................... 228 Figura 43 - Categoria Valores - Empresa B..................................................... 229 Figura 44 - Categoria Normas e Costumes - Empresa B................................ 229 Figura 45 - Categoria Crenças – Empresa B................................................... 230 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABRAIC - Associação Brasileira dos Analistas de Inteligência Competitiva ADI - American Documentation Institute ALA - American Library Association DW - Data Warehouse EDI - Eletronic Data Interchange ERP - Enterprise Resouce Planning IC/VT - Inteligência Competitiva / Vigilância Tecnológica ICO - Inteligência Competitiva Organizacional PARTTEN - Planning Assistance Through Technical Evaluation of Relevance Numbers ELECTRE - Elimination et Choix Traduisant la Realité AHP - Analytic Hierarchy Process MACBETH - Measuring Attractiveness by a Categorical Based Evaluation Technique OAIS - Open Archival Information System OLAP - On-Line Analytic Processing SCIP - Society of Competitive Intelligence Professionals SIG - Sistema de Informação Gerencial SIC - Sistema de Inteligência Competitiva SMIC - Sistema e Matriz de Impactos Cruzados SPT - Sistema de Processamento de Transação SSD - Sistema de Suporte à Decisão SSE - Sistema de Suporte ao Executivo SWOT - Streghts, Weaknesses, Opportunities e Threats TICs - Tecnologias de Informação e Comunicação SUMÁRIO P. CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO.......................................................................... 14 1.1 Organizações no Contexto da Informação e da Tecnologia.................. 14 CAPÍTULO 2 - MODELOS DE GESTÃO APLICADOS À ICO......................... 24 2.1 Gestão da Informação e Gestão do Conhecimento................................ 24 CAPÍTULO 3 – INTELIGENCIA COMPETITIVA ORGANIZACIONAL............. 34 3.1 A Informação como Problemática em Áreas Influentes sobre a ICO.... 34 3.2 Problemática do Modelo de Inteligência Competitiva Organizacional. 35 3.3 Definindo o Processo de Inteligência Competitiva Organizacional...... 38 3.3.1 Fases da Inteligência Competitiva Organizacional: uma idéia recorrente............................................................................................... 45 3.4 Fontes de Informação para a Inteligência Competitiva Organizacional............................................................................................ 49 3.5 Monitoramento para a Inteligência Competitiva Organizacional.......... 52 CAPÍTULO 4 - AS TECNOLOGIAS NO PROCESSO DE INTELIGÊNCIA COMPETITIVA ORGANIZACIONAL................................................................. 55 4.1 Conceito de Tecnologia Aplicado ao Ambiente Organizacional........... 57 4.2 Tecnologias de Informação e Comunicação........................................... 62 4.3 Relações das Tecnologias de Informação e Comunicação com a ICO............................................................................................................... 74 CAPÍTULO 5 – CULTURA ORGANIZACIONAL E INFORMACIONAL............ 76 5.1 Antropologia: entendimentos e influências sobre a cultura organizacional............................................................................................ 78 5.2 Definições de Cultura Organizacional...................................................... 83 5.3 Cultura Organizacional: sob o enfoque de Schein................................. 88 5.3.1 Os Três Níveis da Cultura....................................................................... 88 5.3.2 Constituição da Cultura: uma abordagem complexa e profunda...... 90 5.3.2.1 Questões de sobrevivência externa................................................... 91 5.3.2.2 Questões de integração interna......................................................... 92 5.3.2.3 Certezas profundas.............................................................................. 94 5.4 Cultura Informacional................................................................................ 97 5.4.1 Origem da Noção de Cultura Informacional......................................... 97 5.4.2 Definindo a Cultura Informacional........................................................ 98 5.4.3 Comportamento Informacional.............................................................. 99 5.4.3.1 Compartilhamento................................................................................ 104 5.4.4 Modelos Teóricos de Cultura Informacional........................................ 104 5.4.4.1 A utilidade percebida e a facilidade de uso percebida..................... 107 5.5 Posicionamento da Cultura Informacional no Processo de ICO........... 109 5.6 A cultura voltada à ICO: modelo conceitual de cultura informacional. 111 CAPÍTULO 6 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................. 117 6.1 Abordagem da Pesquisa........................................................................... 120 6.2 Delineamento da Pesquisa........................................................................ 122 6.3 Universo e População................................................................................ 122 6.3.1 Amostragem Sistemática....................................................................... 122 6.3.2 Caracterização das Empresas 124 6.3.1.1 Jaú – Empresa A ................................................................................... 124 6.3.1.2 Birigui – Empresa B................................................................................ 125 6.4 Instrumento e Técnica de Coleta de Dados............................................. 126 6.5 Procedimentos de Coleta dos Dados....................................................... 128 6.6 Procedimentos de Análise dos Dados..................................................... 129 6.7 Procedimentos de Ética em Pesquisa...................................................... 133 7 CAPÍTULO 7 -APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS.......................... 134 7.1 Disposição do Organograma das Empresas........................................... 134 7.2 Páginas das Empresas na Internet (Sites)............................................... 135 7.3 Documentos................................................................................................ 137 7.3.1 Documentos da Empresa B................................................................... 137 7.3.2 Documentos da Empresa A (Anexo 1).................................................. 138 7.4 Apresentação e Análise da Observação.................................................. 140 7.4.1 Apresentação e Análise da Observação da Empresa A...................... 140 7.4.2 Apresentação e Análise da Observação da Empresa B...................... 142 7.5 Apresentação e Análise dos Questionários Fechados.......................... 142 7.5.1 Questionários Fechados da Empresa A............................................... 143 7.5.2 Questionários Fechados da Empresa B............................................... 156 7.5.3 Resumo da apresentação e Análise dos Questionários Fechados... 167 7.6 Entrevistas.................................................................................................. 168 7.6.1 Entrevista com o Gerente da Empresa A..........................................,... 168 7.6.2 Entrevista com o Gerente da Empresa B.............................................. 176 7.7 Avaliação das culturas informacionais das empresas........................... 182 7.7.1 Avaliação da cultura informacional da Empresa A.............................. 182 7.7.2 Avaliação da cultura informacional da Empresa B.............................. 184 7.8 Ajuste do Modelo de Cultura Informacional............................................ 186 7.9 Comparação entre as Empresas A e B.................................................... 187 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 189 REFERÊNCIAS.................................................................................................. 194 APÊNDICES...................................................................................................... 207 APÊNDICE A – Questionário Estruturado...................................................... 208 APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista............................................................. 210 APÊNDICE C – Roteiro de Observação.......................................................... 213 APÊNDICE D – Apresentação da Pesquisa................................................... 214 APÊNDICE E – Categorias de Análise Empresa A........................................ 215 APÊNDICE F – Categorias de Análise Empresa B........................................ 226 APÊNDICE G – Entrevistas Transcritas......................................................... 233 14 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO 1.1 Organizações no Contexto da Informação e da Tecnologia As discussões acerca do desenvolvimento das organizações estão contempladas em diversas áreas do conhecimento. Algumas buscam compreendê- las em relação aos papéis sociais que desempenham ou aos efeitos de sua atuação na sociedade, como ocorre na Sociologia. Outras áreas buscam estudar as melhores práticas em relação à competitividade, visando a gestão, como se pode verificar na Administração e na Engenharia da Produção, entre outras. Da mesma forma, pode-se citar a Ciência da Informação como uma área dedicada aos problemas informacionais. A informação surge, mais recentemente, como objeto de preocupação do setor empresarial. No entanto, apesar das iniciativas atuais, investigar fenômenos organizacionais a partir das pessoas ainda recebe atenção insuficiente, principalmente quando a tentativa é estabelecer a relação entre a informação, a tecnologia e as pessoas. É nesse sentido que este trabalho pretende contribuir para a linha Informação e Tecnologia, do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – campus de Marília, visto que proporciona uma discussão teórica e aplicada sobre a informação e a tecnologia no ambiente organizacional, e acrescenta à discussão os aspectos culturais que envolvem esse contexto. No presente trabalho, buscou-se uma abordagem mais complexa sobre os temas mencionados no parágrafo anterior e, por isso, foram vinculados ao modelo de gestão, consagrado por enfatizar a informação como base para seu funcionamento, a tecnologia de informação e comunicação como ferramenta essencial, e, por fim, as pessoas que colaboram efetivamente com o processo de inteligência competitiva organizacional (ICO). Verifica-se que essa área atua a partir de um intrincado uso de diversas teorias e práticas que versam sobre os diferentes fatores que a organização deve atentar, como a competitividade e a produtividade, por meio do uso da informação e do conhecimento produzidos internamente e 15 externamente à organização, visando o processo decisório e o planejamento de curto, médio e longo prazo em relação às estratégias e vantagens organizacionais. É importante mencionar que no âmbito da ICO, as tecnologias de informação e comunicação (TICs) se sobressaem, a ponto de alguns teóricos, como Queyras e Quoniam (2006, p.73), afirmarem que a ICO se desenvolveu juntamente com as TICs, talvez por isso se encontre facilmente na literatura a abordagem da ICO vinculada ao uso das TICs. Devido a reconhecida importância das TICs para as organizações e para a ICO, faz-se necessário sua exposição a partir da vertente que desenvolve estudos sobre sua aceitação e impacto nas organizações. Por isso, considera-se relevante compreender o momento ou espaço para efetivar a relação das TICs, das pessoas e da informação, visto ser essa relação uma das questões fundamentais de competitividade para as organizações, assim como para qualquer modelo de gestão da inteligência competitiva organizacional (ICO). A ICO é um modelo que visa trabalhar a informação formal e informal do ambiente da organização com o intuito de transformá-la em recurso para a tomada de decisão. A gestão em ambientes organizacionais fundamentados em informação e tecnologia requer atenção sobre os aspectos culturais e sociais da organização. Portanto, a ICO se constitui em um modelo e processo de gestão de pessoas, de informação e tecnologia, sem os quais o processo não é concretizado. A cultura informacional não se define como um movimento antagônico aos interesses organizacionais, pelo contrário, tem no cerne de cada elemento e processo da cultura uma relação estreita com a informação e a tecnologia de informação e comunicação. Por isso, pode-se considerá-la como indispensável à ICO, porque permite às pessoas incorporarem melhor e mais rapidamente as mudanças, bem como possibilita e facilita um dos objetivos principais do processo de ICO, qual seja, uma tomada de decisão melhor fundamentada em informação relevante advinda deste processo. Sendo assim, juntamente à importância atribuída as organizações na sociedade atual, estão os recursos por meio dos quais as suas atividades podem ser desempenhadas. Não só as tecnologias de informação e comunicação são consideradas recursos indispensáveis, como também a informação e o conhecimento. 16 A problemática da pesquisa, inicialmente, observou a tendência em relação à forma como vêm sendo tratados, principalmente na literatura, os temas dedicados à informação, ao conhecimento e às tecnologias de informação e comunicação, bem como se fornecem subsídios para afirmar que esses temas estão se tornando, cada vez mais, prioridade para as organizações. A justificativa pode ser concentrada na forma como esses temas são percebidos em relação aos ciclos e processos maiores, como o da inteligência competitiva organizacional. Na realidade, defende- se que seria pretensão imaginar qualquer fundamento, na idéia de que esses recursos isolados representam as soluções para os problemas organizacionais. Apesar do avanço nas tecnologias de informação e comunicação e da expressiva redução de suas limitações, elas ainda dependem diretamente da ação das pessoas, visto que somente os indivíduos realizam os processos criativos de conhecimento, ou seja, os fenômenos cognitivos são inerentes ao homem. Enquanto as tecnologias de informação e comunicação são insuperáveis em quesitos quantitativos, as pessoas ocupam o posto principal como criadoras de conhecimento. Mesmo antes da ênfase dos últimos anos sobre a temática da cultura organizacional, estudos mais antigos – por exemplo: Elton Mayo, Douglas MacGregor, entre outros - demonstravam a existência de uma dinâmica organizacional, a qual pode ser entendida como se constituindo a partir das estruturas formais e padrões estabelecidos por normas, bem como pelos limites impostos pelo espaço físico, e isso também tem efeito sobre os objetivos, estratégias e funcionamento da organização. Esses estudos foram realizados há algumas décadas por administradores, psicólogos e engenheiros, os quais supriram as correntes mais voltadas à dimensão humana na organização e, por isso, se contrapunham às propostas de linhas mais quantitativas que concebiam o ser humano como uma extensão da máquina (HERSEY; BLANCHARD, 1986, p.57-101). Esses estudos sobre as pessoas foram realizados com base em diversas frentes de interesse. A cultura organizacional foi um dos temas mais requisitados para auxiliar a explicar ou entender a nuance não tangível e imprevisibilidade do ambiente interno da organização. Porém, o objetivo maior dos estudos realizados no passado permanece com o intuito de obter o máximo de controle sobre as ações das pessoas. A cultura ainda suscita estudos, porque seu objeto de estudo não pode ser caracterizado como estático e previsível. Sendo assim, é uma fonte rica de 17 fenômenos a serem estudados visto que os modelos gerenciais se tornam cada vez mais complexos, porque exigem intensamente o uso da totalidade dos recursos organizacionais, incluindo o conhecimento e a informação advindos das pessoas. Os recursos mais citados na literatura como indispensáveis às organizações são a informação, o conhecimento e as tecnologias de informação e comunicação. Entretanto, não estão dispersos e alheios ao ambiente organizacional e às relações de dependência que mantêm com as pessoas que atuam nas organizações. Por isso, há que se compreender, de maneira mais profunda, as relações que as pessoas mantêm com a informação, com o conhecimento e com as tecnologias de informação e comunicação, atuando segundo os parâmetros da cultura informacional. O tema da cultura organizacional em relação à geração, compartilhamento e uso de informação e conhecimento, ou simplesmente cultura informacional, é mencionada freqüentemente na literatura, como sendo essencial para o processo da inteligência competitiva organizacional, bem como para efetivar a gestão do conhecimento. Em menor escala, travam-se discussões que envolvem a cultura informacional e a gestão da informação, em teses de doutorado e dissertações como a de Mudalier (2002), Clemmons (2005) e Moraes (2004). A dimensão humana ou social é considerada parte fundamental para realizar o trabalho relacionado à informação e ao conhecimento, e possibilitar a competitividade1. Verifica-se que o simples fato de diversos autores mencionarem a cultura organizacional, enfatizando a cultura informacional como ponte necessária para a execução da gestão voltada à informação e que faz largo uso de tecnologia de informação e comunicação, fornece pressupostos importantes para levantar idéias pertinentes ao presente trabalho. Primeiramente, pressupõe-se que, para muitos autores, como os mencionados no parágrafo anterior, a cultura possui papel essencial para efetivar o ciclo informacional, a criação e uso do conhecimento, bem como para aferir competitividade para a organização. Em segundo lugar e de forma geral, ela se torna veículo indispensável para inculcar na realidade organizacional os 1 . Idéia presente em diversos autores da literatura pesquisada (QUEYRAS; QUONIAM, 2006, p.84; PÉREZ-MONTORO GUTIÉRREZ, 2006, p.117, 127; MIRANDA, 2006, p.158, 162; LIMA- MARQUES; MACEDO, 2006, p.247; MORESI, 2006, p.279, 286, 288, 291; ROBREDO, 2006, p.304; REY VÁZQUEZ, 2006, p.42-43; MERINO MORENO, 2006, p.60; TENA MILLÁN; COMAI, 2006, p.73; ARROYO VARELA; LARROSA JIMÉNEZ, 2006, p.133, p.137; ANTONIO ARRIETA; AZKARATE; ARANGUREN, 2006, p.150, p.155; GÓMEZ GÓMEZ, 2006, p.163) 18 pressupostos de modelos, de processos e sistemas, tal como os relacionados à gestão da informação e à gestão do conhecimento. Dessa forma, a própria literatura, enfatiza a relevância de estudar questões relacionadas às pessoas, inserindo-as nos propósitos da gestão voltada à informação e ao conhecimento. A importância atribuída à cultura informacional não ultrapassa, na maioria das vezes, a simples menção na literatura mais voltada às discussões que envolvem gestão de informação, gestão do conhecimento e inteligência competitiva organizacional. Percebe-se a necessidade de intensificar a discussão, visando compreender a participação das questões culturais nesses processos, a fim de traçar a relação entre as pessoas, as tecnologias de informação e comunicação, a informação e o conhecimento, atingindo, portanto a construção de uma proposta de modelo de cultura informacional. As pessoas estão inseridas em um ambiente organizacional caracterizado pela competição, pelo uso intensivo de tecnologias variadas e pela ênfase sobre o ciclo da informação e do conhecimento. O ciclo contempla fases relativas à criação, disponibilização e uso. Além disso, está implícito que esses fatores são, no mínimo, partes das rotinas diárias e, inevitavelmente, refletem-se na e a partir da cultura da organização, ou seja, os fatores se refletem na cultura, mas sua existência na organização se deve aos elementos e processos da cultura. A partir dessas considerações iniciais torna-se mais fácil compreender o tema central da pesquisa, qual seja, um estudo sobre a cultura informacional votada à inteligência competitiva organizacional em indústrias de pólos produtores do setor de calçados de São Paulo, especificamente voltado para algumas questões: De que maneira a cultura informacional pode ser, de fato, considerada a base para as ações dirigidas à competitividade no âmbito das indústrias de médio porte do setor de calçados? As ações e os processos destinados a efetivar a competitividade das indústrias de médio porte do setor de calçados dependem da presença e execução de uma cultura informacional? Como questões auxiliares à problemática da pesquisa: A cultura informacional é a base para melhor aceitar e utilizar as tecnologias de informação e comunicação? A cultura informacional existente nas empresas pode ser considerada base para a ICO? Existe ICO nas empresas pesquisadas? Um modelo conceitual de cultura informacional auxiliaria a avaliar a base competitiva da empresa ou seria apenas condição para implantação do processo de ICO? 19 A inteligência competitiva organizacional tem seu início reconhecido na década de 1990, principalmente pelo surgimento de associações como a estadunidense Society of Competitive Intelligence Professionals (SCIP), que iniciou suas atividades e popularizou o tema. Desde então, os adeptos da inteligência competitiva organizacional cresceram significativamente. A SCIP atua efetivamente desde 1986 e, conforme os dados por ela disponibilizados, congrega cerca de 71 países como membros associados e 7 grupos internacionais afiliados. Em relatório recente, concluiu-se que o crescimento dessa associação, comparando os anos de 2005 e 2006, ficou em torno de 10%2. Esses dados são relevantes e demonstram que a inteligência competitiva organizacional é uma área que, ao contrário do fim comum que os modismos da área de gestão possuem, continua crescendo em número de adeptos e, por isso, tanto a aplicação quanto o estudo permanecem relevantes na atual sociedade, mesmo tendo sua existência prolongada por quase duas décadas. Da mesma forma, no Brasil, existe a Associação Brasileira dos Analistas de Inteligência Competitiva (ABRAIC), que atua desde 15 de abril de 20003. Sua implantação significa que o tema e o problema do conhecimento nas organizações interessam às organizações brasileiras, e ao meio acadêmico. A inteligência competitiva é uma disciplina que se destacou nos últimos anos, não somente porque alguns governos de países desenvolvidos, como a França, aderiram aos conceitos, práticas e vantagens oferecidas por essa área, mas principalmente, porque o processo visa antecipar as mudanças do ambiente e prevenir futuros acontecimentos, o que facilita o uso das informações na tomada de decisão, bem como no planejamento de médio e longo prazo. O estudo proposto se concentra na dimensão social do processo, não obstante freqüentemente citada como indispensável e base do processo de inteligência competitiva organizacional. Sendo assim, verifica-se a necessidade em contemplar estudos que tenham como objetivo explorar e conhecer melhor a participação das pessoas como produtoras e usuárias de informação e conhecimento, bem como usuárias das tecnologias de informação e comunicação. Portanto, assume-se que a cultura informacional voltada ao processo de inteligência 2 Os dados descritos foram obtidos no site da SCIP. Disponível em: . Acesso em: 09 mar. 2007. 3 Mais informações podem se obtidas no site da ABRAIC. Disponível em: . Acesso em: 02 mar. 2007. 20 competitiva organizacional deve-se apresentar positiva e facilitadora deste processo, além de adequada às políticas adotadas para o desenvolvimento do mesmo, e obedecendo às características organizacionais e individuais das empresas. Por exemplo, se se assumir como política para a empresa que os comportamentos informacionais positivos devem ser realizados apenas por uma parcela dos indivíduos da empresa, então, a cultura informacional positiva é aplicada apenas nessa parcela. Porém, percebe-se que se trata de um posicionamento que visa proteger a informação e não o seu uso pelas pessoas. Nesse sentido, registra-se que outras opções são descartadas e inapropriadas para o entendimento do que deve constituir o processo de inteligência competitiva organizacional. A presente pesquisa define como universo dois dos três pólos mais importantes do setor de calçados do Estado de São Paulo, localizados nas cidades de Jaú, e região de Birigui (Birigui, Bilac, Bento de Abreu, Araçatuba, entre outras). Nesse sentido, o Estado de São Paulo possui grande importância para o setor, ficando em quarto lugar no volume de exportações no ano de 2007 (ABICALÇADOS, 2007). O terceiro pólo produtor de calçados considerado importante, porém não incluído na pesquisa é o pólo de calçados masculinos, presente na região de Franca. Ao contrário do excelente desempenho de outros setores voltados aos produtos básicos (FIESP, 2007), a queda no valor do dólar refletiu-se diretamente no setor de calçados, evidenciando estreita relação entre a diminuição do faturamento e da exportação em relação à queda registrada. De forma semelhante, a situação se reproduz no Estado de São Paulo, segundo maior produtor do setor no país, de acordo com dados disponibilizados pela ABICALÇADOS (2007). Apesar do crescimento no número de indústrias do setor, o faturamento no Estado teve queda de aproximadamente 7%. O setor vem enfrentando tendência negativa de aproximadamente 23%, desde 2004, no que diz respeito à exportação total do setor, no Brasil. Apesar desse cenário de declínio, a produção de calçados no país, teve um crescimento de mais de 5%, no período de 2004 a 2006 (SINDICATO DA INDÚSTRIA DO CALÇADO DE FRANCA, 2007). Além de definir o setor, é importante estabelecer o porte das indústrias para a pesquisa. Acredita-se que as pequenas empresas não possuem a mesma dinâmica em relação ao ambiente se comparadas às empresas de maior porte, bem como fazem pouco uso das tecnologias de informação e comunicação. Muitas são 21 consideradas empresas familiares, no sentido de que somente a família e, no máximo, poucos indivíduos não pertencentes diretamente à família atuam nela. Portanto, potencialmente possuidoras de uma cultura que pouco se aproxima do conteúdo de uma cultura informacional. De acordo com o (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Financiamento – Máquinas e Equipamentos (FINAME) e BNDES Participações S.A. (BNDESPAR) (1998, p.1), as grandes empresas do setor de calçados estão voltadas para o mercado interno, enquanto as micro e pequenas empresas são as que mais sofrem com as mudanças na economia. As empresas de médio porte direcionam a produção para o mercado externo, principalmente aos Estados Unidos (BNDES, FINAME; BNDESPAR, 1998, p.1). Sendo assim, as empresas de médio porte possuem características peculiares em relação às demais, pois atendem mercados diferenciados, e precisam trabalhar melhor a informação, por isso constituíram o foco desta pesquisa. A informação e a tecnologia de informação também têm impacto sobre a teoria da cultura organizacional. Um estudo na linha da cultura informacional busca discutir questões mais fundamentais sobre a competitividade e, portanto, é relevante como tema central desta pesquisa. É necessário afirmar que as discussões propostas e os resultados esperados são importantes para a Ciência da Informação, visto que se propõe a trabalhar temas de interesse dessa área, tal como as pessoas, não somente no sentido de usuárias, mas também como geradoras de informação e usuárias das tecnologias de informação e comunicação como recursos essenciais para as organizações. Como objetivo geral, pretendeu-se avaliar os elementos e os processos constitutivos da cultura informacional essenciais ao processo de inteligência competitiva organizacional (ICO) em indústrias do setor de calçados de São Paulo. Como objetivos específicos, esta pesquisa pretendeu: a) verificar os elementos e processos constitutivos da cultura informacional existentes nas indústrias; b) verificar nas indústrias pesquisadas a existência da ICO; c) analisar os elementos e processos constitutivos da cultura informacional, identificados nas indústrias, visando definir uma matriz que evidencie a relação entre a cultura, a informação/conhecimento e as tecnologias de informação e comunicação no processo de ICO; d) propor modelo teórico de cultura informacional para a 22 formação/construção de uma cultura informacional voltada ao processo de inteligência competitiva organizacional para o setor de calçados dos pólos pesquisados. Antes de apresentar um resumo do trabalho, é necessário mencionar parte das dificuldades enfrentadas na realização da pesquisa que foram, principalmente, a recusa de um dos pólos produtores de calçados em participar como sujeitos da pesquisa. Nesse sentido, o pólo que não foi possível aplicar os instrumentos, e, portanto, obter maiores informações para a construção de um modelo de cultura informacional, foi o pólo calçadista de Franca. Apresentando noções introdutórias, bem como justificativa, problema e objetivos, o capítulo 1 discorre brevemente sobre alguns dos conceitos tratados no decorrer do trabalho. Além disso, foi proposto que a discussão precisaria ser realizada em relação a três eixos: pessoas, informação e tecnologias de informação e comunicação. O capítulo 2 aborda a gestão da informação e a gestão do conhecimento, sob o ponto de vista de autores da ICO; enfatiza a apresentação de discussões vinculadas à gestão do conhecimento, visto que neste modelo se encontra a maior ênfase sobre as pessoas; ressalta a importância da construção de conhecimento para a tomada de decisão. A proposta do capítulo 3 foi definir o processo de inteligência competitiva organizacional, abordou as fases e etapas do processo, além de outros aspectos como o produto desse processo. O capítulo 4 pretendeu explanar sobre as tecnologias de informação e comunicação, buscando compreender sua relação com a informação e sua relação com as pessoas quanto ao uso efetivo da informação e das tecnologias de informação e comunicação. Apresentou também a relevância dessas tecnologias para o processo de inteligência competitiva organizacional. A cultura informacional foi abordada no capítulo 5, introduzindo o tema sobre a cultura organizacional e enfatizando a cultura informacional, além de estruturar em um modelo os principais elementos e processos dessa cultura, seguindo as três categorias principais: pessoas, informação e tecnologia de informação e comunicação. 23 O capítulo 6 enfocou os procedimentos metodológicos adotados, e visou unicamente explicar e explicitar sobre o delineamento da pesquisa, as técnicas e instrumentos utilizados, tanto para a coleta das informações como para a análise. A apresentação e análise dos dados estão contempladas no capítulo 7, apresentando todas as informações coletadas, bem como realizando breves análises sobre as informações. Além disso, também estão incluídas as avaliações da cultura informacional das empresas pesquisadas, além de um ajuste do modelo de cultura informacional proposto, levando em conta as particularidades encontradas nas empresas, indicando a presença de elementos e processos da cultura informacional, o que proporcionou a base para as diretrizes e matriz proposta. Por fim, nesse capítulo foi inclusa a comparação entre as duas empresas, sugerindo diretrizes para o setor, a partir da matriz pessoas, informação e TIC's. As considerações finais buscaram apresentar diretrizes ao setor de calçados do Estado de São Paulo, tendo como base tanto o modelo conceitual de cultura informacional, quanto o modelo adaptado à realidade encontrada nas empresas pesquisadas. Além disso, apresentam-se motivos e conclusão sobre a presença ou não da ICO nas organizações pesquisadas. 24 CAPÍTULO 2 MODELOS DE GESTÃO APLICADOS À ICO 2.1 Gestão da Informação e Gestão do Conhecimento A inteligência competitiva organizacional possui contribuições de modelos de gestão baseados na presença das pessoas, na informação e nas tecnologias de informação e comunicação. O vínculo se estabelece, principalmente, com a gestão da informação e a gestão do conhecimento. Para a discussão deste tópico, optou-se por recuperar a visão exposta por autores da ICO e, conseqüentemente, um ponto de vista desses modelos aplicado ao processo de ICO. Além disso, a relevância dos modelos para a compreensão sobre as pessoas, a informação e as tecnologias de informação e comunicação estabelece-se na medida em que são aspectos triviais na composição da gestão da informação e da gestão do conhecimento. A relação entre a ICO, a gestão da informação e a gestão do conhecimento integra parte das preocupações da literatura. Valentim (2002) demonstra os aspectos que aproximam esses modelos da ICO, sendo que as principais evidências estão centradas no foco de cada modelo e na maneira que a ICO adota para trabalhar a informação, bem como ressalta que o tipo de informação também consta como uma das diferenças em relação aos modelos. A figura elaborada por Valentim (2002) elucida sobre a efetiva relação e essência de cada modelo. 25 Gestão da Informação, Gestão do Conhecimento, Inteligência Competitiva Gestão da Informação Gestão do Conhecimento Inteligência Competitiva Foco: Negócio da Organização Foco: Capital Intelectual da Organização Foco: Estratégias da Organização � Prospecção, seleção e obtenção da informação � Mapeamento e reconhecimento dos fluxos formais de informação � Tratamento, análise e armazenamento da informação utilizando tecnologias de informação � Disseminação e mediação da informação ao público interessado � Criação e disponibilização de produtos e serviços de informação � Desenvolvimento da cultura organizacional voltada ao conhecimento � Mapeamento e reconhecimento dos fluxos informais de informação � Tratamento, análise e agregação de valor às informações utilizando tecnologias de informação � Transferência do conhecimento ou socialização do conhecimento no ambiente organizacional � Criação e disponibilização de sistemas de informação empresariais de diferentes naturezas � Desenvolvimento da capacidade criativa do capital intelectual da organização � Prospecção, seleção e filtragem de informações estratégicas nos dois fluxos informacionais: formais e informais � Agregação de valor às informações prospectadas, selecionadas e filtradas � Utilização de sistema de informação estratégico voltado à tomada de decisão � Criação e disponibilização de produtos e serviços específicos à tomada de decisão Trabalha essencialmente com os fluxos formais de informação Trabalha essencialmente com os fluxos informais de informação Trabalha com os dois fluxos de informação: formais e informais Figura 1: Gestão da Informação, Gestão do Conhecimento, Inteligência Competitiva Fonte: Valentim – 2002 A partir da figura demonstrada, tanto a informação quanto o conhecimento, bem como as tecnologias de informação e comunicação se confirmam como vitais aos modelos. Porém, a abordagem em relação à presença das pessoas é mais evidente na gestão do conhecimento; uma vez que os aspectos sociais e culturais são essenciais para esse modelo, visto que o fluxo de informação de interesse é o informal, ou seja, diz respeito ao que não se encontra registrado. No caso da gestão da informação, os procedimentos em relação à informação são automatizados, porquanto o fluxo de interesse recai sobre o que está formalizado, fato que permite armazenamento e transferência de informação mais facilmente. A ICO se abastece dos recursos e produtos dos dois modelos, proporcionando maiores resultados para a tomada de decisão. No entendimento de Queyras e Quoniam (2006, p.77), existe a expressa conexão entre a gestão do conhecimento, a gestão da informação e as tecnologias 26 da informação, todos compreendidos como parte do processo de inteligência competitiva organizacional. Porém, apesar de estar vinculada aos modelos e às tecnologias de informação e comunicação mencionadas, para esses autores, a ICO é entendida, atualmente, apenas como a atividade de monitoramento. Sendo assim, o processo de ICO não ganha a dimensão de um processo complexo, e mesmo as contribuições que a gestão da informação, a gestão do conhecimento e as TICs poderiam trazer para o processo ficam prejudicadas, visto que não existe ênfase sobre o processo, mas sobre uma das fases que é a coleta da informação. A percepção e o entendimento do que constitui a ICO influencia sobre a presença ou não desses modelos e das tecnologias de informação e comunicação no processo. Para compreender melhor a relação e as contribuições dos modelos de gestão para a ICO, faz-se necessário defini-los, bem como ressaltar suas características. O princípio fundamental pertinente à gestão do conhecimento é a construção de conhecimento organizacional. Essa construção depende da interação entre dois tipos de conhecimento: o conhecimento tácito, entendido como conhecimento subjetivo do indivíduo e, portanto, difícil de ser exposto formalmente; e o conhecimento explícito, que é aquele registrado e, portanto, possível de ser praticada sua gestão. Choo (2003, p.37; p.203) argumenta que os dois tipos de conhecimento não são excludentes mutuamente, mas complementares. As formas ou fases de interação entre os tipos de conhecimento são indispensáveis para compreender a gestão do conhecimento, visto que evidenciam que se trata de conhecimento e não de informação. Nesse sentido, expressam mais do que conversões de tipos de conhecimento, mas, principalmente, a presença das pessoas, como alicerce desse modelo de gestão. Os tipos de conversão possíveis são demonstrados usualmente na forma de fases distintas umas das outras, todavia, destaca-se que se deve considerar essa divisão apenas para efeito de exposição didática das idéias, ou seja, para facilitar a compreensão do mecanismo de conversão. Se a divisão proposta pela maioria dos autores que abordam sobre a gestão do conhecimento for colocada sob um exame mais atento, percebe-se que os limites entre as fases não são exatamente claros. Nonaka e Takeuchi (1997, p.68), principais autores que tratam sobre a gestão do conhecimento e que são citados para explicar os tipos de conversão possíveis: � A socialização: é o compartilhamento entre indivíduos a respeito das experiências, idéias e considerações sobre aspectos pertinentes ao grupo 27 do qual faz parte. É um dos mecanismos essenciais para qualquer cultura, o momento de tornar explícitos os conhecimentos individuais, a fim de construí-los e ajustá-los ao coletivo. A socialização possui como intuito principal a inserção de determinado indivíduo em um grupo. � A exteriorização: é o momento no qual a intenção é estritamente expor o que se conhece ao grupo, ou seja, transformar o conhecimento tácito em explícito. � A combinação: diz respeito ao instante dedicado às combinações entre os diversos conhecimentos exteriorizados. Nesse sentido, não existe uma conversão, mas antes uma criação a partir da combinação de conhecimento explícito com conhecimento explícito. � A internalização: segue o sentido oposto da exteriorização, isto é, trata-se da transformação do conhecimento explícito em conhecimento implícito. Esse momento evidencia a profunda relação com os aspectos sociais e culturais que envolvem a construção do conhecimento. Choo (2003, p.40) explica que “As experiências adquiridas em outros modos de construção de conhecimento são internalizadas pelos indivíduos na forma de modelos mentais ou rotinas de trabalho comuns”. A gestão do conhecimento é um processo contínuo de construção de conhecimento, cuja presença das pessoas é fundamental. O fato de criar conhecimento para a organização é suficiente para ser considerado um modelo importante para a ICO, porque respalda as decisões da organização com conhecimentos produzidos a partir da experiência dos indivíduos que a integram. Percebe-se que o entendimento de alguns autores sobre os modelos e, principalmente, sobre o objeto a ser gerido influi sobre a relação com a ICO. Nesse sentido, a gestão do conhecimento está mais presente na literatura de ICO do que a gestão da informação, pelo menos em relação ao uso do termo, porém em alguns momentos parece apenas substituir um termo pelo outro. Wilson (2006, p.54) apresenta uma visão diferente sobre a gestão do conhecimento, costurando uma crítica quanto aos princípios dessa disciplina. O autor defende a impossibilidade da prática da gestão do conhecimento, afirmando que o que realmente prospera na literatura é a gestão da informação. Para esse teórico, a gestão do conhecimento é uma falácia porque o conhecimento que se quer gerir reside nas pessoas e, por isso, as tecnologias de informação e 28 comunicação não são capazes de colocar esse conhecimento do tipo “tácito” em circulação, na forma registrada para usufruto da organização. Para Wilson (2006, p.54), a gestão da informação deve ser entendida como a [...] gestão do ciclo de vida até o ponto da entrega da informação para o usuário. O que acontece depois depende de muitos fatores, tais como o clima organizacional, os sistemas de recompensa, a cultura organizacional e assim por diante – todos fora do controle do gestor da informação. Para desestimular os argumentos que emergem a favor da gestão do conhecimento, os quais buscam fundamentar-se nos aspectos sociais e culturais considerados próprios da gestão do conhecimento, utilizados para diferenciar a gestão do conhecimento da gestão da informação, Wilson não se abstém de inseri- los na discussão, mencionando inclusive que não fazem parte das competências do gestor da informação. O autor (2006, p.54) complementa com a seguinte afirmação: “Não existe gestão do conhecimento, uma vez que o conhecimento reside nas pessoas”. Dessa forma, ele exclui completamente a existência da cultura informacional da organização, bem como a possibilidade de ampliar a ação dos gestores da informação em relação aos aspectos sociais. A opinião do autor sobre a gestão do conhecimento é extremamente relevante, pois traz contrapontos ao que é tratado como prosaico na literatura, porém limitada porque tenta inviabilizar a participação das pessoas. Contudo, no final do texto, o autor se encontra em posição duvidosa em relação ao que pode ou não ser considerado falácia para a gestão do conhecimento. O autor considera que “O que pode ser feito é tentar gerenciar a organização de modo a assegurar que o desenvolvimento da aprendizagem e das habilidades seja encorajado e que a cultura organizacional promova o compartilhamento da informação” (WILSON, 2006, p.54), isto é, existe uma possibilidade para viabilizar a gestão do conhecimento, qual seja a de trabalhar a cultura da organização, ou melhor, preparar as pessoas para trabalharem com a informação, principalmente em relação ao compartilhamento de informação. Essa é uma posição pouco comum na literatura, mesmo assim, acredita-se ser válido trazê-la para a discussão, com o objetivo de auxiliar a compreensão dos modelos de gestão, bem como evidenciar a necessidade das pessoas para a gestão do conhecimento e, portanto, para a ICO. 29 Compondo uma linha mais positiva em relação à gestão do conhecimento, o autor Perez-Montoro Gutierrez (2006, p.121) define a gestão do conhecimento, manifestando-se favorável à existência do modelo. A GC pode ser entendida como sendo a disciplina que se encarrega de projetar e implementar um sistema cujo objetivo é identificar, captar e compartilhar sistematicamente o conhecimento contido em uma organização, de modo tal que possa ser convertido em valor para a mesma. Quando o interesse é efetivar a gestão do conhecimento em uma organização, a primeira questão é identificar o que deve ser gerenciado e distinguir o que é considerado conhecimento para diferenciá-lo da informação. Entretanto, esse raciocínio separa elementos cujas fronteiras não estejam nitidamente separadas. [...] o conhecimento é todo aquele estado mental (ou seja, disposição neuronal concreta), que possui um sujeito, causado por determinada informação, e permitindo a esse sujeito tomadas de decisão adequadas e realização de ações concretas, resultantes dessas decisões (PEREZ-MONTORO GUTIERREZ, 2006, p.122). Na definição atribuída por Pérez-Montoro Gutiérrez (2006, p.124), a gestão do conhecimento encontra subsídios suficientes quanto à idéia de processo e de transformação dos tipos de conhecimento, bem como dá a ênfase necessária para os indivíduos enquanto usuários e produtores do conhecimento. O entendimento de Pérez-Montoro Gutiérrez (2006, p.124) é importante para apreciar e valorizar melhor sobre o papel das pessoas enquanto usuárias e produtoras de conhecimento na organização. Sendo assim, o autor define gestão do conhecimento como sendo [...] aquela disciplina que visa a projetar e implementar um sistema, com o principal objetivo de converter todo o conhecimento tácito, explícito, individual, interno e externo existente na organização, sistematicamente, em conhecimento organizacional ou corporativo. Este, ao ser acessível e compartilhado, permitirá aumentar o conhecimento individual de todos os seus membros, redundando diretamente em melhor contribuição desses indivíduos na consecução dos objetivos da própria organização (PÉREZ- MONTORO GUTIÉRREZ, 2006, p.124). Uma questão secundária, porém importante na gestão do conhecimento, é o papel da aprendizagem como processo que visa ampliar os conhecimentos do indivíduo, do qual se prevê considerável retorno à organização, perfazendo um ciclo, de forma que o indivíduo é orientado pelo modelo, criando conhecimento e agregando concomitantemente novos conhecimentos ao conhecimento coletivo da organização (PÉREZ-MONTORO GUTIÉRREZ, 2006, p.125). 30 Pérez-Montoro Gutiérrez (2006, p.125-126) destaca que, no processo de conversão do conhecimento do tácito para o explícito, sua importância é redobrada porque possibilita documentar o conhecimento e, sendo assim, materializa-o e torna- o mais facilmente acessível. Nesse momento, os sistemas e as tecnologias de informação e comunicação são indispensáveis. O autor chama esse enfoque de dimensão documentalista. A metodologia de implantação da gestão do conhecimento, proposta por Pérez-Montoro Gutiérrez (2006, p.126-127), deve ser considerada um modelo didático interessante porque demonstra os vínculos de dependências em relação às pessoas e às tecnologias. Pérez-Montoro Gutiérrez (2006, p.127) destaca que a gestão do conhecimento não deve ser entendida como a aplicação das tecnologias de informação e comunicação, mas afirma que estas têm relativa importância para o processo, ou seja, é necessário ponderar sobre outros aspectos relacionados à organização, tal como os relativos à dimensão da cultura organizacional. Segundo o autor, as fases para implantar a gestão do conhecimento são: Fase DE ANÁLISE Fase DE PROJETO Fase DE IMPLEMENTAÇÃO � Auditoria do conhecimento � Mapa do conhecimento � Gestão de conteúdos cognitivos � Desenho de recursos documentários � Comunidade de GC � Programa-piloto e migração � Desenvolvimento de ferramentas tecnológicas Figura 2: Fases e Operações para a Implementação de um Programa de Gestão do Conhecimento Fonte: Pérez-Montoro Gutiérrez – 2006 – p.128 Miranda (2006, p.157) entende que o processo da gestão do conhecimento deve obter conhecimento do tipo estratégico. No início de seu texto, delimita o tipo de conhecimento mais importante para a sua proposta de modelo. O mesmo autor define conhecimento estratégico como sendo [...] o tipo de conhecimento organizacional que abarca saberes relacionados ao planejamento, à descrição, ao impacto, à predição, à avaliação e à geração de estratégias, sendo formado por vertente explícita – as informações estratégicas e as de acompanhamento – e tácita – o conhecimento acumulado por estrategistas e decisores nos processos de formulação e decisão estratégicas (MIRANDA, 2006, p.158). 31 Na tentativa de diferenciar a gestão do conhecimento da gestão do conhecimento estratégico, Miranda (2006, p.158) define a gestão de conhecimento estratégico como [...] o processo de criação, captura, assimilação e disseminação de conhecimento organizacional, sendo formado por informações estratégicas e de acompanhamento, bem como pela “intuição” de estrategistas e decisores nos processos de formulação e decisão estratégicas. Apesar de válida, a definição não deixa explícita a real diferença entre os dois tipos de gestão do conhecimento, a não ser pelo fato de tratar apenas, e de forma restrita, de informações e conhecimentos relacionados ao nível estratégico organizacional. Ademais, estabelece como um dos fundamentos que as informações e os conhecimentos serão tratados para serem usados por decisores e estrategistas da organização. Sabe-se que esses profissionais posicionam-se de acordo com a estrutura organizacional, em cargos de nível hierárquico sempre mais elevados, porque são responsáveis pela tomada de decisão e, sendo assim, executam tarefas mais abstratas e diferenciadas das ações dos níveis tático e operacional, além de terem mais autoridade sobre os indivíduos da organização. Porém, há que se considerar que o conhecimento organizacional é formado, de maneira mais ampla, em todos os níveis organizacionais, sendo equivocado conceber o afunilamento do processo de gestão do conhecimento, visto que, logo de antemão, se percebe a participação e necessidade de mais indivíduos, e não somente os que constam no nível estratégico organizacional. Não se pode discordar das condições e elementos que fazem parte da definição atribuída por Miranda à gestão do conhecimento. Contudo, as condições e elementos citados por Miranda, não acrescentam muito aos entendimentos mais clássicos da gestão do conhecimento, pois a gestão do conhecimento estratégico trabalha no mesmo sentido da noção de gestão do conhecimento divulgada na literatura. Executa-se a gestão do conhecimento, estratégico ou não, com o intuito de abastecer o nível estratégico com conhecimentos suficientemente substanciais. Nesse sentido, a visão mais corriqueira da gestão do conhecimento, cumpre indiretamente a tarefa de fornecer o conhecimento estratégico. A gestão do conhecimento, na visão mais tradicional, se perfaz de dimensões e alcances bem maiores, porquanto não deve ser minimalista, visto que o tipo de conhecimento trabalhado é mais complexo, porque se perfaz de informações 32 que nem sempre estão atreladas ao nível estratégico organizacional, mas à estrutura como um todo da organização. Além disso, a gestão do conhecimento tradicional contempla fatores relacionados à estrutura informal, porque é estreitamente vinculado aos fatores sociais e culturais. Por estrutura informal, emprestando a definição de Oliveira (2001), uma vez que é um dos principais teóricos sobre a estrutura organizacional, pode-se entender como sendo [...] a rede de relações sociais e pessoais que não é estabelecida ou requerida pela estrutura formal. Surge da intenção social das pessoas, o que significa que se desenvolve espontaneamente quando as pessoas se reúnem. Portanto, apresenta relações que usualmente não aparecem no organograma (OLIVEIRA, 2001, p.82). Analisando as afirmações de Miranda (2006, p.159), pode-se supor que o entendimento expresso na definição de conhecimento carrega dois pressupostos centrais: deriva da informação; e deve necessariamente ser o resultado de um processo cognitivo, realizado por uma pessoa. Seguindo na mesma linha que entende a gestão do conhecimento como um conjunto de fases, Lima-Marques e Macedo (2006, p.250) definem a gestão do conhecimento como sendo um [...] conjunto de atividades que buscam planejar e controlar a obtenção, o tratamento e a distribuição de informações por meio de produtos e serviços com valor agregado, com a finalidade de dar suporte à tomada de decisões, garantindo vantagem competitiva no contexto organizacional. Rezende (2006, p.265) partilha de pontos comuns citados nas definições de gestão do conhecimento, preferindo inserir componentes que viabilizam o registro do conhecimento tácito, a fim de torná-lo acessível à organização. [...] a gestão do conhecimento consiste na identificação e mapeamento dos ativos intelectuais da organização, divulgando e gerando novos conhecimentos para a vantagem competitiva e compartilhando as melhores práticas e tecnologias que impulsionarão estes processos (REZENDE, 2006, p.265). Para Robredo (2006, p.303), a gestão do conhecimento é um conceito que advém da ICO, “[...] consiste em criar um fluxo otimizado dos conhecimentos, alimentada de forma cíclica por todos os atores da empresa” (ROBREDO, 2006, p.304). Constata-se, nas idéias de Tarapanoff (2006, p.24), que a gestão da informação é usada atualmente com a intenção de gerar competitividade à organização. A autora argumenta que a gestão da informação é atualmente 33 denominada de gerência de recursos informacionais, visto que procura atender a novos parâmetros, os quais estão submetidos às novas necessidades organizacionais, ou seja, às necessidades de monitoramento da concorrência, bem como à necessidade de se criar vantagem competitiva constantemente (TARAPANOFF, 2006, p.24). Assim, seu uso é direcionado ao ambiente externo da organização. Não que isso possa ser acusado como diferença com relação à gestão do conhecimento, contudo, a gestão do conhecimento parece mais dedicada a gerenciar conhecimentos produzidos internamente à organização. Tanto o que pertence ao escopo da gestão da informação, quanto o que pertence à gestão do conhecimento são de interesse à ICO. Por meio das definições de gestão do conhecimento, conclui-se que se trata de um conjunto de ações fundamentais para gerir dados, informação e conhecimento, fazendo uso das tecnologias de informação e comunicação, assim como possibilita a inserção das contribuições intelectuais das pessoas da organização em processos de criação de conhecimento e uso deste para gerar vantagens à organização. 34 CAPÍTULO 3 INTELIGÊNCIA COMPETITIVA ORGANIZACIONAL 3.1 A Informação como Problemática em Áreas Influentes sobre a ICO Os motivos pelos quais a informação, o conhecimento e a tecnologia de informação e comunicação continuam a ser temas reiteradamente relevantes em grande escala na sociedade hodierna respondem, de certa forma, por um passado histórico, que deve ser exposto para dimensionar a importância que lhes é atribuída. Para que os argumentos sobre a importância da informação, das pessoas, bem como da tecnologia de informação e comunicação possam ser desenvolvidos e auxiliar na condução dos temas centrais do presente trabalho, é necessário relatar alguns momentos e precursores das áreas que mais contribuíram, e ainda o fazem, para concretizar pressupostos sobre a Sociedade da Informação, que perfaz o ambiente das organizações, influenciando desde a estrutura da cultura informacional, até a presença das tecnologias de informação e comunicação. Tomando como base a literatura, algumas relações indicam que podem ser encontradas e delineadas aproximações em relação aos problemas contemplados no âmbito da gestão da informação e da gestão do conhecimento, sob a base teórica da Ciência da Informação, porquanto fazem uso de conceitos, métodos e outros aspectos da Ciência da Informação (CHOO, 2003; TARAPANOFF, 2006). As evidências desvelam e apontam vínculos entre as teorias que sustentam a Ciência da Informação, com os objetos e fenômenos relacionados à gestão da informação e à gestão do conhecimento no setor produtivo. No entanto, anterior aos fatos e influências da Ciência da Informação sobre as áreas de gestão, há que se considerar que existia um pano de fundo para estimular o crescimento e desenvolvimento da Biblioteconomia, da Documentação e, posteriormente, da Ciência da Informação. No caso, seria a relevância atribuída à informação na sociedade da época, final do século XVIII e início século XIX, e que se estende até a atualidade (RAYWARD,1997, p.3). É sob esse contexto impregnado de intenções que o estado teve um papel decisivo e, por isso, as áreas dedicadas a estudar os problemas relacionados à informação surgiram e tiveram condições para se desenvolver. Sendo assim, 35 considera-se que, para compreender a ICO, é necessário mencionar a Ciência da Informação, concebida como uma área de grande influência sobre a ICO. Parte do contexto que impulsiona o desenvolvimento da Ciência da Informação demanda e justifica a necessidade da ICO, porém tendo como foco a gestão das organizações. O interesse em comum converge, principalmente, sobre a informação, mas a problemática geral da ICO envolve outros aspectos, que serão tratados no tópico seguinte. 3.2 Problemática do Modelo de Inteligência Competitiva Organizacional As organizações atuais estão envolvidas em um contexto caracterizado por mudanças freqüentes, por pressões econômicas, políticas, sociais, culturais e tecnológicas advindas de diversos agentes que compõem o ambiente organizacional. Além disso, têm, dentre os recursos fundamentais para atuar no ambiente competitivo, a informação e o conhecimento. Esses ativos intangíveis são considerados os recursos que mais conquistaram espaço nas prioridades corporativas. No entanto, foram reconhecidos porque o avanço das tecnologias de informação e comunicação possibilitou maior agilidade ao ciclo informacional e, com isso, impulsionou as possibilidades das organizações. A ascensão e a importância atribuídas à informação e, mais recentemente, ao conhecimento, estão relacionados ao desenvolvimento tecnológico, muitas vezes promovido por meio de ações do Estado, principalmente os obtidos no decorrer das guerras mundiais do século XX. Antes desses acontecimentos, há que se considerar que a busca por diferenciais e vantagens entre as nações motivou o desenvolvimento dos fundamentos da ICO. Nesse caso, Queyras e Quoniam (2006, p.74) citam a França que, no início da década de 1990, adotou a inteligência com fins políticos para aplicá-la na economia; as ações desse país, quanto à aplicação de inteligência, estão fundamentadas no Relatório Martre. A Sociedade da Informação foi planejada em sua maior parte e baseada, primordialmente, em tecnologias de informação e comunicação. Além disso, aparentemente, trata-se de algo natural e aceito como conseqüência gerada a partir 36 da Revolução Industrial, mas que em seus pressupostos deixam evidências de que por trás de sua construção existiam intenções de obtenção de maior controle pelo Estado (MATTELART, 2002). A estatística foi considerada uma ciência valiosa para o Estado, por fornecer subsídios para estabelecer padrões e previsões. Além da estatística, outras áreas emergiram, fornecendo subsídios para as ações estratégicas do estado. Esses e outros fatos históricos da Sociedade da Informação são relatados em Mattelart (2002), cujo livro fornece informações fundamentais para o entendimento de como os pressupostos dessa sociedade foram construídos e o quanto foram úteis para as estratégias governamentais. O essencial a perceber é que até a atualidade mantêm- se os pressupostos de que a informação é fundamental para o funcionamento de qualquer organização, seja pública ou privada. O processo de inteligência competitiva organizacional possui como principal recurso, a informação, daí sua importância para a atual conjuntura. As fases consideradas essenciais para o processo de inteligência competitiva organizacional são: prospectar, captar, organizar, armazenar e disseminar a informação. Em tópico subseqüente, serão trazidos autores e as respectivas idéias sobre o processo de ICO. Dentre as atividades do processo de inteligência competitiva organizacional, a prospecção e o monitoramento do ambiente são as mais conhecidas. Discutir sobre a atividade de prospecção e monitoramento é especialmente interessante porque na própria história da inteligência competitiva organizacional se relata a dificuldade em distinguir a atividade de prospecção e monitoramento do processo de inteligência competitiva organizacional. Por isso, é necessário esclarecer que a prospecção e o monitoramento são fases/atividades do processo de inteligência competitiva organizacional. Provavelmente o cerne da falta de clareza conceitual entre a atividade de monitoramento e o processo de inteligência competitiva organizacional tenha sido movido pela valorização exagerada das tecnologias de informação e comunicação. Por algum tempo, o diferencial ficou atrelado à tecnologia, mas, nas duas últimas décadas, o fator humano nas organizações voltou a se valorizar visto que é a partir dele que o conhecimento pode ser gerado e compartilhado. Essa ascensão da pessoa em meio à valorização dos recursos intangíveis e do uso das tecnologias de informação e comunicação demonstra os limites desses recursos sem a participação 37 das pessoas. Por mais evoluídas que possam estar as tecnologias de informação e comunicação, é inexeqüível acontecer um ciclo informacional sem a presença de pessoas. Queyras e Quoniam (2006, p.75) explicam que “[...] na era da informação, o desafio não se resume à questão da armazenagem da informação, mas se estende ao fluxo de informações destinadas aos tomadores de decisão”. A participação das pessoas no ciclo informacional da organização, é enfatizada por outros teóricos que consideram relevantes dimensões variadas como a estrutural, tecnológica e a humana (DAVENPORT; PRUSAK, 1998)4. É freqüente vincular a inteligência competitiva organizacional aos avanços proporcionados pela Internet e, às exigências da globalização. Dessa forma, a inteligência competitiva organizacional só pode se desenvolver plenamente com o acesso às bases e fontes de informação eletrônicas (QUEYRAS; QUONIAM, 2006, p.75; FULD, 2007). Em relação a isso, discute-se a questão da prospecção e do monitoramento de informações legalmente expostas ou conseguidas de maneira ética, considerando-se um dos pressupostos mais importantes para os profissionais nessa área (OLIVEIRA, 2006). Para a maioria dos teóricos desse campo, a inteligência competitiva organizacional é um processo composto por ferramentas, que tem a informação como principal recurso. Por modelos de gestão e ferramentas que auxiliam o processo, tais como: a gestão da informação, a gestão do conhecimento e as tecnologias de informação e comunicação. Portanto, são indispensáveis para a execução da inteligência competitiva organizacional. É necessário citar a presença de tais modelos de gestão, e não somente as tecnologias de informação e comunicação, para deixar explícito que o ponto de vista assumido para o presente trabalho, não assume a inteligência competitiva organizacional como uma teoria, ou conjunto de teorias que avançaram somente das ações de prospecção e monitoramento. Trata-se de um modelo de gestão mais atual e que visa, diferentemente da idéias pertencentes à prospecção e ao monitoramente, gerenciar e usar inteligentemente os recursos (os possíveis de serem gerenciados), as informações e os conhecimentos da empresa. Nesse sentido, assume-se que a 4 A respeito dessa citação, é necessário acrescentar uma nota, pois algumas citações do livro Ecologia da Informação omitem o nome de um dos autores. Nesse sentido, fica registrado que além do autor Davenport, existe também o autor Prusak. Persistindo a dúvida, recomenda-se observar a ficha catalográfica do livro. 38 prospecção e o monitoramento são idéias influentes, e desse modo também se assume que a inteligência competitiva é uma arte milenar e que teve seu início com as idéias sobre estratégia presentes no texto “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu. Em suma, adota-se como idéia do que constitui a ICO, entendê-la como processo contínuo e modelo de gestão baseado essencialmente no uso de informação e conhecimento, nas tecnologias de informação e comunicação e totalmente imersos na cultura informacional da organização. Prestados os esclarecimentos iniciais, faz-se necessário explanar tópicos que abordem os aspectos da ICO de forma um pouco mais aprofundada, definindo-a a partir de autores da literatura. 3.3 Definindo o Processo de Inteligência Competitiva Organizacional A literatura sobre o assunto é vasta e as definições convergem sobre diversos aspectos e características consideradas fundamentais ao processo de ICO. É usual atrelar a ICO às tecnologias de informação e comunicação, ou seja, ao uso de aprimorados softwares de gestão da informação, além disso, o processo de ICO visa suprir com informações realmente relevantes à tomada de decisão (QUEYRAS; QUONIAM, 2006, p.75). Tarapanoff (2001, p.45) argumenta que as tecnologias advindas das telecomunicações são fundamentais para se ter inteligência nas organizações. Em outras palavras, a inteligência é o produto obtido do processo de ICO, são informações estratégicas para a tomada de decisão. Essa autora pertence a um grupo majoritário nessa linha de pensamento. Na realidade, não foram encontrados autores que não inserissem as tecnologias de informação e comunicação como requisito para se obter inteligência competitiva organizacional. Esse pensamento está apoiado, principalmente, na grande quantidade de informação disponível no ambiente de cada organização; nesse caso, as tecnologias de informação são ferramentas que auxiliam nessa perspectiva quantitativa. Além disso, também não se deve omitir as vantagens de as empresas aderirem ao uso das tecnologias de informação, principalmente em relação a maior agilidade que elas proporcionam nas trocas e interações com os atores do ambiente organizacional. 39 Tarapanoff (2001, p.45) entende a ICO como uma “[...] nova síntese teórica no tratamento da informação para a tomada de decisão, uma metodologia que permite o monitoramento informacional da ambiência e, quando sistematizado e analisado, a tomada de decisão”. A autora (2001, p.45) sintetiza algumas características necessárias à ICO: Constitui-se de um processo sistemático de tratamento e transformação do dado em conhecimento; Pauta-se no processo de monitoramento do ambiente, a fim de realizar, de forma iterada, a obtenção de informações sobre o ambiente no qual a organização é integrante ativa. Compondo uma linha interessante de inserção e uso da ICO em discussões que tratam do desenvolvimento sustentável das organizações, Ruthes (2007, p.43) corrobora com Tarapanoff (2001, p.45) ao afirmar que a ICO se direciona para o tratamento da informação, além de realizar o monitoramento das informações do ambiente. Nesse sentido, o monitoramento se confirma como um ingrediente indispensável ao processo de ICO. Oliveira (2006, p.1) não destoa das afirmações feitas até o momento sobre as características da ICO e afirma que “A inteligência competitiva com suas técnicas e modelos analíticos contribui com informações estratégicas oportunas ao processo decisório reduzindo o grau de incerteza do tomador de decisão”. Oliveira (2006, p.2) também registra que a ICO deve estar fundamentada em procedimentos éticos para conseguir informações legais, ou seja, não é conivente com a idéia de espionagem e comportamentos negativos dos profissionais diante dos procedimentos para se conseguir informação da concorrência. Especificamente nesse ponto, é relevante colocar que nem todos os autores destacam a necessidade de procedimentos éticos, porém parte considerável dos autores esboça alguma preocupação com o fato, como Fuld (2007, p.12) e Queyras e Quoniam (2006, p.83), que se preocupam com a coleta ética da informação atrelada à confiabilidade da fonte. Rouach e Santi (2001, p.553) confirmam que, geralmente, a ética é um dos aspectos mencionados pela maior parte da literatura de ICO. Autores como Crane (2005, p.234) questionam sobre a veracidade da ética usada na ICO. Certamente, está aberto o debate se a mera existência de uma situação competitiva outorga a uma organização carta branca para agir por qualquer meio, para abater seus competidores, incluindo 40 mentir, enganar, fornecendo informação falsa sobre competidores a consumidores [...] e outras práticas questionáveis (Tradução nossa). Mais uma vez, a idéia de sistematização da ICO é repetida em outra definição. Assemelhando-se ao entendimento de Tarapanoff (2001, p.45), Oliveira (2006, p.2) define a ICO como [...] o processo contínuo e ordenado para obtenção de informação das atividades desenvolvidas pela concorrência e das tendências gerais do ambiente de negócios, buscando proporcionar vantagem competitiva aos setores de interesse de uma empresa. O ciclo de inteligência é composto por quatro fases: planejamento, coleta, análise e difusão (Grifo nosso). A ICO é concebida também como parte da gestão estratégica da empresa. No relato do caso da AVNET, Hovis (2002, p.108) argumenta sobre o papel da ICO na estrutura estratégica da organização, atribuindo-lhe a função de analisar, utilizando-se de ferramentas e técnicas para proporcionar recomendações de impacto sobre as tomadas de decisão. Nesse sentido, ele define a ICO como [...] informação acionável. Em outras palavras, é dar oportunidade aos tomadores de decisão de sua empresa de considerar um conjunto de dados e agir em função dele. Mas você nunca os levará a agir, se não lhes disser o que os dados significam. Porque eles não têm tempo de sentar e refletir sobre esse significado. Quando você começa a oferecer recomendações, começa a exercer impacto (HOVIS, 2002, p.120). Em relação à definição de inteligência competitiva organizacional, Tarapanoff (2006, p.26) compreende que seja “[...] como um processo de aprendizado motivado pela competição, fundado sobre a informação, permitindo esta última a otimização da estratégia corporativa em curto e em longo prazo”. Seguindo uma linha mais aplicada ao marketing, juntamente com a corrente que utiliza a informação e o conhecimento como recurso essencial para a tomada de decisão, Garber (2001) se apóia nas técnicas estatísticas para demonstrar a aplicabilidade da inteligência competitiva voltada ao mercado. O autor (2001, p.26) define a inteligência competitiva como “[...] um conjunto de conhecimentos que as organizações armazenam e nos quais se baseiam para entender a lógica pela qual o mercado se movimenta, de modo a tomar partido destes conhecimentos na conquista do mercado”. Trata-se, especificamente, de produzir informações e conhecimentos para decisões com riscos relativamente menores, relacionadas à concorrência. Além disso, é interessante destacar que o autor considera que o conhecimento produzido a partir de informações disponíveis no ambiente da 41 organização, se for acessível e produzido também pelos concorrentes, não deve constar como inteligência. Em outras palavras, há inteligência quando houver vantagem competitiva. A inteligência competitiva organizacional é equivalente a um sistema de informação, cuja função é fazer o intangível se tornar tangível (QUEYRAS; QUONIAM, 2006, p.79). Queyras e Quoniam (2006, p.80) entendem a ICO de forma muito semelhante a Tarapanoff, ou seja, um “[...] processo de aprendizagem motivado pela competição, fundada sobre a informação, permitindo esta última a otimização da estratégia da organização a curto e longo prazo”. Na realidade, como as definições são muito semelhantes, principalmente nos termos escolhidos, presume-se que ambos tenham a mesma influência teórica, mesmo que tenham omitido a fonte da definição. Nenhum dos dois textos (de Tarapanoff e de Queyras e Quoniam), indica que a definição seja de algum autor específico, porém, nas referências do texto de Queyras e Quoniam, indica menção ao texto de Tarapanoff. No texto de Tarapanoff, não existem indicações, nas referências, de textos de Queyras e Quoniam. Mas não entraremos mais a fundo nessa discussão, já que esse não é um objetivo do presente capítulo, nem contribui para estabelecer as relações entre as pessoas, a informação e as tecnologias de informação e comunicação no âmbito da inteligência competitiva organizacional. Para Fuld (2007, p.5), a inteligência competitiva organizacional consiste em saber trabalhar a informação e identificá-la em ambientes variados e em formas variadas, mesmo que por meio de conversas informais. Sendo assim, considera que toda informação identificada no ambiente externo é relevante, e, para ser descartada ou não coletada, é necessário investigar se não existem vínculos com as informações que a organização possui, entre outras possibilidades. Além disso, o autor se refere à realidade da organização como uma pintura na qual o cenário que se espera entender não está nítido o suficiente, sempre faltarão informações. “Inteligência é usar informação de forma eficiente e tomar decisões com uma imagem menos do que perfeita. É ver claramente sua concorrência, compreender a estratégia e agir antecipadamente com esse conhecimento” (FULD, 2007, p.16). Hovis (2002, p.118), como Fuld, menciona a presença de algum grau de risco na composição da tomada de decisão. A imagem sobre o ambiente dificilmente estará clara e inteligível, pois o conhecimento gerado no processo de ICO é considerado imperfeito, porém suficiente para a ação (FULD, 2007, p.16). 42 De acordo com Tena Millán e Comai (2006, p.16), “A Inteligência Competitiva (IC/VT) é um processo sistemático de busca, seleção, análise e distribuição de informação sobre o ambiente, reconhecido e aceito em toda a organização” (Tradução nossa). Esses autores concordam em quase todos os aspectos com o que é mais tradicionalmente divulgado em relação à composição do processo de ICO, porém é relevante enfatizar as palavras finais da definição dos autores, pois se presume que contenham uma idéia importante em relação à cultura organizacional. Eles afirmam que o processo deve ser aceito e reconhecido por toda a organização, ou seja, o fato de ser reconhecido implica que a cultura presente na empresa deve estar alinhada ao processo e vice-versa, pois só assim as pessoas conseguem aceitar o processo e praticá-lo da forma colocada por Tena Millán e Comai. Todavia, voltaremos ao tema da cultura organizacional e informacional no capítulo 5. Na linha que enfatiza a informação como sendo o principal insumo para o processo de ICO, Rey Vázquez (2006, p.30) argumenta que “A inteligência Competitiva é um conceito relativamente novo, que tem como objetivos a busca da “boa” informação do ambiente externo da organização, e imediatamente a converte em um produto inteligente para a tomada de decisões” (Tradução nossa). Arroyo Varela (2006, p.116), relatando sobre a aplicação da inteligência competitiva no setor hoteleiro, afirma que a ICO é uma atividade e constitui-se como “[...] vital para a viabilidade de uma organização, pois ajuda a estas empresas, entre outras coisas, a um melhor entendimento dos negócios e da indústria e a uma aprendizagem contínua das estratégias corporativas e de negócio dos competidores” (Tradução nossa). Em outras palavras, mantém parte da atenção, recursos e compreensão na concorrência. Trazendo para a discussão um dos pontos mais polêmicos, ou seja, sobre a disponibilidade da informação às pessoas da organização, Rouach e Santi (2001, p.553) reafirmam em sua definição a síntese das características mais usualmente mencionadas nas definições de ICO: [...] é uma arte de coleta, processamento e armazenamento de informação para que fique disponível às pessoas em todos os níveis da organização para ajudar a formar seu futuro e protegê-la contra ameaça competitiva atual: deve ser legal e respeitar códigos de ética: envolve uma transferência de conhecimento do ambiente à organização dentro de regras estabelecidas (Tradução nossa). 43 Torna-se um ponto polêmico, pois a disponibilidade é controversa no sentido de que a informação que passa pelo processo de ICO é acrescida de algum valor para a organização e, portanto, o acesso a ela deve ser direcionado e permitido a algumas pessoas. A restrição à informação é indispensável, principalmente por questão de segurança, sendo que se pode exercer maior controle sobre o acesso e sobre o uso da informação. Na visão de Miller (2002, p.35), “O processo de inteligência baseia-se no entendimento de que os gerentes precisam estar sempre bem informados sobre questões fundamentais de negócios de maneira formal e sistemática. Inteligência é a informação filtrada, depurada”. Nesse sentido, a informação é previamente direcionada a um grupo específico de pessoas na organização, quais sejam, os gerentes. Não integra o interesse deste capítulo desenvolver entendimentos sobre a relação entre os termos nas definições dos autores citados, porém faz-se necessário incluir uma reflexão, a qual talvez não tenha implicações sobre a teoria dos autores. Como em relação a esse aspecto não existe consenso, preferiu-se mencionar o fato, para evitar desvios na interpretação da opção tomada. Existem alguns termos utilizados para designar a prática da ICO: a idéia de ciclo de inteligência competitiva; a idéia de processo de inteligência competitiva; a idéia de ferramenta de inteligência competitiva; e, a idéia de programa de inteligência competitiva. A idéia de ciclo se assemelha bastante com a de processo, pois ambos possuem essencialmente sua formação baseada em fases seqüenciais, bem como visam o ambiente como um todo da organização. Por exemplo, pode-se perceber essa ênfase em Arroyo Varela (2006, p.118), quando afirma: “O processo de Inteligência começa, portanto, com a identificação e articulação de requerimentos, quer dizer, aquelas questões a que se necessita dar resposta para poder levar a cabo uma tomada de decisão efetiva”. A definição de Valentim et al. (2003, p.2) também se insere na perspectiva de processo e representa a perspectiva adotada para o presente trabalho. A inteligência competitiva é o processo que investiga o ambiente onde a empresa está inserida, com o propósito de descobrir oportunidades e reduzir os riscos, bem como diagnostica o ambiente interno organizacional, visando o estabelecimento de estratégias de ação a curto, médio e longo prazo. 44 A idéia de conjunto de ferramentas apresenta-se bastante próxima ao uso de técnicas de gestão, as quais podem ser implantadas e controladas com o objetivo de gerir a informação (TARAPANOFF, 2001; TENA MILLÁN; COMAI, 2006, p.77). A idéia de programa é a mais frágil porque transparece que a ICO pode ser implantada e necessária durante determinado tempo, sendo que não é um processo que integra os objetivos de longo prazo da organização, não é contínua. Porém, como última idéia, existe uma que menos se aproxima da complexidade das fases do processo de ICO, como, por exemplo, a apresentada por Gieskes (2002, p.97), que relata o caso da prática da ICO na Lexis-Nexis Group, “[...] é qualquer informação ou conhecimento relativo ao mercado que mantenha nossa empresa competitiva”. É uma visão que exclui a participação de pessoas do ambiente interno organizacional e, portanto, profissionais dedicados a trabalhar a informação. Resumir a ICO à coleta de dados ou informações não parece o caminho mais indicado para as organizações conseguirem vantagens competitivas; sem dúvida, a coleta é uma parte importante, mas não o passo primordial. Percebe-se que, apesar das diferenças, existem as semelhanças nas idéias apresentadas pelos autores, os quais descrevem e dividem a ICO em fases ou ações necessárias para gerir a informação, mas é essencialmente uma maneira de se obter vantagem competitiva, bem como de ter subsídios para formular estratégias e tomar decisões. É necessário acrescentar que os autores não afirmam que a ICO é igualada ao uso de TICs e, portanto, a tecnologia é importante, mas não o fulcro principal. Esse papel é atribuído à informação, à qual não se deve atribuir indiscriminadamente o título de inteligência. A partir das definições, percebe-se que a ICO é um modelo de gestão importante, porém complexo, não depende somente da aplicação de algumas técnicas e tecnologias ou mesmo de informações explicitadas no ambiente da organização, mas, antes de tudo, um modelo que reforça a importância das pessoas, na mesma intensidade da informação e da tecnologia de informação e comunicação. Para deixar mais evidente a importância das pessoas para a ICO, é importante explicar ou demonstrar com mais detalhes as etapas/fases que a compõem, a fim de reforçar a presença das pessoas para a sua execução. 45 3.3.1 Fases da Inteligência Competitiva Organizacional: uma idéia recorrente A ICO apresenta-se como a junção de várias fases e é formada por atividades ou ações fragmentadas. As idéias apresentadas a seguir procuram representar a ICO, sendo que algumas fases são semelhantes e se repetem. Pode- se afirmar que são encontradas, de forma geral e comum, nos processos de inteligência competitiva organizacional, as seguintes etapas/fases: coleta, seleção, análise, disseminação e identificação das informações mais adequadas e úteis para os usuários. A inteligência competitiva organizacional é dividida por Gomes e Braga (2002, p.42) da seguinte forma, enfocando primeiramente a necessidade de identificar as necessidades de informação antes de coletá-la: � Identificação das necessidades de informação; � Coleta das informações; � Análise das informações; � Disseminação; � Avaliação. Outra demonstração gráfica e resumida da inteligência competitiva organizacional é feita por Marceau e Swaka (2002, p.176). Da mesma forma que o esquema anteriormente explicitado, o processo contém fases e resume a presença dos principais atores. Os autores inserem as necessidades dos usuários, a presença de um profissional e as técnicas para tratar a informação e fazer a relação entre os usuários e os profissionais que atuam no processo. Figura 3: Ciclo de IC: 5 operações básicas Fonte: Marceau e Swaka – 2002 – p.183 Disseminação Planejamento e direção Análise e produção Coleta e relatórios adequados Armazenamento e