Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de História, Direito e Serviço Social ROBERTO SALVADOR A ÉTICA NA EDUCAÇÃO: UM COMPONENTE DE MUDANÇA DE CONDUTA Franca- SP 2007 ROBERTO SALVADOR A ÉTICA NA EDUCAÇÃO: UM COMPONENTE DE MUDANÇA DE CONDUTA Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, área de concentração: Serviço Social: trabalho e sociedade, linha de pesquisa: Serviço Social: mundo do trabalho. Orientação do Prof. Dr. Ubaldo Silveira. Franca-SP 2007 Salvador, Roberto A ética na educação : um componente de mudança de con- duta / Roberto Salvador. –Franca: UNESP, 2007 Dissertação – Mestrado – Serviço Social – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP. 1. Ética – Aspectos históricos e filosóficos. 2. Ética e educação. 3. Educação para a paz. 4. Formação moral – Cidadania. CDD – 370.1 Dedico a meus queridos filhos Aline e Lucas e à minha querida esposa Cidinha AGRADECIMENTOS Expresso meus sinceros agradecimentos às pessoas que estiveram presentes no percurso da realização deste trabalho. Ao meu orientador, Professor Doutor Ubaldo Silveira, pelas orientações que ultrapassam a realização deste trabalho e atingem a minha vida profissional e pessoal. Aos Professores Antonio Carlos de Andrade , Edna Tallarico e Adriana Guimarães C. J. Reis pelo apoio que me deram na superação das minhas dificuldades. Aos meus pais – Redentor Salvador Furlan (in Memorian) e Julieta Tuassa Furlan pelos ensinamentos morais, pelas orações e pelo exemplo de vida que me transmitem. Preciso agradecer com tamanha exaltação a minha querida esposa – Maria Aparecida Tondini Salvador – e meus queridos filhos – Aline Tondini Salvador e Lucas Tondini Salvador – pela valiosa ajuda e pela compreensão por parte desse esposo e pai atarefado nos finais de semana e feriados em razão da dissertação de mestrado. O AMOR A inteligência sem amor, te faz perverso A justiça sem amor, te faz implacável A diplomacia sem amor, te faz hipócrita O êxito sem amor, te faz arrogante A riqueza sem amor, te faz avaro A docilidade sem amor te faz servil A pobreza sem amor, te faz orgulhoso A beleza sem amor, te faz ridículo A autoridade sem amor, te faz tirano O trabalho sem amor, te faz escravo A simplicidade sem amor, te deprecia A oração sem amor, te faz introvertido A lei sem amor, te escraviza A política sem amor, te deixa egoísta A fé sem amor te deixa fanático A cruz sem amor se converte em tortura A vida sem amor... não tem sentido Desconhecido RESUMO O tema da Ética vem sendo constantemente apresentado sob óticas diferentes demonstrando a sua importância para o período histórico em que vivemos. A educação, objeto de tantos estudos e críticas, ocupa um papel fundamental na formação intelectual e moral do ser humano. Assim, Ética e Educação tornam possível a formação do ser humano comprometido com o entendimento, a compreensão, a solidariedade, o respeito, possibilitando o desenvolvimento de pessoas com claras noções de humanidade e de justiça. A presente dissertação de Mestrado tem como objetivo analisar e compreender como o corpo docente e discente da Escola Maria Amália Volpom de Figueiredo, do município de Morro Agudo, Estado de São Paulo, desenvolve a dimensão ética no cotidiano escolar e quais a mudanças ocorridas no comportamento dos envolvidos neste processo. No desenvolvimento da pesquisa investigamos a Ética e a Educação em diferentes períodos históricos e em suas várias dimensões e direcionamos as discussões para o caso particular da escola Maria Amália Volpon de Figueiredo em Morro Agudo-SP Palavras-chave: ética e educação; educação e compromisso; formação moral; educando para a paz: construindo cidadania. RÉSUMÉ The subject of Ethics has been constantly presented under different perspectives demonstrating its importance to the historical period in which we live. Education, the subject of many studies and criticism, plays a key role in the intellectual and moral formation of the human being. Thus, Ethics and Education make possible the formation of the human being committed to the understanding, solidarity, respect, enabling the development of people with clear notions of humanity and justice. This dissertation of Master aims to analyze and understand how the faculty and students of School Maria Amalia Volpon de Figueiredo from the city of Morro Agudo, State of Sao Paulo, develops the ethical dimension in the daily school and what changes occurred in the behavior of those involved in this process. In developing of the search we investigated the Ethics and Education in different historical periods and in its various dimensions and focused discussions in the particular case of the School Maria Amália Volpon de Figueiredo in Morro Agudo-SP. Keywords: Ethics and Education; education and commitment; moral formation; educationg for peace; building citizenship LISTA DE SIGLAS CEE Conselho Estadual de Educação CET Centro Estadual de Tecnologia CNBB Conferência nacional dos Bispos do Brasil IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LDB Lei de Diretrizes e Bases PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais ONU Organização das Nações Unidas LISTA DE FOTO Foto 1 - Prof. Maria Amália Volpon de Figueiredo............................................................... 124 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 CAPÍTULO 1 ÉTICA: ASPECTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS ........................... 22 1.1 A ética na antiguidade...................................................................................................... 22 1.2 A ética na Idade Média .................................................................................................... 32 1.3 Ética nos períodos moderno e contemporâneo .............................................................. 34 1.4 Uma ética par o século XX............................................................................................... 50 CAPÍTULO 2 A EDUCAÇÃO E SUAS POSSIBILIDADES............................................. 61 2.1 Educação: o despertar da consciência ............................................................................ 61 2.1.1 O sentido da educação ..................................................................................................... 65 2.1.2 Educação: um processo de libertação.............................................................................. 73 2.2 Educação: formando integralmente o ser humano ....................................................... 75 2.2.1 Aspectos da escola no Brasil ........................................................................................... 84 2.3 Educação e ética: compromisso com o ser humano ...................................................... 90 2.4 Educação e distribuição de renda: fatores básicos de inclusão social ....................... 100 CAPÍTULO 3 ÉTICA NA EDUCAÇÃO: UM COMPONENTE DE MUDA NÇA DE CONDUTA .................................................................................................. 108 3.1 Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional ........................................................................................................................... 108 3.2 A questão ética vista pelos profissionais e estudantes da escola Maria Amália Volpon de Figueiredo ..................................................................................................... 122 3.2.1 Histórico da Escola Maria Amália Volpon de Figueiredo ............................................ 122 3.2.2 Análise do Projeto Pedagógico...................................................................................... 124 3.2.3 Análise dos planos de ensino de ética e cidadania dos anos de 2005 – 2007................ 128 3.2.4 Análise das entrevistas................................................................................................... 129 3.3 Educação para a paz, a não violência, a tolerância, a compaixão, a solidariedade, a cidadania, a justiça e o amor ...................................................................................... 146 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 162 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 171 INTRODUÇÃO A ética de que falo é a que se sabe afrontada na ma nifestação discriminatória de raça, gênero e classe. É por est a ética inseparável da prática educativa que devemos lutar, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos. A melhor maneira d e por ela lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, a os educandos em nossas relações com eles. (Eduardo C. B. Bittar) Este trabalho é resultado de nossa trajetória de pesquisa no curso de mestrado de Serviço Social, pois todo trabalho científico é constituído pelo recurso histórico e pelo desenvolvimento intelectual do seu autor. Durante a elaboração do projeto de pesquisa delineamos os primeiros passos nas investigações sobre a importância da Ética na educação e da relação intrínseca entre elas. Ao ingressarmos no programa de pós-graduação aprofundamos nossos estudos que resultou no que apresentamos em seguida. A Ética na Educação: Um Componente de Mudança de Conduta é resultado da pesquisa em nível de mestrado, que teve como principal objetivo analisar os estudos de Ética na escola Maria Amália Volpon de Figueiredo em Morro Agudo-SP, e verificar até que ponto eles contribuem para a formação de seres humanos autênticos, solidários e comprometidos com os outros. Para atender tal objetivo, percorremos as questões referentes à Ética e à educação desde a Grécia Antiga até os dias atuais, o que possibilitou o entendimento do quanto elas são complementares, sem perder de vista a dimensão individual de cada uma delas. Durante as leituras que embasaram esta pesquisa, notamos que a Ética tornou-se uma preocupação constante dos filósofos e dos estudiosos desde a Antiguidade, visto que o homem diuturnamente está em busca da felicidade e esta por sua vez depende das escolhas que se faz. Uma vida feliz não se constrói com coisas suntuosas e festas constantes, mas com o raciocínio sóbrio que busca as causas de todas as escolhas, sendo a prudência a maior virtude, de onde nascem todas as outras, é ela que ensina aos homens que não se pode ter uma vida feliz sem sabedoria, beleza, justiça, doçura. A vida feliz é inseparável às virtudes. Para Epicuro (1988, p. 19): “A justiça não tem existência por si própria, mas sempre se encontra nas relações recíprocas, em qualquer tempo e lugar em que exista um pacto de não produzir nem sofrer dano.” Constatamos que para os filósofos gregos é importante ser vigilante e controlar seus desejos e suas paixões em relação ao comportamento ético. Segundo Epicuro (1988, p. 20): “O homem que tenha alcançado o fim da espécie humana será honesto mesmo que ninguém se encontre presente. O sábio e ético é aquele que sabe viver com sensatez e independência dos desejos que em si possui”. O que esses pensadores pretendiam era tornar os homens seres conscientes e responsáveis pelas suas próprias escolhas, eliminando qualquer possibilidade de influência mitológica ou divina em relação às atitudes humanas. O homem consciente é um ser preocupado, no sentido crítico da palavra, voltado à reflexividade, ao amadurecimento individual e coletivo. O centro do viver para este homem é a busca incansável do desenvolvimento das virtudes, de todas as virtudes que se opõem à ignorância, virtudes para as quais o homem propriamente nasceu, por isso, para Sócrates, a virtude pode ensinar-se, desde que cada um busque o conhecimento de si mesmo e o conhecimento causal de cada coisa. Para isso, é importante que os homens tomem consciência de si mesmos, sejam livres por meio do saber, busquem conhecer sua essência. Ao contrário do relativismo dos sofistas é importante que se desenvolva um conjunto de virtudes como a solidariedade, a justiça, a temperança, a abnegação, a doçura, a honestidade, a prudência, a gratidão, a coragem, o altruísmo, necessário para a prática da Ética em todos os momentos, circunstâncias e com todas as pessoas, inclusive consigo mesmo. Embora houve uma grande mudança de valores da Antiguidade até os tempos atuais, as virtudes apontadas pelos pensadores antigos como sendo importantes para uma convivência saudável entre as pessoas continuam tão importante hoje quanto naquele período. Nesse contexto percebemos que o homem, sendo por natureza um ser racional, realiza pela razão, tanto a sua humanidade, quanto tem possibilidade de realizar o bem, entendido como felicidade e virtude. Entretanto, para a realização do bem é necessário que se tenham as virtudes naturais que, segundo Platão, é a sabedoria, a temperança, a fortaleza e a justiça. “Estas são as quatro virtudes que passaram a ser consideradas como as virtudes cardeais, inclusive pelo próprio cristianismo.” (MARIAS, 1982, p. 72) Registra-se também que nenhuma virtude moral surge no homem espontaneamente, ou seja, por natureza, as virtudes morais são adquiridas através do exercício, do empenho, da determinação. Diante disso, constatamos a importância de proporcionar educação ética para todos os educandos para que eles possam incorporar valores em seu processo educacional a fim de se tornarem seres humanos justos e solidários em todos os ambientes de convivência. A Ética prevê ações construtivas que possam contribuir para que os homens estabeleçam entre si relações de respeito e ajuda mútua. Isto para Aristóteles constrói a felicidade. “A felicidade é a plenitude da realização ativa do homem, no que tem de propriamente humano.” (MARIAS, 1982, p. 96 ) É aqui que percebemos mais uma vez a importância da Ética como uma ciência ou até mesmo uma sabedoria capaz de despertar os valores e sentimento de justiça, solidariedade e co-responsabilidade na construção de uma sociedade onde todos possam viver com dignidade e alegria. A Ética entra nesse contexto como um estudo que visa contribuir para que o homem pratique o bem, para que ele tenha ações virtuosas, desde que essas ações visem o bem, a felicidade de todos e se tenha um acordo entre elas. A questão central é a felicidade, pois quem é feliz vive bem e age bem, procurando ter atividades virtuosas. Assim, para Aristóteles (1987, p. 17): Porque pode existir o estado de ânimo sem produzir nenhum bom resultado, como no homem que dorme ou que permanece inativo; mas a atividade virtuosa, não: essa deve necessariamente agir, e agir bem. Também as coisas nobres e boas da vida só são alcançadas pelos que agem retamente. É a partir da concepção clássica de Ética e de virtudes, que embasamos nosso trabalho e construímos nossas concepções sobre a importância da Ética no processo de educação de todo ser humano. Na seqüência de nossa pesquisa, analisamos a Ética na perspectiva da Idade Média e notamos que o amor torna-se o ponto central da Ética cristã, onde a caridade passa a ser a virtude primordial e a consciência determina que o objetivo final do ser humano não é terreno, mas descobrir Deus que reside no próprio homem. Na medida em que Deus passa a ser o centro de todas as coisas e de todas as decisões humanas, a moral passa a ser um movimento do ser humano para Deus e este fim é alcançado através do conhecimento e da contemplação. Acreditamos que vários fatores são determinantes em relação a ela, contudo, nos parece certo que para que o ser humano tenha uma conduta ética, seja necessário uma educação calcada em valores também éticos. Esses valores na Idade Média são valores adquiridos com a contemplação de Deus. Na perspectiva da Idade Média, os valores são transcendentes, pois, eles resultam da benevolência divina. Justamente porque, nesse período histórico o que predomina é a idéia teocêntrica, ou seja, Deus é o centro de tudo. A pessoa moralmente correta é identificada como um ser temente a Deus, ou seja, a moral é baseada em valores religiosos. É importante ressaltar que o comportamento ético pode ser influenciado por doutrinas e idéias, mas, sobretudo, por modelos pessoais de vida que servem para o conjunto da sociedade. Na Idade Média este grande modelo foi sem dúvida São Francisco de Assis, que, após sua conversão, passou a viver de forma autêntica e justa. É importante ressaltar que alguns de nossos entrevistados frisaram a importância do exemplo prático como meio de formação de caráter como se pode constatar no item dois do capítulo três. Durante o período Moderno e Contemporâneo, percebe-se um racionalismo maior nos estudos sobre Ética e comportamento humano. O homem que não ultrapassa o que a razão determina tem grandes facilidades de administrar a si próprio, viver com serenidade e bom senso em relação à causa que seja útil a si e aos outros. As paixões podem nos dominar por completo, provocando um descontrole e, por conseguinte, um grave dano. Montaigne (1988, p. 181) nos alerta: [...] quem não sabe fechar a porta às paixões, não as pode expulsar depois de entrarem; quem não as liquida de início não as domina ao fim; quem não prevê o abalo do prédio não lhe evita a queda: ‘pois desde que nos afastemos da razão, brotam sozinhas as paixões; a fraqueza humana compraz-se em não lhes resistir, e insensivelmente vemo-nos, em virtude de nossa imprudência, arrastados para o alto- mar, sem abrigo a nosso alcance. Daí a necessidade do homem ser crítico e consciente de suas ações, pois sabemos que o homem, por natureza, é um ser suscetível ao bem, porém, por acidente, pode ser suscetível ao mal. De tudo que sabemos até agora, o homem nasce bom, portanto, a natureza humana é, na essência, boa, contudo, através do processo de sociabilidade e de socialização, os homens que não conseguem governar as afecções podem se tornar maldosos. A razão se esforça constantemente para conhecer, por entender que sua maior utilidade seja aquela que leva ao conhecimento, pois o conhecimento nos possibilita uma maior compreensão da realidade, podendo inclusive, contribuir com uma maior conservação da natureza. Os impulsos, as paixões não estão de acordo com a nossa natureza. Na medida em que nos deixarmos dominar pelas paixões pode gerar conflitos porque as paixões são muito diferentes de um homem para outro. A razão nos leva à concordância, enquanto as paixões nos levam a ser contrários uns aos outros. A coisa mais importante para o homem é viver sob a direção da razão. Aquele que age por virtude age de acordo com a razão, nesse sentido, todos que agem assim buscam um bem que é comum a todos, sendo que, por virtude, o bem que cada um busca para si, busca para todos. Por conseguinte, essa prática constante da virtude e da razão, aproxima o homem de Deus que é o bem supremo, que por sua vez, contribui diretamente para que o homem seja virtuoso e aja pela razão. Este homem que se deixa conduzir pela razão e, por isso, é livre, tem consciência de que o amor precisa ser forte para vencer a maldade, o ódio e todo tipo de sentimento ou paixão que possa provocar algum dano a si ou a outro ser humano, ele entende que o bem que quer para si deve ser estendido para os outros também. Há homens que possuem grandes valores morais que mesmo quando tentados por objetos exteriores não se deixam levar por eles, pelo contrário, renovam seu empenho com bastante alegria e se fortalecem nos princípios, contribuindo imensamente para a realização da felicidade. De acordo com Hume (1989, p. 164), é possível promover alteração do caráter através da educação: Os prodigiosos efeitos da educação são de molde a convencer-nos de que o espírito não é completamente inflexível e obstinado, e é capaz de admitir muitas alterações em sua natureza e estrutura original. Quando se está firmemente convencido de que na vida o melhor caminho é o da virtude, e se tem força de ânimo suficiente para durante algum tempo impor restrições a si mesmo, não há motivos para desesperar da reforma do espírito. A educação dos sentimentos se insere dentro de um trabalho pedagógico mais amplo, que tem como objetivo tornar o educando um cidadão crítico, para que saiba discernir e julgar com autonomia, sem a aceitação passiva da autoridade alheia. É importante preparar o indivíduo para que ele possa agir politicamente como um cidadão e não como um súdito. A contribuição dos períodos Moderno e Contemporâneo foi muito importante para percebermos que a educação quando consegue a formação do caráter contribui sobremaneira para a construção de comportamento justo. A transição do século XX para o século XXI nos impõe uma difícil tarefa a enfrentar, da qual ninguém pode se eximir, pois, nem os comportamentos comuns, nem o trabalho dos pensadores sobre a Ética dão conta de enfrentar os deslocamentos provocados por ela. Daí a busca da Ética tornar-se peculiar. Não a Ética como estudos filosóficos e acadêmicos apenas, o que também é muito importante, mas acima de tudo, como presença indispensável no mundo. O ético é visto como uma qualidade, como uma forma de ser que se opõe ao mundo instituído, sem deixar de ser uma forma de mundaneidade. Ser ético é travar uma luta permanente na tentativa de impedir a formação de maus hábitos como mentir, explorar os outros ou ser violento. Entretanto, um segundo fator é também muito importante para exigência do ser ético: o dia a dia renova constantemente as tentações. Isto exige do ser humano um esforço crítico e atitudes constantemente construtivas para enfrentar as situações impostas pelo mundo. Ora o movimento do mundo nos aproxima do ético, ora ele nos afasta na direção contrária. Daí a necessidade de grandes virtudes para suportar as propostas indecentes e absurdas que o mundo nos impõe. Precisamos promover a transição da Ética de princípios, aquela que nos faz indignar com o sofrimento alheio, para a Ética de atitudes, aquela que nos leva a desenvolver ações concretas, capaz de influenciar positivamente a sociedade. A virtude indispensável para o desenvolvimento dessa ética é a solidariedade, já que esta virtude permite aos seres humanos desenvolver experiências de olhar o mundo e a realidade na perspectiva do outro, sobretudo dos mais fracos e excluídos. Cada ato solidário, cada movimento de solidariedade para com os mais fracos e necessitados pode colaborar diretamente para o desenvolvimento da cultura solidária. Presenciamos, no início desse milênio, uma profunda desigualdade social e grandes riscos ecológicos promovidos pela produção de armas químicas e atômicas, pela engenharia genética com fins apenas econômicos. O enfrentamento dessa contraditória realidade exige coragem cristã, conhecimento profundo de suas causas e um ousado projeto Ético-Político de libertação, numa consciente tentativa de negar a negação da vida das vítimas de um sistema que em nome da “liberdade” impõe a fome, a miséria e a violência a toda a periferia do mundo, seja em nível nacional ou em nível internacional. Diante disso, a ação ética representa a luta consciente através de movimentos de libertação. Enrique Dussel já nos alertou (2002, p. 574): Assim a ética torna-se o último recurso de uma humanidade em perigo de extinção. Só a co-responsabilidade solidária, com validade intersubjetiva, partindo do critério de verdade vida-morte, talvez possa nos ajudar a sair com dignidade no tortuoso caminho sempre fronteiriço, como quem caminha qual equilibrista sobre a corda bamba, entre os abismos da cínica insensibilidade ética irresponsável para com as vítimas ou a paranóia fundamentalista necrofílica que leva a humanidade a um suicídio coletivo. Os riscos impostos pelas mutações de nossa época exigem um novo despertar axiológico, uma gravidez de novas esperanças, um novo renascimento ético, a fim de reavivar a humanidade do ser humano. Para que ocorra esse processo de transformação da realidade, acreditamos que é fundamental uma formação integral do ser humano e isso pode acontecer através da educação como propomos no segundo capítulo de nosso trabalho. Reconhecemos que a educação é um bem que deve existir em função do homem, tendo como princípio básico, promover sua realização como um todo, dentro do seu meio e do seu tempo histórico, para que ele possa ser capaz de enfrentar, de maneira equilibrada, os desafios que a realidade lhe exigir. Acreditamos firmemente que educar é promover o crescimento da originalidade, da espontaneidade do ser humano, é cultivar suas origens, é permitir que ele seja o que ele é e não o que os outros querem que ele seja, é organizar seu próprio desenvolvimento. A educação que precisamos não é a do servilismo, mas a da liberdade, da autonomia, não é a que dobra o educando, mas a que mostra o caminho, a que aponta soluções, a que torna o homem um ser criativo e atuante, um ser consciente e construtor da sua própria existência, uma educação que seja capaz de torná-lo competente para resolver as dificuldades reais do seu dia-a-dia, não para que ele seja apenas um dublê ou um narrador da história, mas para que todos os homens sejam sujeitos ativos e construtores do universo. A verdadeira educação constrói consciência e capacita o ser humano para acompanhar o movimento do mundo em busca da libertação. Necessitamos de uma pedagogia libertadora que nos ajude a ser verdadeiramente independentes tanto individual quanto nacionalmente, uma pedagogia que valorize e promova o ser humano, que o ajude a encontrar o verdadeiro significado da vida, que possa torná-lo forte e consciente para construir-se e construir o mundo, que não cala o ser humano, mas torna-o testemunho autêntico da verdade, que se pronuncia diante da realidade, que seja responsável, que não explore os outros, que não se acomode, que não abandone os outros, que não anule a vida, mas que seja capaz de abrir a mão, a mente, o coração, a alma do homem, para que ele possa exigir crítica e conscientemente seus direitos e colaborar solidariamente na construção do mundo. Assim, acreditamos que seja hora de agir, de buscar novas formas de cooperação, de procurar compreender a condição do outro, de pensar e repensar seu conhecimento, sua maneira de agir, é hora de construir ações responsáveis e comprometidas com a liberdade humana, é hora de muita prudência, de muita sabedoria, mas de muita atitude a favor da dignidade humana. Portanto, é hora de educar para o comportamento ético. Educar para a compreensão, tanto a compreensão da realidade, sem máscaras, maquiagens ou ideologias, como a compreensão do humano propriamente, compreensão do outro, para que possamos viver harmoniosamente, apesar da adversidade da vida. Toda educação que se pretende integral não pode descuidar da formação moral do indivíduo, afinal, formar uma pessoa total, além de outras coisas, também é formar uma boa pessoa. Nesse sentido, educação é, antes de tudo, educação moral. Não que haja um tipo de comportamento moral pré-estabelecido que possa garantir uma boa formação moral, o que existem são condições para que ela se desenvolva. Ora, acreditamos ser obrigação do indivíduo se comportar humanamente. É fundamental educar o aluno para a sensibilidade da vida, para que ele saiba que tem um mundo a ser dominado, porém que o faça com inteligência, responsabilidade e sensibilidade. Educá-lo para que ele tenha um posicionamento crítico no mundo, a fim de que ele possa denunciar as injustiças e anunciar toda forma de promoção da vida. Assim, para Thums (2003, p. 403): O princípio fundamental da ética nas escolas reside na formação de um coletivo forte, onde a ênfase deve residir no princípio do amor, dos sentimentos afetivos, das relações de amizade, de respeito mútuo, de entendimento, de sólidos compromissos com o conhecimento, com a verdade e com todos os princípios éticos da vida humana. A escola deve ser um berçário na formação de novos compromissos com a humanidade e com a vida. Através da boa educação, o homem se torna um ser mais integro mais definido, mais crítico e mais humano. Assim, passa a se assumir muito mais pela essência do que pela aparência, assumindo, por conseguinte, os outros como companheiros na construção de uma sociedade justa e equilibrada. Neste sentido, a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de se trabalhar a Ética como um tema transversal nas escolas está colocada como uma possibilidade de análise dos diversos valores presentes na sociedade e dos vários princípios que organizam as condutas dos sujeitos sociais. No ambiente escolar a Ética se encontra nas relações entre todos, pais, alunos, professores, funcionários, e também nos conteúdos estudados, já que o conhecimento não é neutro, por isso, está sujeito a valores de todo tipo. Os PCNs propõem que a Ética possa refletir as diversas atuações humanas e que o convívio escolar sirva como base de aprendizagem da justiça, de respeito mútuo e da solidariedade. A escola pode desenvolver experiências onde o aluno aprenda a ser solidário ao ajudar e ser ajudado, a ser democrático ao dizer o que pensa e ao ouvir o que os outros têm a dizer. A educação, em todos os tempos, tem sua dimensão moral. De acordo com os PCNs: temas transversais (1998, p. 53-54): A ética é um eterno pensar, refletir, construir. E, na escola, sua presença deve contribuir para que os alunos possam tomar parte nessa construção, serem livres e autônomos para pensar e julgar, para problematizar constantemente o viver pessoal e coletivo, fazendo o exercício da cidadania. A Ética tem como objetivo o desenvolvimento da autonomia moral dos adolescentes, para que atuem de maneira crítica nos meios onde convivem e conviverem, inclusive na escola, conhecendo os princípios morais, contribuindo para a realização do bem comum, utilizando os conhecimentos para a construção de uma sociedade justa, respeitando- se e respeitando os outros, desenvolvendo ações solidárias, condenando as injustiças e preconceitos e valorizando o diálogo nas relações com os outros e nas decisões coletivas. Torna-se urgente a contribuição da escola no sentido de ser crítica ao predomínio da racionalidade instrumental e, desenvolver a idéia de uma formação integral e de caráter solidário, da Paidéia grega, recuperando a dimensão humanista da educação, de acordo com as necessidades atuais. O segundo item do capitulo 3 de nosso trabalho expressa com muita clareza a importância desse papel da educação, tanto no Projeto Pedagógico, quanto nos Planos de Curso, assim como também na fala de nossos colaboradores. A compreensão, a cooperação e a paz como valores supremos da humanidade deve ser o objetivo principal da Educação, a fim de se construir uma sociedade que tenha como base a solidariedade, a justiça e o respeito mútuo entre todos os povos. A educação em valores humanos, diretamente relacionada à educação para o desenvolvimento tem como principal objetivo proporcionar uma mudança de atitudes e comportamentos nos educandos e educadores em relação à problemática sócio-econômico- cultural e suas graves conseqüências, ou seja, promover a conscientização dos indivíduos para o processo de transformação social. Como disse Bittar (2004, p. 106): Aí se vê como objetivo educacional aprimorar a consciência ética e a formação do estudante como pessoa humana, livre de paradigmas socializadores e capazes de provocar-lhe o adestramento mental. A educação libertadora, aquela que se deseja para o Brasil, é a educação capaz de provocar a libertação do povo de sua condição de, sob imperativos de baixa-estima e dominação, ser considerado apaziguado para servir às grandes potências econômicas. A educação, portanto, tem um papel fundamental na afirmação da cidadania brasileira, na medida em que se encontra submersa nesse compromisso ético-social com as condições históricas da brasilidade. Daí a necessidade de formar o ser humano para entender a importância do bom senso, para que o bem seja buscado por todos, para que todos entendam que acima dos caprichos individuais está o ser humano que precisa ser respeitado na sua dignidade e na sua integridade. Por isso, torna-se urgente educar para a hospitalidade, a generosidade, a abertura sem preconceitos. Precisamos ainda da tolerância, como forma de não permitir a exclusão e da solidariedade para que possamos juntos celebrar a vida e os bens que generosamente a natureza nos oferece. A Educação pode contribuir para a construção da democracia verdadeira, na medida em que for capaz de instituir um processo pedagógico contra o individualismo, o comodismo, a omissão de todos os que se instalaram na cultura do consumismo, com a intenção de possibilitar as condições para um novo ser humano, responsável, participativo e solidário. Portanto, essas foram as contribuições teórico-metodológicas que direcionaram a investigação e tivemos como suporte empírico as fontes documentais e as entrevistas gravadas e transcritas literalmente conforme a fala de nossos colaboradores. A dissertação está constituída em três capítulos, que são: “Capítulo I – Ética: aspectos históricos e filosóficos” – onde analisamos a Ética desde a Antiguidade até os dias atuais; “Capítulo II - A educação e suas possibilidades” – aqui, focamos a educação como um despertar da consciência e como possibilidade de formação integral do ser humano, comprometido com o bem-estar de todos; “Capítulo III - Ética na educação: um componente de mudança de conduta” – estudamos os Parâmetros Curriculares e a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, enfocando particularmente a importância da Ética na educação, a questão Ética vista pelos profissionais e estudantes da Escola Maria Amália Volpon de Figueiredo e a educação para a paz, a não-violência, a tolerância, a compaixão, a cidadania, a justiça e o amor. Enfim, concluímos o nosso trabalho com as Considerações Finais acreditando que é possível agregar valores éticos à educação, a fim de formar cidadãos conscientes e comprometidos com a qualidade de vida para todos. CAPÍTULO 1 ÉTICA: ASPÉCTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS 1.1 A ética na antiguidade A busca cotidiana e incansável do ser humano é para ser feliz, a felicidade é o bem inato e em nome dela derivam as escolhas ou recusas. A felicidade não é produzida por um cargo importante, pela posse das riquezas, mas é produzida pela ausência de dores e sofrimentos do corpo, do espírito e da alma, por isso, é importante escolher apenas os prazeres que nos trazem conseqüências agradáveis, devemos pôr de lado os prazeres que nos trazem conseqüências desagradáveis, portanto, é melhor valorizar as coisas de acordo com os benefícios ou prejuízos que elas nos trazem. Antes de qualquer atitude ou de realizar qualquer desejo talvez seja interessante perguntar o que me sucederá se eu fizer o que desejo. Pois, os desejos que não nos trazem dores quando não são satisfeitos podem ser descartados. O desejo de bastar-se a si mesmo pode ser considerado um grande bem, não no sentido de contentar-se com a miséria, mas no sentido de que as necessidades humanas são poucas e fáceis conforme a natureza e muitas difíceis de acordo com a vaidade. A verdadeira felicidade está em aumentar as riquezas ou em diminuir os desejos? Os desejos daquilo que não tens não deve corromper a felicidade presente. Segundo Epicuro: “Quem menos sente a necessidade do amanhã mais alegremente se prepara para o amanhã” (1988, p. 18.) Dirigir a vida sempre para o futuro torna o ser humano insensato, com uma vida ingrata e agitada por demais. É importante lembrar que o futuro não é de todo nosso, portanto, não é necessário nos desesperar para que ele chegue logo e tampouco porque ele nunca irá chegar. Uma vida feliz não se constrói com coisas suntuosas e festas constantes, mas com o raciocínio sóbrio que busca as causas de todas as escolhas, sendo a prudência a maior virtude, de onde nascem todas as outras, é ela que ensina aos homens que não se pode ter uma vida feliz sem sabedoria, beleza, justiça, doçura. A vida feliz é inseparável às virtudes. “A justiça não tem existência por si própria, mas sempre se encontra nas relações recíprocas, em qualquer tempo e lugar em que exista um pacto de não produzir nem sofrer dano.” (EPICURO, 1988 p. 19) O homem justo é aquele que realiza coisas que são conhecidas de todos e não lhe provoca temor, pelo contrário, produz uma grande serenidade espiritual. Essa é a condição do ser ético, é ser honesto mesmo que não tenha ninguém por perto. Por isso, a amizade é muito importante para o ser humano ser feliz, não tanto pela necessidade, mas pela segurança e confiança que os amigos nos dão. Contudo, a amizade verdadeira não é a que está sempre disposta, nem a que se recusa sempre, mas aquela com disposição de espírito. É fundamental ter um ser humano bom e vivermos como se ele nos visse constantemente, fazendo tudo que agrade aos seus olhos, pois o sábio e ético é aquele que sabe viver com sensatez e independência dos desejos que em si possui. O homem consciente é um ser preocupado, no sentido crítico da palavra, voltado à reflexividade, ao amadurecimento individual e coletivo. O centro do viver para este homem é a busca incansável do desenvolvimento das virtudes, de todas as virtudes que se opõem à ignorância, virtudes para as quais o homem propriamente nasceu, por isso, para Sócrates, a virtude pode ensinar-se, desde que cada um busque o conhecimento de si mesmo e o conhecimento causal de cada coisa. Para isso, é importante que os homens tomem consciência de si mesmos, sejam livres por meio do saber, busquem conhecer sua essência. Ao contrário do relativismo dos sofistas é importante que se desenvolva um conjunto de virtudes como a solidariedade, a justiça, a temperança, a abnegação, a doçura, a honestidade, a prudência, a gratidão, a coragem, o altruísmo, necessário para a prática da Ética em todos os momentos, circunstâncias e com todas as pessoas, inclusive consigo mesmo. Devemos ser diuturnamente vigilantes em relação ao comportamento ético, pois estamos constantemente sujeitos às propostas indecentes e inescrupulosas, como as de corrupção, de infidelidade no casamento, por exemplo. O mundo, sobretudo nos últimos tempos, está mediado por atitudes e relações egoístas, materialistas, imediatistas, de prazeres fáceis e irresponsáveis, daí a necessidade de firmeza, coragem e, acima de tudo, muito equilíbrio, para fazermos, com sabedoria e prudência, um enfrentamento a esses contra- valores, para que possamos construir convivências e relações amistosas, harmoniosas e justas, ou seja, relações que valorizam o ser humano acima de qualquer outro interesse. Com Sócrates inicia propriamente a Filosofia racional da Ética. “Aos jovens, disse Sócrates, deve se ensinar sempre a verdade, sem nenhuma mescla de erro consciente, ou falsidade” (COMPARATO, 2006, p. 91) Dessa forma, Sócrates pretendia eliminar a possibilidade de atribuir aos deuses, cuja natureza é moralmente boa, a produção do mal no mundo. Sócrates queria mostrar ainda o princípio ético básico de que os homens são sempre pessoalmente responsáveis por seus atos ou omissões intencionais. Ou seja, ele se opôs frontalmente à mitologia como a base da educação escolar durante séculos na Grécia Antiga, se opondo também ao relativismo dos sofistas, como por exemplo, ao pensamento de Protágoras, de que “o homem é a medida de todas as coisas” (COMPARATO, 2006, p. 93) Se partirmos desse princípio, cada ser humano decide, soberanamente, conforme seu critério pessoal; as questões de conhecimento e de comportamento, o que implicaria na impossibilidade de se estabelecer conceitos universais, com validade para todas as pessoas, em todos os tempos e lugares. O homem, sendo por natureza um ser racional, realiza pela razão, tanto a sua humanidade, quanto tem possibilidade de realizar o bem, entendido como felicidade e virtude. Entretanto, para a realização do bem é necessário que se tenham as virtudes naturais que, segundo Platão, é a sabedoria, a temperança, a fortaleza e a justiça. “Estas são as quatro virtudes que passaram a ser consideradas como as virtudes cardeais, inclusive pelo próprio cristianismo” (MARIAS, 1982, p. 72) Para Aristóteles: “Toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer: e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo que as coisas tendem”. (1987, p. 9) Não obstante, ser verdadeira a afirmação de Aristóteles, em função de que as ações sempre produzem uma conseqüência, um produto, a grande questão é compreender qual o fim das ações, a que elas se destinam, já que há no mínimo duas possibilidades, uma ação que gere um bem individual e coletivo ao mesmo tempo, ou seja, uma ação altruísta, que não provoca nenhum prejuízo para ninguém, e, outra, que intencionalmente ou não, produz uma conseqüência ruim para alguém. Ora, nesse sentido, todo ser humano e todas as ciências podem gerar um bem humano, todavia, para Aristóteles: [...] a política mostra ser dessa natureza. Como a política utiliza as demais ciências e, por outro lado, legisla sobre o que devemos e o que não devemos fazer, a finalidade dessa ciência deve abranger a das outras, de modo que essa finalidade será o bem humano. (1987, p. 9 e 10). A Ética prevê ações construtivas, que possam contribuir para que os homens estabeleçam entre si relações de respeito e ajuda mútua. Isto para Aristóteles constrói a felicidade. “A felicidade é a plenitude da realização ativa do homem, no que tem de propriamente humano” (MARIAS, 1982, p. 96). Diante dessas questões colocadas por Aristóteles, podemos nos perguntar qual a função do homem. A função do homem além de produzir coisas, objetos materiais, de posse do seu estado racional, condição da própria natureza humana, ele estaria capaz do bem, teria ainda a condição e a responsabilidade, diante de uma vida contemplativa e reflexiva, a capacidade de edificar a felicidade humana, tanto para si próprio como para a humanidade toda, se, diante de todas as coisas que o homem pode escolher, a vida fosse a mais significativa, a mais importante. Voltemos à discussão sobre a felicidade, pois, em tese os homens concordam que o maior fim das ações humanas é a felicidade, que viver bem é viver feliz. Tanto os mais cultos como os mais vulgos concordam que o homem vive para ser feliz, entretanto, diferem em relação aos fatores que os tornam felizes. Enquanto para os primeiros é a vida contemplativa e o encontro consigo mesmo, entre os segundos as opiniões são bastante diversificadas, apontando desde o prazer, a riqueza, a honra, a saúde, e outros fatores de acordo com suas paixões e necessidades mais imediatas. Seria talvez infrutífero analisar as muitas opiniões a respeito dessa questão, porque elas ganham um caráter pessoal, levando em consideração que os seres humanos têm objetivos e fins diferentes, necessidades e projeções diferentes, conhecimentos e valores diferentes. Com efeito, embora o conjunto de seres humanos e suas necessidades devam ser considerados, nosso foco é em relação ao homem justo e nobre de espírito, ou seja, aquele que no cotidiano da vida se empenha pela realização da dignidade humana. Para o justo e sábio, embora lhe custe caro seria melhor considerar a verdade acima de todas as coisas, inclusive dos amigos que por ventura quiserem atrapalhar o encontro com ela. De acordo com Chauí (2004, p.54): “verdadeiro confere às coisas, aos seres humanos, ao mundo um sentido que não teriam se fossem considerados indiferentes à verdade e à falsidade.” A verdade seria considerada o bem maior, sem, contudo desconsiderar o bem que cada coisa representa. Cada coisa tem um bem representado em si mesma e representa um bem em função de outra. Ora, segundo Aristóteles: [...] a felicidade é procurada sempre em si mesma e nunca com vistas em outra coisa, ao passo que a honra, ao prazer, à razão e a todas as virtudes nós de fato escolhemos por si mesmos, mas também os escolhemos no interesse da felicidade, pensando que a posse deles nos tornará felizes. A felicidade, todavia, ninguém a escolhe tendo em vista algum destes, nem, em geral, qualquer coisa que não seja ela própria. (1987, p. 15) A felicidade é um bem em si mesmo, o maior bem que o homem pode conquistar, porém esse bem, por ser tão precioso e importante assim, não pode ser um bem de um homem só, é bom que o seja um bem para todos, afinal o ser humano nasceu para a cidadania. Pensemos aqui utopicamente, mas não seria o ideal ver todas as pessoas felizes? A questão, no entanto, é o que fazer para tornar a vida de todos totalmente desejada e sem nenhuma carência. É aqui que percebemos mais uma vez a importância da Ética como uma ciência ou até mesmo uma sabedoria capaz de despertar os valores e sentimento de justiça, solidariedade e co-responsabilidade na construção de uma sociedade onde todos possam viver com dignidade e alegria. Em função da divisão de classes e, por conseguinte, do egoísmo, do individualismo, do materialismo que norteiam as relações entre os homens, sobretudo com o capitalismo e, sobremaneira, a partir do início do século XIX, com as imposições do capitalismo neoliberal, existe um número expressivo de pessoas que tem dificuldade para entender que existe um bem comum a defender e do qual, todos dependem para o bem-estar da coletividade. Entre os homens há uma inequívoca relação que os egoístas e os ignorantes não entendem. Isto é a prova de que o individualismo e o materialismo impostos pelo capitalismo, a densidade demográfica e a complexidade da vida moderna enfraqueceram o ideal do todo, do coletivismo. O egoísmo vigora, e até mesmo é incentivado pelo sistema capitalista, para facilitar a reprodução do seu status quo. Em função disso, é importante uma disciplina de conduta que possa proteger a todos, evitando que a sociedade se transforme em um caos, quando o indivíduo se acha no direito de fazer qualquer coisa, mesmo que prejudique outras pessoas. Cada ser humano precisa aprender a ceder em algum ponto para ganhar em outros, esse princípio virtuoso é basilar na sustentação da comunidade, da coletividade, como afirma Sá (2001, p. 116); “O homem não deve construir seu bem a custa de destruir o de outros, nem admitir que só existe a sua vida em todo o universo” Contudo, os egoístas, em geral, não possuem a visão do todo, do grupo, do coletivo, são míope em relação aos outros, quando querem conseguir alguma coisa não se importam com as conseqüências provocadas pelas suas atitudes. Nesse ponto, torna-se importante estudar a formação da conduta ética, já que esta contribui sobremaneira para que nas relações entre as pessoas, todos possam levar os outros em consideração. Sá nos fornece o conceito de conduta: “A conduta do ser é sua resposta a um estímulo mental, ou seja, é uma ação que se segue ao comando do cérebro e que, manifestando-se variável, também pode ser observada e avaliada” (2001, p. 24). Com isso queremos mostrar que a conduta do ser humano pode mudar conforme o meio ambiente onde se vive, às experiências que ele realiza e a educação/conhecimento que ele vai adquirindo ao longo da sua existência. O que importa não é exatamente a coisa que se consegue, mas o como se consegue esta coisa, quais os meios, os caminhos utilizados para se conquistar o que se deseja, quais as conseqüências para a pessoa que conquistou e para as outras que direta ou indiretamente foram atingidas com aquela coisa. O bem passa a ser uma decorrência da conduta, ou seja, o que se consegue seguindo esta ou aquela direção. O homem pode ter a sua conduta observada perante cada aspecto de sua convivência, como os amigos, a sociedade, Deus, a família, cada um exigindo uma conduta peculiar. A Ética entra nesse contexto como um estudo que visa contribuir para que o homem pratique o bem, para que ele tenha ações virtuosas, desde que essas ações visem o bem, a felicidade de todos e se tenha um acordo entre elas. A questão central é a felicidade, pois quem é feliz vive bem e age bem, procurando ter atividades virtuosas. Porque pode existir o estado de ânimo sem produzir nenhum bom resultado, como no homem que dorme ou que permanece inativo; mas a atividade virtuosa, não: essa deve necessariamente agir, e agir bem. Também as coisas nobres e boas da vida só são alcançadas pelos que agem retamente” (ARISTÓTELES, 1987, p. 17) Não temos condição de afirmar de forma definitiva se as virtudes são inatas, se é uma dádiva de Deus, mas uma coisa é certa, quem quer que não esteja impedido em sua capacidade para a virtude pode, através de algum meio, como estudos e esforços racionais para eliminar as paixões, conquistá-las. Como a virtude, é por si mesma, muito nobre, seria muita leviandade confiá-la ao acaso. O ser humano está sujeito ao sucesso ou ao fracasso, sendo que um leva à felicidade e outro à infelicidade, contudo, são as atividades virtuosas ou viciosas que conduzem o homem à felicidade ou não. O homem feliz e virtuoso se empenha constante e responsavelmente nas ações corretas e suporta as propostas indecentes e as vicissitudes da vida, se é verdadeiramente bom, encara com nobreza e coragem as adversidades. A nobreza de um homem correto está em aceitar com resignação os muitos infortúnios que a vida lhe prega. Como disse Aristóteles (1987, p. 21): Com efeito, o homem verdadeiramente bom e sábio suporta com dignidade, pensamos nós, todas as contingências da vida, e sempre tira o maior proveito das circunstâncias [...] E tampouco será ele versátil e mutável, pois nem se deixará desviar facilmente do seu venturoso estado por quaisquer desventuras comuns... Registra-se também que nenhuma virtude moral surge no homem espontaneamente, ou seja, por natureza, as virtudes morais são adquiridas através de exercício, do empenho, da determinação. Os homens só se tornam justos praticando atos justos, pelos atos que praticam em suas relações com os outros homens são considerados justos ou injustos. Daí, a necessidade de estarmos atentos para a qualidade dos atos que praticamos, a partir de sua conduta é que se define o caráter e a bondade de um homem. Para que um homem se torne bom é necessário que aja conforme a regra justa, embora não temos nenhuma pretensão de definir o que é bom de forma fixa, contudo, entendemos que o justo é aquele que age de forma a não provocar dano nem a si próprio e nem aos outros. O prazer e a dor são fatores indicativos do caráter, pois, alguém que é capaz de se abster dos prazeres corporais sem aborrecimentos é de equilíbrio e bondade maior do que aquele que não consegue; o prazer contribui para levar os homens a praticarem más ações, assim como em função da dor nos recusamos às ações nobres. Parece fora de dúvida que para os homens é mais fácil aceitar o prazer do que a dor, entretanto, a virtude se orienta para o mais difícil, tornando melhores as coisas boas. O homem se torna bom pela prática de atos bons. Ninguém é considerado bom somente por teorizar sobre a bondade, embora um bom número de pessoas proceda dessa forma. Ninguém nos chama de bons ou maus pelo fato de termos capacidade de sentir as paixões, isto é parte da nossa natureza e a bondade ou a maldade não acontece pela natureza, mas por disposição de caráter, da educação e das virtudes morais que adquirimos. As virtudes morais são capazes de buscar o meio-termo entre o excesso e a carência, isto é, ela está atenta à necessidade do equilíbrio entre dois vícios, isto porque sua natureza se inclina para a mediania dos atos e das paixões. De tudo isso, concluímos que é difícil ser bom, visto que não é fácil encontrar o equilíbrio. A bondade, portanto, é louvável, nobre e rara. O homem bom está sempre se esforçando para fazer as coisas com acerto, buscando a verdade em cada uma delas, nisto consiste a grande diferença entre ele e os outros. Na maioria das vezes o prazer pode levar ao engano, considerando o que parece bom sem verdadeiramente sê-lo, por isso, os homens escolhem o agradável como um bem e se furtam a dor como um mal. Os homens, de posse de sua racionalidade, têm sempre um fim, porém deliberam sobre os meios para realizá-lo. Ora, aí entra o exercício da virtude. Portanto, a virtude, assim como o vício está em seu poder, pois, tanto o agir como o não agir, o agir de um modo como o de outro depende dele, é voluntário o ato de agir, quando o ato é vil ou quando é nobre, ou seja, depende de nós, praticarmos atos vis ou nobres, logo ser virtuosos ou viciosos depende de nós. Um homem pode ser involuntariamente feliz, mas não involuntariamente maldoso. Com isso, torna-se difícil ignorar que é pelo exercício de atividades sobre coisas particulares que se forma o caráter de um homem, é insensatez pensar o contrário, assim como quando um homem, sem ser ignorante, comete atos injustos, não ser considerado injusto voluntariamente. Como já frisamos, as virtudes em geral são meios, e são disposições de caráter, são voluntárias e agem de acordo com o que é justo. Logo, há necessidade de que as ações humanas sejam mediadas pela razão, a fim de evitar as injustiças e os vícios. Em nome disso é que se faz a discussão sobre a bondade e a maldade. O homem nasce bom ou mau? A crença de que alguém já nasce bom ou mau, ou seja, que há algo de genético na bondade ou maldade está vencida no campo da ciência; o que hoje é aceito como correto, é que o ser humano torna-se bom ou mau, através das experiências sócio-afetivas desenvolvidas ao longo da sua vida, especialmente na infância e adolescência. Tudo faz crer, até agora, que a consciência seja algo produzido através de percepções, de orientações e motivações de um processo educacional e de convivência. É a educação a principal responsável pela estrutura da consciência, logo, da vontade e, em decorrência, da conduta humana. (SÁ, 2001, p. 48) Não dá para aceitar, de forma absoluta, que haja um determinismo genético, em relação à bondade ou a maldade humana, embora sem poder negar que há grandes diferenças na vida dos seres humanos, por exemplo, os superdotados, os gênios, contudo, isso não nos autoriza afirmar a predestinação para o bem ou para o mal. A educação e os diferentes ambientes de convivência vão construir paulatinamente as consciências. Entendo que as oportunidades obtidas ao longo da vida e a inteligência de cada ser humano vão lapidando as mesmas. Daí o homem chegar a ser um magnânimo é um processo muito difícil e demorado, pois a bondade, se por um lado, é uma das virtudes mais difíceis de ser conquistada, por outro, é talvez, a mais sublime de todas, é a que vem coroar o conjunto das virtudes. Para que um homem seja tido como magnânimo é preciso que ele tenha um caráter bom, nobre e que sua conduta esteja sempre voltada á promoção da justiça. Em relação à justiça e a injustiça, o interessante é considerar com que tipo de ações elas se relacionam e quando a atitude é justa ou não. De modo geral, justiça é a disposição de caráter que possibilita a pessoa fazer o que é justo. O ato justo é aquele que colabora para construir ou preservar a felicidade do coletivo da sociedade, por isso, o homem justo é virtuoso e a justiça considerada uma virtude completa, porque aquele que é justo é justo para consigo mesmo e justo com os outros também, seus atos estão sempre voltados para o bem comum. O ato verdadeiramente justo é proporcional às partes envolvidas, enquanto o injusto não respeita a proporção, por isso, torna-se além de injusto, egoísta. Um homem só é considerado justo quando pratica um ato por escolha própria, daí também poder dizer que a justiça é fruto do conhecimento e da consciência. É o caráter voluntário ou involuntário do ato que determina se ele é justo ou injusto, pois, quando é voluntário, é censurado, e pela mesma razão se torna um ato de injustiça; de forma que existem coisas que são injustas, sem que, no entanto sejam atos de injustiça, se não estiver presente também a voluntariedade. (ARISTÓTELES, 1987, p. 92). Quando um homem age por ignorância ou forçado a agir por vontade de terceiros, contra alguém, seu ato é um ato de injustiça, mas não um ato injusto, no entanto, se um homem age por escolha e causa um prejuízo a outro, é ele sim um homem injusto. Um homem justo, bondoso e sábio sabe escolher o que é bom para ele, do ponto de vista geral, e também, que seja bom para todos. O homem sábio além de conhecer os princípios, conhece também as verdades dos princípios pelos quais age, em busca da edificação da justiça. Sobretudo, o homem de sabedoria prática se preocupa sobre coisas humanas e escolhe bem, para atingir as suas finalidades, que é alcançar a melhor coisa através de sua ação. Os homens bons buscam a equidade em relação aos outros homens, suas obras estão de acordo com a sabedoria prática e as virtudes morais. Possuem sabedoria prática os homens que são capazes de observar com profundidade as diversas coisas que lhes dizem respeito, aqueles que possuem uma aguçada sensibilidade para consigo próprio e para com os outros, aqueles que deliberam bem. Os homens de sabedoria prática são também de bom caráter, porque ela não é constituída apenas de conhecimento, mas também de ações coerentes e autênticas. Estes homens buscam também ser amigos, visto que a amizade verdadeira é uma virtude ou exige virtude e é muito importante para a vida de todos. A amizade é talvez a mais genuína forma de justiça, uma atitude nobre, louvável, amorosa. Contudo, a amizade, para que seja de fato verdadeira, não pode ser acidental, útil, mas precisa ser aquela que deseja o bem para o outro despretensiosamente. Estes homens, além de amigos, são homens bons, tudo que fazem é em função de sua própria bondade e não com segundas intenções. São ainda muito agradáveis, visto que fazem as coisas para agradar os seus amigos e a si próprios. De fato, só os homens bons podem ser amigos de verdade, já que possuem na sua essência a virtude da bondade, pois os homens maus se relacionam por interesse, apenas se tiverem vantagens. A mais verdadeira amizade é aquela que existe entre os homens bons, visto que um se torna estimável e desejável ao outro, e, cada um, ainda se torna um bem para o outro. Além do que, o homem bom, torna-se amigo de si mesmo, sendo obediente à razão e abandonando as paixões mais levianas, ele escolhe a prática de atos nobres que favorecem a si mesmo a aos outros. O homem bom se alegra com as ações virtuosas e se entristece com as más, daí a convivência com os bons ser uma grande oportunidade para melhorar a virtude, e, então, essa companhia torna-se desejável porque faz bem. O excesso de amizades úteis, aquelas que convivem com segundas intenções, não é necessário nem tão importante, contudo, com relação aos bons amigos, estes, devemos tê-los o máximo possível, desde que consigamos conviver bem com todos eles de forma que a convivência nos acrescente algo de bom, de virtuoso. Verifica-se, portanto, que para ser feliz, o ser humano deve viver segundo sua razão, que é de fato sua essência, e, conforme sua consciência reflexiva, que orienta seus atos para uma conduta ética e para a prática da virtude. Para Aristóteles, a virtude representa o meio-termo, a justa medida de equilíbrio entre o excesso e a falta de um equilíbrio qualquer. Exemplos: a virtude da prudência é o meio-termo entre a precipitação e a negligência; a virtude da coragem é o meio-termo entre a covardia e a valentia insana; a perseverança é o meio-termo entre a fraqueza de vontade e a vontade obsessiva. (COTRIM, 2006, p. 95) Por isso, é preciso ficar muito atento aos atos que praticamos para que eles não produzam um mal para nós mesmos e nem para ninguém, daí decorre que a prática do bem demanda o exercício da virtude e esta só é possível com a consciência ética. Cícero (106 – 43 a.C.) divulgou os princípios da Ética em Roma, sendo que o primeiro é o de que todos devem viver em conformidade com a natureza, que significa trabalhar para o interesse geral da coletividade. Cada qual deve, em todas as matérias, ter um só objetivo: conformar o seu próprio interesse com o interesse geral; pois se cada um chamar tudo a si, dissolve-se a comunidade humana. Se a natureza determina que devemos respeitar um homem apenas pelo fato de sua condição humana, é inegável que, sempre segundo a natureza, há algo que é de interesse comum a todos os homens; se assim é, somo todos sujeitos a uma só e mesma lei natural, que proíbe atentar contra os direitos alheios. (COMPARATO, 2006, p. 111 – 112) É evidente que o que é de interesse da coletividade não deve eliminar o interesse individual, este precisa ser preservado e respeitado, desde que o interesse do indivíduo não se sobreponha ao interesse geral de toda sociedade. 1.2 A ética na Idade Média No contexto da Idade Média, a moral ganha características cristãs e, sobretudo, com Santo Agostinho e Tomás de Aquino, ela é vista como uma atitude prática, uma ação voluntária. Entretanto, segundo Santo Agostinho: “A vontade não é determinada pelo intelecto, mas precede-o. A virtude não é uma ordem da razão, habita conforme a razão, como dizia Aristóteles, mas uma ordem do amor” (PADOVANI; CASTANHOLA, 1977, p. 212). Como a vontade é livre, ela pode querer o mal, agindo contrariamente aos princípios cristãos, ou seja, contra a vontade de Deus. Desta forma, a vontade humana é má em função dos vícios a que os homens estão sujeitos, porquanto, devemos estar atentos e punir atitudes não cristãs, já que elas podem despertar os desejos de fazer o mal a alguém ou despertar o sentimento de inveja. O amor torna-se o ponto central da Ética cristã, onde a caridade passa a ser a virtude primordial e a consciência determina que o objetivo final do ser humano não é terreno, mas descobrir Deus que reside no próprio homem. Na medida em que Deus passa a ser o centro de todas as coisas e de todas as decisões humanas, a moral passa a ser um movimento do ser humano para Deus e este fim é alcançado através do conhecimento e da contemplação. Isto demonstra que: “A ética de S. Tomás tem uma clara matiz intelectualista.” (MARIAS, 1982, p. 179) Portanto, agir de forma moral quer dizer agir conforme a razão humana. A vontade determina a ordem moral, já que a vontade tem tendência para o bem. Fazer o bem a todos é o princípio ético-moral determinante. A partir da formação da consciência ético-moral, há uma tendência de a vontade humana querer praticar atos que colaborem para o bem-estar de todos. A conduta ética surge a partir da educação que se dá inicialmente na família, quando os pais já possuem uma formação moral equilibrada e dão exemplos no dia a dia, servindo como uma espécie de modelo. Embora os ambientes sociais, políticos, culturais se modifiquem constantemente, a formação moral tende a ser mais conservadora, seguindo os princípios que proporcionam a formação do caráter. Depois da incorporação dos princípios morais pelos indivíduos, a postura correta torna-se espontânea, pois eles já possuem o comportamento ético dentro deles, ora, o fundamento para tudo isso está na educação que receberam da família e dos ambientes saudáveis que tiveram na infância, na adolescência e em outros momentos de suas vidas. A polêmica em torno dessa questão é grande, portanto, também não queremos defender uma idéia absoluta sobre a conduta ética. Acreditamos que vários fatores são determinantes em relação a ela, contudo, nos parece certo que para que o ser humano tenha uma conduta ética, seja necessário uma educação calcada em valores também éticos. Esses valores na Idade Média são valores adquiridos com a contemplação de Deus. Na perspectiva da Idade Média, os valores são transcendentes, pois, eles resultam da benevolência divina. Justamente porque, nesse período histórico o que predomina é a idéia teocêntrica, ou seja, Deus é o centro de tudo. A pessoa moralmente correta é identificada como um ser temente a Deus, ou seja, a moral é baseada em valores religiosos. É importante ressaltar que o comportamento ético pode ser influenciado por doutrinas e idéias, mas, sobretudo, por modelos pessoais de vida que servem para o conjunto da sociedade. Na Idade Média este grande modelo foi sem dúvida São Francisco de Assis, que, após sua conversão, passou a viver de forma autêntica e justa. Durante todo restante de sua vida deu exemplos concretos de justiça e soube tratar a todos como irmãos, vivendo com total humildade e simplicidade, não aceitando nenhuma recompensa em dinheiro em troca de qualquer serviço prestado à comunidade. A fraternidade era o marco de suas pregações, onde defendia uma convivência próxima dos pobres e mais necessitados. São Francisco recomendava aos irmãos: “devem se julgar felizes de se encontrarem entre os de condição modesta e desprezados, entre os pobres e fracos, os doentes, os leprosos e os que mendigam ao longo dos caminhos” (COMPARATO, 2006, p.132) Em São Tomás de Aquino a Ética tem uma relação direta com a Teologia quando ele afirma que: “o homem foi dotado pelo Criador da capacidade de separar a verdade do erro, mediante o uso da razão... O juízo ético é, portanto, puramente intelectual, sem a menor mescla de sentimentos ou emoções.” (COMPARATO, 2006, p. 143) Segundo São Tomás existem três espécies de leis: a eterna ou divina, a natural e a humana, esta, de acordo com ele, visa sempre o bem comum e não ao bem particular. O objetivo da lei humana é tornar os homens bons: “(a intenção principal da lei humana é procurar a amizade dos homens entre si.)” (COMPARATO, 2006, p. 146) Para o teólogo a lei é como a virtude, seu efeito é tornar bom quem a tem, por isso, a lei injusta é considerada por ele muito mais uma violência do que uma lei propriamente dita. As leis podem ser injustas quando contrariam o bem divino. 1.3 Ética nos períodos moderno e contemporâneo Para entender a questão do bem e a conduta do ser humano, portanto, a questão ética, os filósofos modernos enveredaram-se por diversos aspectos como veremos a seguir, alguns até com certa dose de radicalismo. Embora ocorressem evoluções tecnológicas e muitas mudanças de valores sócio- político-culturais durante a Idade Moderna, muitos fatores não foram modificados em relação aos clássicos, em função de sua imensa sabedoria. Os pensadores modernos continuam os estudos sobre Ética debatendo a questão da consciência, sobretudo da consciência moral, e a relação dessa com a vida. Segundo o dicionário Oxford de Filosofia, consciência moral é: A consciência que os seres humanos possuem de que uma ação é moralmente prescrita ou proibida... A solução é distinguir os erros de consciência que são voluntários ou condenáveis dos que são involuntários: no primeiro caso somos responsáveis, no segundo, só agimos mal sem o saber. (BLACKBURN, 1997, p. 72) A consciência para os filósofos é, sobretudo, a consciência de si mesmo e de seus atos. Para Montaigne: “Quem encara com sensatez a vitória e a derrota, permanece senhor de si. Quem menos se irrita ou se apaixona é quem melhor dirige o jogo, e com maiores probabilidades de êxito” (MONTAIGNE, 1988, p. 177) A natureza só faz indigente aquele que provoca desordem na sua imaginação e cria desejos muito além dos desejos naturais. A natureza é pouco exigente em relação à nossa conservação, contudo os hábitos e costumes que nos impomos criam exigências maiores que as naturais. As coisas das quais não posso usufruir tem alguma serventia para mim? Será que não inventamos necessidades muito além daquelas essenciais, por isso, nos expomos mais ao acaso, à sorte e à adversidade? As atitudes daqueles que não se orientam segundo as necessidades essenciais, via de regra são atitudes atormentadas, inquietas, prejudiciais, como as do avarento que tem esganação pelo dinheiro e lhe falta a generosidade. Os homens que não conseguem ou não podem seguir a sua razão abandonam-se às suas paixões e, normalmente o fazem não por defender causas coletivas, públicas, mas por causa própria, o que representa limites em relação à justiça. O homem que não ultrapassa o que a razão determina tem grandes facilidades de administrar a si próprio, viver com serenidade e bom senso em relação à causa que seja útil a si e aos outros. As paixões podem nos dominar por completo, provocando um descontrole e, por conseguinte, um grave dano. Antes mesmo de sermos tentados devemos conhecer nossos limites e nos prepararmos para não sermos surpreendidos por tentações ou propostas indecentes capazes de inquietar nossa alma e intranqüilizar nossa consciência. Montaigne nos alerta (1988, p. 181): ...quem não sabe fechar a porta às paixões, não as pode expulsar depois de entrarem; quem não as liquida de início não as domina ao fim; quem não prevê o abalo do prédio não lhe evita a queda: ‘pois desde que nos afastemos da razão, brotam sozinhas as paixões; a fraqueza humana compraz-se em não lhes resistir, e insensivelmente vemo-nos, em virtude de nossa imprudência, arrastados para o alto- mar, sem abrigo a nosso alcance. A conduta virtuosa é aquela que se baseia em viver a vida sem prejuízo para o ser e para os seus semelhantes. O homem não nasce com essa conduta, adquire-a através da convivência, das observações, da educação que recebe na relação com o meio ambiente. Para Hobbes (1988, p. 45 e 46): As virtudes são de duas espécies: naturais e adquiridas. Por naturais não entendo as que um homem possui por nascença... refiro-me àquele talento que se adquire apenas através da prática e da experiência, sem método, cultura ou instrução. Quanto ao talento adquirido o único que existe é a razão, que assenta no uso correto da linguagem, e da qual derivam as ciências. As causas destas diferenças de talento residem nas paixões, e a diferença das paixões deriva em parte da diferente constituição do corpo e em parte das diferenças de educação. Hobbes, na primeira parte do Leviatã, deixa bem claro sua concepção relativista sobre a moralidade das ações humanas. Segundo ele, nada é objetivamente bom ou mal, pois tudo depende dos desejos ou apetites pessoais de cada um. Se uma coisa for de desejo ou apetite do sujeito é normalmente considerada boa, e a que é de ódio ou aversão é considerada um mal. Segundo Hobbes (1988, Vol.1, p.33): Pois as palavras “bom”, “mau” e “desprezível” são sempre usadas em relação à pessoa que as usa. Não há nada que o seja simples e absolutamente, nem há qualquer regra comum do bem e do mal, que possa ser extraída da natureza dos próprios objetos. Sendo assim, não há nenhuma norma ou principio ético objetivo, alicerçado na natureza das ações humanas. Tudo depende, em última instância, do juízo de cada individuo isoladamente. Um dos traços marcantes do pensamento de Hobbes é que ele foi o primeiro filósofo político moderno a rejeitar completamente a tradição medieval da sociedade dividida em três estamentos: o clero, a nobreza e os plebeus. Para Hobbes, o povo é uma massa uniforme, reunida em determinado território pela força do poder soberano. A sociedade política não é, portanto, um dado da natureza, nem o homem, em si mesmo, um “animal político”, como pensou Aristóteles. O Estado é algo construído intencionalmente, e o cidadão, um produto artificial dessa construção política (COMPARATO, 2006, p. 197). Com essa visão moderna Hobbes rejeitava a sociedade estamental da Idade Média e defendia a civilização burguesa, tal como a conhecemos hoje em seu apogeu, ou seja, ele defendia o Capitalismo propriamente. Em outro momento, quando Hobbes afirma que a noção de justiça é meramente convencional e que toda lei é justa quando feita pelo Poder Soberano, ele lança mão dos princípios do utilitarismo moral, o que impõe um grande perigo, segundo Comparato (2006, p.204): Se todo o poder político se concentra na cabeça do organismo social, os governados ficam permanentemente sujeitos às crises de loucura dos governantes, ou, o que é muito pior, à institucionalização da falta de todo critério ético como forma de governo. Daí a necessidade do homem ser crítico e consciente de suas ações, pois sabemos que o homem, por natureza, é um ser suscetível ao bem, porém, por acidente, pode ser suscetível ao mal. De tudo que sabemos até agora, o homem nasce bom, portanto, a natureza humana é, na essência, boa, contudo, através do processo de sociabilidade e de socialização, os homens que não conseguem governar as afecções podem se tornar maldosos. Espinosa afirma (1989, p. 6): Por bem, entenderei, por conseguinte, no que vai seguir-se, o que sabemos com certeza ser meio para nos aproximarmos cada vez mais do modelo da natureza humana que nos propomos. Por mal, entenderei aquilo que sabemos ao certo que nos impede de reproduzir o mesmo modelo. Acontece que a natureza humana não pode ser concebida exclusivamente por ela mesma, o que implica dizer que ela é limitada, podendo ser superada pelas causas externas. O homem vive constantemente uma luta para perseverar na existência ou ceder à força de uma causa externa. Ora, se a potência de uma causa externa for maior que a potência humana para preservar-se de acordo com a natureza, as paixões podem aderir ao homem. A aderência das paixões dependerá dos motivos que os homens têm para não levarem em consideração a própria razão. As coisas presentemente agradáveis podem frear os desejos que nascem do conhecimento do bem e do mal, caso este conhecimento diz respeito ao futuro. Isto implica mostrar o risco que os homens correm de ser mais influenciados pelas opiniões e pelas paixões do que pela razão. A razão por estar sempre de acordo com a natureza humana se esforça para que cada ser humano se ame a si próprio, seja virtuoso e, conservando o seu próprio ser seja feliz. Daqui se segue que os homens, que se governam pela razão, isto é, os homens que procuram o que lhes é útil sob a direção da razão, não desejam nada para si que não desejem para os outros homens e, por conseguinte, eles são justos, fiéis e honestos. (ESPINOSA, 1989, p. 173) O ser humano que se esforça para conservar o seu ser de acordo com a natureza tem mais possibilidade da conquista da virtude, já que a virtude é o resultado da potência humana para a construção do bem, do útil. Conservar o seu ser de acordo com a razão, nada mais é do que a tentativa que o homem faz de preservação da sua essência, esta pode ser considerada a primeira grande virtude humana, o que só pode ser feito mediante o conhecimento, já com ignorância e idéias estapafúrdias não é possível ao homem agir por virtude. A razão se esforça constantemente para conhecer, por entender que sua maior utilidade seja aquela que leva ao conhecimento, pois o conhecimento nos possibilita uma maior compreensão da realidade, podendo inclusive, contribuir com uma maior conservação da natureza. Os impulsos, as paixões não estão de acordo com a nossa natureza. Na medida em que nos deixarmos dominar pelas paixões pode gerar conflitos porque as paixões são muito diferentes de um homem para outro. A razão nos leva à concordância, enquanto as paixões nos levam a ser contrários uns aos outros. A coisa mais importante para o homem é viver sob a direção da razão. O homem quando age conforme sua natureza torna-se muito útil para o outro homem, já que da socialização resultam muito mais fatores positivos do que negativos. Aquele que age por virtude age de acordo com a razão, nesse sentido, todos que agem assim buscam um bem que é comum a todos, sendo que, por virtude, o bem que cada um busca para si, busca para todos. Por conseguinte, essa prática constante da virtude e da razão, aproxima o homem de Deus que é o bem supremo, que por sua vez, contribui diretamente para que o homem seja virtuoso e aja pela razão. Segundo Espinosa (1989, p. 182): [...]o que se esforça por conduzir os outros segundo a razão não age impulsivamente, mas com humanidade e doçura, e está plenamente de acordo com ele mesmo. Quanto ao desejo de fazer o bem, que nasce do fato de vivermos sob a direção da razão, chamo-lhe piedade. O homem é um ser que necessita da sociabilidade, da socialização, por isso, tudo que contribui para a sociedade comum dos homens é útil, devendo ele se empenhar contra tudo aquilo que traz injustiça e discórdia a todos. A prática virtuosa do bem traz alegria e faz bem a todos os homens, portanto, é bom, enquanto tudo que provoca a discórdia, a desunião, a tristeza, é mau. O ser humano que ao agir o faz pelo poder da razão evita que seus atos provoquem tristeza e danos para si e para os outros, ou seja, age de forma generosa, inclusive para compensar o desprezo e o desamor dos outros para consigo. É um ser com equilíbrio, sem medo, com amor, com alegria, com segurança, capaz de enfrentar os desafios da vida sem desespero, mas com firmeza, com prudência, com solidariedade, portanto, com Ética. O homem quando está de posse de sua razão tem o poder de escolha e procura sempre escolher o bem. Entre um bem maior e um bem menor escolhe o maior e entre um mal maior e um mal menor, escolhe o menor. Aquele que se dirige pela razão é capaz de renunciar a um bem menor no presente para conquistar um bem maior no futuro, ainda que isto lhe custe um sacrifício momentâneo. Podemos considerar um homem livre quando age pela razão, pois suas ações são conseqüências de uma profunda reflexão sobre si mesmo e sobre os outros, buscando o significado da vida íntegra e integral e procurando compreendê-la de maneira profunda e rigorosa em todos os seus âmbitos. As atitudes do homem verdadeiramente livre se voltam para a construção da vida, pelo desejo do bem, enquanto ele continua livre, suas idéias são adequadas e são usadas para evitar o mal, o perigo ou qualquer coisa que possa minorá-lo ou minorar os outros da sua condição natural, do seu estado de natureza, isto é, enquanto um ser de razão. O homem livre é corajoso para enfrentar as injustiças e combatê-las com altivez e eficiência, mas é igualmente prudente para saber quando é preciso recuar do combate, porque corre perigo de algum mal, de alguma tristeza; ele é sábio o bastante para saber a hora de avançar e a hora de recuar, sem perder de vista que seu objetivo principal é gerar um bem que traga alegria para si e para os outros. O homem livre é consciente e age sempre com sabedoria e justiça, nunca com má fé ou voluntariamente com a intenção de provocar um prejuízo. Este homem que se deixa conduzir pela razão e, por isso, é livre, tem consciência de que o amor precisa ser forte para vencer a maldade, o ódio e todo tipo de sentimento ou paixão que possa provocar algum dano a si ou a outro ser humano, ele entende que o bem que quer para si deve ser estendido para os outros também. Contudo, embora haja dificuldade para que o homem se guie pela razão e consiga controlar as paixões, os impulsos, em função potência, da força dos fatores externos a ele, Espinosa nos lembra: “[...] não há nenhuma alma tão fraca que não possa, quando é bem dirigida, adquirir um domínio absoluto sobre as suas paixões.” (1989, p. 214) Isso demonstra que as paixões que os homens adquirem têm suas causas exteriores a eles, porem, na medida em que eles são educados para se administrarem de acordo com a razão, terão dentro de si, a potência necessária para atacar as causas das paixões e evitar os deslizes e os perigos para si e para os outros, decorrentes dessas paixões. O homem que tem consciência das coisas necessárias, embora tenha pensamentos e imaginações sobre outras, controla melhor suas paixões, logo, sofre menos em função delas. Quanto menos tempo o homem for dominado pelas paixões contrárias a natureza, tanto mais ele conseguirá ordenar-se de maneira inteligente. Muito embora haja provocações e tentações adversas, os homens razoáveis compreenderão a importância da honestidade. Pois ninguém suporta com tranqüilidade ser odiado e desprezado pelos outros. Os homens de espírito reto são honestos pelo próprio gosto da virtude. Os sentimentos de bondade e honestidade dependem de ambientes equilibrados para que possam permanecer com os homens. Segundo Voltaire (1988, p. 87) “Uma educação sadia perpetua esses sentimentos em todos os homens, vindo com ela o sentimento universal que chamamos honra do qual mesmo os mais corrompidos não podem desfazer-se, e que é o eixo da sociedade”. Não obstante as tentações materialistas, consumistas, pragmáticas e imagéticas serem muito fortes e exercerem um grande poder de influência no mundo atual, existe sempre uma esperança de que os homens formados conforme os princípios éticos e que tenham um bom equilíbrio intelectivo-emocional, possam suportar as pressões e propostas imorais e antiéticas e seguirem em frente com atitudes coerentes, autênticas e solidárias, contribuindo exemplarmente com a construção da justiça. Ora, conquistar consciência não é um caminho muito fácil, mas como seria se ela estivesse à disposição mesmo negligenciada pelos homens? As grandes e importantes coisas são raras e difíceis aos homens. Assim também não seria em relação à felicidade? Ser feliz demanda contentamento, temperança, prazer, ausência de desgosto, tensões, preocupações. Busquemos a felicidade para qual fomos criados, tanto a felicidade individual, quanto a coletiva, no sentido de que todos, na medida em que tenham compromisso e solidariedade para com os outros, possam colaborar, ainda que seja indiretamente, com a felicidade da coletividade. Todo empenho humano não estaria voltado para alcançar a felicidade? Em função dela os homens elaboram leis, organizam a sociedade, inventam artes e desenvolvem as ciências. Todos gozam das vantagens programadas, seja o homem ignorante, o letrado, o civilizado, o homem virtuoso, este porém, pode estar superior aos outros, apenas no sentido de que pela razão ele consegue administrar seus desejos, submeter suas paixões e produzir bens/valores permanentes que lhe tragam a verdadeira felicidade. Todavia, isto não acontece sem um grande esforço, sem dedicação, sem abandonar a indolência, sem um exercício permanente de moderação das paixões, sem o cuidado correto do espírito. Para Hume (1989, p.154 e 155): O espírito, por falta de exercício, passa a achar insípida e detestável toda delícia, e já também o corpo, cheio de humores nocivos, sente os tormentos de suas múltiplas doenças, tua parte mais nobre tem consciência do veneno que a invade e em vão procura aliviar sua ansiedade com novos prazeres, o que agrava ainda mais a fatal enfermidade. O homem sábio, com serenidade e virtude busca o caminho certo da felicidade, que por vez não está na honra, no poder, na riqueza, mas na própria ação virtuosa, nos sentimentos humanitários capazes de produzir um bem permanente para si e para os outros. A beleza moral não seria capaz de produzir um bem maior do que a beleza física, ou mesmo a beleza inanimada das coisas? Não é ela que tranqüiliza o espírito depois de verificar os resultados do seu esforço? O homem virtuoso, o homem de moral, sente-se satisfeito, sente-se feliz com a recompensa de suas ações, agradecendo a bondade de Deus por lhe proporcionar tão grande bem. No entanto, o homem de prazeres fúteis, quando tem consciência de sua culpa e de suas ações voluptuosas torna-se angustiado e atormentado. Não obstante considerar a ação virtuosa como um meio capaz de conduzir o homem à conquista da verdadeira felicidade, os caminhos que levam a ela são diversos e não seria sensato considerar que uma forma de vida fosse a única com possibilidades para conquistá-la. Pensar assim pode ser preconceituoso e ingênuo diante da imensa variedade de orientações e tendências da espécie humana e diante das mudanças de preferências. Embora muitos homens se inclinam a seguir o mesmo caminho, os meios empregados por eles, num geral, são bastante diferentes, o que não lhes garante o mesmo sucesso. Cada um tem suas qualidades e limitações e são elas que atribuem valores aos objetos. Quanto mais crítico e mais virtuoso o ser humano for, mais ele terá condições de argumentar e valorizar o seu lado interior em relação ao seu lado exterior. O lado espiritual do homem está mais próximo dos princípios, sendo assim, os críticos argumentam melhor a favor do interior do que os ignorantes e insensatos, por compreenderem que a felicidade está mais relacionada aos valores interiores do que aos objetos exteriores que não possuem valores em si mesmos, seu valor depende diretamente da paixão que o indivíduo tem por eles. Segundo Hume (1989, p. 163): [...] as paixões que visam a objetos exteriores não contribuem tanto para nossa felicidade como as que dependem de nós mesmos, pois no primeiro caso não estamos tão certos de conseguir os objetos nem tão seguros da permanência de sua posse. No que diz respeito à felicidade, é preferível a paixão pelo saber à paixão pela riqueza. Há homens que possuem grandes valores morais que mesmo quando tentados por objetos exteriores não se deixam levar por eles, pelo contrário, renovam seu empenho com bastante alegria e se fortalecem nos princípios, contribuindo imensamente para a realização da felicidade. Esse processo é sem dúvida, dispendioso exigindo do homem um grande esforço para controlar suas paixões, o que nem sempre ele está competente para fazê-lo. Pode ocorrer do homem até ter consciência do valor moral para si mesmo e para os outros, mas não conseguir controlar seus impulsos, seus desejos. Daí a importância de se dedicar ao saber, através dele os homens tem a oportunidade de humanizar o caráter. Um homem que tem gosto pelo saber, sobretudo pelo saber humanizado, apesar de suas fraquezas, tem em si um poder maior de controle das emoções, ao mesmo tempo em que uma sensibilidade maior por uma vida autêntica e correta. Os estudos, a educação, a vida aplicada, tem grandes possibilidades de alterar o caráter. Os prodigiosos efeitos da educação são de molde a convencer-nos de que o espírito não é completamente inflexível e obstinado, e é capaz de admitir muitas alterações em sua natureza e estrutura original. Quando se está firmemente convencido de que na vida o melhor caminho é o da virtude, e se tem força de ânimo suficiente para durante algum tempo impor restrições a si mesmo, não há motivos para desesperar da reforma do espírito. (HUME, 1989, p. 164). Quando o ser humano tem, concomitantemente, oportunidade de conviver em ambientes moralmente saudáveis e a capacidade interior de, através de um grande empenho, vigiar a si mesmo, ele consegue, ao longo de um processo, uma mudança positiva em seu caráter. O importante é que o homem tenha uma direção, que ele tenha parâmetros morais para balizar suas ações, a fim de que não se perda em meio ao “mar” de contra-valores que possam arrastá-lo para uma vida fútil, que não seja boa nem para si e nem para os outros. Para Rousseau a corrupção moral sempre pareceu a principal causa de ruína da civilização moderna. Para superá-la seria preciso encontrar um critério de moralidade que consistiria no restabelecimento da bondade original do homem. É preciso estudar a sociedade pelos homens e os homens pela sociedade: aqueles que querem tratar separadamente a política da moral não compreenderão nunca nada de ambas. O que significa como é óbvio, que a verdadeira educação é de cunho moral e não técnico. (COMPARATO, 2006, p. 241) Contudo, a educação, só terá êxito se conformar com a natureza humana. “A criança sente, antes de refletir. E, na idade adulta, o juízo ético procede, ao mesmo tempo, de uma intuição sentimental e da avaliação racional das ações humanas.” (Comparato, 2006, p. 243) Rousseau antecipou, até certo ponto, o desenvolvimento da filosofia ética, com a descoberta do mundo dos valores. O justo, o moralmente digno, o bom não se apreende apenas pela razão, pelo raciocínio, mas, acima de tudo, por uma empatia do ser que julga com as ações por ele julgadas. Pois, a educação dos sentimentos se insere dentro de um trabalho pedagógico mais amplo, que tem como objetivo tornar o educando mais crítico, para que saiba discernir e julgar com autonomia, sem a aceitação passiva da autoridade alheia. É importante preparar o indivíduo para que ele possa agir politicamente como um cidadão e não como um súdito. Rousseau ainda defende que a liberdade do cidadão depende de uma condição de geral igualdade econômica, o que o coloca, nesse ponto, contrário ao Capitalismo e ao ideário burguês. Através do esforço comum de boas vontades internas e externas e atitudes concretas de educação, o homem caminha em direção à consciência, uma consciência capaz da auto- reflexão, da auto-análise e capaz de exigir uma postura autêntica e coerente de acordo com sua própria natureza. Este processo leva o homem a escolher e a lembrá-lo nas conseqüências vantajosas ou prejudiciais para si e para o meio em geral. Os homens são afetados por muitas coisas e é normal que sejam afetados, mas é importante que muitas delas não os dominem, especialmente aquelas que possam aborrecê-los por demais como o ódio, a dor. Cumpre cuidar bem da liberdade de nossa alma, sem permitir que se comprometa a não ser apenas em ocasiões excepcionais, o que são muito poucas. A empolgação impulsionada pela emoção torna as pessoas presas das grandes e das pequenas coisas, das que tem relação direta com elas e das que não tem relação alguma. Quando os homens, ordenados pelas paixões, passam a amar uma porção de coisas muito mais do que a si mesmos, perdem de vista o dever primeiro para o qual estão no mundo, que é o de guiar a si próprios para a conquista da paz interior e da felicidade. O espírito humano precisa de muita serenidade, para que possa agir com sensatez, com equilíbrio, sem paixão. A paixão não é um bom guia para as decisões dos homens. A razão, sim contribui para o equilíbrio, pois, mesmo quando malogram, os homens guiados pela razão, não ficam atormentados, são capazes de recomeçar, de se reerguerem e seguirem em frente, são sempre senhores de si, não cometem imprudências ou violências. Kant, logo no início da exposição de sua grande obra Fundamentos Para a Metafísica dos Costumes, assegura que só a virtude, isto é, a vontade moralmente boa, torna o ser humano digno de ser feliz. Existem vários caminhos para se alcançar a felicidade, porém o caminho da virtude é o único moralmente digno. Enquanto Aristóteles compreendia o conceito de virtude tanto como disposições morais quanto intelectuais, para Kant, virtude é apenas um conceito moral e não intelectual. Segundo Kant, a vontade moralmente boa não existe como simples meio parra a satisfação de nossas necessidades naturais, pois para isto basta o instinto, como nos animais. Ela é uma finalidade em si mesma, ou seja, é o bem supremo, condição da qual dependem todos os outros bens, inclusive a aspiração à felicidade. (COMPARATO, 2006, p. 291). No seu livro A crítica da razão prática, Kant escreveu que o amor ao próximo, essa lei de todas as leis”, “apresenta, como todo preceito moral do Evangelho, a intenção moral em toda a sua perfeição; ela é da mesma sorte, um ideal de santidade, do qual devemos nos esforçar para nos aproximarmos, num progresso ininterrupto, mas infinito”. (COMPARATO, 2006, p. 292) Por aí se vê que, para Kant, toda vontade dirige-se a um fim, daí ser importante tratar a si próprio e também aos outros sempre como uma finalidade e não como um meio, o que possibilita agir com consciência para não prejudicar nem a si e nem aos seus semelhantes. Os homens prudentes iniciam todo processo devagar e cautelosamente para não serem surpreendidos no momento mais necessário. Nem sempre temos certeza das coisas depois que elas se colocam em movimento, sendo assim, agir de forma moderada e racional pode evitar o erro ou o dano a si próprio e aos outros, o que representa agir com justiça. Com isso, não queremos dizer que devemos ser poupados de todos os aborrecimentos ou, muito menos que devemos ser omissos em relação às coisas. Pelo contrário, queremos mostrar a necessidade do homem ser constantemente atuante, tanto naquilo que lhe tráz vantagens individuais, quanto naquilo que provoca ganhos e alegrias alheias. O homem que não é prudente é tentado a desanimar quando encontra obstáculos, daí a importância da ponderação para que se possam prosseguir as atividades e até a vida de forma autêntica e conforme as necessidades essenciais da natureza, sem ofender nem provocar ódio em ninguém. O que permite que um homem possa resistir às provocações e às propostas indecentes não é apenas sua constituição física, ou sua inteligência ou mesmo seu condicionamento social, mas seu estado espiritual. Daí a importância das virtudes, sobretudo, da paciência, da tolerância, da calma, da tranqüilidade para conferir serenidade diante da adversidade. Estas virtudes não deixam os pensamentos negativos tomarem conta de nós, preservando a paz de espírito diante das diferenças, o que torna nossa conduta eticamente correta e íntegra. Esta conduta nos torna mais agradáveis no convívio com os outros e mais fortes mental, espiritual e fisicamente. As mentes com poder de autocontrole desfrutam de uma melhor saúde integral, colaborando, consequentemente, na conquista da felicidade. Contrário a tudo isso são os vícios que empurram os homens aos caminhos do perigo, arrebata-os pelo excitante, leva-os a agirem sem reflexão, tanto para consigo mesmo quanto para com os outros. Não seriam os vícios capazes de minorar o ser humano da sua condição de natureza, do seu estado propriamente humano, e por isso, capazes de torná-lo perverso consigo mesmo e com os outros? “E quantas vezes, por outro lado, a perversidade do coração impede o homem de reconhecer verdades perfeitamente acessíveis a seu entendimento”. (SCHPENHAUER, 1988, p. 194 ) Entretanto, um homem moralmente perverso, é impossível que não seja reconhecido e, tão logo seja identificado como tal, passa a ser desprezado pelos outros. Henri Bérgson enfocou a necessidade da consciência para a prática comportamental. Ele mesmo questiona sobre o que seria a consciência e nos oferece uma definição. Para ele: “consciência significa primeiramente memória... Toda consciência é, pois, memória – conservação e acumulação do passado no presente.” (Bérgson, 1989, p. 191 ) A consciência é adquirida através de um processo longo e dialético que se dá pela interação entre o ser e o fato ou objeto exterior a ele, porém que lhe desperta interesse, ou seja, é o traço de união entre o que foi e o que será. Durante esse processo, a consciência é convidada a escolher, e aí entra em cena a educação, os valores; para que a escolha possa produzir um bem para todos, o indivíduo precisa pensar nas conseqüências de sua escolha, se elas são vantajosas ou prejudiciais para todos os que forem atingidos por ela. O homem consciente é um ser de ação, de atitude, que constantemente se enriquece e se lapida, na medida em que exercita sua capacidade de absorção do mundo exterior, na medida em que o mundo oferece a ele oportunidades saudáveis, ou seja, a ambiência quando possui valores morais e o indivíduo é flexível no processo de interação com o meio, torna-se possível o enriquecimento da consciência. [...] a consciência resulta da relação íntima do homem consigo mesmo, ou seja, é fruto da conexão entre as capacidades do “ego” (eu) e aquelas das energias espirituais, responsáveis pela nossa vida”. “A consciência ética, portanto, é esse estado decorrente de mente e espírito, através do qual não só aceitamos modelos para a conduta, como efetivamos julgamentos próprios... (SÁ, 2001, p. 57 e 58) O processo de formação da consciência ocorre através dos ensinamentos, das influências dos ambientes, das informações, da capacidade de percepção e observação que cada ser humano tem. A ação ética só vai acontecer caso o homem tenha a consciência ética formada. Se alguma coisa foi produzida com o prejuízo de alguém não pode ser considerada ética. Uma ação ética é aquela que produz harmonia entre o ser que pratica e a comunidade para a qual ela é dirigida. A consciência ética se volta para as condutas virtuosas, está preocupada com o bem comum. Essa consciência não determina a renúncia de si mesmo, mas compreende a necessidade do amor como condição fundame