Érica Luciana Bernardes Camargo PPRREEVVAALLÊÊNNCCIIAA EE FFAATTOORREESS AASSSSOOCCIIAADDOOSS AA CCOOMMPPOORRTTAAMMEENNTTOOSS SSUUGGEESSTTIIVVOOSS DDEE TTRRAANNSSTTOORRNNOOSS AALLIIMMEENNTTAARREESS EENNTTRREE EESSTTUUDDAANNTTEESS DDEE MMEEDDIICCIINNAA,, EENNFFEERRMMAAGGEEMM EE NNUUTTRRIIÇÇÃÃOO Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva, Área de Concentração em Saúde Pública. Orientadora : Profa. Dra. Ana Teresa de Abreu Ramos Cerqueira Co-orientadora : Profa. Dra. Maria Cristina Pereira Lima Botucatu - 2008 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉCNICA DE AQUISIÇÃO E TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: Selma Maria de Jesus Camargo, Érica Luciana Bernardes. Prevalência e fatores associados a comportamentos sugestivos de transtornos alimentares entre estudantes de Medicina, Enfermagem e Nutrição / Érica Luciana Bernardes Camargo. – Botucatu : [s.n.], 2008 Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Medicina de Botucatu, 2008. Orientadora: Ana Teresa de Abreu Ramos Cerqueira Co-Orientadora: Maria Cristina Pereira Lima Assunto CAPES: 40504000 1. Epidemiologia 2. Bulimia 3. Anorexia 4. Transtornos alimentares CDD 616.8526 Palavras-chave: Anorexia; Auto-imagem corporal; Bulimia; Transtornos alimentares; Prevalência, Fatores associados; Estudantes universitárias Dedicatória Para Maria Teresa, modelo de amor, força e alegria com seus filhos e com a vida. Dedicatória A meus pais, Antônio e Teresa, pelo esforço, carinho e cuidado para com meus objetivos. Ao Marco, amor e companheiro, que sempre me apoiou e com quem divido sonhos e novas descobertas. Ao Gianluca, fruto de amor, encanto diário, sorriso constante. Um bebezinho sapeca e muito amado. A Lara, doce menina, pelo privilégio de vê-la evoluir, tornar-se mulher; Agradecimentos À Profa Dra Ana Teresa de Abreu Ramos-Cerqueira, pela orientação, carinho, incentivo, compreensão e exemplo; Á Profa Dra Maria Cristina Pereira Lima pela co- orientação, auxílio na análise estatística, disponibilidade e amizade sempre presentes; Á Profa Dra Silvia Cristina Mangini Bocchi, pela colaboração, interesse e disponibilidade para contato com as alunas de Enfermagem; Á Profa Dra Eliana Goldfarb Cyrino, pela colaboração com este trabalho; Á Profa Dra Flávia Queiroga Aranha de Almeida pela colaboração, interesse e, disponibilidade para contato com as alunas de Nutrição; Á Profa Dra Sumaia Smaíra Inaty, pela compreensão com minhas ausências em função deste trabalho; Ao Profo Dro Carlos Roberto Padovani pela análise estatística dos dados, e por suas sugestões; Á banca do Exame Geral de Qualificação, Profa Dra Albina Rodrigues Torres, Profa Dra Maria Antonieta B. L Carvalhaes, pelas oportunas sugestões; Aos docentes e funcionários do Departamento de Neurologia e Psiquiatria que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho; Agradecimentos A Eliana Aparecida Pasquareli, prima amiga que sempre me apoiou, modelo de terapeuta e psicanalista; A Alaíde e Ítala, amigas de jornada, sempre me apoiando com carinho; Á Maria Eunice, amiga, sempre disponível, que me acompanhou no início; Á minha querida prima Ana Paula Padim, pura de coração, digna com sua vida, sempre; Aos residentes e novos psiquiatras do Departamento de Neurologia e Psiquiatria, pela compreensão e amizade; Ás funcionárias da Equipe de Transtornos Mentais Agudos Feminino do Hospital Cantídeo Moura Campus, todos compreensivos e sempre colaborativos; Aos funcionários da Seção de Pós-Graduacão, em especial, Regina; Aos funcionários da Biblioteca, em especial, Meire; Ás alunas dos cursos de Medicina, Enfermagem e Nutrição, que contribuíram para a realização deste trabalho; Sumário RESUMO __________________________________________________ 11 ABSTRACT ________________________________________________ 14 LISTA DE QUADROS E TABELAS_____________________________ 17 INTRODUÇÃO______________________________________________ 19 JUSTIFICATIVA_____________________________________________ 40 OBJETIVOS________________________________________________ 42 HIPÓTESES_________________________________________________ 44 METODOLOGIA_____________________________________________ 46 Participantes da pesquisa---------------------------------------------------------- 47 Procedimentos------------------------------------------------------------------------ 47 Instrumentos--------------------------------------------------------------------------- 49 Eating Attitudes Test (EAT) - Teste de Atitudes Alimentares (EAT – 26) --------------------------------------------------------------------------------------- 49 Bulimic Investigatory Test of Edinburgh (BITE)- Teste de Investigação Bulímica de Edimburgo ------------------------------------------------------------- 50 Índice de Massa Corpórea (IMC) e auto-avaliação de imagem corporal---------------------------------------------------------------------------------- 52 Análise dos Dados------------------------------------------------------------------- 54 CONSIDERACÕES ÉTICAS____________________________________ 55 RESULTADOS_______________________________________________ 57 Características dos sujeitos ------------------------------------------------------- 58 Teste de Atitudes Alimentares (EAT-26)---------------------- ---------------- 63 Teste de Investigação Bulímica de Edimburgh (BITE)------ -------------- 67 Índice de massa corporal (IMC)------------------------------------- ------------ 70 Auto-imagem corporal-------------------------------------------------------------- 74 DISCUSSÃO_________________________________________________ 77 CONCLUSÕES_______________________________________________ 93 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS______________________________ 97 ANEXOS____________________________________________________ 110 Resumo Objetivos: O presente estudo teve por objetivo estimar a prevalência de comportamentos sugestivos de transtornos alimentares entre estudantes universitárias de todos os anos dos cursos de Medicina, Enfermagem e Nutrição da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP. Foram também investigadas as associações desses comportamentos com características sócio-demográficas, curso, auto-avaliação de desempenho escolar, índice de massa corporal, auto-imagem corporal, e realização de tratamento psiquiátrico atual ou prévio. Método: Foi utilizado formulário estruturado para investigar aspectos sócio-demográficos, auto-avaliação de desempenho escolar, informações sobre realização prévia de tratamento psiquiátrico, uso e tempo de uso de psicofármacos. Para avaliar alterações no comportamento alimentar foram utilizados o Teste de Atitudes Alimentares (EAT-26) e o Teste de Investigação Bulímica de Edimburgo (BITE). Na análise univariada foram utilizados o teste do Qui-quadrado, o teste de Goodman para contrastes entre e dentro de proporções multinomiais. Posteriormente, foi realizada a análise multivariada através de regressão logística para controle de possíveis variáveis confundidoras. Resultados e Conclusões: Responderam o questionário 76,7% da população alvo, totalizando 468 alunas. A idade média foi 21,6 anos (DP±2,05); 98,7% eram solteiras; 64,1% residiam com amigos; seus pais tinham alto nível de escolaridade, 85,5% dos pais e 81,8% das mães com nível escolar acima ou equivalente ao nível médio completo; sendo a média de renda per capita das famílias de 3,9 salários mínimos. A maioria das alunas (81,8%) considerou seu desempenho acadêmico “bom ou excelente”, 84,4% nunca haviam sido submetidas a tratamento psiquiátrico. Segundo o Teste de Atitudes Alimentares (EAT-26), foram identificadas 93 alunas (19,9%) com possível Resumo transtorno alimentar e 184 alunas (39,3%) com padrão anormal de alimentação, de acordo com o Teste de Investigação Bulímica de Edimburgo (BITE), Quanto ao IMC, 79,7% estavam com peso considerado normal e 9,4% estavam acima do peso ou com sobrepeso. Em relação à auto-imagem corporal, 59,6% julgavam-se com imagem de peso médio e 28,4% consideravam-se como gordas ou muito gordas. Considerou-se imagem corporal alterada, as alunas com auto-imagem considerada gorda ou muito gorda que apresentavam IMC normal ou abaixo do peso esperado para idade e altura. Segundo a regressão logística, para possível transtorno alimentar (EAT) foram significativas as associações de morar sozinho OR=2,5 (IC=1,3-4,9) e ter auto-imagem corporal alterada OR=4,4 (IC=2,3-8,3). No resultado da regressão logística para BITE alterado mantiveram-se no modelo: curso com OR=1,8 (IC 1,0-3,5) para estar no curso de enfermagem, auto-avaliação do desempenho com, OR=2,2 (IC=1,1-4,3) para auto-avaliação ruim e imagem corporal alterada, OR=4,3 (IC=2,3-8,3). Prevalências de possíveis transtornos alimentares e padrão anormal de alimentação foram mais altas em alunas com IMC predominantemente normal e auto-imagem corporal distorcida, fato preocupante em relação a essas universitárias, havendo maior prevalência desses sintomas entre alunas do curso de Enfermagem em comparação aos cursos de Medicina e Nutrição. Auto-imagem de “gorda” em alunas com IMC abaixo ou dentro da normalidade foi a única variável que se mantive associada à presença de sintomas de transtornos alimentares segundo os dois instrumentos utilizados, EAT-26 e BITE. Esses dados indicam que atenção deve ser dada aos fatores que podem interferir na construção da imagem corporal pela sua influência em possíveis transtornos alimentares. Abstract Objectives: This study aimed at estimating the prevalence of behaviors suggesting eating disorders among university students of all years in the Medicine, Nursing and Nutrition Programs of the Botucatu School of Medicine - UNESP. The associations of such behaviors with socio-demographic characteristics, academic program, self-evaluation of school performance, body mass index, body self-image and the existence of current or previous psychiatric treatment were also investigated. Method: A structured form was used in order to investigate socio-demographic aspects, self-evaluation of school performance, information concerning the existence of previous psychiatric treatment and the use and period of use of psychiatric drugs. In order to study alterations in dietary behavior, the Eating Attitudes Test (EAT-26) and the Bulimic Investigation Test of Edinburgh (BITE) were used. For univariate analysis, the Chi-square test and Goodman’s contrast test among and within multinomial proportions were used. Later, multivariate analysis was performed by means of logistic regression in order to control possible confusing variables. Results and Conclusions: 76.7% of the target population answered the questionnaire, which totaled 468 students whose mean age was 21.6 years (DP±2.05); 98.7% were single; 64.1% shared a place of residence with friends; their parents were highly educated, 85.5% of their fathers and 81.8% of their mothers had graduated from high school or had attended college; their families’ mean per capita income was of 3.9 minimum salaries. Most of the students (81.8%) considered their academic performance to be “good or excellent”, 84.4% had never undergone psychiatric treatment. According to the Eating Attitudes Test (EAT-26), 93 students (19.9%) were identified as presenting a Abstract possible eating disorder, and 184 students (39.3%) were observed to exhibit abnormal eating patterns as shown by the Bulimic Investigation Test of Edinburgh (BITE). As regards BMI, 79.7% showed normal weight, and 9.4% were overweight. Concerning body self-image, 59.6% considered themselves to be average weight, and 28.4% regarded themselves as fat or very fat. The students with self-image described as fat or very fat who present normal BMI or lower BMI than that expected for their age and height were considered to present an altered body image. According to logistic regression, the associations of living alone OR=2.5 (IC=1.3-4.9) and having an altered self- image OR=4.4 (IC=2.3-8.3) were significant for a possible eating disorder (EAT). In the result of the logistic regression for altered BITE, the following remained according to the model: academic program, with OR=1.8 (IC 1.0-3.5) for being in the Nursing program, self-evaluation of performance, with OR=2.2 (IC=1.1-4,3) for bad self-evaluation and altered body image OR=4.3 (IC=2.3- 8.3). Prevalence of possible eating disorders and abnormal dietary patterns were higher in students with predominantly normal BMI and distorted body self- image, a fact that causes concern in relation to these university students. A higher prevalence of such symptoms was found among those in the Nursing program as compared to students in the Medicine and Nutrition programs. The “fat” self-image in students with low or normal BMI was the only variable that remained associated with the presence of symptoms for eating disorders according to the two instruments used, EAT-26 and BITE. These data indicate that attention must be given to the factors that can interfere with the construction of a body image due to its influence on possible eating disorders. Lista de Quadros e Tabelas Quadro 1 - Valores dos percentis 5 e 50 e 85 do IMC (kg/m2) em meninas menores de 20 anos de idade (NCHS).................. 53 Tabela 1 - Distribuição de número e porcentagem de questionários respondidos, faltas e recusas em relação ao curso............. 59 Tabela 2 - Distribuição do número e porcentagem das alunas segundo variáveis sócio-demográficas e auto-avaliação desempenho acadêmico por curso (N = 468)....................... 60 Tabela 3 - Distribuição de número, porcentagem e razões de prevalência (RP) de alunas segundo variáveis sócio-demográficas e auto- avaliação do desempenho escolar e resultado de EAT (N=468).. 66 Tabela 4 - Distribuição de número e porcentagem de alunas segundo variáveis sócio-demográficas e auto-avaliação do desempenho escolar e resultado do BITE (N=468)............................................ 69 Tabela 5 - Distribuição de número e porcentagem de alunas segundo variáveis sócio-demográficas e auto-avaliação do desempenho escolar e IMC (N=468).................................... 72 Tabela 6 - Distribuição das alunas, segundo IMC e resultados de EAT e BITE (N=468)..................................................................... 73 Tabela 7 - Distribuição das alunas, segundo auto-avaliação de imagem corporal IMC, EAT e BITE (N=468)........................ 74 Tabela 8 - Regressão logística para EAT*, segundo curso, auto- avaliação de desempenho, morar sozinha e imagem corporal alterada***............................................................... 76 Tabela 9 - Regressão logística para BITE *, segundo curso, auto- avaliação de desempenho e imagem corporal alterada***... 76 Introdução 20 A anorexia e a bulimia nervosas são transtornos alimentares intimamente relacionados, por apresentarem como sintomas comuns a representação distorcida da forma corporal, preocupação excessiva com o peso e medo exagerado de engordar. Em ambos os quadros os pacientes estabelecem um julgamento próprio de valores baseados em sua forma física que está constantemente alterada, gerando grande insatisfação com o próprio corpo (APPOLINÁRIO e CLAUDINO,2000). Numa época em que a moda e a mídia influenciam milhares de pessoas para seguir um padrão irracional de beleza, atitudes e comportamentos alimentares preocupantes e problemáticos relativos ao medo da “gordura” são comumente encontrados. A anorexia nervosa é um transtorno caracterizado por recusa alimentar auto-imposta, que pode levar à caquexia. Após terem sido descritas diversas concepções, foi estabelecida como síndrome específica no final do século XX. Basicamente, os seguintes aspectos estão englobados nesta síndrome: medo de engordar, distúrbio de imagem corporal, comportamentos visando a perda do peso e sua manutenção abaixo do peso normal e distúrbio endócrino (amenorréia). Etimologicamente, o termo anorexia deriva do grego e significa “an” deficiência ou ausência de, e “orexis”, apetite. Sabe-se que essa expressão não é a mais adequada, uma vez que, nesta condição, ao menos inicialmente, não há ausência de apetite e sim auto-imposição da fome. Trata- se de um comportamento descrito desde épocas antigas. Durante a idade média, entre os séculos V e XIII, práticas de jejum voluntário foram Introdução 21 compreendidas como representações de milagres divinos, ou até mesmo entendidas como atos de possessão demoníaca. Russel (1979) sugeriu três critérios diagnósticos para esse transtorno, que ainda são válidos, embora existam algumas modificações nas classificações diagnósticas. Enfatizou o medo mórbido de engordar como característica psicopatológica, comportamento dirigido a perder peso e amenorréia nas mulheres ou perda da potência sexual nos homens. Apontou ainda que o critério moderno da preocupação excessiva em relação à forma do corpo, associada ao fator cultural de culto à magreza vigente, teria sentido apenas para tempos atuais, não se aplicando a pacientes descritos em outras épocas ou países (RUSSEL ,1995). Embora já tivesse sido descrita há mais de cem anos, a anorexia só teve critérios diagnósticos específicos estabelecidos no início dos anos de 70. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais - DSM-IV (APA, 1994) define esta síndrome segundo os seguintes critérios operacionais: recusa em manter o peso corporal em um nível igual ou superior ao limite inferior do considerado normal para idade e a altura (perda de peso levando à manutenção do peso corporal abaixo de 85% do esperado) ou fracasso para ganho de peso esperado durante o período de crescimento, levando a um peso corpóreo inferior a 85% do esperado; intenso medo de ganhar peso ou engordar, mesmo com peso abaixo do normal; alteração na forma de avaliar o próprio corpo seja quanto ao peso, tamanho ou forma, ou negação das evidências de um baixo peso atual e amenorréia, isto é, ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos. É descrita com dois principais tipos: Introdução 22 o tipo restritivo na qual durante o episódio atual de anorexia o indivíduo não se envolve regularmente em comportamento de comer compulsivamente ou de purgação (isto é, auto-indução de vômitos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas) e o tipo compulsão periódica/purgativo, no qual indivíduos se envolvem regularmente em comportamentos de comer compulsivamente ou de purgação. O inicio da anorexia ocorre freqüentemente na adolescência, na faixa etária dos 13 aos 17 anos, e acomete principalmente o sexo feminino. A doença geralmente inicia-se a partir de uma dieta restritiva persistente, que suprime alimentos que provocam ganho ponderal, geralmente carboidratos. O quadro costuma ter como fator desencadeante algum evento estressor significativo, perdas, separações, mudanças, doença orgânica ou outro fator estressante para o paciente e/ou sua família. Aos poucos, a pessoa passa a viver exclusivamente em função da dieta, da comida, do peso e da forma corporal. O curso da doença caracteriza-se por uma contínua e importante redução do peso. A distorção da imagem corporal existe na maioria dos casos. A paciente afirma-se gorda mesmo contra todas as evidências médicas e os apelos familiares, havendo uma verdadeira distorção no medo de vivenciar o próprio corpo. As pacientes passam então a se mostrarem insatisfeitas com o próprio corpo e não conseguem manter o peso na faixa normal mínima, podendo atingir o limite extremo da recusa a alimentar-se. “O padrão alimentar vai se tornando cada vez mais secreto e muitas vezes até Introdução 23 assumindo características ritualizadas e bizarras”. (APPOLINÁRIO e CLAUDINO, 2000). O emagrecimento progressivo devido à perda do peso auto- induzida, gera um estado de desnutrição crônica e progressiva que pode gerar muitos problemas clínicos, como alterações endócrinas (hipotireoidismo, amenorréia, osteoporose), cardiológicas (arritmias, parada cardíaca), gastrintestinais (pancreatite, lentificação de trânsito gastrintestinal) e hematológicas (anemia, leucopenia, alterações de coagulação). Não há medidas que definam ainda o prognóstico desses casos em estudos longitudinais, porém é consenso que a anorexia nervosa tem curso difícil, com tendência a exacerbações ou recaídas periódicas de sintomas. Sullivan em 2002 descreve um resumo dos dados de literatura referentes ao prognóstico, incluindo estudos de até 10 anos após a instalação do quadro. Conclui que há 10% de evolução para óbito, 10% de persistência do quadro, 15% de remissão parcial, 15% de transição para bulimia e 50% sem diagnóstico para transtorno alimentar no seguimento do estudo. As taxas brutas de mortalidade variam de 5% a 20%, e as taxas comparativas de 6 a 12,82 vezes maiores que as esperadas para população com características pareadas, em pesquisas de médio e longo prazo respectivamente (HERZOG et al.,2000; KEEL et al., 2003). Trata-se, portanto, de um grave transtorno crônico, com risco de morte e que deve ser constantemente avaliado clinicamente, em função de suas alterações fisiológicas e metabólicas secundárias à degradação nutricional. Introdução 24 A bulimia nervosa foi concebida como entidade nosológica separada da anorexia apenas no final dos anos de 1970. Etimologicamente o termo bulimia origina-se do grego bous (boi) e limos (fome), referindo-se, portanto, à fome do tamanho da fome de um boi ou da fome de alimentar-se de um boi. Como sintoma, a bulimia é descrita há séculos, porém seu reconhecimento como síndrome só ocorreu na década de quarenta. O primeiro caso bem documentado é o de Ellen–West, paciente de Ludwig Biswanger, em 1944, no qual foram observadas estratégias para perder peso, episódios de comer compulsivo e vômitos auto-induzidos. Nesta época, foram descritos na literatura, pacientes com padrões alimentares alterados, com verdadeiros ataques de comilança frequentemente acompanhados de vômitos (CASPER, 1983). Em 1979, Russell publicou o trabalho Bulimia Nervosa: An Ominious Variant of Anorexia Nervosa e propõs uma nova síndrome caracterizada por um impulso irresistível de comer em excesso, comportamentos de evitação de efeitos “engordantes” da comida por indução de vômitos e/ou abusando de purgativos, e medo mórbido de engordar. Identificou ainda que as pacientes que sofriam desta síndrome tendiam a ter mais sobrepeso, eram mais ativas sexualmente e tinham um ciclo menstrual regular em relação às pacientes que sofriam de anorexia (RUSSELL,1979). Em 1983, Casper, em extensa revisão sobre o aparecimento da bulimia nervosa como entidade separada da anorexia, levantou as questões que podem ter influenciado o aparecimento desta nova condição clínica. Sugeriu que as Introdução 25 mudanças econômicas e culturais ocorridas nos anos de prosperidade que se seguiram a Depressão nos anos 40 teriam contribuído para um aumento na preocupação em relação ao peso corporal, colocando mulheres de diferentes perfis psicológicos a fazerem dieta. Isto teria exposto mais mulheres ao risco de desenvolverem bulimia nervosa, principalmente aquelas que eram mais instáveis emocionalmente e com padrões de comportamentos menos rígidos do que as pacientes que sofrem de anorexia. Segundo o DSM-IV (APA,1994), a definição de bulimia nervosa é feita com os seguintes critérios: episódios recorrentes de comer compulsivo caracterizados por: comer dentro de um período restrito de tempo uma quantidade de comida claramente maior a que outra pessoa comeria no mesmo período de tempo e nas mesmas circunstâncias, seguido de sensação de descontrole sobre a ingestão alimentar; comportamentos compensatórios inadequados e recorrentes, com a intenção de não ganhar peso, como: vômitos auto-induzidos, mau uso de laxantes, diuréticos, enemas ou outras medicações, jejuns ou exercício físico abusivo; a freqüência destes comportamentos devendo ocorrer, em média, duas vezes por semana, por no mínimo três meses e auto-avaliação excessivamente ligada à forma corporal e ao peso. O DSM-IV divide a bulimia em 2 tipos: o purgativo, na qual predominam comportamentos como o uso de enemas, laxantes e diuréticos; o tipo não purgativo no qual apenas jejuns e exercícios físicos são encontrados. A historia natural da bulimia nervosa pode iniciar-se por uma necessidade, real ou imaginária, de perder peso, decorrente da insatisfação com o próprio corpo. Pacientes bulímicas centram sua auto-avaliação em sua Introdução 26 aparência física, sendo que sentimentos de baixa auto-estima se relacionam à constante insatisfação com a forma corporal. Algumas profissões em particular (HOEK,2002; KLEIN e WALSH,2004) parecem apresentar maior risco, como é o caso de jóqueis, atletas, manequins e pessoas ligadas à moda em geral, profissões em que a preocupação e o rigor com o controle de peso são maiores do que na população em geral. (JOHNSON et al., 1999). Episódios bulímicos são caracterizados por uma ingestão exagerada de alimentos de forma incontrolável e rápida, freqüentemente seguidos de arrependimento e culpa excessiva. Comportamentos compensatórios na tentativa de não adquirir peso com os episódios bulímicos, como dietas rigorosas, jejuns ou exercícios físicos repetidos e vigorosos são encontrados no subtipo não purgativo. Uso de laxantes, diuréticos, catárticos ou enemas e auto-indução de vômitos são comportamentos freqüentes no tipo purgativo, sendo vômito, o mecanismo preferencial. No inicio, as pacientes não imaginam que podem se tornar aprisionadas num ciclo de bulimia e purgação. Descobrem casualmente que a purgação pode ser a solução para evitar o ganho de peso nos momentos em que se excederem. O ciclo de bulimia-purgação é geralmente auto-perpetuador e, com o tempo, a situação se inverte e os métodos purgativos passam a liberá-las para os episódios bulímicos (ingestão excessiva de alimentos com perda de controle). Introdução 27 Com a evolução da doença, diversos fatores passam a desencadear episódios bulímicos, especialmente eventos estressantes da vida como perdas, rompimentos afetivos, dificuldades pessoais de relacionamentos, frustrações, rejeições ou aborrecimentos. Em quaisquer circunstâncias nas quais experimentem sentimentos desagradáveis como ansiedade, tristeza, irritabilidade ou raiva recorrem aos “binges” (ataque de comer compulsivo) como forma de regular a tensão (JOHNSON e CONNORS, 1987). Os aspectos clínicos da doença são variados, embora surpreendentemente de pouca gravidade diante da exuberância do quadro psiquiátrico. Alterações hidroeletrolíticas são comuns, entre elas a hipocalcemia, hipocloremia, hiponatremia, alcalose metabólica provocada pelos vômitos e, menos freqüentemente, pelo abuso de laxantes e diuréticos. Complicações cardiovasculares (arritmias, hipotensão), renais, neurológicas, hematológicas, endócrinas e gastrintestinais são muitas vezes geradas pela desidratação e pelas alterações em eletrólitos que os bulímicos apresentam. Não obstante, as alterações orgânicas devem ser cuidadosamente avaliadas e certos parâmetros laboratoriais seguidos para se evitar maior grau de morbidade. A maioria dos estudos sobre o prognóstico deste transtorno questiona a eficácia do tratamento a longo prazo. Pacientes que procuram o tratamento no início da doença têm maiores chances de recuperação, porém, a maioria dos casos busca tratamento tardiamente, dificultando o prognóstico (FAIRBURN et al., 2000). As taxas brutas de mortalidade da bulimia estão entre 0,3% e 3% sendo mais baixas que as da Anorexia, decorrendo Introdução 28 principalmente de comorbidades psiquiátricas associadas ao suicídio (KEEL e MITCHELL,1997; HERZOG et al., 2000; NIELSEN,2001). Pesquisas têm identificado quadros denominados como síndromes parciais, nos quais são encontrados sintomas relacionados à alimentação, que não preencheriam todos os critérios diagnósticos estabelecidos para anorexia nervosa ou bulimia nervosa. Tem sido documentado que síndromes parciais da anorexia são mais comuns que a síndrome completa. HERZOG, em 1996, encontrou, após três anos de acompanhamento de pacientes com síndrome parcial, 50% de evolução para a síndrome completa. Cerca de 2 a 5 % das mulheres jovens apresentam as síndromes de transtornos parciais ou transtornos alimentares sem outra especificação (TASOE), o que as expõe a um maior risco de evoluírem para os Transtornos Alimentares plenos (BUSHNELL,1990). Poucos estudos examinam a prevalência dos transtornos alimentares não especificados, entretanto existe uma convicção de que eles representam a maioria dos transtornos alimentares. Além disso, pouco se sabe acerca da história natural dessa categoria e quais as estimativas para o desenvolvimento completo do transtorno. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais - DSM-IV (APA, 1994) define esta síndrome como quadros que podem preencher critérios para anorexia nervosa (com exceção de amenorréia e de perda significativa de peso) e que podem preencher critérios para bulimia nervosa (exceto em sua freqüência e cronicidade). Também descreve que indivíduos que mastigam e cospem alimentos e apresentam comportamentos purgativos após ingestão de pequena quantidade de comida ou aqueles que Introdução 29 possuem transtorno de compulsão alimentar periódica (episódios de “binge” não seguidos de comportamentos compensatórios) podem estar acometidos pela síndrome parcial. Os quadros parciais representam manifestações mais leves ou incompletas, muito mais freqüentes que as síndromes completas (5:1) e com risco de evoluírem para as mesmas. Sua correlação, tanto com essas quanto com a preocupação cultural "normal" com peso e forma, é objeto de discussão dentro da concepção de possível existência de um "continuum" de preocupação com o peso, no qual as síndromes parciais estariam no meio caminho deste espectro (DANCYGER e GARFINKEL,1995, COTRUFO et al.,1998). A anorexia nervosa e a bulimia nervosa têm natureza multifatorial amplamente reconhecida. Assim como outras doenças crônicas, a etiologia dos transtornos alimentares mostra-se como um somatório de fatores genéticos, culturais, familiares, psicológicos, sociais e mesmo comorbidades que predispõem estes transtornos (APPOLINÁRIO & CLAUDINO,2000; PEÑAS-LLEDÓ et al,2002; ZWAAN et al,2002; GUAL et al,2002). A cultura ocidental contemporânea vive o ideal de magreza. Nas mulheres principalmente, para quem o ideal de aparência física pode representar valor de medida pessoal, dietas milagrosas e promessas de grandes transformações na forma do corpo podem representar campo fértil para o surgimento de transtornos alimentares. CARADAS et al (2001), ao observarem a determinação cultural da prevalência dos transtornos Introdução 30 alimentares, encontraram não haver fronteiras geográficas, sócio-econômicas ou étnicas. Estudos longitudinais revelam que dietas para emagrecer são, com freqüência, precursoras de transtornos alimentares (PATTON,1992). GARNER & GARFINKEL (1980) sugerem que a busca por padrões rígidos de peso e por desempenhos corporais específicos são fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares, assim como, o aumento das pressões sociais por magreza pode estar também associado. Além destes fatores, a distorção de imagem corporal e a prática excessiva de atividades físicas podem exercer papel sobre o desenvolvimento de transtornos alimentares (POPE et al, 1993; APPOLINÁRIO & CLAUDINO,2000; PEÑAS- LLEDÓ et al,2002; ZWAAN et al,2002). Segundo a American Psychiatric Association, a anorexia nervosa ocorre principalmente entre mulheres, com prevalência variando cerca de 0,3 a 3,7%. Já para a população feminina jovem, a prevalência de bulimia nervosa é de cerca de 1,1 a 4% (APA,2000). Entre homens, LUCAS et al (1991) encontraram cerca de 0,02% de prevalência de anorexia nervosa na população americana. GUIMARÂES & CORDÁS (2002) afirmam que a bulimia nervosa acomete principalmente adolescentes e mulheres jovens em idade reprodutiva. Estudos populacionais internacionais como os de Bushnell et al,1990 concordam em geral que a bulimia nervosa ocorre em cerca de 1% das mulheres jovens ocidentais e que as síndromes de transtornos alimentares parciais ou de TASOE, aplicando os critérios do DSM-IV, ocorrem em 2% a 5% Introdução 31 das mulheres jovens. A anorexia nervosa provavelmente ocorre em menos de 0,5% dessa população e não é comum na população em geral, como foi constatado por Aalto-Setala et al em 2001. A identificação de pacientes com anorexia nervosa em amostras populacionais apresenta dificuldades inerentes ao transtorno: baixa prevalência na população, a negação desta condição pelas pessoas e a tendência ao segredo (APPOLINÁRIO e CLAUDINO, 2000). Frente a essas dificuldades a maior parte dos trabalhos investigou amostras advindas de clínicas de tratamento ou levantamentos feitos através de estratégias metodológicas alternativas, como estudos em prontuários ou em populações de risco. Apesar desses problemas, em revisão seletiva de estudos sobre epidemiologia de transtornos alimentares no período de 1995 a março de 2002, no qual 161 estudos foram identificados, observou-se que estudos de prevalência e incidência de transtornos alimentares atingiram um consenso e, em geral, não corroboram uma incidência ascendente atual, exceto, por um pequeno aumento na anorexia nervosa em mulheres jovens (HAY, 2002). No Brasil não existem dados populacionais sobre prevalência e incidência de transtornos alimentares, e tampouco registros fidedignos do número de pacientes que recebem esses diagnósticos na rede pública de saúde. Introdução 32 Transtornos Alimentares em Universitários A prevalência de bulimia nervosa clinicamente significativa em estudantes universitárias é muito maior que a da população geral, correspondendo a cerca de 4% (HALMI et al., 1981; DREWNOWSKI et al., 1988). Prevalências elevadas, descritas em torno de 19%, entre alunas de cursos secundários e de universitárias inglesas não são representativas da população geral, porém apontam que, ainda assim, em estudos epidemiológicos elas podem ter sido subestimadas, em torno de 1%, por ocultação do fenômeno. Formas menos graves, que não preencheriam totalmente os critérios diagnósticos, são mais comuns, atingindo uma prevalência de 5 a 15% (HALMI, 1981). Sabe-se ainda que a faixa etária dos universitários (final da adolescência e inicio da idade adulta) corresponde à faixa de maior incidência e prevalência destes transtornos. HERZOG et al. (1985) em estudo conduzido com 121 estudantes de medicina do sexo feminino (utilizando questionários auto-aplicáveis baseados no DSM-III), observaram que 4% das alunas tinham bulimia nervosa durante a pesquisa e que 8,3% da amostra apresentava histórico deste transtorno no passado. Também detectou 3% de histórico prévio de anorexia nervosa. Estudo realizado em duas universidades no Texas, conduzido em 1990, que avaliou população predominantemente branca em comparação com população não branca, detectou que 1,3% das mulheres e 0,2% dos homens tinham diagnóstico de bulimia nervosa. A prevalência de Introdução 33 comportamentos bulímicos foi de 5,4% em geral, sendo 6,6% para mulheres e 3,6% para homens. Nenhuma diferença racial foi encontrada neste estudo. Os instrumentos aqui utilizados também foram questionários auto-aplicáveis, sendo o BULIT-R o instrumento que avaliou os sintomas de bulimia (PEMBERTON et al,1996). Mediante aplicação do Eating Attitudes Test 40 (EAT-40), 239 estudantes do sexo feminino do curso de medicina foram avaliadas em estudo conduzido em universidade chilena, que encontrou 12% de transtorno alimentar com padrão anoréxico nas estudantes (ASTUDILLO et al, 1996). Pesquisa conduzida com universitários do curso de ciências sociais em seis faculdades na África do Sul no período de 1992 a 1994, demonstrou, através dos questionários auto-aplicáveis Eating Attitudes Test-26 (EAT-26) e Bulimic Investigatory Test of Edinburgh (BITE) e de questões sócio demográficas, que 5% da amostra tinham possíveis casos subclínicos de bulimia nervosa e 9% tinham propensão a anorexia nervosa (GRANGE et al, 1998). Estudo realizado em faculdades privadas no norte da Índia com 504 universitárias do sexo feminino, utilizando o BITE e questões acerca de dados sócio-demográficos detectou uma prevalência de 0,4% de bulimia nervosa, confirmando baixa prevalência entre estudantes indianos, porém detectou que alta proporção desses se sentiam acima ou muito acima do peso, ainda que não apresentassem reais extremos de peso referidos (BUGRA et al, 2000). Introdução 34 Na América do Norte, 471 universitários (homens e mulheres) do curso de psicologia foram avaliados pelo EAT-26, encontrando-se padrão anoréxico em 20% das mulheres e 10% dos homens. Este estudo também demonstrou que estudantes que não apresentavam alterações no padrão alimentar tinham auto-conceito mais positivo e relatavam menos estresse psicológico em relação àqueles que apresentavam sintomas alimentares com alta pontuação no teste (NELSON et al,1999). Outro estudo chileno, avaliou estudantes de Medicina (homens e mulheres) com EAT-26 encontrando alteração no padrão alimentar em 20% das mulheres, com prevalência de 12% e 3% de transtorno alimentar com padrão anoréxico nas mulheres e nos homens, respectivamente (ILABACA et al,1999). Mulheres universitárias na Flórida foram estudadas por meio do EAT-26 detectando-se 17% de transtorno alimentar com padrão anoréxico (ANSTINE & GRINENKO,2000). Universitários de ambos os sexos da região da Galícia, Espanha, submetidas ao EDI (instrumento auto-aplicável que detecta sintomas de transtornos alimentares) encontrou que as mulheres tinham maior propensão a um ideal extremo de magreza, bulimia nervosa e insatisfação pessoal em relação aos homens (LAMEIRAS et al,2002). Estudando comportamentos anoréxicos e bulímicos em universitárias dos cursos de Enfermagem e Medicina no Paquistão com a Introdução 35 utilização do EAT-26, encontrou-se 21,7% de prevalência de comportamentos anoréxicos entre todas as estudantes (BABAR et al, 2002). Riffo e colaboradores (2003) ao avaliarem condutas alimentares em estudantes de medicina do sexo feminino de uma universidade chilena com o EAT-26, detectaram que 15% das estudantes tinham altas pontuações, indicando propensão à anorexia nervosa, sendo que a maior parte (20%) dessas estudantes estava no primeiro ano do curso. Também demonstraram que 70% das alunas estavam com peso adequado à idade e altura, apesar da alta prevalência de alterações no padrão alimentar e condutas voltadas para a perda de peso (RIFFO et al, 2003). Estudo americano em 144 escolas de nível secundário de ensino utilizou o Youth Risk Behaviour Surveillance System (YBSS) e detectou práticas anormais na alimentação e no controle do peso em 26% de estudantes do sexo feminino e em 10% de estudantes do sexo masculino. Também identificou associação desses hábitos com IMC baixo, exercícios para controle de peso e dietas exageradas no último mês (HOFFMAN et al,2004). Recentemente, na Turquia pesquisa com universitários de diversos cursos encontrou 13,1% das mulheres com escores anormais no EAT- 26 e 1,3% de padrão anormal no BITE. Dada a menor prevalência encontrada em relação a outros estudos com universitários europeus e americanos, essa pesquisa questionou se os instrumentos auto-aplicáveis utilizados teriam validade, ainda que traduzidos, para países orientais (MURAT et al, 2004); (KIZILTAN et al,2006). Introdução 36 Com a finalidade de comparar a prevalência de Transtornos Alimentares, fatores de risco sócio-culturais e imagem corporal em duas populações (mexicana e espanhola) de adolescentes do sexo feminino Toro (2006), através de vários questionários auto-aplicáveis, (dentre eles, o EAT-26) encontrou prevalência de transtornos alimentares similar nas duas populações (cerca de 22%), embora tenha encontrado diferentes ideais de corpos desejados nas duas populações. Concluiu ainda que as espanholas tinham maior insatisfação com o próprio corpo em comparação às as mexicanas, e que estas últimas sofriam de maior pressão familiar para perder peso e realizar dietas sendo também mais submetidas a tratamentos psiquiátricos em relação às mexicanas. Ao avaliar a associação entre Transtornos Alimentares, três variáveis psicológicas (sintomas obsessivos, depressivos e auto-estima) e Índice de Massa Corpórea (IMC), numa amostra de estudantes universitários de ambos os sexos na Turquia, por meio do BITE, EAT, Escala Rosemberg de Auto-Estima e Inventário de Depressão de BECK, verificou-se que 20% das mulheres e 6% dos homens estavam abaixo do peso, enquanto 6% dos homens e cerca de 2% das mulheres apresentavam sobrepeso. Verificou-se ainda, que 6% das mulheres tinham padrão anoréxico no EAT, detectando assim, que mulheres tinham mais comportamentos anoréxicos e bulímicos que homens e que auto-estima não foi associada à presença de alterações no comportamento alimentar. Índice de Massa Corporal e obsessividade foram preditores de comportamentos alimentares anormais (EROL et al, 2006). Introdução 37 NUNES et al., em 1997, realizaram estudo epidemiológico, inédito no Brasil e na América do Sul, sobre a prevalência de comportamentos alimentares anormais e de práticas inadequadas de controle de peso em mulheres de 12 a 29 anos, oriundas da zona urbana de Porto Alegre, RS. Os resultados encontrados apontaram que 11% da amostra apresentavam comportamentos alimentares anormais e 30% das mulheres apresentavam comportamentos alimentares de risco. Ao avaliar sintomas sugestivos de transtornos alimentares em universitários, muitos estudos detectaram um risco para o desenvolvimento destes e até mesmo observou-se crescente prevalência de quadros bulímicos (HERZOG et al., 1991). O impacto do padrão de beleza no comportamento da nossa população revela-se no desejo generalizado, especialmente entre as mulheres, por um corpo mais magro. A discrepância entre o corpo real e o ideal foi avaliada em estudo que mediu a influência da percepção do peso corporal e do índice de massa corporal nos comportamentos alimentares. Os resultados indicam que 46% das mulheres de 12-29 anos queriam pesar menos, mas apenas 32% apresentavam índice de massa corporal de sobrepeso-obesidade. Das 38% que se consideravam gordas, 65% tinham índice de massa corporal dentro da normalidade, o que reforça o ideal preconizado pela cultura. As mulheres que se sentiam gordas apresentaram chance quatro vezes maior de terem comportamentos alimentares anormais (NUNES et al, 2001). Recente estudo, realizado com alunos da Faculdade de Medicina do Ceará, com o objetivo de avaliar comportamentos sugestivos de transtornos alimentares e sua correlação com sintomas depressivos, observou Introdução 38 (através da utilização do BITE e EAT-26) que cerca de 23% das alunas apresentavam padrão alimentar não usual e que cerca de 3,5% tinham padrão alimentar compulsivo, sugestivo de Bulimia Nervosa, além de 5,5% de risco de desenvolver anorexia nervosa (SOUZA et al., 2002). Outro estudo nacional procurou identificar fatores de risco para transtornos alimentares com base no EAT-26 em estudantes de Nutrição comparados com estudantes de outros cursos. Nesta pesquisa não se encontrou risco maior nos estudantes do curso de Nutrição em relação a estudantes de outros cursos (FIATES e SALLES,2001). Luz, em estudo com ingressantes em três cursos de diferentes áreas de saber (Nutrição, Matemática e Educação Física) em uma universidade de Belo Horizonte, avaliados através do BITE e EAT-26, detectou 11% de alteração padrão alimentar segundo o EAT e 4,6% de risco para bulimia nervosa, entretanto não encontrou associação entre presença de sintomas de transtornos alimentares e tipo de curso universitário (LUZ, 2003). Ao avaliar 1807 crianças na faixa etária entre 7 e 19 anos de idade em escolas públicas do interior de Minas Gerais com a utilização do BITE, EAT-26 e Teste de Imagem Corporal, foi encontrado um percentual de 1% compatível com Bulimia Nervosa e 59% dos alunos insatisfeitos com sua imagem corporal, demonstrando uma alta prevalência de possíveis transtornos alimentares na população estudada (VILELA et al, 2004). Vitolo et al (2006) estudaram universitários de uma instituição privada no Rio Grande do Sul, com o intuito de avaliar a prevalência de compulsão alimentar em diferentes áreas (exatas, humanas e saúde). Investigou a associação com o Índice de Massa Corpórea (IMC) não Introdução 39 encontrando diferença na prevalência de compulsão alimentar em áreas da saúde em relação a outras áreas. A prevalência de compulsão alimentar entre universitárias foi de 18%, sendo que foi encontrada uma associação significativa entre IMC e compulsão alimentar no grupo geral. Através da utilização do BITE e EAT-26 em 193 estudantes de Nutrição do sexo feminino do município do Rio de Janeiro, Bosi et al (2006) detectaram 14% de alteração no padrão de resposta do EAT (risco elevado para anorexia) e 5% de sintomas elevados e de gravidade intensa no BITE (bulimia nervosa). Dentre as mulheres que apresentaram EAT-26 positivo, 88,5% encontraram-se na faixa de normalidade do IMC. Justificativa 41 Universitários de cursos relacionados à área de saúde são constantemente citados como mais susceptíveis ao desenvolvimento de transtornos alimentares. Estima-se que a prevalência de bulimia esteja em torno de 20% na população universitária (KESSLER et al., 1992), e que sintomas de compulsão alimentar sejam detectados em até 90 % desta população (STREIGEL- MOORE et al, 1989). Universitários do sexo feminino em particular são mais susceptíveis a adquirirem hábitos alimentares inadequados e desenvolverem transtornos alimentares, principalmente por terem maior incidência de obesidade e dietas (GRUNEWAID,1985) e maior desejo de estarem magras em relação aos homens. (LUNDHOLM e WOLINS,1987). Dado o fato de existirem poucas pesquisas sobre transtornos alimentares no Brasil, e diante da gravidade dessa problemática, considera-se relevante avaliar comportamentos sugestivos de transtornos alimentares em estudantes universitários particularmente do sexo feminino. O foco desse estudo são os comportamentos alimentares anormais encontrados em estudantes universitárias. O interesse por essa área de pesquisa foi conseqüência do atendimento a estudantes da Faculdade de Medicina de Botucatu, durante o qual se verificou que comportamentos alimentares anormais pareceram ser freqüentes e preocupantes, tornando o seu estudo instigante do ponto de vista acadêmico e relevante no que diz respeito às respostas que esta demanda suscita. Objetivos 43 Estimar a prevalência de comportamentos sugestivos de Transtornos Alimentares em estudantes do sexo feminino de graduação dos cursos de Medicina, Enfermagem e Nutrição da Faculdade de Medicina de Botucatu -UNESP. Estudar a associação desses comportamentos com variáveis sócio-demográficas, curso, auto-avaliação do desempenho escolar, índice de massa corporal e auto-imagem corporal. Hipóteses 45 Espera-se que: 1. As prevalências de possíveis transtornos alimentares e padrão anormal de alimentação sejam mais altas em jovens universitárias do que as encontradas em mulheres jovens em estudos populacionais. 2. As prevalências de possíveis transtornos alimentares e padrão anormal de alimentação associem-se: a) à alteração da auto-imagem corporal b) aos valores de IMC normais e abaixo da média Metodologia 47 Foi desenvolvido um estudo de corte transversal, tendo como população alvo estudantes dos cursos de Medicina e Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP (FMB-UNESP) e do curso de Nutrição do Instituto de Biociências da UNESP (IB-UNESP). Participantes da pesquisa: A população alvo desse estudo foram todas as alunas matriculadas no ano de 2005, em todos os anos letivos dos cursos listados acima, presentes na sala no momento da aplicação e que consentiram em participar do estudo. Essa população era composta de 610 alunas: 336 cursavam Medicina, 124, Enfermagem e 150 Nutrição. Procedimentos: A coleta dos dados foi realizada pela própria pesquisadora durante os meses de agosto e setembro de 2005. A localização das alunas foi feita através da relação de alunos matriculados obtida nas respectivas seções de graduação desses cursos. Informações sobre a maior freqüência das alunas em determinadas aulas foram obtidas previamente no intuito de captar o maior número de estudantes. Os questionários auto-aplicáveis foram entregues, em sua maioria, nas salas de aula em que se encontravam as alunas no período da coleta. Exceção a esse procedimento foi feita apenas às alunas que estavam no quinto e sexto ano de Medicina, que preencheram seus Metodologia 48 questionários dentro das enfermarias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP. A pesquisadora agendava previamente com os professores de cada disciplina o melhor horário para aplicação da pesquisa, realizada, em sua maioria, no início das aulas. Os objetivos da pesquisa eram apresentados, informando-se às alunas sobre a garantia de anonimato orientação para tratamento, caso, sentissem necessidade de buscar atendimento ou orientação especializados, após responder o questionário. As alunas que concordavam em participar, assinavam o termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo 1), e permaneciam em sala para responder aos questionários. O número de faltosos era identificado pela pesquisadora por meio das listas de chamadas. Foram consideradas recusas os casos de alunas que não permaneciam em sala para o preenchimento dos questionários. O tempo médio para as explicações e aplicação dos instrumentos foi de 25 minutos. Durante a aplicação, a pesquisadora permanecia na sala para esclarecimento de dúvidas quanto ao preenchimento. No caso das alunas do curso da Medicina que estagiavam no hospital (quinto e sexto ano), os questionários foram coletados dentro das salas de prescrição médica das enfermarias e outros locais de reunião dos alunos, onde a pesquisadora também aguardava o término do preenchimento pessoalmente e permanecia à disposição para esclarecimentos. Metodologia 49 Instrumentos Foi elaborado um questionário (Anexo 2) para investigar características sócio-demográficas: idade, série do curso, situação conjugal, com quem residiam, tipo de residência, escolaridade dos pais, renda familiar; solicitava-se ainda a auto-avaliação de desempenho escolar e informações sobre realização prévia de tratamento psiquiátrico e uso e tempo de uso de psicofármacos. Os agrupamentos realizados para melhor análise dos dados neste questionário, esta elucidado nos anexos (Anexo 3). Eating Attitudes Test (EAT) - Teste de Atitudes Alimentares (EAT – 26) O EAT–26, foi elaborado por Garner e Garfinkel, em 1979, contendo inicialmente 40 itens. Posteriormente, essa primeira versão foi submetida à análise fatorial, que possibilitou sua redução para 26 itens (NUNES et al, 1994). O EAT foi traduzido para o português e validado no Brasil, e tem classificação errônea total de 18,4% (NUNES et al, 1994; NUNES et al, 2002), A confiabilidade teste-reteste do EAT foi avaliada por Magalhães e Mendonça (2005) tendo apresentado Coeficiente Kappa de 0,81 (IC95% 0,59- 1,0). O EAT não permite diagnóstico de transtorno alimentar, mas indica a presença de padrões alimentares anormais (Nunes et al, 1984), em especial comportamentos alimentares restritivos como dieta e jejum. Solicita respostas em escala Likert, onde a opção “sempre” vale 3 pontos, “muito frequentemente”, 2 pontos; “freqüentemente”, 1 ponto; e as demais zero (às Metodologia 50 vezes, raramente e nunca), podendo variar de 0 a 78 pontos. A somatória das 26 questões do teste produz um escore, segundo o qual pessoas com 20 pontos ou mais são classificadas como apresentando “comportamento alimentar sugestivo de anormalidade” e pessoas com menos de 20 pontos são consideradas “sem transtorno alimentar”.(Anexo 4). Bulimic Investigatory Test of Edinburgh (BITE)- Teste de Investigação Bulímica de Edimburgo O BITE foi desenvolvido por Henderson e Freeman em 1987 como um questionário que permite identificar comedores compulsivos e obter dados sobre aspectos cognitivos e comportamentais relacionados a esse transtorno. Trata-se de um instrumento de rápida aplicação (em média 10 minutos), com boa aceitação e pertinência de questões. (HENDERSON e FREEMAN,1987). Traduzido para o português em 1993, por Cordás e Hochgraf (1993), o BITE avalia predominantemente comportamentos bulímicos, como ingestão excessiva de alimentos (binge eating ou orgia alimentar) e métodos purgativos utilizados para compensar episódios exagerados de alimentação tais como provocação de vômitos, realização de jejum e dieta e uso de anorexígenos, laxantes e diuréticos. O instrumento é composto de 33 questões, com duas sub-escalas: de sintomas e de gravidade. A escala de sintomas é composta de 30 questões dirigidas à sintomatologia bulímica, variando de 0 até 30 pontos. A resposta “sim” representa presença do sintoma, enquanto a resposta “não” significa ausência, sendo pontuado respectivamente com um e zero. Nas questões 1, 13, 21, 23 e 31, pontua-se inversamente. Escores Metodologia 51 inferiores a 10 pontos são considerados na faixa de normalidade e escores iguais ou superiores a 10 pontos e inferiores a 20 pontos são considerados como apresentando padrão não usual de alimentação, enquanto escores iguais ou acima de 20 pontos são considerados como indicativos da presença de comportamentos alimentares anormais. A escala de gravidade dos sintomas é avaliada pelos itens 6,7 e 27 e deve ser aplicada quando a pontuação na escala de sintomas é superior a dez, classificando os sujeitos em três grupos: leve (escore inferior a 5), moderada (escores de 5 a 9) e grave (escore de 10 ou mais) (Anexo 5). Para este estudo, serão considerados padrões alimentares não usuais e anormais, segundo apenas, a escala de sintomas do BITE, sendo estes aqui denominados de BITE anormal. Os dados avaliados neste trabalho referem-se à presença de comportamentos que podem ser indicativos ou sugestivos de transtornos alimentares. A probabilidade de que pessoas que obtiveram alta pontuação no instrumento EAT-26, por exemplo, foi avaliada e posteriormente recebiam diagnóstico de transtorno alimentar em 19% (WILLIAMNS, 1987). Alguns estudos utilizam-se dos termos “comportamentos de risco” ou “alimentação desordenada”. Na ausência de um termo em português adequado para definir indivíduos com tais comportamentos, ou seja, indivíduos pré-dispostos ao desenvolvimento de transtornos alimentares, os termos “possível transtorno” (para aqueles que pontuaram acima do ponto de corte do EAT-26) e “padrão alimentar anormal” (para aqueles que obtiveram acima de 10 pontos da escala de sintomas do BITE) foram utilizados como instrumentos empregados neste estudo. (Anexo 5). Metodologia 52 Índice de Massa Corpórea (IMC) e auto-avaliação de imagem corporal: Além de crenças e práticas alimentares, o questionário BITE investiga dados do peso e altura referidos pelas alunas e também investiga sua auto-avaliação de imagem corporal. O padrão de referência de normalidade mais utilizado é o da Organização Mundial de Saúde (OMS,WHO, 1995). O indicador nutricional mais empregado em adolescentes e adultos é o índice de massa corporal (IMC).O IMC é obtido dividindo-se o peso, em quilogramas (kg), pela estatura (em metros) elevada ao quadrado, sendo expresso em kg/m2. Em adultos com 20 ou acima de 20 anos de idade, segundo o valor do IMC, pode-se dividir a condição nutricional em quatro grupos: • Normalidade: IMC>=18,5 e <25,0; • Abaixo do peso ou desnutrição: IMC<18,5; • Sobrepeso: IMC>=25,0 e <30,0; • Obesidade: IMC>=30,0. Para realização desta pesquisa, agrupamos as alunas que tinham sobrepeso e obesidade. Na população estudada, havia 81 alunas com idade inferior a 20 anos de idade, sendo uma aluna com 17 anos, 22 com 18 anos e 58 com 19 anos. Para alunas com menos de 20 anos, foi necessário comparar, segundo sexo e idade, o valor do IMC calculado com as tabelas de referência do National Center for Health Statistics (NCHS), conforme descrito no quadro 1. Nesse grupo, classifica-se como portador de desnutrição o Metodologia 53 indivíduo com IMC abaixo do quinto percentil e como normalidade valores entre o quinto e o quinquagésimo percentil, valores acima do percentil 85 são considerados sobrepeso segundo sexo e idade. Quadro 1 – Valores dos percentis 5 e 50 e 85 do IMC (kg/m2) em meninas menores de 20 anos de idade (NCHS): Idade (anos) P5 P50 P85 17 17,2 20,9 25,6 18 17,6 21,3 26,03 19 17,8 21,6 26,43 Quando se avaliou o IMC de cada uma das 81 alunas com idade inferior a 20 anos de acordo com o percentil, pôde-se constatar que não havia diferença na classificação entre as faixas de valores estipuladas para o IMC para aquelas com idade acima de 20 anos. Assim, todos os dados de IMC puderam ser avaliados em conjunto, pelo parâmetro da OMS (1995) independentemente da idade. Metodologia 54 Análise dos dados Os dados foram digitados em planilha eletrônica e posteriormente transferidos para o programa STATA 8.0 (Stata Corporation, 2003), utilizado na análise dos dados. Primeiramente foi feita uma análise descritiva, o que permitiu verificar a consistência dos dados, fazendo-se a correção da digitação quando necessária. Foram realizadas análises univariadas por meio do Qui quadrado (ou Fisher quando adequado) para se investigarem as associações das diferentes variáveis de exposição com os índices obtidos no EAT-26 e no BITE. As estimativas de razões de prevalência foram calculadas com intervalos de confiança de 95% para presença de possível transtorno (caso segundo o EAT-26) e BITE anormal (padrões anormais e não usuais de alimentação segundo a escala de sintomas do BITE). Para o estudo de associações, utilizou-se ainda o do teste de Goodman, para o qual foram empregadas letras minúsculas e maiúsculas na indicação das significâncias das configurações. Na comparação entre grupos, foram utilizadas letras minúsculas, da seguinte forma: duas proporções seguidas de, pelo menos, uma mesma letra minúscula não diferem (p>0,05) quanto às ocorrências dos grupos na categoria da resposta fixada. Na comparação dentro do grupo, entre categorias de resposta, foram utilizadas letras maiúsculas. Da mesma forma, duas proporções seguidas de, pelo menos, uma mesma letra maiúscula não diferem (p>0,05) quanto às respectivas categorias de resposta dentro do grupo em consideração. O nível de significância estatístico adotado é p<0,05 para rejeição da hipótese nula. Foram ainda calculados média e desvio padrão, quando cabíveis. Considerações Éticas 56 As participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo 1). O projeto desta pesquisa foi previamente apresentado e aprovado pelos três conselhos de cursos de graduação de Medicina, Enfermagem e Nutrição e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu (Anexo 6) de acordo com requisitos da resolução do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde 196/96. As alunas recebiam a garantia de anonimato e eram orientadas a procurar pela própria pesquisadora, em caso de necessitarem de tratamento. Resultados 58 Serão apresentadas as freqüências das características sócio- demográficas e psiquiátricas, os resultados da aplicação dos instrumentos para rastreamento de sintomas de Transtornos Alimentares (EAT-26 e BITE). Posteriormente serão apresentadas a análise univariada, e as razões de prevalência para possível transtorno alimentar (EAT) e padrão anormal de alimentação (BITE), sendo feitas associações entre os resultados dos testes para o estudo dos sintomas alimentares com as características sócio- demográficas, auto-avaliação do desempenho, índice de massa corporal (IMC) e auto-avaliação de imagem corporal. Características dos sujeitos Da população de 610 alunas matriculadas nos cursos de Medicina, Enfermagem e Nutrição do campus de Botucatu (UNESP) em 2005, 468 responderam aos questionários (76,7%), tendo havido uma perda de 142 alunas (23,3%). Foram consideradas perdas: as recusas (alunas que não permaneciam em sala para o preenchimento ou entregavam os questionários em branco) e faltas (alunas ausentes da aula em que o questionário foi aplicado). Foram constatadas entre as perdas 82 faltas (57,7%) e 60 recusas (42,3%). As freqüências de recusas que ocorreram na Medicina, Enfermagem e Nutrição foram, respectivamente 54,3%, 28,6% e 13,8%. A maior porcentagem de recusa, encontrada entre as alunas de Medicina, predominou principalmente nos últimos dois anos da graduação, nos quais as alunas desenvolviam atividades práticas nas enfermarias, ambulatórios e comunidade, tendo poucas Resultados 59 atividades teóricas comuns a grandes grupos. Obteve-se maior número de respostas (82,5%) entre o primeiro e quarto ano dos cursos. Note-se, entretanto, que apenas os cursos de Medicina e Nutrição possuem quinto ano e apenas o curso médico possui o sexto ano de graduação. No quinto ano da Nutrição também houve maior perda em função do grande número de estudantes em estágios fora de Botucatu. Observou-se ainda que o maior número de perdas por faltas ocorreu entre as alunas de Enfermagem (86,2%) em relação a 71.4% de faltas das alunas de Nutrição e 45,7% das alunas de Medicina. Vale aqui informar que o curso de Enfermagem foi o único no qual as alunas de todos os anos encontravam-se exclusivamente em aulas teóricas, dentro de salas de aula (Tabela 1). Tabela 1 - Distribuição de número e porcentagem de questionários respondidos, faltas e recusas em relação ao curso: Medicina Enfermagem Nutrição n % n % n % 1º ano 51 20,9 28 29,5 30 23,3 2º ano 37 15,2 20 21,0 25 19,4 3º ano 49 20,1 25 26,3 25 19,4 4º ano 44 18,0 22 23,2 30 23,3 5º ano 36 14,7 - 19 14,6 6º ano 27 11,1 - - Recusas 50 54,3 04 13,8 06 28,6 Por faltas 42 45,7 25 86,2 15 71,4 Total alunas matriculadas 344 100 124 100 146 100 Resultados 60 Os resultados apresentados referem-se às respostas obtidas das 468 alunas dos cursos de Medicina, Enfermagem e Nutrição, cujas características com relação às variáveis sócio-demográficas podem ser observadas na Tabela 2. Tabela 2 – Distribuição do número e porcentagem das alunas segundo variáveis sócio-demográficas e auto-avaliação desempenho acadêmico por curso (N = 468): Medicina n=244 Enfermagem n=95 Nutrição n=129 N % N % N % p Faixa etária: 0,003 Até 20 anos 65aA 26,6 42bA 44,2 50abA 38,8 Acima de 21 anos 179bB 73,4 53aA 55,8 79abB 61,2 Com quem mora em Botucatu: <0,001 Família1 27aA 11,1 20aA 21,0 18aA 13,9 Amigos 136aC 55,7 64abB 67,4 100bB 77,5 Sozinho 81bB 33,2 11aA 11,6 11aA 8,6 Escolaridade do pai: <0,001 Até fundamental incompleto 9aA 3,7 10aA 10,5 11aA 8,5 Fundamental completo 12aA 4,9 14aA 14,7 12aA 9,3 Médio completo ou superior 223bB 91,4 71aB 74,8 106abB 82,2 Escolaridade da mãe: 0,007 Até fundamental incompleto 7aA 2,9 6aA 6,3 9aA 7,0 Fundamental completo 32aB 13,1 10aA 10,5 21aB 16,3 Médio completo ou mais 205aC 84,0 79aB 83,2 99aC 76,7 Renda per capita: 2 <0,001 Até 2 salários mínimos 18aA 12,3 44cB 52,4 27bA 28,4 2-3 salários mínimos 29aA 19,7 18aA 21,4 21aA 22,1 >3 salários mínimos 100cB 68,0 22aA 26,2 47bB 49,5 Desempenho Escolar <0,001 Ruim, regular ou insuficiente 62bA 25,4 15abA 15,8 8aA 6,2 Bom ou Excelente 182aB 74,6 80abB 84,2 121bB 93,8 Tratamento psiquiátrico 0.064 Sim 45bA 18,4 16abA 16,8 12aA 9,3 Não 199aB 81,6 79abB 83,2 117bB 90,7 Uso de medicação 0.306 Sim 43aA 17,6 14aA 14,7 15aA 11,6 Não 201aB 82,4 81aB 85,3 114aB 88,4 1Inclui pais, companheiros e outros familiares. 2Sem informações : 142 alunas *Teste Goodman Resultados 61 A média de idade das alunas foi 21,6 anos (DP±2,05), 311 alunas (66,4%) tinham mais de 21 anos e 157 (33,6%) tinham até 20 anos de idade. Diferença estatisticamente significativa foi encontrada entre alunas com mais de 21 anos no curso de medicina (73,4%) em comparação com as alunas do curso de enfermagem (55,8%). Trezentas alunas (64,1%) residiam com amigos em Botucatu e 103 (22%) moravam sozinhas na cidade; 65 (13,8%) moravam com pais, companheiro ou algum outro tipo de familiar. Dentre as que moravam com amigos uma diferença estatisticamente significante foi encontrada entre alunas de nutrição (77,5%) em relação às alunas da medicina (55,7%). O percentual de alunas que residiam sozinhas, foi maior entre alunas da medicina (33,2%) comparativamente aos demais cursos. O nível de escolaridade dos pais mais freqüente foi o categorizado como alto, constituído por 400 pais (85,5%) e 383 mães (81,8%) com nível escolar acima ou equivalente ao nível médio completo. Maior freqüência de pais com nível médio completo ou nível superior foi encontrado nas alunas de medicina (91,4%) em relação a alunas da enfermagem (74,8%), com diferença estatisticamente significante. A média da renda per capita das famílias em todos os cursos foi de R$ 1.191,60 (DP±1.011,05), o equivalente a cerca de 3,9 salários mínimos (o valor do salário mínimo vigente no ano de 2005, ocasião da aplicação da pesquisa, era de 300 reais). A maior média de renda per capita foi encontrada entre as alunas de Medicina, valor que atingiu R$ 1538,40, correspondendo a 5,1 salários mínimos. No curso de Nutrição a média de renda per capita foi de R$ 1.028,60, correspondente a 3,4 salários mínimos e de R$ 769,00 reais para o curso de Enfermagem, correspondendo a 2,6 salários mínimos. Observa-se Resultados 62 que não informaram a renda familiar 142 alunas (30,3%). Entre as famílias que recebiam até dois salários-mínimos a freqüência foi maior entre alunas da enfermagem (52,4%) em comparação a alunas da nutrição (28,4%) e da medicina (12,3%), com diferenças estatisticamente significantes. Entre aquelas com renda per capita superior a três salários-mínimos, a porcentagem foi maior entre alunas da medicina (68,0%) em relação a alunas da nutrição (49,5%) e enfermagem (26,2%), sendo evidenciada diferença estatisticamente significante. Quanto à auto-avaliação de desempenho escolar, observou-se que 383 alunas (81,8%) consideraram seu desempenho acadêmico “bom ou excelente” enquanto 85 (18,2%) alunas consideraram seu desempenho “ruim, regular ou insuficiente”. Entre aquelas que se consideraram com desempenho bom/excelente, predominaram as alunas do curso de nutrição (93,6%) em relação às alunas do curso de medicina (74,6%), sendo também encontrada diferença estatisticamente significante (Tabela 2). Do total de alunas pesquisadas, 462 eram solteiras (98,7%) e apenas 6 (1,3%) estavam casadas ou viviam em união estável. A grande maioria das alunas, 395 (84,4%), nunca havia sido submetida a tratamento psiquiátrico, enquanto 73 (15,6%) já haviam feito algum tipo de tratamento psiquiátrico. Dentre as que haviam sido submetidas a algum tipo de tratamento, 72 (98,6%) haviam feito uso de medicação psiquiátrica, e apenas uma aluna destas não havia sido medicada com psicofármacos. Dentre as que se submeteram a algum tipo de tratamento psiquiátrico a maior porcentagem foi observada entre as alunas da medicina Resultados 63 (18,4%) em relação às alunas de nutrição (9,3%), sendo detectada diferença estatisticamente significante. Entre as 73 alunas dos três cursos que referiram já terem sido submetidas a algum tipo de tratamento psiquiátrico ou psicológico (para problemas emocionais) as maiores freqüências de respostas encontradas para o motivo de tratamento foram: depressão ou sintomas depressivos (52%), psicoterapia com seis casos (8,2%) e ansiedade com cinco casos (6,9%). Também foram relatados três casos (4,1%) de depressão e ansiedade e duas alunas (2,8%) não responderam à questão. Outros motivos para tratamento, referidos apenas uma vez foram: Transtorno Bipolar, Transtorno de Pânico, Bulimia com Depressão Associada, Ansiedade com Fobia Social, Anorexia, Estresse e separação de pais, Ataques de Pânico, Transtorno Alimentar com Ansiedade, Anorexia com Depressão Associada, Somatização, Epilepsia, Tratamento Ortomolecular, Linfoma de Hodking, “busca de rumos antes do resultado de vestibulares”, “falta de atenção” e “ajuda para escolha de vocação profissional”, totalizando 19 respostas (26%). Problemas familiares foram respostas apresentadas por duas alunas como motivo para realização de tratamento. Teste de Atitudes Alimentares (EAT-26): Das 468 alunas avaliadas segundo o EAT-26, foram encontradas 93 (19,9%) com possível transtorno alimentar, enquanto que 375 (80,1%) apresentaram padrão alimentar normal segundo esse teste. Resultados 64 Quanto à distribuição de EAT com possível transtorno entre cursos, verificou-se 53 alunas (21,7%) no curso de Medicina, 22 (23,2%) no curso de Enfermagem e 18 (13,9%) no curso de Nutrição. Note-se que a diferença entre as proporções de possível transtorno entre as alunas dos três cursos não foi estatisticamente significativa. (Tabela 3). Em relação à faixa etária (Tabela 3), constatou-se que entre as alunas com até 20 anos de idade, 34 (21,7%) tinham possível transtorno alimentar enquanto que entre aquelas com idade acima de 20 anos, 59 (19%) apresentavam possível transtorno no EAT, uma diferença não significativa estatisticamente (Tabela 3). Entre as alunas que moravam sozinhas, verificou- se maior freqüência de possível transtorno em 32 (31,1%), quando comparadas àquelas que residiam com pais e/ou outros familiares (20%) e as que residiam com amigos (16%), tal diferença foi estatisticamente significativa (p=0,04). Observou-se uma Razão de Prevalência (RP) de 1,9 (1,3-2,9) para as alunas que moram sozinhas quando comparadas àquelas que moram com amigos ou com outros familiares. Ao questionar o nível de escolaridade dos pais, observou-se que entre as alunas cujos pais possuíam nível médio completo ou superior, 81 (20,2%) tinham possível transtorno alimentar. Já em relação às mães no mesmo nível de escolaridade 78 (20,4%) apresentavam padrão de pontuação EAT com possível transtorno alimentar. O nível de escolaridade dos pais não se associou de forma estatisticamente significativa à ocorrência de possível transtorno alimentar. Resultados 65 Ao avaliar à distribuição de renda per-capita, pode-se notar que entre aquelas que concentravam mais de três salários mínimos, 41 alunas (24,3%) obtiveram escore de EAT com possível transtorno, para aquelas com renda inferior a prevalência foi de 16,9% e 14,7% respectivamente nas faixas de renda até dois e de dois a três salários mínimos. Tais diferenças, porém, não foram estatisticamente significativas. Analisando-se a auto-avaliação de desempenho descrita pelas alunas, observou-se que entre as alunas que consideraram sua performance acadêmica “ruim, regular ou insuficiente”, 24 (28,2%) pontuaram para possível transtorno, enquanto que, entre as que se consideraram como alunas “boas ou excelentes”, 69 (18%) tinham possível transtorno alimentar, uma diferença estatisticamente significativa, com uma Razão de Prevalência (RP) de 1,5 (1,0- 2,3) para as alunas que não avaliaram bem seu desempenho escolar. Note-se ainda que foi significativamente maior a prevalência de possível transtorno entre as alunas que já haviam recebido tratamento psiquiátrico, em relação as que não haviam recebido tratamento (39,7% e16,2%, respectivamente), com uma Razão de Prevalência (RP) de 2,4 (1,7-3,5) para as que faziam ou já haviam feito tratamento (Tabela 3). Resultados 66 Tabela 3 - Distribuição de número, porcentagem e razões de prevalência (RP) de alunas segundo variáveis sócio-demográficas e auto-avaliação do desempenho escolar e resultado de EAT (N=468): Total Possível Transtorno RP IC95% p* N N % Curso 0,13 Nutrição 129 18 13,9 1 Medicina 244 53 21,7 1,5 0,9-2,5 Enfermagem 95 22 23,2 1,6 0,9-2,9 Idade 0,49 Até 20 anos 157 34 21,7 1 21 ou mais 311 59 19,0 0,9 0,6-1,3 Com quem residem 0,004 Amigos 300 48 16,0 1 Pais ou outros familiares 65 13 20,0 1,2 0,7-2,2 Sozinha 103 32 31,1 1,9 1,3-2,9 Escolaridade do pai 0,80 Até fundamental incompleto 30 6 20,0 1 Fundamental completo 38 6 15,8 0,8 0,3-2,2 Médio completo ou mais 400 81 20,2 1,1 0,5-2,1 Escolaridade da mãe 0,67 Até fundamental incompleto 22 5 22,7 1 Fundamental completo 63 10 15,9 0,7 0,3-1,8 Médio completo ou mais 383 78 20,4 0,9 0,4-2,0 Renda per capita1 0,16 Até 2 salários mínimos 89 15 16,9 1 2-3 salários mínimos 68 10 14,7 0,9 0,4-1,8 >3 salários mínimos 169 41 24,3 1,4 0,8-2,4 Auto-avaliação do desempenho escolar 0,03 Bom ou Excelente 383 69 18,0 1 Ruim, regular ou Insuficiente 85 24 28,2 1,5 1,0-2,3 Tratamento Psiquiátrico <0,001 Não 395 64 16,2 1 Sim 73 29 39,7 2,4 1,7-3,5 1Sem informações 142 alunas. * Teste Qui-quadrado Resultados 67 Teste de Investigação Bulímica de Edimburgh (BITE): Identificaram-se pelo Teste de Investigação Bulímica de Edimburgh (BITE) 38 estudantes (8,1%) com comportamento alimentar anormal, e 146 (31,2%) com padrão alimentar não usual. Estas duas categorias no BITE indicam maior risco para desenvolvimento de transtorno alimentar, razão pela qual, para o estudo de associações, as categorias “Não usual” e “Anormal” foram agrupadas, sendo descritas como comportamento alimentar de risco, indicado por “BITE Anormal” (39,3% da amostra ou 184 alunas). A categoria Normal pelo BITE indica ausência de risco para sintomas alimentares de acordo com o padrão alimentar. Quanto à distribuição de acordo com o curso, observou-se que no curso de Enfermagem obteve-se 46 casos (48,4%) de alunas com BITE anormal, enquanto no curso de Nutrição houve 48 casos (37,2%) e no curso de Medicina 90 casos (36,9%) com BITE anormal, sem diferença estatisticamente significante. (Tabela 4) Entre as alunas com até 20 anos de idade, 61 (38,9%) tinham BITE anormal, enquanto que entre as alunas com mais de 21 anos de idade 123 (39,3%) apresentavam BITE anormal. Das alunas que residiam com seus pais ou outros familiares 25 (38,5%) tinham BITE anormal, enquanto que 120 alunas (40%) entre as que moravam com amigos e 39 (37,9%) das que moravam sozinhas tinham BITE anormal. Observou-se que 156 alunas (39%) cujos pais tinham escolaridade acima do nível médio tinham BITE anormal, Resultados 68 enquanto 154 alunas (40,2%) com mães com este mesmo nível de escolaridade tinham BITE anormal. Quanto à renda per-capita, pôde-se observar que entre as alunas que tinham até dois salários mínimos como renda, 35 (39,3%) possuíam BITE anormal e entre aquelas na faixa entre dois a três salários mínimos de renda, 21 (30,9%) tinham BITE anormal. A prevalência mais elevada de BITE anormal foi encontrada entre as alunas que estavam na faixa de renda per- capita alta (acima de 3 salários mínimos) sendo encontradas 68 alunas com BITE anormal (40,2%) entre as que recebiam acima de três salários-mínimos de renda. Como se pode observar, não se encontrou associações estatisticamente significativas entre BITE anormal e faixa etária, com quem reside, escolaridade de pais ou renda per-capita. Resultados 69 Tabela 4 - Distribuição de número e porcentagem de alunas segundo variáveis sócio-demográficas e auto-avaliação do desempenho escolar e resultado do BITE (N=468): Total BITE Anormal RP IC95% p* N N % Curso 0,13 Nutrição 129 48 37,2 1 Medicina 244 90 36,9 1,0 0,7-1,3 Enfermagem 95 46 48,4 1,3 0,9-1,8 Idade 0,88 Até 20 anos 157 61 38,9 1 21 ou mais 311 123 39,5 1,0 0,8-1,3 Com quem residem 0,92 Amigos 300 120 40,0 1 Pais ou outros familiares 65 25 38,5 1,0 0,7-1,3 Sozinha 103 39 37,9 0,9 0,7-1,2 Escolaridade do pai 0,93 Até fundamental incompleto 30 12 40,0 1 Fundamental completo 38 16 42,1 1,0 0,6-1,9 Médio completo ou mais 400 156 39,0 1,0 0,6-1,5 Escolaridade da mãe 0,26 Até fundamental incompleto 22 5 22,7 1 Fundamental completo 63 25 39,7 1,7 0,8-4,0 Médio completo ou mais 383 154 40,2 1,8 0,8-3,8 Renda per capita1 0,39 Até 2 salários mínimos 89 35 39,3 1 2-3 salários mínimos 68 21 30,9 0,8 0,5-1,2 >3 salários mínimos 169 68 40,2 1,0 0,7-1,4 Auto-avaliação do desempenho escolar 0,004 Bom ou Excelente 383 139 36,3 1 Ruim, regular ou Insuficiente 85 45 52,9 1,4 1,1-1,8 Tratamento Psiquiátrico 0,03 Não 395 147 37,2 1 Sim 73 37 50,7 1,4 1,0-1,8 1Sem informações 142 alunas. * Teste Qui-quadrado Resultados 70 Em relação à auto-avaliação de desempenho acadêmico, 45 alunas (52,9%) das que se julgavam com “desempenho ruim, regular ou insuficiente” tinham BITE anormal. Já entre as alunas que se auto-avaliaram como tendo “bom ou excelente” desempenho acadêmico, 139 (36,3%) tinham BITE anormal. Ou seja, pior desempenho acadêmico associou-se significativamente ao BITE anormal, apresentando uma Razão de Prevalência (RP) de 1,4 (IC=1,1-1,8) maior que aquelas alunas com auto-avaliação de melhor desempenho. Quanto à realização de tratamento psiquiátrico prévio, 37 (50,7%) das alunas que já haviam sido submetidas a tratamento foram categorizadas como tendo BITE anormal, enquanto 147 (37,2%) das que nunca haviam sido submetidas a algum tipo de tratamento psiquiátrico apresentaram BITE anormal, uma diferença estatisticamente significativa, apresentando as primeiras uma Razão de Prevalência (RP) de 1,4 (IC=1,0-1,8) maior que aquelas que não realizaram tratamento psiquiátrico prévio. Portanto, na análise univariada, apenas desempenho escolar e realização de tratamento associaram-se a BITE alterado (Tabela 4). Índice de massa corporal (IMC): Utilizando-se de dados de peso e altura referidos no questionário BITE, o Índice de Massa Corporal (IMC) pôde ser calculado, observando-se que, do total de alunas pesquisadas, 51 (10,9%) apresentavam faixa de IMC abaixo do peso, 373 (79,7%) estavam com peso considerado normal e 44 alunas (9,4%) estavam acima do peso ou com sobrepeso. Quanto à distribuição do IMC entre os cursos, observou-se que 21 alunas (8,6%) do curso de Medicina encontravam-se com IMC baixo e 205 Resultados 71 (84,0%) tinham faixa de IMC normal enquanto apenas 18 (7,4%) apresentavam IMC elevado. No curso de Enfermagem 14 alunas (14,7%) apresentavam IMC baixo, 63 alunas (66,3%) apresentaram IMC normal, enquanto 18 (19%) tinham IMC considerado elevado, sendo este o curso com maior número de alunas com IMC acima do normal, sendo encontrada aqui diferença estatisticamente significativa. No curso de Nutrição, 16 alunas (12,4%) apresentavam IMC baixo, 105 alunas (81,4%) apresentaram IMC normal enquanto apenas 8 (6,2%) apresentavam IMC considerado elevado ou indicativo de obesidade, sendo este o curso com menor porcentagem de alunas com IMC elevado. (Tabela 5) Em relação à faixa etária, entre as alunas com até 20 anos de idade, apenas 13 (8,3%) encontravam-se acima do peso, enquanto que 21 alunas (13,4%) estavam com IMC baixo. Proporções semelhantes foram encontradas entre as alunas com 21 anos de idade ou mais (que representa 66,4% da população) sendo encontradas 30 alunas com IMC baixo (9,6%) e 31 alunas consideradas como sobrepeso ou obesidade (10%), não sendo aqui encontrada diferença estatística. A relação entre com quem residiam as alunas e o nível de escolaridade de pais e mães com IMC também não apresentou diferença estatística significativa. Quanto à renda per capita,15 alunas (16,8%) com IMC baixo recebiam até 2 salários mínimos , enquanto 12 alunas (13,5%) com esta mesma renda apresentavam IMC acima do esperado, também sem diferença estatisticamente significativa. A auto-avaliação de desempenho escolar e a realização prévia de tratamento psiquiátrico também não obtiveram relação estatisticamente significativa com o IMC (Tabela 5). Resultados 72 Tabela 5 - Distribuição de número e porcentagem de alunas segundo variáveis sócio-demográficas e auto-avaliação do desempenho escolar e IMC (N=468). Total Abaixo n=51 (10,9%) Normal n=373 (79,7%) Acima n=44 (9,4%) p N N % N % N % Curso 0,002 Medicina 244 21aA 8,6 205bB 84,0 18aA 7,4 Enfermagem 129 14aA 14,7 63aB 66,3 18bA 19,0 Nutrição 95 16aA 12,4 105bB 81,4 8aA 6,2 Idade 0,42 Até 20 anos 157 21 13,4 123 78,3 13 8,3 21 ou mais 311 30 9,6 250 80,4 31 10,0 Com quem residem 0,27 Amigos 300 3 4,6 54 83,1 8 12,3 Pais ou outros familiares 65 38 12,7 234 78,0 28 9,3 Sozinha 103 10 9,7 85 82,5 8 7,8 Escolaridade dos pais 0,29 Até fundamental incompleto 30 3 10,0 23 76,7 4 13,3 Fundamental completo 38 3 7,9 29 76,3 6 15,8 Médio completo ou mais 400 19 15,3 92 74,2 13 10,5 Escolaridade das mães 0,96 Até fundamental incompleto 22 3 13,6 17 77,3 2 9,1 Fundamental completo 63 9 14,3 48 76,2 6 9,5 Médio completo ou mais 383 14 10,4 107 79,2 14 10,4 Renda per capita1 0,18 Até 2 salários mínimos 89 15 16,8 62 69,7 12 13,5 2-3 salários mínimos 68 9 13,2 53 78,0 6 8,8 >3 salários mínimos 169 13 7,7 136 80,5 20 11,8 Auto-avaliação do desempenho escolar 0,46 Bom ou Excelente 383 42 11,0 308 80,4 33 8,6 Ruim, regular ou Insuficiente 85 9 10,6 65 76,5 11 12,9 Tratamento Psiquiátrico 0,64 Não 395 43 10,9 317 80,2 35 8,9 Sim 73 8 11,0 56 76,7 9 12,3 1Sem informações 142 alunas. * Teste Qui-quadrado Resultados 73 Ao avaliar a associação entre o IMC e o teste EAT (tabela 6), observou-se que entre as alunas que apresentavam IMC acima do peso, 18 (19,3%) apresentava possível transtorno alimentar, enquanto que entre aquelas com IMC dentro da normalidade, 66 (70,0%) apresentava possível transtorno. A porcentagem de possível transtorno entre as alunas com IMC normal foi maior, sendo aqui encontrada diferença estatística significativa. Tabela 6 - Distribuição das alunas, segundo IMC e resultados de EAT e BITE (N=468): EAT BITE Sem Transtorno Possível Transtorno Normal Anormal IMC N % N % p N % N % p Abaixo do Peso 42 11,2 9 9,7 40 14,0 11 6,0 <0,001 Peso Normal 307 89,1 66 70,0 233 82,0 140 76,0 Acima do Peso 26 6,9 18 19,3 0,001 11 4,0 33 18,0 Ao associar o IMC com o BITE, encontrou-se uma freqüência de 140 alunas (76%) na faixa de peso normal com BITE anormal, enquanto 33 alunas (18,0%) das que estavam com IMC acima e 11 (6,0%) das que estavam com IMC considerado baixo tinham BITE anormal, sendo aqui também detectada uma diferença estatisticamente significativa (p < 0,001). O IMC mais elevado portanto, não se associou de maneira estatisticamente significativa para os dois instrumentos avaliados nesta pesquisa (Tabela 6). Resultados 74 Auto-imagem corporal Quanto à auto-imagem referida pelas alunas, observa-se que apenas 56 (12%) se auto-avaliaram como estando abaixo ou muito abaixo do peso, enquanto que a maior parte, 279 alunas (59,6%) julgava-se com peso médio e 133 (28,4%) julgava-se como gorda ou muito gorda. (Tabela 7). Apesar da prevalência da auto-imagem de gorda das alunas ter sido de 28,4%, encontrou-se apenas 9,4% de alunas com IMC para sobrepeso ou obesidade. (Tabela 5). Enquanto a prevalência de alunas que se consideravam com peso normal era de 59,6% (Tabela 7), a prevalência de IMC dentro da normalidade foi de 79,7% (Tabela 5). Tabela 7 - Distribuição das alunas, segundo auto-avaliação de imagem corporal IMC, EAT e BITE (N=468): Auto-imagem Abaixo ou muito abaixo do peso Médio Gorda ou muito gorda IMC N % N % N % Abaixo peso 29 bC 56,9 18 bB 35,3 4 aA 7,8 Peso Normal 25 aA 6,7 252 cC 67,6 96 bB 25,7 Acima peso 2 aA 4,5 9 aA 20,5 33 cC 75,0 EAT Sem transtorno 51 bA 13,6 252 bB 67,2 72aA 19,2 Possível transtorno 5 aA 5,4 27 aB 29,0 61bC 65,6 BITE Normal 46 bA 16,2 201 bB 70,8 37aA 13,0 Anormal 10 aA 5,4 78 aB 42,4 96 bB 52,2 Total 56 12,0 279 59,6 133 28,4 p<0,001 Resultados 75 Dentre as alunas que se consideraram gordas, quatro (7,8%) estavam abaixo do peso, 96 (25,7%) apresentaram o IMC normal e 33 (75%) estavam realmente acima do peso, diferenças estatisticamente significativas. Entre aquelas que se avaliaram como gordas, 65,6% apresentaram possível transtorno alimentar, também tendo sido encontrada uma diferença estatisticamente significante. Também foi encontrada associação estatisticamente significativa entre as alunas que se enxergavam como gordas, as quais 96 (52,2%) tinham BITE anormal, enquanto aquelas que se enxergaram com peso médio (42,4%) e abaixo do peso (5,4%) apresentavam alteração neste instrumento (Tabela 7). As tabelas 8 e 9 descrevem os modelos finais obtidos na regressão logística para os desfechos obtidos pelo EAT e BITE, respectivamente. No modelo de regressão construído para “ser ou não portador de possível transtorno alimentar” pelo EAT, foram incluídas as seguintes variáveis: curso, com quem residem, renda per-capita, auto-avaliação de desempenho e tratamento psiquiátrico (que apresentaram p≤ 0,25, na análise univariada). No modelo construído para “presença ou não de padrão alimentar anormal” obtido com o BITE foram incluídas as variáveis: curso, auto-avaliação de desempenho escolar e tratamento psiquiátrico (que apresentaram p≤ 0,25, na análise univariada). No modelo final, para o EAT as variáveis que se mantiveram foram morar sozinho e ter auto-imagem corporal alterada. Assim a OR ajustada para morar sozinho foi 2,5 (IC=1,3-4,9) e para possuir a imagem corporal alterada 4,4 (IC=2,3-8,3) (Tabela 8). Já no modelo final para o BITE curso, auto-avaliação do desempenho e imagem corporal alterada mantiveram- se no modelo, com OR=1,8 (IC 1,0-3,5) para estar no curso de enfermagem, OR=2,2 (IC=1,1-4,3) para auto-avaliação ruim e OR=4,3 (IC=2,3-8,3) para imagem corporal alterada (Tabela 9). Resultados 76 Tabela 8 - Regressão logística para EAT*, segundo curso, auto-avaliação de desempenho, morar sozinha e imagem corporal alterada***: RP IC95% OR bruta IC95% OR ajustada IC95% p** Curso Nutrição 1 0,06 Medicina 1,5 0,9-2,5 1,7 0,9-3,1 1,6 0,7-3,4 Enfermagem 1,6 0,9-2,9 1,8 0,9-3,7 2,7 1,1-6,6 Auto-avaliação do Desempenho Boa 1 0,14 Ruim 1,6 1,0-2,3 1,8 11,0-3,1 1,7 0,8-3,5 Mora sozinho Não 1 0,009 Sim 1,8 1,3-5,1 2,2 1,4-3,7 2,5 1,3-4,9 Imagem Corporal Alterada*** Não 1 <0,0001 Sim 3,6 2,6-5,1 5,8 3,5-9,6 4,4 2,3-8,3 * Ajustada para renda **Likelihood test ***Estudantes com IMC normal ou abaixo do normal com auto-imagem de “gorda” Tabela 9 - Regressão logística para BITE *, segundo curso, auto-avaliação de desempenho e imagem corporal alterada***: RP IC95% OR bruta IC95% OR ajustada IC95% p** Curso Nutrição 1 0,05 Medicina 1,0 0,7-1,3 1,0 0,6-1,5 0,8 0,4-1,5 Enfermagem 1,3 0,9-1,8 1,6 0,9-2,7 1,8 1,0-3,5 Auto-avaliação do Desempenho Boa 1 1 0,01 Ruim 1,4 1,1-1,8 2,0 1,2-3,2 2,2 1,1-4,3 Imagem Corporal Alterada Não 1 1 <0,001 Sim 0,5 1,8-2,7 4,9 3,0-7,9 4,3 2,3-8,0 * Ajustada para renda **Likelihood test *** Estudantes com IMC normal ou abaixo do normal com auto-imagem de “gorda” Discussão 78 Obteve-se boa adesão das estudantes dos três cursos em participarem da pesquisa. Questionários auto-aplicáveis são fáceis de administrar, além de eficientes e econômicos para avaliação de grande número de indivíduos (FREITAS et al, 2002). Este fato, aliado às explicações prévias da pesquisadora e ao curto tempo dispendido para o preenchimento dos questionários, provavelmente facilitaram a adesão de 76,7% das alunas. Dentre as perdas, os maiores índices por faltas ocorreram no curso de Enfermagem. As participantes dessa pesquisa apresentaram características sócio-demográficas que diferiram entre os três cursos. As alunas do curso de Medicina eram mais velhas (73,4% acima de 21 anos de idade) em relação às alunas dos cursos de Nutrição e Enfermagem. Provavelmente pelo fato desse curso ter um vestibular mais concorrido e da necessidade de cursinho pré- vestibular, o que pode acarretar um atraso no ingresso na universidade, além de haverem alunas no sexto ano, certamente mais velhas. Apesar de nos três cursos prevalecer moradia com amigos, notou-se que entre alunas da Medicina havia mais estudantes que residiam sozinhas (33,2%), comparativamente aos demais cursos. Moradia em república foi encontrada em 44,4% e morar sozinho em 7,3% da população de universitários em estudo conduzido em 1998 com universitários de 15 Câmpus da UNESP (KERR-CORRÊA et al, 1998), o que não se confirmou no presente estudo, no qual observou-se que também entre as alunas de Enfermagem e Nutrição houve maior proporção das que residiam sozinhas. É possível que esta diferença tenha ocorrido pelo fato de que no estudo de Kerr-Corrêa et al (1998) houve avaliação de estudantes Discussão 79 de ambos os sexos, sendo provável então que maior número de estudantes do sexo masculino residissem em repúblicas. O nível de escolaridade dos pais considerado mais alto, nível de ensino médio completo ou superior, foi encontrado nas alunas da Medicina (91,4%) e Nutrição (82,2%), ocorrendo no curso de Enfermagem o menor número de pais com escolaridade alta (74,8%). O nível de escolaridade dos pais das alunas do curso de Nutrição desta pesquisa foi semelhante ao estudo publicado em 2006 por Bozi et al com a finalidade de detectar autopercepção da imagem entre universitárias, o qual detectou 51,3% de pais com nível superior completo. Confirmou-se, um alto nível de escolaridade tanto de pais, quanto de mães das alunas, dado semelhante ao obtido por Kerr-Corrêa et al em 1998, que detectou 63,3% dos pais com escolaridade acima do nível médio de ensino da população geral. A renda per capita das famílias dos alunos do curso de Medicina foi mais alta em relação aos alunos de Nutrição, sendo o curso de Enfermagem com menor porcentagem de alunos com renda per capita superior a três salários-mínimos. A renda per capita mais alta entre as alunas de Medicina poderia contribuir para explicar a maior proporção destas que residiam sozinhas, em condições possivelmente mais favoráveis de moradia. No curso de Enfermagem, foi marcante a porcentagem de alunas com renda per capita inferior a dois salários mínimos em relação aos demais cursos (p<0,001). Em estudo de qualidade de vida com alunas de enfermagem de faculdade privada, detectou-se renda familiar de 6 a 10 salários-mínimos em 43,9% da população avaliada, sendo detectado, de maneira geral, condição Discussão 80 sócio-econômica favorável para estas alunas, não sendo especificado neste estudo dados de renda per capita para comparação. (KAWAKAME & MIYADAHIRA, 2005). Estudantes de carreiras de mais difícil acesso ao vestibular, em geral da área de Ciências Biológicas, provêm de classes sócio- econômicas mais altas (KERR-CORRÊA et al, 1998). A maioria das alunas dos três cursos avaliou seu desempenho acadêmico como bom ou excelente (mais de 80% das alunas), no entanto, entre as alunas do curso de Medicina a proporção daquelas que consideravam seu desempenho como sendo ruim, regular ou insuficiente foi maior. Neste estudo a auto-avaliação de desempenho foi melhor nos três cursos avaliados que entre universitários entrevistados em 15 Câmpus da Unesp em 1998, no qual 61% consideravam seu desempenho como sendo bom/excelente (KERR- CORRÊA et al, 1998). Possivelmente, isto ocorreu pela maior diversidade de cursos avaliados no estudo de 1998, incluindo diferentes áreas, com diferentes níveis de exigência de desempenho. A auto-avaliação positiva de desempenho se deu primeiramente entre alunas de Nutrição (93,8%) seguida do curso de Enfermagem (84,2%). Apesar de inferior em relação a esses dois últimos cursos, encontrou-se a prevalência de 74,6 % de alunas do curso de Medicina com auto-avaliação de desempenho considerada boa. Estudo publicado em 2006 (LIMA et al, 2006), com o objetivo de avaliar a presença de fatores de risco para transtorno mental comum entre estudantes de todos os anos letivos do curso de Medicina na mesma instituição, encontrou freqüência menor de auto-avaliação positiva (58,9%). Apesar daquele trabalho também ter sido Discussão 81 realizado por meio de questionários auto-aplicáveis em sala de aula, avaliou estudantes de ambos os sexos, o que poderia explicar a diferença aqui encontrada. Associação de transtorno mental comum com morar sozinho e auto-avaliação escolar negativa também foi detectada por LIMA et al (2006). Dentre as alunas que referiram tratamento psiquiátrico, porcentagem ligeiramente mais alta foi observada entre as alunas da Medicina (18,4%) em relação às alunas de Enfermagem (16,8%) e Nutrição (9,3%), embora não sendo essa diferença significativa estatisticamente, essa porcentagem poderia explicar a pior auto-avaliação de desempenho escolar entre as alunas do curso de Medicina, já que transtornos mentais e alterações emocionais implicam não apenas em pior rendimento escolar, como também associam-se com baixa auto-estima, o que poderia implicar numa auto- avaliação mais negativa. Ressalta-se que entre as causas citadas para a realização desses tratamentos pelas alunas, depressão ou sintomas depressivos foram referidos por mais da metade delas (52%). Ao avaliar comportamentos alimentares em universitárias, principal objetivo desse estudo, encontrou-se prevalência de 19,9% de possível transtorno alimentar (EAT), sem diferença estatisticamente significativa na análise univariada, entre os três cursos avaliados. Verificou-se ainda que 39,3% das alunas tinham BITE anormal (8,1% apresentando padrão anormal que foram somados aos 31,2% das alunas que apresentaram padrão não usual de alimentação), o que também não apresentou diferença estatisticamente significativa entre os cursos pesquisados. Discussão 82 Dentre as variáveis sócio-demográficas avaliadas, na análise univariada, apenas morar sozinha, desempenho escolar e realização de tratamento psiquiátrico foram associadas a alterações de comportamentos alimentares. Comparando-se os resultados aqui obtidos com os da literatura, constatou-se que NUNES et al (2001) pesquisando mulheres de 12 a19 anos da zona urbana de Porto Alegre, indicaram que 16,6% delas apresentaram comportamentos de risco para anorexia, segundo o EAT-26 e 30,4% pontuaram para comportamentos alimentares não usuais e 3,3% de comportamentos considerados anormais no BITE. No presente trabalho, obtiveram-se prevalências mais altas, segundo os dois instrumentos, porém, há que se considerar que o estudo de Porto Alegre avaliou uma população mais jovem e com nível médio de escolaridade de 9,6 anos, portanto com características diferentes das estudantes aqui analisadas. Outras pesquisas apontam que, entre universitárias, a prevalência de comportamentos alimentares anormais, bem como o maior risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares são maiores entre universitários de cursos relacionados à área da saúde, como Nutrição, Medicina e Educação Física (REINSTEIN, 1992; CHUN et al, 1992; FREDENBERG et al, 1996; FIATES & SALLES, 2001; SOUZA et al, 2002). No entanto, Luz (2003) ao avaliar universitários de ambos os sexos de cursos de Nutrição, Matemática e Educação Física detectou nas mulheres prevalências bem inferiores de 11,9% e 4,6% de comportamento alimentar de risco, segundo o EAT-26 e BITE respectivamente e não encontrou Discussão 83 diferença estatística significativa entre estes três cursos. Ressalta-se porém, que tal estudo não considerou a pontuação de padrão não usual na escala de sintomas do BITE, valendo-se apenas da escala de padrão anormal de sintomas e ainda incluiu a população masculina, o que pode explicar discrepâncias em relação aos dados aqui relatados. Souza et al (2002) ao observarem estudantes de Medicina no estado do Ceará, encontraram 23,1% de padrão alimentar não usual, 3,5% de comportamento alimentar anormal segundo o BITE e 5,5% de pontuação positiva no EAT-26 ou possível transtorno, classificação semelhante àquela aqui utilizada. No presente estudo, tanto as prevalências obtidas pela avaliação do EAT (21,7%) quanto pelo BITE (36,9%) para as alunas de Medicina foram