UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP EVELIN OLIVEIRA DE REZENDE PIZA TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA NA INFÂNCIA: um estudo de teses e dissertações do programa de pós-graduação em educação especial da UFSCAR ARARAQUARA – S.P. 2021 EVELIN OLIVEIRA DE REZENDE PIZA TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA NA INFÂNCIA: um estudo de teses e dissertações do programa de pós-graduação em educação especial da UFSCAR Tese de Doutorado, apresentado ao Conselho, Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/ Campus de Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutora em Educação Escolar. Linha de pesquisa: Formação do Professor; Trabalho Docente e Práticas Pedagógicas Orientadora: Profa. Dra. Luci Pastor Manzoli Bolsa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq ARARAQUARA – S.P. 2021 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. P695t Piza, Evelin Oliveira de Rezende Transtorno do Espectro Austita na Infância : um estudo de teses e dissertações do programa de pós-graduação em educação especial da UFSCAR / Evelin Oliveira de Rezende Piza. -- Araraquara, 2022 165 p. : il., tabs. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientadora: Luci Pastor Manzoli 1. transtorno do espectro autista. 2. educação inclusiva. 3. educação especial. 4. estudos da infância e criança. 5. educação escolar. I. Título. EVELIN OLIVEIRA DE REZENDE PIZA TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA NA INFÂNCIA: um estudo de teses e dissertações do programa de pós-graduação em educação especial da UFSCAR Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/ Campus de Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutora em Educação Escolar. Linha de pesquisa: Formação do Professor; Trabalho Docente e Práticas Pedagógicas Orientadora: Profa. Dra. Luci Pastor Manzoli Bolsa: CNPq Data da Defesa: 14/12/2021 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: _____________________________________________________________________________ Presidente e orientadora: Profa. Dra. Luci Pastor Manzoli Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara. _____________________________________________________________________________ Membro Titular: Profa. Dra. Fátima Elisabeth Denari Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR/São Carlos. _____________________________________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dra. Silvia Regina Ricco Lucato Sigolo Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara. _____________________________________________________________________________ Membro Titular: Profa. Dra. Fabiana Cristina Frigieri de Vitta Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP/Marília. _____________________________________________________________________________ Membro Titular: Profa. Dra. Nilza Renata de Medeiros Programa de Educação Especial da Secretaria Municipal de Araraquara. _____________________________________________________________________________ Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP– Campus de Araraquara Aos meus filhos Anthony e Thomas, que são a essência e extensão de minha vida, ao meu marido Gabriel, a minha mãe Maria das Graças, ao meu pai Jaime, ao meu irmão Everton. Também dedico essa tese a todas as crianças que encontrei em minha caminhada profissional e pessoal. Principalmente as crianças e pessoas com TEA, que caminharam comigo, fazendo- me crescer e as conceber com olhos para além do TEA. Às suas e às nossas infâncias. AGRADECIMENTOS Agradeço à Deus por a cada dia me dar a oportunidade de desfrutar a vida, que me fez ver com outros olhos o que eu não via mais, que me fez acreditar novamente apurando e aguçando meus sentidos e sensibilidade diante a vida. Por todas as bênçãos concedidas e misericórdias, pelo dom de germinar vidas em meu ventre, por me conceder a cura no momento oportuno. És tu meu Deus, a luz que me guia! Gratidão eterna! Agradeço ao meu filho, Anthony que nasceu durante a trajetória da elaboração dessa tese e hoje correndo daqui e dali me chamando „„Mamãe, mamãe!” com seus olhinhos atentos visando o descobrimento da vida em todos os cantos pela casa. Desculpe-me pela renúncia das horas distendidas para elaboração dessa pesquisa. Meu filho, meu amor agradeço imensamente o seu olhar, o seu colinho, seu cheirinho, seu sorriso, seu pedido na época da escrita para qualificação: „‟colo mamãe!‟‟ e a existência da sua vida! Agradeço ao meu filho, Thomas, que veio para alegrar ainda mais nossas vidas, chegando a meu ventre no meio de uma pandemia em nível mundial, em um momento de total reclusão social nossa. Ainda em seus primeiros meses de vida vivenciamos a continuação da crise sanitária. Meu filho, meu amor você trouxe outro sentido as nossas vidas e ainda, mais amor e bênçãos em nosso lar, seus olhos cheios de curiosidade e ternura me motiva a continuar lutando nessa caminhada, transcendendo a nossa existência, agradeço a sua vida meu filho! Ao meu marido Gabriel, que vivenciou todos os momentos desta tese e pelos anos dispensados em me acompanhar nesta conquista ainda quando namorado e noivo. A você, pai dos meus filhos, agradeço ao amor, a união, a consagração de nossa família, ao matrimônio, a compreensão, a paciência, a construção de uma vida juntos, ao carinho, ao colo, ao companheirismo, a cumplicidade, a parceria infinita. Agradeço o nosso renascimento em cada aurora, com você ao meu lado consigo me acalmar, continuar nessa caminhada, e acreditar em meus objetivos. O admiro por muitas coisas, uma delas por ser exemplo de profissional comprometido. Gratidão por dividir este sonho comigo, e por todos os momentos em que esteve ao meu lado me apoiando e segurando minhas mãos! Agradeço o amor sem limites da minha mãe, tão amada, Maria das Graças, que sempre acreditou em minha busca mesmo quando eu não mais acreditava. Muito obrigada por tudo, minha mãe. A admiro muito por ser realmente quem tu és, e também por explanar luz, sorrisos de olhos e lábios por onde caminha. O seu colo diante das barreiras me incentivou! Ao meu pai Jaime que tanto amo, homem íntegro, humilde e simples, que com doçura no olhar, nas palavras e nas ações me ensinou tantas coisas inexplicáveis. A você meu pai, que hoje talvez não consiga perceber o significado, o sentido e a representatividade de algumas coisas, mas que pelas leituras dos nossos imaginários, nossas memórias sempre permanecerão presentes. Pai, você aquece, preenche meu coração e minha vida de amor e de alegria. Desculpem-me meus pais, pela renúncia do tempo que me ausentei para realizar essa pesquisa. Ao meu irmão Everton, por caminhar comigo e dividir as nossas vidas, pelo seu amor, companheirismo, amizade e carinho, pela sua determinação, força, apoio e por sempre estar ao meu lado! Agradeço à Professora Dra. Luci Pastor Manzoli pela orientação durante essa trajetória do doutorado e pelas aulas e ensinamentos ainda na época da graduação. Pelos conhecimentos precedidos, pela atenção cuidadosa, apoio, cumplicidade e confiança, pelo rigor com o comprometimento da pesquisa. À senhora meu respeito, afeto e gratidão! Aos meus Professores do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, por me iniciar nos caminhos da pesquisa, com destaque aos professores Dr. Paulo Rennes Marçal Ribeiro (orientador na iniciação científica) e Dra. Maria Beatriz Loureiro de Oliveira pela acolhida em seu grupo de Orientação Vocacional e Profissional trazendo-me grandes ensinamentos. À professora Dra. Anete Abramowicz por me apresentar a ciência que investiga os estudos referentes às crianças e infâncias, em 2009, quando fui sua orientanda de especialização na UFSCar. Aos professores do Programa de Pós-graduação em Educação Especial da UFSCar com destaque à Profa. Dra. Cristina Yoshie Toyoda, minha orientadora de mestrado pelas contribuições e aprendizagens. Às Professoras Dra. Silvia Regina Ricco Lucato Sigolo e Dra. Fátima Elisabeth Denari pelas contribuições manifestadas no exame de qualificação, as quais foram de grande importância para o aperfeiçoamento desta pesquisa. Ao Professor Dr. Carlo Schmidt, Professor Dr. Antônio Celso de Noronha Goyos e a Professora Dra. Vera Lucia Messias Fialho Capellini pelas indicações bibliográficas a essa pesquisa, pelas leituras de suas obras científicas e, por constituírem suas investigações na área do TEA. Às professoras por aceitarem participar da composição dos membros da banca, como titulares e suplentes, pelas preciosas considerações e contribuições a essa pesquisa. À todos os membros do Grupo de Estudos e Pesquisas no Ensino Básico e Educação Especial (GEPEB) liderado pela Professora Luci Pastor Manzoli, pela amizade e parceria, em especial às queridas: Bruna, Gabriela, Nilza, Adriana, Ana Lídia, Rosa e Caio. À Neusa, Aline Crociari e Juliessa pela amizade e apoio no início do doutorado. Aos meus avôs maternos e paternos in memorian, aos avôs por conta do meu marido, que se tornaram meus avôs, aos meus sogros, aos meus cunhados, as minhas primas(os) e tias(os). Enfim, a todos os meus Familiares e Amigos que, de alguma maneira, desprenderam- me do meu olhar atento para o desenvolvimento desta pesquisa a fim de compartilhar momentos de refúgio para eu recuperar as energias distendidas. À Natália Deimling, Simone e Andreza que se fizeram presentes durante todo o percurso dessa trajetória, que vibravam a cada etapa dessa pesquisa, a vocês por compartilhar comigo as minhas, as suas, as nossas angústias, devaneios e, fantasias que nutrem nossos dias. À Nathália Amorim, Edi, Flávia, Eliana, Denise e Rayana pela amizade, pela leveza e doçura durante os caminhos da elaboração dessa tese, desde antes do cumprimento dos créditos até a finalização dessa pesquisa, a vocês, agradeço pelo encontro da e em vida e pelo fortalecimento dos laços, além da FCLAr. A todos os meus professores, os quais tive desde a mais tenra infância até os caminhos da vida adulta, as memórias da Pré-escola, da minha Infância, adolescência, vocês fizeram parte e constituíram tanto a minha trajetória profissional quanto contribuíram com a minha formação pessoal! Foi por meio de vocês que também aprendi a amar, a respeitar a ciência e a me dedicar cada vez mais ao mundo acadêmico e a docência. A todas as pessoas que de forma direta ou indireta participaram deste processo. A todos os Colegas de Profissão e a todas as Crianças, Jovens e Adultos que passaram por minha mão enquanto Professora/educadora, com cada um de vocês aprendi e aprendo muito a cada dia, sendo que enriquecem meu conhecimento e as particularidades da amplitude educacional, perpassando assim, por todas as facetas do meu descobrir-se enquanto Professora/educadora/pedagoga. Agradeço ao Vitor e à todas as crianças e pessoas com TEA. Agradeço aos pesquisadores que compuseram o rol das produções, as quais foram Dissertações e Teses que ampararam como lócus de análises de dados desta tese. Aos colegas do curso de Doutorado pela amizade e pelo incentivo. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Letras - Campus de Araraquara pela oportunidade e a todas as pessoas nele envolvidas. Ao apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que tornou possível a realização desta pesquisa. Aos Brasileiros, que por intermédio do pagamento de impostos propiciaram minha formação educacional sempre em instituição pública e com bolsa de estudos no decorrer da minha vida acadêmica. Quando as crianças brincam E eu as ouço brincar, Qualquer coisa em minha alma Começa a se alegrar. E toda aquela infância Que não tive me vem, [E que tive me vem] Numa onda de alegria Que não foi de ninguém. Se quem fui é enigma, E quem serei visão, Quem sou ao menos sinta Isto no coração. (Quando as crianças brincam - Fernando Pessoa, 1933) 1 1 Disponível em: https://poesiainfantilblog.wordpress.com/2016/05/05/quando-as-criancas-brincam-fernando- pessoa/. Acesso em: 06/10/2021. https://poesiainfantilblog.wordpress.com/2016/05/05/quando-as-criancas-brincam-fernando-pessoa/ https://poesiainfantilblog.wordpress.com/2016/05/05/quando-as-criancas-brincam-fernando-pessoa/ RESUMO Esta tese traz uma análise das produções acadêmicas sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Objetivou-se mapear as produções acadêmicas referentes às teses e dissertações que abordam o TEA na infância no aspecto educacional, no período de 1996 a 2020, e analisar seus objetivos, referenciais teóricos e resultados. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e analítica de abordagem qualitativa de natureza exploratória. A coleta dos dados foi realizada ao acessar o portal eletrônico da biblioteca da Universidade, em estudo, no qual foram encontradas 13 produções, sendo três teses e dez dissertações. Essas produções foram analisadas em 2 eixos centrais, sendo o primeiro, relacionado à caraterização do contexto investigado, no qual são apresentadas as produções e, o segundo em que se realiza a análise das categorias e subcategorias encontradas nessas produções, no que tange aos seus objetivos e aporte teórico conforme o desenvolvimento de cada pesquisa, a saber: Análise do Comportamento Aplicada; Análise do Comportamento, na qual se acopla o Currículo Funcional Natural, PECS e TEACCH e as Abordagens Pedagógicas que se remetem aos referenciais encontrados nas produções. Os resultados apontaram que é preciso voltar os olhares e atenção quanto ao aperfeiçoamento das práticas pedagógicas dos professores das classes regulares de ensino em relação ao aluno com TEA, bem como a necessidade que na formação inicial, vivenciada nos Cursos de Pedagogia e demais Licenciaturas, sejam ofertadas disciplinas que tratem, no sentido de estudar com maior profundidade, características e aportes teóricos sobre o TEA, voltadas, sobretudo à prática pedagógica no contexto escolar da educação na Perspectiva da Educação Inclusiva. Quanto aos resultados da análise das Abordagens Científicas, os dados apontaram que dentre as produções analisadas, a abordagem científica mais encontrada foi a que se refere às investigações de cunho experimental radical, que se fundamenta nos princípios da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), seguida pela abordagem científica que corresponde aos estudos de natureza da Análise do Comportamento, os quais se apresentam com o recorte naturalístico, a saber: Currículo Funcional Natural, PECS e TEACCH. Constatou-se, também, produções que se remetem às abordagens científicas relacionadas à prática pedagógica, designada nessa pesquisa como Abordagem Pedagógica. As contribuições destas produções indicaram a necessidade de maior atenção ao desenvolvimento do repertório verbal das crianças. Palavras-Chave: transtorno do espectro autista; educação inclusiva; educação especial; estudos da infância e criança; educação escolar. ABSTRACT This thesis presents an analysis of the academic productions on Autism Spectrum Disorder (ASD) from the Graduate Program in Special Education at the Federal University of São Carlos - UFSCar. The objective was to map the academic productions referring to theses and dissertations that address ASD in childhood in the educational aspect, from 1996 to 2020, and to analyze their objectives, theoretical references and results. This is a bibliographic and analytical research with a qualitative approach of an exploratory nature. Data collection was performed by accessing the electronic portal of the University library, in which 13 productions were found, three theses and ten dissertations. These productions were analyzed in terms of two central axes, the first being related to the characterization of the investigated context, in which the productions are presented, and the second in which the analysis of the categories and subcategories found in these productions is carried out, referring to their objectives and progress. theoretical according to the development of each research, namely: Applied Behavior Analysis; Behavior Analysis, in which the Natural Functional Curriculum, PECS and TEACCH and Pedagogical Approaches that refer to the references found in the productions are coupled. The results showed that it is necessary to turn the eyes and attention to the improvement of the pedagogical practices of the teachers of the regular teaching classes in relation to the student with ASD, as well as the need that in the initial training experienced in the Pedagogy Courses and other Degrees, be offered disciplines that deal with, in the sense of studying in greater depth, characteristics, theoretical contributions, investigations, on TEA, aimed at pedagogical practice in the school context of education in the Perspective of Inclusive Education. As for the results of the analysis of Scientific Approaches, the data showed that among the analyzed productions, the most common scientific approach was the one referring to investigations of a radical experimental nature, which is based on the principles of Applied Behavior Analysis (ABA), followed by the scientific approach that corresponds to the nature studies of Behavior Analysis, which are presented with a naturalistic approach, namely: Natural Functional Curriculum, PECS and TEACCH. Productions were also observed that refer to scientific approaches related to pedagogical practice, designated in this research as Pedagogical Approach. The contributions of these productions indicated the need for greater attention to the development of children's verbal repertoire. Keywords: autism spectrum disorder; inclusive education; special education; childhood and child studies; schooling. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Categorias de Análise das Produções 76 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Identificação das Produções 63 Quadro 2 Objetivos principais e Referencial teórico sobre o TEA das produções selecionadas 67 Quadro 3 Caracterização dos Participantes 72 Quadro 4 Abordagens científicas I e II de análise das produções 75 Quadro 5 Abordagem científica III de análise das produções 75 Quadro 6 TEA e Infância: Categorias e subcategorias 76 Quadro 7 Abordagem Científica I: Análise do Comportamento Aplicada 96 Quadro 8 Abordagem Científica II - Análise do Comportamento: TEACCH. PECS. Currículo Funcional 119 Quadro 9 Abordagem Científica III - Abordagens Pedagógicas 134 Quadro 10 Síntese dos resultados das produções 137 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Quantidade de Teses e Dissertações analisadas 65 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AAP Associação Americana Psiquiátrica ABA Applied Behavior Analysis ABLA Assessment of Basic Learning Abilities ABLLS Assessment of Basic Language and Learning Skills ACA Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis) AEE Atendimento Educacional Especializado AI Autismo Infantil AMA Associação de Amigos do Autista APA American Psychiatric Association APAE Associação de Pais e Amigos do Excepcional AVD Atividades de Vida Diária AVP Atividades de Vida Prática CA Comunicação Alternativa CARS Childhood Autism Rating Scale CASB Centro Ann Sullivan do Brasil CDC Center of Deseases Control and Prevention CF Complexidade de Fala CID-10 Código Internacional de Doenças 10 CID-11 Código Internacional de Doenças 11 CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde CNE Conselho Nacional de Educação DRA Reforçamento Diferencial Alternativo DRI Reforçamento Diferencial Incompatível DRO Reforçamento Diferencial de Outro Comportamento DSM-V Manual de Doenças Mentais EME Extensão média dos Enunciados HND Habilidades narrativo-discursivas HS Habilidades sociais IES Instituições de Ensino Superior INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ITD Instrução com Tentativas Discretas (Discrete Trial Instruction) LAHMIEI Laboratório de Aprendizagem Humana Multimídia Interativa e Ensino Informatizado LBI Lei Brasileira de Inclusão LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação MTS Matching-To-Sample OMS Organização Mundial da Saúde ONU Organização das Ações Unidas PA Participantes Alunos PAEE Público-Alvo da Educação Especial PCS Picture Communication Symbols PECS Picture Exchange Communication System PM Participante Mãe PNEE-PEI Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva PP Professora da sala de aula ProFAI-TEA Programa de Formação de Aplicadores e Interlocutores para utilização do PECS-Adaptado em crianças/adolescentes com TEA QI Quociente de Inteligência SRM Sala de Recursos Multifuncionais SSRS Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais SUS Sistema Único de Saúde TDAH Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade TEA Transtorno do Espectro Autista TEACCH Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children TGD Transtorno Global do Desenvolvido TTD Treino em Tentativas Discretas UFSCar Universidade Federal de São Carlos UNESP Universidade Estadual Paulista SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO/JUSTIFICATIVA ......................................................................... 19 2 O RECONHECIMENTO DA INFÂNCIA COMO CONDIÇÃO HUMANA ..... 25 2.1 Breve aspecto histórico ............................................................................................. 25 2.1.1 A criança e suas relações com o mundo ................................................................ 28 2.1.2 Criança e infância: breve dimensões que as compõem ......................................... 32 3 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA/TEA ............................................... 37 3.1 Percurso histórico ..................................................................................................... 37 3.1.1 Olhares sobre o TEA: diagnóstico e nomenclatura ............................................... 41 4 SISTEMA EDUCACIONAL INCLUSIVO: ENFOQUE PANORÂMICO ......... 50 4.1 Aportes das Políticas Públicas .................................................................................. 50 4.1.1 Alguns estudos na Perspectiva Inclusiva: atenção quanto à formação do professor54 5 OBJETIVOS .............................................................................................................. 58 6 CAMINHOS METODOLÓGICOS ......................................................................... 59 6.1 Fundamentação da Pesquisa ..................................................................................... 59 6.1.1 Local da Pesquisa .................................................................................................. 60 6.1.2 Materiais de coleta de dados .................................................................................. 60 6.1.3 Aspectos Éticos da Pesquisa .................................................................................. 61 6.1.4 Procedimentos para coleta de dados ...................................................................... 61 6.1.5 Caracterização das produções selecionadas .......................................................... 62 6.1.6 Identificação das Produções .................................................................................. 63 6.1.7 Procedimentos de análise dos dados ...................................................................... 65 7 RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................. 67 7.1 Objetivos das produções e Referencial teórico sobre o TEA ................................... 67 7.1.1 Caracterização dos participantes das produções .................................................... 71 7.2 Resultados e discussão organizados conforme as categorias de análise das produções74 7.2.1 Resultados e Discussão das Produções quanto à categoria: Abordagem Científica I - Análise do Comportamento Aplicada (ABA) ................................................................ 77 7.2.2 Resultados e Discussão das Produções quanto à categoria Abordagem Científica II - Análise do Comportamento .......................................................................................... 104 7.2.3 Resultados e Discussão das Produções quanto à categoria Abordagem Científica III - Abordagens Pedagógicas .............................................................................................. 127 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 143 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 150 APÊNDICE ................................................................................................................. 163 19 1 INTRODUÇÃO/JUSTIFICATIVA A presente tese é decorrente do envolvimento enquanto estudante desde a época da graduação ao vivenciar ainda na disciplina de estágio curricular as relações da professora da classe regular e suas dúvidas ao trabalhar com o aluno público-alvo da Educação Especial (PAEE) na sala de aula com os demais alunos. Sendo assim, o momento de estágio contribuiu com a formação da pesquisadora para maior atenção ao público da Educação Especial. Findada graduação, a pesquisadora começou a lecionar na Educação Básica, de modo que trabalhou com alunos público-alvo da Educação Especial (PAEE), na classe regular de ensino, com: Transtorno do Espectro Autista (TEA), paralisia cerebral, deficiência intelectual, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), dificuldades de aprendizagem, entre outras. Neste sentido, precisou aprofundar em seus estudos na área, de forma a contribuir com a melhoria da qualidade de ensino oferecido a estes alunos. Desta maneira, na pesquisa de mestrado atentou-se para a formação do pedagogo, no sentido de averiguar as contribuições do curso de Pedagogia para a área de Educação Especial, tendo em vista verificar como o pedagogo estava sendo formado para atuar na educação básica, uma vez, que a inclusão escolar é um direito de todos, independentemente de seus atributos pessoais e sociais. Investigou-se a matriz curricular de dois cursos de Pedagogia de duas universidades públicas localizadas no interior de São Paulo e aplicou questionários aos graduandos do último ano. Os resultados mostraram que estes graduandos não se sentiam preparados para atuar com os alunos que fogem ao dito padrão da normalidade (REZENDE, 2013). Diante deste contexto acadêmico e profissional, o que mais chamou a atenção da pesquisadora foram os comportamentos apresentados pelos alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e expressos na APA (2014), como: resistência a mudanças de rotina, preferem se manter isolados sem se aproximar com os demais colegas da classe ou da escola, excesso de apego a objetos, dificuldade de manter contato visual, resistência aos contatos físicos, repetição de palavras ou frases, baixo nível de concentração, dificuldades de demonstrar emoções por meio de gestos ou expressões visuais, se mantém ocupado a girar objetos de maneira peculiar, dificuldades de comunicação verbal, dentre outros. De acordo com o Protocolo do Estado de São Paulo de Diagnóstico Tratamento e Encaminhamento de Pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA): Transtorno do Espectro Autista é um termo que engloba um grupo de afecções do neurodesenvolvimento, cujas características envolvem 20 alterações qualitativas e quantitativas da comunicação, seja linguagem verbal e/ou não verbal, da interação social e do comportamento caracteristicamente estereotipados, repetitivos e com gama restrita de interesses. (SECRETARIA DA SAÚDE/SECRETARIA DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, 2013, p.8). “A sua gravidade está pautada em prejuìzos de comunicação social e em padrões restritos ou repetitivos de comportamento” (DSM IV p.50) e, segundo a APA (2014), pode se apresentar em um dos 3 níveis classificatórios: leve (nível 1), moderado (nível 2) e grave (nível 3). No nível leve, apresenta pouco interesse nas relações sociais, tentativa de fazer amigos nem sempre bem-sucedida e necessita de suporte. O moderado, é caracterizado por déficits nas interações sociais com resposta mínima a abertura para troca de atividades, demonstra dificuldade para mudar o foco com prejuízos aparentes e necessita de suporte considerável. No nível grave, as interações sociais se apresentam de forma altamente limitadas e possuem extrema dificuldade em situações que envolvem mudanças e aflição ao mudar o foco ou ação. Faz-se a ressalva que nos dias hodiernos esta diferenciação quanto aos níveis e suas designações estão em constantes mudanças. De acordo com os estudos realizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) estima-se que há 70 milhões de pessoas com TEA em todo o mundo, sendo 2 milhões somente no Brasil. Estima-se também, que uma em cada 44 crianças apresenta traços do TEA, com prevalência cinco vezes maior em meninos. Segundo o CDC (Center of Deseases Control and Prevention, 2021), existe hoje um caso de autismo a cada 44 crianças de 8 anos. São mais de 300 mil ocorrências apenas no Estado de São Paulo. A partir da Lei 12.764 de 27 de dezembro de 2012, a pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) passa a ser considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais. Neste sentido, surgiram, sobretudo a partir dos anos 2000, publicações dos órgãos governamentais consideradas de leitura fundamental para profissionais, pais e interessados no assunto, que esclarecem sobre as possibilidades de tratamento e cuidados à saúde tais como: “Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo” (BRASIL, 2014), o livreto “Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS, (BRASIL, 2013c), Transtorno Invasivo do Desenvolvimento 3 0 Milênio, Linha de cuidado para a atenção às pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo e suas famílias, (CAMARGO JR. et al, 2005), dentre outros. 21 Sob essa ótica, torna-se importante a observação no dia a dia do professor principalmente, o que atua na educação infantil, bem como olhar para a família dessa criança, isso nos aspectos que perpassam sobre o brincar da criança com TEA, sua forma de se relacionar com os objetos, com as pessoas, com os coleguinhas e o seu desenvolvimento de comunicação e linguagem. Com a colaboração da família e da escola, podem ser fornecidas informações e pistas cruciais para um diagnóstico precoce, pois, a observação direta, é um importante referencial para tal. Para Bosa (2006, p.28) há uma variedade de serviços disponìveis, “desde aqueles com abordagens individuais realizadas por profissionais intensamente treinados em uma área especìfica, até aqueles compostos por clìnicas multidisciplinares”. Relata a autora que o efeito da aplicabilidade depende do conhecimento, da experiência, da habilidade do profissional ao trabalhar em equipe, com a famìlia, com a criança, lembrando de que “não há evidências de que um tratamento específico seja capaz de curar o autismo e também que tratamentos diferentes podem ter um impacto especìfico para cada criança”. Segundo a autora há quatro pontos fundamentais para qualquer tratamento sendo eles: “1) estimular o desenvolvimento social e comunicativo; 2) aprimorar o aprendizado e a capacidade de solucionar problemas; 3) diminuir comportamentos que interferem com o aprendizado e com o acesso às oportunidades de experiências do cotidiano; e 4) ajudar as famílias a lidarem com o autismo” (idem, ibidem). Neste sentido, encontramos várias abordagens científicas que trabalham com TEA, tais como: o sistema PECS (Picture Exchange Communication System) que é uma forma alternativa de comunicação, em que a criança é encorajada a utilizar a fala; a Técnica da Comunicação Facilitada que utiliza o apoio físico para mãos, braços ou pulsos visando “auxiliar as crianças a utilizar cartões de comunicação de vários tipos, desta forma melhorando as habilidades de linguagem”; Comunicação Computadorizados visando encorajar a interação; o Programa Educacional TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children) Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Limitações o qual “combina diferentes materiais visuais para aperfeiçoar a linguagem”; a Terapia Comportamental Tradicional, como Applied Behavior Analysis (ABA) - Análise do Comportamento Aplicada, que trabalha com os fundamentos do behaviorismo, como exemplo com reforços dos comportamentos positivos, modificação gradativa do comportamento, entre outros elementos. Ressalta-se que há várias abordagens científicas, métodos e programas que trabalham com crianças/pessoas com TEA, como, por 22 exemplo, o Programa Son Rise, o Método Denver, entre outros. Porém, a presente tese arrolará sobre as abordagens científicas encontradas nas produções acadêmicas analisadas. Deste modo, o Professor-Assistente do Departamento de Neurologia - University of Miami Miller School of Medicine, Carlos Gadia, aponta vários tipos de abordagens voltadas para o trato com essas pessoas, tais como: Behavioral Interventions 1. Cognitive Behavior Therapy, 2. Comprehensive Behavioral Treatment for Young Children, 3. Language Training (Production), 4. Modeling, 5. Natural Teaching Strategies, 6. Parent Training, 7. Peer Training Package, 8. Pivotal Response Treatment 9. Schedules, 10. Scripting, 11. Self- Management, 12. Social Skills Training, 13. Story-based Intervention,14. Fazendo a tradução para a nossa língua Portuguesa esses tratamentos são: Intervenções Comportamentais, 1. Terapia Cognitiva Comportamental, 2. Tratamento Comportamental Abrangente para Crianças Pequenas, 3. Treinamento de Linguagem (Produção), 4. Modelagem, 5. Estratégias Naturais de Ensino, 6. Treinamento dos Pais, 7. Pacote de Treinamento de Pares, 8. Tratamento de Resposta Pivotal, 9. Cronogramas, 10. Scripting, 11. Autogestão, 12. Treinamento de habilidades sociais, 13. Intervenção baseada em histórias, 14. Diante do contexto apresentado, o papel do pedagogo na atuação com criança com TEA é imprescindível para o seu desenvolvimento, tendo em vista que necessitam de clareza e precisão nas instruções, e intervenções educativas que considerem suas destrezas e particularidades. Frente ao exposto a pesquisadora foi à busca do doutorado no Programa de Pós- Graduação em Educação Escolar, na Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), visando aprofundar-se no entendimento dessas crianças em sua maneira de ser e conceber o mundo, bem como para se debruçar nas abordagens científicas, e com o intuito conhecer quais trabalhos educacionais seriam considerados mais convenientes para o desenvolvimento educacional das mesmas. Para tanto, lançou o olhar sobre estudos constituídos por pesquisas já elaborados, ou seja, uma pesquisa bibliográfica por ter a convicção de que a levaria a consultar e aprofundar em uma diversidade de referenciais teóricos analisados e publicados sobre o assunto. Desta maneira, esta tese apresenta as seguintes indagações: O que revelam as teses e dissertações que abordam o Transtorno do Espectro Autista (TEA) voltadas à infância no aspecto educacional, no período de 1996 a 2020? Quais são os objetivos, os referenciais teóricos, as abordagens científicas utilizadas nessas produções e os resultados alcançados? O que revelam sobre suas contribuições para a educação escolar dos alunos TEA? 23 Portanto, esta tese tem como objetivo identificar e analisar as produções acadêmicas referentes às teses e dissertações que abordam o TEA na infância no aspecto educacional, no recorte específico do Programa de Pós-graduação em Educação Especial da UFSCar no período de 1996 a 2020. Ressalta-se aqui que a opção por esse Programa se deu por ser o pioneiro na modalidade stricto sensu na área de Educação Especial, e tem realizado desde longa data a formação de pesquisadores, docentes, e de profissionais voltados para a área de Educação Especial. A partir do site do Programa, os seus fundamentos contemplam “a formação em pesquisa, a internacionalização das ações e seus produtos, a qualidade da produção intelectual e a inserção social. Pensou-se em delimitar a investigação de estudos a partir do ano de 1996, devido a este ano ser um marco divisor para a educação com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei Federal nº 9.394/1996, que estabelece a Educação Especial como modalidade da educação escolar, a qual definiu no Artigo 58 “a educação especial como modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para os educandos com necessidades especiais”. Ademais, no seu Artigo 59, preconizou que os sistemas de ensino deveriam assegurar para estes estudantes currículos, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades. Para tanto, esta lei definiu que o poder público é responsável pela efetivação da matrícula na rede regular de ensino e pela oferta de atendimento educacional oferecidos em classes, escolas ou serviços de apoio especializados, sempre que, em razão das condições específicas dos alunos, não fosse possível de serem integrados nas classes comuns do ensino regular (BRASIL, 1996). Faz-se a ressalva que, além do acesso à matrícula, é necessário que se oferte uma educação de qualidade a este alunado. Portanto, a presente tese foi estruturada da seguinte maneira: Na Seção 1, apresenta-se a Introdução e Justificativa, na qual se contextualizam alguns pontos do universo do estudo, bem como a trajetória que originou seu desenvolvimento. A Seção 2 realiza uma breve explanação sobre infância e a criança, com o intuito de contextualizar a importância e necessidade de olhar para a criança com TEA. A Seção 3 apresenta um breve estudo sobre a caracterização do TEA. A seção 4 aborda a perspectiva inclusiva dos olhares sobre o TEA e o Sistema educacional inclusivo. Os Objetivos e os Caminhos metodológicos adotados nesta tese estão descritos nas seções 6 e 7, respectivamente. A apresentação, análise e discussão dos dados compõem a Seção 8. E, por fim apresentam-se algumas considerações sobre o trabalho de pesquisa realizado e as respostas obtidas por meio dos dados coletados e analisados. 24 Pretende-se, portanto, com a realização desta pesquisa, fomentar o debate sobre a formação de professores para que possam oferecer um trabalho de maior qualidade à esses alunos, por meio das diferentes abordagens científicas utilizadas para a educação dos mesmos. A seguir delineia-se sobre alguns aportes relativos à concepção de criança e infância, em seu contexto histórico. 25 2 O RECONHECIMENTO DA INFÂNCIA COMO CONDIÇÃO HUMANA 2.1 Breve aspecto histórico Esta seção aborda brevemente sobre alguns estudos referentes à história da criança e da infância, para assim, conceber e pensar sobre a criança com TEA na sociedade vigente. Para dar início a este delineamento ao longo do percurso histórico, o estudo de Áriès (1981) centra-se na constatação da ausência do sentimento de infância na Idade Média, que significa ausência da particularidade da criança. Ademais, essa concepção de definição de infância como uma fase diferente a da fase adulta emerge a análise do novo espaço da criança e da família na sociedade da época. De acordo com Áriès (1981, p. 65) “[...] a descoberta da infância começou no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. [...].” Esse sentimento de infância é transferido para todos os espaços que a criança frequenta, inclusive na escola que incita a criança a se reconhecer e saber a sua origem, o seu nome, a sua idade, entre outras coisas, constituindo assim a sua identidade. Àriès (1981, p. 45) afirma que: restaria sempre uma lacuna para designar a criança durante seus primeiros meses; essa insuficiência não seria sanada antes do século XIX, quando o francês tomou emprestado do inglês a palavra baby, que nos séculos XVI e XVII, designava as crianças em idade escolar. [...] daí em diante com o francês bébé, a criança bem pequenina recebeu um nome [...]. Desse modo, receber um nome para caracterizar a criança nos primeiros meses de vida, como exemplo bebê ou neném, já se mostra como um reconhecimento para esta época, mas isto não implica em reconhecer e respeitar os direitos das crianças e das fases de infâncias. Por outro lado, inquieta-se nessa sociedade vigente as concepções sobre o reconhecimento do direito as infâncias, e aos direitos das crianças, as práticas sociais e os processos educativos que desempenham, fundamentalmente relacionado à criança com TEA. Saber se há infância é um fato, e saber respeitar e propiciar os direitos das infâncias e das crianças são outro. É oportuno frisar que há diversas modalidades de infâncias, ou seja, a infância não é algo singular para todas as crianças, pois isso se remete ao contexto, ao meio em que a criança vivencia. 26 Segundo o citado autor, as crianças eram vistas como adultos, sendo que o traje que usavam era idêntico ao deles, diferenciando-se somente quanto ao tamanho e à condição social. Por conseguinte, não havia a particularização dos trajes. No século XV houve o início da saída do anonimato da criança por intermédio da imagem do retrato e do puto (terminologia comum à época que designava a criança), sendo assim, a educação jesuítica do século XV apresentou grande influência na construção da moralização da infância, visto que até esse momento não havia nenhuma restrição do adulto para com a criança, pois ela convivia como se „fosse‟ um adulto em todos os recintos sociais (ÁRIÈS, 1981). Ademais com a „paparicação‟ da criança, também se enalteceu um traje específico, pois as crianças das camadas superiores da sociedade dos séculos XVI e XVII começam a receber um traje especial, e assim as crianças se diferenciavam dos adultos, em vista do surgimento dos sentimentos da infância. Germinou também a concepção da graça e da ingenuidade da criança, ao passar a ser uma distração para o adulto e, além disso, expandiu-se a imagem da inocência da criança. E já no século XVII tem-se a representação da criança tanto sozinha, quanto da família em torno dela (ÁRIÈS, 1981). O referido autor foi um dos pioneiros na investigação histórica da questão da infância e da criança ao desvendar o processo de construção social do conceito da infância. Percebe-se que o sentimento da infância é decorrente de uma construção histórica, sendo que a partir de suas investigações a população começou a desenvolver uma nova ótica de infância e criança, isso na realidade da Idade Média na Europa. Em relação ao sentimento de infância que Áriès versa, pode-se compreender que a infância é uma construção social conforme o contexto em que se insere, isto é segundo as culturas, etnias e épocas, alerta-se que o sentimento de infância se dá quando uma específica sociedade diferencia a criança do adulto. Pontua-se aqui, a necessidade de olhar a criança com TEA e a sua infância e assim respeitá-las na sua magnitude. Kuhlmann Jr. (1998) que trabalha com as ideias de Áriès, mas complementa alguns fatores muito pertinentes nessa vertente, sendo que o autor ao estudar a criança no contexto brasileiro, salienta que: pensar a criança na história significa considerá-la como sujeito histórico, e isso requer compreender o que se entende por sujeito histórico. Para tanto, é importante perceber que as crianças concretas, na sua materialidade, no seu nascer, no seu viver ou morrer, expressam a inevitabilidade da história e nela se fazem presentes, nos seus mais diferentes momentos. KUHLMANN JR (1998 p. 32). 27 Para o autor, a educação engendra um caráter assistencialista, entretanto, mesmo assim, havia processos educativos estabelecidos com as crianças, pontuando que o contexto brasileiro da história da criança e da infância é anterior ao contexto europeu evidenciado por Áriès, a partir do sentimento de infância. É preciso considerar a infância como uma condição da criança. O conjunto de experiências vividas por elas em diferentes lugares históricos, geográficos e sociais e muito mais do que uma representação dos adultos sobre esta fase da vida (KUHLMANN JR., 1998, p. 31). Pode-se dizer que os referidos autores foram de grande importância na investigação histórica da infância e da criança, ao desvendar o processo de construção social do conceito da infância. Esse contexto remete à mulher, mais especificamente, a figura materna que passou por evolução histórica de domesticidade, de subjugação ao homem, restrita ao meio caseiro e aos cuidados dos filhos, vista erroneamente como sexo frágil, até a conquista social, realização profissional, liberdade amorosa e também exercendo a função de mãe, envolvendo nessa relação mãe e filho os aspectos sociológicos, fisiológicos e afetivos que variam de cultura para cultura. Pautada em estudos sobre a maternidade (Vinhas, 2009 p.7), pontua que a “maternidade deve ser vista como uma construção social a partir do laço de união entre mãe e filho e como toda construção social, depende do contexto, valores e crenças.” Continua apontando que “pode variar de acordo com a representação social que se tem acerca dela e a condição socioeconômica que se tem para exercê-la”. Badinter (1985) versa que o amor materno não é inato, mas aflorado ao longo dos dias de vivência junto ao filho; o amor vai gradualmente sendo desenvolvido. Assim, a autora contribuiu para a superação da concepção de que a mulher comum é aquele que almeja ser mãe e ama o seu filho desde a sua concepção. Ela pontua que o amor materno é fruto de uma construção social e desse modo é um amor conquistado, sendo assim, a mulher comum pode não ser mãe, e ressalta que não são todas as mulheres mães que apresentam uma exacerbada conduta em se ocupar com o filho. Assinala-se aqui a atenção às mães de crianças com TEA e sua bravura na luta pelos direitos e conquistas de seus filhos, tanto em âmbito legal, por meio de normativas públicas, quanto aos aspectos que se remetem ao desenvolvimento integral de seu filho. É notório também que se observa na sociedade vigente, que muitas dessas mulheres tendem a se afastar 28 de suas carreiras profissionais para se dedicarem ao tratamento dos filhos e, assim geralmente ficam a mercê de recursos financeiros provenientes de outras pessoas para o seu sustento e bem como de seu filho, o que implica em uma situação peculiar diante dos aspectos que envolvem sua posição diante de várias áreas que envolvem a sua vivência e a de seu filho. Neste sentido, em linhas gerais, compreende-se que realizou uma breve explanação teórica sobre a especificidade da história das crianças e das infâncias e o papel histórico da mulher, em destaque articulou-se com o olhar para a criança com TEA e a sua mãe. 2.1.1 A criança e suas relações com o mundo Segundo Kramer (1997) há a necessidade de estudos e pesquisas que se aprofundem no conhecimento da criança brasileira. As crianças são seres sociais e as condições sociais em que vivem são os principais fatores de diversidade dentro do grupo geracional. As crianças são pessoas e tem a sua especificidade biopsicológica, sendo que ao longo da sua infância percorrem diversos subgrupos etários e isso altera a sua capacidade de locomoção, de expressão, de autonomia de movimento e de ação etc. Para tanto, ao compreender que as crianças são seres sociais, entende-se também que elas se distribuem pelos diversos modos de estratificação social, como: a classe social, a etnia a que pertencem, a raça, o gênero, a região do mundo em que residem, desse modo, os vários espaços estruturais diferenciam intensamente as crianças (SARMENTO, 2005). A despeito disso, tendo como base que as crianças se relacionam em diferentes espaços estruturais, Sarmento (2005) ressalta que as crianças são competentes e apresentam a capacidade de formularem suas próprias interpretações da sociedade, dos outros e de si próprio, da natureza, dos pensamentos e dos sentimentos, de realizar essas interpretações de maneira distinta e de utilizar isso para lidar com tudo que as rodeia. De acordo com Abramowicz e Moruzzi (2010), a criança, assim como a infância, precisa ser entendida a partir do contexto em que vivem e desse modo, para se compreender o que é a criança e consequentemente sua infância, é necessário localizá-la em um determinado tempo e espaço, e isso incidi na compreensão que nem a criança e nem a infância são categorias universais e únicas. Sirota (2001) e Sarmento (2005) consideram a criança como ator social, o segundo autor pontua que ao discorrer sobre crianças, não se considera apenas as gerações mais novas, entretanto é necessário considerar a sociedade na sua multiplicidade, remetendo assim onde as 29 crianças nascem, se constituem como sujeitos na sua diversidade e na sua alteridade diante dos adultos, isso ao se afirmar como atores sociais. Para Soares (2006) nos últimos anos foram registrados significativos investimentos para a investigação com crianças, as quais transcorrem de um movimento de reconceptualização da infância que se iniciou na década de 1980 com alguns sociólogos da infância, que defendiam entre vários aspectos, a necessidade de considerar as crianças como atores sociais e a infância como grupo social com direitos, e bem como enfatizando a necessidade de considerar novas maneiras de investigação com crianças. Assim, pensar nas crianças, pensar na infância, remete-se também ao pensar em um grupo social, com um conjunto de direitos reconhecidos. Neste contexto, ao considerar as crianças como atores ou parceiros de investigação, e a infância como objeto de investigação por seus próprios direitos, e respeitar as crianças como pessoas e abandonar as concepções conservadoras e ancestrais sobre a criança, com a finalidade de que lhe seja restabelecida a voz e a visibilidade enquanto atores sociais. Essas são condutas essenciais na construção de uma ética de investigação com crianças, que incide mais um processo de construção da cidadania da infância. E na relação de investigação é preciso ter uma atitude de equidade no desenvolvimento de qualquer processo de investigação, de modo a integrar todos os aspectos que vão diferenciando os diferentes atores que nele participam (SOARES, 2006). Desse modo, essa tese analisou o cenário das produções referentes às teses e dissertações do PPGEEs da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que abordam a criança com TEA, mais precisamente a infância no aspecto educacional, considerando o período de 1996 a 2020. Visou apurar nessas produções acadêmicas oriundas do strictu sensu como estava sendo realizado com as crianças com TEA o trabalho acerca do desenvolvimento da linguagem, da escrita, da nomeação, dos repertórios verbais, e como era efetuado o aprimoramento de ensino para professores, e também o ensino colaborativo. Diante dos resultados encontrados nas produções e em decorrência do recorte proposto nesta tese, não foi possível fazer uma análise minuciosa de como a criança com TEA é vista em tais pesquisas, especificamente quanto à atenção aos indícios que se estabelecem o direito a voz dessas crianças, como se encontram em seus mundos sociais e culturais, visto que esses por muitas vezes podem ser entendidos como essas crianças se expressam nos seus mais diversos modos de se comunicar. Quanto aos seus mundos sociais e culturais e as circunstâncias que os engendram, Dahlberg; Moss, e Pence (2003) apontam que a criança pequena é compreendida e 30 reconhecida como sendo parte da sociedade, e é um membro da sociedade. A criança não existe apenas no lar da família, mas também no mundo 2 . E isto a constitui como cidadão, com seus direitos e deveres. Com isso, denota-se que a criança não somente a com TEA está incluída, pois, estas também vivem em relacionamento ativo com essa sociedade. Sendo assim, a criança com TEA está inserida no mundo como ele é atualmente e, incorpora o mundo, é influenciada por ele e o influencia construindo significados a partir dele. Abramowicz e Moruzzi (2010, p. 9) consideram a criança como sujeito, cidadã e “portadora de direitos, são vitórias de todos os fóruns e dos movimentos sociais, principalmente do movimento das mulheres que historicamente lutam pelos direitos das crianças pequenas”. Dahlberg; Moss, e Pence (2003) pontuam que as crianças possuem um lugar reconhecido e independente na sociedade, sendo que têm seus próprios direitos tanto como seres humanos individuais quanto membros plenos da sociedade. Oliveira e Tebet (2010) enfatizam que as crianças devem ser entendidas como atores ou sujeitos sociais que interagem com o mundo, com as coisas que engendram dele, como as palavras, com a arte, entre outras. E, por conseguinte, produzem culturas a partir da sua singularidade e na relação com o adulto, e com o exterior. A criança produz um determinado tipo de cultura na relação com seus pares e com o meio, e isso possibilita a construção simbólica de um conjunto de saberes do mundo que a rodeia e que possui uma especificidade que a diferencia do adulto. No caso da criança com TEA, torna-se necessário compreender e respeitar como ela se expressa e se relaciona nos diferentes espaços sociais, no sentido de como se relaciona com o mundo a sua volta, e paralelamente, como isso se dá no contexto escolar que vivencia, como ela enxerga e concebe o que está a sua volta e, se há o respeito, o olhar e o direito dela ser e de se expressar nesses diferentes espaços. Assim, para Oliveira e Tebet (2010) a criança arquiteta e ressignifica seu contexto e as informações recebidas pelos adultos mediante as produções simbólicas do brincar e do desenho, e compreende-se que as produções simbólicas são os modos das crianças atribuírem sentidos e significados às coisas, sendo que é a partir das vivências das crianças por meio do brincar, desenhar, inventar, construir que elas simbolizam e vão construindo sentidos próprios ao mundo em que vivem. E ao enaltecer isso, enfatiza-se que a cultura da infância não deve ser pensada no singular, em virtude da realidade de culturas da infância, frisando assim o plural, já que são múltiplas as possibilidades de sentidos que podem ser atribuídos ao mundo, 2 Pontua-se aqui o papel da escola enquanto instituição em que geralmente a criança vivencia e experiencia várias descobertas e aprendizagens e permanece nesta por um longo período durante os dias. 31 que implica considerar a criança como sujeito social que participa de sua própria socialização, e bem como da transformação da sociedade. Para Dahlberg; Moss, e Pence (2003) há muitas crianças e muitas infâncias, cada uma construída pelos entendimentos da infância e do que as crianças são e devem ser. Consideram, ainda, que a criança existe por meio das suas relações com os outros, e continuamente em um contexto particular. Oliveira e Tebet (2010) salientam que a partir da sociologia da infância compreende-se a infância como uma categoria que é construída socialmente e culturalmente em contextos específicos, e as crianças são vistas como atores sociais que integram essa categoria. E dando continuidade a essa concepção, a criança tem condições de interpretar e de dar novos sentidos às relações que vivenciam com o mundo, com as outras crianças e com os adultos. As autoras (2010) relatam que ao reconhecer a capacidade das crianças de interpretar e atribuir novos sentidos às relações que vivenciam com o mundo, isso desencadeia o fato de reconhecer também a capacidade simbólica e a possibilidade das crianças constituírem representações e crenças em sistemas organizados, os quais podem denominar como culturas. Contudo, mesmo que as crianças possam produzir culturas, no olhar sociológico e antropológico, é preciso compreender que elas não produzem cultura em um espaço social vazio. Desse modo, é necessário relevar e considerar as condições sociais em que vivem e como elas produzem um sentido para o que fazem e com quem elas interagem nos seus contextos. Continuam ainda as autoras (2010) afirmando que é preciso compreender as crianças como produtoras de culturas, isso como intuito de romper com as velhas representações hegemônicas, e com os velhos modelos de instituições e de infâncias. Sendo assim, ao observar o tempo, o espaço, as formas de socialização, o tempo de escolarização, os tipos de brincadeiras, gostos, maneiras de se vestir, e finalmente, as maneiras de ser e estar no mundo nota-se que as crianças se distinguem umas das outras. A criança é o ator social, o ser real que ocupa o espaço social designado infância e bem como produz culturas específicas para significar e dar sentido e entendimento da sua realidade, e isso a diferencia do adulto. Essas culturas infantis, a partir do momento em que consideram a variedade de contextos que as crianças se inserem da mesma forma que o conceito de infâncias, devem ser valorizadas e entendidas como uma inflexão singular realizada pela criança na sua relação com as coisas e com o mundo. Conforme pontuam Dahlberg; Moss, e Pence (2003) as crianças são atores sociais, e participam da construção de suas próprias vidas, mas também da vida daqueles que as cercam 32 e das sociedades em que habitam, isso de modo a contribuir para a aprendizagem de seu meio, uma vez que as crianças têm uma voz própria e devem ser ouvidas de forma a serem consideradas com seriedade, e têm que se ajustar a um alto grau de complexidade e diversidade. Assim como a contínuas mudanças, pois as crianças contribuem para os recursos e para a produção social. Desta maneira a criança pequena emerge como co-construtor, desde o princípio da sua vida, do seu conhecimento, da cultura e da sua própria identidade. Segundo Breganholi (2003) ser criança é muito mais do que simplesmente o traje e as brincadeiras, sendo que perpassa uma noção que se desenvolve e adquire importância dentro de condições específicas na história ocidental, e essa construção tem as suas razões relacionadas às condições concretas de existência nos diferentes segmentos sociais. Destaca- se que o modo como a criança começa a ser notada pelo adulto, isso advém de uma lógica própria de um segmento social, o burguês, cujas condições materiais engendraram essa organização social e as diferenças de concepções sobre infância e família. Sirota (2001) profere sobre a necessidade de acabar com a ausência das crianças na análise científica da dinâmica social com relação a seu ressurgimento nas práticas consumidoras e no imaginário social. E também versa sobre a demanda de compreender que a infância tem traços específicos, sendo que a infância é um meio social para a criança, e assim ter a ótica da criança como ator social, pois a criança tem que se tornar ela mesma, e possuir meio para isso. De tal modo que considere a criança como uma construção social, que deve ser considerada como ator em sentido pleno, frisando que a criança é ao mesmo tempo produto e produtora dos processos sociais. Para Sirota (2001) as políticas públicas referentes à infância tendem a mostrar a criança como ator em sentido pleno, como sendo usuário das ofertas que lhe são feitas, isso ao articular a criança e seu grupo de pares, que são os atores principais da ponderação de sentido, atuando como mediadores culturais ou políticos. De acordo com a autora (2001) a obra pioneira de Áries abriu caminho para se pensar a criança e a infância ao compreender a criança na sua particularidade. Essa autora lembra que a causa das crianças incide uma grande bandeira, isso de modo a contribuir para a organização e composição da sociedade. É preciso considerar as crianças em um momento intermediário, que permite saber um pouco como se constroem os valores em uma sociedade infantil dentro de um específico contexto. 2.1.2 Criança e infância: breve dimensões que as compõem 33 O imaginário infantil constitui como uma das mais estudadas características específicas de relação das crianças com o mundo. O imaginário infantil é intrínseco ao processo de formação e desenvolvimento da personalidade e racionalidade de cada criança, no entanto, isso ocorre no contexto social e cultural que oferece e propicia as circunstâncias e possibilidades para esse processo. Ressalta-se que as conjecturas sociais e culturais são heterogêneas, e acontecem diante uma condição infantil comum, como exemplo o fato de crianças em uma geração carente de condições autônomas de sobrevivência e de crescimento, e que está sob o controle da geração adulta, sendo assim, a condição comum da infância tem a sua dimensão e grandeza nas culturas da infância, não em todo o olhar adulto. Destaca-se que o imaginário infantil é um elemento de conhecimento, e não erro, um traço de imaturidade ou uma incapacidade (SARMENTO, 2002). Para Sarmento (2005), a infância é independente das crianças, pois essas são os atores sociais concretos que em cada período integram a categoria geracional, por decorrência da variação da faixa etária desses atores e ressalta que a geração está continuamente a ser preenchida, estabelecida e „esvaziada‟ dos seus elementos constitutivos concretos, ou seja, dos elementos que a compõem que a engendram. Aponta o autor (2005) que a infância é historicamente construída, a partir de um processo extenso, o qual lhe atribui um estatuto social e que elaborou as bases ideológicas, normativas e referenciais do seu espaço na sociedade. Esse processo não se esgotou, mesmo sendo tenso e internamente contraditório. Tal processo é ininterruptamente atualizado na sua prática social, isso a partir das interações entre crianças e adultos. As alterações demográficas, as relações econômicas e os seus impactos diferenciados compõem parte do processo, e bem como os diferentes grupos de faixa etária e as políticas públicas, tanto quanto os dispositivos simbólicos, as práticas sociais e os estilos de vida de crianças e de adultos também constituem esse processo. De acordo com Kramer (1997) pesquisar a infância nessa ótica significa pesquisar a própria condição humana, mais especificamente a história do homem. Sarmento (2005) pontua que a geração da infância vive um processo contínuo de mudança, isso não se deve exclusivamente pela entrada e saída dos seus atores concretos, mas em virtude da decorrência combinada das ações internas e externas, e dos fatores que a engendram e das dimensões de que se compõe. A infância está imbricada na sua natureza sociológica, ou seja, o que não significa se constituir como agregação de seres singulares, a infância corresponde com a constituição de um grupo com um estatuto social diferenciado. A 34 construção moderna da infância relacionou-se com um trabalho de separação do mundo dos adultos. Para Sarmento (2005) a partir de sua leitura em (Corsaro & Eder, 1990) as culturas da infância estão relacionadas com um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças elaboram e compartilham na interação com os seus pares. Essas atividades e formas culturais não passam a existir de modo espontâneo, sendo que essas formas culturais constituem-se no recíproco reflexo das produções culturais dos adultos para as crianças, e também se elaboram das produções culturais geradas pelas crianças nas suas interações. Segundo Soares (2006, p. 30) considerar a alteridade da infância, compreende “considerar o conjunto de aspectos que a distinguem do outro adulto, implica, portanto considerar o reconhecimento das culturas da infância como modo específico, geracionalmente construìdo, de interpretação e de representação do mundo.” Para tanto, pontua-se que a criança com TEA é um ser único e não cabe olhá-la sobre o viés mensurador de igualdade de padrões, condutas, normalidades e estigmas. Como apontam Dahlberg; Moss, e Pence (2003) a infância é compreendida não como um estágio preparatório ou secundário, mas sim como um elemento componente da estrutura da sociedade, e como, uma instituição social, significativa em seu próprio direito como um estágio do percurso da vida, assim não sendo nem mais nem menos importante do que as outras fases da vida. Kohan (2008) enfatiza que é preciso pensar a infância a partir do que ela tem e apresenta, e não recomenda pensar a infância a partir do que lhe falta, assim para a infância é preciso estabelecer a ótica como presença, como afirmação e como força, e não como ausência, como negação, como incapacidade. E destaca que o ser humano não pode renunciar e abandonar a infância. Para tanto, está deve ser compreendida mais como condição, como dimensão do que simplesmente como fase ou etapa. Para tal concepção a infância tem estreita relação com a experiência, com o acontecimento, com a ruptura da história, com a revolução, com a resistência e com a criação. Argumenta ainda o autor que a amizade é um precursor para o pensamento infantil, isso em virtude do fato que a aprendizagem assegura que a amizade está no início do pensamento, pois a infância está imbricada com a amizade. Ao remeter ao pensamento que se instaura a partir da amizade, compreende-se que não há pensamento novo, infantil, sem amizade. Por conseguinte, a amizade é uma espécie de início, de infância, um inacabado inìcio para o pensar. Para o autor (2008, p.59) “a infância fala uma língua que não se escuta. 35 A infância pronuncia uma palavra que não se entende. A infância pensa um pensamento que não se pensa”. Ao se ponderar sobre as crianças com TEA, nota-se a clareza deste pensamento evidenciada nas condutas e nas relações que se observa das crianças em si, sejam elas crianças com TEA com crianças com TEA, ou crianças típicas com crianças com TEA. Segundo Sarmento (2002, pg. 5) “é no vai-vém entre culturas geradas, conduzidas e dirigidas pelos adultos para as crianças e culturas construídas nas interacções entre as crianças que se constituem os mundos culturais da infância”. Para Qvortrup (2010) é pertinente perceber a infância em termos estruturais, visto que a mesma, não tem um começo e um fim específico, e não se recomenda que seja compreendida de modo periódico. Mas, sobretudo, como uma categoria permanente a qualquer estrutura geracional. Segundo o autor, as duas noções de infância não se contradizem, uma enquanto um período e a outra enquanto categoria permanente, e sim, convivem lado a lado, no entanto os significados de ambas são bem distintos. Assinala ainda o autor que em qualquer fase, a infância é a implicação de fortes relações entre os parâmetros prevalecentes, os quais devem ser todos considerados como forças estruturais. Nesse sentido, a infância, enquanto espaço social no qual as crianças vivem se modifica continuamente, do mesmo modo que na idade adulta e na velhice, há transformações que não podem ocultar a contínua existência e realidade da infância enquanto categoria estrutural que, por conseguinte, não é transitória e não é um período, ela tem permanência. Cabe destacar que o desenvolvimento histórico da infância não se esgota com a sua categoria, e a variabilidade cultural da infância na atual sociedade testemunha a favor da sua presença universal. Argumenta ainda o autor, que a infância se altera ao longo da história ao mesmo tempo em que permanece enquanto categoria assegura-se que há uma mudança e continuidade. Ressalta-se que os parâmetros da infância apresentam seus valores modificados frequentemente, e por sua vez no ponto de vista interno, mas, em ritmos e velocidades variadas. Por um lado, a infância é vista enquanto um período e uma fase transitória para que cada criança se torne um adulto, por outro, também é compreendida como categoria estrutural. É oportuno lembrar-se que a infância jamais pode se transformar em algo diferente e menos ainda em idade adulta. Contudo, é extremamente significativo discorrer sobre a transição de infância de um período para outro. Desse modo, não faz sentido assegurar que a infância não é parte integrante da sociedade, em contrapartida, não seria possível imaginar um adulto sem a existência da 36 infância, assim como a idade adulta e a velhice também devem existir enquanto categorias geracionais. Para o autor, (2010, p. 8) “a infância, em termos estruturais, assume formas diferentes como resultado das transformações sociais”. Nesse sentido, procurou conhecer um pouco o cenário das produções acadêmicas referentes ao TEA, e assim germinaram-se as buscas pelas produções referentes às teses e dissertações relacionadas ao autismo. A trajetória do exercício docente da pesquisadora na área da Educação Infantil, concomitantemente arraigada na Educação Inclusiva e seus caminhos adentro das investigações acadêmicas possibilitaram o aprimoramento e o desenvolvimento da atenção para olhar para as crianças com TEA. 37 3 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA/TEA 3.1 Percurso histórico A terminologia autismo foi citada, em 1943, pela primeira vez na literatura científica pelo psiquiatra infantil norte-americano Leo Kanner, a partir do relato de características comportamentais de onze crianças. Essas chamaram atenção de Kanner por não se mostrarem capazes de se relacionar com outras pessoas, por apresentarem uma linguagem pouco comunicativa (se desenvolvida, com manifestações de verborragia ou de um discurso marcado por clichês, sem uma “conversa”) e por uma preocupação obsessiva pelo imutável (sameness), além de apresentarem movimentos repetitivos, como tiques e balanços, problemas de equilíbrio e coordenação e reações sensórias intensificadas em contraste com outras aparentemente mínimas ou ausentes, como a dor (SACKS, 1995; BOSA; CALLIAS, 2000). Em 1944, o psiquiatra austríaco Hans Asperger descreveu casos similares às crianças de Kanner em relação às dificuldades de comunicação social, porém esses sujeitos aparentavam, a seu ver, melhor prognóstico, pois, a inteligência não se demonstrava comprometida (SACKS, 1995; BOSA, 2002; GADIA, TUCHMAN, ROTTA, 2004). Segundo Schmidt (2018, p. 11): Há mais de sete décadas o autismo foi descrito a partir das alterações no desenvolvimento infantil, em especial no desenvolvimento social. Na década de 1980, foram propostos os primeiros critérios para esse diagnóstico nos manuais de classificação, que foram sendo aprimorados e complementados com base em pesquisas até o atual DSM-5. Conforme Gadia, Tuchman e Rotta (2004), somente em 1987 a terceira versão do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) instituiu critérios específicos para diagnosticar o autismo sob o termo transtorno invasivo (ou global) do desenvolvimento. Já o DSM - IV, publicado em 1994, avançou na pormenorização dos critérios diagnósticos do transtorno, que aparece caracterizado por defasagens em três áreas: interação social, comunicação e padrões de comportamento. Essa versão de 1994 evidencia os avanços nos estudos e esforços da psicologia cognitiva para compreender a essência do transtorno. As três áreas mencionadas expressam a “trìade de Wing”, como refere Sacks (1995), isto é, as três áreas descritas pela pesquisadora Lorna Wing como fundamentais para identificação e caracterização do autismo. 38 Kanner e Asperger trataram o autismo clinicamente, fazendo descrições com tamanha riqueza e precisão que mesmo hoje, cinqüenta anos depois, é difícil superá-los. Mas foi apenas nos anos 70 que Beate Hermelin e Neil O‟Connor e seus colegas em Londres, formados na nova disciplina psicologia cognitiva, dedicaram-se à estrutura mental do autismo de uma maneira mais sistemática. Seu trabalho (e o de Lorna Wing em particular) sugere que existe um problema essencial, uma tríade consistente de deficiências em todos os indivíduos autistas: deterioração da interação social com os outros, da comunicação verbal e não verbal e das atividades lúdicas e imaginativas (SACKS, 1995, p. 254). Essas tentativas de caracterização, ainda que importantes para encaminhamentos mais precisos, apresentam controvérsias geradas pelo avanço das pesquisas científicas e pelos dados reais das “exceções à regra”, isto é, de pessoas com autismo (alguns diagnosticados como “severos”, termo utilizado naquela época) que começaram a expressar o que supostamente seria impossível, como exemplo, manifestar escrita autobiográfica e descritiva dos próprios sentimentos, inclusive de como se sentiam em relação às demais pessoas. Foi o que ocorreu com Temple Grandin, que publicou sua autobiografia em 1986, Donna Williams, que publicou a sua em 1992 (WILLIAMS, 2015), Tito Mukhopadhyay, que escreveu sobre “suas personalidades”, como ele mesmo definiu (MUKERJEE, 2004), e Carly Fleischmann, que utilizaria o computador para autoexpressão (HISTÓRIA DE CARLY, 2011). Para Schwartzman (2011, p.37), as pesquisas sobre o TEA têm aumentado, e a partir da descrição feita por Kanner „‟[...] até os dias de hoje, a pletora de trabalhos, livros, congressos e eventos dedicados à discussão deste tema já é indicativa do interesse que o autismo desperta, e das controvérsias que cercam este conjunto de condições‟‟. Em maio de 2013 foi publicado o DSM-5 (APA, 2014). Neste foi empregada a denominação Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) - em inglês: Autism Spectrum Disorder (ASD) - para abranger o autismo clássico e os demais transtornos do desenvolvimento que apareciam como distintos no DSM-IV. Para Schmidt (2018, p. 11): as características do autismo podem se apresentar desde formas leves, e quase imperceptíveis para quem não conhece a síndrome, até quadros graves, acompanhados por dificuldades importantes. Desse ponto de vista, a separação entre subcategorias – Asperger e Autismo – parece não ser o melhor modo de compreender o autismo. Por essa razão, entre outras, o autismo passa a ser entendido atualmente a partir de um espectro, os Transtornos do Espectro Autista. Desaparece, com isso, a denominação Asperger como especificidade. Assim o TEA abarca transtornos antes chamados de autismo infantil precoce, autismo de Kanner, autismo 39 de alto funcionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, transtorno desintegrativo da infância e Síndrome de Asperger. A Associação Americana de Psiquiatria (APA), por meio do Grupo de Trabalho em Neurodesenvolvimento, justificou as alterações pela dificuldade de diagnosticar os então subtipos de transtornos do desenvolvimento de forma consistente, já que eles apareciam como um continuum a partir de um conjunto de semelhanças. Assim então, preferiu-se, ampliar o espectro do autismo enquanto quadro geral característico, como um leque, e dele depreender gradientes – do leve ao severo, o que varia de pessoa para pessoa. Entre as características estão: não conseguir “ler” as interações não-verbais, ter dificuldade em construir amizades de forma comum para a idade, dependência excessiva de rotinas e alta sensibilidade a mudanças do ambiente. Algumas pessoas podem manter foco intenso em determinadas coisas/itens “inapropriados‟‟ (APA, 2014). Há algumas décadas tem-se buscado a formulação de protocolos que orientem a identificação de pormenores em diversos aspectos do comportamento e da rotina característicos de pessoas com autismo. A Childhood Autism Rating Scale (CARS), publicada por Eric Schopler nos Estados Unidos em 1980, é uma das mais referendadas mundialmente e avalia relações pessoais, imitação, resposta emocional, uso corporal, uso de objetos, resposta a mudanças, resposta visual, resposta auditiva, resposta e uso do paladar, medo e nervosismo, comunicação verbal e não verbal, nível de atividade e nível e consistência da resposta intelectual. Segundo Gadia, Tuchman e Rotta (2004, p. 86) a Childhood Autism Rating Scale (CARS), consiste em uma entrevista estruturada de 15 itens (podendo ser aplicada em 30-45 minutos) com os pais ou responsáveis de uma criança autista maior de 2 anos de idade. A cada um dos 15 itens, aplica-se uma escala de sete pontos, o que permite classificar formas leves/moderadas ou severas de autismo. Quanto à realidade brasileira, Schmidt (2012) pondera que ainda há escassez de questionários, protocolos ou instrumentos de avaliação validados. No Brasil, foi a partir da dissertação de Pereira (2007) que se teve a validação das descrições acima, as quais foram sintetizadas como a versão em português da CARS. Em 2008, as pesquisadoras Isabelle Rapin e Sylvie Goldman, do Albert Einstein College of Medicine, Estados Unidos, publicaram no Jornal de Pediatria (RS) um artigo que corrobora a versão brasileira (RAPIN; GOLDMAN, 2008). 40 Santos e Santos (2012) abordaram em seus estudos as representações sociais implicadas na ideia de senso comum dos professores acerca dos indivíduos diagnosticados com autismo infantil, os quais constroem concepções variadas sobre o transtorno com diferentes repertórios desde a psicanálise até a neurociência. Mesmo os autores concebendo o princípio das dinâmicas sociais, entende-se que tal fenômeno constitui uma educação multifacetada e instável, sobretudo por muitos dos educadores não terem conhecimento na área, como pontua os autores. Lampreia (2013), em seu artigo aborda a regressão do desenvolvimento do TEA, afirmando que o tema tem crescido nos últimos anos, trazendo evidências acerca da linguagem e dos problemas sociocomunicativos em que: a perda da fala tem sido usada como indicador de regressão por ser a perda mais frequentemente relatada. Contudo, estudos recentes têm mostrado que muitas crianças com perda de fala também apresentam perdas em habilidades de interação social ou apresentam habilidades sociais atípicas antes da perda da fala (LAMPREIA, 2013, p.576). No âmbito educacional, a declaração da autora levanta alguns indícios que chamam a atenção quando expõe que um sujeito pode demostrar regressões, acarretando interpretações controvérsias, como vimos na pesquisa de Santos e Santos (2012), que implica em „‟impossibilidades‟‟ de apresentar avanços no seu desenvolvimento, ou até mesmo quando suscita „‟em termos de comportamentos sociais, por exemplo, a criança pode sorrir nos primeiros meses de vida e deixar de fazê-lo. Mas é possível que o sorriso nunca tenha sido social, ou seja, responsivo‟‟ (LAMPREIA, 2013, p.584). Cabe pontuar aqui que não são todas as crianças com autismo que apresentam esses indícios de regressões. Enfatiza-se que cada criança é única e apresenta a sua especificidade peculiar, conforme a sua natureza e o seu desenvolvimento durante o percurso da sua trajetória de vida. Em março de 2012 foi disponibilizado a Nota Técnica nº 24 (BRASIL, 2013b), que orienta os sistemas de ensino para assegurar a efetivação da Lei nº 12.764/2012 (BRASIL, 2012), que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a qual em seu segundo parágrafo „‟§ 2 o A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais‟‟ (BRASIL, 2012), (grifo nosso). Esta Lei nº 12.764/2012 apresenta aspectos relacionados aos direitos da pessoa com TEA, incluindo os que se referem ao atendimento escolar. Neste contexto, os quais se 41 reportam as classificações, e de acordo com Vasques e Benincasa (2013, p. s/n) quanto ao acesso à escolarização, a permanência, a formação do professor, os autores pontuam que: se o acesso à escolarização é significativo, pouco diz da permanência. O texto político estabelece contornos de uma realidade cuja qualidade se joga na arena das disputas, resistências e embates. A letra da lei não circunscreve completamente as possibilidades do acontecimento. Como letra, implica leitura. E como leitura implica – por mais que queira varrer o equívoco de seu enunciado – abertura aos sentidos. (VASQUES, BENINCASA, 2013, p. s/n) Brande e Zanfelice (2012), abordam que o processo de aprendizado não corresponde apenas aos alunos, mas aos professores diante dos alunos com TEA, frente a momentos de inquietações e na construção de novos saberes. 3.1.1 Olhares sobre o TEA: diagnóstico e nomenclatura O TEA é objeto de estudo de várias áreas do conhecimento, especificamente referentes à medicina, à educação e à psicologia, as quais investigam as especificidades que giram em torno do transtorno e a procura por respostas (GOMES, 2007; LAZZERI, 2010; SCHWARTZMAN, 2011; CUNHA, 2013; DONVAN; ZUCKER, 2017). Dentre os campos que se debruçam nas pesquisas sobre o TEA, aborda-se aqui o educacional e o da saúde mental. No curso da história observam-se mudanças em suas denominações e definições sobre o autismo. Diversas concepções sobre as origens e características do TEA são expressas e problematizadas em vários estudos, alguns destes evidenciam as especificidades relacionadas particularmente ao transtorno. Assim sendo, o espectro presente no TEA e seus dissonantes traços exibem diferentes visões sobre quem seria a pessoa que tem o transtorno, tendo em vista a amplitude de heterogeneidades entre essas pessoas. Há vários olhares que compõem a compreensão das concepções do TEA, as quais se relacionam com os diferentes conhecimentos que perpassam a natureza da pessoa com TEA, „„não há consenso, mesmo dentro de uma mesma cultura, sobre o que é exatamente o autismo ou como ele deve ser tratado” (GRINKER, 2010, p.12). Assim, frisa-se que cada pessoa com autismo é um ser único, plural, diferente do outro, e com suas próprias características. Portanto, é preciso conceber a ela a sua individualidade, pois pode apresentar características diferentes daquelas que estão no espectro. 42 Pontua-se que o campo médico foi o pioneiro a caracterizar e a conceituar sobre o que consistia o TEA, fundamentalmente a área da psicanálise. Simultaneamente a esta concepção teve-se o debruçamento quanto aos conhecimentos psicopedagógicos/psicoeducacionais, os quais desencadearam os movimentos no âmbito da psicologia e na área de desenvolvimento humano, que se dedicaram para promover atuações que fortalecessem as particularidades da interação social e do desenvolvimento educacional dessas pessoas (SCHMIDT, 2018). Por outro lado, as investigações sobre como a educação contribuiu para o desenvolvimento social e intelectual dessas pessoas foi de grande importância, principalmente, ao conceber a relevância dos movimentos sociais e a busca por direitos sociais advindos das ações dos pais e responsáveis pelas mesmas. Tais movimentos explanam e retratam pela luta da abordagem social da deficiência, na qual as pessoas com TEA necessitam ser respeitadas em todas suas dimensões, potencialidades e particularidades. No campo médico o TEA é nomeado como um transtorno mental, e há mais de 30 anos é classificado por intermédio do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM (APA, 2014; BRASIL, 2015). A APA (2014) elucida o transtorno mental por meio de objetivos clínicos, saúde pública e pesquisas, apontando os “transtornos mentais são definidos em relação a normas e valores culturais, sociais e familiares”, os quais são frequentemente atualizados devidos aos estudos na área (p.14): Um transtorno mental é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes (APA, 2014, p.20). Para Schwartzman (2011) e Brasil (2015) o TEA caracteriza-se como um Transtorno do Neurodesenvolvimento, devido a sua incidência começar na primeira infância. As áreas da saúde mental e da Educação Especial são responsáveis por atender as pessoas classificadas com TEA. Kanner e Asperger, foram os médicos precursores dos estudos que assinalaram a definição sobre TEA, a qual foi oriunda de várias nomenclaturas. Segundo Grinker (2010) Kanner enunciou seus conhecimentos e descobertas aos profissionais da área da saúde mental e estabeleceu o autismo como uma síndrome. O conceito de autismo elaborado inicialmente 43 por Kanner em seus estudos (KANNER, 1943/1997) se relaciona com o conjunto de características referentes ao TEA na sociedade vigente. A literatura da área assinala que o psiquiatra e pesquisador austríaco Asperger, estudava também no mesmo momento histórico a ocorrência dessa síndrome, apresentando as mesmas inquietudes, em localidades distintas e que não existia a comunicação entre ambos estudiosos (RIVIÈRE, 2010). Em 1997 a pesquisadora Wing (1997), também precursora nas investigações sobre o TEA considerou a diferença entre ambos estudiosos, e concebeu duas conjunturas diferenciando o TEA, a saber: Síndrome de Asperger e o Autismo de Kanner. A Associação de Psiquiatria Americana anuncia o TEA como um continuo, em que houve: fusão de transtorno autista, transtorno de Asperger e transtorno global do desenvolvimento no transtorno do espectro autista. Os sintomas desses transtornos representam um continuum único de prejuízos com intensidades que vão de leve a grave nos domínios de comunicação social e de comportamentos restritivos e repetitivos em vez de constituir transtornos distintos. Essa mudança foi implementada para melhorar a sensibilidade e a especificidade dos critérios para o diagnóstico de transtorno do espectro autista e para identificar alvos mais focados de tratamento para os prejuízos específicos observados (APA, 2014, p. 42). Há diversos significados nos dicionários referentes à nomenclatura espectro, o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1986, p. 702) expressa que espectro possa ser „‟fantasma; sombra, figura imaterial, real ou imaginaria que povoa o pensamento; aparência vã de uma coisa; aquilo que constitui ameaça; função que caracteriza a distribuição numa onda, ou num feixe de partícula; conjunto de micro-organismos‟‟ entre outros. No TEA a terminologia espectro abrange diversas tonalidades, de modo que o transtorno não representa algo específico, determinado, mas sim variações entre o leve e o grave com tonalidades e nuances diversas. Rivière esclarece que: a ideia de considerar o autismo como um „contìnuo‟, mais do que como uma categoria que define um modo de „ser‟, ajuda-nos a compreender que, apesar das importantes diferenças que existem entre diferentes pessoas, todas elas apresentam alterações, em maior ou menor grau, em uma série de aspectos ou „dimensões‟ cuja afecção se produz sempre nos casos de transtorno profundo do desenvolvimento (RIVIÈRE, 2010, p.241). Desta maneira, a magnitude de variações características do TEA em cada pessoa constata a heterogeneidade presente na palavra espectro. O termo espectro foi referenciado pela autora ativista Wing, médica psiquiatra inglesa, estudiosa nas pesquisas sobre os 44 distúrbios do desenvolvimento que em 1988 começou a utilizar o termo „espectro‟ para indicar a ideia de contínuo das características do autismo (DONVAN; ZUCKER 2017). A atribuição desse termo: dentro dele, argumentava Wing, as características do autismo podiam aparecer em um grande número de combinações e em infinitos matizes de intensidade, „até o limite da normalidade‟. Esse, asseverou ela com audácia, era o quadro maior que escapara até ao grande Kanner. (DONVAN; ZUCKER, 2017, 317). Vários estudos salientam sobre as características do TEA quanto aos aspectos distintos que englobam a interação social, linguagem, movimentos repetitivos e estereotipados (KANNER, 1943/1997; CHIOTE, 2013; APA, 2014). Esses estudos discorriam-se sobre a tríade presente no TEA, a saber: interação social, linguagem, movimentos repetitivos e estereotipados, entretanto a APA (2014) modificou a expressão tríade por díade por conceber que há estreita relação entre o detrimento no âmbito social e comunicativo. Por conseguinte, a dìade passou a ser instituìda conforme: “a) déficits sociais e de comunicação e b) interesses fixados e comportamentos repetitivos” (LAPLANE, 2014, p. 231). Em 1947, Bender conjecturava que o TEA, já apresentado na infância da pessoa fosse precedente da esquizofrenia (GAUDERER, 1997). Gomes (2007) e Martins (2012) pontuaram que no DSM-I, datado de 1952, e no DSM-II de 1968, o TEA estava apresentado com a classificação de esquizofrenia infantil. Devido a novos estudos durante o arrolar dos anos, o TEA foi sendo considerado e assinalado diferente da esquizofrenia infantil, em que um dos fatores dessa diferença foi sinalizado pela idade do surgimento das características de cada transtorno. (GOMES, 2007; GRINKER, 2010; SCHMIDT, 2017). Encontra-se no DSM-IV a mesma nomenclatura para o transtorno (GOMES, 2007). Faz-se a ressalva que a partir do CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) e do DSM-IV TR que o TEA foi integrado no grupo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) (APA, 2008; OMS, 2000). A Organização Mundial de Saúde, por meio da CID-10, retrata os TGD como „‟Grupo de transtornos caracterizados por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e modalidades de comunicações e por um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo”. A CID-10 apresentava várias condições patológicas que abrangem os TGD, as quais eram classificadas em: Autismo; Síndrome de Rett; Transtorno ou Síndrome de Asperger; 45 Transtorno Desintegrativo da Infância; e, Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra especificação (OMS, 2000; APA, 2008). Destaca-se que essas classificações têm características singulares que as diferenciam (APA, 2014). A partir de janeiro de 2022 estará em vigor o CID-11, que reúne todos os transtornos que compõem o espectro do autismo, como o autismo infantil, transtornos globais do desenvolvimento, Síndrome de Rett, Síndrome de Asperger, transtorno desintegrativo da infância e o transtorno com hipercinesia, em apenas um único diagnóstico: TEA (Transtorno do Espectro do Autismo) com as subdivisões que passam a ser relacionadas exclusivamente com variações entre algum prejuízo da linguagem funcional ou deficiência intelectual. Com a alteração da compreensão do termo TEA para a área médica, incidiu-se o aumento das atenções da medicina e ao contexto de cuidados para as pessoas que anteriormente eram colocadas à margem da sociedade por exclusão social em manicômios psiquiátricos. Ainda que se observem as transformações em torno da nomenclatura do TEA, o campo médico permanece com a compreensão e classificação do TEA como transtorno mental. APA (2014) concebe o TEA como transtornos do Neurodesenvolvimento, que são: [...] um grupo de condições com início no período do desenvolvimento. Os transtornos tipicamente se manifestam cedo no desenvolvimento, em geral antes de a criança ingressar na escola, sendo caracterizados por déficits no desenvolvimento que acarretam prejuízos no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional. Os déficits de desenvolvimento variam desde limitações muito específicas na aprendizagem ou no controle de funções executivas até prejuízos globais em habilidades sociais ou inteligência (APA, 2014, p. 31). Para Schwartzman (2011) é, sobretudo clínica a classificação diagnóstica do transtorno, por meio da apreciação da interação social a partir da observação, narrativas dos pais/responsáveis e, em alguns episódios requerem ponderações de outros profissionais, como também de análises de exames para ajudar na eliminação de outro diagnóstico concebível. A APA (2014) assevera que: no diagnóstico do transtorno do espectro autista, as características clínicas individuais são registradas por meio do uso de especificadores (com ou sem comprometimento intelectual concomitante; com ou sem comprometimento da linguagem concomitante; associado a alguma condição médica ou genética conhecida ou a fator ambiental), bem como especificadores que descrevem os sintomas autistas (idade da primeira preocupação; com ou sem perda de habilidades estabelecidas; gravidade). Tais especificadores oportunizam aos clínicos a individualização do diagnóstico e a comunicação 46 de uma descrição clínica mais rica dos indivíduos afetados (APA, 2014, p. 32). Há vários estudos que discorrem sobre a díade instituída do TEA: a) déficit na interação social e linguagem e (b) comportamentos e interesses restritos e repetitivos (GOMES, 2007; LAZZERI, 2010; ASSUMPÇÃO JÚNIOR; KUCZYNSKI, 2011a; SCHWARTZMAN, 2011; CUNHA, 2013; VASQUES, 2015; SCHMIDT, 2017), a qual vem sendo considerada desde as primeiras propagações de Kanner em 1943 (1997). Observa-se que algumas particularidades foram alteradas ou complementadas pela APA por estabelecer critérios diagnósticos empregados pelos médicos sob o código 299.00 no DSM e na CID-10 F84.0. O estágio das ocorrências diagnosticadas indica a pessoa no transtorno, e enfatiza-se que no DSM V existe a oportunidade do médico caracterizar os nìveis de intensidade do transtorno, os quais são: Nìvel 1 “Exigindo apoio”; Nìvel 2 “Exigindo apoio substancial” e Nìvel 3 “Exigindo apoio muito substancial”. Antes, porém, havia quatro classificações da APA para as pessoas com TEA, e na contemporaneidade tem-se a conjunção da terminologia, mesmo que seja permitido catalogá- los em três níveis. Segundo Schwartzman (2011) a união da nomenclatura TEA alavancaria o descobrimento de conhecimentos inéditos, mesmo que os níveis de intensidade caracterizem as pessoas em qual condição se encontram. Por ventura, essa identificação classifica e estigmatiza as pessoas. Para Costa-Rosa (2013, p.142) o saber da medicina sucede do DSM que “posa de sabedoria „do que fazer‟, iludindo quaisquer necessidades de questionamentos teóricos e éticos”. Ao observar o DSM (I, II, III, IV, IV-R), o autor julga que estes não buscam considerar e pensar sobre as decorrências evidenciadas a partir destes diagnósticos. Tais implicações de classificação e terminologia tendem a direcionar a concepção de um rótulo, em que estigma várias pessoas. Grinker (2010) explana que observava as especificidades de sua filha e isso mostrava que ela somente era uma pessoa única, porém ao obter o diagnóstico da filha, ele começou a enxergá-la sobre a ótica do transtorno e articulou que: “lembro o dia em que Izabel foi diagnosticada como autista como o dia em que ela se tornou autista [...]” (GRINKER, 2010, p. 35). 47 Para Vasques (2008; 2015) este modelo de diagnóstico apresenta percalços e não averigua e não expõe as variações qualitativas das interações sociais, renunciando também as especificidades encontradas do contínuo no TEA. No campo da educação e educação especial é necessário problematizar a instância diagnóstica, não no sentido de oferecer uma ou outra teoria como salvação dos impasses educacionais que o encontro com tais crianças engendra, mas porque, sobretudo, o diagnóstico circula sem maiores questionamentos, sob a ótica imprecisa de um rótulo assumido como transparente (VASQUES, 2015, p. 113). Referente ao diagnóstico das pessoas com TEA, sem a perspectiva do discernimento crítico em relação ao diagnóstico, o qual é um elemento que contribui na preservação de um olhar direcionado para as particularidades da pessoa, de modo que a pessoa seja vista como única, e não apenas a partir das peculiaridades biológicas. Lago (2007) discorre sobre o diagnóstico e des