PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ÁREA DE BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR Estudo da dinâmica conformacional das enzimas Chiquimato Quinase e 5-enolpiruvilchiquimato-3-Fosfato Sintase (EPSPS) de Mycobacterium tuberculosis através do monitoramento da troca isotópica hidrogênio/deutério por espectrometria de massas ESI Tese apresentada ao Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de doutor em Ciências Biológicas (Área de Concentração: Biologia Celular e Molecular). Rio Claro Estado de São Paulo - Brasil Fevereiro - 2007 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp MAURÍCIO RIBEIRO MARQUES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ÁREA DE BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR Estudo da dinâmica conformacional das enzimas Chiquimato Quinase e 5-enolpiruvilchiquimato-3-Fosfato Sintase (EPSPS) de Mycobacterium tuberculosis através do monitoramento da troca isotópica hidrogênio/deutério por espectrometria de massas ESI Tese apresentada ao Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de doutor em Ciências Biológicas (Área de Concentração: Biologia Celular e Molecular). UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp Orientador: Prof. Dr. MARIO SERGIO PALMA MAURÍCIO RIBEIRO MARQUES Rio Claro Estado de São Paulo - Brasil Fevereiro - 2007 Agradecimentos A Deus, por me dar força e coragem para ultrapassar todos os obstáculos e, assim, conseguir realizar meu sonho. A minha mãe Elizabeth pelo caráter e pelos exemplos de coragem, de força, de humildade, de perseverança e, principalmente, amor. Ao meu irmão Marcelo, ao meu sobrinho Gustavo e à minhas duas irmãs Eva Maria e Mariana A minha esposa Keity, por todo apoio, ajuda, companheirismo, respeito e amor À toda a minha família e aos meus grandes amigos, pelo incentivo para que eu seguisse por este caminho e pela torcida para a realização de meus projetos i Um homem... Que sempre me apoiou em todos os momentos da minha vida... Que sempre meu deu os maiores exemplos de caráter, humildade, bondade, perseverança, honra, sabedoria, amor, enfim... Que sempre me mostrou os melhores caminhos... Que sempre, tenho certeza, está e estará ao meu lado... A você pai, dedico esse trabalho. Muito obrigado por todo o deu apoio, por toda a sua força, por toda a sua amizade, por todo seu amor, por todo seu esforço para que esse meu objetivo pudesse ser alcançado. No momento em que escrevo esse texto, as lágrimas vêm a tona, não de tristeza, mas de alegria, por saber que consegui cumprir com esse objetivo e assim honrar toda a sua dedicação. Hoje, não ter você fisicamente presente é muito difícil, mas tenho certeza que você sempre está e estará comigo, me auxiliando, me guinado, enfim... Por tudo pai, eu lhe agradeço. É difícil expressar todo esse agradecimento em palavras, mas acredito que uma pequena expressão pode resumir tudo... Eu te amo, Maurício Ribeiro Marques Ao meu pai Braz Marques Roque, in memorian ii A Deus por ter possibilitado a realização deste trabalho. Ao Professor Dr. Mario Sergio Palma pela oportunidade que me foi concedida, por sua valiosa orientação, dedicação, pelos conhecimentos transmitidos durante a realização deste trabalho, pelo empenho, esforço para que este trabalho pudesse ser realizado e pela sua amizade. Aos meus pais Braz e Elizabeth, pelo apoio, incentivo, por estimularem meu trabalho e entenderem minha ausência em vários momentos. Este trabalho é dedicado também à vocês. Ao meu irmão Marcelo, à minha cunhada Rose, ao meu sobrinho Gustavo Henrique e às minhas irmãs Eva Maria e Mariana, pelo companheirismo, apoio e por toda felicidade que me proporcionam. À minha esposa Keity, pelos momentos de felicidade, pela ajuda, pelo carinho, amor e apoio em todos os momentos. À minha nova família, Michel, Edna, Kelly e Ricardo, pela alegria. À amiga Maria Anita Mendes, pelo auxílio no aprendizado em técnicas de espectrometria de massas. Aos professores Dr. Diógenes Santiago dos Santos e Luiz Augusto Basso, da PUC-RS, pelo fornecimento do material biológico utilizado nesse trabalho. Ao prof. Dr. Walter Filgueira de Azevedo Junior, por me dar a oportunidade de aprendizado em técnicas de modelagem molecular. Aos estudantes e amigos Henrique Pereira, Nelson, Helen, Marcio e Julio, do laboratório de sistemas biomoleculares da Unesp de São José do Rio Preto, pela ajuda no tratamento dos resultados apresentados nesse trabalho. iii Aos professores João Ruggiero Neto e Marcelo Andrés Fossy, do departamento de física da unesp de São José do Rio Preto, pelas análises de dicroísmo circular. Aos meus amigos de laboratório Lílian, Lucilene, Bibiana, Fernada, Alessandra, Nicoli, Daniel, Paulo, Virgínia, Beto, Nathália, Taty, Luiz, Meire e Roberta, pelo apoio, colaboração e companheirismo em todos os momentos. Aos professores do curso de graduação em Biologia e pós graduação em Biologia Celular e Molecular, pelos ensinamentos. Ao Senhor Relator deste projeto junto à FAPESP, pelas sugestões e críticas para que este trabalho crescesse e amadurecesse. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo apoio financeiro, sem o qual este trabalho não poderia ser realizado. E a todas as pessoas que direta ou indiretamente estiveram relacionadas para que este trabalho pudesse ser concretizado. Muito obrigado iv ÍNDICE 1. RESUMO................................................................................................................................ 1 2. ABSTRACT........................................................................................................................... 3 3. INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 5 4. REVISÃO DA LITERATURA.............................................................................................. 9 4.1. Técnica de troca isotópica Hidrogênio / Deutério acoplada à espectrometria de massas electrospray.................................................................................................................... 9 4.2. A tuberculose como alvo importante para o estudo de novas drogas antimicrobianas........................................................................................................................... 17 5. OBJETIVOS........................................................................................................................... 25 6. MATERIAIS E MÉTODOS.................................................................................................. 27 6.1. Materiais........................................................................................................................ 27 6.1.1. Espectrometria de massas ESI............................................................................. 27 6.1.2. Cromatografia líquida de alta performance (HPLC)........................................... 28 6.1.3. Outros equipamentos........................................................................................... 28 6.1.4. Drogas e reagentes............................................................................................... 28 6.2. Métodos......................................................................................................................... 29 6.2.1. Obtenção da enzima EPSPS de Mycobacterium tuberculosis............................. 29 6.2.2. Obtenção da enzima Chiquimato Quinase de Mycobacterium tuberculosis....... 31 6.2.3. Troca isotópica Hidrogênio / Deutério (H/D)...................................................... 34 6.2.4. Análise da proteína intacta: avaliação da extensão total das trocas H/D............ 34 6.2.5. Análise dos peptídeos gerados pela digestão pépsica.......................................... 35 6.2.6. Dicroísmo circular............................................................................................... 36 6.2.7. Cálculo da Área Acessível ao Solvente e do número de Pontes de Hidrogênio.. 38 7. RESULTADOS E DISCUSSÃO...................................................................................... 38 7.1. Enzima 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase (EPSPS) na presença de glifosato. 38 7.1.1. Troca Hidrogênio / Deutério (H/D) e alterações conformacionais...................... 42 7.1.1.1. Troca H/D na enzima Mt EPSPS intacta.................................................. 42 7.1.1.2. Troca H/D em fragmentos pépticos.......................................................... 47 v 7.1.2. Dicroísmo circular................................................................................................ 58 7.2. Enzima 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato Sintase em presença de fosfoenolpiruvato 60 7.2.1. Troca Hidrogênio / Deutério (H/D) e alterações conformacionais. .................... 60 7.2.1.1. Troca H/D na enzima MtEPSPS intacta .................................................. 60 7.2.1.2 Troca H/D em fragmentos pépsicos........................................................... 65 7.3. Enzima Chiquimato Quinase em presença e ausência de Ácido Chiquímico, Cloreto de Magnésio e ADP.................................................................................................................... 72 7.3.1. Troca Hidrogênio / Deutério (H/D) e alterações conformacionais. .................... 76 7.3.1.1. Troca H/D na enzima Chiquimato Quinase intacta ................................. 77 7.3.1.2. Troca H/D em fragmentos pépsicos.......................................................... 81 8. CONCLUSÃO........................................................................................................................ 90 9. BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................... 92 10. APÊNDICE........................................................................................................................... 107 vi 1 1. RESUMO Hoje em dia, em todo o mundo, existem algumas doenças responsáveis por uma grande taxa de mortalidade em humanos. Dentre essas doenças, pode-se destacar a tuberculose, infecção provocada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, que é a principal causa de morte em humanos devido a um único agente infeccioso. Dentre as prioridades para o combate à tuberculose, o desenvolvimento de novas drogas é premente para o desenvolvimento de um tratamento quimioterápico eficaz. Sob este aspecto, as enzimas da via do ácido chiquímico, representam bons exemplos da utilidade de tal abordagem aplicada a constituintes enzimáticos de uma rota metabólica. A via do ácido chiquímico é responsável pela síntese dos aminoácidos aromáticos, do ácido p-aminobenzóico e outros metabólitos essenciais, tais como ubiquinona, menaquinona e vitamina K. A via do chiquimato, encontrada em plantas, algas, 2 fungos e bactérias, foi também encontrada recentemente em vários parasitas apicomplexos (Roberts et al.; 1998); entretanto, essa via metabólica não é encontrada em mamíferos. As enzimas Chiquimato Quinase e 5-Enolpiruvilchiquimato-3-Fosfato Sintase (EPSPS), a quinta e a sexta enzimas, respectivamente, nessa via metabólica, têm sido reconhecidas como alvos importantes para o desenvolvimento de herbicidas e drogas antibióticas. No presente estudo, a troca isotópica Hidrogênio / Deutério e a espectrometria de massas com ionização electrospray foram usadas para examinar as mudanças conformacionais em solução, sofridas pelas enzimas Chiquimato Quinase e 5- Enolpiruvilchiquimato-3-Fosfato Sintase (EPSPS) de Mycobacterium tuberculosis, tanto na presença como na ausência de alguns de seus ligantes. A incorporação de deutério foi observada para ambas as enzimas. Para a EPSPS, a apoenzima foi a forma que mais incorporou deutério, seguida das formas complexadas ao fosfoenolpiruvato e ao glifosato, respectivamente. Para a Chiquimato Quinase, a apoenzima também incorporou mais deutério que a forma ligada ao complexo Cloreto de Magnésio-Ácido Chiquímico-ADP. Para ambas as enzimas, as regiões menos dinâmicas foram aquelas que contêm os resíduos de aminoácidos responsáveis pela complexação aos ligantes. Esses resultados sugerem que as alterações conformacionais sofridas por essas enzimas em diferentes condições, refletem diferentes necessidades de ajustes estruturais da enzima, para “acomodar o ligante” numa dada condição fisiológica (ajuste induzido). Esses resultados também demonstram a capacidade da técnica de monitoramento da troca isotópica H/D, seguida por medidas de espectrometria de massas, para monitorar as alterações conformacionais de proteínas em solução. 3 2. ABSTRACT Nowadays all around the world there are some diseases that cause a high index of human lethality. Among these it should be highlighted the infectious disease tuberculosis, which is the top deadly disease caused by only one agent, the bacteria Mycobacterium tuberculosis. As the currently available drugs are not suitable for the control of tuberculosis, it became vital the development of novel drugs for this purpose. Useful drugs are being developed to inhibit some enzymes of the shikimic acid pathway. This via is responsible for the synthesis of aromatic amino acids, such as the p-aminobenzoic acid and other essential metabolites, such as ubiquinone, menaquinone and K vitamin. The shikimate pathway exists in plants, algae, fungi, bacteria and was also found in some apicomplex parasites; however, it is not present in mammals. The Shikimate Kinase and 5-Enol-Pyruvyl-Shikimate-3-Phosphate Synthase (EPSPS), the fifth and sixth 4 enzymes, respectively, present in this pathway, have been considered as important targets to development of herbicides and antibiotic drugs. In the present work the isotopic change Hydrogen/Deuterium and the electrospray ionization mass spectrometry were used to investigate the occurrence of conformational in both enzymes, in presence and absence of some of their ligands (substrates /inhibitors). The deuterium incorporation was observed in both enzymes. The apoenzyme of EPSPS, incorporated more deuterium then the enzyme complexed to phosphoenolpiruvate, which in turn incorporated more deuterium than the enzyme compled to glyphosate. The apoenzyme of Shikimate Kinase also incorporated more deuterium than the complexed form with magnesium chloride-shiquimic acid-ADP. In both enzymes, the regions less dynamics were those containing the amino acids residues of the binding sites of substrates and/or inhibitors. The experimental results indicate the occurrence of a series of small conformational changes as structural requirements in order to better accommodate the ligands within the enzymes under specific physiological condition (induced fitting). Furthermore, these results show that the monitoring of the isotopic changes H/D through ESI mass spectrometry constitutes a fine technique to detect small conformational changes of proteins in solution. 5 3. INTRODUÇÃO O fato das proteínas sofrerem alterações em sua conformação tem sido demonstrado a muito tempo (Linderstrom-Lang, 1955). A representação estrutural de uma proteína veio com a determinação da estrutura cristalina da deoxi e oxihemoglobina por Perutz (1962). Uma importante evidência da flexibilidade de proteínas em solução veio dos experimentos de troca isotópica hidrogênio / deutério (H/D) realizados por Linderstrom- Lang (1955), onde proteínas que foram mantidas em contato com água deuterada por um tempo maior, apresentaram uma taxa de troca isotópica H/D mais elevada que as proteínas que tiveram um tempo menor de exposição ao solvente deuterado. A mobilidade de cadeias laterais em proteínas foi também demonstrada por ressonância magnética nuclear (RMN) (Jardetzky and Jardetzky, 1962). Evidências também têm sido observadas de que anéis 6 aromáticos localizados em uma estrutura empacotada, podem girar relativamente livres (Jardetzky, 1970). Algumas proteínas, tais como aquela da cápsula do vírus do mosaico do tabaco, podem ser flexíveis (Jardetzky et al.; 1978). Em outras proteínas, domínios inteiros se movem independentemente, como por exemplo, no caso do repressor lac (Wade- Jardetzky et al.; 1979). Desta forma, como tem sido demonstrado que as estruturas protéicas são mais dinâmicas que estáticas (Nimmesgern et al.; 1996; Spolar e Record, 1994), tem havido um crescente interesse no estudo da dinâmica conformacional de proteínas, uma vez que esses estudos podem auxiliar a compreender melhor o significado da estabilidade protéica e da relação existente entre as estruturas tridimensionais e as seqüências primárias das proteínas (Dill e Shortle, 1991; Dobson, 1992; Smith et al., 1996). Corroborando isso, a dinâmica protéica também está envolvida em vários processos biológicos importantes, tais como o transporte de partículas através de membranas, a degradação de biomoléculas em diferentes tipos celulares, entre outros processos (Dill e Shortle, 1991; Ptitsyn, 1995). A agregação de proteínas também desempenha um papel relevante na cinética conformacional protéica, processo biológico que possui significativa importância na condição funcional de muitas proteínas (Thomas et al.; 1995). O entendimento da dinâmica conformacional de uma proteína em condições fisiológicas tem sido um desafio, particularmente se os estudos são conduzidos com técnicas de espectroscopia de ressonância magnética nuclear, uma vez que esta técnica fornece dados referentes à média dos diferentes estados conformacionais assumidos por uma proteína (Shortle, 1996b; Smith et al.; 1996). 7 É, portanto de interesse complementar, a investigação de técnicas capazes de determinar à dinâmica conformacional protéica. Isso tem sido realizado com sucesso ao se acoplar três técnicas: a troca entre os isótopos hidrogênio e deutério, digestão pela protease ácida pepsina e a espectrometria de massas com ionização electrospray. Neste sentido, foi proposto no presente trabalho o estudo da dinâmica conformacional das enzimas Chiquimato Quinase e 5-Enolpiruvilchiquimato-3-Fosfato Sintase (EPSPS). Estas são responsáveis pela quinta e pela sexta reações, respectivamente, na via do ácido chiquímico (figura 1), via esta essencial para a síntese dos aminoácidos aromáticos e seus derivados metabólicos em algas, plantas superiores, bactérias e fungos, assim como em parasitas apicomplexos (Roberts et al.; 1998). Assim, se a Chiquimato Quinase ou a EPSPS forem inibidas na via do chiquimato, os aminoácidos aromáticos e uma grande quantidade de compostos aromáticos não serão mais sintetizados, promovendo, provavelmente, a morte das bactérias, parasitas ou plantas superiores. Em função da via do ácido chiquímico estar ausente em mamíferos (Kishore e Shah, 1988), tanto a Chiquimato Quinase quanto a EPSPS tem se tornado alvos atrativos para o desenvolvimento de novos herbicidas e agentes antimicrobianos efetivos contra micobactérias, parasitas e fungos patogênicos (Michael et al.; 2003, Schonbrunn, et al.; 2001). 8 Figura 1: Via do ácido chiquímico. 9 4. REVISÃO DA LITERATURA 4.1. Técnica de troca isotópica Hidrogênio / Deutério acoplada à espectrometria de massas electrospray O processo pelo qual uma proteína sofre um enovelamento da cadeia polipeptídica, a fim de atingir a sua estrutura tridimensional biologicamente ativa, ainda não é muito bem entendido. Uma abordagem experimental para entender o processo de enovelamento de uma proteína, tem sido dada pela caracterização dos diferentes estados conformacionais assumidos por um determinado polipeptídio, numa condição experimental específica. Entretanto, uma das principais dificuldades para se estudar este processo dinâmico é determinar aqueles estados conformacionais, nos quais as proteínas se mantêm por um pequeno período de tempo (Wang e Tang, 1996). 10 Métodos experimentais usados para determinar um tipo de troca isotópica, (a troca de hidrogênios amidados, ao nível das ligações peptídicas, sem se concentrar em suas localizações), incluem a espectroscopia infravermelho (Hvidt e Nielsen, 1966) e a espectroscopia ultravioleta (Englander et al.; 1979). Embora, muitas informações úteis tenham sido obtidas através de numerosas aplicações desses métodos, eles não dão informações sobre as regiões específicas que sofrem alterações estruturais. Para entender melhor a relação estrutura / função das proteínas, deve-se necessariamente conhecer as regiões das mesmas que estão sofrendo alterações conformacionais. Informações altamente detalhadas deste tipo têm sido obtidas com estudos de ressonância magnética nuclear, mas isso se aplica somente para proteínas com massa molecular de até 20kDa (Delepierre et al.; 1987). Além desta limitação, esta técnica também exige alguns miligramas de proteína altamente homogênea, o que freqüentemente é difícil de se obter. Neste sentido, uma metodologia com boa resolução, utilizada tanto para se quantificar a troca isotópica hidrogênio / deutério nos hidrogênios amidados de grandes proteínas, quanto para localizar as posições desta trocas, foi descrita por Zhang e Smith (1993). Quando uma proteína é solubilizada em água deuterada, a troca isotópica pode ser quantificada pela digestão da proteína em estudo com uma protease, seguida pela determinação dos níveis de deutério em cada peptídico gerado pela digestão, através de medidas de espectrometria de massas com ionização electrospray (ESI-MS) (Zhang e Smith, 1993). Esta abordagem tem sido aplicada para proteínas relativamente grandes e requer quantidades razoavelmente pequenas de amostras (microgramas). Os detalhes da troca H/D têm sido revistos por Smith et al.; (1997). Os prótons localizados nas amidas das ligações peptídicas, quando incubados em água 11 deuterada a pD 7,0, são substituídos por deutério dentro de 1 a 10s. Em proteínas enoveladas, alguns hidrogênios amidados podem trocar rapidamente, enquanto que outros podem demorar até meses para trocar, em função da inacessibilidade ao solvente deuterado (Engen e Smith, 2000). A troca H/D pode ser sumarizada em dois processos básicos, que podem ocorrer diretamente em proteínas enoveladas (figura 2A), ou através de um processo de competição entre diferentes estados conformacionais assumidos momentaneamente pela proteína (figura 2B). No primeiro caso, a troca H/D provavelmente ocorre nos hidrogênios amidados que não estão envolvidos nas pontes de hidrogênio intramoleculares, e que estão localizados próximos à superfície da proteína. No segundo caso, uma movimentação substancial da cadeia principal da proteína é necessária, para que haja exposição dos sítios de troca (Engen e Smith, 2000). A substituição de hidrogênio por deutério pode ocorrer de maneira localizada em formas desenoveladas (UH) de uma proteína, que se encontram em equilíbrio com formas enoveladas da mesma (FH). As constantes K1, K-1 e K2 descrevem o desenovelamento, enovelamento e a troca H/D, respectivamente. Formas deuteradas da proteína desenovelada e enovelada são designadas por UD e FD, respectivamente. A troca isotópica entre hidrogênios das amidas das ligações peptídicas, em proteínas no estado desenovelado, apresenta dois caminhos cinéticos: EX1 e EX2. Quando EX1 prevalece, K-1 << K2, a troca isotópica é completada em regiões desenoveladas, antes que as proteínas enovelem novamente. Sob efeitos da cinética EX2, K-1 >> K2, a proteína deve necessariamente assumir várias vezes seu estado desenovelado antes da troca isotópica estar completada. Para proteínas sob condições fisiológicas, a troca H/D usualmente ocorre 12 pela cinética EX2, mas pode ocorrer pela combinação das duas cinéticas (Engen e Smith, 2000). A distinção entre os mecanismos de troca isotópica hidrogênio/deutério, via EX1 ou EX2, pode ser claramente observada pela proporção de distribuição dos picos isotópicos no espectro de massas. Uma distribuição randômica de deutérios entre as moléculas de uma amostra, detectada como uma única distribuição binomial de picos isotópicos no espectro de massas, indica que a troca H/D se deu por mecanismo do tipo EX2. Distribuições bimodais de picos isotópicos são as maiores evidências de cinética EX1 (Miranker et al.; 1993; Kim e Woodward, 1993; Woodward et al.; 1982) (Figura 3). Figura 2: Mecanismos gerais para troca isotópica em hidrogênios amidados. (A) A troca pode ocorrer diretamente em proteínas enoveladas e (B) através do desenovelamento da proteína ou ainda através da combinação dos dois processos. 13 Figura 3: Padrões de distribuição isotópica característicos das cinéticas EX1, EX2 e EX1/EX2. Na cinética EX2 um único envelope isotópico é observado. Na cinética EX1/EX2, uma sobreposição de dois envelopes ocorre, enquanto que na cinética EX1 a separação entre dois envelopes é clara (Engen, J. R. and Smith, D. L. 2000). A combinação das técnicas de digestão protéica e de espectrometria de massas com ionização electrospray é relativamente nova (Zhang e Smith, 1993). Para se determinar a taxa de troca hidrogênio / deutério dentro de regiões pequenas e definidas de uma proteína, a protease ácida pepsina tem sido utilizada para digerir esta proteína em peptídeos. A pepsina é ideal para isso, porque ela tem a sua atividade máxima no intervalo de pH 2 – 3, onde a taxa de troca isotópica é mais lenta, fato de extrema importância neste processo, para que haja tempo suficiente para a determinação dos níveis de deutério nos fragmentos peptídicos, antes que ocorra novamente a reversão parcial desta troca (Zhang e Smith, 1993). Dado o poder da espectrometria de massas em identificar peptídeos em misturas complexas, a baixa especificidade da pepsina é vantajosa porque ela gera um 14 grande número de fragmentos peptídicos, os quais podem ser facilmente identificados em medidas preliminares (Zhang e Smith, 1996). Uma vez que as condições para a troca isotópica devem ser mantidas durante a digestão, uma grande quantidade de pepsina é usada para reduzir o tempo deste processo. Os fragmentos resultantes da digestão podem ser então analisados por MS ou por LC-MS, para determinar a massa molecular dos peptídeos-fragmentos, nos quais os níveis de deutério são determinados e então comparados aos fragmentos correspondentes, na respectiva proteína não deuterada (Smith, 1997). Os peptídeos podem ser purificados por cromatografia de fase reversa, entretanto como uma fase móvel aquosa é usada neste processo, os deutérios trocados podem ser rapidamente “destrocados” com prótons, assim como ocorre com os hidrogênios das cadeias laterais dos aminoácidos, ou com aqueles localizados nos grupos N- e C- terminais dos peptídeos, antes mesmo de serem analisados por espectrometria de massas. Desta forma, o aumento de massa molecular observado em cada peptídeo, é devido à deuteração das ligações amida, que se expõem ao meio líquido durante as variações conformacionais (Smith, 1997). Os deutérios das ligações amida também podem ser trocados novamente por prótons, mas em condições ideais de análise (0º C e pH 2,5) esta troca é estável por um período de tempo em torno de 60 a 90 minutos; tempo suficiente para as medida por ESI-MS (Engen e Smith, 2000). O “electrospray” é uma técnica de ionização branda, que permite a transferência de complexos não covalentes de uma fase líquida para uma fase gasosa (Lorenz et al.; 2001). O principal aspecto da ionização electrospray em proteínas é a produção, na fase gasosa, de uma série coerente de íons multiplamente carregados (Fenn et al.; 1989). Um espectro de massas ESI padrão, obtido no modo positivo é caracterizado 15 pela presença de uma série de picos que correspondem a diferentes estados ionizados da mesma proteína intacta, onde cada pico difere de seu vizinho por uma unidade de carga. O número de cargas observado em uma proteína em solução é determinado por vários fatores, incluindo: o número, distribuição e valores de pKa dos resíduos de aminoácidos ionizáveis, assim como o estado conformacional da proteína. Proteínas desnaturadas exibem um número consideravelmente maior de estados ionizados, quando comparadas a proteínas no estado nativo (enovelado) (Guevremont et al.; 1992). Kim et al.; (2001), demonstraram que o uso da espectrometria de massas ESI-MS/MS pode ser uma excelente ferramenta para monitorar os processos de enovelamento / desenovelamento de proteínas, medindo-se a localização da troca H/D. O uso da espectrometria de massas seqüenciais (MS/MS) pode fornecer medidas precisas sobre a localização da troca H/D ao nível dos grupos amida das ligações peptídicas. Estes estudos mostraram que o nível de deuteração dos grupos amida pode ser medido, se forem analisados os valores de m/z dos íons do tipo “b” e “y” obtidos no modo MS/MS. Além disso, estes autores também demonstraram uma excelente correlação entre as velocidades de troca H/D e a quantidade de deutério medido nos sítios amida, através das diferenças entre os valores de m/z dos íons-fragmentos do tipo “b”. Esta correlação foi tão boa quanto às medidas de constantes de troca H/D medidas por ressonância magnética nuclear. O sucesso na aplicação da técnica de troca isotópica, com a espectrometria de massas ESI para uma proteína em particular, requer cuidado ao considerar vários aspectos técnicos, tais como: pH, temperatura, digestão, separação e processamento de uma grande quantidade de dados (Engen e Smith, 2000). 16 De uma forma geral, através da combinação entre as três técnicas: (1) troca isotópica hidrogênio / deutério; (2) digestão por pepsina e (3) espectrometria de massas com ionização electrospray, tem sido possível estudar vários aspectos conformacionais das proteínas, como por exemplo: i) heterogeneidade conformacional em citocromo C oxidado, onde grandes diferenças na taxa de troca H/D foram observadas em hidrogênios amidados localizados distantes das regiões C- e N- terminal, indicando que estas regiões são mais afetadas pelo estado de oxidação do ferro (Dharmasiri e Smith, 1997), ii) os efeitos da mutagênicidade em ferredoxina (Reimigy et al.; 1997), arrestina 2 (Carter et al.; 2005), ferrocitocromo C2 (Jaquinod et al.; 1996), e citocromo C553 (Guy et al.; 1996), onde se conseguiu determinar as mudanças conformacionais de regiões específicas que sofreram mutações, iii) alterações conformacionais induzidas por pequenas moléculas, assim como a localização do sítio de ligação das mesmas, onde, por exemplo, a ligação de NADPH pode alterar a taxa de troca em proteínas superexpressas, por alterar a conformação destas proteínas (Wang et al.; 1998) e iv) alterações na acessibilidade ao solvente induzidas por ligantes (Yan et al.; 2004). A compreensão da relação entre a estrutura e a função de proteínas envolvidas em doenças, como por exemplo, na encefalopatia espongiforme, mais conhecida como a “doença da vaca louca”, poderá ajudar não só a explicar seus mecanismos de ação, mas também o papel de algumas modificações pós-traducionais sobre a dinâmica conformacional de muitas proteínas relacionadas com o aparecimento da doença, possibilitando assim a aquisição de novos conhecimentos sobre as mesmas. 17 4.2. A tuberculose como alvo importante para o estudo de novas drogas antimicrobianas O estudo de dinâmica conformacional de enzimas de interesse para a saúde pública, como aquelas da via do ácido chiquímico (figura 1), presentes em bactérias, plantas superiores, fungos patogênicos e parasitas apicomplexos, deverá se tornar um dos grandes focos de estudos para a bioquímica, biologia estrutural e biologia molecular nos próximos anos. Dentre os grandes desafios da pesquisa médica moderna, está o desenvolvimento de novas drogas frente a doenças infecciosas causadas por microrganismos patogênicos, incluindo bactérias, fungos e protozoários, especialmente em países pobres e em desenvolvimento. Hoje em dia, em todo o mundo, existem algumas doenças responsáveis por uma grande taxa de mortalidade em humanos. Dentre essas doenças, pode-se destacar a tuberculose, infecção provocada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis e que é a principal causa de morte em humanos devido a um único agente infeccioso. Em 1997, 1,87 milhões de pessoas morreram desta doença. Segundo o relatório anual da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2001, estima-se que ocorreram cerca de 8,4 milhões de novos casos de tuberculose no mundo em 1999, o que representa um aumento de cerca de 20% em relação ao ano de 1997. Este aumento é devido à ocorrência de tuberculose em pacientes co-infectados com o vírus HIV. Outro fator que está relacionado ao aumento de casos de tuberculose é a emergência de cepas resistentes aos antimicrobianos utilizados para o seu tratamento. Os mecanismos de resistência identificados até o momento são resultantes de 18 mutações pontuais em genes codificadores das proteínas, que são os alvos destes agentes anti-tuberculose (Basso e Blanchard, 1998). Cepas de M. tuberculosis resistentes às drogas anti-tuberculose de primeira linha, tais como a Izoniazida, Rifampicina e Streptomicina, têm sido identificadas globalmente. A estimativa anual da tuberculose no Brasil é de 120.000 novos casos. Um aspecto preocupante da situação brasileira é que taxas superiores a 45% de pacientes previamente tratados, apresentam multi-resistência adquirida (definida como resistente a Izoniazida e Rifampicina) (Relatório Anual da Organização Mundial de Saúde, 2001). Dentre as prioridades para o combate à tuberculose, o desenvolvimento de novas drogas para substituírem aquelas comprometidas pela resistência, é premente para o desenvolvimento de um tratamento quimioterápico eficaz. O principal objetivo da quimioterapia é atacar alvos peculiares aos microrganismos como, por exemplo, vias metabólicas ausentes no organismo humano. Tal fato, teoricamente, minimizaria o efeito tóxico destas drogas antimicrobianas para a espécie humana. Portanto, a identificação de novas moléculas alvos para o desenvolvimento de antibióticos é de extrema importância para o desenvolvimento de uma nova geração de antibióticos para combater patógenos multi resistentes (Du et al.; 2000, Park et al; 2004). Sob este aspecto, as enzimas da via do ácido chiquímico (figura 1), representam bons exemplos da utilidade de tal abordagem aplicada a constituintes enzimáticos de uma rota metabólica. A via do ácido chiquímico é responsável pela síntese dos aminoácidos aromáticos, do ácido p-aminobenzóico e outros metabólitos essenciais tais como ubiquinona, menaquinona e vitamina K. Numa seqüência de sete passos metabólicos, o fosfoenolpiruvato e a eritrose-4-fosfato são convertidos em corismato, o precursor dos 19 aminoácidos aromáticos e muitos metabólitos aromáticos secundários. A via do chiquimato, que é encontrada em plantas, algas, fungos e bactérias, foi também encontrada recentemente em vários parasitas apicomplexos (Roberts et al.; 1998); entretanto, essa via metabólica não é encontrada em mamíferos. O filo Apicomplexa é constituído de protozoários parasitas intracelulares, incluindo Plasmodium falciparum, responsável por um grande número de mortes em humanos e também por grandes perdas econômicas (McConkey, 1999). Dentre os apicomplexos, podem ainda ser incluídos parasitas tais como Toxoplasma gondii e Cryptosporidium parvum, responsáveis por infecções oportunistas em pacientes com AIDS (Kohler et al.; 1997, McConkey et al.; 1997, Rogers et al.; 1998, Fichera e Roos, 1997). A indispensabilidade da via do chiquimato para a sobrevivência de bactérias e protozoários, a grande quantidade de dados literários sobre a clonagem e purificação das sete enzimas a partir de organismos procarióticos e eucarióticos e a ausência dessa via metabólica em mamíferos, tornaram as enzimas da via do chiquimato alvos muito atrativos para o desenvolvimento de inibidores, com grande potencial para se tornar poderosas e seletivas drogas contra patógenos humanos. A utilização das enzimas da via biossintética do ácido chiquímico, como alvos para o desenvolvimento de inibidores, pode ser plenamente justificada e validada pela inibição específica da EPSPS pelo glifosato [N – (fosfonometil) glicina], que é um herbicida efetivo e específico (Steinrucken e Amrhein, 1980). Este composto constitui um modelo de sistema molecular para o desenvolvimento racional de outros inibidores para a enzima EPSPS (Stauffer, 2001). Portanto, esta enzima constitui um alvo atrativo para o desenvolvimento de novas drogas antimicrobianas e antiparasitas (O’Callaghan, 1988). 20 Uma variedade de derivados do glifosato está atualmente sendo usada para elucidar a relação estrutura-função para diferentes inibidores da EPSPS de diferentes fontes microbianas (Brown, et al.; 2003), e esforços feitos para entender o modo de ação do glifosato, tem inspirado a pesquisa para outros compostos com capacidade inibitória similar (Campbell et al.; 2004, Bornemann et al.; 1995, Priestman et al.; 2005), a fim de possibilitar o descobrimento de agentes antimicrobianos afetivos contra bactérias e fungos patogênicos (Robert set al.; 1998). No sexto passo da via do chiquimato, a enzima 5-enolpiruvilchiquimato-3- fosfato sintase (EC 2.5.2.19) catalisa a reação entre o chiquimato-3-fosfato (S3P) e o fosfoenolpituvato (PEP) para formar o 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato, um intermediário da via do chiquimato, o qual leva à síntese dos aminoácidos aromáticos (Fichera e Roos, 1997, Hermann, 1995, Hermann e Reaver, 1999). A EPSPS, é uma enzima monomérica de massa molecular 46KDa. Essa enzima tem sido purificada a partir de organismos procariotos e eucariotos, e sua estrutura tridimensional determinada, indicando a existência de dois domínios, com o sítio ativo próximo ao interdomínio no segmento de cruzamento (Pereira et al.; 2003). O mecanismo catalítico dessa enzima tem sido objeto de muitos estudos, enquanto o complexo enzima- substrato e diferentes estados intermediários tem sido caracterizados por diferentes técnicas espectroscópicas (Studelska et al.; 1996, Coggins et al.; 2003, Lewis et al.; 1999). Recentemente, com a publicação do genoma do bacilo M. tuberculosis, verificou-se a presença dos genes codificadores das enzimas envolvidas na via do ácido chiquímico: aroD (3-Desidroquinato Desidratase), aroB (3-Desidroquinato Sintase), aroK (Chiquimato Quinase), aroF (Corismato Sintase), aroG (DAHP Sintase), aroE 21 (Chiquimato Desidrogenase) e aroA (EPSPS) (Cole et al.; 1998), oferecendo a oportunidade de clonar e superexpressar essas enzimas para caracterizações estruturais e funcionais. Uma série de observações experimentais pontuam a importância funcional da EPSPS para a sobrevivência de microrganismos. A deleção do gene aroA, codificador da enzima EPSPS, causa atenuação em várias linhagens de Streptomyces pneumoniae e Bordetella bronchiseptica (McArthur et al.; 2003, McDevitt et al.; 2002). Genes codificadores dessas enzimas também tem sido encontrados em parasitas apicomplexos (Robert set al.; 1998). Estudos preliminares tem demonstrado que a síntese do p-aminibenzoato (pABA) é essencial em Plasmodium falciparum (McConkey et al.;1997). O pABA, é um intermediário chave na produção do folato, composto essencial e sintetizado na via do ácido chiquímico (McConkey, 1999). Além disso, tem sido demonstrado que análogos ao chiquimato têm inibido o crescimento do Plasmodium falciparum (Pittard, 1987). Vários parasitas apicomplexos tem apresentado sensibilidade positiva ao glifosato. A inibição do crescimento de parasitas apicomplexos in vitro forneceu a primeira evidência da ocorrência da via do ácido chiquímico nesse importante grupo de patógenos (Robert set al.; 1998). Portanto, análogos do chiquimato podem agir como inibidores universais de parasitas apicomplexos tais como Toxoplasma gondii e Cryptosporidium parvum, os quais causam infecções oportunistas em pacientes imunocomprometidos (Roberts et al.; 19998). A organização molecular e estrutural das enzimas da via do ácido chiquímico varia consideravelmente entre os grupos taxonômicos (Coggins et a.; 1987). As mais bem estudadas enzimas da via do ácido chiquímico são: 3-deoxi-D-arabino- 22 heptolusonato-7-foafato sintase (DAHP), a enzima que controla o fluxo de carbono dentro da via do ácido chiquímico e a 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase (EPSPS), enzima que catalisa a conversão de chquimato-3-fosfato (S3P) e fosfoenolpiruvato (PEP) em 5- enolpiruvilchiquimato-3-fosfato (EPSP) (Herrmann, 1995b). A UDP-N-acetilglucosamina enolpiruvil transferase (MurA1; EC 2.5.1.7) e a 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase (EPSPS; AroA; EC 2.5.1.19) são membros da família das enzimas enolpiruvil transferases. A MurA catalisa o primeiro passo na síntese da parede celular bacteriana (Van Heijenoort, 1994), enquanto a EPSPS é responsável pelo sexto passo na via do chiquimato em bactérias, fungos, algas, plantas superiores e parasitas apicomplexa (Roberts, 1998; Bentley, 1990). Uma vez que as enzimas enolpiruvil transferases são essenciais para a sobrevivência de microrganismos, essas enzimas têm se tornado alvos promissores no desenvolvimento de novos compostos antimicrobianos efetivos contra bactérias, parasitas e fungos patogênicos (McDevitt et al.; 2002; Roberts et al.; 2002). No passado, a MurA conseguiu muita atenção na literatura internacional devido a sua inibição pelo antibiótico de largo espectro, fosfomicina, o qual ataca covalentemente o grupo tiol da cisteína 115 no sítio ativo da MurA de E. coli. (Marquardt et al.; 1994; Skarzynski et al.; 1996). Em patógenos, a mutação ou a deleção de um dos genes da via do ácido chiquímico, tal como o gene aroA, o qual codifica a EPSPS, resulta em linhagens altamente atenuadas e que não são capazes de sobreviver in vivo ou causar infecções; esta abordagem tem sido empregada no desenvolvimento de vacinas contra esses patógenos (Hoiseth e Stocker, 1981; Moral et al.; 1988). 23 A enzima chiquimato quinase é a quinta enzima na via do ácido chiquímico, catalisando a fosforilação específica do grupo 3-hidroxil do ácido chiquímico, usando o ATP como co-substrato. A chiquimato quinase pertence à mesma família estrutural das nucleosídeos monofosfato quinases (NMP). Essa classe de proteínas quinases é composta de três domínios, o domínio CORE, o domínio LID e o domínio de ligação do substrato (SB). Um traço característico das NMP é que elas sofrem grandes mudanças conformacionais durante a catálise, havendo necessidade de assumir vários estados conformacionais diferentes para que sua atividade biológica possa ser realizada (Vonrhein et al.; 1995). Em E. coli, a reação de fosforilação do grupo 3-hidroxil do ácido chiquímico, é catalisada por duas isoformas, a Chiquimato Quinase I (codificada pelo gene aroK; Whipp e Pittard, 1995) e a Chiquimato Quinase II (codificada pelo gene aroL; Millar et al.; 1986). Ambas as isoenzimas são monômeros de massa molecular 19500Da, mas compartilham somente 30% de identidade de suas seqüências primárias (Griffin, 1995). Na Chiquimato Quinase, a ligação do chiquimato induz o fechamento da estrutura, com os domínios LID e SB se movendo em direção a completar cataliticamente o sítio ativo da enzima, sendo que essa movimentação pode ser definida numa seqüência de passos ou simultaneamente (Miller et al.; 1996). Para a realização deste trabalho foram escolhidas as enzimas Chiquimato Quinase e 5-Enolpiruvilchiquimato-3-Fosfato Sintase. Em relação à EPSPS, estudos cinéticos e de modelagem estrutural sugerem dois estados conformacionais, um fechado e outro aberto, dependendo ou não da presença de um ligante. Isto sugere que a enzima 5- Enolpiruvilchiquimato-3-Fosfato Sintase pode apresentar uma grande movimentação 24 estrutural, para poder assumir ambos estados conformacionais, sendo assim um interessante e importante objeto para o estudo de dinâmica conformacional de proteínas (Pereira et al.; 2003). Contudo, não há dúvidas que as enzimas da via do chiquimato oferecem muitos alvos importantes para o desenvolvimento de novas drogas contra agentes microbianos. Todos os passos enzimáticos nessa via metabólica apresentam potencial de inibição. Além disto, a disponibilidade de estruturas cristalográficas para a maioria dessas enzimas, abrem a possibilidade do desenvolvimento rápido de novos inibidores racionais para essas enzimas (Wagner, 2000; Carpenter et a.; 1998; Krell et al.; 2001). 25 5. OBJETIVOS O presente trabalho teve como objetivos: ⇒ Implementação da técnica de monitoramento da troca isotópica hidrogênio / deutério por espectrometria de massas com ionização electrospray (ESI); ⇒ Estudar a dinâmica conformacional global e localizada das enzimas Chiquimato Quinase e 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato Sintase (EPSPS) de Mycobacterium tuberculosis, monitorando-se a troca isotópica hidrogênio / deutério através da espectrometria de massas electrospray; 26 ⇒ Este trabalho também objetivou uma compreensão mais abrangente das etapas envolvidas nos processos dinâmicos de mudanças conformacionais das respectivas enzimas com seus substratos e/ou inibidores. Objetivou-se, desta forma, poder contribuir para a utilização de uma abordagem racional voltada para o desenho de quimioterápicos, que possam auxiliar na redução da dependência técnico-científica do país; ⇒ Sob o ponto de vista de formação de recursos humanos, este trabalho serviu para o treinamento, ao nível de doutorado, em técnicas de espectrometria de massas e também em técnicas de química de proteínas. Além disto, este projeto ofereceu grandes possibilidades de qualificação em biologia estrutural, principalmente voltados para estudos da relação existente entre estrutura e função das proteínas. 27 6. MATERIAIS E MÉTODOS 6.1. Materiais 6.1.1. Espectrometria de massas ESI A obtenção dos espectros de massas foi realizada em um Espectrômetro de Massas ESI, do tipo triploquadrupolo modelo QUATTRO II (Micromass). O espectrômetro de massas ESI foi equipado com probe padrão, do tipo electrospray (ESI). O software MassLynx (Micromass) foi utilizado para controle de aquisição e tratamento de dados espectrométricos. 28 6.1.2. Cromatografia líquida de alta performance (HPLC). Para o isolamento dos peptídeos provenientes da digestão com protease ácida foi utilizado um sistema de HPLC Shimadzu modelo LC-10ADvp constituído por duas bombas modelo LC-10ADvp (bomba A) e LC-10ADvp (bomba B), injetor Rheodyne modelo 7125 com “loop” de 500µL, detector de luz ultravioleta Shimadzu modelo SPD- 10A e um sistema controlador Shimadzu modelo SCL-10Avp. Os solventes utilizados foram todos grau HPLC e a água utilizada foi obtida por um bidestilador Marconi modelo MA 078 e filtrada em um sistema purificador Nanopure modelo D4754 da Barnstead. 6.1.3. Outros equipamentos Liofilizador Heto modelo DW – 3; concentrador de amostras modelo VR – I; microcentrífuga Sanyo modelo BS 4402; agitador de tubos Phoenix modelo AT 60; bidestilador de água Marconi modelo MA 078; purificador de água Nanopure Barnstead modelo D4754; espectropolarímetro Jasco-710 (JASCO International Co. Ltda Tokyo, Japan); colunas com G-25 equilibradas com água deuterada. 6.1.4. Drogas e reagentes Acetonitrila grau HPLC e ácido trifluoroacético foram adquiridos da Riedel; o ácido fórmico grau analítico foi adquirido da Merck; gás nitrogênio e argônio ultra puros foram adquiridos da White Martins; água deuterada foi adquirida da CIL Chemical Company, com 99% de átomos de deutério. A pepsina foi adquirida da Sigma Chem. Co.; 29 fosfato de sódio, ácido fosfórico, trifluoroetanol e dodecil sulfato de sódio, foram adquiridos de grau P.A. da melhor procedência nacional. 6.2. Métodos 6.2.1. Obtenção da enzima EPSPS de Mycobacterium tuberculosis O grupo de Microbiologia Molecular e Funcional do Centro de Biologia Molecular e Biotecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob supervisão do Prof. Dr. Diógenes Santiago dos Santos, executou a clonagem, a superexpressão e a purificação desta enzima, nos fornecendo uma quantidade de 10mg da mesma. A clonagem e superexpressão da EPSPS foram realizadas segundo o seguinte protocolo: Primers de oligonucleotídeos sintéticos (5´-attccatatgaagacatggccagccc-3´ e 5´- gcggatcctcaaccgccg- ccggacccctgcc-3´, os sítios de restrição NdeI e BamHI estão sublinhados) foram desenhados com base na sequência genômica completa do M. tuberculosis H37Rv. Este par de primers é complementar ao amino terminal codificado e ao carboxil terminal não codificado de seus respectivos genes estruturais, em fitas não complementares. Estes primers foram utilizados para amplificar o gene estrutural aroA do DNA genômico de M. tuberculosis utilizando condições padrões de PCR (Perkin-Elmer). Os produtos de PCR foram purificados por eletroforese em agarose low-melting, digeridos com NdeI e BamHI e ligados em vetor de expressão pET23a(+) (Novagen) que foi previamente digerido com as mesmas enzimas de restrição. A seqüência de DNA do gene aroA amplificado foi determinada utilizando-se o kit de sequenciamento de ciclos terminais marcados Thermo Sequence (Amersham Biosciences), para confirmar a identidade dos 30 genes clonados e para garantir que nenhuma mutação havia sido introduzida pelo passo de amplificação por PCR (Oliveira et al.; 2001). Os plasmídeos recombinantes pET-23a(+)::aroA, foram transformados em células eletrocompetentes de Escherichia coli BL21(DE3) e selecionados em placas de ágar contendo 50 µg mL-1 de carbanicilina. Colônias únicas que foram utilizadas para inoculação de 1,5L de meio LB contendo 50 µg mL-1 de carbanicilina, crescidas a 37ºC até atingirem OD600 entre 0,4 e 0,6, foram ou não induzidas pela adição de 0,5 mM de isopropil β-D-tiogalactopiranosideo (IPTG). As culturas de células com EPSPS foram crescidas adicionalmente por 23h a 37ºC sob agitação constante. As células foram então separadas por centrifugação a 6000g por 20 min a 4ºC e estocadas a –80º (Oliveira et al.; 2001). Para análises da superexpressão de proteínas as células estocadas foram ressuspensas em 700 µL de Tris-HCL50mM, pH 7,8 (40 mg de células/mL de tampão) e lisadas por sonicação. Após centrifugação a 20,800g por 30 min a 4ºC o sobrenadante foi coletado e o extrato da fração solúvel de proteínas foi analisado por SDS-PAGE (segundo o método Laemmli) (Laemmli 1970). O extrato de EPSPS para as medidas de atividade da enzima foi preparado com Tris-HCL 50 mM, pH 7,8. Os experimentos controle foram realizados sob as mesmas condições experimentais, exceto as células de E. coli que continham o vetor de expressão sem o gene de interesse. A proporção das proteínas solúveis nos géis SDS-PAGE foi estimada utilizando-se um densitômetro de imagem (Bio- Rad) (Oliveira et al.; 2001). Para avaliar a expressão da EPSPS em função da fase de crescimento celular, as células BL21(DE3) de E. coli que continham o plasmídeo recombinante pET- 31 23a(+)::aroA foram crescidos na ausência de IPTG e alíquotas foram removidas em diferentes tempos para medidas de OD600 e para análise SDS-PAGE (Oliveira et al.; 2001). O controle de qualidade desta enzima foi realizado em nosso laboratório, medindo-se a massa molecular da mesma por ESI-MS, que revelou um valor de 46 458,10 Da. Além disso, esta enzima foi submetida ao sequenciamento da região N-terminal, sendo que se observou um único resíduo N-terminal, além do fato de que a seqüência primária obtida para os primeiros 15 resíduos de aminoácidos confirmaram a identidade e elevada pureza desta preparação. 6.2.2. Obtenção da enzima Chiquimato Quinase de Mycobacterium tuberculosis O grupo de Microbiologia Molecular e Funcional do Centro de Biologia Molecular e Biotecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob supervisão do Prof. Dr. Diógenes Santiago dos Santos, executou a clonagem, a superexpressão e a purificação desta enzima, nos fornecendo uma quantidade de 5mg da mesma. A clonagem e superexpressão da Chiquimato Quinase foram realizadas segundo o seguinte protocolo: primers sintéticos de oligonucletídeos (5´-attccatatggcacccaaagcggttctc- 3´ e 5´-gcggatcctcatgtggccgcctcgctggg-3´) foram desenhados baseando-se na seqüência genômica completa de M. tuberculosis H37Rv (Cole et al.; 1998). Estes primers foram complementares às regiões amino-terminal, codificadora e carboxi-terminal, não- codificadora das fitas de seus respectivos genes estruturais contendo os sítios de restrição 5´ NdeI e 3´ BamHI, que estão sublinhados, em braços não-complementares. Estes primers foram utilizados para amplificar o gene estrutural aroK a partir de DNA genômico utilizando condições padrão de PCR (Perkin-Elmer). Os produtos de PCR foram 32 purificados por eletroforese em agarose 1% e corado com brometo de etídio a 0,5 % para análise da eficiência da purificação (quantidade de DNA), digeridos com NdeI e BamHI e inseridos no vetor de expressão pET23a (+) (Novagen) previamente digerido com as mesmas enzimas de restrição. A seqüência de DNA do gene aroK foi determinada utilizando-se o “Thermo Sequenase Radiolabeled Terminator Cycle Sequencing Kit” (Amersham Biosciences) para confirmar a identidade do gene clonado e certificar que nenhuma mutação havia sido inserida durante o passo de amplificação da PCR. Os plasmídeos recombinantes, pET-23a(+)::aroK, foram transformadas em células eletrocompetentes de Escherichia coli, cepa BL21(DE3) e selecionadas em placas com meio LB-ágar contendo 50µg mL-1 de carbenicilina. Colônias isoladas foram transferidas para 1,5L de meio LB líquido contendo 50µg mL-1 de carbenicilina, incubadas a 37ºC até que a leitura OD600 atingisse entre 0,4 e 0,6, podendo ou não ser induzidas pela adição de 0,5mM de isopropil β-D-tiogalactopiranosídeo (IPTG). As culturas de células de Chiquiimato Quinase foram incubadas por mais 23 horas a 37ºC sob agitação. As células foram então separadas por centrifugação a 6000g por 20 minutos a 4ºC e estocadas a -80ºC. Para análise da superexpressão da proteína as células estocadas foram ressuspensas em 700µL de Tris-HCl 50mM, pH 7,8 (40mg de células por mL de tampão), lisadas por sonicação e o debris celulares foram removido por centrifugação a 20.800g (30 minutos a 4ºC). As massas moleculares dos extratos de proteína solúveis foram analisadas por SDS-PAGE (método Laemmli) (Laemmli,1970). O extrato de células de Chiquimato Quinase para análise de atividade foi ressuspenso em KCl 50 mM, MgCl2 5mM, pH 7,5. Experimentos controle foram realizados sob as mesmas condições experimentais exceto que as células transformadas de E. coli continham apenas o vetor de expressão, sem o gene 33 de interesse. A proporção de Chiquimato Quinase solúvel total presente no gel de SDS- PAGE foi estimada utilizando um densitômetro de imagens GS-700 (Bio-Rad). O ensaio de atividade da Shikimato Quinase foi realizado na direção 5´ - 3´, através do acoplamento da formação do produto do ADP à piruvato quinase (PK; EC 2.7.1.40) e às reações de lactato desidrogenase (LDH; EC 1.1.1.27) seguindo o protocolo descrito por Millar et al. 1986. A oxidação da NADH dependente de Chiquimato foi monitorada continuamente em 340 nm (ε = 6.22 x 103 M-1 cm-1). Todas as reações foram realizadas a 25ºC e iniciadas com a adição de extratos de Chiquimato Quinase. A mistura da reação continha tampão Tris-HCl 100 mM, pH 7,5, de KCl 50 mM, MgCl2 5 mM, ácido chiquímico 1,6 mM, ATP 2,5 mM, fosfoenolpiruvato 1 mM, NADH 0,1 mM, 3U mL-1 de piruvato quinase, e 2,5 U mL -1 de lactato desidrogenase. As taxas iniciais de estado basal foram calculadas a partir da porção linear da reação da curva relativa às taxas obtidas de forma semelhante com extratos de células de E. coli, cepa BL21(DE3) contendo o plasmídeo pET-23a(+). Enzimas PEP, (-) chiquimato, LDH e PK, ATP e NADH eram todas Sigma. Uma unidade de atividade enzimática (U) é definida como a quantidade de enzima catalisando a conversão de 1 µmol de substrato por minuto. O controle de qualidade desta enzima foi realizado em nosso laboratório, medindo-se a massa molecular da mesma por ESI-MS, que revelou um valor de 18583,10 Da. Além disso, esta enzima foi submetida ao sequenciamento da região N-terminal, sendo que se observou um único resíduo N-terminal, além do fato de que a seqüência primária obtida para os primeiros 15 resíduos de aminoácidos confirmaram a identidade e elevada pureza desta preparação. 34 6.2.3. Troca isotópica Hidrogênio / Deutério (H/D) Os experimentos de troca H/D foram realizados conforme descrito por Zhang e Smith, 1993; Engen e Smith, 2000. Para as análises de troca H/D, foram preparadas duas soluções principais equilibrando-se 100 nanomoles de enzima em 10µL de tampão fosfato 5mM, pH 6.9 a 22ºC por até 100 minutos. A troca H/D foi iniciada através de uma diluição de 20 vezes da solução principal em tampão fosfato 5mM, pD 6.9 em água deuterada a 25ºC. Em intervalos de tempos pré-determinados, aproximadamente 3 nanomoles de enzima (solução principal) foram removidos e diluídos 8 vezes em tampão fosfato 100mM, pH 2.5 em água normal para amortizar a troca isotópica, e então preservada a -70ºC até ser analisada. 6.2.4. Análise da proteína intacta: avaliação da extensão total das trocas H/D O conteúdo de deutério na proteína intacta foi medido com o auxílio de um sistema de cromatografia líquida de alta performance (HPLC) acoplado a um espectrômetro de massas (ESI-MS). Cada alíquota a ser analisada (coletada num diferente tempo de incubação) foi injetada em coluna de perfusão 100mm x 0.25mm (POROS 10R2 de fase reversa média, PesSeptive Biosystem) sob um fluxo de 50µl/minuto. A proteína foi eluída diretamente para o espectrômetro de massa através de um gradiente de 2-98% de acetonitrila em 8 minutos. Ambas as fases móveis continham 0,05 (v/v) de ácido trifluoroacético (TFA). Para minimizar a troca reversível hidrogênio / deutério (H/D), o injetor, a coluna e todos os tubos associados ao sistema HPLC foram mantidos a 0ºC (Zhang e Smith, 1993). Os níveis de deutério não foram corrigidos para a troca H/D 35 reversível, portanto relatados como níveis relativos de deutério. A quantidade média de troca H/D reversível para a instrumentação utilizada variou entre 12-15% para proteínas, conforme determinado para o citocromo c e para a mioglobina (Carter et al.; 2005). Todas as amostras foram analisadas sob condições idênticas num mesmo dia, tendo como finalidade a minimização de variáveis de troca não-protéicas. Em função do deutério nas cadeias laterais e no N-terminal trocar com uma velocidade muito maior do que nas ligações amida (Smith et al.; 1997), esses átomos de deutério realizam troca reversível com os prótons do solvente aquoso durante o passo de cromatografia. Os aumentos de massa, portanto, podem ser relacionados diretamente às trocas realizadas pelos hidrogênios amida das ligações peptídicas. O nível de deutério para cada tempo utilizado no experimento foi determinado três vezes independentemente, a partir de preparações protéicas separadas. Os conteúdos de deutério na proteína intacta foram determinados através da deconvolução dos espectros de massa obtidos para os diferentes tempos de incubação, e subtraídos do resultado obtido para a proteína não deuterada, em presença e ausência de seus ligantes. 6.2.5. Análise dos peptídeos gerados pela digestão pepsica A troca H/D foi realizada como descrito no item 6.2.3. Antes das análises, 10µL da amostra (~4ηmoles) foram incubados com 5µL de uma solução de pepsina (1µg/µL) por 5 minutos a 0ºC. Os peptídeos fragmentos gerados foram fracionados numa coluna C18 (Michorm BioResources, Inc) e eluídos diretamente para o espectrômetro de massas num gradiente de 2-65% de acetonitrila em água, em 6 minutos. O injetor, a coluna e todos os tubos foram mantidos a 0ºC, como descrito no item 6.2.4. Assim como para a 36 proteína intacta, nenhuma correção foi realizada para a troca H/D reversível. A quantidade média de troca reversível pára peptídeos na instrumentação utilizada variou de 15-18%, como medido para vários peptídeos totalmente deuterados (Carter et al.; 2005). As distribuições isotópicas correspondentes aos íons +2 e +3 dos peptídeos pépsicos foram centróides e obtidas pelo software MaxEnt 3. A massa de uma forma não deuterada para cada peptídeo foi subtraída da massa obtida para o mesmo peptídeo nos diferentes tempos de incubação em suas formas centróide, a fim de obter o conteúdo relativo de deutério. 6.2.6. Dicroísmo circular Os experimentos de dicroísmo circular foram realizados em um espectropolarímetro Jasco (modelo 710) com temperatura controlada, junto ao Departamento de Física, do IBILCEUNESP, São José do Rio Preto/SP, sob coordenação do Prof. Dr. João Ruggiero Neto. Os espectros de dicroísmo circular para as enzimas Chiquimato Quinase e 5- enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase foram obtidos a 20º usando celas com caminho óptico de 0,1 mm. Os dados foram adquiridos com uma velocidade de leitura de 100 nm/min, utilizando-se uma largura de banda de 1,0 nm, 1,0s como tempo de resposta e 0,1 nm de resolução. Um total de cinco acumulações foram realizadas para obtenção de um espectro médio final. A deconvolução dos dados foi feita utilizando o programa CDNN Deconvolution (Böhm et al., 1992). 37 6.2.7. Cálculo da Área Acessível ao Solvente e do número de Pontes de Hidrogênio A área acessível ao solvente foi calculada pelo programa Getarea 1.1 (http://www.scsb.utmb.edu/cgi-bin/get_a_form.tcl) (Fraczkiewicz e Braun, 1998) e as pontes de hidrogênio calculadas através do programa WHAT IF (http://swift.cmbi.kun.nl/WIWWWI/) (Vriend, 1990). 38 7. RESULTADOS E DISCUSSÃO 7.1. Enzima 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase (EPSPS) na presença de glifosato A figura 4 revela que a EPSPS de Mycobacterium tuebrculosis (Mt) é uma proteína do tipo α/β que consiste de uma mistura de elementos de estrutura secundária do tipo fitas-β circundadas por hélices-α. A estrutura dessa enzima revela dois domínios similares, que são aproximadamente hemisféricos, cada um com raio de aproximadamente 21 Ǻ, sendo esses domínios ligados por duas cadeias. As duas superfícies planas dos hemisférios, que em projeção formam uma “fenda”, acomodam o ultimo resíduo da região amino de seis hélices em cada domínio. Os efeitos helicoidais macrodipolares criam uma cavidade que facilita a ligação do glifosato (Stallings et al, 1991). Os domínios são compostos de três cópias de uma unidade βαβαββ de enovelamento (figura 5). As quatro 39 estruturas em folha-β contém fitas paralelas e antiparalelas e as hélices são paralelas (figura 5). Na estrutura complexada com o glifosato e o chiquimato-3-fosfato, os mesmos estão ligados na fenda interdomínio, fazendo com que ocorra uma movimentação de aproximadamente 4.6 Ǻ, promovendo o fechamento da estrutura. Dessa forma, para a EPSPS, é comum se adotar a conotação de estrutura aberta quando a enzima se encontra livre, na forma apoenzimática (figura 6A) e fechada quando a mesma se encontra complexada com o glifosato ou outro ligante (figura 6B). Figura 4: Diagrama em Ribbon da estrutura molecular da MtEPSPS gerado pelo programa MolMol (Koradi, 1996). A análise do complexo MtEPSPS-glifosato indica um total de 22 pontes de hidrogênio entre a enzima e o inibidor. Os resíduos de aminoácidos responsáveis por essas 40 pontes de hidrogênio correspondem a Lys23, Leu94, Gly96, Arg124, Gln169, Glu311, Glu341, Arg344, His384, Arg385 e Lys410 (Pereira et al.; 2003). O alinhamento de 69 sequências de EPSPS indica que os principais resíduos envolvidos nas pontes de hidrogênio intermoleculares, entre o glifosato e a enzima MtEPSPS, são conservados em todas as seqüências. Tais observações sugerem que os inibidores derivados do glifosato serão capazes de inibir a maioria, ou até mesmo todas as EPSPSs, já que a especificidade e a afinidade entre a enzima e seu inibidor depende de pontes de hidrogênio direcionais e interações iônicas, bem como da complementaridade de cargas entre os componentes participantes da interação enzima-inibidor (Pereira et al, 2003). Figura 5: representação esquemática da cadeia da MtEPSPS, evidenciando a organização da estrutura secundária Uma comparação entre as estruturas apresentadas na figura 6, permitiu a observação de alguns rearranjos ao nível de estrutura secundária da enzima, que podem ser 41 melhor visualizados quando se compara tais estruturas nas representações mostradas nas figuras 10A e 10B. Assim, observa-se a formação de duas fitas-β entre os resíduos 1-21 da enzima complexada com o glifosato, onde existia uma única dessas estruturas na apoenzima. Além disso, na região de 61-91 da apoenzima havia três fitas-β que se transformaram em duas fitas-β na enzima complexada com glifosato. Outro rearranjo importante que foi observado se refere à hélice-α existente entre os resíduos 201-211 na apoenzima, que se estendeu dos resíduos 198-211 na enzima associada ao seu inibidor. Entre os resíduos 211-240 existiam duas fitas-β na apoenzima, que se transformaram em três destas estruturas na enzima associada ao glifosato. Ainda pode-se observar a formação de pequenos trechos de hélice-α entre os resíduos 333-340 e 393-396 na enzima complexada com glifosato, que não existiam na apoenzima. Figura 6: Diagrama em ribbon para a MtEPSPS na ausência de ligantes (A) e na presença de ligantes (B). Nota-se que em B ocorre um “fechamento” da estrutura molecular. Esse fechamento promove uma diminuição, de maneira geral, da área acessível ao solvente dos resíduos de aminoácidos que interagem com o glifosato e um aumento no número de pontes de hidrogênio na molécula. A extensão de algumas regiões de hélice-α, bem como a “fusão” e/ou formação de fitas-β parecem ser importantes para permitir à enzima realizar o “ajuste- induzido” (induced-fit) ao ligante, a fim de que as cadeias laterais dos resíduos de 42 aminoácidos dos sítios de ligação com o inibidor, se orientem adequadamente no espaço. Fenômenos como este também já haviam sido descritos anteriormente na interação da arrestina-2 com seu receptor de alta afinidade (Carter et al.; 2005). Assim, pode-se dizer que de uma maneira geral, a MtEPSPS complexada com glifosato possui um maior nível de organização de estrutura secundária que a apoenzima. 7.1.1. Troca Hidrogênio / Deutério (H/D) e alterações conformacionais Os mecanismos e detalhes da troca isotópica H/D tem sido revistos extensivamente (Woodward et al.; 1982; Smith et al.; 1997). Em resumo, os prótons que estão localizados nas ligações amidas em peptídeos são substituídos por deutérios dentro de um intervalo de tempo que varia de 1 a 10 segundos, quando na presença de água deuterada a pD 7.0. Em proteínas enoveladas, entretanto, a taxa de troca dos hidrogênios amida pode ser reduzida drasticamente como resultado de um acesso restrito ao solvente e de pontes de hidrogênio intramoleculares. Mudanças conformacionais em proteínas podem causar quebra dessas pontes de hidrogênio intramoleculares ou alterar a acessibilidade dos hidrogênios amida ao solvente, podendo alterar dessa forma as taxas de troca H/D. Monitorando-se as trocas H/D em diferentes estados de uma mesma proteína (ativo, inativo, ligado, não ligado, etc), informações podem ser obtidas a respeito de alterações na conformação protéica entre esses diferentes estados conformacionais (Carter et al.; 2005). 43 7.1.1.1. Troca H/D na enzima Mt EPSPS intacta A incorporação de deutério na apoenzima MtEPSPS e na sua forma complexada com glifosato foi monitorada por espectrometria de massas, e os resultados comparados entre si. Para assegurar que a MtEPSPS fosse passível de suportar as condições de análises da espectrometria de massas com ionização electrospray (ESI-MS), e conseqüentemente permitir a detecção da incorporação de deutérios, análises ESI-MS foram realizadas para a enzima não deuterada a fim de otimizar as condições de análises. A figura 7A mostra um espectro ESI-MS típico obtido para a apoenzima MtEPSPS, medindo uma massa molecular de 46428 Da (massa teórica 46426 Da). Os estados ionizados de +30 a +59 foram claramente visíveis. Esse resultado demonstrou que a MtEPSPS era passível de suportar as condições físico-químicas de análise ESI-MS e conseqüentemente ter sua dinâmica de conformação estudada através da troca H / D. É importante salientar que espectros ESI-MS também foram obtidos para a MtEPSPS em presença e ausência de glifosato, em análises com até 8 horas de exposição ao solvente deuterado, a 25ºC, nos fornecendo assim dados experimentais sobre a dinâmica de conformação total da MtEPSPS. Experimentos com tempo de curso de até 8 horas foram realizados para a MtEPSPS, tanto na ausência como na presença do seu inibidor, o herbicida glifosato. Os espectros de massa ESI-MS deconvoluídos para ambas as formas da enzima (apoenzima e enzima com glifosato), obtidos durante os experimentos de exposição ao solvente deuterado estão mostrados nas figuras 7B e 7C, respectivamente. A massa molecular da enzima (tanto a apoenzima como a forma complexada) em cada tempo de incubação no solvente deuterado foi determinada (figura 8). 44 Figura 7: (A) Espectro de massa ESI-MS da MtEPSPS. Os valores de m/z referentes aos diferentes estados de ionização da molécula vão de 850 a 1600. (B) Espectros ESI-MS deconvoluídos obtidos para a apoenzima MtEPSPS em diferentes tempos de exposição ao solvente deuterado. O tempo nesses experimentos variou de 1 minuto a 8 horas. (C) Espectros ESI-MS deconvoluídos obtidos para a enzima MtEPSPS complexada com glifosato nas mesmas condições de tempos de exposição ao solvente deuterado de B. Um aumento de 174 Da para a apoenzima e de 137Da para a forma complexada com o inibidor foi observado após 1 minuto de deuteração. Esse aumento de massa molecular observado está relacionado aos átomos de hidrogênios amida no esqueleto de carbonos-α que foram trocados por deutério. Esses valores não levam em consideração as perdas de deutério durante as análises devido à troca reversível (vide materiais e métodos, item 6.2.4). Uma vez que a perda na troca H/D reversível foi de 12 a 15% nas proteínas intactas, para a apoenzima MtEPSPS um número de aproximadamente 197 hidrogênios amida devem ter trocado com deutério, enquanto que na MtEPSPS complexada 45 com glifosato esse número ficou em torno de 152. Os átomos de hidrogênios amida que trocam dentro do espaço de tempo de 1 minuto a pD 7.0, provavelmente são aqueles que estão expostos ao solvente e comumente não participam das pontes de hidrogênio intramoleculares (Dharmasiri e Smith, 1997). Esse aumento de massa observado após 1 minuto de exposição ao solvente deuterado, provavelmente está relacionado com resíduos de aminoácidos pertencentes a uma região altamente dinâmica da molécula. Uma análise comparativa das figuras 7B e 7C permite facilmente a observação de que à partir de 1 minuto de incubação a 25ºC, a apoenzima apresenta massas moleculares maiores que a enzima ligada ao inibidor; isso sugere que a extensão das trocas H/D é muito maior na apoenzima, que na enzima complexada ao glifosato. Percebe-se ainda na figura 8 que durante todo o tempo de curso da experimentação, sempre houve uma diferença no nível de deutério incorporado entre as duas formas enzimáticas, refletindo as diferenças conformacionais entre a apoenzima e a sua forma complexada com o inibidor. A massa molecular da MtEPSPS continuou a aumentar durante o tempo de curso do experimento, apresentando um aumento de 365 Da após 8 horas para a apoenzima, e de 301 Da para a forma complexada ao glifosato. Considerando-se a correção da troca H/D reversível para ambas as formas da enzima, o aumento pode atingir em torno de 400 Da para a apoenzima e 330 Da para a enzima complexada ao inibidor. O aumento máximo em massa hipoteticamente admissível, devido à deuteração de todos os nitrogênios amida do esqueleto de carbonos-(na molécula de MtEPSPS é de 415 Da. Isso ocorre porque a molécula da MtEPSPS apresenta 450 resíduos de aminoácidos na sua seqüência primária, e desse número devem ser descontados 33 resíduos de prolina (que 46 não permitem trocas H/D), mais os grupos N-terminal e C-terminal, os quais sempre perdem o átomo de deutério incorporado durante as análises, devido à rapidez da troca reversível (Smith et al.; 1997). Há portanto, 50 resíduos de aminoácidos na apoenzima que não realizam troca H/D durante 8 horas; esse número é de 114 para a MtEPSPS complexada com glifosato. Esses valores, juntamente com os resultados apresentados na figura 8, fornecem uma forte evidência de que a MtEPSPS complexada com glifosato é menos acessível ao solvente, quando comparado à apoenzima. O fato de ambas as curvas serem mais ou menos paralelas durante todo o experimento (figura 8) sugere que ambas as formas da enzima sofrem processos dinâmicos semelhantes, porém em diferentes proporções, respeitando as características estruturais de cada forma enzimática. 0 50 100 150 200 250 300 350 400 1 10 100 1000 Tempo (min) N ív el R el at iv o d e D eu té ri o Figura 8: Comparação do nível relativo de deutério encontrado na MtEPSPS complexada com o herbicida glifosato (�) e na apoenzima (�). O número máximo de hidrogênios trocáveis no esqueleto de carbonos-α da MtEPSPS é 415. Nota-se que a enzima complexada sempre incorporou menos deutério do que a forma apoenzimática. Esses resultados não foram ajustados para a troca H/D reversível. 47 A troca H/D foi realizada para ambas as formas da enzima MtEPSPS em condições idênticas, o que nos permitiu uma comparação direta das curvas de troca entre as formas enzimáticas, sem a necessidade da correção da troca (H/D) reversível. Os resíduos de aminoácidos que não realizaram troca H/D durante o tempo de experimentação podem estar relacionados com resíduos altamente protegidos dentro da molécula, e/ou com resíduos que participam de pontes de hidrogênio intramoleculares, onde o solvente provavelmente não pode ter o acesso necessário para que ocorra a troca H/D. Tais resíduos normalmente trocam via cinética EX2, onde muitos processos de desenovelamento e enovelamento localizados (de forma muito rápida) devem ocorrer para que ocorra a troca H/D (Engen e Smith, 2000). 7.1.1.2. Troca H/D em fragmentos pépticos A diferença no nível relativo de deutério entre as duas curvas de incorporação para as duas formas enzimáticas da MtEPSPS (figura 8) foi em média de 78 resíduos, não considerando a troca H/D reversível. As incorporações de deutério nas formas enzimáticas intactas nos forneceram diferenças globais entre a apoenzima e a enzima complexada ao glifosato. Porém, esse dado não nos fornece informações a respeito de regiões específicas dentro da estrutura da enzima que sofreram troca H/D. Para determinar quais regiões sofreram troca isotópica na estrutura protéica, uma digestão pépsica foi realizada em ambas as formas da MtEPSPS (apoenzima e enzima complexada), após as mesmas terem sido submetidas à trocas H/D. O uso da pepsina nos estudos de troca H/D tem sido extensivamente descritos (Zhang e Smith, 1993; Smith et al.; 1997; Engen e Smith, 2000). Tendo por finalidade a localização da troca H/D em regiões específicas da 48 enzima, os fragmentos peptídicos produzidos durante a digestão foram identificados inicialmente por LC-MS, e posteriormente por LC-MS/MS. A massa desses peptídeos foi analisada e o nível de deutério incorporado nos diferentes tempos de incubação determinados, tanto para a apoenzima como para a MtEPSPS complexada com glifosato. Esses resultados foram utilizados para localizar os sítios de incorporação de deutério, e permitir uma avaliação comparativa de onde a incorporação de deutério entre as duas formas enzimáticas foi diferente. A digestão pépsica produziu 67 fragmentos peptídicos (figura 9), os quais cobriram aproximadamente 98,44% da seqüência primária da enzima. Figura 9: Seqüência de aminoácidos da MtEPSPS com seu respectivo padrão de clivagem pépsica. Cada peptídeo fragmento está identificado com uma linha sob a seqüência da proteína. 49 O percentual de troca H/D nas duas formas enzimáticas em função do tempo (1, 3, 8, 15, 60 minutos, 3 e 8 horas) é claramente diferente entre a apoenzima e a enzima complexada com glifosato, como mostrado nas figuras 10A e 10B, respectivamente. A região N-terminal para ambas as formas da enzima (fragmentos de 1-6 e de 5-10) trocou muito rapidamente, com aproximadamente 80% de seus átomos de hidrogênios amida sendo trocados por deutérios dentro do primeiro minuto (figura 10A e 10B). Essa troca rápida é justificada, provavelmente, pelo fato do N-terminal em ambas as formas enzimáticas, estar localizado numa região de estrutura secundária bastante acessível ao solvente do meio. Utilizando-se dos dados de deuteração para cada peptídeo (resultados apresentados nos anexos 1 e 2), obtidos para a MtEPSPS em ausência e presença do inibidor, foi criado um padrão de cores para representar os níveis de deuteração de cada trecho de seqüência primária e de estrutura secundária, para as duas formas da enzima, conforme mostrado na figura 10. A imagem respeita o padrão de coloração comumente utilizado na literatura. As regiões menos acessíveis ao solvente (menos susceptíveis às trocas H/D) estão representadas em cor azul escuro, enquanto que as regiões mais acessíveis ao solvente estão representadas na cor vermelha (Yan et al.; 2004). Uma análise detalhada da figura 10A revela que diferentes regiões da apoenzima apresentam diferentes dinâmicas conformacionais, como por exemplo: o peptídeo 16-32 mostra-se bastante resistente à troca H/D e assim se mantém até os 60 minutos de incubação. Algo semelhante ocorre com os peptídeos 313-326 e 367-373, que se mostraram medianamente susceptíveis à troca H/D durante a incubação à 25ºC; enquanto isso, outras regiões da apoenzima que inicialmente apresentavam-se 50 medianamente rígidos, tornam-se altamente susceptíveis á troca H/D em função do tempo de incubação. Entre esses peptídeos, incluem-se os fragmentos 186 - 194, 208 - 214, 215 - 222, 223 -234, 276 - 280 e 281 – 287, os quais contém resíduos de aminoácidos que devem provavelmente, ter sua exposição ao solvente deuterado aumentada ao longo do tempo de curso do experimento. Ainda para a apoenzima (figura 10A), observa-se que os fragmentos 108 – 115, 116 – 121, 186 – 194, 208- 214, 223 – 234, 276 – 280 e 281 – 287 mantiveram-se sempre com elevada velocidade de troca H/D durante todo o experimento. Tais regiões apresentam elevadas superfícies de contato com o solvente, sendo bastante dinâmicas em termos de susceptibilidade a mudanças conformacionais (dados não mostrados). Inclusive, uma análise minuciosa dos envelopes de picos (com resolução monoisotópica) de cada um desses fragmentos, observados durante os procedimentos de LC-MS (dados não mostrados) revela que os mesmos sofrem mecanismos de troca do tipo EX1, onde tais regiões da molécula passam grande parte do tempo no estado “parcialmente desenovelado”. Analisando-se detalhadamente a figura 10B, tornam-se claras as evidências de que em presença do inibidor glifosato, a enzima MtEPSPS troca os hidrogênios amida do esqueleto de carbonos-α de forma mais lenta. Isto sugere que, de maneira geral, ocorrem várias mudanças conformacionais na MtEPSPS, quando da complexação com o glifosato. Esse resultado indica que o complexo MtEPSPS-glifosato se tornou mais rígido que a apoenzima. 51 Figura 10: Representação dos níveis de deutério da apoenzima EPSPS (A) e da EPSPS complexada com glifosato (B), baseado num padrão de cores em sete diferentes tempos de incubação a 25ºC (1, 3, 8, 15, 60 minutos, 3 e 8 horas). A figura também mostra a seqüência primária e as estruturas secundárias de cada forma da enzima. Os resíduos de aminoácidos que participam do sítio de ligação com o inibidor (glifosato) estão assinalados por pontos vermelhos no esquema da figura 10B. 52 As regiões da MtEPSPS que interagem com glifosato mostram uma baixa velocidade de troca e isso se deve provavelmente a uma diminuição da área acessível ao solvente, e um aumento no número de pontes de hidrogênio nessas regiões. Schonbrunn et al.; 2001 têm mostrado que em presença de glifosato, a enzima MtEPSPS sofre importantes mudanças conformacionais, porém as identificações dessas mudanças não foram realizadas. Algumas dessas mudanças conformacionais puderam ser descritas à partir dos resultados experimentais deste trabalho, da seguinte maneira: ⇒ O fragmento 10 - 15 que se apresentava com trocas rápidas na apoenzima, tornou-se pouco susceptível ao solvente na enzima complexada com seu inibidor; ⇒ O fragmento 16-32, que na apoenzima se apresentou medianamente exposto ao solvente após 15 minutos de incubação à 25ºC, tornou-se resistente às modificações conformacionais, mesmo após 60 minutos de incubação com o solvente deuterado, na enzima complexada com glifosato; ⇒ Várias regiões da apoenzima que eram mais dinâmicas, tornaram-se mais protegidas contra tal exposição e, portanto, menos susceptíveis à troca H/D, em conseqüência da complexação da enzima com seu inibidor. Tais regiões foram: 63 – 67, 68 – 77, 83 – 94, 102 – 107, 108 – 115, 116 – 121, 122 – 127, 202 – 207, 223 – 234, 276 – 280, 281 – 287, 330 – 338, 335 – 345 e 374 – 378; ⇒ Uma única região da MtEPSPS complexada ao inibidor tornou-se mais susceptível à troca H/D, em comparação com a apoenzima, representada pelo fragmento 399 – 405. 53 É importante salientar que os peptídeos fragmentos que possuem resíduos de aminoácidos que participam do sítio de ligação com o inibidor (glifosato), estão entre aqueles que se tornaram menos susceptíveis a sofrer processos de desenovelamento e enovelamento e, portanto, mais resistentes à troca H/D em função da ligação da enzima ao inibidor, conforme se pode observar na figura 10B. Tais resíduos de aminoácidos encontram-se nos fragmentos 16 – 32, 83 – 94, 95 – 101, 122 – 127, 163 – 170, 309 – 317, 335 – 340, 382 – 389 e 406 – 412 (representados por pontos vermelhos na figura 10B). Uma análise cuidadosa da forma, distribuição e deslocamento dos envelopes de picos de íons moleculares (com resolução monoisotópica) para cada um desses peptídeos, observados nos procedimentos de LC-MS, revela que os mesmos sofrem mudanças conformacionais por processos de desenovelamento e enovelamento que levam a trocas H/D do tipo EX2. Nesse processo, a região se desenovela parcialmente, voltando a se enovelar muito rapidamente, sendo comuns sob condições fisiológicas. Fenômeno semelhante foi relatado nos estudos de dinâmica conformacional do receptor retinóide-X em presença de seu ligante, o ácido retinóico (Yan et al.; 2004). Os resultados para a troca H/D em peptídeos pépsicos na presença e ausência de glifosato estão mostrados na figura 11 para um grupo representativo de peptídeos obtidos a partir da digestão pépsica da MtEPSPS. Os níveis de deutério nesses peptídeos foram analisados diretamente por LC-MS. Os resultados mostrados na figura 11 evidenciam que os fragmentos peptídicos que apresentam resíduos de aminoácidos, que interagem com o glifosato (peptídeos 83 – 94, 95 – 101, 122 – 127, 163 – 170, 341 – 349, 382 – 389), exibem uma diminuição significativa na quantidade de deutério incorporado. Portanto, parece coerente que algum tipo de alteração conformacional resulte numa 54 proteção contra a troca H/D nessas regiões após a ligação do inibidor, provavelmente com a finalidade de aproximar e orientar adequadamente os resíduos de aminoácidos do sítio de ligação do glifosato. Esses resultados indicam que a interação do ligante com o sítio ativo da enzima provoca uma diminuição do acesso ao solvente em torno dos resíduos que realizam as pontes de hidrogênio entre a enzima e o inibidor. A proteção contra a troca H/D dos hidrogênios amida é, entretanto, também evidente em outras regiões do complexo enzima- inibidor (figura 10). Os fragmentos pépticos representados na figura 11 contêm alguns daqueles peptídeos que apresentam resíduos de aminoácidos envolvidos na interação do glifosato com a enzima MtEPSPS. Essas regiões geralmente apresentam uma velocidade de troca H/D mais rápida quando o inibidor está ausente, indicando que as ligações amida do esqueleto de carbonos-α estão mais acessíveis ao solvente e/ou estão sob a ação de fracas pontes de hidrogênio. Muitas dessas regiões apresentaram uma diferença na incorporação de deutério já no primeiro minuto em torno de 50%, como no fragmento 95-101 (figura 11B). Esses resultados podem ser explicados com base na taxa diferencial de troca na apoenzima e na enzima complexada com o ligante. Para a apoenzima, há inicialmente um rápido aumento no nível de deutério. Na enzima complexada, essa taxa de troca é reduzida (figura 8). De uma maneira geral, a maioria desses peptídeos apresentam curvas de deuteração relativamente paralelas, na maior parte do tempo de incubação, para ambas as formas da enzima (apoenzima e enzima complexada com glifosato), indicando que em 55 ambas as condições a dinâmica de mudanças conformacionais é do mesmo tipo, exceto pelas diferenças de intensidade. Figura 11: Nível Relativo de deutério em função do tempo para seis fragmentos representativos da digestão pépsica da MtEPSPS: (A) 83-94, (B) 95-101, (C) 122-127, (D) 163-170, (E) 341-349 e (F) 382-389. (�) representa a enzima EPSPS complexada ao glifosato e ( ) representa a apoenzima. Nota-se que a enzima complexada sempre incorporou menos deutério do que a forma apoenzimática. Esses resultados não foram ajustados para a troca H/D reversível. 56 Resíduos que fazem parte do sítio de ligação com o inibidor e resíduos adjacentes, que trocam rapidamente, sugerem uma flexibilidade estrutural necessária para a ocorrência de uma mudança conformacional quando na presença desse ligante. Resultados comparativos de modelagem molecular entre a apoenzima e a enzima complexada ao inibidor, sugerem que a interação da enzima com o glifosato induz extensas mudanças conformacionais na molécula de MtEPSPS, tornando-a mais estruturada, mais organizada ao nível de estrutura secundária e conseqüentemente mais compacta. Isto é coerente com o atributo que lhe foi conferido na literatura de forma “aberta” na ausência de ligantes, e forma “fechada” em presença de ligantes (Pereira et al.; 2003). Considerando-se que a estrutura de grande parte da apoenzima sofre mudanças conformacionais para se “ajustar” à presença de um ligante (glifosato), decidiu- se examinar em detalhes as regiões da molécula que constituem o sítio de ligação do inibidor e sua vizinhança, ao nível de estrutura tridimensional, de ambas as formas da enzima. O inibidor se liga à enzima ocupando todos os sítios de ligação do fosfoenolpiruvato (PEP) e alguns dos sítios de ligação do chiquimato-3-fosfato (S-3-P). Assim, os resíduos de aminoácidos envolvidos na complexação do glifosato pela MtEPSPS são: Lys 23 (fragmento 16 – 32; α1), Leu 94 (fragmento 83 – 94; coil), Gly 96 (fragmento 95 – 101; α3), Arg 124 (fragmento 122 – 127; α5), Gln 169 (fragmento 163 – 170; α7), Glu 311 (fragmento 309 – 317, coil), Glu 341 / Arg 344 (fragmento 341 – 349, coil / α17), His 384 / Arg 385 (fragmento 382 – 389; coil / α18) e Lys 410 (fragmento 406 – 412; α20) (Pereira et al.; 2003). 57 Pode-se observar que sete desses resíduos localizam-se em regiões que apresentam estrutura secundária em hélice-α e que tais regiões estão entre aquelas que sofreram mudanças conformacionais, no sentido de se orientarem melhor no espaço, para permitir interações otimizadas entre a enzima e seu inibidor, tornando a molécula de MtEPSPS mais compacta e menos susceptível à troca H/D. Procurando detalhes da estrutura tridimensional de cada forma da MtEPSPS (aberta e fechada), escolheu-se o mesmo ângulo de visão, representado na figura 12, onde estão representadas somente as estruturas em hélices-α em torno do sítio de ligação do glifosato, tanto para a apoenzima (figura 12A), como para a enzima complexada com glifosato (figura 12B). Nestas figuras estão identificadas cada hélice-α e na figura 12A, as setas estão indicando as direções dos movimentos a serem realizados por algumas dessas hélices-α. Uma comparação entre essas duas representações (figuras 12A e 12B), as quais estão na mesma escala, revela que a maioria das hélices-α se deslocam na direção do glifosato, sendo que várias delas aparentam ter se alongado (tornaram-se mais extensas), isto é, apresentam um número maior de passos. Esta observação pode sugerir que estaria ocorrendo um afunilamento das hélices-α em direção ao inibidor, acompanhado de um aumento no percentual dessas estruturas em hélice-α, ao longo da seqüência primária da enzima. 58 Figura 12: (A) Hélices-α na apoenzima MtEPSPS e (B) hélices-α na MtEPSPS na presença de glifosato. 7.1.2. Dicroísmo circular Com a finalidade de checar tal observação, a MtEPSPS foi submetida à análises de dicroísmo circular, tanto na presença no como na ausência de glifosato. As frações de estruturas secundárias foram calculadas a partir da deconvolução dos espectros CD, utilizando-se como referencia os espectros padrões de randon-coil, hélice-α e folha β, obtidos a partir de soluções de poli-L-lisina em solução aquosa e pH neutro (randon coil), pH=11 (hélice-α) e a mesma aquecida até 50ºC, seguida por posterior resfriamento (folha β), respectivamente. Os resultados obtidos da deconvolução espectral mostram que a MtEPSPS em ausência de glifosato é composta por 40% de hélice-α; 30% de folha-β e 30% de randon-coil (espectro CD0) (figura 13). 59 190 200 210 220 230 240 250 -15.0 -10.0 -5.0 0.0 5.0 10.0 15.0 20.0 [ ΨΨ ΨΨ ] ( x1 0-3 de g cm 2 dg -1 ) λλλλ (nm) CD0 CDT1 CDT5 Figura 13: Espectro de dicroísmo circular obtido para a EPSPS na presença e ausência de glifosato onde CD0 = amostra sem ligante (⎯); CDT1 = amostra mais glifosato após 1 minuto da adição do ligante à solução (⎯); CDT5 = amostra mais glifosato após 1 hora da adição do ligante à solução (⎯). Logo após a adição de glifosato à solução (espectro CDT1) observa-se um aumento da fração de hélice-α (49%) com a diminuição de folhas-β (26%) e randon-coil (25%), e após uma hora (CDT5) observa-se que a fração de hélice-α estabiliza-se em 57%, a fração de folha β em 23% e a de randon-coil em 21%. Estes dados mostram que houve interação entre o inibidor e a enzima produzindo um acentuado aumento na fração de hélice-α, de 40% para 57%, acompanhado de uma diminuição da fração de folha-β de 30% para 23% e de randon-coil de 30% para 21%, uma hora após a adição de glifosato à solução de MtEPSPS. Estes resultados indicam fortemente que a interação da enzima com o inibidor foi acompanhada de um aumento das estruturas secundárias em hélice-α, tornando 60 a forma fechada mais organizada estruturalmente que a forma aberta, corroborando as observações feitas mais acima, sobre a importância funcional destas mudanças conformacionais. 7.2. Enzima 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato Sintase em presença de fosfoenolpiruvato 7.2.1. Troca Hidrogênio / Deutério (H/D) e alterações conformacionais 7.2.1.1. Troca H/D na enzima MtEPSPS intacta A troca dos hidrogênios amida na apoenzima MtEPSPS e na sua forma complexada com o substrato fosfoenolpiruvato (PEP) foi medida através da incubação da enzima em diferentes tempos de incubação em água deuterada, tanto na presença quanto na ausência de fosfoenolpiruvato. O tempo máximo de exposição ao solvente deuterado foi de 8 horas. A incorporação de deutério na apoenzima MtEPSPS e na sua forma complexada com o fosfoenolpiruvato (PEP), ambas intactas, foi comparada por espectrometria de massas. Experimentos com tempo de curso de até 8 horas foram realizados para a MtEPSPS, tanto na ausência como na presença do seu substrato, o fosfoenolpiruvato (PEP). A figura 14 mostra os espectros deconvoluídos para casa uma das situações. A cada intervalo de tempo pré-determinado, alíquotas tanto da apoenzima quanto da forma complexada ao fosfoenolpiruvato tiveram suas reações de deuteração amortizadas através da diminuição do pH e da temperatura. Essas alíquotas foram então digeridas com pepsina e os peptídeos resultantes analisados por LC-MS e LC-MS/MS. 61 Estas análises de espectrometria de massas tiveram por objetivo monitorar o aumento tempo-dependente em massa dos peptídeos analisados. Esses resultados relatam diferentes níveis de troca isotópica H / D dentro de diferentes regiões da enzima. Figura 14: (A) Espectros ESI-MS deconvoluídos obtidos para a apoenzima MtEPSPS em diferentes tempos de exposição ao solvente deuterado. Os tempos nesses experimentos variaram de 1 minuto a 8 horas. (B) Espectros ESI-MS deconvoluídos obtidos para a enzima MtEPSPS complexada com fosfoenolpiruvato nas mesmas condições de tempos de exposição ao solvente deuterado de A. Os valores de massas médias para a enzima MtEPSPS tanto na ausência como na presença do fosfoenolpiruvato em cada tempo de incubação no solvente deuterado, foi determinada e estão apresentados na figura 15. Após 1 minuto de exposição ao solvente deuterado, a massa molecular da apoenzima aumentou em 174 Da e para o complexo enzimático EPSPS-PEP, esse aumento foi de 129 Da, ou seja, 41,8% dos hidrogênios amida da apoenzima e 31% dos hidrogênios amida na MtEPSPS complexada com fosfoenolpiruvato foram accessíveis ao solvente deuterado. Os hidrogênios amida que trocam dentro do espaço de tempo de 1 minuto a pD 7.0 provavelmente são aqueles que estão expostos ao solvente e comumente não participam das pontes de hidrogênio intramoleculares (Dharmasiri e Smith, 1996). Esse aumento de massa observado após 1 minuto de exposição ao solvente deuterado está relacionado, 62 provavelmente, com a exposição ao solvente dos resíduos de aminoácidos pertencentes a regiões de estrutura secundária desorganizada e que são mais flexíveis na estrutura terciária da enzima. Após 8 horas de deuteração, a massa molecular para a apoenzima aumentou em 365Da, enquanto que no complexo EPSPS-PEP, o aumento observado foi de 363 Da, ou seja, 87,54% dos hidrogênios amida da apoenzima sofreram deuteração enquanto que na enzima ligada ao fosfoenopiruvato, esse percentual ficou em torno de 87,25%. Esse aumento de massa molecular observado está relacionado à troca H/D dos átomos de hidrogênios amida no esqueleto de carbonos-α. Esses valores não levam em consideração as perdas de deutério durante as análises devido à troca reversível. Entretanto e uma vez que a perda na troca H / D reversível pode ter ficado em torno de 12 a 15% nas proteínas intactas, para a apoenzima MtEPSPS um número de aproximadamente 197 hidrogênios amida devem ter trocado com deutério após um minuto, enquanto que na MtEPSPS complexada com o fosfoenolpiruvato esse número ficou em torno de 149. Após 8 horas de exposição ao solvente deuterado, valores de deuteração muito parecidos foram apresentados tanto para a apoenzima MtEPSPS quanto para a forma complexada ao fosfoenolpiruvato. Isso sugere, provavelmente, que a MtEPSPS complexada ao fosfoenolpiruvato apresenta alterações conformacionais mais amplas que a EPSPS na presença do inibidor glifosato, no sentido de proporcionar a catálise da reação entre o chiquimato-3-fosfato (S3P) e o fosfoenolpituvato (PEP), formando o 5- enolpiruvilchiquimato-3-fosfato. Esses resultados demonstram claramente a maior rigidez e estabilidade do complexo EPSPS-glifosato em relação ao complexo EPSPS- fosfoenolpiruvato e à apoenzima, respectivamente. 63 Considerando-se a correção da troca H/D reversível para a apoenzima e para o complexo EPSPS-PEP, o aumento, para ambas as formas enzimáticas pode atingir algo em torno 400 Da. 0 50 100 150 200 250 300 350 400 1 10 100 1000 Tempo (min) N ív el R el at iv o d e D eu té ri o Figura 15: Comparação do nível relativo de deutério encontrado na MtEPSPS complexada com o substrato fosfoenolpiruvato (�) e na apoenzima (�). O número máximo de hidrogênios trocáveis no esqueleto de carbonos-α da MtEPSPS é 415. Nota-se que a enzima complexada sempre incorporou menos deutério do que a forma apoenzimática. Esses resultados não foram ajustados para a troca H/D reversível. Como mostra a figura 15, tanto a apoenzima, com a forma complexada ao fosfoenolpiruvato, apresentam pequenas diferenças nas formas das curvas de deuteração. Nota-se, entretanto, que de forma geral houve uma semelhança nas curvas para ambas as formas enzimáticas, as quais são de maneira geral paralelas, evidenciando processos dinâmicos semelhantes, porém em pequenas e diferentes proporções, pois ao longo de todo o experimento a apoenzima sempre apresentou uma incorporação maior de deutério, refletindo uma maior acessibilidade ao solvente e também um número menor de pontes de 64 hidrogênio nesta forma. Essas pontes de hidrogênio podem também ser fracas, possibilitando, assim, uma maior mobilidade da estrutura terciária apoenzimática. Portanto, é coerente inferir que a apoenzima parece ser um pouco menos estruturada que o complexo EPSPS-PEP, sugerindo que a ligação do fosfoenolpiruvato à enzima causou certa compactação da estrutura tridimensional da MtEPSPS, diminuindo o acesso do solvente ao interior da proteína. Após 8 horas de exposição ao solvente deuterado, apesar da pequena diferença observada entre os níveis totais de deutério incorporado entre ambas as formas enzimáticas, é importante evidenciar qu