UM OLHAR PARA O INVISÍVEL: PROPOSTA DE REQUALIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DA VILA SANTO ANTÔNIO, CAMPOS DO JORDÃO - SP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP Faculdade de Ciências e Tecnologia - Campus de Presidente Prudente AMANDA GUEDES FERRI UM OLHAR PARA O INVISÍVEL: PROPOSTA DE REQUALIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DA VILA SANTO ANTÔNIO, CAMPOS DO JORDÃO - SP Presidente Prudente 2023 AMANDA GUEDES FERRI UM OLHAR PARA O INVISÍVEL: PROPOSTA DE REQUALIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DA VILA SANTO ANTÔNIO, CAMPOS DO JORDÃO - SP Trabalho Final de Graduação apresentado à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente - SP, para obtenção do título de bacharela em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Prof. Dr. Eda Maria Góes Coorientadora: Prof. Dr. Karina Machado de Castro Simão Presidente Prudente 2023 54 F388o Ferri, Amanda Guedes Um olhar para o invisível: : proposta de requalificação dos espaços públicos da Vila Santo Antônio, Campos do Jordão - SP / Amanda Guedes Ferri. -- Presidente Prudente, 2024 85 p. : il., tabs., fotos, mapas Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente Orientadora: Eda Maria Góes Coorientadora: Karina Machado de Castro Simão 1. Planejamento Urbano. 2. Cidades e vilas. 3. Espaços públicos. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. AMANDA GUEDES FERRI UM OLHAR PARA O INVISÍVEL: PROPOSTA DE REQUALIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DA VILA SANTO ANTÔNIO, CAMPOS DO JORDÃO - SP Trabalho Final de Graduação apresentado à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente - SP, para obtenção do título de bacharela em Arquitetura e Urbanismo. Data da defesa: 06/07/2023 Banca Examinadora: ______________________________________ Prof. Dr. Eda Maria Góes (orientadora) UNESP – Faculdade de Ciências e Tecnologia - Campus de Presidente Prudente ______________________________________ Prof. Dr. Karina Machado de Castro Simão (coorientadora) UNESP – Faculdade de Ciências e Tecnologia - Campus de Presidente Prudente ______________________________________ Membro da banca: Victor Stoian Arquiteto e Urbanista AGRADECIMENTOS A elaboração e o desenvolvimento deste trabalho só foram possíveis graças à contribuição de diversas pessoas, às quais devo minha gratidão, em especial: às minhas orientadoras, Eda Maria Góes e Karina Machado de Castro Si- mão, por dividirem comigo seus conhecimentos e me auxiliarem diretamente na produção desta monografia com muita dedicação e compreensão. À vocês, minha sincera admiração; à amiga Gisele e aos outros moradores da Vila Santo Antônio, os quais tive contato e me ajudaram com informações, possibilitando a aproximação com a rea- lidade local do bairro; à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP, Faculda- de de Ciências e Tecnologia, câmpus de Presidente Prudente, e seus funcionários, pelo ensino público de qualidade que amparou a minha formação acadêmica e profissional; às minhas amigas, Andressa, Caroline, Jaqueline e Mariana, que me apoia- ram durante todos os anos da graduação, se tornando parceiras, não só dessa jornada, mas de toda a vida; à minha família, Gilson, Roberta, Gustavo, Gabriel, Bianca, Honélio, Nelza e Marília, e demais parentes, que sempre me deram suporte e incentivo para que eu pudesse estar do outro lado do estado realizando o sonho e o desafio da graduação pública. a Deus, pelo dom da vida e por me possibilitar todos esses privilégios e opor- tunidades. ABSTRACT This Final Undergraduate Work in Architecture and Urbanism presents a con- nection and qualification proposal for the public spaces of Vila Santo Antônio, in Campos do Jordão - SP, based on a theoretical foundation and analysis of design references. Firstly, the origin and formation of the municipality’s urban space is contex- tualized, in order to understand its production process, which is marked by atypical characteristics compared to those of traditional urbanization processes, namely: for- mation from three centers and direct relationship with environmental aspects inhe- rent to the territory. Next, the contexts in which hillside occupations emerged in Brazil, in Campos do Jordão and Vila Santo Antônio, are presented, with the aim of understanding the production and formation processes of these urban spaces. Furthermore, the term favela is conceptualized based on discussions at the ‘Observatório de Favelas’. Furthermore, public space and its importance for cities are defined, essen- tially understanding it as a place to promote coexistence between different people. The ideas of Jane Jacobs and Jan Gehl about these spaces, contained in the books ‘The Death and Life of Great American Cities’ and ‘Cities for people’, respectively, are discussed, in addition to the study of two design references, in order to support the definition of guidelines, which guide the proposal and project of this monograph. Keywords: Irregular occupation on slopes; Slum; Public space; Campos do Jordão - SP; Vila Santo Antônio. RESUMO O presente Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo apre- senta uma proposta de conexão e qualificação para os espaços públicos da Vila Santo Antônio, em Campos do Jordão - SP, com base em uma fundamentação teórica e análise de referências projetuais. Primeiramente, contextualiza-se a origem e formação do espaço urbano do município, a fim de compreender seu processo de produção, o qual é marcado por características atípicas se comparadas às dos processos de urbanização tradicio- nais, sendo elas: formação a partir de três centros e relação direta com aspectos ambientais inerentes ao território. Na sequência, são apresentados os contextos de surgimento das ocupações em encostas no Brasil, em Campos do Jordão e na Vila Santo Antônio, com o intuito de compreender os processos de produção e formação desses espaços urbanos. Além disso, realiza-se a conceituação do termo favela com base nas discussões do Observatório de Favelas. Além disso, define-se espaço público e sua importância para as cidades, en- tendendo-o, essencialmente, como lugar de promoção de convívio entre diferentes. São abordadas as ideias de Jane Jacobs e Jan Gehl sobre esses espaços, contidas nos livros ‘Morte e vida das grandes cidades’ e ‘Cidade para pessoas’, respectiva- mente, além do estudo de duas referências projetuais, a fim de darem suporte para a definição de diretrizes, que orientam a proposta e o projeto desta monografia. Palavras-chave: Ocupação irregular em encostas; Favela; Espaço Público; Cam- pos do Jordão - SP; Vila Santo Antônio. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Localização de Campos do Jordão no estado de SP e municípios que fazem limi- te…………………………………………………………..........………………...……………………...14 Figura 2 - Localização da Região Metropolitana do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira no estado de SP e de Campos do Jordão na Região Metropolitana……….....…....14 Figura 3 - Tela de Camargo Freire representando a Vila de São Matheus do Imbiri na formação de Campos do Jordão………………………………………………………….....................…...……15 Figura 4 - Fotografia da Vila Jaguaribe em 1936 …………………………......………………….....16 Figura 5 - Fotografias dos Sanatórios São Cristóvão, Nossa Senhora das Mercês e São Paulo da esquerda para a direita……………………………………………………...............………….….16 Figura 6 - Fotografia da Vila Abernéssia em 1934…………………………......…………….………17 Figura 7 - Fotografia da Vila Capivari em 1937………………………….....……………….……….18 Figura 8 - Fotografia do Palácio da Boa Vista em Campos do Jordão……......………………..…19 Figura 9 - Fotografia do Grande Hotel em Campos do Jordão……………......………………..….19 Figura 10 - Mapa de Campos do Jordão com destaque para o eixo central e as três vilas prin- cipais, Abernéssia, Jaguaribe e Capivari…………………………………………...........…………..20 Figura 11 - Vista de parte da Vila Santo Antônio, em Campos do Jordão – SP, atingida pelos es- corregamentos de terra da tragédia de 2000………………………………..........………………….28 Figura 12 - Vista de parte do Britador, em Campos do Jordão – SP, atingida pelos escorrega- mentos de terra na tragédia de 2000……………………………………….…......................………28 Figura 13: Localização da Vila Santo Antônio no município de Campos do Jordão - SP…........30 Figura 14 - Vista aérea da Vila Santo Antônio, em Campos do Jordão - SP, com destaque para sua topografia………………………………………………………………………….............………........30 Figura 15 - Vista parcial da Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP, a partir da Avenida Doutor Adhemar de Barros………………………………………………………...................…..…..31 Figura 16 - Vista parcial da cidade de Campos do Jordão - SP, a partir da Vila Santo Antô- nio………………………………………………………………………………............……………..…31 Figura 17 - Capela Santo Antônio da vila de mesmo nome em Campos do Jordão - SP…………..…32 Figura 18 - Sede da SAVISA na Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP……….........…32 Figura 19 - Rua da Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP……………………….......….33 Figura 20 - Um dos ‘escadões’ da Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP…......……...33 Figura 21 - Terreno baldio, onde crianças brincam e moradores estacionam carros, Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP…………………………………………………................……34 Figura 22 - Mapa de Setores de Risco de Escorregamento da Vila Santo Antônio, Campos do Jordão - SP…………………………………………………………………...……..........……………..35 Figura 23 - Foto da paisagem urbana da Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP………….35 Figura 24 - Iniciativa de contenção com pneus em casa na Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP………………………….............…………………………………………………………..36 Figura 25 - Parque público cuidado pelos moradores da Vila Santo Antônio em Campos do Jor- dão - SP………………………………………………………………………….........…....……………36 Figura 26 - Vista aérea do aglomerado da Serra em Belo Horizonte, Minas Gerais….........…..44 Figura 27 - Centro comunitário do projeto do Parque H3O no aglomerado da Serra em Belo Ho- rizonte, Minas Gerais…..………………………………......................……………………………...45 Figura 28 - Muro de Atividades em praça do projeto do Parque H3O no aglomerado da Serra em Belo Horizonte, Minas Gerais…………………..……………………………................…………………..45 Figura 29 - Projeto do Beco São Vicente no aglomerado da Serra em Belo Horizonte, Minas Ge- rais………………………………………………………………………….........……………………....45 Figura 30 - Parte superior do volume cilíndrico do projeto do Beco São Vicente no aglomerado da Serra em Belo Horizonte, Minas Gerais……………………..……………............…………………45 Figura 31 - Vista aérea de um dos projetos do programa Meu Campinho do governo do estado do Paraná………………………………………………………………...................…………………..46 Figura 32 - Um dos projetos do programa Meu Campinho do governo do estado do Para- ná…………………………………………………………………............…………………………...…46 Figura 33 - Equipamentos como cancha, pergolado, bancos e floreiras em uma das unidades do programa Meu Campinho……………………….....................……………………………………46 Figura 34 - Parque de Cordas em uma das unidades do programa Meu Campinho em Maringá - PR……………………………………………...................……………………………………………46 Figura 35 - Meu Campinho no Conjunto Habitacional Pioneiro José Pires de Oliveira, Maringá - PR: vista parcial (1)...................................................................................................................47 Figura 36 - Meu Campinho no Conjunto Habitacional Pioneiro José Pires de Oliveira, Maringá – PR: vista parcial (2)......................................................................................................................47 Figura 37 - Localização da Vila Santo Antônio no município e dos espaços públicos de lazer exis- tentes nela………………………………………...........…………………………………………….....51 Figura 38 - Mapa síntese das propostas de conexão dos espaços públicos da Vila Santo Antônio, Campos do Jordão-SP………………………………………………………...........……………56 e 57 Figura 39 - Praça Azulão, foto da condição original do espaço………………………………........61 Figura 40 - Implantação e cortes gerais do projeto da Praça Azulão…………………………62 e 63 Figura 41 - Ampliação, cortes esquemáticos e tabelas de especificações do projeto da Praça Azulão…………………………………………………………………………….………………...64 e 65 Figura 42 - Praça Pavão, foto parcial da condição original do espaço, com destaque para a es- trutura do prédio abandonado…………………………………………………………….……...........67 Figura 43 - Praça Pavão, foto parcial da condição original do espaço, com destaque para a cerca e a trave improvisada………………………………………………………………….…….................67 Figura 44 - Implantação e cortes gerais do projeto da Praça Pavão…………………...……68 e 69 Figura 45 - Ampliação, cortes esquemáticos e tabelas de especificações do projeto da Praça Pavão………………………………………………………………………………………….....…70 e 71 Figura 46 - Mirante do Pinhão, foto da vista parcial que ele proporciona de Campos do Jordão - SP………………………………………………………………………………………….....................72 Figura 47 - Implantação e cortes gerais do projeto do Mirante do Pinhão…………....……74 e 75 Figura 48 - Ampliação, cortes esquemáticos e tabelas de especificações do projeto do Mirante do Pinhão………………………………………………………………………………..........……76 e 77 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 14 1. ORIGEM E FORMAÇÃO DA CIDADE DE CAMPOS DO JORDÃO 16 2. OCUPAÇÃO EM ENCOSTAS: O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO 26 2.1 As primeiras ocupações em encostas no Brasil e o conceito de favela 27 2.2 Em Campos do Jordão, na Vila Santo Antônio 30 3. O ESPAÇO PÚBLICO E SUA IMPORTÂNCIA PARA AS CIDADES 42 4. REFERÊNCIAS PROJETUAIS DE ESPAÇOS PÚBLICOS 46 4.1 Parque H3O e Beco São Vicente 47 4.2 Meu Campinho 50 5. DIRETRIZES PROJETUAIS 52 6. PROPOSTA PARA CONEXÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DA VILA SANTO ANTÔNIO 56 7. PROJETO DE ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER E PERMANÊNCIA DA VILA SANTO ANTÔNIO 62 7.1 Praça Azulão 65 7.2 Praça Pavão 70 7.3 Mirante do Pinhão 76 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS 82 9. REFERÊNCIAS 84 1514 INTRODUÇÃO Esta monografia é concebida a partir de uma motivação pessoal da au- tora ao desenvolver, durante a gradu- ação em Arquitetura e Urbanismo, um olhar mais atento e crítico a respeito das cidades, principalmente, sobre a qual re- sidiu grande parte da sua vida, Campos do Jordão - SP. O contraste socioespa- cial evidente no município é promotor e produto das desiguais realidades que o compõem, a do cotidiano dos citadinos e a do turismo. Isso desperta inquietação e norteia o desenvolvimento deste tra- balho. De um lado, a dinâmica turística, pautada, essencialmente, em práticas elitistas e, do outro, a vivência cotidia- na dos moradores da cidade, que se dá, em grande parte, nos assentamentos ir- regulares e precários implantados majo- ritariamente em encostas, consideradas áreas de risco ambiental. Diante desse contexto e no âm- bito da formação profissional da autora, aflora a vontade de propor intervenções que contribuam para a diminuição das desigualdades socioespaciais, visando minimizar as injustiças e caminhar em busca de um espaço urbano mais de- mocrático, pautado no direito à cidade. Para isso, o foco é dirigido à Vila Santo Antônio, um dos assentamentos irregu- lares e precários, ou favela, de Campos do Jordão – SP, e seus espaços públi- cos, pretendendo promover a conexão entre estes por meio de proposta e pro- jeto que os qualifiquem. A escolha da vila se deu pela evi- dência dela como objeto de estudo em trabalhos científicos consultados, o que auxiliou na fundamentação teórica em certa medida, ainda que estes não fos- sem diretamente relacionados ao tema desta monografia. Além disso, o fator positivo de possuir o contato com uma moradora do bairro, disposta a ajudar, foi decisivo, visto que contribuiu para o alcance de uma maior aproximação com a realidade local e de seus habitantes. É preciso ressaltar que, além das próprias dificuldades de se projetar para espaços fora do padrão e das normas urbanísticas, o desenvolvimento desta monografia compreendeu outros de- safios. No aspecto da fundamentação teórica, isto se deu, pois a produção científica com temática urbana e recorte espacial da cidade de Campos do Jor- dão - SP é escassa, na verdade, quase nula. E, no desenvolvimento da propos- ta projetual, houve adversidade dificul- dade no acesso a dados e informações necessárias sobre o município para au- xiliar na elaboração da mesma. Sob esse prisma, o presente trabalho final de graduação apresenta, inicialmente, uma contextualização his- tórica da origem e formação do espaço urbano do município em questão. Por meio de revisão bibliográfica, compre- ende-se que os diversos aspectos am- bientais, como clima e paisagem, por exemplo, sempre estiveram intimamen- te relacionados com a ocupação. Esta, se pautou, primeiro, no tratamento de doenças pulmonares e, posteriormente, no turismo. Em seguida, o contexto do surgimento de assentamentos em en- costas no Brasil é exposto juntamente à discussão do conceito do termo favela. Na conjuntura da reforma urbana de Pe- reira Passos, as encostas da cidade do Rio de Janeiro começaram a ser ocupa- das, conformando os primeiros aglome- rados irregulares. Ademais, com base nas ideias propostas pelo Observatório de Favelas, apreende-se a crise de re- presentação inerente ao entendimento do que realmente são as favelas, com- preendendo-as adequadamente como complexas e diversas. Além disso, se discute a definição de espaço público em suas dimensões descritiva, política, social e jurídica, rei- terando sua relação direta e imprescin- dível com as cidades. Um panorama da situação de crise e, até mesmo, ‘morte’ desses espaços é apresentado com base nas ideias de Jane Jacobs (2001). As sugestões do dinamarquês Jan Gehl (2013) para ações de intervenção sobre esses espaços, considerando, primor- dialmente, a escala humana, também integram a monografia. São analisadas duas referências projetuais para espa- ços públicos que, considerando as re- lações de semelhança e diferença de escala, contexto urbano, alcance, entre outras, embasam, juntamente com todo a fundamentação teórica, as diretrizes projetuais que nortearam a intervenção urbana desenvolvida neste trabalho. Por fim, apresenta-se a proposta e o projeto elaborados para os espaços li- vres e públicos da Vila Santo Antônio, em Campos do Jordão - SP. Estes pre- tendem gerar conexão entre eles e qua- lificá-los, possibilitando e dando suporte aos moradores para se apropriarem dos mesmos e assegurando a potenciali- dade inerente aos espaços públicos de permitir o convívio e a troca entre os di- ferentes citadinos. 17 ORIGEM E FORMAÇÃO DA CIDADE DE CAMPOS DO JORDÃO1. O município de Campos do Jor- dão está situado a leste do estado de São Paulo na Serra da Mantiqueira, integrando a Região Metropolitana do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira e seu espaço urbano com- preende o objeto de estudo do presente trabalho. De acordo com dados do Insti- tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (2021), Campos do Jordão conta com 52.713 habitantes e uma área territorial de 289,981 km² e seus limites territoriais fazem fronteira tanto com os municípios do estado de São Paulo, quanto de Mi- nas Gerais, conforme apresentam as Fi- guras 1 e 2. A principal referência sobre a ori- gem e formação de Campos do Jordão se trata de registros do memorialista Pedro Paulo Filho que, apesar do ca- ráter não científico, é a bibliografia que fundamenta o conhecimento da história do município nos trabalhos de pesquisa realizados recentemente. Os primeiros indícios de explora- ção das terras onde atualmente se en- contra o município de Campos do Jor- dão, de acordo com Paulo Filho (2003, p.6), se consolidam por meio de expe- dições sertanistas “realizadas a fim de encontrar as minas auríferas, [...] Gas- par Vaz da Cunha, rompeu ‘as matas virgens da Serra da Mantiqueira’” na pri- meira metade dos anos 1700. Os séculos XVIII e XIX foram marcados pela ocupação dessas terras por meio da compra e venda de proprie- dades, constituídas por porções desse território. Em 29 de abril de 1874, Ma- theus da Costa Pinto adquiriu parte das terras de Brigadeiro Jordão e em sua propriedade construiu uma vendinha, 1918 montou uma pensão para os ‘respiran- tes’ (como se chamavam as pessoas enfermas do pulmão), um pouso para os forasteiros que demandavam o lugar, levantou uma capela em honra de São Matheus, edificou uma escola e contra- tou um professor para alfabetização de adultos. (PAULO FILHO, 2003, p.12). Formou-se assim o primeiro povoado da região (Figura 3), chama- do de “Vila de São Matheus do Imbiri” (ABITANTE, 2016, p. 60). A data foi fi- xada, posteriormente, pelas autoridades municipais como marco da fundação de Campos do Jordão e Matheus da Cos- ta Pinto como fundador, devido “ao seu espírito solidário de integração social, o qual extrapolou os seus próprios interes- ses patrimoniais, fundando um povoado e dotando-o de melhoramentos funda- mentais para a época” (PAULO FILHO, 2003, p. 14). Domingos José Nogueira Jagua- ribe, em 1891, adquiriu uma outra por- ção de terras, formando, inicialmente, o povoado de Vila Velha, que foi dotado de primeiras infraestruturas, se desen- volveu e se tornou, a posteriori, a Vila Jaguaribe (Figura 4). Essa vila se des- taca na cidade até os dias de hoje, pelo seu caráter central, como será explica- do adiante. A natureza exuberante e o clima ameno do território começaram a ser divulgados e, considerado esses as- pectos como terapêuticos e favoráveis à cura de doenças respiratórias na épo- ca, foi impulsionado o tratamento de tu- berculose na cidade (ABITANTE, 2016; PAULO FILHO, 2003). No início do século XX, o governo do Estado de São Paulo realizou uma campanha social de combate à tubercu- lose, formando, em 1903, a Liga Paulis- ta Contra a Tuberculose, composta por Figura 1: Localização de Campos do Jordão no estado de SP e municípios que fazem limite Fonte: Abitante (2016, p. 57). Figura 2: Localização da Região Me- tropolitana do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira no estado de SP e de Campos do Jordão na Região Metropolitana Fonte: Abitante (2016, p. 58). Figura 3: Tela de Camargo Freire repre- sentando a Vila de São Matheus do Im- biri na formação de Campos do Jordão Fonte: Paulo Filho (2013, p. 13). 2120 Figura 4: Fotografia da Vila Jaguaribe em 1936 Fonte: Paulo Filho (2013, p. 14). higienistas, sanitaristas e médicos, que começaram a desenvolver projetos para construção de sanatórios (Figura 5) em Campos do Jordão (FERNANDES, M. et al, 2021). De acordo com Paulo Filho (2003, p. 18), em 1911, “conseguiram do governo do Estado uma concessão para a construção de uma estrada de ferro, li- gando Pindamonhangaba a Campos do Jordão, onde pretendiam criar uma Vila Sanitária para o tratamento de todas as doenças”. Definida como ‘cidade-sanató- rio’, Campos do Jordão se desenvolveu e, em 1919, oficializou-se a então nova vila, Vila Abernéssia (Figura 6), também com caráter central e de destaque até a atualidade. Junto à fundação desta vila, foi inaugurada a estação ferroviária da Estrada de Ferro Campos do Jordão (EFCJ). A ferrovia era o principal meio de acesso à cidade na época, princi- palmente, para enfermos em busca de tratamento, além dela, já havia também a SP-50, Rodovia Monteiro Lobato (ABI- TANTE, 2016; PAULO FILHO, 2003). Outro nome que compõem a his- tória de formação da cidade de Campos do Jordão é José Carlos de Macedo Soares que, ao adquirir terras na re- gião, fundou a empresa Companhia de Melhoramentos de Campos do Jordão, responsável pela construção da Vila Ca- pivari (Figura 7). Segundo Paulo Filho (2003, p. 20), “cidadãos de alta posi- ção social, econômica e cultural, foram construindo belíssimas mansões, que tornaram a Vila Capivari o cartão de vi- sitas de Campos do Jordão, com um co- mércio de alta sofisticação”. Em 1926, Campos do Jordão se tornou Estância Climática e Hidromine- ral pela Lei estadual nº 2.140 e também Prefeitura Sanitária de Campos do Jor- dão. Na mesma lei, havia um código que orientava a construção de sanatórios e pensões e que também intensificava a ação da vigilância sanitária, afirmando a necessidade de “controlar o uso dos es- paços da cidade” (FERNANDES, M. et al, 2021, p.398-399), demonstrando que as características naturais ambientais e o potencial para tratamento da tuber- culose foram importantes indutores do desenvolvimento urbano. Concomitan- temente, com a promessa de cura pelos ares frios, mesmo os enfermos que não pos- suíam condições financeiras de pagar pelo tratamento, eram atraídos para a cidade, o que proliferou as construções precárias e pensões clandestinas, ge- rando um estado sanitário caótico. Destaca-se o início da ocupação pela população que compôs as construções irregulares nos locais poucos valoriza- dos, como os morros. (BERTOLLI FI- LHO, 2001, apud ABITANTE, 2016, p. 63). Figura 5: Fotografias dos Sanatórios São Cristóvão, Nossa Senhora das Mercês e São Paulo da esquerda para a direita Fonte: Paulo Filho (2013, p. 21). Figura 6: Fotografia da Vila Abernéssia em 1934 Fonte: Paulo Filho (2013, p. 16). 2322 estado de SP, por meio de obras como o Palácio da Boa Vista (Figura 8), residên- cia de inverno do governador, o Parque Estadual de Campos do Jordão (PECJ) e hotéis de alto padrão, como o Grande Hotel (Figura 9). O desenvolvimento e expansão da atividade turística caracterizaram seu planejamento urbano nas décadas seguintes. Em 1950 e 60, foram promo- vidas “ações de embelezamento da ci- dade, benfeitorias em vias de acesso in- ternas e construções influenciadas pela arquitetura europeia”, com a finalidade de “reforçar o caráter turístico, cultural e elitista da cidade” (ABITANTE, 2016, p. 66-67). Em 1970, a cidade foi objeto de estudos urbanísticos e se tornou Estân- cia Turística em 1978, quando também foi criada outra via para facilitar o aces- so, a SP-123, Rodovia Floriano Rodri- gues Pinheiro. Já no século XXI, em 2003, foi aprovado o Plano Diretor Estratégico de Campos do Jordão, por meio da promul- gação da lei nº 2.737; em 2007, o zo- neamento do uso e ocupação do solo, por meio da lei nº 3.049, que enfatiza- va a vocação turística do município; em 2013, foi organizado um grupo técnico que tinha o intuito de revisar o Plano e “discutir propostas de alterações e en- quadramento do Plano Diretor ao Esta- tuto da Cidade” (ABITANTE, 2016), po- rém, a atualização desse só aconteceu em 2016, com a lei nº 3.820. Isto posto, é possível compreen- der que a história da cidade de Campos do Jordão está relacionada diretamente a elementos ambientais, tanto pelo pro- veito do clima para o tratamento de do- enças pulmonares, quanto pelo usufruto da paisagem natural, como propulsora do turismo. Ambos aspectos impulsiona- ram o desenvolvimento da malha urba- na e o seu crescimento “seja através de sua população permanente, seja pela demanda gerada pela população flutu- ante, consolidou algumas das caracte- rísticas de seus padrões de ocupação” (ROSA FILHO, 2006, p. 44-45). A partir da condicionante topo- gráfica da bacia do rio Capivari, que caracterizava melhores condições de assentamento para a zona urbana, de acordo com Rosa Filho (2006, p. 60), a estrutura urbana de Campos do Jor- dão desenvolveu-se a partir de três vilas distintas [Abernéssia, Jaguaribe e Capivari], situação bastante pecu- liar, se confrontada com a existente na maioria das cidades, cujo crescimento é radial, a partir de um centro único. Tal fato determinou uma característica es- pecial e marcante para a formação do espaço urbano: três centros distintos e ainda evidentes, apesar da tendência de ocupação dos vazios urbanos entre eles. A mesma condicionante direcio- O município de Campos do Jor- dão alcançou sua autonomia políti- co-administrativa em junho de 1934, desmembrando-se de São Bento do Sa- pucaí. Devido à expansão da ocupação urbana, o governo estadual organizou uma comissão de profissionais, princi- palmente, médicos e urbanistas, para estudar a urbanização de Campos do Jordão. Essa comissão criou o Plano de Urbanização de Campos do Jordão, es- tabelecido por meio do projeto de lei nº 193, que versava, de modo geral, sobre diretrizes relacionadas às característi- cas topográficas do território, culminan- do na proposição de um crescimento predominantemente linear, com limita- ção transversal (ABITANTE, 2016). O primeiro zoneamento da es- tância foi estabelecido pelo decreto nº 11.781 de 1940, que determinava a se- ção da cidade em duas partes, uma sa- natorial, que compreendeu a Vila Aber- néssia, e outra turística, composta pelas Vilas Jaguaribe e Capivari (ABITANTE, 2016; FERNANDES, M. et al, 2021). No que diz respeito aos espaços habitacio- nais, esse documento previu restrições somente para aqueles destinados aos enfermos, considerando “impróprias para a instalação de pensões e casas de habitação coletiva de doentes porta- dores de tuberculose, as vilas Capivari e Jaguaribe”. Dessa forma, o decreto res- tringiu a moradia de tísicos apenas na Vila Abernéssia. Na segunda metade da década de 1940, a cura da tuberculose por cli- matoterapia perdeu o significado cientí- fico e, com isso, a função sanatorial da cidade foi sendo sobreposta pelo turis- mo, impulsionado pelo governo do es- Figura 7: Fotografia da Vila Capivari em 1937 Fonte: Paulo Filho (2013, p. 19). Figura 8: Fotografia do Palácio da Boa Vista em Campos do Jordão Fonte: Paulo Filho (2013, p. 22). Figura 9: Fotografia do Grande Hotel em Campos do Jordão Fonte: Paulo Filho (2013, p. 30). 2524 nou o traçado urbano estabelecido a partir de um eixo linear principal que co- necta diretamente as três vilas (Figura 10). Posteriormente, o traçado da es- trada de ferro acentuou a característica linear do eixo de crescimento urbano de Campos do Jordão. Para além do eixo principal, a ma- lha urbana se expandiu para áreas adja- centes e com declividades altas, logo, o crescimento do núcleo urbano “num pla- nalto inadequado para a implantação de urbanizações extensas, resultou em [...] problemas ambientais gerados por des- matamentos e por movimentos de terra, que se traduzem em erosão e escorre- gamentos, assoreamento dos rios e fun- dos de vale, além da descaracterização da paisagem” (ROSA FILHO, 2006, p. 43-45). Figura 10: Mapa de Campos do Jordão com destaque para o eixo central e as três vilas principais, Abernéssia, Jagua- ribe e Capivari Fonte: Abitante (2016, p.73). 27 OCUPAÇÃO EM ENCOSTAS: O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO2. A malha urbana de Campos do Jordão, que se concentrava, inicialmen- te, no eixo principal do território, o qual consistia nas áreas mais planas, se ex- pandiu e se direcionou para além desse eixo, atingindo áreas com declividades acentuadas e marcadas, em parte, por ocupações irregulares e precárias. Con- siderando “que a associação dos ter- mos morro e favela é forte, pois a maior parte destes assentamentos surgiu ini- cialmente em morros” (FARAH, 2003, p. 29-30), apresenta-se, na sequência, o contexto do surgimento e ocupação de encostas, primeiramente, no Brasil e, posteriormente, no município e na vila que caracterizam o recorte espacial deste trabalho. Além disso, se associa esse panorama à conceituação do ter- mo ‘favela’. 2.1 As primeiras ocupações em encos- tas no Brasil e o conceito de favela As favelas não existiram sempre, sua origem está diretamente relacionada com a atuação do poder público do Rio de Janeiro, na passagem do século XIX para o XX, especialmente no contexto da reforma urbana de Pereira Passos de 1902 a 1906 (FARAH, 2003). A reforma urbana carioca apresentava como prin- cipal objetivo, sanar as epidemias e ate- nuar problemas sanitários diretamente relacionados com as habitações precá- rias e insalubres da população de baixa renda, presentes no centro da cidade. Para isso, executou-se a política conhe- cida como “Bota-abaixo”, que consistia na demolição das moradias populares localizadas nas áreas de intervenção da reforma, os cortiços. Mas a real inten- 2928 ção dessa ação era efetivar a política de embelezamento e desenvolvimento do centro da cidade, com projetos de am- pliação de avenidas, normatização das construções e buscando estabelecer a homogeneização dos bairros centrais. O destino da população expulsa dos cortiços no centro da cidade, devi- do à reforma, se deu, porque, além de ser afetada diretamente pela atuação do poder público, este não forneceu qual- quer solução habitacional eficiente que garantisse moradia para essas pessoas, assim como explica o excerto: Diferentemente do que ocorria na Eu- ropa, a nova mentalidade urbanística, no Brasil, não era devidamente acom- panhada por uma política clara de pro- dução de habitações de interesse so- cial, o que abria uma grande lacuna, ao longo dos anos, para o surgimento de “soluções espontâneas”. Ainda que o Estado esboçasse periodicamente ações no sentido de resolver o proble- ma habitacional, suas iniciativas, nesse sentido, sempre estiveram num pata- mar bastante aquém das reais neces- sidades. (FARAH, 2003, p. 30). Diante desse cenário, os mora- dores desalojados se viram obrigados a procurar novos lugares para viver. Destinaram-se às periferias, distantes e precárias, ou permaneceram no cen- tro, mas ocupando espaços que não eram de interesse do mercado imobi- liário, como por exemplo, os morros e encostas, espaços nos quais surgem as favelas. Dessa forma, percebe-se uma contradição no que diz respeito aos ob- jetivos preestabelecidos da reforma ur- bana de Pereira Passos. Isto, porque, ainda que a ‘modernização’ do centro tenha sido efetivada, todo o processo impulsionou o surgimento e o cresci- mento das favelas, opondo-se à ideia de homogeneização dos bairros centrais e escancarando o verdadeiro interesse da 1 Processos semelhantes ocorreram em Salvador, Recife e Porto Alegre (MARINS, 1998). reforma por trás do discurso de higieni- zação1. Até metade da década de 1930, a presença das favelas na paisagem ur- bana era pouco expressiva, ganhando evidência a partir da década de 1940, devido ao incremento populacional pro- porcionado pela migração campo-cida- de (êxodo rural). E também, a partir da década de 1960, pelos intensos fluxos migratórios vindos do Nordeste para o Centro-Sul. Além disso, a acentuação da especulação imobiliária e o quadro econômico inflacionário da época in- fluenciaram no crescimento das favelas (FARAH, 2003). Ao passo que os assentamentos precários em morros do centro do Rio de Janeiro aumentavam sua presença na paisagem urbana, o termo ‘favela’ foi sendo incorporado ao vocabulário ca- rioca e, posteriormente, se extrapolaria “esta denominação a todo assentamen- to precário e improvisado que, no Rio de Janeiro e, posteriormente, no Brasil se instalasse” (FARAH, 2003, p. 29). Além dessa generalização pressuposta ao emprego da expressão ‘favela’, sa- be-se que que a sua representação co- mumente difundida baseia-se em duas ideias, a de ausência e a de homoge- neização. A primeira, define favela “pelo que não seria ou pelo que não teria”, ou seja, como sendo um espaço que não possui infraestrutura urbana de água, esgoto, energia, coleta de lixo, arrua- mento adequado, sem ordem, sem re- gras, entre outras. E a segunda, resume as favelas a uma visão limitada de seus territórios, desconsiderando que suas paisagens apresentam características diversificadas em aspectos como, o sítio geográfico, a quantidade de moradores, possuindo diferentes equipamentos e mobiliários urbanos, sendo composta por distintas tipologias habitacionais, marcadas por diferentes níveis de vio- lência e de atuação do Estado, além das diversas características socioambien- tais (SILVA, 2009). Logo, entende-se que a concep- ção que se tem acerca das favelas é pautada por pressupostos equivocados, baseados, por sua vez, em estereótipos. Consequentemente, esse fato “limita a apreensão sobre a realidade social, econômica, política e cultural [das fave- las] em sua totalidade e complexidade” (SILVA, 2009, p. 21). Além de restringir, no que concerne às intervenções em favelas, muitas vezes, a ações que são mais vistas como formas de prevenção da violência do que direitos de exercício da cidadania, constituindo, portanto, ini- ciativas fragmentárias, com investimen- tos precários e ambiência econômica frágil (SILVA, 2009). A exemplo da representação, limitada e baseada em pressupostos equivocados, das favelas, considera-se o termo “aglomerados subnormais” es- tabelecido pelo IBGE para caracterizar favelas e espaços semelhantes como: Uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia – públi- cos ou privados – para fins de habita- ção em áreas urbanas e, em geral, ca- racterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas com restrição à ocupação (IBGE, 2023). Conforme afirma Jailson de Sou- za e Silva (2011), coordenador do Ob- servatório de Favelas, contraditoriamen- te, pode-se dizer que essa concepção sobre as favelas, principalmente pauta- da pelo aspecto da ausência, ainda que seja pejorativa, influenciou na organiza- ção popular para reivindicar e ter aces- so às infraestruturas urbanas e servi- ços, como saneamento básico, energia, asfaltamento, iluminação, construção de escolas, creches e postos de saúde nesses espaços. Porém, mantém a pro- blemática de que os modos de apropria- ção e uso do espaço urbano intrínsecos a essas formas de assentamentos não são reconhecidos como um direito so- cial (SILVA, 2009). Ademais, outro desafio na com- preensão do que é favela, consiste na dificuldade de estabelecer parâmetros que abranjam e orientem uma defini- ção mais precisa, na qual considere a diversidade das formas e das dinâmicas sociais, econômicas e culturais ineren- tes a esses assentamentos da cidade. De acordo com Silva (2009, p. 17), “os espaços populares são formados por diversas redes sociais, nas quais se fa- zem presentes diversas práticas e re- presentações”, e é imprescindível que esse fato seja abarcado na definição de favela. Isto posto, revela-se uma contra- dição na apreensão do fenômeno, que acaba por gerar uma crise de represen- tação acerca da correspondência entre o que de fato é esse fenômeno e sua concepção. O entendimento que se tem a respeito do objeto, baseado em uma imagem hegemônica e estereotipada, não traduz os elementos materiais que o compõem efetivamente. O processo de apreensão dos territórios de mora- dia, bem como dos sujeitos sociais que os ocupam, conforma-se por “pré-con- ceitos e juízos generalizantes” que não possuem nenhuma relação direta com o fenômeno em si. Por esse motivo, se faz necessário direcionar esforços na tenta- tiva de estabelecer a correspondência entre o objeto e sua representação, prin- cipalmente, no âmbito conceitual. Este fato é o que motiva o Observatório de Favelas - uma organização da socieda- de civil de interesse público, criada em 3130 2001, com sede na favela da Maré, no Rio de Janeiro - na busca por se pensar a questão da favela de modo amplo, crí- tico, inovador e de forma legítima (SIL- VA, 2009). Logo, entende-se por favelas, conjuntos singulares de moradia, que estão integrados e fazem parte do teci- do urbano, mas que se configuram fora do padrão dominante de uso e ocupa- ção dos solos nas cidades. Esse padrão consiste em modelos impostos pelo mercado e pelo Estado e que estão di- retamente vinculados a certas classes e grupos sociais hegemônicos. A ideia que se tem de “um ambiente saudável, agra- dável e adequado às funções que uma cidade deve exercer no âmbito do mode- lo civilizatório em curso”, bem como as normas que regulam a vida social, são estabelecidas por essas classes e gru- pos sociais, e, consequentemente, rele- gam as favelas “ao lugar da ilegalidade e da desconformidade”, devido aos seus aspectos morfológicos e sociais (SILVA, 2009, p. 21-22). Afirma-se, então, que a defini- ção de favela deve reconhecê-la “em sua especificidade sócio-territorial” e deve servir “de referência para a elabo- ração de políticas públicas apropriadas a estes territórios”, ao invés de se pau- tar em aspectos que esse espaço não possui, sobretudo, se comparados aos referentes ao modelo hegemônico de cidade. Para mais, a definição também deve legitimar a ideia de que esses as- sentamentos são lugares “onde grupos que se aproximam por valores, práticas, vivências, memórias e posição social”, podem construir “sua identidade como força de realização de suas vidas”. Fica estabelecido, a partir da concretude da morfologia e das dinâmicas sociais das favelas, as referências necessárias para compreender o que é “uma morada dig- na, dotada das condições necessárias para o bem-estar e o bem-viver” (SILVA, 2009, p. 22). 2.2 Em Campos do Jordão, na Vila San- to Antônio A partir da apresentação do histó- rico de ocupações em encostas no Bra- sil e do conceito de favela, se direciona a análise ao recorte espacial desta mo- nografia. O município de Campos do Jor- dão - SP apresenta um relevo bastante acidentado e, por isso, há encostas em certos espaços urbanos, que atingem declividades acima do limite regulari- zado para ocupação, a partir do qual considera-se o risco de deslizamento de terra. De acordo com Rosa Filho (2006), um levantamento técnico do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do estado de São Paulo mostra que Campos do Jordão possui predominantemente áre- as de risco de desabamento classifica- das em alto e muito alto. Essas áreas são identificadas nos seguintes bairros: Morro do Britador, Vila Albertina, Santo Antônio, Vila Nadir, Vila Sodipe e Paulis- ta Popular (ROSA FILHO, 2006). Moraes e Foresti (2000) demons- tram que a maior parte do território jor- danense apresenta restrições severas ou máximas à ocupação urbana, ou seja, é menor a porcentagem de área do município que é considerada apta a ser ocupada, conforme detalhado em segui- da: As áreas com restrição mínima locali- zam-se às margens dos rios principais e compreendem 2,06 km² ou apenas 11% da área total, o que vale dizer que a área de estudo [cidade de Campos do Jordão] é carente de áreas mais favoráveis à ocupação urbana, consti- tuindo-se na sua maioria de áreas frá- geis e com restrições específicas ao uso urbano. [...] As áreas com restrição moderada compreendem 3,12 km² ou 16% da área e ocupam, na sua maio- ria, a região de vale. Estas áreas, pela sua localização, configuração topo- gráfica e potencial geotécnico, detêm grande parte da mancha urbana contí- nua. [...] As áreas com restrição severa representam 26% da área estudada ou 4,73 km² e são bastante problemáticas à ocupação urbana, principalmente por apresentarem declives acima de 17 graus; assim, requerem a utilização de técnicas específicas para uma ocupa- ção adequada. [...] As áreas com restri- ção máxima correspondem a 9,28 km² ou 47% da área total e distribuem-se por toda a extensão da área de estudo, visto que a mesma possui uma grande quantidade de áreas declivosas, cor- pos d’água e remanescente de vege- tação nativa. Assim estas áreas, além de impróprias para a ocupação urbana, também estão protegidas pela legisla- ção de proteção ambiental e deveriam ser preservadas. (MORAES, M. E. B.; FORESTI, C., 2000, p. 79-80, grifo nos- so). À vista disso, é possível inferir que a análise dos aspectos topográficos e ambientais de Campos do Jordão é essencial para compreender o proces- so de formação de seu espaço urbano, justamente por serem características inerentes ao território estudado. Esses aspectos condicionam a ocupação e o assentamento de seus moradores des- de a sua origem. A condicionante topo- gráfica e ambiental, somada ao fato do princípio da ocupação urbana se dar a partir de 3 centros, e não de apenas um, como tradicionalmente acontece, confi- gura essa urbanização como atípica, se fazendo necessário uma investigação mais profunda de sua consolidação. Segundo Oliveira (1991 apud ROSA FILHO, 2006), as favelas que ocupam parte das encostas de Campos do Jordão - SP começaram a surgir na década de 1940, mas foi a partir dos anos 70, que o processo se intensificou sobre as áreas verdes dos morros. O mesmo autor afirma ainda que “o po- voamento das favelas em Campos do Jordão estava associado aos migrantes em busca de trabalho, mas a partir dos anos 80, o crescimento passou a estar relacionado mais diretamente com as demandas requeridas pela economia”. Cita-se os bairros Vila Albertina, Morro das Andorinhas, Britador, Vila Santo An- tônio e Vila Maria, como sendo alguns dos ocupados na época e que foram considerados como algumas das vilas operárias da cidade. Ao longo de toda a ocupação e formação dos assentamentos em en- costas e até os dias de hoje, a parcela da população que habita esses espaços, ainda mais sob condições precárias de infraestruturas urbanas e moradia, estão submetidas ao risco de catástrofes am- bientais, como o deslizamento de terra e consequentes desabamento de edifica- ções e/ou soterramento. Mais uma vez, de acordo com o IPT (2002 apud, ROSA FILHO, 2006), a tragédia de escorre- gamentos de terras que aconteceu em Campos do Jordão no início dos anos 2000 é considerada de evidente impacto dentre as catástrofes que já ocorreram em áreas urbanas no Brasil. Além de totalizar centenas de deslizamentos e atingir áreas para além do espaço urba- no, como taludes em rodovias e estra- das da região, os eventos mais graves atingiram as chamadas ‘vilas operárias’, como se vê nas figuras 11 e 12. Diante do exposto, surgem ques- tionamentos a respeito da atuação do poder público em relação à ocupação das encostas em Campos do Jordão e sua relação direta com o risco de tragé- dias ambientais. Partindo da afirmação de Moraes e Foresti (2000, p. 82) sobre a “importância dos aspectos legais e ambientais para a proposição de diretri- zes que compatibilizem o uso do solo às suas características específicas”, vale destacar o Plano Diretor e o Plano 3332 Figura 11: Vista de parte da Vila Santo Antônio, em Campos do Jordão – SP, atingida pelos escorregamentos de terra da tragédia de 2000 Fonte: Silva (2000 apud ROSA FILHO, 2006). Figura 12: Vista de parte do Britador, em Campos do Jordão – SP, atingida pelos escorregamentos de terra na tragédia de 2000 Fonte: Silva (2000 apud ROSA FILHO, 2006). Municipal de Redução de Risco. O pri- meiro é simplista e insipiente no que diz respeito à ocupação em encostas, visto que no parágrafo primeiro do artigo 24, na seção destinada especificamente a definição de “Macrozonas com Restri- ções à urbanização”, não são mencio- nadas as encostas, como áreas de ris- co. Além disso, é somente nos incisos VII do artigo 28, II e V do artigo 29, que são apresentadas diretrizes para esses assentamentos, tratando de limitações e critérios para o uso e ocupação do solo em área de preservação, estabelecen- do o congelamento dos núcleos de mo- radias irregulares em áreas de risco e propondo ações para áreas de especial interesse social, mas que não são exe- cutadas. Já o segundo, apresenta um estudo minucioso e completo a respei- to da identificação e análise das áreas de risco, bem como de estratégias para prevenção de tragédias. O conteúdo desse documento consistiria em um importante arcabou- ço para efetivação de políticas públicas nesse âmbito, não fosse o fato de ser apenas uma ‘carta de boas intenções’, já que, na prática, pouco se fez e se faz para mitigar as problemáticas inerentes às ocupações irregulares em encostas. Um rápido levantamento de notí- cias a respeito de eventos extremos na cidade e conversas com moradores de um dos bairros operários mais atingi- dos pela tragédia de 2000, a Vila Santo Antônio, foram as estratégias emprega- das para melhor compreender o quadro acima descrito, dentro dos limites deste TFG e da ausência de trabalhos de pes- quisa voltados ao tema, como já comen- tado. Uma série de notícias de jornais locais e da região apresenta casos de alagamentos, deslizamentos e soterra- mentos em vilas instaladas em morros de Campos do Jordão². Frente a este cenário, percebe-se também, por meio dos textos jornalísticos e das conver- sas, o empenho e atuação da Defesa Civil municipal em amenizar o risco de catástrofes por meio, principalmente, de monitoramento. Entende-se que essa atuação é efetiva em atenuar os riscos, porém, devido a sua dinâmica de ação e ausência de políticas públicas habitacio- nais, predomina a naturalização da ocu- pação irregular das áreas de risco, bem como, de suas consequências. Ademais, a ausência e carência de uma política pública habitacional efe- tiva para a cidade, principalmente, para moradores das ocupações em encos- tas, se evidencia por meio da história, da origem e ocupação de Campos do Jordão, até os dias atuais. De acordo com o exposto anteriormente na seção 1, a respeito do histórico da sua forma- ção urbana, nota-se a ausência dos es- paços habitacionais planejados para os trabalhadores, visto que os interesses hegemônicos nessa dinâmica, inicial- mente, o sanatorial e, posteriormente, o turístico, foram sempre excludentes. Isto é evidenciado pelo fato de que o primeiro zoneamento da cidade dividiu- -a em duas partes, a dos sanatórios e a do turismo, consequentemente, restava, para as moradias populares, os espaços para além dos considerados pelo plane- jamento urbano. Tal exclusão vem se reproduzin- do, tanto no curto, quanto no médio/ longo prazo, tanto no contexto imediato às tragédias, quanto com o passar do tempo. Em conversas com moradores, soube-se que, principalmente na tra- gédia de 2000, que atingiu o Britador e a Vila Santo Antônio (figuras 11 e 12), as pessoas diretamente afetadas foram encaminhadas para casas de parentes, instituições públicas, como a escola do bairro, e instituições religiosas, como igrejas e mosteiros, evidenciando au- sência de uma ação do poder público que garantisse suporte e apoio a essa parcela da população. Essa insuficiência é ainda mais evidente quando se considera a pre- sença de apenas dois conjuntos habi- tacionais provenientes de iniciativas do poder público na cidade de Campos do Jordão. Há somente dois conjuntos de prédios residenciais executados pela Companhia de Desenvolvimento Ha- bitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), construídos para abrigar os moradores que tiveram suas casas diretamente afetadas pela marcante tragédia de 2000 e que, inicialmente, ti- nham sido direcionados para um abrigo coletivo temporário. Entretanto, não há qualquer outra materialização de política pública habi- tacional que efetive o que consta, por exemplo, nos incisos III e IV do artigo 9º do Plano Diretor municipal, afirmando que constituem objetivos estratégicos, respectivamente, “criar áreas especiais de interesse social (AEIS), destinadas a habitação popular” e “urbanizar ocupa- ções irregulares”, como também, “solu- cionar a situação das moradias em área de risco”. Portanto, apreende-se que, des- de a origem da cidade, a iniciativa pú- blica não reservou e nem planejou um espaço para moradia dos trabalhadores, ainda que estes sejam fundamentais para a cidade, principalmente, no âmbito econômico, devido à oferta de sua mão de obra e serviço. Dessa forma, carac- teriza-se uma dinâmica de invisibilidade e encobrimento da pobreza que permeia o processo de formação e ocupação do espaço urbano de Campos do Jordão. Essa mesma dinâmica pode ser perce- bida, sob outro prisma, ao analisar um espaço específico, a Vila Santo Antônio (Figura 13). Por esta se localizar em uma re- gião de vale (Figura 14), sua topografia contribui para que a invisibilidade se dê até mesmo no âmbito da paisagem ur- bana, ao ponto de que, quem se encon- tra nas avenidas principais de acesso ao 2 Algumas das notícias mencionadas são: “Vídeo mostra área atingida por deslizamento que matou a vó e dois netos em Campos do Jordão” (G1, 2019), “Deslizamento de terra atinge casas em Cam- pos do Jordão” (G1, 2020), “Campos do Jordão tem mais de dez mil moradores em áreas de risco, diz Defesa Civil” (G1, 2020), “Doze pessoas ficam desalojadas após deslizamentos em Campos do Jordão, SP” (G1, 2021), “Chuva causa deslizamentos em sete pontos em Campos do Jordão” (G1, 2022), “Chuvas em Campos do Jordão interditam casas e derrubam árvores” (CBN Vale, 2022) e “Prefeitura de Campos do Jordão divulga alerta de chuva com risco de deslizamento” (Guia Cam- pos, 2023). 3534 Figura 13: Localização da Vila Santo Antônio no município de Campos do Jordão - SP Fonte: Google Earth (2020). Elabora- ção: A autora (2023). bairro - Doutor Januário Miráglia, Frei Orestes Girardi e Doutor Adhemar de Barros - não tem visão completa da Vila Santo Antônio (Figura 15), a despeito da sua proximidade. O contrário ocorre para quem reside nos espaços limítrofes da vila, que possui ampla visão dessas avenidas (Figura 16). Assim, se por um lado, o enco- brimento dessa realidade promove uma enorme diferenciação e exclusão no que concerne aos direitos sociais e, princi- palmente, ao direito à cidade, por outro, a invisibilidade contribui para que o in- cômodo gerado por sua presença seja menor. Figura 14: Vista aérea da Vila Santo An- tônio, em Campos do Jordão - SP, com destaque para sua topografia Fonte: Google Earth (2020). Figura 15: Vista parcial da Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP, a partir da Avenida Doutor Adhemar de Barros Fonte: A autora (2023). Figura 16: Vista parcial da cidade de Campos do Jordão - SP, a partir da Vila Santo Antônio Fonte: A autora (2023). 3736 De acordo com relatos do Sr. Marcilio Benedito da Silva³, antigo mora- dor e figura atuante no bairro em ques- tão, na passagem do século XX para o XXI, a história de ocupação da Vila Santo Antônio se iniciou com “um pe- queno povoado de meia dúzia de case- bres de pau a pique [que] havia se ins- talado no morro próximo [...] à estrada que dá acesso ao Palácio do Governo [Avenida Doutor Adhemar de Barros]”, na década de 1960. Em pouco tempo, o vale foi ocupado em sua completude e, na sequência, dominou-se “as encostas da Estrada para o Palácio do Governo, em seguida junto à plantação de Pinus Eliotis do Sanatório Sírio, e finalmente a extensão do Morro das Andorinhas”. No início da década de 1970, de acordo com o Sr. Marcilio, já havia mais de duzentas famílias morando na localidade e, por ali encontrarem minas naturais de água potável, onde a terra é de cor preta, passou-se a denominá- -lo Barro Preto. Estabelecendo estreita relação com a origem e desenvolvimen- to da vila, em abril de 1977, iniciou-se a construção da Capela Santo Antônio, que obteve esse nome devido ao fale- cimento de três moradores chamados pelo nome Antônio, que aconteceu na sua proximidade. Mais tarde, um decre- to da prefeitura, de 20 de maio de 1981, oficializou o nome para Vila Santo Antô- nio. Atualmente, o bairro configura um dos maiores, se não o maior, da cidade⁴, e conta com a presença e atuação da associação de moradores há estimados 45 anos. Iniciando suas atividades con- comitantemente às da Capela Santo An- tônio (Figura 17), em 1978, a associação designada como ‘Conselho de Bairro da Vila Santo Antônio’, posteriormente, se tornou a Sociedade de Amigos da Vila Santo Antônio, mais conhecida, até os dias de hoje, como SAVISA⁵ (Figura 18). Apesar da desconfiança de al- guns moradores a respeito da atuação da associação, que se constatou em vi- sita, outros demonstram visão positiva em relação a avanços e conquistas ob- tidos no que concerne às infraestruturas urbanas e serviços para o bairro, con- siderando que o mesmo possui escola, creche, posto de saúde, coleta de lixo e asfaltamento em quase todas as ruas. Figura 17: Capela Santo Antônio da vila de mesmo nome em Campos do Jordão - SP Fonte: A autora (2023). Figura 18: Sede da SAVISA na Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP Fonte: A autora (2023). Dentre os moradores mais des- confiados, foram registradas queixas em relação à questões em diversos âm- bitos, dentre elas, se destaca a mobili- dade urbana, uma vez que, grande par- te das ruas são estreitas e em muitos casos, não tem passeio e nem asfalto (Figura 19). Foi observado que a maio- ria das casas não possui garagem, mas muitos moradores utilizam veículo pró- prio, portanto, a rua se torna um espaço de disputa entre o carro, a bicicleta e o pedestre. No mesmo sentido, os chamados ‘escadões’ (Figura 20), longas escadas utilizadas para vencer os consideráveis desníveis a pé, apresentam condições precárias e, por vezes, insalubres, visto que em sua maioria são estreitos, des- tituídos corrimão e iluminação, alguns com degraus mal executados, outros recebendo despejo de escoamento de água e esgoto, entre outros problemas. São usados cotidianamente, sobretudo, pelos moradores que não possuem ve- ículo próprio, o que evidencia desigual- dades entre eles. Para além da atuação da asso- ciação de moradores, é evidente o des- caso de instituições públicas para aten- der demandas e ocorrências no bairro, decorrente dos desdobramentos sociais relacionados à localização dessas mo- radias, como restrição à cidadania e ao direito à cidade, bem compreendidos com base no processo de segregação socioespacial (VILLAÇA, 2001) que ca- racteriza as cidades brasileiras, em ge- ral. Dois outros problemas foram per- cebidos. Primeiro, a escassez de espa- ços públicos, principalmente destinados ao lazer, e a baixa qualificação dos pou- cos existentes, como parques e campos de futebol improvisados, ou até mesmo a utilização de espaços vazios (Figura 21) e abandonados para suprir essa fal- ta. O segundo problema diz respeito aos riscos ambientais e irregularidade urbanística, decorrentes da ocupação de encostas. Estes estão interligados e Figura 19: Rua da Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP Fonte: A autora (2023). Figura 20: Um dos ‘escadões’ da Vila San- to Antônio em Campos do Jordão - SP Fonte: A autora (2023). 3 Depoimento obtido informalmente, durante visita à Vila Santo Antônio, em janeiro de 2023. 4 Foram buscados, mas não foram encontrados dados na Prefeitura Municipal, que precisassem esses números. 5 A partir da identificação dos atuais responsáveis pela SAVISA, obtida mediante contato com mora- dores, foi buscado contato com eles, mas não se obteve resposta durante o período de elaboração dessa monografia. 3938 Figura 21: Terreno baldio, onde crianças brincam e moradores estacionam carros, Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP Fonte: A autora (2023). podem ser apreendidos, respectivamen- te, ainda que de maneira superficial, pelo exposto em seguida. Por um lado, o mapa6 (Figura 22) que apresenta a divisão e classificação das áreas de risco, estabelecidas pelo IPT, na Vila Santo Antônio, coloca em evidência a questão dos riscos ambien- tais. Por outro lado, as tentativas bem sucedidas e frustradas de regularização fundiária de moradias e posses, conhe- cidas por meio da conversa com mora- dores, apontam para a questão da irre- gularidade urbanística. A Figura 22 contêm o Mapa de Setores de Risco de Escorregamento da Vila Santo Antônio, elaborado e orga- nizado pelo IPT, no qual esses setores são divididos em 4 cores, roxo, verme- lho, amarelo e verde, que caracterizam, respectivamente áreas de risco muito alto, alto, moderado e baixo. Retomando os aspectos de sin- gularidade e diversidade inerentes às favelas, apresentados na subseção an- terior, atenta-se para a paisagem urba- na (Figura 23) da Vila Santo Antônio, a qual apresenta características visuais e estéticas comumente relacionadas a esses assentamentos, ao mesmo tem- po em que expressa particularidades. A presença de casas contendo elementos do tipo construtivo comum na cidade, que remete a edificações europeias, e o fato de portarem também elementos que tiram partido da topografia e do vi- sual da paisagem, não só expressa um caráter singular, como se conecta ao fato de que muitos moradores do bairro trabalham nos ramos da construção Figura 22: Mapa de Setores de Risco de Escorregamento da Vila Santo Antônio, Campos do Jordão - SP Fonte: IPT (2006). Figura 23: Foto da paisagem urbana da Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP Fonte: A autora (2023). 6 Este mapa foi incluído mesmo estando ilegível, pois considera-se o seu conteúdo de grande im- portância para o desenvolvimento deste trabalho. Outra versão foi buscada junto a funcionários da prefeitura, sem sucesso. 4140 civil e hotelaria. Além disso, reitera-se a ideia de que as favelas são espaços nos quais seus moradores desempenham papel considerável na construção e manuten- ção do espaço urbano, em especial, dos espaços públicos. Isto é revelado na Vila Santo Antônio, por exemplo, por meio das iniciativas dos moradores de reali- zarem uma contenção da encosta com pneus, que também viabiliza a presença da garagem de uma casa (Figura 24) e de manterem e cuidarem do parque (Fi- gura 25) existente nas proximidades de suas moradias. Figura 24: Iniciativa de contenção com pneus em casa na Vila Santo Antônio em Campos do Jordão - SP Fonte: A autora (2023). Figura 25: Parque público cuidado pelos moradores da Vila Santo Antônio em Cam- pos do Jordão - SP Fonte: A autora (2023). 43 O ESPAÇO PÚBLICO E SUA IMPORTÂNCIA PARA AS CIDADES3. A concepção atual sobre espaço público está diretamente relacionada ao contexto de desenvolvimento da cidade moderna, sob a égide do sistema capi- talista, no qual coexistem a divisão de classes sociais, a produção e circulação de mercadorias e o liberalismo. Tal con- cepção consiste em um ideal, ou seja, como os espaços públicos poderiam ser, mas não necessariamente como são de fato. Dessa forma, são compre- endidos como espaços democráticos, pautados pelas características da cida- de aberta, que infere a ele ser um espa- ço de reconhecimento das diferenças e trocas entre desconhecidos⁷. Para mais, o conceito de espaço público depreen- de uma estreita relação com a origem e realidade da cidade e de valores da civi- lização, visto que, desde a ágora grega, entende-se a pólis como um lugar que possibilita a convivência entre múlti- plos modos de vida, culturas, visões de mundo e, sobretudo, atividades políticas (ARENDT, 2008). A reforma urbana de Paris (séc. XIX) estimulou uma importante discus- são a respeito da compreensão das di- nâmicas inerentes ao espaço público, uma vez que expôs a relação contraditó- ria entre a implementação de processos marcados pela elitização, pelo estímulo à circulação pautada nos automóveis e pela segregação socioespacial, ao mes- mo tempo em que inaugurou parques públicos, entendidos como espaços de lazer. Para Delgado (2011), no que tan- ge à dimensão descritiva do espaço pú- blico, este deve ser reconhecido por sua 7 Informações pautadas nas aulas da disciplina Metrópoles e cidades médias, ministradas pela Prof. Eda Góes, em 2020. 4544 “visibilidade generalizada”, consistindo em um lugar, onde “cada um é obser- vado pelos demais, caracterizando-se assim pela “exibição e pelo risco”, como espaço em que tudo é ´perceptível e percebido`”. Além disso, o mesmo autor define o caráter político do conceito, afir- mando que, por ser um local onde convi- vem as diferenças, sem serem esqueci- das, mas sim negociadas, “esse espaço é a base da democracia”. Ademais, a concepção jurídica do espaço público, além de considerá-lo a partir do que consta na lei, também o faz de maneira relacional, ou seja, caracte- riza-o em oposição ao que é estabeleci- do como espaço privado. Já a concep- ção social, afirma que o espaço público é carregado de valores sociais positivos, como, por exemplo, o encontro, a con- vivência e a acessibilidade, entretanto, reitera que esses valores são uma pos- sibilidade e não uma regra (DUHAU; GI- GLIA, 2016). Dimenstein e Scocuglia (2017) compreendem o espaço público de for- ma abrangente, considerando as diver- sas dimensões do conceito, sendo elas política, social, jurídica e descritiva. As- sim, o definem como “um lugar de con- flito e dissenso, de encontro com o ou- tro, da alteridade e da diversidade, [...] da convivialidade, de uma urbanidade no sentido urbanístico de espaços livres abertos, de visibilidade e acessibilidade irrestritos”. Cortés (2008) agrega à definição de espaço público, o importante aspecto das práticas espaciais. O autor afirma que o espaço, seja público ou privado, “é antes de tudo um lugar praticado que aparece – se constitui na ação – com os indivíduos e seus movimentos” (2008, p.72). Dessa forma, apreende-se que são os sujeitos e suas ações que con- ferem significado aos espaços públicos, portanto, sua ausência direciona para o desaparecimento de um espaço público, enquanto sua presença, com as ações inerentes, pode atribuir sentido público, mesmo a um espaço juridicamente pri- vado. Nesse sentido, a Figura 21 (sub- seção 2.2) é expressiva, inclusive, das disputas que essas atividades não pre- vistas geram. Diante do exposto, constata-se que o espaço público não deve ser defi- nido considerando somente e de manei- ra rasa como sendo o contrário do que é estabelecido como espaço privado, vis- to que traz em si vários outros aspectos que o caracterizam. Pelo caráter ideal, vale reiterar que as definições não são efetivamente condizentes com a reali- dade dos espaços públicos das cidades atuais. Além disso, é um grande desafio estabelecer um conceito que abarque todos eles, visto que são espaços em constante mudança e que se relacionam com distintas realidades urbanas. Nas últimas décadas, as pesqui- sas acerca dos espaços públicos tratam predominantemente a respeito de um panorama de crise, decadência e até mesmo “morte” desses espaços. Ade- mais, percebe-se intensa relação dessa dinâmica com o processo de fragmen- tação socioespacial, que vem se imple- mentando nas cidades contemporâneas e que é marcado por práticas individu- alistas, privatizações, ascendência do consumo, insegurança, intolerância, en- tre outros8. Sob esse prisma, destaca-se o trabalho de Jane Jacobs (2001), intitu- lado ‘Morte e vida nas grandes cidades’, no qual ela argumenta que a “morte do espaço público” se dá por meio do “es- vaziamento cada vez maior desses es- paços com as práticas cada vez mais individualistas dos citadinos”. A exemplo disso, cita-se a utilização primordial de automóveis como meio de circulação nas cidades e, mais recentemente, a preferência, de certas classes sociais, por morar em ‘enclaves fortificados’ (CALDEIRA, 2000), compondo cada vez mais uma ‘cidade de muros’. Isso demonstra a prioridade dada à dimen- são privada em detrimento da pública e a negação de dinâmicas coletivas de so- ciabilidade, encontro e convivência com citadinos diferentes. Com isso, afirma-se que “o espaço público morto é uma das razões, e a mais concreta delas, pelas quais as pessoas procurarão um terreno íntimo que em território alheio lhes é ne- gado” (SENNETT, 1998, p.30). A partir do entendimento do que é espaço público e também da compreen- são dos processos e dinâmicas da cida- de contemporânea, cabe apresentar os critérios de avaliação, estabelecidos por Brandão (2011), que propõem carac- terizar cada espaço público de acordo com o contexto e realidade no qual se insere. Dessa maneira, aos profissio- nais que intervém sobre esses espaços, cabe sempre analisar aspectos como, em qual cidade se encontra, qual a ori- gem do espaço, onde se localiza nessa cidade, como é o seu entorno, verificar a acessibilidade, caracterizar as pessoas que o frequentam e as que não, quais são as problemáticas, etc. Ainda pensando na atuação de profis- sionais qualificados, como os arquitetos e urbanistas, sobre espaços públicos, guardadas as devidas diferenças e par- ticularidades de contexto e realidade, evidencia-se as ideias do dinamarquês, Jan Gehl, no livro ‘Cidade para pesso- as’ (2013). Para ele, considerando que a maneira como as cidades são cons- truídas interfere na vida de seus habi- tantes, é imprescindível pensá-las e projetá-las a partir da escala humana. Portanto, buscar qualidade de vida é também pensar na qualificação dos espaços urbanos. Dessa forma, é rele- vante que as propostas de intervenção no espaço público considerem e sejam destinadas, essencialmente, para as pessoas, preocupando-se, sempre, em proporcionar vitalidade, segurança e sustentabilidade nesses espaços. Para isso, o autor sugere que as intervenções sejam pautadas em diretrizes que prio- rizem o pedestre ao automóvel, como, por exemplo, por meio de construção de espaços adequados para caminhar e pedalar, promovendo fachadas ativas e com usos diferenciados, de forma a con- figurar um espaço de transição suave entre o público e o privado e ainda gerar atração e sensação de segurança. Tam- bém é relevante atentar para a utiliza- ção de mobiliários urbanos, iluminação e vegetação, a fim de compor um espa- ço que potencialize a permanência, esti- mulando o uso do espaço público, assim como a convivência entres os diferentes citadinos, possibilitada por eles. Levando em conta o debate teórico so- bre espaço público, os princípios pro- postos por arquitetos como Brandão (2011) e Gehl (2013) para projetá-los e o objetivo desta monografia, de dirigir a atenção para a Vila Santo Antônio, um dos assentamentos irregulares de Cam- pos do Jordão – SP, e seus espaços pú- blicos, são apresentados, em seguida, duas referências projetuais que, consi- derando as relações de semelhança e diferença de escala, contexto urbano, alcance, entre outros aspectos, favore- cem a proposição de diretrizes para a proposta projetual apresentada na se- quência. 8 Tema abordado nas aulas da disciplina Metrópoles e cidades médias, ministradas pela Prof. Eda Góes, em 2020, com base em autores como Jacobs (2001), Sennett (1998) e Davis (2003). 47 REFERÊNCIAS PROJETUAIS DE ESPAÇOS PÚBLICOS4. 4.1 Parque H3O e Beco São Vicente Ficha técnica Arquitetos: M3 Arquitetura, Vazio S/A, Silvio Todeschi, Ana Assis, Alexandre Campos + MAch Arquitetos Tipo de projeto: Urbanismo Ano: 2011 Cidade: Belo Horizonte - MG País: Brasil Os projetos do Parque H3O (ou Parque da Terceira Água) e do Beco São Vicente estão contidos dentro de uma ampla intervenção realizada em um dos aglomerados de favela mais po- pulosos de Belo Horizonte, o aglomera- do da Serra (Figura 26). Essa intervenção foi elaborada com participação popular por meio do Orçamento Participativo, que consiste em uma proposta de ouvidoria públi- ca. Uma das principais ações de todo o projeto foi a realocação de famílias que moravam em áreas de risco para novas moradias, realizadas dentro da mesma iniciativa. A intervenção também promo- veu obras de urbanização em becos, a recuperação de nascentes, rede de es- goto para todos os domicílios e implan- tação de rede de interceptores ao longo dos córregos e no entorno da área do parque proposto. O Parque H30 contém um centro comunitário (Figura 27), áreas de lazer, quadras esportivas, equipamentos de ginástica, pistas de caminhada e jardim comunitário. Essas instalações foram alocadas nas raras e estreitas áreas planas do território, que se conforma so- bre uma encosta de um talvegue. Nesse contexto, vale ressaltar a solução do 4948 ‘Muro de Atividades’ (Figura 28), ado- tada na chamada Praça da Academia e que expõe a limitação de área dispo- nível para implantação do projeto por meio da concentração de aparelhos de ginástica em um único elemento. O Beco São Vicente (Figura 29) localiza-se fora da área do Parque H3O e compreende uma apropriação estraté- gica de um dos poucos espaços vazios que ainda existem no denso aglomera- do de edificações na favela da Serra. Seu projeto conforma-se em três volu- mes cilíndricos construídos, nos quais a parte interna abriga a associação de costureiras do bairro e a parte superior forma espaços públicos (Figura 30) que dão suporte para as práticas de skate, brincadeiras e capoeira. Figura 26: Vista aérea do aglomerado da Serra em Belo Horizonte, Minas Gerais Fonte: Cortesia Arquitetos/Archdaily (2011). Figura 27: Centro comunitário do projeto do Parque H3O no aglomerado da Serra em Belo Horizonte, Minas Gerais Fonte: Cortesia Arquitetos/Archdaily (2011). Figura 29: Projeto do Beco São Vicente no aglomerado da Serra em Belo Horizonte, Minas Gerais Fonte: Cortesia Arquitetos/Archdaily (2011). Figura 28: Muro de Atividades em praça do projeto do Parque H3O no aglomerado da Serra em Belo Horizonte, Minas Gerais Fonte: Cortesia Arquitetos/Archdaily (2011). Figura 30: Parte superior do volume cilíndrico do projeto do Beco São Vicente no aglomerado da Serra em Belo Horizonte, Minas Gerais Fonte: Cortesia Arquitetos/Archdaily (2011). Os projetos do Parque H3O e do Beco São Vicente no aglomerado da Serra (Belo Horizonte - MG) se diferen- ciam da proposta projetual apresentada nesta monografia pela escala, alcance e abrangência tanto do projeto, como do recorte espacial considerado. Ao passo que, se assemelha por consistir em in- tervenções em uns dos raros espaços livres e públicos existentes dentro de um contexto de um assentamento irre- gular consolidado e pautado por carac- terísticas de adensamento construtivo e topografia acentuada, apresentando-se como limitações e condicionantes a se- rem elaboradas projetualmente. Além disso, os projetos apresentados nessa seção também propõem espaços coleti- vos, esportivos, de lazer e permanência. 5150 4.2 Meu Campinho O programa Meu Campinho é uma iniciativa do Governo do Estado do Paraná, executada pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e de Obras Públicas, e parte da premissa afirmada pelo 11º Objetivo de Desenvol- vimento Sustentável (ODS) da Organi- zação das Nações Unidas (ONU), que preconiza “tornar as cidades e os assen- tamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. Os projetos compõem um conjunto de equipamen- tos públicos (Figuras 31 e 32) voltados não só para a prática esportiva, como também para promover a qualidade de vida aos moradores dos municípios pa- ranaenses. Além disso, se destacam e tornam-se referência por proporciona- rem a integração social, por meio de requalificação urbanística e também por apresentarem grande alcance social, principalmente, com crianças e adoles- centes. As intervenções são adequadas de acordo com a demanda e necessida- de de cada bairro em cada cidade onde são implantadas. As prefeituras decidem de que forma modular as unidades, ten- do como opções possíveis os seguin- tes equipamentos e mobiliários: campo de futebol de grama sintética com ilu- minação de LED, parquinho com piso emborrachado, bancos, floreiras, um pergolado (Figura 33) e academia para a terceira idade, além de estacionamen- to. No município de Maringá, dentre os 19 projetos do programa já construídos, há uma particularidade, ‘o Parque de Cordas’ (Figura 34), uma estrutura com cordas entrelaçadas que possibilitam a escalada de crianças. Além disso, a implantação tanto em áreas já consolidadas e centrais, como em novos conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida – Faixa 1 (Figuras 35 e 36), com localiza- ção periférica e perfil popular, reitera o papel inclusivo desempenhado pelo pro- grama Meu Campinho em Maringá. Os projetos do programa Meu Campinho, principalmente, um daque- les implantados na cidade de Maringá - PR e apresentado aqui, se assemelham com a proposta projetual deste trabalho final de graduação, por se tratar do pla- nejamento de equipamentos públicos de esporte e lazer, destinados a áreas com perfil popular e que apresentam solu- ções interessantes, como, por exemplo, o parque de cordas. Além disso, promo- ve integração social e volta-se, princi- palmente, aos jovens e crianças, sem desconsiderar a possibilidade de conví- vio entre todos e quaisquer usuários. Figura 31: Vista aérea de um dos projetos do programa Meu Campinho do governo do estado do Paraná Fonte: Paraná Interativo. Figura 32: Um dos projetos do programa Meu Campinho do governo do estado do Paraná Fonte: Paraná Interativo. Figura 33: Equipamentos como cancha, pergolado, bancos e floreiras em uma das unidades do programa Meu Campinho Fonte: Paraná Interativo Figura 34: Parque de Cordas em uma das unidades do programa Meu Campinho em Maringá - PR Fonte: Aldemir de Moraes/Prefeitura Mu- nicipal de Maringá (2020). Figura 35: Meu Campinho no Conjunto Habitacional Pioneiro José Pires de Olivei- ra, Maringá - PR: vista parcial (1) Fonte: Góes (2022). Figura 36: Meu Campinho no Conjunto Habitacional Pioneiro José Pires de Olivei- ra, Maringá – PR: vista parcial (2) Fonte: Góes (2022). 53 DIRETRIZES PROJETUAIS5. Sob o prisma da fundamenta- ção teórica e das referências projetuais apresentadas, elaborou-se diretrizes para orientar uma proposta de conexão entre os espaços públicos da Vila San- to Antônio em Campos do Jordão-SP, além de um projeto de requalificação de alguns dos espaços públicos de lazer e permanência do bairro, como também a proposição de um novo. A partir de uma das visitas ao bairro, foi perceptível a presença de crianças e adolescentes se apropriando dos espaços das ruas e de um terreno vazio para brincar, andar de bicicleta e de patins, como também moradores se encontrando nesse espaço, conforme retratado na Figura 21 (localizada na subseção 2.2). Dessa forma, apreende-se a pre- cariedade de espaços públicos de lazer e permanência e, até mesmo, a escas- sez desses espaços, influenciada, em parte, pelo adensamento das edifica- ções, restando poucos espaços livres no bairro como um todo (Figura 37). É nes- se contexto que surge a ideia de inter- vir sobre esses lugares. Ademais, com intuito de complementar a intervenção e aumentar sua abrangência e efetivida- de, pensa-se em uma proposta para o bairro como um todo, incluindo também os espaços públicos de passagem (vias, vielas e ‘escadões’), a fim de promover a conexão entre esses e os outros. Diante da identificação dos espa- ços públicos de lazer existentes na vila, apresentados na Figura 37, faz-se ne- cessário compatibilizá-los com o Mapa de Setores de Risco de Escorregamen- to, apresentado na Figura 22 (localizada na subseção 2.2). É possível verificar 5554 que um dos espaços expostos, o campi- nho de futebol improvisado situado a no- roeste do bairro, localiza-se em um setor caracterizado por risco muito alto. Com isso, para não perpetuar a ocupação em áreas com risco de escorregamento de terra, tal recorte não foi considerado no projeto. Os demais, por se encontrarem em áreas classificadas com risco baixo ou moderado, foram considerados como os espaços de intervenção. Portanto, a fim de orientar a pro- posta de conexão entre os espaços pú- blicos da Vila Santo Antônio (Campos do Jordão – SP) e o desenvolvimento do projeto de requalificação de alguns dos espaços públicos de lazer da mesma, foram estabelecidas diretrizes, sendo elas: • considerar as particularidades e sin- gularidades locais, tendo em vista a pluralidade e complexidade ineren- tes às favelas, afim de produzir uma política apropriada para esse territó- rio; • analisar o contexto socioterritorial no qual os espaços de intervenção es- tão inseridos, assim como as práti- cas e territorialidades preexistentes, considerando suas potencialidades e insuficiências. Algumas das po- tencialidades são: 1. a utilização e apropriação dos espaços tidos como públicos para brincar de velotrol, an- dar de bicicleta, jogar futebol, dan- çar, sentar e conversar; 2. a utiliza- ção desses espaços para estacionar carros e caminhões e realizar a ma- nutenção desses veículos, visto que as ruas são estreitas e poucas casas possuem garagem; 3. a possibilida- de inerente ao visual composto pela paisagem urbana e natural, observa- da pela autora deste TFG, configu- rando um partido projetual; • adequar-se às limitações dos espa- ços disponíveis escolhidos, levando em conta a densidade da ocupa- ção da Vila Santo Antônio e as con- dições topográficas. Para isso, se toma como base, iniciativas como o Muro de Atividades, apresentada na referência projetual do Parque H3O e Beco São Vicente (Figura 28, loca- lizada na subseção 4.1); • atentar para a classificação de áre- as de risco estabelecida pelo IPT, a fim de não perpetuar a ocupação em área de risco de deslizamento; • projetar a partir da escala humana, priorizando o pedestre e suas dinâ- micas, com intuito de promover es- paços de permanência e convívio, por meio de iluminação, vegetação, mobiliários e outras infraestruturas, assim como no projeto do Meu Cam- pinho (subseção 4.2); • conferir prioridade às crianças e ado- lescentes, por estes se evidenciarem nas apropriações percebidas em vi- sita ao bairro, mas sem perder de vista, a potencialidade dos encontros e do convívio entre todos os morado- res e os diversos citadinos nos espa- ços públicos; • estabelecer a conexão entre os es- paços livres e públicos da vila, tanto os de passagem (‘escadões’, vielas e ruas), quanto os de permanência e lazer, a fim de construir uma propos- ta abrangente e que alcance grande parte do bairro. Figura 37: Localização da Vila Santo Antô- nio no município e dos espaços públicos de lazer existentes nela Fonte: Google Earth (2020) Elaboração: A autora (2023). 57 PROPOSTA PARA CONEXÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DA VILA SANTO ANTÔNIO6. Diante da precariedade que ca- racteriza os espaços livres e públicos da Vila Santo Antônio (Campos do Jordão - SP), define-se uma proposta de co- nexão entre esses com a finalidade de compor um sistema de espaços que se interligam e possibilitam, aos citadinos, usufruírem e se apropriarem desses lu- gares e das infraestruturas contidas ne- les. A proposta consiste, de maneira geral, em promover a conexão dos es- paços públicos de lazer e permanência qualificados com todo o bairro, principal- mente, por meio dos espaços públicos de passagem (vias, vielas e ‘escadões’). Assim, o detalhamento da proposta en- volve seis iniciativas: 1. revestir as vias destituídas de asfalto, utilizando piso intertravado com grama, por ser permeável e, assim, faci- litar a drenagem das águas pluviais; 2. executar a continuidade do passeio onde este estiver descontínuo, proporcionando maior conforto e segu- rança aos pedestres; 3. adicionar lombadas nas proxi- midades dos espaços públicos de lazer projetados, a fim de que os veículos di- minuam a velocidade e facilite o acesso dos pedestres a esses espaços; 4. no caso dos ‘escadões”, qua- lificá-los principalmente no que diz respeito aos degraus, corrimão e ilu- minação. No entanto, considera-se a dificuldade de mapeá-los, pela grande quantidade existente, pela dificuldade de acesso a todos eles pela autora, pela baixa qualidade das imagens de satélite e, também, pela sobreposição de pro- blemáticas contida num mesmo espaço, envolvendo: piso, corrimão, drenagem 5958 de água pluvial, escoamento de esgoto, acesso à moradias, etc.; 5. promover a conexão entre os espaços públicos de lazer e de pas- sagem, assim como também com os equipamentos coletivos, de comércio e serviço do bairro (escola, creche, SA- VISA, posto de saúde, igrejas, merce- arias, etc.), de duas maneiras: a) por meio de uma linguagem visual, estabe- lecida através da pintura de passeios e fachadas cegas (onde houver cada um desses elementos e for possível) ao lon- go do bairro, em conformidade com as cores e formas da paginação dos pisos dos espaços projetados; b) pela escolha dos elementos que receberão a pintura, sendo aqueles localizados, principal- mente, nas vias de maior destaque para a conexão dos espaços públicos do bairro,. Desse modo, hierarquicamen- te, devem ser priorizadas as seguintes: Rua Treze de Junho, Rua do Pinho, Rua do Pinhão, Rua Beija-Flor, Rua Pavão, Rua Araponga e Rua Pardal; 6. desenvolver um projeto de re- qualificação para dois espaços públicos de lazer e permanência do bairro, bem como criar mais um novo espaço, a fim de dotar a porção do bairro destituída e contribuir para a conexão da vila como um todo (conforme apresentado no Ca- pítulo 7). Isto posto, apresenta-se o mapa sínte- se da proposta de conexão dos espaços públicos da Vila Santo Antônio (Figura 38). 6160 Figura 38: Mapa síntese das propostas de conexão dos espaços públicos da Vila San- to Antônio, Campos do Jordão-SP Fonte: Levantamento cadastral da prefeitu- ra de Campos do Jordão (2008) Elabora- ção: A autora (2023). 63 PROJETO DE ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER E PERMANÊNCIA DA VILA SANTO ANTÔNIO7. A concepção do projeto de requa- lificação de alguns dos espaços públicos da vila que é recorte espacial deste tra- balho surge, principalmente, a partir das apropriações dos espaços livres do bair- ro realizadas pelos moradores, como brincadeiras e esportes. Além disso, a precariedade dos poucos espaços livres existentes também motiva a interven- ção proposta, portanto, além da requa- lificação de algumas áreas previamente apropriadas como públicas, se propõe a criação de um novo espaço de convívio e permanência. O processo de desenvolvimento e elaboração do projeto consistiu, ini- cialmente, em visitas ao bairro para co- nhecer o território e apreender as apro- priações (descritas previamente) do mesmo pelos citadinos. Posteriormente, elaborou-se um estudo dos fluxos, prin- cipalmente dos pedestres, nas áreas de intervenção, que levou ao desenho da paginação do piso e, na sequência, a setorização de áreas de passagem e permanência. Se buscou então, dotar e qualificar os lugares com novos brinque- dos, mobiliários urbanos, como bancos, lixeiras, iluminação a nível do pedestre, bicicletários e vegetação, produzindo espaços públicos convidativos e atrati- vos, possibilitando sua apropriação de modo a gerar convívio entre os citadi- nos. A paginação do piso foi pensada como principal elemento que confere unidade e conexão ao projeto, por meio de uma linguagem visual (anteriormente mencionada no Capítulo 6, na apresen- tação da 5ª proposta), que é composta pelas cores e formas do traçado orgâni- co fluido e colorido. Atraente e convida- 6564 tivo, esse piso deve servir como um es- tímulo visual, contribuindo para a atmos- fera lúdica e de lazer que se pretende criar, além de ser coerente com o dese- nho urbano e com a topografia da Vila Santo Antônio. A setorização, estabelecida por meio do desenho e da materialidade do piso, se dá como uma forma de guiar o usuário no espaço, se dividindo em lo- cais de acesso, passagem, permanên- cia e contemplação. O piso intertravado cimentício, solução permeável e que possibilita desenhos em diferentes for- matos, é utilizado em duas cores, cinza claro e ocre, para marcar, respectiva- mente, o fluxo e a permanência, onde esta é apoiada pelos mobiliários urba- nos. O piso emborrachado colorido, que permite paginações orgânicas e é efi- ciente no amortecimento, indica os pon- tos de diversão e esporte, sinalizados, nos brinquedos, pelas cores amarela, roxa e laranja e, na quadra, pelas cores vermelha e verde. E o piso da chamada ‘ecomadeira’, também conhecido como “Ecoblock”⁹, é uma opção sustentável que possui um processo produtivo com menor impacto negativo ao meio am- biente e delimita as áreas de permanên- cia e contemplação do projeto, caracte- rizadas pelos mirantes. Os mobiliários, tanto de diversão, quanto urbanos, seguem a linguagem fluida e atraente do projeto por meio da forma orgânica, das cores e da materia- lidade, sendo eles: balanço, gira-gira, parede e estrutura de escalada, diferen- tes tipos de bancos, lixeira, balizador, poste de iluminação e bicicletário. A vegetação foi definida de acor- do com o clima da cidade de Campos do Jordão - SP, que é subtropical. Foram selecionadas espécies arbóreas, arbus- tivas, folhagens, forrações e gramíneas que se apresentam predominantemente com tons verdes e brancos, a fim de dei- xar o destaque de cores nas materiali- dades do piso e dos mobiliários. Além disso, as espécies menores (exceto ar- bóreas) foram escolhidas tanto as que necessitam de sol pleno, quanto as que demandam meia-sombra e sombra, vis- to que a maioria ficaria exposta ao sol, mas, em alguns pontos, seriam sobre- postas pelas árvores e, consequente- mente, sombreadas. Assim, apresenta-se, na sequ- ência, os projetos para as três áreas de intervenção, iniciando pelas pré-existen- tes. Se considerou importante atribuir um nome a cada uma delas: Praça Azu- lão, Praça Pavão e Mirante do Pinhão¹⁰. 7.1 Praça Azulão Em um terreno pequeno para uma praça ou parque, de aproximada- mente 100m², encaixado no adensado de casas da Vila Santo Antônio, encon- tra-se a denominada Praça Azulão. Esta foi encontrada destituída de qualquer mobiliário, além de simples brinquedos (balanço, escorregador e gangorra) e uma lixeira improvisada (Figuras 39). A qualificação desta praça tem o intuito de tornar o espaço atrativo e con- vidativo, despertando nos moradores a vontade de usufruir e se apropriar, re- vertendo a condição observada em to- das as visitas realizadas pela autora. Dessa forma, o projeto da Praça Azulão (Figuras 40 e 41) pretende cons- tituir um espaço público de lazer e per- manência, contendo: 1. brinquedos novos (substituin- do os simples e tradicionais brinquedos pré-existentes), que condizem com as diretrizes e propostas, principalmente, no que se refere às características do sítio e à coerência com a linguagem do projeto, além de promover acessibilida- de, sendo eles: balanço de cordas indi- vidual, parede de escalada e gira-gira inclusivo; 2. mobiliários urbanos (bancos, lixeira, balizador, poste de iluminação e bicicletários) ao seu redor, que possibili- tam a permanência; 3. vegetação, que contribua para uma atmosfera agradável e promova sombra; 4. um canteiro pluvial que favore- ce o escoamento e infiltração das águas pluviais, haja vista que este terreno en- contra-se em uma das cotas mais bai- xas do bairro. Figura 39: Praça Azulão, foto da condição original do espaço Fonte: A autora (2023). 9 Ecoblock é uma empresa que produz a ‘ecomadeira’, solução nacional, reciclada e reciclável, resultado da transformação de resíduos. Substitui a madeira natural em sua aplicação e aparência, além de contribuir para a limpeza do meio ambiente. Esta empresa pode ser encontrada por meio do seguinte endereço eletrônico: https://ecoblock.com.br/. 10 Os nomes atribuídos aos espaços de projeto foram originados a partir do nome da rua em que estes se localizam. 6766 Figura 40: Implantação e cortes gerais do projeto da Praça Azulão Fonte: Levantamento cadastral da prefeitu- ra de Campos do Jordão (2008) Elabora- ção: A autora (2023). 6968 Figura 41: Ampliação, cortes esquemáti- cos e tabelas de especificações do projeto da Praça Azulão Fonte: Levantamento cadastral da prefeitu- ra de Campos do Jordão (2008) Elabora- ção: A autora (2023). 7170 7.2 Praça Pavão A Praça Pavão está localizada em um dos poucos, se não o único, es- paços livres consideráveis da Vila Santo Antônio, visto que se encontra em um terreno (aproximadamente 3.225m²) quase completamente vazio, não fosse a estrutura de um prédio abandonado, uma cerca e uma trave de madeira im- provisada (Figuras 42 e 43). A requalificação proposta tem o intuito de transformar o espaço em uma praça, sendo mais atrativo e convidati- vo, potencializando nos moradores a vontade de usufruir e ocupar, assim, in- tensificando e expandindo as apropria- ções já existentes. Com esses objetivos, o projeto da Praça Pavão (Figuras 44 e 45) prevê: 1. retirada da cerca para possibi- litar mais acessos, principalmente, nas proximidades da quadra, que substituirá a trave improvisada; 2. dando melhor e mais adequa- do suporte ao jogo de futebol, se prevê uma quadra com arquibancada em um de seus lados, que possibilitará assen- to para usuários que desejem acompa- nhar os jogos, aproveitando o desnível existente. Foi planejada uma quadra de dimensões pequenas, a fim de caber no terreno, sendo dotada de iluminação apropriada e grade em seu perímetro para não interferir nos demais usos do espaço. 3. implantação de um deck que irá estruturar um mirante, tirando partido da topografia e da vista do terreno para a paisagem natural e urbana, apoiando a contemplação e permanência; 4. mobiliários urbanos (bancos, lixeira, balizador, poste de iluminação e bicicletários) e vegetação, que contri- buem para uma atmosfera agradável e possibilitem a permanência; 5. a área previamente destina- da ao estacionamento de veículos será mantida. Isso se justifica porque, ape- sar de não ser uma solução que priori- ze os pedestres, além de considerar a realização de serviços de manutenção mecânica, não desampara os veículos que já ficam estacionados ali, levando em conta uma particularidade inerente à Vila Santo Antônio, que é a escassez de espaço para os veículos, tendo em vista as ruas estreitas e a maioria das casas sem garagem; 6. reabilitação da estrutura do prédio abandonado, como um espaço aberto e livre para as diversas possi- bilidades de apropriações e usos, po- dendo abrigar tanto um jogo de futebol, como também a projeção de mídia em suas paredes, por exemplo. O projeto também prevê a pintura de paredes e piso internos, de acordo com as cores e formas da paginação de piso externa da praça, além de aproveitar a estrutura treliçada existente para instalar uma co- bertura translúcida, que permita a entra- da de luz natural, ao mesmo tempo que desempenha a função de proteger das intempéries, a fim de possibilitar a apro- priação durante a chuva, por exemplo. Figura 42: Praça Pavão, foto parcial da condição original do espaço, com destaque para a estrutura do prédio abandonado Fonte: A autora (2023). Figura 43: Praça Pavão, foto parcial da condição original do espaço, com destaque para a cerca e a trave improvisada Fonte: A autora (2023). 7372 Figura 44: Implantação e cortes gerais do projeto da Praça Pavão Fonte: Levantamento cadastral da prefeitu- ra de Campos do Jordão (2008) Elabora- ção: A autora (2023). 7574 Figura 45: Ampliação, cortes esquemáti- cos e tabelas de especificações do projeto da Praça Pavão Fonte: Levantamento cadastral da prefeitu- ra de Campos do Jordão (2008) Elabora- ção: A autora (2023). 7776 7.3 Mirante do Pinhão A ideia do projeto do Mirante do Pinhão surge do fato que os espaços de intervenção se localizam na porção oposta, sendo que, se não fosse o mi- rante, a região do bairro na qual ele se localiza seria destituída de espaços pú- blicos de lazer e permanência, como se pôde observar na Figura 37 (Capítu- lo 5). Situado em uma das cotas mais elevadas da Vila Santo Antônio, o local escolhido para o projeto do Mirante do Pinhão (Figura 46) permite tirar partido da topografia e do visual da paisagem natural e urbana. Portanto, a fim de criar mais um espaço público de lazer e permanên- cia, que considere a abrangência geral da vila, esse projeto (Figuras 47 e 48) consiste em um deck que estrutura e dá suporte a um mirante. Com intuito de torná-lo mais convidativo e atrativo, dis- pôs-se mobiliários urbanos como ban- cos, lixeiras e postes de iluminação. Figura 46: Mirante do Pinhão, foto da vista parcial que ele proporciona de Campos do Jordão - SP Fonte: A autora (2023). 7978 Figura 47: Implantação e cortes gerais do projeto do Mirante do Pinhão Fonte: Levantamento cadastral da prefeitu- ra de Campos do Jordão (2008) Elabora- ção: A autora (2023). 8180 Figura 48: Ampliação, cortes esquemáticos e tabelas de especificações do projeto do Mirante do Pinhão Fonte: Levantamento cadastral da prefeitu- ra de Campos do Jordão (2008) Elabora- ção: A autora (2023). 83 CONSIDERAÇÕES FINAIS8. Intervir em espaços produzidos coletivamente como públicos é uma contribuição possível do profissional ar- quiteto e urbanista, a fim de buscar ate- nuar a restrição do direito à cidade para parte da população. Ademais, no âmbito da Vila Santo Antônio, Campos do Jor- dão - SP, a proposta projetual apresen- tada nesta monografia visa potencializar a singularidade inerente à favela, que é ser composta pela pluralidade, diversi- dade e práticas de convivência e cons- trução coletiva do espaço urbano por seus moradores. Para isso, reitera-se a possibilidade intrínseca aos espaços públicos de permitir o convívio entre di- ferentes modos de vida, culturas e con- cepções de mundo. Por fim, tal projeto se faz impor- tante para a formação de profissionais que, apesar das inúmeras dificuldades, voltem seus olhares e esforços ao invi- sível no contexto da sociedade injusta em que se vive. Mesmo que diante de um panorama de sobreposição de pro- blemáticas - urbanas, habitacionais, ju- rídicas e sociais -, como é o caso de um assentamento irregular consolidado, e ainda que perante às limitações ineren- tes a elaboração deste Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanis- mo, a proposta apresentada tem como objetivo constituir-se como um pequeno passo em direção à minimização de um grande problema, não só da Vila Santo Antônio e nem de Campos do Jordão - SP, mas de todas as cidades brasileiras. 85 REFERÊNCIAS9. ABITANTE, Juliana da Camara. Segregação espacial e acessibilidade: uma con- tribuição para o desenvolvimento sustentável em Campos do Jordão - SP. 2016. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade) - Universi- dade Federal de Itajubá, Itajubá, 2016. ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. BRANDÃO, Pedro. O sentido da cidade. Lisboa: Livros Horizonte, 2011. CALDEIRA, Teresa Pires. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. Editora 34, 2000. CAMPOS DO JORDÃO. Lei nº 2.737, de 02 de maio de 2003. Dispõe sobre apro- vação do Plano Diretor Estratégico de Campos do Jordão. Campos do Jordão: Executivo Municipal, [2003]. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/plano-di- retor-campos-do-jordao-sp. Acesso em: 22 nov. 2022. CAMPOS DO JORDÃO. Lei nº 3.820, de 05 de dezembro de 2016. Dispõe so- bre alteração na Lei nº 2.737/03, Plano Diretor Estratég