ANDREWS CARVALHO CHIAPETTA MARQUES Análise e considerações sobre o deslocamento (ruptura) de uma estrutura de arrimo convencional em uma encosta da Ilha Porchat, São Vicente Guaratinguetá - SP 2015 Andrews Carvalho Chiapetta Marques Análise e considerações sobre o deslocamento (ruptura) de uma estrutura de arrimo convencional em uma encosta da Ilha Porchat, São Vicente Trabalho de Graduação apresentado ao Conselho de Curso de Graduação em Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do diploma de Graduação em Engenharia Civil. Orientador: Prof. Dr. Auro Tanaka Guaratinguetá - SP 2015 DADOS CURRICULARES ANDREWS CARVALHO CHIAPETTA MARQUES NASCIMENTO: 04.12.1986 – SANTOS/ SP FILIAÇÃO: Reinaldo Marques Aládia Carvalho Chiapetta Marques 2008/2015: Curso de Graduação em Engenharia Civil Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Dedico esta monografia à minha amada avó Thereza, que durante o desenvolvimento desta, completou sua passagem pela Terra e que mesmo analfabeta foi pra mim o maior exemplo de educadora. AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais que me incentivaram em todos os momentos da minha vida. “A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original.” Albert Einstein. RESUMO O presente trabalho trata da análise embasada na verificação da segurança de uma estrutura de arrimo convencional de muro de gravidade tipo “gabião” em uma encosta de São Vicente. Para isso, discussão sobre levantamento topográfico e de dados de ensaios de campo foram utilizados para a verificação da segurança da estrutura de arrimo. Conclui-se que a alteração antrópica com construções adjacentes a encostas íngremes e de estradas de acesso sem adequado pavimento de canalização de águas superficiais no relevo do talude foram responsáveis pelo processo de movimentação da encosta e ruptura da estrutura de arrimo. PALAVRAS-CHAVE: Encostas. Escorregamento. Solo residual. ABSTRACT This paper deals with the analysis grounded in verifying the security of a conventional retaining structure of gravity type wall "gabion " on the hillside of St. Vincent. For this, discussion of surveying and field trial data were used to verify the safety of the retaining structure. We conclude that anthropogenic changes with adjacent buildings and the steep slopes without adequate plumbing paving access roads surface water on the slope relief were responsible for the slope move process and rupture of the retaining structure. KEYWORDS: Hill sides. Land slides. Residual soil. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Evolução do crescimento mundial (1975 a 2008) no número de ocorrências de desastres naturais (a) e dos prejuízos estimados em bilhões de dólares (b). ............................ 17 Figura 2 - Distribuição por região dos desastres atendidos pela Defesa Civil Nacional (SEDEC; 2009) ......................................................................................................................... 18 Figura 3 - Suscetibilidade aos principais processos associados a desastres naturais no Estado de São Paulo ............................................................................................................................. 19 Figura 4 - Número e tipos de acidentes registrados no Estado de São Paulo, no período de 200 a 2008. (CEDEC, 2009) ............................................................................................................ 19 Figura 5 - Esquema de escorregamento rotacional ................................................................... 22 Figura 6 - Escorregamento rotacional do grande acidente do Monte Serrat (1928)................. 22 Figura 7 - (a) Esquema de carregamento planar ou translacional de solos. Escorregamentos planares em: (b) Campo Limpo Paulista (2009); (c) Várzea Paulista (2006) e (d) Nova Lima, MG. ........................................................................................................................................... 23 Figura 8 - Desenho conforme (Tominaga, 2012) de escorregamento em cunha. ..................... 24 Figura 9 - Mapa de risco a erosão costeira para o Estado de São Paulo .................................. 28 Figura 10 - Ranking da erosão costeira nas praias paulistas .................................................... 29 Figura 11 - Gráfico de correlação chuva x escorregamentos, construído para a região de Cubatão. .................................................................................................................................... 31 Figura 12 - Mapa de Situação do Município de São Vicente ................................................... 35 Figura 13 - Ocupação territorial de São Vicente desde a sua fundação em 1532 até o fim do século XX. ................................................................................................................................ 36 Figura 14 - Mapa de compartimentos geomorfológicos do município de São Vicente-SP ...... 38 Figura 15 - Ilha Porchat à esquerda e acesso pela Alameda Ary Barroso ao Monumento 500 anos na Ilha Porchat à direita. ................................................................................................... 42 Figura 16 - Monumento 500 anos do descobrimento ............................................................... 43 Figura 17 - Presença de matacões na encosta ........................................................................... 44 Figura 18 - Canaleta de escoamento obstruída por folhagens e resíduos ................................. 45 Figura 19 - Detalhe da ruptura localizada, que deixou a canaleta descalçada .......................... 45 Figura 20 - Detalhes da ruptura da estrutura de arrimo ............................................................ 46 Figura 21 - Boca de lobo ao final da escada hidráulica ............................................................ 47 Figura 22 - Erosão do solo residual à direita ............................................................................ 48 Figura 23 - Perfil do solo residual encontrado pela sondagem local ........................................ 49 Figura 24 - Vista do monumento em perfil ............................................................................... 49 Figura 25 - Resíduo descartada pelos visitantes (foto tirada no terraço, pela perspectiva do visitante) ................................................................................................................................... 50 Figura 26 - Escada hidráulica em detalhe ................................................................................. 50 Figura 27 - Vista por satélite da área influenciada pela precipitação ....................................... 51 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Principais tipos de movimentos de massa em encostas (Augusto Filho, 1992) ..... 21 Tabela 2 - Roteiro de Trabalhos ............................................................................................... 25 Tabela 3 - Precipitação acumulada no ano: 2222,8 mm .......................................................... 52 Tabela 4 - Precipitação acumulada no ano: 2199,2 mm .......................................................... 52 Tabela 5 - Precipitação acumulada no ano: 2102,9 mm .......................................................... 53 Tabela 6 - Precipitação acumulada no ano: 2877,3 mm .......................................................... 53 Tabela 7 - Precipitação acumulada no ano: 2319,3 mm .......................................................... 53 Tabela 8 - Precipitação acumulada no ano: 2017,1 mm .......................................................... 54 Tabela 9 - Precipitação acumulada no ano: 2119,5 mm .......................................................... 54 Tabela 10 - Precipitação acumulada no ano: 2210,7 mm ........................................................ 55 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13 1.1 JUSTIFICATIVA E IMPORTÂNCIA DO TEMA ...................................................... 14 1.2 OBJETIVO ................................................................................................................... 15 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 16 2.1 CONCEITOS DE ESCORREGAMENTOS ................................................................ 20 2.2 A ANÁLISE E PROCEDIMENTO METODOLÓGICO DO ESCORREGAMENTO LOCAL ......................................................................................................................... 24 2.2.1 Analise de fatores intervenientes e diagnóstico de causas ....................................... 25 2.2.2 A Baixada Santista: Histórico de gestão preventiva e escorregamentos. .............. 30 2.2.2.1 Carta geotécnica dos morros de Santos e São Vicente ................................................. 32 3 ÁREA ADMINISTRATIVA, RELEVO E FISIOGRAFIA DE SÃO VICENTE . 35 3.1 ÁREA ADMINISTRATIVA DE SÃO VICENTE ...................................................... 35 3.2 RELEVO E FISIOGRAFIA DE SÃO VICENTE ........................................................ 37 4 INTERFERÊNCIAS ANTRÓPICAS NA ILHA PORCHAT EM SÃO VICENTE-SP .............................................................................................................. 40 4.1 SUSCEPTIBILIDADE A MOVIMENTOS DE MASSAS NA ÁREA DA ILHA PORCHAT .................................................................................................................... 41 4.2 MONUMENTO 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL ......................... 42 4.3 ANÁLISE DA ENCOSTA FRANK RICHARDS ....................................................... 43 5 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................... 48 6 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 56 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 57 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ........................................................................... 59 13 1 INTRODUÇÃO A ocupação das encostas nas áreas metropolitanas se tornou singular após a industrialização brasileira na década de 50. A migração interna da população rural que se iniciou em 1930 pela oportunidade de emprego no setor industrial forçou o êxodo rural para as grandes cidades e consequentemente deflagrou o crescimento desordenado das cidades em direção a áreas desfavoráveis à ocupação do homem, quer seja sobre áreas de preservação permanente (APPs) ou sobre terrenos caracterizados por desfavoráveis condicionantes geológicos. Com o crescimento da cidade de Santos a partir da década de 1940, na ilha de São Vicente, parte oriental, a expansão foi realizada dentro de uma diretriz administrativa, onde a Prefeitura e a Comissão do Saneamento seguiam de perto as áreas em crescimento, enquanto que na parte ocidental os loteamentos de terrenos e as formações das ‘vilas’ tiveram início fora de controle da gestão municipal (PLHIS, 2009). O intenso crescimento populacional e econômico de Cubatão, Santos e Guarujá, na década de 1970, provocou, ainda, o deslocamento da população a outros municípios, principalmente para São Vicente e Praia Grande, que se tornaram cidades-dormitórios, apresentando uma intensa aglomeração urbana e formando uma mancha contínua de aglomeração populacional. A Ilha Porchat, por sua localização estratégica no litoral do Estado de São Paulo, no início da colonização brasileira, exercia função geopolítica por abrigar fortes militares que protegiam a cidade de São Vicente de invasores. A partir do século XVIII a Ilha se tornou propriedade particular, até ser loteada por José Fracarolli Sobrinho, no final da década de 40, período no qual a Ilha é ligada ao continente e configura como um tômbolo (faixa de areia que une uma ilha a outra, a Ilha de São Vicente). Contrariando o ritmo do crescimento desordenado das encostas de São Vicente, a Ilha possuía um plano diretor, no qual era permitida somente a construção de edifícios de até três pavimentos. Hoje, a Ilha Porchat apresenta prédios de mais de quinze andares. Durante a urbanização da Ilha Porchat foram executadas obras de infraestrutura básica dos parcelamentos de solo: via de circulação, sistemas de escoamento de águas pluviais, rede de iluminação pública, rede de esgoto sanitário, de abastecimento de água potável e de energia elétrica pública. Com a criação do Plano de Prevenção da Defesa Civil nos anos de 1988/1989 as cidades da Baixada Santista e Litoral Norte criaram uma medida não estrutural com o objetivo principal de dotar os setores de Defesa Civil de instrumentos de ação, para reduzir a perda de 14 vidas humanas e de bens materiais decorrentes de escorregamentos de terra e processos correlatos, na qual se fundamenta a possibilidade de adotar medidas antes da ocorrência desses fenômenos. Em parceria com a CEDEC (Coordenadoria Estadual de Defesa Civil), a defesa civil do município se baseia no índice pluviométrico acumulado durante 72 horas e boletins meteorológicos, medidas que vigoram sempre a partir do dia 1º de dezembro até 31 de março (período caracterizado por grandes eventos pluviométricos). O presente trabalho de conclusão de curso é uma análise de uma encosta da Ilha Porchat, imediatamente adjacente ao monumento de 500 anos de Descobrimento projetada pelo arquiteto Oscar Niemayer, inaugurado no ano de 2002 que em decorrência desse processo de ocupação desordenado ocorrido desde 1970, onde em 2009 ocorreu uma ruptura de estrutura de arrimo em muro de gravidade. Procurou se então, no presente estudo, discutir a estrutura de arrimo, os fatores que influenciaram na ruptura, os perfis geológicos através de sondagens próximas de encostas na área do memorial de Oscar Niemayer, índices pluviométricos, relatórios da defesa civil e os efeitos da construção do memorial dos 500 anos (sem um redimensionamento do sistema das linhas de escoamento de águas pluviais, ou seja, de um novo com projeto drenante composto por caixas coletoras, canaletas em meia cana, escada hidráulica e sarjeta). Por fim, compreender a área objeto de estudo, local na qual a estrutura de arrimo irrompeu retroativamente e tem sido classificada desde 2009 como de iminente risco ambiental e social, situação que obrigou a prefeitura efetuar a interdição do local e vem sendo acompanhada pelo PPDC. 1.1 JUSTIFICATIVA E IMPORTÂNCIA DO TEMA A fiscalização deficiente por parte dos órgãos públicos em relação a ocupação das áreas de risco e/ou encostas de maneira desordenada e sem distinção de classes sociais tem permitido alteração do ambiente em decorrência de obras e edificações executadas sem planejamento, ocupando áreas de preservação permanente, (que são protegidas por leis ambientais) ou áreas que, pela sua natural topografia são risco à habitação humana. Portanto torna-se cada vez mais importante apresentar o estudo adequado dessas áreas, pois preleciona o alerta que o poder público deve gerir e controlar minimizando assim os impactos. O litoral brasileiro possui um perfil topográfico e um clima que dificultam a ocupação nas áreas de encosta. Como exemplo, tomemos o município de São Vicente, que apresenta uma área de 4,66 km² de morros de solos residuais, onde cerca de 20% desses estão ocupados 15 por área urbana (Prefeitura Municipal de São Vicente). Devido à grande importância das áreas de encosta, tanto na cidade de São Vicente como nos demais municípios do litoral paulista, foi instaurado o Plano Preventivo de Defesa Civil, Governo Estadual/1989. O PPDC caracteriza um conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas destinadas a evitar ou mitigar desastres em consequência de fenômenos naturais. Desde 1950, pesquisas na área de prevenção de riscos e deslizamentos de encostas estão sendo realizadas baseada na ocupação exacerbada habitacional nos grandes centros urbanos e periferias das metrópoles, visando entender o processo de formação de uma área de risco e estabelecer ações para solucionar ou mitigar os prejuízos socioeconômicos e a perda de vidas humanas (PMSV, 2000). O presente estudo realizado na encosta da Ilha Porchat visa analisar uma, dentre dezenas de encostas no município de São Vicente, que devido ao crescimento econômico após o desenvolvimento do porto de Santos e a industrialização de Cubatão, onde a região de São Vicente se tornou um município importante para o comércio e turismo na região, juntamente com o crescimento populacional em direção às áreas de preservação ambiental. 1.2 OBJETIVO O presente trabalho visa discutir a ruptura de uma estrutura de arrimo de uma encosta de São Vicente. Para isso as recomendações de Guidicine&Nieble (1984) citado por Tominaga (2009), tem sido seguidas para identificar os fatores condicionantes que deflagraram o movimento de massa ocorrido na área da encosta do monumento em homenagem aos 500 anos do descobrimento projetado por Oscar Niemayer. Dentre os tipos de escorregamentos de massas de solo proposto por Augusto Filho (1992), verificou se que o de translação é o de maior susceptibilidade na área objeto de estudo. 16 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Os tipos de movimentos de massas de solo e as classificações mais utilizadas para explanar os desastres são quanto à origem e quanto à sua intensidade (Tominaga, 2012). Os desastres classificados quanto à origem, ou primários, podem ser naturais ou humanas. Os naturais são causados por fenômenos e desequilíbrio da natureza provocados por inundação, erosão, escorregamento, furacão, entre outros. Os desastres secundários, ou humanos são aqueles provocados pela ação deliberada ou omissão humana, a citar: acidentes, incêndios, contaminação da natureza, rompimento de barragens, entre outros. Em relação à intensidade dos desastres, procura-se analisar a resposta e a recuperação da área atingida, assim como a avaliação dos recursos necessários para as vitimas e calculo dos prejuízos. Pode estar dividido em quatro níveis, segundo Kobiyama (Kobiyama et al, 2006). No primeiro, procura-se verificar o montante de recursos para mitigação de danos. Se o montante necessário for de pequeno porte é chamado de acidente, onde os prejuízos não extrapolam 5% do PIB municipal. Neste caso é resolvido com recursos do próprio município. O desastre de nível 2 é classificado como de média intensidade onde há prejuízos significativos (em torno de 5% a 10% do PIB municipal). Em geral é possível o próprio município solucionar o problema desde que exista uma mobilização e contingente de recursos de várias secretarias e da administração. Desastres de grande intensidade com prejuízos alarmantes entre 10% e 30% do PIB municipal são classificados como nível 3, e as medidas de recuperação e normalização precisam ser complementadas com recursos estaduais e federais, sendo classificado como Situação de Emergência. O quarto e último nível abrange desastres de muito grande impacto e intensidade, onde o prejuízo excede 30% do PIB municipal e pode ser necessário, em último caso ajuda internacional, dado a grande dimensão do desastre que é qualificado de estado de calamidade pública. Os riscos que os desastres naturais oferecem a população devem em tese ser iguais a todos, mas na pratica populações de baixa renda tendem a habitar mais as áreas de risco, o que potencializa a ocorrência de tragédias com um grande número de óbitos. Tominaga (2012) tem descrito que essa população foi a mais atingida nos casos do furacão Katrina na cidade de Nova Orleans nos EUA, no tsunami ocorrido na Ásia e o terremoto em Kobi, no Japão. Esses graves desastres alertaram os planejadores urbanos quanto da realização de políticas de 17 desenvolvimento sustentável e prevenção contra perigos iminentes e planos para redução de risco. A Figura 1 destaca o crescimento dos desastres naturais entre 1975 e 2008 e seus respectivos prejuízos à população. Figura 1 - Evolução do crescimento mundial (1975 a 2008) no número de ocorrências de desastres naturais (a) e dos prejuízos estimados em bilhões de dólares (b). Fonte: Tominaga (2012). No Brasil, os principais fatores de movimentos de massas de solo são as inundações, enchentes, escorregamento de solo ou rochas e tempestades. A análise desses acontecimentos permite relaciona-los diretamente com eventos pluviométricos intensos e prolongados durante o período de verão na região sul e sudeste e no inverno que corresponde ao período chuvoso no Nordeste. Os noventa e quatro (94) desastres causados por inundações (EM-DAT; Emergency Disasters Data Base), ocorridos tem colocado o Brasil ranqueado como um dos países mais afetados por enchentes entre 1960 a 2008, com um total de 5720 mortes e mais de 15 milhões de pessoas afetadas. 18 Figura 2 - Distribuição por região dos desastres atendidos pela Defesa Civil Nacional (SEDEC; 2009) Fonte: Tominaga (2012). (Fernandes et al, 2001) e vários outros citados por (Tominaga 2008) associam o aumento dos desastres naturais ao crescimento desordenado e o intenso processo de urbanização, ocorrido no século XX, particularmente a partir da década de 1950, nos países subdesenvolvidos ao desordenado crescimento interno confrontado com a degradação ambiental apresentada seja pelo desmatamento, cortes, aterros, alterações nas drenagens, lançamento de lixo, etc. A ocupação territorial sem uma infraestrutura correta desencadeia a soma desses fatos e aceleram a instabilidade do relevo. No estado de São Paulo, os desastres estão predominantemente associados a escorregamentos de encostas, inundações, erosão e tempestades. A Figura 3 (Tominaga, 2012) retrata perfeitamente a suscetibilidade aos processos que ocorrem no solo associado a desastres naturais. Pode ser visto que no centro à oeste a região é suscetível a erosão, sendo que a região mais extrema à oeste também ocorre colapso de solo. Na parte leste é onde esse fenômeno de colapso de solo é mais iminente de ocorrência de escorregamento e inundações. Nas regiões do vale do Ribeira e litoral sul o volume e a intensidades das chuvas são elevados devido a convecções frontais (massas de ar) associando ao grande número de habitantes nas regiões litorâneas, onde por menor que seja o ocorrido gera um grande número de desabrigados e desalojados. 19 Figura 3 - Suscetibilidade aos principais processos associados a desastres naturais no Estado de São Paulo Fonte: Tominaga (2012). Figura 4 - Número e tipos de acidentes registrados no Estado de São Paulo, no período de 200 a 2008. (CEDEC, 2009) Fonte: Tominaga (2012). 20 Durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro e março a coordenadoria estadual de defesa civil, o CEDEC, vem realizando desde o ano de 2000, colhendo dados relacionados a desastres naturais no estado de são Paulo como áreas de escorregamento, inundações, erosão e processos similares. Entre 2000 e 2008 foram registrados 1861 acidentes, sendo que esses eventos referentes a escorregamento do solo totalizaram 367, correspondente a 19% do total. As áreas de preservação permanente (APPs), como margens, encostas íngremes e topos de morros por serem naturalmente suscetíveis à inundação e escorregamento, detém um enorme potencial de se tornarem áreas de risco ao serem ocupadas pela população, devendo ser reforçada a fiscalização e a legislação ambiental nesses pontos críticos (Tominaga,2012). 2.1 CONCEITOS DE ESCORREGAMENTOS Escorregamentos ou deslizamentos de terra são característicos de regiões montanhosas e serranas e ocorrem com maior frequência em locais de clima úmido como nas regiões sul, sudeste e nordeste do Brasil. De acordo com Tominaga (2012), o crescimento desordenado da ocupação urbana em áreas de risco, sem um planejamento do uso do solo e controle por parte dos órgãos públicos e condições técnicas contribuem para o processo de instabilização e ocorrência de acidentes, que podem atingir dimensões desastrosas. A engenharia geotécnica estabelece que o escorregamento das massas de solo, ocorre quando a resistência ao cisalhamento do solo do material terroso componente é mobilizada adquirindo um comportamento plástico e fluido. O fenômeno acontece na medida em que a relação da resistência ao cisalhamento do material do solo se iguala a tensão de cisalhamento disponível limite na superfície potencial de movimentação. Em outras palavras, quando a força gravitacional aplicada na massa de solo se iguala aos esforços resistivos devido ao atrito interno das partículas responsáveis pela estabilidade do solo. Varnes (1978) elaborou uma classificação baseada no movimento e tipo do material transportado, que por sua simplicidade é uma das mais utilizadas internacionalmente. No Brasil as mais apropriadas para explicar movimentos de massa em áreas tropicais, em geral, de solos residuais são as de Freire (1965), Augusto Filho (1992) e Guidicini&Nieble (1984). Em virtude da complexidade de análise da natureza, essas classificações apresentam limitações pela dificuldade de estabelecer o limite entre as classificações e ainda a eventualidade de ocorrer mais de uma manifestação em um mesmo movimento de massa. 21 A Tabela 1 ilustra um quadro citado em Tominaga (2012) de Augusto Filho (1992), sobre a classificação do movimento de massa de solo a partir das características observadas no campo, de acordo com a dinâmica, geometria e material do solo. Como se pode ver, Antunes Filho (1992) propõe quatro tipos principais que diferenciam movimentos de massa, a saber: rastejo, escorregamento, queda e corrida. Tabela 1 - Principais tipos de movimentos de massa em encostas (Augusto Filho, 1992) Fonte: Tominaga (2012). Independente do processo de movimentação de massas o fator mais relevante na estabilização de massas de solo é a análise criteriosa da variação da infiltração da água. A água penetra no maciço terroso reduzindo as tensões de cisalhamento interno entre partículas diminuindo o esforço resistivo disponível por atrito. Quando a estrutura porosa é totalmente preenchida por água, portanto, saturada ocorre a solifluxão, onde a massa é mobilizada encosta abaixo tipificada pelo processo de corridas. A inclinação da superfície e a natureza do terreno regem a velocidade do escorregamento, podendo variar de praticamente nula a uma velocidade elevada gerando movimentos bem bruscos e muito rápidos, dos quais o último é característica de solos homogêneos que combinam coesão com atrito interno elevado. 22 A partir das análises geométricas e da natureza do material instabilizado, os escorregamentos podem ser divididos em três tipos: Rotacionais ou circulares, translacionais ou planares e escorregamento em cunha (Augusto Filho, 1992). Os escorregamentos rotacionais ou circulares têm sido enquadrados como um fenômeno frequente nas encostas do sudeste brasileiro. Normalmente associado a solos espessos e homogêneos como decorrentes intemperismo de rochas argilosas, influenciado por cortes na base ou erosão fluvial no sopé da vertente de encostas. Nas figuras 5 e 6 apresentam-se exemplos (desenhos esquemáticos e fotos) de escorregamentos rotacionais no sudeste brasileiro, mesmo escorregamento ocorrido no Monte Serrat na cidade de Santos, litoral do estado de São Paulo, caracterizada pela grande movimentação de massa de terra e perdas de vida humana. Figura 5 - Esquema de escorregamento rotacional Fonte: Tominaga (2012). Figura 6 - Escorregamento rotacional do grande acidente do Monte Serrat (1928) Fonte: Arquivo e memória de Santos, Prefeitura Municipal de Santos (2015). 23 Os escorregamentos translacionais ou planares (figura 5) são o tipo de escorregamento mais frequente comparado aos demais. Está diretamente ligada a descontinuidade mecânica e hidrográfica resultante dos processos geológicos, geomorfológicos ou pedológicos que causam uma heterogeneidade muito grande na massa de solos e rochas. Em razão disso a movimentação pode ocorrer no solo, na rocha e no solo e rocha simultaneamente. Os escorregamentos translacionais de rocha ocorrem nos planos de fraqueza como juntas, estratificação, falhas, alivio de tensões, entre outras estruturas geológicas. Os translacionais geram um movimento de curta duração e rápida velocidade que quando esse processo de movimento está diretamente relacionado com a quantidade da saturação do solo passa-se a manifestar posteriormente para corridas, onde a massa de solo é composta por uma massa altamente viscosa e densa formada por rocha, solo e árvores, ou evoluir para rastejos, que ao contrário das corridas, são movimentos mais lentos e contínuos devido à ação da gravidade associada à expansão e contração da massa devido à variação de temperatura e umidade, conforme postulada por Tominaga (2012). A Figura 7 mostra o desenho esquemático de um escorregamento translacional ou planar e fotos com este tipo em cidades do estado de São Paulo e Minas Gerais que foram ilustradas por Tominaga (2012). Figura 7 - (a) Esquema de carregamento planar ou translacional de solos. Escorregamentos planares em: (b) Campo Limpo Paulista (2009); (c) Várzea Paulista (2006) e (d) Nova Lima, MG. Fonte: Tominaga (2012). 24 O escorregamento em cunha (Tabela 1) está associado a maciços rochosos pouco ou muito alterados e está condicionado por um deslocamento em forma de prisma. Ocorre principalmente em taludes de corte ou encostas com desconfinadamento (“alívio”), conforme se pode observar do desenho esquemático na Figura 8. Figura 8 - Desenho conforme (Tominaga, 2012) de escorregamento em cunha. Fonte: Tominaga (2012). Nas encostas das escarpas da serra do mar é comum a queda de blocos rochosos devido à ação da gravidade, influenciada pela variação térmica, ação erosiva e vibrações, rolamento e fragmentação ao chocar-se com o substrato rochoso, conforme discutidos por Guidicini e Nieble (1984). 2.2 A ANÁLISE E PROCEDIMENTO METODOLÓGICO DO ESCORREGAMENTO LOCAL O entendimento geológico, ou seja, da formação geológica e geomorfológica do local é o método mais indicado para a exatidão de um diagnóstico na geologia de engenharia e na engenharia geotécnica, uma vez que é preciso ter a consciência de que a ação humana interfere não só na matéria pura em si, mas no processo geológico em desenvolvimento. Devido essa lógica, é de importância uma conexão exata entre as características geológicas dos terrenos e materiais afetados e os fenômenos geológico-geotécnicos ocorrentes e ou decorrentes ao longo do tempo por um empreendimento, que implica em um roteiro de trabalho pré-definido e um método científico de análise causa-efeito, que envolve aprimoramento contínuo dos fenômenos desencadeadores da movimentação de massa em um dado local e/ou regional. 25 Os estudos geológicos são fundamentais para subsidiar as análises quantitativas de engenharia e das soluções conforme roteiros de trabalhos proposto por Álvaro Rodrigues dos Santos (2009). Como pode ser visto, um plano de trabalho de análise de escorregamento de uma massa de solo envolve as seguintes etapas: i) circunscrição do problema; ii) Análise e diagnóstico dos fenômenos presentes; iii) estabelecimento de soluções; iv) acompanhamento e implantações e v) monitoramento do desempenho da(s) solução(ões). Segue a tabela 2 com a fase do trabalho, objetivo e principais cuidados: Tabela 2 - Roteiro de Trabalhos Fonte: Tominaga (2012). 2.2.1 Análise de fatores intervenientes e diagnóstico de causas O processo de investigação de movimentação de massas terrosas conforme Varnes (1978) é continuamente experienciado por perguntas interrogativas de por quês, quando, onde e quais eventos e mecanismos podem explicar o fenômeno de escorregamento. Fases do Trabalho Objetivo Principais cuidados - Identificação preliminar dos problemas potenciais ou ocorridos. circunscrição do Problema - Enquadramento geológico- geomorfológico do local. - Delimitação e caracterização da área de trabalho Acompanhamento da Implantação - Garantir a correta execução dos trabalhos e propor ajustamentos técnicos eventualmente necessários - Zelo para que a solução implantada cumpra perfeitamente as funções desejadas Monitoramento do Desempenho - Acompanhar o desempenho da solução implantada - Selecionar os indicadores de desempenho, instalar eventual instrumentação e programar sua observação qualitativa e/ou quantitativa ao longo do tempo - Recolhimento de todos os registros bibliograficos e técnicos e de testemunhas de pessoal local - Caracterização das feições e dos processos geológico-geomorfológico materiais locais e regionais presentes Análise e Diagnóstico dos Fenômenos Presentes - Caracterização dos parâmetros Geológicos e geotécnicos necessários ao entendimento dos fenôemenos envolvidos - Diagnóstico final e descrição qualitativa e quantitativa dos fenômenos implicados nas inter-relações solicitações/meio físico - Pesquisa de situações semelhantes, especialmente na região - Identificação dos processos geológicos e geotécnicos originalmente presentes - Adoção de hipóteses fenomenológicas progressivas e esforço investigativas e observativo para sua aferição Formulação de Soluções - Apoiar a engenharia na formulação das soluções adequadas - Zelo pela perfeita aderência solução/fenômeno - Busca pelo barateamento da solução encontrada 26 Os agentes predisponentes ou que predispõem o escorregamento, conforme denominado por Guidicini & Nieble (1984), corresponde as condições naturais dadas pelas características intrínsecas dos materiais que compõem a massa sem a ação do homem. Já os agentes efetivos levam em consideração os fatores diretamente responsáveis pelo movimento da massa incluindo o da influência do homem. Guidicini & Nieble (1984) apontam que os agentes predisponentes são as condições geológicas, topográficas e ambientais da área e os agentes efetivos podem ser a pluviosidade, erosão por água ou vento, oscilação do nível da água, ação de animais ou humanas, ou imediatos como temporal, erosão, terremoto etc. No estado de São Paulo, especificamente, estudos de casos e analises de possíveis áreas de escorregamento tem como fator crucial, a pluviosidade (Amaral e Ribeiro, 2012). Segundo Tatizana et. al. (1987) analises de escorregamentos ocorridos em Cubatão, na serra do mar, no período de * (1985 a 2005) 30 anos, constatou-se que as chuvas acumuladas durante 4 dias preparavam e predispunham o solo para um latente estado de escorregamento, devido a saturação do solo e consequentemente a redução da tensão cisalhante disponível gerada pelo aumento das forças solicitantes. A limitada área fisiográfica entre a praia e as montanhas levou a ocupação desordenada por habitantes de baixa renda nas cidades litorâneas a se concentrar nas encostas. O processo de instabilização é agravado devido a obras sem controle do uso do solo e fiscalização preventiva em relação a alteração na estrutura matriz e característica da geologia da encosta. Atualmente a intervenção humana é o fator que mais influência apoiada em fatos ocorridos nos últimos anos como o desastre de Petrópolis e no maciço da Tijuca no litoral do Rio de Janeiro (Nakazawa e Cerri, 1990 e Nunes et al, 1990). No Brasil os estados mais afetados por escorregamento são: Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba conforme levantamento abrangente devido Kobiyama et al (2006). Ou seja, a porção do litoral atlântico influenciado pelas frentes frias de origem do círculo polar antártico, que ao chocar-se com correntes tropicais formam as precipitações, conforme discutido por Tavares (2012) e Guidicini e Nieble (1984). Um dos principais fenômenos de escorregamentos ligados às cidades litorâneas é a erosão costeira. Conforme as pesquisas realizadas na década de 1990 citadas por Bird (1999), 70% das praias arenosas do planeta apresentavam características erosivas, 20% em deposição e 10% estáveis. Causada em sua maioria pela elevação do nível do mar, a erosão costeira ou 27 praial implica na redução da linha de costa, que tende a agravar ao longo dos anos segundo relatório do IPPC (2007). As praias oceânicas possuem 3 tipos de estado morfodinamico, o primeiro é o estado dissipativo, característico de praias amplas e areia fina aliado a um perfil plano e suave, o segundo é o estado reflexivo, no qual as praias são de menor extensão e areia grossa a muito grossa, com perfil íngreme com bermas e por último o estado intermediário, conforme discutido por Souza (2009). Segundo Clark (1993) e Souza et al (2005) áreas com diagnostico de erosão costeira ou praial devem apresentar pelo menos uma das seguintes características: I) altas taxas de erosão ou erosão recente significativa; II) taxas de erosão baixa ou moderada em praias com estreita faixa de areia e localizada em áreas urbanas; III) praias que necessitam ou já possuam obras de proteção ou contenção de erosão; IV) praias reconstruídas artificialmente e que seguem um cronograma de manutenção. Souza, et al. (2005) e Souza (2009) tem se destacado com contribuições e estudos muito abrangentes sobre as causas, efeitos e gestão costeira à erosão costeira no estado de São Paulo. A Figura 9 representa o Mapa de risco à erosão costeira para o estado de São Paulo. O levantamento de mapa de risco mostra que de São Vicente, em direção ao litoral sul, às áreas de Praia Grande, Itanhaém e Peruíbe, todas foram classificadas como Risco Alto a Risco muito Alto à erosão costeira. Em São Vicente, a praia costeira de Itararé foi classificada como Risco Baixo enquanto que as do Gonzaguinha e Capitão são de Risco Alto à erosão costeira. 28 Figura 9 - Mapa de risco a erosão costeira para o Estado de São Paulo Fonte: Tominaga (2012). O diagnóstico sobre o estado da erosão costeira e a gestão de áreas costeiras por si só não podem ser eficazes sem dispositivos legais que estabeleçam princípios de ocupação e ordenamento territorial dessas áreas costeiras. Nesta questão, Souza (2012) chama atenção que no Brasil há pouca fiscalização referente a zonas costeiras, destacando-se o decreto-lei n°9760/1946 (terrenos da marinha), a lei federal n° 7661/1988 (plano nacional de gerenciamento costeiro) e o decreto federal n° 5300/2004 (gerenciamento costeiro), o qual devido à pouca rigidez, na prática, não dificulta o uso irregular como construções, mineração, quiosques etc. Na cidade de Ilha Comprida, no litoral sul de São Paulo, a maré avança gradativamente a cada ano, caracterizando uma erosão acelerada. O avanço da maré tem também acontecido na cidade de São Vicente, porém de forma menos acelerada a uma média de 10 cm nos últimos 20 anos (Souza, 2009). A figura 10 a seguir representa o Ranking da erosão costeira nas praias paulista segundo Souza (2009) 29 Figura 10 - Ranking da erosão costeira nas praias paulistas Fonte: Célia Regina de Gouveia Souza – Instituto Geológico/SP (2012). 30 Os estudos de Souza (2007; 2009a, 2009b) e Souza et. al. (2005), mostram que escorregamentos em áreas de encostas e erosão costeira exigem do poder público, ações de uso e ocupação do solo com planejamento. A ocorrência desses eventos com consequências (perdas e danos) sociais, ambientais e econômicas devem ser impedidos, minimizados e/ou mesmo reduzidos. Daí que, os estudos de mapeamento de perigo e risco são de muita relevância aos gestores públicos, em particular, os municipais. As medidas de prevenção podem ser divididas devido ao caráter estrutural e ao não estrutural. As estruturais envolvem obras de engenharia, ao passo que as não estruturais estão ligadas a políticas públicas que abrangem desde o planejamento do uso do solo a educação ambiental. A defesa civil tem a função de orientar e fiscalizar a população nas encostas localizadas ou não em áreas de risco como evitar construir em encostas íngremes, não realizar cortes em taludes sem a licença da prefeitura, não desmatar nem lançar lixo e entulho nas mesmas entre outras precauções. O que torna necessário a efetividade de Órgãos reguladores com instrumentos legais mais atuantes que intervenham na ação antrópica. 2.2.2 A Baixada Santista: Histórico de gestão preventiva a escorregamentos Conforme comentado no subitem anterior, os estudos de avaliação de risco são fundamentais à gestão do planejamento preventivo dos órgãos governamentais. No âmbito do estado de São Paulo, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil tem adotado e estabelecido o Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC). O PPDC é eficaz na gestão de áreas de risco sujeitas a escorregamentos objetivando reduzir perdas de vidas humanas e econômicas pelos municípios (Faria e Santoro, 2012). De particular atenção e interesse ao presente estudo, procura-se sintetizar o trabalho de Cerri et. al. sobre o PPDC para o trecho paulista da Serra do Mar. Inicialmente o Plano disserta sobre uma análise da defesa civil de acidentes geológicos provocados pelo período chuvoso nas encostas da Baixada Santista e litoral norte de São Paulo, que invariavelmente causam prejuízos materiais a região e principalmente a perda de vidas humanas, em especial a população de baixa renda que tem ocupado essas áreas como única opção de moradia. O foco do estudo foi reduzir os riscos através da estabilização das encostas, evitar novas instalações em áreas de risco por meio de critérios técnicos a partir das cartas geotécnicas e, por último, conviver com riscos atuais até solucionar os problemas. Propõe um 31 acompanhamento das áreas mais críticas observando a evolução do fenômeno, preocupando em mobilizar os habitantes antes da iminência antes do escorregamento para que não ocorram mais óbitos já que não existe a possibilidade de remoção das famílias por não haver uma política de habitação em paralelo. Para esse acompanhamento é necessário identificar tanto os locais de risco quanto as circunstancias da ocorrência da ruptura, através de condicionantes naturais, antrópicos e pluviosidade. Ao longo do trecho paulista da Serra do Mar a grande maioria dos escorregamentos são de origem planar, no qual há o movimento de pequenas massas de solo laterítico (intemperizado), em torno de 0,5 m a 1,0 m de solo, ocorrem com planos de descontinuidades alongadas e estreitas (2 m a 3 m). Os escorregamentos mais problemáticos ocorrem de forma induzida antrópicamente devido a cortes em taludes, aterros, acumulo de lixo e entulho, onde a mobilização da massa de terra tem sido associada a um determinado índice pluviométrico. A identificação das áreas de risco levou em consideração as feições naturais e/ ou antrópicas que podem influenciar a ruptura, desde risco aparente a iminente, onde neste último caso é proposto medidas emergenciais. As pesquisas pluviométricas aliadas a análise do escorregamento realizadas em Cubatão apontaram que quanto maior a pluviosidade ao longo de 3 a 4 dias, menor a intensidade de chuva horária subsequente necessária para deflagrar o escorregamento. Na figura 11, o gráfico correlaciona a intensidade de chuva e os escorregamentos para a região de Cubatão. Figura 11 - Gráfico de correlação chuva x escorregamentos, construído para a região de Cubatão. Fonte: Tominaga (2012). 32 Em consequência dessas analises o plano preventivo de defesa civil (PPDC), que abrange a Baixada Santista, compreendido as municipalidades de Cubatão, Guarujá, Santos e São Vicente reúne ações associadas ao monitoramento das áreas de risco durante o período chuvoso desde 1988/89 em 4 níveis: 1- Observação; apenas acompanhamento dos índices pluviométricos. 2- Atenção; devem ser realizadas vistorias em campo nas áreas identificadas. 3- Alerta; remoção preventiva da população nas áreas de risco iminente. 4- Alerta máximo; remoção de toda a população das áreas de risco. Tavares (2012) menciona que para a baixada santista o índice pluviométrico critico, normalmente no mês de dezembro, é de 100 mm de chuva acumulada em 72 horas, já no litoral norte chega a 120 mm no mesmo período. O que coloca a população em estado de atenção que remete a vistoria da defesa civil. Se constatado o risco de iminência do escorregamento após a visita em campo é acionado o nível de alerta seguido da remoção imediata da população nessas áreas especificas e se acaso registrar algum escorregamento é acionado o nível de alerta máximo (Cerri et. al.). Implantado sob a coordenação da defesa civil o PPDC aplicada no estado de São Paulo tem como responsável técnico o IPT e o instituto geológico, onde no período de 1990 a 1999 foram ministrados pelo menos 69 cursos, para 8 municípios abrangendo um total de 1500 alunos treinados, gerando autonomia a operar o Plano e vistorias em campo. A operação inicia no mês de dezembro pela defesa civil municipal, monitorando os índices pluviométricos, meteorológicos e relatórios de campo 24 horas ao dia, devendo reportar a defesa civil estadual em caso de riscos iminentes. No período de 1988/89 a 1999/2000 foram realizados 140 atendimentos que de acordo com o resultado obtido geraram parâmetros confiáveis ajudando na prevenção de acidentes cumprindo o objetivo inicial do projeto removendo até então pelo menos 4000 moradores e alocando em abrigos a fim de evitar tragédias. O plano influenciou diretamente a conscientização da população moradora e uma maior fiscalização dos órgãos públicos na recuperação e controle das áreas de risco. 2.2.2.1 Carta geotécnica dos morros de Santos e São Vicente Conforme mencionado no subitem 2.2.1, anterior as cartas geotécnicas são fundamentais ao estabelecimento de critérios técnicos para a tomada de medidas e soluções de 33 engenharia à estabilizações de encostas. De particular interesse, procura descrever a metodologia de estudos de Santos e Ponçano, na elaboração da carta geotécnica dos morros das cidades de Santos e São Vicente na Baixada Santista. Situada aos pés da Serra do Mar, com 8,3 km² de área, altitude máxima de 200 m, os morros de Santos e São Vicente destacam-se por sua paisagem morfológica, ocupação e uso do solo das áreas costeiras do litoral paulista que tiveram acelerada ocupação desordenada a partir dos meados do século passado. Estima-se que na década de 70 cerca de 30.000 habitantes residiam no entorno do morro da Nova Cintra que separa Santos da cidade de São Vicente, que é caracterizado por topografia suave e encostas íngremes. Esta fisiografia cria constante insegurança e medo na população residente local onde os primeiros registros de escorregamento de terra em 1929 acumulam vítimas fatais. Com o objetivo de finalizar ou mesmo mitigar essas tragédias, a defesa civil estadual sob a responsabilidade da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (CEDEC) do Estado de São Paulo em parceira com o IPT solicitou a elaboração de uma carta geotécnica em escala 1:5000 e detalhes a 1:1000 para ser base de implantação de ações emergenciais para disciplinar e corrigir a ocupação urbana nos morros de Santos e São Vicente. Por ser uma carta pioneira em nível e detalhe permitiu uma concepção inovadora de procedimentos, gráficos e cartografias, que produziram um nível de magnificação na escala de levantamento de topografia, clinometria, geologia, geomorfologia, geologia estrutural vegetação e uso do solo. O resultado foi além do esperado, pois permitiu um entendimento da dinâmica dos escorregamentos naturais e induzidos, junto a um mapa básico dos tipos de escorregamento tipificados conforme mencionados no subitem 2.1. Posteriormente o mesmo método pôde ser aplicado à região serrana do sudeste brasileiro com sucesso (Faria e Santoro, 2012). Essas investigações permitiram avaliar o entendimento da relação causa-efeito para os escorregamentos detectados, que por sua vez permitiram delimitar as diferentes zonas de comportamento uniforme que é denominada Unidade Geotécnicos. Cada unidade era rotulada com suas respectivas restrições e critérios técnicos representados graficamente na carta geotécnica (Santos e Ponçano, 2008). Santos e Ponçano (2008) e Faria Santoro (2012) constam que ações preventivas das prefeituras apesar de terem recaído ao longo desses vinte anos, não foi registrado nenhum evento grave com vítimas fatal, que a essas circunstancias pode-se concluir sobre a importância de elaboração de cartas geotécnicas para subsidiar os órgãos públicos municipais 34 na prevenção de acidentes e desastres associados a escorregamentos em áreas costeiras de topografia íngreme. 35 3 ÁREA ADMINISTRATIVA, RELEVO E FISIOGRAFIA DE SÃO VICENTE 3.1 ÁREA ADMINISTRATIVA DE SÃO VICENTE São Vicente é o primeiro município criado no estado de São Paulo da primeira vila fundada no Brasil em 1532, pertence a microrregião de Santos na zona metropolitana da Baixada Santista e dista 71 km da capital paulista, com referências globais 24°00 S e 46°30’ W e altitude em torno de 10 m acima do nível do mar na área urbana, mas podendo atingir cotas acima dos 1000 m acima do nível do mar na área que engloba o Parque Estadual da Serra do Mar. Limita-se a oeste com os municípios de Itanhaém e Mongaguá, a noroeste com a cidade de São Paulo, ao norte com São Bernardo do Campo e Cubatão, a leste com Santos, ao sul com o Oceano Atlântico e a sudeste com Praia Grande. A figura 12 mostra a situação geográfica de São Vicente com os municípios limítrofes e em detalhes no canto direito inferior, a área administrativa e no canto superior esquerdo, a situação da Baixada Santista no estado de São Paulo. Figura 12 - Mapa de Situação do Município de São Vicente Fonte: Google (2015). Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE de 2010 a cidade é composta por 332445 habitantes, sendo 51,5% mulheres e 48,5% homens, com renda per capita mensal de R$ 854,00 onde 99,81% da população total residem na área urbana do 36 município. A faixa etária predominante em São Vicente é entre 30 e 59 anos correspondente a 40,43% do total de munícipes. O município tem a mais elevada densidade demográfica da Região de 2.220,89 hab./km² A partir da década de 1950 a população vicentina cresceu aceleradamente, num movimento que colocou a cidade como a segunda da região em tamanho da população (atrás apenas de Santos), a peculiaridade desse crescimento desordenado foi acompanhada pela nítida diferença de ocupação sócio-espacial evidenciada pela “fronteira” que a linha férrea da Sorocabana passou a delimitar separando na estreita faixa entre a ferrovia e o mar os bairros praianos e o centro. Na década de 60, a exiguidade territorial da faixa urbana, já bastante ocupada, motivou a expansão urbana sobre a Ilha Porchat (representada na Figura 13), após realização de aterro que a ligou em definitivo à Ilha de São Vicente, esta obra como parte do plano de expansão territorial de São Vicente tem desencadeado além da desfiguração do local, impactos relacionados ao avanço do mar sobre a faixa de areia nas praias vizinhas, pelo fato de alterar o movimento das correntes superficiais oceânicas; bem como, da deposição e transporte de sedimentos (Farinaccio, 2009). Figura 13 - Ocupação territorial de São Vicente desde a sua fundação em 1532 até o fim do século XX. Fonte: Prefeitura Municipal de São Vicente (2000). 37 3.2 RELEVO E A FISIOGRAFIA DE SÃO VICENTE O relevo modelado pelas serras no domínio da Serra do Mar que acompanham a costa litorânea deu origem à formação da planície sedimentar litorânea, influenciada pelo clima, vegetação, pedogênese e o escoamento flúvio-pluvial. (Afonso, 2006). Segundo Afonso (2006) a escarpa que modela a costa brasileira na região sudeste bloqueia a ação do oceano sobre o continente, oferecendo condições para a formação de alta nebulosidade e pluviosidade dentro do continente gerando uma condição climática ideal para a formação da mata atlântica nas serras e na planície litorânea a restinga e o mangue. A descrição litológica da área de São Vicente de acordo com o estudo e classificação de Fulfaro e Suguio (1974) cita que sua maioria é composta por sedimentos arenosos e areno- argilosos. Descontinuamente distribuído ao longo do litoral de São Paulo e associado ao desaguadouro de rios e canais do estuário, os manguezais são compostos por sedimentos de lama e bio-detritos formado de materiais finos depositados em consequência da oscilação da maré. Formadas por depósitos marinhos recentes e sedimentos predominantemente arenosos as praias de São Vicente ocupam por volta de 2,3km², correspondente a apenas 1,6% da área do município. As praias são pouco desenvolvidas e encaixadas ao sopé dos morros residuais e do terraço marinho. A área onde se localiza a Ilha Porchat compete ao compartimento Morfoescultural dos Morros Residuais, que são esculpidos em rochas datadas do período Pré-Cambriano, predominado por migmatitos, gnaisses, granitos e granitoides e está associada a fragmentação e basculamento da Serra do Mar em direção ao oceano. Esses morros constituíram-se em verdadeiras ilhas em seu passado geológico, quando o mar, em fase transgressiva, invadiu a borda continental. Os períodos eustáticos regressivos que competem à variação global relativa do nível do mar, aliados aos movimentos epirogenéticos do continente, o qual se designa a movimentação lenta e generalizada da crosta terrestre, possibilitaram a deposição de sedimentos marinhos e flúvio-lagunares, estabelecendo a comunicação entre as paleo-ilhas. 38 Figura 14 - Mapa de compartimentos geomorfológicos do município de São Vicente-SP Fonte: Amorim (2007). No mapeamento geológico-geomorfológico de São Vicente (Figura 14), os morros residuais situam-se predominantemente na área insular (morro dos Barbosas, morro do Itararé/Voturuá e Ilha Porchat), e apresentam baixos índices altimétricos, não extrapolando a cota 200 acima do nível do mar e declividades geralmente acima de 30%. Devido a curta extensão das encostas, aliada ao tipo de material residual característico, a infiltração da água é dificultada não formando assim rio nascente na área observada. Essa geometria irregular associada à elevada declividade possibilitou a formação de vertentes côncavas, convexas e retilíneas. As cotas mais altas estão sendo desgastadas pela ação climática e acelerada pelo avanço da urbanização. Na Ilha Porchat, o contato entre o oceano e os morros é abrupto, impossibilitando a formação de praias e é caracterizado pelos costões rochosos que penetram na direção do oceano, dando origem as falésias (Guerra e Guerra, 2005). São Vicente integra a planície sedimentar da Baixada Santista, que apresenta elevada fragilidade, característica das planícies costeiras como sedimentos inconsolidados, submetidos 39 a acomodações constantes, lençol freático raso, áreas sujeitas a inundações periódicas (Oliveira et. al. 1999). A ação humana pelo desmatamento de áreas florestais virgens de encostas e vegetação de áreas de planícies particularmente, desde o início do século XX, foi muito impactante e predatória. Da mata atlântica, das restingas e dos manguezais, que originalmente cobriam 52%, 24% e 16% do território, respectivamente, restavam, apenas, em 1995, 54% do total. Desses três ecossistemas, segundo a Prefeitura Municipal de São Vicente (PMSV, 2000), “o mais degradado pela ação das atividades urbanas e industriais em São Vicente foi a mata de restinga, com mais de 88% de sua área original destruída, e o manguezal, 46%, restando no município apenas 1 km² de mata de restinga original, 3 km² de secundaria e 13 km² de manguezais”. 40 4 INTERFERÊNCIAS ANTRÓPICAS NA ILHA PORCHAT EM SÃO VICENTE (SP) A Ilha Porchat está localizada em uma Área de Preservação Permanente amparada pelo Código Florestal de Lei n° 4771/65 no qual o Artigo 3° tem por objetivo atenuar a erosão das terras, asilar exemplares da fauna ou flora, ameaçados de extinção, manutenção das características próprias do ambiente e interações entre seus componentes. Além da garantia jurídica, a área da Ilha Porchat é protegida pela Constituição Federal, pela Constituição do Estado de São Paulo, Decreto Federal de 10/02/1993 – proteção da Mata Atlântica e pela Lei Orgânica do Município de São Vicente. A porção inferior da Ilha Porchat apresenta Morro Residual Florestado é classificada como área de proteção ambiental pela Prefeitura Municipal de São Vicente devido à fragilidade gerada pela alta declividade, a curta espessura do solo superficial gerado pela degradação da cobertura vegetal original e rochas por subjacentes à delgada camada de solo de intemperização caracterizado por falhas e fraturas, essas características geomorfológicas e geológicas da rocha superficial, área suscetível a processos erosivos no qual gera um risco eminente de escorregamento, tal como de queda de blocos, desabamentos e rastejamentos de massas de solo. A parte superior da é formada por Morro Residual com Urbanização Consolidada é onde está localizada a maioria das edificações de porte médio a alto, com grau de ocupação variando sua densidade média, entre 1.001 e 5.000 hab./km² e alta, entre 5.001 e 10.000 hab./km². A interferência antrópica acendeu um Estado Ambiental Crítico oriunda da urbanização consolidada da área, através da impermeabilização do solo pela pavimentação das vias de acesso e contaminação do lençol freático por fossas sépticas. A influência antrópica nos solos urbanos pode provocar muitas alterações morfológicas. É muito comum se encontrar camadas distintas e artificiais resultante da introdução de diferentes materiais, na tentativa de reconstituição do solo removido. Estas diferentes camadas apresentam em geral características heterogêneas, as quais devem ser consideradas no momento da implantação de espécies arbóreas em uma determinada área, pois neste caso, as covas deverão receber tratamento diferenciado para que haja condições semelhantes para o desenvolvimento vegetal (De Kimpe apud PEDRON e DALMOLIN, 2002). Outros problemas relacionados à dinâmica da água e do solo que ocorrem em meio urbano são os deslizamentos e rastejos, movimentos de massa geralmente ligados ao processo de remoção dos horizontes superficiais associado a extensas áreas impermeabilizadas. A 41 remoção de camadas de solo diminui a capacidade efetiva do mesmo absorver água, de forma que rapidamente pode ocorrer a saturação pela água da chuva. Quando isto ocorre a camada de solo passa a se comportar como meio liquido, escoando encosta abaixo (BRAGA e CARVALHO, 2003). 4.1 SUSCEPTIBILIDADES A MOVIMENTOS DE MASSA NA ÁREA DA ILHA PORCHAT A área correspondente a Ilha Porchat abriga encostas com altura máxima de 10 metros e inclinações em média de 50°, nesse local de topografia acidentada se deu a construção de residências e de área de estacionamentos com taludes verticais de até 4 metros de altura, nessas construções locais é possível visualizar vestígios de cicatrizes correspondentes ao movimento de massa. O processo de urbanização acelerado na década de 1980 contribuiu para o crescimento e ocupação da Ilha Porchat tornando necessário um planejamento urbano para a circulação dos moradores e visitantes e de futuras construções. O projeto de urbanização dos anos 90 substituiu o pavimento constituído por blocos de paralelepípedo de rochas, pela pavimentação asfáltica flexível. A impermeabilização do solo pela pavimentação asfáltica alterou a mecânica natural da absorção da água pelo substrato que reduziu a infiltração de água das chuvas, aumentando o risco de erosão, compactação e escorregamento da massa superficial de solo. Os solos da cidade, impermeabilizados por cimento e asfalto, têm escoamento superficial intenso, pois quase toda a água escorre pelas ruas e se o sistema de drenagem não for redimensionado de forma adequada e proporcional a nova vazão, apenas transfere o problema para o setor a frente. 42 Figura 15 - Ilha Porchat à esquerda e acesso pela Alameda Ary Barroso ao Monumento 500 anos na Ilha Porchat à direita. Fonte: satélite do googlemaps (2015). A Figura 15 retrata à esquerda, vista área total da Ilha Porchat e à direita, o acesso ao Monumento 500 anos pela Alameda Ary Barroso. Esta ilustração tem como objetivo mostrar a área pavimentada da Alameda Ary Barroso, o impacto da urbanização e a ação humana. Com a compactação do solo e consequentemente a diminuição da porosidade e infiltração da água, há um escoamento superficial em volume maior, escoando mais rápido o curso da água, aumentando a potencialidade de enchentes. 4.2 MONUMENTO 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL Erguido a 76 metros do nível do mar no ano de 2002, o Memorial dos 500 anos, na Ilha Porchat em São Vicente (SP), mais especificamente ao final da Alameda Ary Barroso por se tratar de única obra que o arquiteto Oscar Niemeyer projetou em todo litoral paulista é também conhecida por mirante Niemeyer. 43 Figura 16 - Monumento 500 anos do descobrimento Fonte: blog diário de motocicleta (2015). A figura 16 retrata a plataforma projetada por Niemeyer, que possui um design que chama atenção por sua beleza de linhas arrojadas e curvas em concreto. A cobertura em forma de asa côncava se projeta 17 metros a partir da encosta da Ilha Porchat e pode abrigar cerca de 250 pessoas e curiosamente, segundo descrições desse projeto o vértice do mirante aponta uma linha imaginária diretamente para uma das principais obras de Niemeyer, o Congresso Nacional, em Brasília, conforme Niemayer (2004): A ideia foi assinalar com este pequeno monumento, a chegada dos portugueses no Brasil. Qualquer coisa que contasse na paisagem, lembrando aos visitantes aquele acontecimento. Uma grande estrutura de concreto voltada para o mar marca as comemorações dos 500 anos do descobrimento. Uma praça coberta, projetada sobre uma encosta e sanitários públicos. NIEMEYER, OSCAR, Minha Arquitetura, 1937-2004. Rio de Janeiro (2004). p. 282 4.3 ANÁLISE DA ENCOSTA FRANK RICHARDS A encosta situada na Alameda Frank Richards, onde está localizada a estrutura de arrimo em gravidade objeto de estudo, é composta por solo residual e matacões de dimensões 44 e diâmetros equivalente a 2 m, como mostra a figura 17, onde é possível perceber fraturas ao longo da Rocha alterada devido ao elevado grau de intemperismo e desagregações. Figura 17 - Presença de matacões na encosta Fonte: Próprio autor: trabalho de campo (2015). O projeto de drenagem encontrado no local é composto por canaletas de drenagem meia cana com 600 mm de diâmetro (abertas), que por gravidade escoam a água em direção a uma escada hidráulica, que por sua vez encaminhada a vazão para o setor de encosta. Através das visitas de campo, observou-se folhagem, lixo e sedimentos depositados pela erosão, eram encontrados ao longo de todas as canaletas de drenagem, que com a extravasão de água de chuva e erosão de solo de apoio das canaletas, o qual ocasionaram sua ruptura e em vários trechos é evidenciado a obstrução da estrutura de concreto ou canaleta como mostram as figuras 18 e 19. Como Anexo A, segue o levantamento planialtimétrico utilizado para estudo da obra de contenção da encosta objeto de estudo. 45 Como Anexo B, segue o projeto de implantação de proteção e drenagem da encosta. Figura 18 - Canaleta de escoamento obstruída por folhagens e resíduos . Fonte: PMSV (2014). Figura 19 - Detalhe da ruptura localizada, que deixou a canaleta descalçada Fonte: PMSV (2014) Essa vazão ao invés de ser encaminhada à escada d’água acaba dispersa ao longo da encosta, aumentando o grau de saturação do solo e o risco de escorregamento. A figura 20, mostra com detalhe parte de um muro de impacto de pedras feito com argamassa, cuja deformação “embarrigamento” e inclinação lateral evidenciam um estágio avançado de processos de ruptura. 46 Figura 20 - Detalhes da ruptura da estrutura de arrimo Fonte: trabalho de campo Fonte: Próprio autor: trabalho de campo (2015). Todos esses eventos podem ser desencadeados pela impermeabilização do solo inadequada e do escoamento de águas pluviais pelo sistema de drenagem do local de estudo, que se situa na encosta imediatamente abaixo do monumento Niemayer. Durante os períodos chuvosos dos meses de novembro a março, os locais de acesso e o estacionamento destinado a receber visitantes do monumento e clientes do restaurante situado na Alameda Ari Barroso tem evidenciado que o sistema de drenagem superficial é insuficiente uma vez que, essas construções impossibilitam a infiltração do solo. O volume de água de chuva precipitado na área é encaminhado por gravidade através de desnível em direção às bocas de lobo que estão localizadas no calçamento de acesso, logo à frente da escultura (Figura 21) 47 Figura 21 - Boca de lobo ao final da escada hidráulica Fonte Prefeitura Municipal de São Vicente (2014). A rede coletora de águas pluviais é suprida por sarjetas às margens da Alameda Ari Barroso, manilhas subterrâneas e canaletas de drenagem, que transfere essa vazão total a uma escada hidráulica situada na encosta adjacente. 48 5 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS. O recurso econômico limitado disponível pelo poder público municipal, o prazo curto e urgência nas obras públicas, dificultou um planejamento em longo prazo ao realizar a construção do Monumento Dos 500 Anos, especificamente na encosta objeto de estudo. O impacto causado pela interferência na vegetação nativa imediatamente abaixo da construção do Monumento expôs o solo às intempéries. O solo residual superficial da encosta foi fragilizado, tornando-se mais suscetível à erosão, conforme mostrado à direita na Figura 22. Figura 22 - Erosão do solo residual à direita Fonte: Próprio autor: trabalho de campo (2015) A figura 23 comprova que a permeabilidade do solo residual diminui proporcionalmente ao aumento da profundidade, o qual aumenta o escoamento superficial da encosta, sobrecarregando o sistema drenante. 49 Figura 23 - Perfil do solo residual encontrado pela sondagem local Fonte: Ortigão (2007). O sistema de drenagem é composto por canaletas em meia cana (abertas), que está suscetível ao acumulo de resíduos do solo pela lixiviação e acumulo de lixo, conforme observado nos trabalhos de campo. Com a construção da edificação, o fluxo de pessoas que frequentam o local imediatamente abaixo a escultura, aumentou. Mesmo com a observação de funcionários e placas de sinalização, os visitantes descartam resíduos na encosta, que acumula no sistema drenante e obstrui a passagem dos fluidos em direção as canaletas encosta abaixo. A figura 24 ilustra a área da escultura. No vão entre os pilares de sustentação do mirante, localiza-se um sanitário. Observou-se que pessoas ao descartar resíduos (Figura 25), os mesmos vão direto para a encosta. Figura 24 - Vista do monumento em perfil Fonte: Prefeitura Municipal de São Vicente (2014). 50 Figura 25 - Resíduo descartada pelos visitantes (foto tirada no terraço, pela perspectiva do visitante) Fonte: Próprio autor: trabalho de campo (2015). Ao final do sistema de canaletas, há uma escada hidráulica projetada em alvenaria (Figura 26), que coleta o fluido, com a função de dissipar a energia do escoamento, que é transferido para sarjetas e por gravidade segue encosta abaixo, até finalmente chegar ao mar. Figura 26 - Escada hidráulica em detalhe Fonte: Próprio autor: trabalho de campo (2015). A erosão ocorrida em um local específico do solo base da canaleta, fez com que o sistema ficasse sem solo de apoio, que aliado ao acumulo de resíduos e em consequência a obstrução do fluido, ocasionou o colapso no trecho, perdendo sua finalidade de direcionar as 51 águas pluviais à escada hidráulica. A ruptura da canaleta possibilitou que o escoamento no local do colapso percolasse encosta abaixo sem um fluxo definido. A saturação do solo residual desencadeou a perda de resistência ao cisalhamento entre os grãos de solo e ruptura da massa de solo superficial. Dados de um piezômetro para aferição das poropressões, não estavam disponíveis para caracterizar o início de movimento de massa na área adjacente a ruptura da canaleta. Ao analisar os dados pluviométricos da região, especificamente o de 2008, fornecido pela Defesa Civil de São Vicente, verifica-se um volume precipitado excessivo no mês de abril, data na qual os primeiros indícios de movimento da massa de terra e da estrutura de arrimo foram observados. A Figura 27 ilustra a área das imediações do monumento. A área adjacente a encosta tem aproximadamente o tamanho de um campo de futebol (1 hectare), ou seja, de volume de precipitação que deve ser escoada pelo sistema de drenagem na encosta. Figura 27 - Vista por satélite da área influenciada pela precipitação Fonte: Google maps (2015). 52 Levando em consideração a média pluviométrica da região de 2210,7 mm, segundo CPA da UNICAMP; a PMSV tem considerado que os 2222,8 mm de precipitação em 2008, não foi um ano chuvoso. Durante o intervalo entre 2002, ano da construção do Monumento, à 2008, ano o qual percebeu-se a ruptura da estrutura de arrimo, não houve disparidade entre os dados pluviométricos representados nos quadros 3 ao 10: Tabela 3 - Precipitação acumulada no ano: 2222,8 mm Fonte: Próprio autor (2015). Tabela 4 - Precipitação acumulada no ano: 2199,2 mm Fonte: Próprio autor (2015). 53 Tabela 5 - Precipitação acumulada no ano: 2102,9 mm Fonte: Próprio autor (2015). Tabela 6 - Precipitação acumulada no ano: 2877,3 mm Fonte: Próprio autor (2015). 54 Tabela 7 - Precipitação acumulada no ano: 2319,3 mm Fonte: Próprio autor (2015). Tabela 8 - Precipitação acumulada no ano: 2017,1 mm Fonte: Próprio autor (2015). 55 Tabela 9 - Precipitação acumulada no ano: 2119,5 mm Fonte: Próprio autor (2015). Tabela 10 - Precipitação acumulada no ano: 2210,7 mm Fonte: Próprio autor (2015). 56 6 CONCLUSÃO Após a análise do movimento de massa que consequentemente ocasionou a ruptura da estrutura de arrimo deflagrada não pelo aumento súbito da umidade do solo, em virtude de chuvas intensas, mas sim pela variação contínua da umidade do solo, agravada pelo sub dimensionamento da rede de drenagem pluvial e erosão do solo de sustentação das canaletas e acumulo de resíduos, como folhagens, galhos e lixo, que levaram ao colapso essa estrutura que guia a água à escada de dissipação do escoamento pluvial. O movimento de massa é classificado como de rastejo (creep) por Augusto Filho (1992), conforme discutido no subitem 2.1. A obra de estabilização na encosta deveria ser integrada ao da análise do impacto em longo prazo nas imediações da escultura, com o redimensionamento do sistema drenante e vistorias periódicas com objetivo de fiscalizar as condições do solo, desenvolvimento do replantio das espécies nativas e cumprimento de todo o projeto até sua fase final. Em conclusão, dever-se-iam ser realizadas constantes vistorias e manutenções periódicas para desobstrução das canaletas em meia cana, que por natureza tendem a acumular resíduos de folhagens e lixo. Verifica-se também a necessidade de um planejamento de obras de engenharia de maneira sistêmica com os entendimentos integrais dos fenômenos, prevendo futuros problemas em áreas de riscos e de grande movimentação de massa de solo. 57 REFERÊNCIAS AMORIM, R. R.; OLIVEIRA, R.C. As unidades de paisagem como uma categoria de análise geográfica: o exemplo do município de são vicente-sp. 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