UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara – SP ANA LUIZA GUISSO DE MORAES A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS EM TELETANDEM: espaços para a reflexão do mediador em uma Comunidade de Prática ARARAQUARA – S.P. 2023 ANA LUIZA GUISSO DE MORAES A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS EM TELETANDEM: espaços para a reflexão do mediador em uma Comunidade de Prática Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Linguística e Língua Portuguesa. Linha de pesquisa: Ensino e Aprendizagem de Línguas Orientadora: Profª Drª Ana Cristina Biondo Salomão Bolsa: CAPES ARARAQUARA – S.P. 2023 ANA LUIZA GUISSO DE MORAES A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS EM TELETANDEM: espaços para a reflexão do mediador em uma Comunidade de Prática Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Linguística e Língua Portuguesa. Linha de pesquisa: Ensino e Aprendizagem de Línguas Orientadora: Profª Drª Ana Cristina Biondo Salomão Bolsa: CAPES Data da defesa: 15/05/2023 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Dra. Ana Cristina Biondo Salomão UNESP –Araraquara Membro Titular: Dra. Patricia Fabiana Bedran UNESP – São José do Rio Preto Membro Titular: Dr. Francisco José Quaresma de Figueiredo UFG – Goiânia Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara Aos meus pais, Moacir e Rosilene. AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus por tudo o que Ele faz todos os dias na minha vida, por Ele ser a força que me sustenta e a paz que busco. Obrigada, meu Deus, pelas alegrias e realizações que o Senhor me permitiu viver, e também pelos momentos difíceis que me fortaleceram na caminhada. Aos meus pais, Moacir e Rosilene, minha base e meu exemplo, agradeço por nunca medirem esforços para que seus filhos tivéssemos o melhor que podíamos em cada momento. Obrigada por tudo o que me ensinaram, por sempre me apoiarem e estarem ao meu lado a cada dia, me mostrando o valor da vida e o caminho de Deus, para que eu me mantivesse firme na busca pelos meus sonhos. Ao meu irmão, Lucas, por quem eu me orgulho e amo o jeito descontraído e divertido. Sou grata a Deus pela relação de amizade e cumplicidade que fomos construindo ao longo dos anos. Obrigada pelas inúmeras conversas sobre a vida, em nossa busca por tentarmos ser pessoas melhores. Agradeço também a minha cunhada, Jovana, por todo o carinho e amizade nesses tantos anos em nossa família. Ao meu amor, Lucas, por estar sempre ao meu lado e ser meu maior incentivador. Obrigada pelo seu apoio, por seus conselhos nos momentos em que desabafamos sobre nossa vida acadêmica e profissional, pelas inúmeras conversas filosóficas e, claro, pelas risadas. Agradeço a Deus por me permitir dividir a jornada com você. Agradeço também pela família que ganhei com você, por todo acolhimento que recebi e pelas alegrias que compartilhamos. Agradeço a todos os meus amigos, colegas de trabalho, pós-graduação e do Teletandem. Em especial, agradeço às minhas companheiras de mestrado, Isabella e Flávia, por dividirem comigo as conquistas e aflições durante esses anos. À minha querida orientadora, Prof. Dra. Ana Cristina Salomão que desde o início da minha trajetória como pesquisadora, confiou em mim. Obrigada por toda a paciência, conselhos e inúmeros ensinamentos que me proporcionaram chegar até aqui. Aos membros da banca, tanto de qualificação quanto defesa, e, em especial a Prof. Dra. Patrícia Bedran, por suas contribuições desde o SELin. Agradeço também aos participantes desta pesquisa, pelo empenho e dedicação que viabilizaram a realização deste trabalho. Agradeço à UNESP por me proporcionar um ensino de qualidade e inúmeros aprendizados para a vida. Em especial, agradeço a CAPES, pelo apoio financeiro durante este estudo. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Sabemos que foram anos difíceis para a pesquisa brasileira e só tenho a agradecer pela oportunidade de ter sido bolsista e continuar fazendo ciência neste país. “A graça de Deus é dada no momento certo, dia após dia. Quando rezamos o Pai-nosso não pedimos um estoque de pão (o que faríamos com eles?), mas simplesmente o “Pão nosso de cada dia”. E Deus nos dá! Nunca devemos ficar ansiosos com o dia de amanhã. “Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6, 34)”. Padre Jacques Phillip RESUMO A presente pesquisa se insere no contexto do projeto “Teletandem Brasil: Línguas estrangeiras para todos” (TELLES; VASSALLO, 2006), em que falantes nativos ou proficientes de línguas estrangeiras distintas interagem regularmente por meio de recursos digitais de comunicação síncrona, a fim de ensinarem e aprenderem a língua um do outro, de forma que a parceria dos interagentes é guiada pelos princípios de igualdade, autonomia e reciprocidade (SALOMÃO; SILVA; DANIEL, 2009). Após a interação entre os aprendizes, ocorrem as sessões de mediação (VYGOTSKY, 2000; 2007), em que a partir de pressupostos vygotskianos, o mediador oferece auxílios aos pares menos competentes, promovendo espaços para a reflexão dos interagentes a respeito da própria prática (SALOMÃO, 2008). Tendo em vista que as mediações na Unesp de Araraquara são conduzidas por alunos de graduação em Letras e pós-graduação em Linguística (EVANGELISTA; SALOMÃO, 2019), o contexto do Teletandem coloca-se como propício para a formação de professores de línguas (VIEIRA-ABRAHÃO, 2010). Desta forma, a partir da atuação dos mediadores/professores em formação neste ambiente telecolaborativo, propôs- se a criação e desenvolvimento de uma Comunidade de Prática (LAVE; WENGER, 1991; WENGER, 1998; WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002) de Teletandem (CdPT), visando investigar de que forma as interações entre os mediadores neste ambiente podem favorecer suas reflexões a respeito da prática mediadora e contribuir para sua formação como professores de línguas. Para isso, optou-se por uma metodologia qualitativa, de cunho interpretativista e base etnográfica (ANDRÉ, 1995; DÖRNYEI, 2007). Os dados coletados durante o segundo semestre de 2021, por instrumentos como questionário inicial, dinâmicas assíncronas e gravação das dinâmicas síncronas da CdPT, notas de campos e um questionário final com cada participante de pesquisa foram triangulados (BOGDAN; BIKLEN, 2006; MCDONOUGH; MCDONOUGH, 1997). Com os resultados obtidos, a partir de uma análise temática dedutiva (DÖRNYEI, 2007), foi possível compreender de que modo a CdPT se configurou a partir de pressupostos teóricos relativos ao conceito de Comunidades de Prática. Observaram-se as estruturas básicas de: a) domínio de conhecimento, que corresponde ao contexto de ensino e aprendizagem de línguas em Teletandem; b) comunidade composta pelos mediadores e professores de línguas em formação; e c) prática compartilhada relativa a atitudes e estratégias para a condução das mediações e atividades do Teletandem Araraquara. Ainda, os dados mostraram que o ambiente telecolaborativo, através da CdPT, permitiu reflexões a respeito do papel exercido pelo mediador e colaborou para a formação inicial de professores de línguas, a partir de uma perspectiva sociocultural (JOHNSON, 2009; JOHNSON; GOLOMBEK, 2011, 2016, 2018, 2020) e também reflexiva (SCHÖN, 1987, 2000; VAN MANEN, 1977), de modo a propiciar adaptações no projeto, como a reelaboração de ferramentas e reestruturação das sessões, principalmente no contexto on-line. A prática social desenvolvida neste espaço da CdPT permitiu que os mediadores pudessem atuar também como formadores de professores, por meio de um processo de mediação dialógica, em que scaffoldings (andaimes) foram oferecidos uns aos outros. Palavras-chave: Teletandem; Mediador; Formação de Professores; Comunidades de Prática. ABSTRACT This research is situated in the "Teletandem Brazil: Foreign languages for all" project (TELLES; VASSALLO, 2006), in which native or proficient speakers of different foreign languages interact regularly through synchronous digital communication resources in order to teach and learn each other's language, so that the partnerships are guided by the principles of equality, autonomy and reciprocity (SALOMÃO; SILVA; DANIEL, 2009). After the interaction between the learners, the mediation sessions occur (VYGOTSKY, 2000; 2007), based on Vygotskian assumptions, with the mediator offering help to less competent pairs, and promoting spaces for learners’ reflection about their own practice (SALOMÃO, 2008). Considering that mediations at Unesp Araraquara are conducted by undergraduate students in Languages and post-graduate students in Linguistics (EVANGELISTA; SALOMÃO, 2019), the Teletandem context is suitable for language teacher education (VIEIRA-ABRAHÃO, 2010). Thus, based on the performance of mediators/teachers in education in this telecollaborative environment, we proposed the creation and development of a Teletandem Community of Practice (CdPT) (LAVE; WENGER, 1991; WENGER, 1998; WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002), aiming to investigate how the interactions among mediators in this environment can promote their reflections about the mediation practice and contribute to their education as language teachers. For this purpose, we opted for a qualitative, interpretative and ethnographic methodology (ANDRÉ, 1995; DÖRNYEI, 2007). The data collected on the second semester of 2021, through instruments such as an initial questionnaire, asynchronous dynamics and recordings of synchronous dynamics of the CdPT, research notes and a final questionnaire with each research participant were triangulated (BOGDAN; BIKLEN, 2006; MCDONOUGH; MCDONOUGH, 1997). Through the obtained results, from a deductive content analysis (DÖRNYEI, 2007), it was possible to understand how the CdPT was configured based on theoretical assumptions related to the concept of Communities of Practice. We could observe the basic structures such as: a) a domain of knowledge, which corresponds to the context of language teaching and learning in Teletandem; b) a community composed by mediators and language teachers in education; and c) a shared practice related to attitudes and strategies for the mediation sessions and activities of Teletandem Araraquara. Moreover, the data showed that the telecollaborative environment, through the CdPT, allowed reflections about the mediator’s role and contributed to language teacher education, from a sociocultural perspective (JOHNSON, 2009; JOHNSON; GOLOMBEK, 2011, 2016, 2018, 2020) and also a reflective perspective (SCHÖN, 1987, 2000; VAN MANEN, 1977), in which this context facilitated to yield adjustments for the project, such as the restructuring of tools and sessions, mainly in the online context. The social practice developed in this CdPT environment allowed mediators to also act as teacher educators, through a dialogical mediation process, in which scaffoldings were offered to each other. Keywords: Teletandem; Mediator; Teacher Education; Communities of Practice. LISTA DE QUADROS Quadro 1: Distinção entre Comunidades de Prática e outras estruturas ......................... 42 Quadro 2: Dinâmicas assíncronas da CdPT no Google Classroom ................................... 52 Quadro 3: Dinâmicas síncronas da CdPT no Google Classroom ...................................... 58 Quadro 4: Instrumentos e suas respectivas finalidades para a coleta de dados. .............. 64 Quadro 5: Símbolos utilizados para as transcrições. .......................................................... 65 Quadro 6: Comunidade de Prática de Teletandem (CdPT) no contexto de formação de mediadores e professores de línguas do Teletandem Araraquara. .................................... 74 Quadro 7: Membros da Comunidade de Prática de Teletandem. ..................................... 76 Quadro 8: Problemáticas e possíveis soluções para o Teletandem FCL Araraquara. .. 115 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Dissertações e Teses relativas à Formação de Professores em contexto de Teletandem .............................................................................................................................. 19 Figura 2: Contexto do Teletandem da UNESP – FCLAr durante a pesquisa .................. 50 Figura 3: Relato de Mediação no Mural da CdPT no Google Classroom ......................... 56 Figura 4: Avisos no Mural da CdPT no Google Classroom ................................................ 57 Figura 5: Relações estabelecidas na CdPT. .......................................................................... 59 Figura 6: Níveis de participação nas Comunidades de Prática. ......................................... 79 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Respostas à pergunta 10 do Questionário Inicial para Mediadores. ............... 69 Gráfico 2: Frequência participativa dos membros da CdPT. ............................................ 79 Gráfico 3: Respostas à pergunta 12 do Questionário Inicial para Mediadores. ............. 116 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AL Aconselhamento Linguageiro BRaVE Brazilian Virtual Exchange CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CdP(s) Comunidade(s) de Prática CdPT Comunidade de Prática de Teletandem CEP Comitê de Ética em Pesquisa EJA Educação de Jovens e Adultos EUA Estados Unidos da América FCLAr Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara LE Língua Estrangeira LLP Linguística e Língua Portuguesa PPG Programa de Pós-Graduação SELin Seminário de Estudos Linguísticos TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNESP Universidade Estadual Paulista ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA ........................................................................ 17 1.1 Objetivo geral ................................................................................................................. 26 1.2 Objetivos específicos ...................................................................................................... 26 2. ARCABOUÇO TEÓRICO ......................................................................................... 28 2.1 O projeto Teletandem Brasil, seus princípios e modalidades .................................... 28 2.2 A Mediação em Teletandem ......................................................................................... 30 2.3 Formação de Professores de Línguas ........................................................................... 34 2.3.1 A perspectiva sociocultural para a formação de professores............................... 36 2.3.2 A perspectiva reflexiva para a formação de professores ...................................... 38 2.4 Comunidades de Prática ............................................................................................... 41 3. METODOLOGIA ........................................................................................................ 47 3.1 Natureza da pesquisa ..................................................................................................... 47 3.2 Contexto da pesquisa: Teletandem FCL Araraquara ................................................ 48 3.3 A Comunidade de Prática de Teletandem (CdPT) ..................................................... 51 3.4 Descrição dos participantes de pesquisa ...................................................................... 60 3.5 Instrumentos de coleta de dados .................................................................................. 62 3.6 Procedimentos de análise dos dados ............................................................................ 64 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS .................................................................. 67 4.1 Características da Comunidade de Prática de Teletandem (CdPT) ......................... 67 4.1.1 Domínio de conhecimento ....................................................................................... 67 4.1.2 Comunidade de pessoas ........................................................................................... 76 4.1.3 Prática compartilhada ............................................................................................. 89 4.2 Contribuições da CdPT para a formação de mediadores e professores de línguas . 95 4.2.1 Processo de reflexão e mediação dialógica............................................................. 96 4.2.2 Reestruturação e ressignificação das sessões remotas do Teletandem Araraquara .......................................................................................................................................... 114 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 127 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 131 APÊNDICES ......................................................................................................................... 138 Apêndice A: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE ........................... 138 Apêndice B: Formulário Comunidade de Prática de Teletandem ................................ 139 Apêndice C: Questionário Inicial para Mediadores de Teletandem ............................. 142 Apêndice D: Questionário Final para Mediadores ......................................................... 149 Apêndice E: Atividades da Comunidade de Prática de Teletandem – Google Classroom ............................................................................................................................................. 151 Apêndice F: Reunião síncrona de 01/09/2021: Exemplo de transcrição em ilhas........ 154 Apêndice G: Dinâmica assíncrona de 25/08/2021: Sistematização de problemáticas no contexto do Teletandem Araraquara, elaborado pelos membros ................................. 162 Apêndice H: Dinâmica assíncrona de 08/09/2021: reelaboração de ferramentas para o Teletandem Araraquara ................................................................................................... 167 17 1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA Com o passar dos anos, as tecnologias digitais e da comunicação têm se desenvolvido e ganhado cada vez mais espaço em nosso cotidiano, na vida pessoal e profissional. No contexto em que nos deparamos no ano de 2020, com a pandemia causada pela COVID-19 e o isolamento social como forma de se conter a propagação do vírus, o uso das tecnologias fez-se mais evidente e notou-se a necessidade de realizar nossas atividades sociais através da internet, fazendo uso de diferentes ferramentas digitais. O acesso à internet propicia a interação com novas pessoas e culturas por meio de diversos ambientes virtuais, de forma que as distâncias geográficas podem ser reduzidas, mediante a troca quase instantânea de mensagens, fotos, áudios e vídeos. Com isso, ensinar e aprender um novo idioma tornou-se mais acessível, diferentemente de décadas atrás, em que aprender uma língua estrangeira limitava-se ao restrito acesso a livros didáticos importados e custosos, o contato com autênticos textos orais e escritos, produzidos por nativos, era difícil, e dependia-se de um professor que fosse detentor de todo o saber (MARQUES-SCHÄFER; ROZENFELD, 2018). Dessa forma, visando a aprendizagem de línguas mediada por tecnologias digitais da internet, destaca-se o projeto Teletandem Brasil: Línguas estrangeiras para todos (TELLES; VASSALLO, 2006; VASSALLO; TELLES, 2009), em que pares de falantes nativos ou proficientes de línguas distintas interagem, de maneira síncrona, por meio de softwares como Skype ou Zoom, com o objetivo de aprenderem a língua um do outro. As sessões de interação, que totalizam uma hora, são compostas por dois momentos (de 30 minutos cada), de modo que os interagentes alternem entre os papéis de tutores de sua língua materna e aprendizes da língua- alvo. A aprendizagem em Teletandem é guiada pelos princípios de igualdade ou separação de línguas, reciprocidade e autonomia1 (SALOMÃO; SILVA; DANIEL, 2009). O princípio da igualdade garante o status das línguas materna e estrangeira dentro da parceria. A reciprocidade permite que os interagentes trabalhem de maneira conjunta a fim de alcançarem seus objetivos com a prática, colaborando, assim, para a aprendizagem um do outro. Já a autonomia, que se coloca como coconstruída tendo em vista os demais princípios, permite que os participantes 1 Entende-se que, de uma perspectiva Vygotskiana, a autonomia é vista a partir do conceito de agência. Porém, neste trabalho, aborda-se a autonomia relacionada aos princípios que norteiam a prática de Teletandem, de forma que não nos aprofundaremos em tais discussões. 18 sejam agentes de seu próprio aprendizado ao estabelecerem objetivos, práticas e caminhos para alcançá-los. Por caracterizar-se como um contexto telecolaborativo de ensino e aprendizagem de línguas, é possível que, apesar da motivação dos interagentes, estes não sejam capazes, por si só, de explorarem amplamente as potencialidades que o ambiente autônomo e recíproco oferece (EVANGELISTA; SALOMÃO, 2019). Sendo assim, após as interações, são destinados 30 minutos para as sessões de mediação, em que, juntamente com um mediador, os participantes possam refletir sobre seu próprio processo de aprendizagem. Deste modo, nota-se a importância da mediação (VYGOTSKY, 2007) no processo de ensino e aprendizagem telecolaborativo, que se caracteriza como um momento em que questionamentos e reflexões quanto a aspectos linguísticos, culturais e interacionais são proporcionados aos interagentes (MESSIAS; TELLES, 2020). Assim, destaca-se a figura do mediador neste contexto (SALOMÃO, 2011), como alguém que se insere na parceria de Teletandem, a fim de fomentar discussões com o objetivo de promover a reflexão dos interagentes a respeito da própria prática. O Projeto Teletandem Brasil realizado no Campus da UNESP de Araraquara conta com a presença de mediadores que se caracterizam por serem alunos graduandos ou graduados em Letras, que realizam pesquisa ou têm experiência no projeto (EVANGELISTA; SALOMÃO, 2019). Assim, é possível compreender que o Teletandem se coloca como um contexto que colabora para a formação inicial dos mediadores, sendo estes futuros docentes (SALOMÃO, 2008; VIEIRA-ABRAHÃO, 2010), uma vez que o projeto proporciona o contato dos mediadores com questões que envolvem o ensino e aprendizagem de línguas neste meio virtual, ao discutirem e refletirem a respeito de aspectos linguísticos e culturais juntamente com os participantes. Encontram-se no escopo de pesquisas do Projeto Teletandem, trabalhos a respeito de (a) correção de erros, feedback e autoavaliação (CAVALARI, 2009; FRESCHI, 2017; CAVALARI; FRESCHI, 2018;), (b) motivação (KAMI, 2011), (c) estratégias de aprendizagem (CAMPOS, 2018), (d) princípios do Teletandem (LUZ, 2009; GARCIA, 2012; BONFIM, 2014; PICOLI, 2019), (e) cultura e interculturalidade (ZAKIR, 2015; ANDREU-FUNO, 2015; SOUZA, 2016; ZAMPIERI, 2019), (f) criação de um banco de dados e corpus multimodal (ARANHA; LUVIZARI-MURAD; MORENO, 2015; ARANHA; LOPES, 2019), (g) gêneros e discurso (SILVA, 2012; COSTA, 2015; RAMPAZZO, 2017; RAMPAZZO, 2021), (h) português como língua estrangeira (FURTOSO, 2011), (i) crenças (BEDRAN, 2008; ALVES, 19 2021) entre outros. Entretanto, tendo em vista o foco da presente pesquisa para as contribuições do contexto de Teletandem, no que cabe a formação de professores de línguas, é importante atentarmo-nos para os trabalhos em nível de mestrado e doutorado que visaram explorar as experiências dos professores em formação nos contextos de interação e mediação (SALOMÃO, 2008; MESQUITA, 2008; KFOURI-KANEOYA, 2008; MENDES, 2009; CANDIDO, 2010; SILVA, 2010; ANDREU-FUNO, 2011; SOUZA, 2012; BEDRAN, 2012; SALOMÃO, 2012; BROCCO, 2014; FRANCO, 2016; ELSTERMANN, 2017; SARTORI, 2021). Ainda, no que tange aos conceitos relativos às Comunidades de Prática (CdP)2 exploradas neste trabalho, cabe destacar que, não só a tese de Bedran (2012), mas também a dissertação de Silva (2012), trouxeram contribuições importantes para o contexto de Teletandem. A Figura 1, a seguir, ilustra os trabalhos mencionados que são relativos à formação de professores em Teletandem. Figura 1: Dissertações e Teses relativas à Formação de Professores em contexto de Teletandem 2 As Comunidades de Prática são formadas por um grupo de pessoas que compartilham preocupações, interesses ou uma paixão a respeito de um tema e interagem entre si com o objetivo de aprofundarem conhecimentos relativos à esta área (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002). Tal conceito encontra-se na seção Arcabouço Teórico. 20 Fonte: Elaboração própria a partir de pesquisa realizada em 23/08/2022 no site do Teletandem Brasil3. Observa-se na Figura 1 que as dissertações e teses podem ser agrupadas de acordo com seus enfoques nos possíveis contextos de atuação docente em Teletandem, sendo estes a) as interações, b) interações e mediações (além das sessões de orientação) e c) as mediações. Assim, nos atentaremos às contribuições de cada trabalho a partir de seus focos de pesquisa. Dentre os trabalhos que visam explorar as sessões de interação, Kfouri-Kaneoya (2008) objetivou analisar a forma como as crenças, os discursos e as reflexões se manifestam e se (re)constroem no processo de aprendizagem de línguas e comunicação mediado por computador. A investigação contribuiu para compreensão dos potenciais linguísticos, culturais e de formação inicial do Teletandem, em que a autora ressalta a colaboração do projeto para a formulação de diretrizes na educação superior docente, visando assim uma formação teórica e prática que contemplem novos tempos e contextos. Visando as experiências como interagentes dos professores de língua inglesa em formação, Mendes (2009) investigou as atitudes e crenças relativas à língua inglesa e aos Estados Unidos da América (EUA). A análise dos dados demonstrou que, majoritariamente, os participantes associam o inglês a países como EUA e Inglaterra. O autor reforça que, caso não haja reflexão sobre tal assunto, é possível que os professores mantenham tais crenças e as reproduzam em suas práticas de ensino, sendo importante a conscientização a respeito de questões intrínsecas à língua e uma postura crítico-reflexiva do professor. Ainda, Mendes (2009) identificou a presença de um antiamericanismo, paralelo a uma simpatia pelos EUA, gerando um conflito de crenças e adoção de estratégias que lidem com a situação. Assim, o autor reforça que o Teletandem se coloca como provedor de contatos interculturais que colaboram para que crenças sejam ressignificadas. A partir do microcontexto do curso de extensão “Formação de professores para o ensino/aprendizagem em tandem” e atuação dos docentes do Centro de Estudos de Línguas como interagentes, Andreu-Funo (2011) propôs investigar as representações sociais dos participantes de pesquisa a respeito do uso da tecnologia, do Teletandem e do ensino de línguas em contexto público de aprendizagem. A partir da reflexão dos participantes, a pesquisa trouxe resultados que contemplam aspectos da aprendizagem em Teletandem, nos quais a autora elenca as características do idioma aprendido e ensinado; a vivência intercultural; as naturezas 3 Publicações no site do Teletandem Brasil < http://www.teletandembrasil.org/publications.html>. 21 real e virtual das interações; bem como as possibilidades de mediação e orientação para os interagentes neste contexto de ensino e aprendizagem. Ainda, tendo em vista o curso de extensão semipresencial - intitulado “Formação de professores para o ensino/aprendizagem em tandem”, Souza (2012) visou analisar o primeiro contato de professores do Centros de Estudos de Línguas com o contexto de Teletandem, e as expectativas dos docentes em relação a uma possível inserção do projeto no contexto dos Centros de Estudos de Línguas. De acordo com a autora, a experiência telecolaborativa é capaz de contribuir para a formação profissional, no que cabe ao desenvolvimento das dimensões tecnológica e linguística, reconhecendo as mudanças necessárias ao ensino de línguas. A fim de contribuir com os estudos a respeito da formação de professores em contexto de Teletandem, Salomão (2012) atentou-se para as concepções de cultura e crenças sobre cultura- língua de professores brasileiros, e as contribuições de um curso de extensão para as percepções relativas ao componente cultural na aprendizagem de línguas. A autora aponta que as contribuições do estudo se voltaram para a necessidade de reconceitualizar os termos cultura e intercultural, além de conceitos como competência comunicativa e intercultural, desassociando- os de práticas essencialistas. Salomão (2012) ressalta também a importância de revisar os embasamentos relativos ao ensino e aprendizagem de cultura para a formação de professores de línguas, de modo que os docentes tenham a oportunidade de pautar-se em situações e interações do mundo real, propiciadas pela tecnologia, vivenciando experiências que promovam a reformulação de suas concepções e crenças ao relacionarem conceitos teóricos e cotidianos. Com o foco nos aspectos linguísticos das interações, Brocco (2014) teve como objetivo observar e caracterizar a avaliação das produções escritas por alunos do curso de Letras em contexto de Teletandem Institucional Integrado4, descrevendo quais competências dos aprendizes de português são priorizadas pelos alunos brasileiros nas interações, ao avaliarem seus parceiros, e verificar, ainda, quais competências do professor de línguas estrangeiras são utilizadas nas avaliações realizadas pelos interagentes brasileiros. Resumidamente, as análises mostraram que há um maior foco dos estudantes em correções diretas e uma avaliação analítica, com enfoque formativo, além de uma atenção dada pelos docentes em formação ao desenvolvimento da competência gramatical. Assim, Brocco (2014) afirma que o estudo contribui para a formação docente uma vez que o Teletandem Integrado se coloca como 4 Teletandem Institucional Integrado realiza-se nas instituições de ensino que o promovem e inserem-se em uma disciplina curricular (ARANHA; CAVALARI, 2014). 22 contexto propício para o desenvolvimento de uma competência avaliativa, além de suscitar questionamentos relativos à grade curricular nos cursos de Letras, visando seu aprimoramento. Atentando-se para os momentos em que a língua portuguesa é falada nas interações de Teletandem, Franco (2016) analisou a maneira como os aspectos linguísticos são abordados pelos interagentes brasileiros, professores de línguas em formação, neste contexto em que o português se coloca como língua estrangeira dos parceiros. Os dados foram analisados a partir de teorias que tomam como foco a forma da língua e a conscientização da linguagem. Assim, Franco (2016) afirma que o Teletandem propicia a fala e a reflexão dos interagentes a respeito da língua, uma vez que correções e explicações são realizadas durante as interações, colaborando assim para a formação de professores de línguas e suscitando, ainda, reflexões quanto a importância do professor-mediador para a prática pedagógica dos interagentes. Observa-se que os trabalhos que objetivam analisar as experiências dos docentes como interagentes no Teletandem perpassam por diferentes questões que envolvem o processo de formação de professores de línguas, como aspectos culturais, linguísticos (que envolvem língua materna e estrangeira), questões relativas às crenças, reflexões, uso de tecnologia e correção de erros. Ao voltarmo-nos para as pesquisas que se ocupam em investigar, não somente as interações, mas também as mediações e, por vezes, as sessões de orientação, deparamo-nos com os trabalhos de Mesquita (2008), Candido (2010) e Silva (2010). Mesquita (2008) ocupou-se em identificar quais crenças sobre avaliação e como elas se colocam nas atitudes e no discurso do mediador e do par de interagentes em seus processos de ensino e aprendizagem em Teletandem. Os resultados obtidos apontam que a interagente, ao exercer seu papel de professora, atentou-se à comunicação e não à correção de erros, atitude esta refletida pelas ações da mediadora. No entanto, ao exercer seu papel de aluna nas interações, suas preocupações aproximam-se de uma concepção de avaliação tradicional, em que ela buscava não cometer erros linguísticos e receber feedbacks de seu parceiro de Teletandem. No que cabe às crenças da mediadora, Mesquita (2008) afirma que, em virtude dos embasamentos teóricos e diferentes experiências de ensino, as preocupações da mediadora se voltaram para a comunicação entre os pares de interagentes. Atentando-se para as sessões de orientação e de mediação, para a reflexão e a aprendizagem em contexto de Teletandem, Candido (2010) objetivou investigar os impactos das sessões de orientação dadas por alunos-orientadores, futuros professores de língua estrangeira, em sua formação inicial, além de compreender quais perspectivas pedagógicas poderiam constituir os componentes curriculares do curso de Letras relativos à aprendizagem 23 de línguas mediadas por computador. A autora aponta que o estudo trouxe contribuições como: teorizar as práticas de ensino e aprendizagem colaborativa de línguas; lidar com o fator do tempo de uma aula; reconhecer dificuldades e a detectar dúvidas comuns dos alunos; mediar em contextos colaborativos; refletir sobre a prática pedagógica em contexto mediado por tecnologia; reconhecer suas limitações como orientador/mediador; relacionar questões teóricas e práticas a respeito do ensino e aprendizagem de línguas. Silva (2010) propôs-se a identificar quais crenças são tidas por um professor mediador e de um par de interagentes em sua formação inicial, analisando quais reflexos das ações da mediadora podem interferir nas crenças do interagente, observando, ainda, se competências são (re)construídas ou desenvolvidas nas mediações e como isso ocorre. Os dados demonstram que, ao atuar como aluna nas interações, as crenças da interagente brasileira refletem suas experiências enquanto aprendiz de língua e, ao desempenhar o papel de professora, suas crenças partem das experiências teóricas no curso de formação de professores de línguas, além de seu contato com a pesquisa de iniciação científica. No que cabe ao reflexo das atitudes da mediadora nas crenças da interagente, entende-se que meios para a reflexão a respeito do processo de ensino e aprendizagem de línguas é propiciado, de forma que as crenças não são apenas legitimadas, mas condições para (re)construção de competências e o pensamento crítico a respeito do papel de professora e aprendiz, também são viabilizados pela mediadora. Ao explorar as demais dimensões do projeto Teletandem, que incluem as interações, mediações e sessões de orientação, os trabalhos mencionados anteriormente visaram investigar as relações docentes ao interagirem com seus pares no exterior e com o mediador. Por se caracterizar, na maior parte das vezes, também como um professor em formação, a figura do mediador passa a ser analisada, de modo a compreender quais as contribuições de sua atuação como um parceiro de discussão. No que cabe aos trabalhos que se voltam para a formação de professores em contexto telecolaborativo, tomando como foco as sessões de mediação, abordaremos as pesquisas de Salomão (2008), Elstermann (2017) e Sartori (2021). Em seguida, nos atentaremos especialmente as pesquisas que trouxeram contribuições relativas ao conceito de Comunidades de Prática, como o trabalho de Bedran (2012) e Silva (2012) (mesmo que este não tenha como propósito a formação de professores). Salomão (2008) analisou os processos de supervisão e estratégias pedagógicas implementados na mediação por uma formadora de professores e os reflexos de tais ações para a prática das interagentes, caracterizadas como formadora em formação e professora em 24 formação, respectivamente. Com isso, o estudo contribuiu para a dimensão reflexiva do formador de professores, de forma que estratégias como visionamento, confecção de diários e estratégias pedagógicas que ofereçam uma supervisão não diretiva e colaborativa, explorando a prática dos interagentes, foram utilizadas. Além do mais, houve contribuições para o professor de línguas em formação, uma vez que, com os scaffoldings (andaimes)5 oferecidos pelo mediador, questões motivacionais, afetivas e principalmente reflexivas a respeito da própria prática pedagógica como professora de português como língua estrangeira foram propiciadas à interagente. Ao voltar-se para as sessões de mediação em grupo, a fim de se obter uma maior compreensão de suas características, Elstermann (2017) identificou as perspectivas dos mediadores na condução das sessões e dos alunos sobre sua aprendizagem de línguas. Para a autora, a partir das diferentes ideias trazidas pelos interagentes em suas práticas de Teletandem, é necessário que os mediadores estejam abertos a tais impressões compartilhadas, de forma a aprofundar a reflexão dos aprendizes nas mediações, através da preparação de tópicos gerais ou espaços reservados para a discussão. Neste sentido, os resultados trazidos por Elstermann (2017) apontam que as sessões de mediação em grupo colocam-se como apropriadas para as práticas telecolaborativas, nas quais os aprendizes podem se encontrar com demais colegas para compartilhar suas experiências e refletir conjuntamente. De modo a colaborar para o entendimento das mediações em grupo, Sartori (2021) propõe uma análise das sessões de uma perspectiva linguística, a fim de compreender como as mediações são conduzidas e quais estratégias são utilizadas pelos mediadores para seu gerenciamento. Como pressuposto pela Análise da Conversação, a autora explica que as mediações se estruturam em abertura, desenvolvimento e fechamento, o que demanda estratégias como contato visual, marcadores verbais como sinais do ouvinte, sobreposição de vozes e o riso, por exemplo. Assim, por meio das análises, Sartori (2021) afirma que as mediações proporcionam experiências para o futuro professor, de forma a desenvolver competências e guiar os interagentes em suas práticas autônomas. Visando ainda o papel do professor em um novo contexto instaurado pelos avanços tecnológicos, Bedran (2012) investigou os recursos humanos, metodológicos e tecnológicos na configuração de uma Comunidade de Prática, utilizados por uma professora-mediadora e por professores-aprendizes. A autora aponta que, sendo a CdP configurada pelas sessões de 5 O termo scaffolding (em português “andaime”) se refere à auxílios prestados por um tutor que visam a realização de uma tarefa ou resolução de um problema por parte de um novato (WOOD; BRUNER; ROSS, 1976). Tal conceito está trabalhado na seção Arcabouço Teórico. 25 mediação realizadas por Windows Live Messenger, encontros presenciais, videoconferências no aplicativo Oovoo e por meio do ambiente Wikispaces (wiki), questões voltadas à experiência dos professores-aprendizes foram abordadas. Como resultados, Bedran (2012) afirma que os recursos e a prática reflexiva dos participantes em formação inicial não somente configuraram e influenciaram a formação da CdP, como também foram influenciados por ela, revelando influências mútuas e múltiplas. Embora não tenha como objetivo principal o foco na formação de professores de línguas, cabe atentarmo-nos para o trabalho de Silva (2012), uma vez que, visando a compreensão da influência do uso da tecnologia no processo de ensino e aprendizagem de LE, a autora apoiou- se em estudos relativos à Comunidades Virtuais, Comunidades Discursivas e Comunidades de Prática, a fim de investigar as características do grupo de interagentes de Teletandem como membros de uma comunidade específica. Assim, Silva (2012) afirma que os interagentes de Teletandem possuem características como a diversidade, o multifacetamento e a dinâmica do contexto que atendam aos critérios para a formação de uma Comunidade de Teletandem. Ao investigarem as mediações, os trabalhos visam ao funcionamento das sessões e às relações estabelecidas entre interagentes e mediadores, de forma a compreenderem as contribuições desse processo reflexivo para a formação do professor (interagente) e do formador de professores (mediador). Cabe destacarmos que, ao explorar a prática coletiva entre professor-mediador e professores-aprendizes, a tese de Bedran (2012) relaciona o contexto do Teletandem ao conceito de Comunidades de Prática (WENGER, 1998), ao identificar a maneira como o espaço das mediações se configuram em uma CdP, colaborando para a formação inicial dos professores-aprendizes no e para o meio virtual. Tendo em vista que o Projeto Teletandem se coloca como um contexto favorável para a formação de professores e formadores de professores, nota-se uma escassez de trabalhos que se ocupam em explorar, mais especificamente, a relação entre os próprios mediadores e suas reflexões a respeito do papel que desempenham neste contexto. Uma vez que o projeto realizado no campus da UNESP de Araraquara possibilita que alunos de graduação em Letras e pós- graduação em Linguística atuem como mediadores neste contexto, depara-se com a necessidade de criar e desenvolver um espaço coletivo entre mediadores, de modo a investigar como as interações entre estes professores formadores, de diferentes níveis acadêmicos e experiências docentes, podem contribuir para a formação enquanto mediador e professor de línguas em contexto telecolaborativo. 26 Assim, esta pesquisa objetiva compreender de que forma esse contexto telecolaborativo contribui para a formação de professores de línguas, ao considerarmos, especificamente, suas atuações enquanto mediadores, por meio da criação e desenvolvimento de uma Comunidade de Prática de Teletandem, doravante CdPT. Ao promover um ambiente de reflexão sobre a própria prática, voltado para os mediadores do Teletandem, busca-se investigar a maneira como as discussões fomentadas nesse espaço colaboram para a formação docente em uma perspectiva sociocultural e reflexiva. Portanto, acredita-se que a pesquisa contribuirá para uma maior compreensão da figura do mediador como um professor em formação, ao investigar como o contexto virtual e (tele)colaborativo pode propiciar a formação de docentes reflexivos para atuar em novos contextos de ensino e aprendizagem de línguas. 1.1 Objetivo geral A pesquisa objetiva investigar de que forma o contexto telecolaborativo pode contribuir para a formação de professores de línguas a partir do desenvolvimento e configuração de uma Comunidade de Prática de Teletandem. 1.2 Objetivos específicos Isto posto, apresentam-se como objetivos específicos: a) Descrever a configuração da Comunidade de Prática de Teletandem, a partir de pressupostos teóricos relativos ao conceito de Comunidades de Prática; b) Investigar de que forma a Comunidade de Prática de Teletandem promove a reflexão dos membros como mediadores e professores de línguas em formação, em uma perspectiva sociocultural; Visando atingir tais objetivos, propõe-se responder às seguintes perguntas de pesquisa: 1) Como se configura a CdPT, tendo em vista os pressupostos teóricos encontrados na literatura? 2) Como a CdPT pode contribuir para a formação reflexiva dos mediadores e professores, em uma perspectiva sociocultural? A fim de alcançar tais objetivos e responder as perguntas de pesquisa, a seção a seguir se ocupa de alguns dos pressupostos teóricos encontrados na literatura da área de ensino e 27 aprendizagem de línguas em contexto telecolaborativo, formação de professores de línguas e Comunidades de Prática. 28 2. ARCABOUÇO TEÓRICO Nesta seção, encontra-se o arcabouço teórico que fundamenta a presente pesquisa. A princípio, apresenta-se o projeto Teletandem Brasil, no que cabe a sua definição, os princípios que norteiam a prática e suas modalidades. Posteriormente, discorre-se a respeito do processo de mediação em Teletandem, fundamentado na teoria sociocultural (VYGOTSKY, 2007), abordando assim os conceitos de zona de desenvolvimento proximal e a metáfora de scaffolding (andaime). Ainda, disserta-se a respeito da formação de professores de línguas, de modo a enfatizar a perspectiva sociocultural, a partir de autores como Johnson (2009), Johnson e Golombek (2011, 2016, 2018, 2020) e Vieira-Abrahão (2010, 2012), e também a perspectiva reflexiva (SCHÖN, 1987, 2000; VAN MANEN, 1977). Por fim, tendo em vista a criação e desenvolvimento da Comunidade de Prática de Teletandem, proposto pela presente pesquisa, exploraremos tal conceito a partir de Wenger (1998) e Wenger, McDermott e Snyder (2002). 2.1 O projeto Teletandem Brasil, seus princípios e modalidades A prática de ensino e aprendizagem de línguas in-tandem consiste na parceria de falantes nativos ou proficientes de diferentes línguas, que, ao interagirem em sessões regulares, objetivam aprender a língua um do outro. Assim, durante a interação, os participantes alternam entre os papéis de professores de sua língua materna e alunos da língua estrangeira que estudam (VASSALLO; TELLES, 2006). A prática de tandem é metaforizada pela denominação de bicicletas que contém dois assentos (tandem bicycles) de modo que para se estar em movimento, os ciclistas necessitam se esforçar conjuntamente (SOUZA, 2003). A interação in-tandem entre os pares de falantes coloca-se como colaborativa, uma vez que, para atingirem seus objetivos, é preciso que ambos os falantes trabalhem juntos. O tandem praticado na Europa se caracterizava por sessões face-a-face, porém, devido à dificuldade econômica e geográfica de promover tais encontros presenciais, Vassallo e Telles (2006) propuseram, como medida alternativa, o projeto Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos, uma vez que, por meio da internet, a prática (tele)colaborativa era propiciada. Com o desenvolvimento tecnológico, novos espaços de aprendizagem mediados pelo computador permitiram que alunos e professores de línguas estrangeiras tivessem acesso à comunicação com diferentes pessoas e em línguas distintas (VASSALLO; TELLES, 2009). A princípio, as interações entre os falantes ocorreram por e-mail, no então intitulado e- Tandem. Porém, visando manter a forma tradicional da prática, os autores buscaram maneiras de se promover interações orais. Assim, ao disporem de softwares, como o Skype, que permitem 29 o uso de webcams, áudios e chats, os autores notaram a possibilidade de os interagentes desenvolverem não só as habilidades de leitura e escrita, mas também aquelas relacionadas à produção e compreensão oral, que garantem a naturalidade e complexidade das interações. (VASSALLO; TELLES, 2006). Para a condução da prática, o ensino e aprendizagem de línguas em contexto telecolaborativo é norteado pelos princípios de igualdade ou separação de línguas; reciprocidade e autonomia. No que concerne à separação de línguas, aconselha-se que o tempo das sessões seja dividido de forma equivalente, para que ambas as línguas possam ser praticadas sem que o uso de uma delas se sobressaia à outra. Com isso, Vassallo e Telles (2009) afirmam que tal princípio pode desafiar os participantes a se arriscarem na língua em que estão aprendendo “mesmo se, para eles, falar a língua de proficiência seja mais fácil e rápido para atingir seus objetivos de comunicação” (VASSALLO; TELLES, 2009, p. 23). Em seu estudo, Picoli (2019) afirma que a igual separação de tempo de uso das línguas materna e estrangeira nas interações não garante a sua equidade. Nas interações analisadas pela pesquisadora, a prática de alternância de códigos foi realizada pelos participantes da pesquisa, visto como um fenômeno positivo a fim de “oferecer suporte ao diálogo com intuito de estabelecer uma continuidade na comunicação entre os parceiros” (PICOLI, 2019, p. 105). Apesar disso, a pesquisadora ressalta que a constante alternância de códigos pode não favorecer o desenvolvimento da proficiência comunicativa na língua estrangeira, sendo importante que esta ocorra frente a dificuldades linguísticas (PICOLI, 2019). Assim, Picoli e Salomão (2020) propõem que o princípio da separação de línguas seja denominado de princípio da igualdade (de oportunidade de prática da LE), de modo a considerar que o desenvolvimento na língua- alvo ocorra tanto pela divisão temporal da prática das línguas, quanto pelos propósitos dos aprendizes em contexto de Teletandem. Quanto à reciprocidade (VASSALLO; TELLES, 2009), os participantes “trocam os papéis” durante a interação de Teletandem, sendo aluno da língua-alvo e expert de sua língua materna ou da qual é proficiente. Com isso, as trocas linguísticas e culturais podem ocorrer de forma livre e mútua. Compreende-se, assim, que, ao se inserirem em um ambiente de troca recíproca e se engajarem na atividade, os participantes têm o compromisso de oferecer tanto quanto se recebe, de forma a propiciar um ambiente equilibrado e agradável em suas parcerias (SALOMÃO; SILVA; DANIEL, 2009). Por fim, para Vassallo e Telles (2009), o princípio da autonomia assegura a independência que os participantes têm durante as interações, podendo assumir responsabilidades perante seu 30 próprio processo de ensino e aprendizagem e serem capazes de apoiar e incentivar o parceiro. Por caracterizar-se como um contexto de aprendizagem flexível, os participantes são capazes de explorar livremente sua criatividade no que cabe à aprendizagem das línguas (VASSALLO; TELLES, 2006). Porém, situados em um ambiente de aprendizagem in-tandem, Salomão, Silva e Daniel (2009) explicam que a autonomia se dá de forma colaborativa, sendo uma ação coconstruída entre os aprendizes, que está “intimamente interligada ao princípio da reciprocidade. A autonomia não é vista sem o outro, mas com o outro e em colaboração com o outro” (SALOMÃO; SILVA; DANIEL, 2009, p. 79). A partir das características do contexto em que a prática telecolaborativa se insere, esta pode apresentar diferentes modalidades. De acordo com Aranha e Cavalari (2014), o tandem pode qualificar-se como institucional, ao se realizar dentro de instituições de ensino que o promovem e o reconhecem; semi-institucional, uma vez que este se institucionaliza apenas para um dos participantes; e não institucional, de modo que ambos os participantes desenvolvam a prática fora de uma instituição. Aranha e Cavalari (2014) dissertam, ainda, que na modalidade institucional, o ensino e aprendizagem de línguas telecolaborativo pode ser integrado, ao constituir-se como parte de um curso e ser obrigatório, ou não integrado, uma vez que, embora a instituição ofereça recursos para a prática, este se desenvolve na ausência de um curso. Desta forma, reitera-se que o Projeto Teletandem Brasil desenvolvido no campus da UNESP de Araraquara, caracteriza-se como institucional não integrado, de modo que os participantes do projeto são voluntários. Por meio dos encontros regulares entre os falantes e a partir dos princípios de separação de línguas, reciprocidade e autonomia, a aprendizagem em regime de tandem coloca-se como um contexto que oferece oportunidades de socialização e individualização (VASSALLO; TELLES, 2009, p. 10). A seguir, apresenta-se o conceito de mediação, segundo a teoria sociocultural, e de que forma esta se insere no contexto de Teletandem. 2.2 A Mediação em Teletandem Com base nos ideais propostos por Vygotsky (2000; 2007), a teoria sociocultural defende a ideia de que o desenvolvimento humano ocorre em nível social. A partir das interações que os indivíduos estabelecem com demais indivíduos e com o contexto em que estão inseridos, os seres humanos podem se apropriar e produzir conhecimentos por meio de um processo de mediação. De acordo com a teoria, as interações sociais e participação em atividades culturais influenciam o desenvolvimento cognitivo humano (FIGUEIREDO, 2019). 31 Assim, visando a atividade social do homem, Vygotsky enfatiza a importância da mediação, definida como um elemento intermediário na relação do indivíduo com outra(s) pessoa(s), com um objeto ou consigo mesmo (FIGUEIREDO, 2019), de modo que a interação pode ser mediada por artefatos físicos e ferramentas simbólicas no processo de aquisição de conhecimento (FARIAS; BORTOLANZA, 2013). Ademais, Farias e Bortolanza (2013, p. 100) reiteram que, para Vygotsky, sendo a linguagem um sistema de signos dotados de sentido e significado, é no convívio social que esta atua como instrumento de comunicação, mediando o processo de internalização dos conhecimentos. Ao se pensar na aprendizagem colaborativa in-tandem, Vassallo e Telles (2006) afirmam que, além da realização das interações entre as parcerias, é importante que se tenha um desenvolvimento da competência linguística e cultural dos participantes. Embora o princípio da autonomia garanta aos interagentes a responsabilidade pelo próprio aprendizado, podendo traçar objetivos e decidir, juntamente com o parceiro, estratégias para alcançarem seus propósitos, Evangelista e Salomão (2019) afirmam que, por si só, os interagentes podem não ser capazes de explorar todo o potencial que o contexto de aprendizagem colaborativa oferece. Desta forma, compreende-se a relevância das sessões de mediação bem como o papel do mediador neste contexto, que, por meio da linguagem, poderá auxiliar os participantes. Como esclarece Salomão (2008), o mediador caracteriza-se por ser um par mais competente que, em termos vygotskianos, mediará a aprendizagem dos interagentes, ou seja, este coloca-se como um parceiro de discussão podendo variar na maneira como atua nesse processo, uma vez que, por meio de suas experiências, se torna capaz de instigar os participantes a refletirem sobre seu processo de ensino e aprendizagem em contexto telecolaborativo. As mediações têm sido realizadas de diferentes modos no projeto Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos. Em anos iniciais do projeto, as sessões de mediação eram realizadas de forma individual, contando assim com a presença de um mediador – mestrando ou doutorando que realizava pesquisa em contexto de Teletandem, para cada interagente brasileiro (FUNO; ELSTERMANN; ZAKIR, 2016). Em pesquisas como as de Kfouri-Kaneoya (2008) e Mesquita (2008), as sessões ocorreram de forma virtual, entre a interagente brasileira e a mediadora. Nota-se que, em Salomão (2008), as mediações individuais eram realizadas tanto de maneira presencial quanto virtual por meio do MSN Messenger, contando com vídeo e chat, ou por e-mail. Ainda, no que cabe às mediações individuais de forma on-line, essas poderiam ser realizadas por meio de diários reflexivos. No campus da UNESP de Araraquara, utilizou-se, 32 por um tempo, a plataforma Moodle disponível no site da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara (FCLAr). Para cada turma, tinha-se uma seção disponível para a elaboração dos diários, identificadas pela língua estrangeira e data de cada interação. Após as sessões via Skype, os participantes discorriam a respeito da interação expondo os temas discutidos, suas dificuldades, vocabulário aprendido/ensinado etc. Em seguida, tais diários eram lidos e respondidos pelo mediador responsável da turma, oferecendo o feedback de forma individual (EVANGELISTA; SALOMÃO, 2019). Tendo em vista o aumento de parcerias no Projeto Teletandem, mediações em grupo (ELSTERMANN, 2017) passaram a ser realizadas, uma vez que os interagentes brasileiros têm a oportunidade de discutir e refletir a respeito de suas experiências no contexto telecolaborativo com um mediador e também com demais colegas, podendo aprender juntos e também ajudar uns aos outros. De maneira presencial, na UNESP de Araraquara por exemplo, as sessões ocorriam em rodas de conversa no laboratório de idiomas da FCLAr. Ao final de cada interação, um (ou dois) mediadores se reuniam em uma mesa com os participantes para discutirem a respeito das interações (EVANGELISTA; SALOMÃO, 2019). Em mediações em grupo on-line, estas se realizaram de maneira assíncrona, por meio de grupos no Facebook, como na UNESP de Assis. Visto a impossibilidade dos participantes e mediadores comparecerem às sessões presenciais após as interações ocorridas próximas ao horário do almoço, o uso desta plataforma se deu como uma alternativa adequada para a mediação (GARCIA; SOUZA, 2018). No Teletandem Araraquara, em virtude do isolamento social causado pela pandemia da COVID-19, as mediações passaram a ser realizadas de maneira remota em grupos de WhatsApp, de forma que os interagentes brasileiros poderiam refletir sobre suas interações através de perguntas disponibilizadas pelos mediadores (CAMPOS; KAMI; SALOMÃO, 2021). Além de sessões realizadas de maneira assíncrona, as mediações em grupo também poderiam ocorrer sincronamente, por meio de chamadas de vídeo, pelo aplicativo Zoom por exemplo, o que as aproxima do formato da mediação em grupo presencial (CAMPOS; KAMI; SALOMÃO, 2021). Tendo em vista as discussões realizadas no ambiente da CdPT, composta por membros do campus de Araraquara, optou-se por utilizar o Google Meet para a condução das mediações em grupo, tendo em vista a familiaridade dos interagentes e mediadores com a plataforma, além do tempo ilimitado de duração das reuniões. A maneira como as mediações têm sido realizadas na FCLAr, bem como as adaptações feitas no Projeto Teletandem durante a pandemia da COVID-19 estão descritas, com mais detalhes, na seção de metodologia. 33 Assim sendo, ao atentarmo-nos para o contexto da UNESP de Araraquara, em que esta pesquisa se desenvolveu, ressalta-se que as mediações podem ser definidas como um momento em que graduandos em Letras e/ou pós-graduandos em Linguística, com experiência no projeto Teletandem, dedicam-se a auxiliar os interagentes na reflexão a respeito de sua própria prática, bem como ajudá-los nos possíveis contratempos e desafios encontrados durante as sessões de interação. Por meio da mediação, os participantes são estimulados, então, a refletir sobre a própria prática pois, “(...) apenas mostrar como se faz uma tarefa pode não ser tão eficiente para fazer com que o aprendiz, de forma independente supere a dificuldade em realizá-la e atinja a autorregulação. É necessário levá-lo a refletir sobre suas ações ao realizar determinada tarefa” (FIGUEIREDO, 2019, p. 45). Com base em Vygotsky e nos princípios sociointeracionistas, Telles e Maroti (2009, p.39) afirmam que, em contexto de Teletandem, o conhecimento é coconstruído por meio da linguagem, de modo que, frente aos diferentes níveis de conhecimentos e habilidades na língua-alvo, o processo de ensino e aprendizagem pode ocorrer na zona de desenvolvimento proximal (ZDP), definida, nas palavras de Vygotsky, como a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 2007, p. 97). Assim, no que se refere ao desenvolvimento psicológico, é possível compreender que a diferença entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial é chamada de Zona de Desenvolvimento Proximal. Para Vygotsky, o nível real se refere ao que o indivíduo é capaz de realizar sozinho e o nível potencial caracteriza-se pelas atividades que são realizadas através do auxílio de outra pessoa mais competente. Dessa forma, por meio do processo dialógico, o par mais competente auxilia o aprendiz na resolução de uma tarefa ao oferecer scaffoldings (ou em português “andaimes”). Wood, Bruner e Ross (1976, p. 90) explicam que scaffolding (andaime) diz respeito a um processo no qual um adulto “controla” os elementos de uma tarefa que, inicialmente, encontra- se além da capacidade do aprendiz, permitindo a conclusão de tal tarefa. Como afirma Figueiredo (2019), o termo é tido como metáfora para o oferecimento de apoio temporário aos aprendizes na solução de desafios encontrados em determinada atividade que, de maneira independente, ainda não seriam capazes de realizar. 34 Portanto, no contexto de mediação em Teletandem, os mediadores atuam na Zona de Desenvolvimento Proximal, a fim de promover aos interagentes espaços de reflexão a respeito da própria aprendizagem, para que posteriormente em suas interações, frente a possíveis contratempos e tomadas de decisão (juntamente com seus parceiros), os participantes possam atingir seus objetivos com a aprendizagem telecolaborativa. Com isso, é possível afirmar que a mediação e a figura do mediador na aprendizagem colaborativa se tornam fundamentais, de modo que, no processo de scaffolding (andaime) os participantes são levados a explorar o contexto em que se inserem. Uma vez que os mediadores do Teletandem Araraquara se caracterizam como alunos de graduação do curso de Letras e pós-graduação em Linguística, a seção a seguir disserta a respeito da formação de professores de línguas, em que se destacam as perspectivas sociocultural e reflexiva. 2.3 Formação de Professores de Línguas Ao atentarmos historicamente para os modelos de formação de professores de línguas, Salomão (2013) afirma que, na década de 1950, a abordagem na educação de professores favorecia a prática ao invés da teoria. No entanto, a partir de 1960, observou-se uma inversão de tais propostas, fazendo com que a teoria se sobressaísse. Até o início da década de 1980, tinha-se o docente como um “implementador de teorias” e, só então, a figura do professor passou a ser o foco dos estudos. É interessante notar que tais perspectivas de formação propunham uma separação entre conceitos científicos e aspectos experienciais vivenciados pelos professores (SALOMÃO, 2013). A partir da década de 1990, as práticas de treinamento, na formação de professores, foram substituídas pelas práticas de desenvolvimento. Abrahão (2006) explica que, “por treinamento, entende-se a preparação do professor para atividades a serem desempenhadas a curto prazo, como, por exemplo, o início de trabalho docente em um curso de línguas, ou o desenvolvimento de uma tarefa nova de ensino” (ABRAHÃO, 2006, p. 9). A autora aponta que tais propostas de treinamento envolvem conceitos, procedimentos e estratégias que são prescritos aos professores para que estes as implementem em suas práticas docentes. No que cabe às propostas de desenvolvimento, tem-se uma formação que visa à “preparação para as demandas do mundo em constante mudança e não para uma atividade particular de ensino” (ABRAHÃO, 2006, p. 9). Com isso, a formação docente propõe o desenvolvimento de habilidades para aprender e objetiva proporcionar ao docente a 35 compreensão a respeito do ensino e do próprio desenvolvimento enquanto profissional, visando à construção de conhecimento. Abrahão (2006) aponta, ainda, que nas práticas de desenvolvimento para a formação, espera-se que o professor (a) compreenda os princípios científicos obtidos pelas pesquisas; (b) desenvolva atividades a partir de princípios de aprendizagem; (c) monitore e verifique se o andamento das atividades atinge o desempenho desejável. Dessa forma, a formação de professores vista a partir do paradigma de desenvolvimento, coloca “(...) em xeque o conceito de educação como prática voltada para o treinamento, sistematização e exposição do professor às boas regras” (BEDRAN, 2012, p. 27), uma vez que esta pode ser compreendida como uma prática social que permite ao professor refletir, a partir de conceitos teóricos, sobre sua própria prática docente, reconstruindo teorias e práticas (BEDRAN, 2012). Assim, em uma perspectiva de desenvolvimento, encontram-se estudos relativos ao estímulo da prática reflexiva, como nos trabalhos de Dewey (1933) e Schön (1983) (SALOMÃO, 2013). O professor reflexivo caracteriza-se por estar envolvido de maneira crítica e responsável com seu trabalho, sendo capaz de identificar fatores que podem auxiliar ou dificultar o aprendizado da língua estrangeira, como questões individuais; sociais; relativas a faixa etária dos estudantes; o local onde a língua é ensinada; e o objetivo desse aprendizado (RODRIGUES, 2016). À vista disso, considera-se a necessidade de o professor vincular seu processo reflexivo a um contexto social, “(...) estendendo suas deliberações profissionais e contribuindo para que haja mudanças em sua prática pedagógica apoiadas na construção de uma ponte entre a teoria e a prática” (SALOMÃO; BEDRAN, 2013). Frente à dicotomia teoria e prática, Bedran (2012, p. 31) reitera a importância de se articular tais conceitos no processo de formação, de modo que as teorias não sejam apenas impostas de forma hierárquica aos professores, mas que estes sejam capazes de compreender a construção de conhecimentos que ocorre a partir de um processo dialógico, podendo (re)considerar e (re)organizar suas experiências docentes. Dessa forma, as propostas de educação de professores se preocuparam “não somente com o que os professores precisavam aprender, mas também com como eles aprendiam, o que era contingente de seus contextos de aprendizagem e trabalho e se desenvolvia com o tempo” (SALOMÃO, 2013, p. 49). Com isso, as abordagens passam a ater-se na interação social, a fim de valorizar o contexto em que os professores se inserem e a forma como as relações ocorrem, o que nos leva à uma perspectiva sociocultural para a formação de professores. Baseado nos pressupostos de Vygotsky, tal perspectiva pressupõe que os professores (aprendizes e 36 formadores) (re)construam conhecimentos ao participarem de atividades sociais, interagindo com o contexto em que se inserem e com outros indivíduos (BEDRAN, 2012). Tendo em vista a adoção de tal perspectiva pela presente pesquisa, a seção seguinte visa enfocar as contribuições da teoria sociocultural para a formação de professores. 2.3.1 A perspectiva sociocultural para a formação de professores Ao se pensar na formação de professores a partir de uma perspectiva sociocultural, entende-se que o aprendizado do professor e as atividades de ensino resultam de sua participação nas práticas sociais das salas de aula, em que seus conhecimentos e a maneira como são utilizados ocorrem de forma interpretativa, relativa ao conhecimento que o professor tem de si mesmo, do contexto e do público em que atua, do currículo e da comunidade em que se insere (JOHNSON, 2009). Assim, tal perspectiva sociocultural coloca-se como uma “lente teórica, uma mentalidade ou uma maneira de conceituar a aprendizagem do professor que informa como os educadores de professores de L2 entendem e apoiam o desenvolvimento profissional dos professores de L2” (JOHNSON, 2009, p. 16, tradução nossa)6. A partir da intrínseca relação entre os processos cognitivos do professor e a prática social, Johnson (2009) explica que a perspectiva sociocultural na formação de professores não se resume somente a um processo de aculturação das práticas sociais de ensinar e aprender, ou seja, envolve um processo de mudança e não simplesmente a absorção e reprodução de determinadas atitudes. Assim, nessa perspectiva, ocorre uma reconstrução e transformação dinâmica de tais práticas consoante as necessidades do contexto e dos indivíduos, de forma que se permite investigar o desenvolvimento e transformação de conhecimentos dos docentes e de suas atividades instrucionais (JOHNSON, 2009). Tendo em vista os pressupostos vygotskianos, é possível compreender que o desenvolvimento cognitivo dos professores em seu processo de formação ocorre através da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), uma vez que determinadas atividades relativas à prática docente podem ser desenvolvidas em colaboração com pares mais competentes (JOHNSON, 2009; VYGOTSKY, 2007). Assim, por meio de interações colaborativas entre professores formadores e professores em formação, é possível atentarmo-nos para a maneira como diferentes scaffoldings (andaimes) são oferecidos ao longo do processo de mediação. 6 No original: “theoretical lens, a mindset, or way of conceptualizing teacher learning that informs how L2 teacher educators understand and support the professional development of L2 teachers” (JOHNSON, 2009, p. 16) 37 Vieira-Abrahão (2012, p. 462) afirma que “(...) para se estabelecerem como profissionais, professores precisam avançar dos conhecimentos empíricos e experienciais para práticas instrucionais teoricamente informadas”. Desta forma, entende-se que Vygotsky (2000) propõe uma distinção entre conceitos cotidianos e científicos. O autor explica que os conceitos cotidianos (espontâneos) se referem a aprendizagens, não sistematizadas, que são adquiridas pelos indivíduos por meio de experiências práticas em suas socializações. No que cabe aos conceitos científicos, estes são adquiridos por meio de uma aprendizagem sistematizada, uma vez que resultam de investigações científicas e baseiam-se em princípios gerais, de forma que, ao ser capaz de formar generalizações, é possível que o indivíduo tome consciência de determinado conceito científico e o aplique em contextos variados (BEDRAN, 2012; VIEIRA- ABRAHÃO, 2012; VYGOTSKY, 2000). Johnson (2009) reitera que, à medida que os professores articulam conhecimentos especializados e conhecimentos experimentais, é possível que suas práticas sejam reorganizadas. Com isso, em um processo de formação de professores, Vieira-Abrahão (2001) aponta ser importante que o docente tenha “(...) acesso a teorias e princípios, a resultados e técnicas de investigação, a estratégias e técnicas de ensino e, ao mesmo tempo, aprenda com base na fundamentação teórica e prática oferecida, a olhar criticamente para a sua própria prática, a refletir sobre ela e a buscar soluções” (VIEIRA-ABRAHÃO, 2001, p. 64). Na perspectiva sociocultural, depara-se com o processo de internalização, em que a princípio, a atividade de um indivíduo é mediada por artefatos culturais ou por outra pessoa, e, posteriormente, passa a ser controlado pelo próprio indivíduo, uma vez que este se apropria e reconstrói recursos que regulam tal atividade (JOHNSON, 2009; VIEIRA-ABRAHÃO, 2012). Na formação de professores, é possível que, através do processo de internalização, o docente possa ser capaz de optar por diferentes caminhos e alternativas para a aprendizagem, de acordo com o contexto em que estiver inserido. Dessa forma, o processo de ensino e aprendizagem se dá por meio de interações colaborativas que são orientadas por objetivos múltiplos, permitindo que professores educadores enquadrem suas interações com os professores em formação para que estes compreendam os conteúdos e recursos instrucionais de forma a alinhá-las aos próprios propósitos e contextos particulares (JOHNSON; GOLOMBEK, 2016, 2018). Tanto em contextos presenciais quanto virtuais, os processos de ensino e aprendizagem de línguas têm sido influenciados pela teoria sociocultural, ao se enfatizar a interação e a importância dos aspectos sociais e colaborativos da aprendizagem. Sendo assim, ao se estimular 38 a colaboração, também nas relações docentes, é possível que os professores possam aprender uns com os outros a serem profissionais mais reflexivos, críticos e colaboradores (FIGUEIREDO, 2019). Desta forma, é interessante notar que o Projeto Teletandem Brasil abre espaço não só para o ensino e aprendizagem colaborativos, mas também para que graduandos e pós-graduandos, da área de Letras, possam atuar como interagentes e mediadores. Com isso, Vieira-Abrahão (2010) afirma que o projeto se coloca como lócus para a formação de professores, uma vez que proporciona o envolvimento do futuro professor em uma prática real de ensinar e aprender, promove o acompanhamento próximo de um formador, proporciona discussões de objetivos, procedimentos e técnicas e os resultados de suas implementações à luz de teorias contemporâneas, trazidas ao processo de formação de acordo com as necessidades geradas pelo processo de ensino e aprendizagem, e promove condições para o desenvolvimento do processo reflexivo e da autonomia docente (VIEIRA-ABRAHÃO, 2010, p. 242). Com isso, situados em um contexto real de aprendizagem de línguas, é importante ressaltar que, ao atuarem como mediadores do Projeto Teletandem, os professores em formação ganham experiências que contribuirão para sua futura prática docente, podendo desenvolver, também, atividades relativas à educação de formadores de professores, ao colocarem-se como pares mais competentes durante as mediações. Entende-se, assim, que em um contexto de telecolaboração, ao conduzirem as sessões de mediação, os professores podem instruir os alunos a alcançarem seus objetivos e a partir das discussões, são capazes de reconhecer as necessidades dos alunos e propiciar ferramentas que levem os aprendizes a refletir sobre suas aprendizagens (GARCIA, 2011). Dessa forma, cabe explorarmos também, neste trabalho, as contribuições da perspectiva reflexiva para a formação de professores de línguas. 2.3.2 A perspectiva reflexiva para a formação de professores A partir de Dewey (1933), entende-se que o processo reflexivo ocorre por meio de ações consecutivas, ou seja, “as porções sucessivas do pensamento reflexivo crescem umas das outras e se apoiam mutuamente” (DEWEY, 1933, p. 4, tradução nossa)7. Ao considerarmos a formação de professores em uma perspectiva reflexiva, é possível compreender que 7 No original: “The successive portions of the reflective thought grow out of one another and support one another” (DEWEY, 1933, p. 4) 39 aprendizagem docente advém da experiência por meio de reflexões sistematizadas, que visam a reconstrução, análise e problematização de tais ações (VIEIRA-ABRAHÃO, 2010; BEDRAN, 2012). Dessa forma, em um contexto internacional, autores como Van Manen (1977) e Schön (1987, 2000) apontam modelos para práticas reflexivas. De acordo com Van Manen (1977), o processo de reflexão pode ocorrer em três níveis de reflexividade da racionalidade deliberativa, “reflexão técnica”, “reflexão prática” e “reflexão crítica”, associadas a interpretações correspondentes à prática. No que cabe à reflexão técnica, o autor explica que “a prática se refere à aplicação técnica dos conhecimentos educacionais e dos princípios básicos do currículo com o objetivo de atingir um determinado fim” (VAN MANEN, 1977, p. 226, tradução nossa)8. Entende-se assim, ao pensarmos na atuação docente, que a partir da reflexão técnica, o professor utiliza conhecimentos científicos definidos como apropriados para atingir os objetivos necessários do desenvolvimento curricular, em que não há relação com a experiência prática. Ao compreendermos que tal reflexão técnica coloca-se como limitada, demanda-se um nível superior de reflexividade, de modo que as escolhas educacionais se baseiem em uma estrutura interpretativa daqueles envolvidos no contexto do ensino, possibilitando que escolhas práticas sejam feitas (VAN MANEN, 1977), de forma a não se resumir os conhecimentos educacionais somente a conhecimentos teóricos. Dessa forma, no âmbito da reflexão prática, Van Manen (1977, p. 226, tradução nossa)9 explica que “a prática refere-se então ao processo de análise e esclarecimento de experiências individuais e culturais, significados, percepções, suposições, preconceitos, e pressuposições, com o objetivo de orientar ações práticas”, o que proporciona a relação entre as estruturas curriculares e os processos de ensino e aprendizagem. Apesar dos níveis técnico e prático de reflexividade da racionalidade deliberativa, o autor reforça ainda a necessidade de um terceiro nível, a reflexão crítica, em que a prática apresenta um significado político-ético, relacionando-se reflexivamente ao valor do conhecimento e das condições sociais (VAN MANEN, 1977). Sendo assim, o autor aponta que “a prática envolve uma crítica constante da dominação, das instituições e das formas repressivas de autoridade”, de modo que “não exista dominância repressiva, nenhuma assimetria ou desigualdade entre os 8 No original: “the practical refers to the technical application of educational knowledge and of basic curriculum principles for the purpose of attaining a given end” (VAN MANEN, 1977, p. 226). 9 No original: “The practical then refers to the process of analyzing and clarifying individual and cultural experiences, meanings, perceptions, assumptions, prejudgments, and presuppositions, for the purpose of orienting practical actions.” (VAN MANEN, 1977, p. 226). 40 participantes dos processos educativos” (VAN MANEN, 1977, p. 227, tradução nossa)10. Assim, Van Manen (1977) defende uma racionalidade deliberativa que vise a propósitos educacionais dignos no que cabe à autonomia e comunidade, baseando na justiça, igualdade e liberdade dos envolvidos no processo. No que cabe aos ideais propostos por Schön (1987, 2000), a educação profissional deveria relacionar os conhecimentos científicos com os conhecimentos tácitos, de forma a permitir que os profissionais reflitam sobre suas ações. Dessa forma, o autor aponta sua visão sobre as epistemologias da prática através do conhecer-na-ação, reflexão-na-ação, reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação (SCHÖN, 1987). Para Schön (2000), o conhecer-na-ação caracteriza-se pelo conhecimento que temos em nossas ações inteligentes, publicamente observáveis, em que este conhecimento se encontra na própria ação e “o revelamos pela nossa execução capacitada e espontânea da performance, e é uma característica nossa sermos incapazes de torná-la verbalmente explícita” (SCHÖN, 2000, p. 31, grifos do autor). O autor ainda afirma que, por meio de observações e reflexões, é possível que, por vezes, sejamos capazes de descrever tais ações, de forma que estas serão feitas de maneiras distintas, tendo em vista os objetivos e linguagens disponíveis para tal, convertida, assim, em conhecimento-na-ação. Ainda, ao executarmos determinadas ações é possível refletirmos sobre elas durante sua realização, sem interrompê-las, ou seja, refletirmos-na-ação (SCHÖN, 2000). O autor explica que “na reflexão-na-ação, o repensar de algumas partes de nosso conhecer-na-ação leva a experimentos imediatos e a mais pensamentos que afetam o que fazemos – na situação em questão e talvez em outras que possamos considerar como semelhantes a ela” (SCHÖN, 2000, p. 34). Esse tipo de reflexão que ocorre ao longo do andamento da atividade, permite a compreensão, reestruturação e interferências em seu desenvolvimento, de forma a resolver possíveis contratempos ainda na ação. O autor aponta ainda a possibilidade de se refletir-sobre-a-ação, ao olharmos para a ação em um momento posterior – de forma retrospectiva, ou ainda realizar uma pausa no meio da ação para refletir sobre ela, “a fim de descobrir como o nosso conhecer-na-ação pode ter contribuído para um resultado inesperado” (SCHÖN, 1987, p. 26, tradução nossa)11. 10 No original: “The practical involves a constant critique of domination, of institutions, and of repressive forms of authority. (…) there exists no repressive dominance, no asymmetry or inequality among the participants of the educational processes.” (VAN MANEN, 1977, p. 227) 11 No original: “(…) in order to discover how our knowing-in-action may have contributed to an unexpected outcome.” (SCHÖN, 1987, p. 26) 41 É possível compreender que, ao verbalizarmos nossas ações, estamos em um processo de reflexão. Schön (2000) explica que a nossa capacidade de reflexão-na-ação é diferente de sermos capazes de refletir sobre a reflexão-na-ação, ao realizarmos uma descrição verbal, e refletir sobre tal descrição também se coloca como um processo distinto. Assim, o autor explica que “nossa reflexão sobre a reflexão-na-ação passada pode moldar indiretamente nossa ação futura” (SCHÖN, 1987, p. 31). A partir das atuais reflexões a respeito das reflexões-na-ação feitas anteriormente, é possível que se inicie um diálogo entre o pensamento e o fazer, de forma a tornar o profissional mais habilidoso (SCHÖN, 1987). Dessa forma, a partir de tais propostas reflexivas, entende-se que espaços como o da Comunidade de Prática de Teletandem colocam-se como lócus para a reflexão, permitindo assim que os mediadores/professores em formação possam, conjuntamente, compartilhar suas reflexões e com isso contribuírem uns com os outros para a tomada de decisões, formas de se conduzir as mediações e troca de conhecimentos e experiências relativas à área em que atuam. 2.4 Comunidades de Prática Ao pensarmos na formação sociocultural do professor de línguas, reconhecemos a importância da interação entre os docentes e com o contexto social no qual se inserem, de forma que o conhecimento possa ser construído socialmente. Assim, entende-se que o conceito de Comunidade de Prática (CdP), baseado em teorias sociais de aprendizagem (LAVE; WENGER, 1991; WENGER, 1998; WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002), constitui-se como propício para que mediadores de Teletandem e professores de línguas em formação possam refletir e aprender uns com os outros, desenvolvendo, assim, suas capacidades individuais. Dessa forma, uma CdP pode ser caracterizada pela formação de um grupo que partilha uma preocupação, um conjunto de problemas ou uma paixão a respeito de um determinado assunto e, ao interagirem continuamente, são capazes de aprofundar seus conhecimentos na área em que atuam (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002). Assim, o grupo pode compartilhar conhecimentos, conselhos; refletir e buscar soluções para problemas comuns; discutir situações, necessidades; explorar ideias; criar ferramentas ou simplesmente desenvolver um entendimento tácito a respeito do que compartilham (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002). Wenger, McDermott e Snyder (2002) explicam que nem toda comunidade vem a ser uma comunidade de prática, de forma que um grupo de pessoas pode ser chamado de “comunidade” e não desenvolverem uma prática, da mesma forma que uma determinada “prática” executada 42 não necessariamente origina uma comunidade. Com isso, “juntos os termos comunidade e prática referem-se a um tipo muito específico de estrutura social com um propósito muito específico” (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002, p. 41, grifos do autor, tradução nossa)12. Assim, a fim de compreender a estrutura das CdPs, Wenger, McDermott e Snyder (2002) as caracterizam quanto aos seus propósitos de criação e expansão de conhecimentos; formas e razões de pertencimento dos membros, por meio da auto seleção, comprometimento e identificação com o grupo e temáticas; seus limites difusos e tempo de duração, tendo em vista a relevância do tópico e o interesse dos membros na aprendizagem. O Quadro 1 a seguir apresenta tais aspectos das CdPs e de outros tipos de estruturas, de modo que ao serem comparados, é possível notar em quais pontos os grupos se assemelham e se diferenciam. Quadro 1: Distinção entre Comunidades de Prática e outras estruturas Qual o propósito? A quem pertence? Quão nítidos são os limites? O que os mantém juntos? Quanto tempo dura? Comunidades de Prática Criação, expansão e troca de conhecimentos, e desenvolvimento de capacidades individuais Auto seleção baseada em experiência ou paixão por um tópico Difusos Paixão, comprometimento e identificação com o grupo e seus conhecimentos Evolui e termina organicamente (possui duração até que haja relevância do tópico e valor e interesse na aprendizagem conjunta) Departamentos Formais Entregar um produto ou serviço Todos que reportam ao gestor do grupo Nítidos Exigências do trabalho e objetivos em comum Destinado a ser permanente (mas perdura até a reorganização seguinte) Equipes Operacionais Atender a uma operação ou processo contínuo Membros designados pela gerência Nítidos Responsabilidade compartilhada para a operação Destinado a ser contínuo (mas perdura até que a operação seja necessária) Grupos de Projeto Realizar uma determinada tarefa Pessoas que têm um papel direto Nítidos Os objetivos e etapas do projeto Término pré- determinado (quando o 12 No original: “Together the terms community and practice refer to a very specific type of social structure with a very specific purpose.” (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002, p. 41, grifos do autor) 43 na realização da tarefa projeto for concluído) Comunidades de Interesse Para se informar Quem estiver interessado Difusos Acesso a informações e senso de identidade Evoluem e terminam organicamente Redes Informais Para receber e transmitir informação, para saber quem é quem Amigos e negócios conhecidos, amigos de amigos Indefinidos Necessidade mútua e relações Nunca realmente começa ou termina (existem desde que as pessoas mantenham contato ou se lembrem um do outro) Fonte: Wenger, Mcdermott e Snyder (2002), p. 42 – quadro traduzido pela pesquisadora. Ao observarmos as características dos Departamentos Formais, Equipes Operacionais e Grupos de Projetos, entende-se que os objetivos das atividades desenvolvidas se voltam para o cumprimento e entrega de projetos/produtos em que sua duração é relativa à conclusão de tais processos. Além do mais, as relações ali estabelecidas são claras e determinadas a partir de uma hierarquia, de forma que os membros desses grupos assumem cargos designados para a execução de suas funções e cumprimento das demandadas. Assim, nota-se que o que mantém tais grupos unidos são relações de trabalho visando gerenciar processos, atribuir formalmente as funções e relações para o alcance dos resultados comerciais. No que cabe às Comunidades de Interesse e Redes Informais, percebe-se que, de certa forma, estas se diferenciam dos demais grupos e se aproximam entre si, uma vez que visam à troca de informações entre amigos e/ou pessoas interessadas em fazer parte do grupo. Nestas estruturas, os limites não são bem definidos, visto as necessidades e relações mútuas que proporcionam uma identidade comum entre seus membros. No entanto, as Comunidades de Interesse se formam de maneira orgânica e as Redes Informais existem em virtude da manutenção do contato entre as pessoas. É interessante observar que, em alguns aspectos, essas estruturas se aproximam das CdPs, uma vez que há um compartilhamento de informações, são compostas por membros interessados pela temática abordada e, por meio das relações estabelecidas, cria-se uma identidade comum. Porém, Wenger, McDermott e Snyder (2002) afirmam que as CdPs se diferenciam das Redes Informais e das Comunidades de Interesse, uma vez que dizem respeito a um determinado tópico e seus membros não simplesmente se interessam por este tópico, mas 44 desenvolvem uma prática compartilhada. Ainda, entende-se que os limites de uma CdP se dão de forma difusa, visto que, para Wenger (1998), as práticas não ocorrem de maneira isolada no mundo. Porém, argumenta-se que, ao formar um grupo que se desenvolve a partir de um dado domínio, é possível que os limites da CdP sejam definidos, de certa forma, tendo em vista os objetivos propostos pelo grupo que a compõem. As CdPs podem, ainda, apresentar formas variadas, constituindo-se em pequenos ou grandes grupos; possuindo longa ou curta duração, a depender dos objetivos traçados; comunidades locais ou distribuídas ao redor do mundo, em que as novas tecnologias permitiram o contato mais próximo dos membros; grupos homogêneos ou heterogêneos; aquelas que se mantém ou ultrapassam as fronteiras organizacionais (de uma empresa, por exemplo); as espontâneas ou intencionais; e aquelas institucionalizadas ou não reconhecidas (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002). Assim, apesar das diferentes possibilidades de configurar- se e as diversas áreas do conhecimento em que as CdPs podem se desenvolver, estas se diferenciam de demais grupos comerciais, equipes de projeto e associações profissionais. A vista disso, é comum que as CdPs partilhem uma estrutura básica, composta pelo “domínio de conhecimento, que define um conjunto de questões; uma comunidade de pessoas que se preocupam com este domínio; e a prática compartilhada que estão desenvolvendo para serem eficazes em seu domínio” (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002, p. 27, grifos do autor, tradução nossa)13. A partir de um conjunto de relações estabelecidas entre as pessoas, suas atividades e o contexto que as cerca, as CdPs colocam-se como “(...) uma condição intrínseca para a existência do conhecimento, até porque fornece o apoio interpretativo necessário para dar sentido ao seu patrimônio. Assim, a participação na prática cultural em que existe qualquer conhecimento é um princípio epistemológico de aprendizagem (LAVE; WENGER, 1991, p. 98, tradução nossa)14. Por meio de participação social e colaborativa dos membros no contexto da CdP, o processo de aprendizagem e conhecimento desenvolvido não se dá apenas no engajamento de determinadas atividades com algumas pessoas, mas na participação ativa em tais práticas sociais que leva à construção de identidade em relação a comunidade em que participam, moldando o que fazemos, quem somos e como interpretamos o que fazemos (WENGER, 1998). 13 No original: “a domain of knowledge, which defines a set of issues; a community of people who care about this domain; and the shared practice that they are developing to be effective in their domain.” (WENGER; MCDERMOTT; SNYDER, 2002, p.27, grifos do autor). 14 No original: “(…) an intrinsic condition for the existence of knowledge, not least because it provides the interpretive support necessary for making sense of its heritage. Thus, participation in the cultural practice in which any knowledge exists is an epistemological principle of learning.” (LAVE; WENGER, 1991, p. 98) 45 Wenger (1998, p. 5) explica que a participação social como processo de aprendizagem apresenta os componentes de significado, que diz respeito a maneira significativa de vivenciarmos a vida e o mundo; prática, associada a recursos históricos e sociais, estruturas e perspectivas compartilhadas que sustentam o engajamento nas ações; comunidade, relativa às configurações sociais, definidas pelos méritos e a participação reconhecida como competência; e identidade, compreendida a partir da forma como o aprendizado muda quem somos e criam histórias situadas no contexto das comunidades. Ademais, Wenger (1998) afirma que a prática constitui a fonte de coerência de uma comunidade e assim o autor apresenta três dimensões que caracterizam as CdP: engajamento mútuo (mutual engagement), iniciativa conjunta (joint enterprise) e repertório compartilhado (shared repertoire). A prática reside nas relações de “engajamento mútuo” das pessoas nas ações, cujos significados são negociados entre elas para que possam fazer o que quer que façam, diferenciando assim as CdP de um agregado de pessoas definidas por alguma característica (WENGER, 1998). No que cabe à “iniciativa conjunta”, o autor aponta que essa “é o resultado de um processo coletivo de negociação que reflete a complexidade total do compromisso mútuo” (WENGER, 1998, p. 78, tradução nossa)15, de forma a criar entre os participantes responsabilidades mútuas que se fazem parte integrante da prática. Quanto à terceira dimensão, o “repertório compartilhado”, Wenger (1998, p. 83) afirma que este pode ser heterogêneo, correspondendo a rotinas, palavras, ferramentas, formas de fazer as coisas, histórias, gestos, símbolos, gêneros, ações, conceitos que foram produzidos ou adotados ao longo de sua existência e que se tornaram parte de sua prática. Portanto, tais repertórios “ganham sua coerência não em si e de si mesmos como atividades específicas, símbolos ou artefatos, mas pelo fato de pertencerem à prática de uma comunidade em busca de um empreendimento” (WENGER, 1998, p. 82, tradução nossa)16. Tendo em vista a teoria social de aprendizagem que embasa o conceito das CdP, entende- se que a configuração de CdPs em Teletandem colocam-se como fundamentais para o desenvolvimento do trabalho colaborativo e das capacidades individuais, uma vez que as atividades de ensino, aprendizagem e formação de professores neste contexto telecolaborativo pautam-se em uma perspectiva sociocultural, evidenciando, assim, os processos de interação com os outros e com o contexto social em que o grupo se insere. No que tange à formação de 15 No original: “It is the result of a collective process of negotiation that reflects the full complexity of mutual engagement.” (WENGER, 1998, p. 78) 16 No original: “They gain their coherence not in and of themselves as specific activities, symbols, or artifacts, but from the fact that they belong to the practice of a community pursuing an enterprise” (WENGER, 1998, p. 82). 46 professores, concordamos com Bedran (2012, p. 61) que, por meio da interação nas CdPs em contextos coletivos virtuais, os professores-formadores e professores-aprendizes redefinem seus papéis e a forma como aprendem e ensinam, podendo contemplar os aspectos que envolvem uma formação contemporânea do professor de línguas. Portanto, a Comunidade de Prática de Teletandem (CdPT) objetivou a criação e o desenvolvimento de um espaço destinado aos mediadores do Teletandem Araraquara, sendo estes professores em formação. Nesta seção, foi apresentado o arcabouço teórico que embasa o presente trabalho. A seguir, descreve-se a metodologia de pesquisa. 47 3. METODOLOGIA Visando investigar como o contexto telecolaborativo pode contribuir para a formação de professores de línguas por meio da CdPT, nesta seção disserta-se a respeito dos procedimentos metodológicos utilizados, no que cabe à natureza da pesquisa (ANDRÉ, 1995; DÖRNYEI, 2007; ERICKSON, 1986; MINAYO, 2002;), ao contexto investigado, aos participantes de pesquisa, aos instrumentos de coleta de dados e aos procedimentos de análise (BOGDAN; BIKLEN, 2006; DÖRNYEI, 2007; MCDONOUGH; MCDONOUGH, 1997). 3.1 Natureza da pesquisa A presente pesquisa apresenta uma metodologia de natureza qualitativa, de forma a permitir que as relações, os processos e os fenômenos de um determinado contexto sejam analisados de maneira profunda ao se investigarem os significados das ações e relações humanas (MINAYO, 2002). Dörnyei (2007) explica que, com o objetivo de descrever um dado fenômeno, a pesquisa qualitativa se ocupa em captar certos níveis de detalhes do contexto estudado, o que demanda contato intenso e prolongado com o ambiente de pesquisa. Nesta perspectiva qualitativa, os dados obtidos podem corresponder a entrevistas gravadas, notas de campo, vídeos e imagens que, em sua maioria, são transformados em texto, permitindo assim que opiniões, experiências, sentimentos e pontos de vista dos participantes de pesquisa sejam explorados (DÖRNYEI, 2007). À vista disso, nota-se que “a pesquisa qualitativa é fundamentalmente interpretativa, o que significa que o resultado da pesquisa é, em última análise, o produto da interpretação subjetiva dos dados por parte do pesquisador” (DÖRNYEI, 2007, p. 38, tradução nossa)17. Dessa forma, compreende-se que este trabalho possui cunho interpretativista, uma vez que os dados obtidos foram analisados segundo a visão subjetiva da pesquisadora, inserida no ambiente estudado. De acordo com Erickson (1986), ao contar com a participação intensiva e de longo prazo no campo de estudo; com registros em notas de campo e coletas de demais evidências a respeito do que acontece no ambiente observado; e reflexões analíticas e relatos a respeito dos dados obtidos, a pesquisa interpretativa mostra-se reflexiva, visto que o pesquisador acompanha e identifica os eventos observados